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FILOSOFIA BERTUOLO

Published by Comunicação UniRV, 2019-09-19 08:31:52

Description: FILOSOFIA BERTUOLO

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FI LO SO FIFIA LO FISAO: para compreender e praticar Claudemir Bertuolo 1



Apresentação Este primeiro e-book corresponde ao conteúdo da unidade 1, au- las 1 até 6, da disciplina de Filosofia. O material foi pensado como um mapa para o acompanhamento da disciplina dentro de uma perspectiva de aprendizagem autônoma. Assim, para um conhecimento mais profundo sobre cada assunto você deverá fazer pesquisas em outros materiais, sites indicados e livros, indo à biblioteca física ou acessando a biblioteca virtual. Importante destacar que o fato da disciplina ser “a distância” não significa ficar sem conexão com o professor e a UniRV, estaremos sem- pre à disposição para tirar dúvidas no chat, live, fórum ou por e-mail. Portanto, sempre que tiver dúvidas, entre em contato, em tempos tec- nológicos não há motivos para nos distanciarmos. Bons estudos! UniRV Virtual



Palavras do Professor Caro(a) acadêmico(a), Você está iniciando o estudo dos conceitos básicos da Filosofia. Ao interagir com este conteúdo pretende-se que você tenha con- dições de posicionar-se no mundo de uma forma reflexiva, crítica, des- critiva e interpretativa diante da realidade que o envolve. Didaticamente serão três e-books apresentando um recorte diante de tudo que é possível discutir sobre filosofia. Neste primeiro material, os estudos vão contemplar o nascimento da filosofia e seus aspectos introdutórios. Nos dois próximos, os principais períodos, escolas e es- tudos da filosofia e as questões práticas do cotidiano, tais como a vida, a verdade, o ócio, o belo, a felicidade, direitos dos animais, bioética, ética e moral, vida e morte, dentre outros. Certos de que a complexidade dos assuntos tratados aqui não se esgotam em uma disciplina, tem-se como proposta despertar o seu interesse na busca de novos conhecimentos. Um grande abraço! Professor Bertuolo



UNIDADE 1 ASPECTOS FUNDANTES DA FILOSOFIA Objetivo da unidade Compreender quais os principais aspectos históricos que permiti- ram o aparecimento da filosofia. Seções de estudo Seção 1 – O desejo do homem em compreender Seção 2 – Utilidade da Filosofia Seção 3 – O que é Filosofia Seção 4 – Nascimento da Filosofia Seção 5 – Mitologia Grega Seção 6 – Passagem do mito para o pensamento filosófico



Seção 1 O desejo do homem em compreender. Objetivo: Entender o homem como um ser que pensa, busca explicações e é capaz de compreender



1.1 SER QUE PENSA FI LO O que diferencia o homem dos demais animais é exatamente a SO capacidade de pensar, mas é certo que passamos por um processo de FIA “humanização” por meio da socialização, uma vez que não nascemos com características tipicamente humanas. De qualquer forma, o ser humano é um ser pensante e, diante das coisas do mundo e da realidade, o homem, manifesta o desejo e a necessidade de conhecer, de explicar, de compreender e de dominar. Assim, como Ser imerso no mundo, o homem encontra-se no mundo, enfrentando-o, procurando um sentido para ele e transformando-o, diferentemente dos outros seres vivos que “apenas” estão imersos no mundo. A folha cai sem se dar conta da sua queda e o animal segue seus instintos sem se perguntar a razão. De acordo com Nietzsche (1983, p. 139), “nosso impulso ao conhecimento é forte demais para que ainda sejamos capazes de estimar a felicidade sem conhecimento” Para Buzzi (1983, p.11), “pensar, na significação etimológica do termo, quer dizer so pesar, pôr na balança para avaliar o peso de al- guma coisa”, isso quer dizer que para pensar é necessário avaliar e descobrir o real “peso” das coisas, onde conclui-se que o conheci- mento dos fatos e da realidade é obra daqueles que pensam. O Pensador Auguste Rodin https://www.gratispng.com/png-pn7job/ 11

FI 1.2. SER QUE BUSCA EXPLICAÇÕES LO SO Pensar é filosofar e trata-se de uma atividade humana. O homem FIA que pensa é irrequieto e levanta suspeita em relação ao que vê e as coisas como se apresentam estimula o pensamento. O exercício do pensamento desvela mistérios, faz aparecer o que estava escondido, descobre a realidade. O homem, impressionado por tudo que o envolve quer esteja-lhe próximo ou distante, tenta explicar mediante a razão. Desde o princípio da filosofia Ocidental há a convicção de que uma vida vivida sem refle- xão não vale a pena, não tem sentido, de acordo com Socrátes. 1.3. SER CAPAZ DE COMPREENDER Compreender o mundo, o tipo de sociedade, o tipo de cultura e de civilização que o homem está envolvido é tarefa imprescindível para o próprio ser humano. Mas, esta tarefa se executa por meio do pensar que leva ao conhecimento que dá qualidade às escolhas humanas e à realização dos propósitos de vida. O pensamento e o conhecimento produzem ideias e movimentam o mundo em todas as dinâmicas da vida. Ou seja, ao avaliar e pesar as coisas, os fatos e situações cotidianas torna o homem protagonista da sua própria história, livrando-o das amarras da ignorância e das cor- rentes totalitárias que sempre estão à postos para que o homem não pense, alienando-o da sua existência e fazendo-o viver um projeto de vida que não é o seu. Por isso a Filosofia é capaz de fazer pensar, explicar e compreen- der os mistérios da existência. 12

Seção 2 Objetivo: Identificar a necessidade da atividade filosófica na vida cotidiana.



FI LO SOAo estudar Filosofia podemos nos perguntar: Para quê utilizar o FIAmeu tempo fazendo reflexões em relação a questões tão angustiantes ou incômodas? Para quê pensar na vida e nas suas limitações? Uma resposta possível é pensar que: A Filosofia é um instrumento de ação e transformação do mundo. O seu ob- jetivo é a melhoria da vida humana. Isso equivale a dizer que, o filósofo não apenas alguém que indaga e que questiona o significado das coisas que se constituam em problemas para os homens, mas, sobretudo, alguém que bus- ca, por meio da interrogação e da reflexão metódica, respostas que possam contribuir na promoção da melhoria de nossa existência (CABRAL, 2006, p.14). Se você está no grupo que deseja “existir” de uma forma melhor, a Filosofia pode ser o caminho. A utilidade da Filosofia está na bus- ca do “abandono da ingenuidade e preconceitos, na autonomia fren- te as ideias dominantes e aos poderes estabelecidos, na compreensão do significado do mundo, da cultura e da história, na consciência de si mesmo e das próprias ações, numa prática voltada para a liberdade e a felicidade” (CABRAL, 2006, 18). a) Visão de mundo: conjunto de valores e ideias. b) Sabedoria de vida: controle dos sentimentos, desejos e impulsos. c) Concepção do universo: totalidade ordenada e dotada de sentido em uma relação de causa e efei- to. d) Fundamentação teórica e crítica: base sólida para demonstração verdadeira. 15



Seção 3 Objetivo: Conhecer e compreender a Filosofia como indagação e reflexão, crítica.

FI 3.1 – Definição LO SO O termo “definição” encerra em si mesmo a ideia de um fecha- FIA mento, de um algo concluso, delimitado e sem margem a novas pers- pectivas. Em relação à “filosofia”, acomodá-la em uma forma genérica também não parece dar conta de sua grandeza, porque cada corrente filosófica, período histórico ou autor pode dar-lhe contornos específi- cos. No entanto, de uma forma didática e pensando apenas etimologi- camente, a palavra tem origem grega: philosophia. “Filo” vem de philo que por sua vez vem de philia e significa “amor fraterno”, “amizade”. “Sofia” vem shophia que vem de sophos ou “saber”. Filosofia, assim, significa “amor ao saber”, gran- de amizade pelo saber e o filósofo é aquele que tem um amor especial pela sabedoria. É creditado ao grego Pitágoras de Samos a invenção da palavra “filosofia” no século V a.C. De acordo com Pitágoras “a sabedoria plena e comple- ta pertence aos deuses, mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos” (CHAUI, 2008, p. 25). A Filosofia, desde a sua origem, nunca esteve ligada a competição, ao calor mercantilista, mas sim, e nisso consiste seu “amor”, apenas no desejo de observar, contemplar, avaliar as coisas, as ações, sendo o filósofo movido então, apenas pelo querer saber. O ato de filosofar origina-se no espanto, no estranhamento produ- zido no instante em que nos vemos diante de uma coisa nova que, não sendo compreendida, provoca um estado de conflito cognitivo, levando a questionar a forma corriqueira com que o fato era pensado até aque- le instante. 18

Nesta busca pelo novo conhecimento, o filósofo deve ser entendido FI como um apaixonado perene pela verdade e isso requer método para LO formular e reformular perguntas e interrogar (CABRAL, 2006). SO FIA Um ponto central na Filosofia é saber se o ser humano é capaz de chegar à verdade. Muitos pensadores se debruçaram nesta busca, inclusive querendo encontrar a es- sência ou a realidade primeira da verdade. Esta busca ainda hoje é um ponto impor- tante na Filosofia e quiçá chegássemos a esta “realidade primeira” teríamos a so- lução para muitos dos problemas coti- dianos. O termo verdade em Filosofia é um modo de pensar o mundo por meio da análise, do questionamento e da reflexão. Embora transitório, o conhecimento verdadeiro deve ser sempre uma meta incessante a ser buscada. Verdade pode ser entendida como aquilo que corresponde à realidade do ser. 19

FI 3.2 – A atitude filosófica ligada à indagação LO SO Significa interrogar reflexivamente acerca de si mesmo, do outro e do FIA mundo buscando saber “o que é, porque é e como é o mundo e, ao mesmo tempo, querendo compreender quem somos, porque somos e como so- mos” (CABRAL, 2006, p. 12). Para dar conta desta busca pela verdade, o filósofo não pode caminhar ao vento, mas deve olhar para si, para o mundo e para o outro de maneira crítica e de busca se sentido, ou seja, é preciso ter uma atitude filosófica. Esta atitude é que nos tira do senso comum, definido como um conhe- cimento aceito como “normal”, acrítico e superficial. Independentemente do que se pretende indagar, a atitude filosófica demanda algumas características: os comportamentos .................. 20

“Crítica” vem do grego e tem três sentidos principais: FI 1) capacidade para julgar e decidir corretamente. LO 2) exame racional de todos os elementos envolvidos sem preconceitos e SO sem prejulgamento. FIA 3) atividade de examinar e avaliar detalhadamente uma ideia, um valor, um comportamento. 3.3 – A reflexão filosófica A atitude filosófica deve vir acompanhada de uma reflexão filosófica radical, rigorosa e de conjunto. A radicalidade está ligada à raiz do pro- blema e das coisas questionadas. O rigor requer a crítica e o questiona- mento. Já o conjunto envolve a universalidade e não um exame parcial. Para Chaui (2008, p. 20), a reflexão filosófica: organiza-se em torno de três grandes conjuntos de perguntas ou questões: 1) “Por que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos e fazemos o que fazemos”? Isto é, quais os motivos, as razões e as causas para pensarmos o que pensamos, dizermos o que dizemos, fazermos o que fazemos? 2) “O que queremos pensar quando pensamos, o que queremos dizer quando falamos, o que queremos fazer quando agimos?” Isto é, qual é o conteúdo ou o sentido do que pensamos, dizemos ou fazemos? 3) “Para que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos, fazemos o que fazemos?” Isto é, qual é a intenção ou a finalidade do que pensamos, dizemos e fazemos? 21

FI Em relação a estas duas realidades, atitude filosófica e reflexão filosófi- LO ca, Chaui (2008, p.21) diz: SO FIA A atitude filosófica inicia-se indagando “O que é?”, “Como é?”, “Por que é?”, di- rigindo-se ao mundo que nos rodeia e aos seres humanos que nele vivem e com ele se relacionam. São perguntas sobre a essência (O que é?), a significação ou estrutura (Como é?), a origem (Por que é?) e a finalidade (Para que é?) de todas as coisas. É um saber sobre a realidade exterior ao pensamento. Já a reflexão filosófica, ou o “Conhece-te a ti mesmo”, indaga “Por quê?”, “O quê?”, “Para quê?” e se dirige ao pensamento, à linguagem e à ação, ou seja, volta-se para os seres humanos. São perguntas sobre a capacidade e a finalida- de para conhecer, falar e agir, próprias dos seres humanos. É um saber sobre o homem como ser pensante, falante e agente, ou seja, sobre a realidade interior dos seres humanos. Para Sócrates, “uma vida sem reflexão não merece ser vivida”. Com estas palavras ele queria dizer que uma vida vivida sem avaliação e princípio é uma vida conduzida pelo acaso e terceirizada. 22

Seção 4 Objetivo: Identificar as condições históricas que contribuíram para o surgimento do pensamento ocidental.



A Filosofia nasce na Grécia, por volta das últimas décadas do sé- FI culo VII e na primeira metade do século VI a.C. e o primeiro filósofo, LO de acordo com Aristóteles, foi Tales de Mileto, que além de filósofo, foi SO cientista e um equilibrado político. Não consta que tenha escrito livros e FIA seu pensamento é conhecido mediante a tradição oral indireta (REALE; ANTISERI , 2017). Reconhecer que o pensamento filosófico é grego não significa que outros povos (chineses, árabes, persas, hebreus, hindus etc.) não era dotado de sabedoria. O que se identifica é que o povo grego tinha uma forma diferenciada de pensar e de manifestar seus pensamentos que o distinguia de outros povos e culturas. Para Reale e Antiseri (2017), muitas manifestações artísticas, cren- ças, cultos religiosos, habilidades técnicas estavam presentes em outros povos orientais, mas, em relação à Filosofia, não é possível encontrar sequer algo que, analogicamente, possa ser comparado à Filosofia gre- ga. Com a Filosofia, continuam os autores, os gregos colocaram à dis- posição da civilização algo revolucionário capaz de modificar a própria civilização. De acordo com Chaui (2008), as condições históricas contribuíram para o surgimento da Filosofia na Grécia: a) as viagens marítimas: os gregos, ao viajarem entravam em con- tato com outros povos e lugares se davam conta de que estes espaços não eram habitados por deuses, titãs e heróis e sim por outros seres humanos; b) a invenção do calendário: o tempo passar a ser calculado e en- tendido como algo natural e não como uma interferência divina incom- preensível. 25

FI c) invenção da moeda: a troca passa a ser feita com base em cálculo LO e valor das coisas eliminando o escambo, a abstração e a generalização. SO FIA d) o surgimento da vida urbana: o surgimento do comércio e do artesanato impulsiona nova classe de comerciantes ricos em detrimento das famílias aristocráticas proprietárias de terra. Essa nova classe busca “prestígio no patrocínio e estímulo às artes, às técnicas e aos conhe- cimentos, favorecendo um ambiente onde a Filosofia poderia surgir” (p.37). e) a invenção da escrita alfabética: assim como a invenção do calen- dário e da moeda, “revela a capacidade de abstração e de generaliza- ção”. Em outras escritas “o signo representa a coisa assinalada, enquanto na escrita alfabética a palavra designa uma coisa e exprime uma ideia” (p.37). f) a invenção da política: que assinala três aspectos decisivos para o nascimento da Filosofia: 1- A lei como expressão da vontade da coletividade, que decide o que é melhor para si mesma. “O aspecto legislado e regulado da cidade – da pólis – servirá de modelo para a Filosofia propor o aspecto legislado, regulado e ordenado do mundo como um mundo racional” (p.37). 2- O aparecimento do espaço público que demanda um novo posi- cionamento discursivo, diferente daquele ligado ao mito. A palavra apa- rece como direito de cada integrante da pólis. 3- A política acaba com os pensamentos e discursos idealizados se- cretamente por seitas e ligados a mistérios sagrados. “Um pensamento que todos podem compreender e discutir, que todos podem comunicar e transmitir, é fundamental para a Filosofia” (p.38). 26

Filosofia na Grécia surgiu quando alguns pen- FI sadores gregos, admirados e espantados LO com a realidade e, ainda, insatisfeitos com SO as explicações tradicionalistas começam a FIA fazer perguntas e buscar respostas. Percebe-se que as condições sociopolíticas e econômicas permiti- ram o surgimento da Filosofia, que atingiu o seu ápice em Atenas, cidade onde aconteceu a maior liberdade desfrutada pelos gregos. 27



Seção 5 A mitologia grega Objetivo: Compreender as principais diferenças entre o pensamento mítico e o pensamento filosófico.



A civilização grega tem origens no século XX a.C., há cerca de treze FI séculos antes do surgimento da Filosofia, o que não implica dizer que LO os gregos não se preocupassem em conhecer o mundo e sua origem, o SO funcionamento da natureza e os valores básicos. No entanto, antes da FIA Filosofia, as explicações a estas questões se davam por meio dos mitos. Sobre os primórdios da Filosofia Martins Filho (1997, p.19) diz, Nos primórdios da história, as explicações que os homens davam para os fe- nômenos e para as coisas eram de caráter mitológico: forjavam mitos em que os deuses permeavam todos os acontecimentos (lendas e estórias de seres fa- bulosos, heróis e divindades) e que eram transmitidos de geração em geração através da tradição oral [...] Os gregos são o primeiro povo a dar explicações racionais às coisas, surgindo daí a Filosofia. O mito era uma forma dos gregos interpretarem e se apropria- rem do real, não se trata de uma mentira deliberada, mas sim de uma sugestão e intuição que imagina as origens e os sentidos daquilo que existia. De outra forma, também, o mito, atualiza, ordena, legitima e estabiliza de maneira hierárquica as relações entre os homens. A palavra mito vem do grego mythos, que significa “relato”, algo ligado à imaginação, ao discurso ficcional, aos sentimentos humanos e não à lógica científica. A narrativa mítica não se preocupa com a coe- rência dos argumentos, nem tampouco com fatos que comprovem sua veracidade. As lendas e narrativas míticas não são produto de um autor ou autores, mas parte da tradição cultural e folclórica de um povo. Sua origem cronológica é in- determinada e sua forma de transmissão é basicamente oral. [...] Por ser parte de uma tradição cultural, o mito configura assim a própria visão de mundo dos indivíduos, a sua maneira mesmo de vivenciar esta realidade. Nesse sentido, o pensamento mítico pressupõe a adesão, a aceitação dos indivíduos, na medida em que constitui as formas de sua experiência do real. O mito não se justifica, não se fundamenta, portanto, nem se presta ao questionamento, à crítica ou a correção (MARCONDES, 2007, p. 20). 31

FI Ainda, de acordo com o autor, LO SO Um dos elementos centrais do pensamento mítico e de sua forma de explicar a FIA realidade é o apelo ao sobrenatural, ao mistério, ao sagrado, à magia. As causas dos fenômenos naturais, aquilo que acontece aos homens, tudo é governado por uma realidade exterior ao mundo humano e natural, superior, misteriosa, divina, a qual só os sacerdotes, os magos, os iniciados, são capazes de interpretar, ainda que apenas parcialmente (MARCONDES, 2007, p. 20). Mito é diferente de fábula, conto e lenda A fábula é uma história ou pequena narrati- va em que os animais ou forças da natureza falam e dialogam uns com os outros como se fossem humanos. Contos de fadas: contam histórias de príncipes e princesas e não incluem, obrigatoriamente, alguma lição de mo- ral. A lenda do tipo folclórica é influen- ciada pela miscigenação do povo e é fruto da imaginação popular. O Mito narra a origem do mundo e de tudo o que nele existe de três principais maneiras: a) Encontrando o pai e a mãe das coisas. b) Encontrando uma rivalidade ou uma aliança entre os deuses. c) Encontrando as recompensas ou castigos que os deuses dão a quem lhes obedece/desobedece. 32

O Mito também narra a origem das coisas por meio de lutas, FI alianças e relações sexuais entre forças sobrenaturais que governam LO o mundo e o destino dos homens. Uma vez que os mitos sobre a SO origem do mundo são genealogias, diz-se que são cosmogonia e te- FIA ogonia. Cosmogonia - A palavra gonia origina-se do verbo grego gennao (engendrar, gerar, fa- zer nascer e crescer) e do substantivo ge- nos (nascimento, gênese, descendência, gênero, espécie). Gonia, portanto, quer dizer “geração, nascimento a partir da con- cepção sexual e do parto. Cosmos quer dizer “mundo ordenado e organizado”. Assim, a cosmogonia é a nar- rativa sobre o nascimento e a organização do mundo a partir de forças geradoras (pai e mãe) divinas. Teogonia - Palavra composta de gonia e theos, que, em grego, significa “as coisas divinas, os seres divinos, os deuses”. A teogonia é, portanto, a narrativa da origem dos deuses a partir de seus pais e antepassados. 33

FI LO SO FIA Diferenças entre Filosofia e mito Mito Filosofia Narração de como as coisas eram ou ti- Preocupa-se em explicar como e por nham sido no passado imemorial, longín- que, no passado, no presente e no fu- quo e fabuloso. turo (isto é, na totalidade do tempo), as coisas são como são. Origem através de genealogias e rivali- Explica a produção natural das coisas dades ou alianças entre forças divinas por elementos e causas naturais e im- sobrenaturais e personalizadas. pessoais. Não se importava com contradições, com Exige que a explicação seja coerente, o fabuloso e o incompreensível (a crença lógica e racional; além disso, a autorida- no mito vinham da autoridade religiosa de da explicação não vem da pessoa do do narrador) filósofo, mas da razão. A ruptura do pensamento mítico em relação ao pensamento filosófico não acontece de forma completa e imediata, ou seja, o mito não desa- parece de maneira imediata, ele vai sobrevivendo e mudando progres- sivamente. Pode-se perceber pelo contexto do surgimento da Filosofia na Grécia, que o pensamento mítico, com seu apelo ao sobrenatural e aos mistérios, vai assim deixando de satisfazer as necessidades da nova organização social, mais preo- cupada com a realidade concreta, com a atividade política mais intensa e com as trocas comerciais. É nesse contexto que o pensamento filosófico-científico encontrará as condições favoráveis para seu nascimento (MARCONDES, 2018, p.22). 34

Seção 6 Objetivo: Compreender as noções de physis, causalidade, arqué, cosmo, logos e crítica.



O período que caracteriza o pensamento filosófico é quando acontece FI a passagem do processo mítico, de uma mentalidade mitopoética (fa- LO zedora de mitos) para um pensamento filosófico “de fato”, considerado SO científico. Este momento é de explicação da realidade por meio de con- FIA ceitos teóricos sobre a natureza que são desenvolvidos a partir de então. De acordo com Marcondes (2018, p. 24), “embora essas noções sejam ainda um tanto imprecisas, já que se trata do momento mesmo de seu surgimento, podemos dizer que a filosofia e a ciência têm aí o seu início em nossa tradição cultural”. Destaca-se que “o surgimento do pensamento racional e filosófico não significou o desapa- recimento do pensamento mítico, mas, tão- -somente, que o mito deixou de ser a única forma de se ver e compreender o homem e o mundo” (CABRAL, 2008, p.67). Para Marcondes (2018, p-24-28), as noções fundamentais que marcam a passagem do pensamento mítico para o filosófico-científico são: a) A physis A palavra pode ser traduzida por “natureza”, sendo o objeto de investi- gação dos primeiros filósofos o mundo natural, com construção de teo- rias que explicam de modo causal os processos e fenômenos naturais a partir de causas puramente naturais. De acordo com Chaui (2008, p. 39), 37

FI physis é uma palavra que vem de um verbo que significa ‘fazer surgir, fazer LO brotar, fazer nascer, produzir’, sendo ele a causa natural contínua e imperecível SO da existência de todos os seres e de suas transformações. A physis não pode FIA ser conhecida pela percepção sensorial (esta só nos oferece as coisas já exis- tentes), mas apenas pelo pensamento. O objeto de investigação destes primeiros filósofos, chamados por Aris- tóteles de physiólogos, ou seja, teóricos da natureza (physis), é o mun- do natural; “sendo que suas teorias buscam dar uma explicação causal dos processos e dos fenômenos naturais a partir de causas puramente naturais, isto é, encontráveis na natureza” (MARCONDES, 2018, p.24). b) A causalidade A característica utilizada pelos primeiros filósofos para a explicação da natureza invoca a causalidade, mas tem-se um problema: toda causa é efeito de uma outra causa há, assim, um caráter regressivo infinito na busca por uma causa anterior. Cada efeito é resultado de uma outra causa sucessivamente. Para não cair na explicação mitológica, que dava às origens sempre um esclarecimento misterioso e inexplicável, os filósofos precisaram admi- tir a existência de uma causa primeira, um princípio, ou conjunto de princípios que servisse de ponto de partida para todo o processo racio- nal. Este princípio foi chamado de arqué (MARCONDES, 2018). c) Arqué (ou arkhé ou arché) A Arqué é o princípio originário e serve para resolver o problema da 38

FI LOcausalidade ao infinito. Este princípio é “aquilo do qual todos os seres SOsão constituídos e aquilo do qual derivam originariamente e no qual se FIAdissolvem por último, é uma realidade que subsiste idêntica mesmo na transmutação das suas afecções, ou seja, uma realidade que continua existindo imutável, mesmo mediante o processo generativo de todas as coisas” (REALE; ANTISERI, 2017, p. 29). Ainda, de acordo com Reale e Antiseri (2017, p. 29), o princípio é: 1) a fonte e a origem de todas as coisas; 2) a foz e o termo último de todas as coisas; 3) a permanente sustentação que governa todas as coisas. Por fim, pode ser definido como aquilo de onde vêm, aquilo no qual vão acabar, aquilo pelo qual são e subsistem todas as coisas. d) O cosmo Em grego, kosmos está relacionado às ideias de ordem, harmonia e be- leza. Neste sentido, Marcondes (2018, p.26) afirma que: O cosmo é assim o mundo natural, bem como o espaço celeste, enquanto rea1i- dade ordenada de acordo com certos princípios racionais. A ideia básica de cos- mo é, portanto, a de uma ordenação racional, uma ordem hierárquica, em que certos elementos são mais básicos, e que se constitui de forma determinada, tendo a causalidade como 1ei principal. O cosmo, entendido assim como ordem, opõe-se ao caos, que seria precisamente a falta de ordem, o estado da matéria anterior à sua organização. É importante notar que a ordem do cosmo é uma ordem racional, “razão” significando aí exatamente a existência de princípios e leis que regem, organizam essa rea1idade. É a racionalidade deste mundo que o torna compreensível, por sua vez, ao entendimento humano. 39

FI e) O logos LO SO O termo grego logos significa literalmente discurso. É uma narrativa expli- FIA cativa que difere da narrativa mítica, pois neste, certos princípios lógicos não são exigidos. Recorrendo a Marcondes (2018, p. 26-27) novamente: O lógos é fundamentalmente uma explicação, em que razões são dadas. É nesse sentido que o discurso dos primeiros filósofos, que explica o real por meio de causas naturais, é um logos. Essas razões são fruto não de uma inspiração ou de uma revelação, mas simplesmente do pensamento humano aplicado ao en- tendimento da natureza. O logos. É, portanto, o discurso racional, argumentativo, em que as explicações são justificadas e estão sujeitas à crítica e à discussão. Daí deriva, por exemplo, o termo “lógica”. Porém, o próprio Heráclito caracteriza a realidade como tendo um logos, ou seja, uma racionalidade que seria captada pela razão humana. Portanto um dos pressupostos básicos da visão dos primei- ros filósofos é a correspondência entre a razão humana e a racionalidade do real, o que tomaria possível um discurso racional sobre o real. Heráclito de Éfeso, conhecido como “o obscuro”, nas- ceu na cidade de Éfeso, por volta de 540 a.C., antiga colônia grega, região da Jônia na Ásia Menor, atual Turquia. Tendo em vista seus conceitos, foi o criador do pensamento dialético, a doutrina dos contrários, onde, das contradições, surgem a unidade dialética. Resumidamente a dialética propõe a busca da verdade atra- vés da relação entre dois conceitos opostos, numa relação de interdependência. Considerado o “pai da dialética”, Heráclito, afirma que todas as coisas por meio da dualidade, cujo o “logos” é sua resultante, ou seja, o conhecimento, nasce desse embate. Fonte: https://www.todamateria.com.br/heraclito/ 40

f) O caráter crítico FI Esta é a verdadeira particularidade da atitude filosófica. As noções LO apresentadas anteriormente são teóricas e esta é uma noção prática SO que marca o movimento do pensamento mítico para o filosófico. Nes- FIA te sentido, Marcondes (2018, p-27-28), afirma: Um dos aspectos mais fundamentais do saber que se constitui nessas pri- meiras escolas de pensamento, sobretudo na escola jônica, é seu caráter crítico. Isto é, as teorias aí formuladas não o eram de forma dogmática, não eram apresentadas como verdades absolutas e definitivas, mas como passí- veis de serem discutidas, de suscitarem divergências e discordâncias, de per- mitirem formulações e propostas alternativas. Como se trata de construções do pensamento humano, de ideias de um filósofo – e não de verdades reve- ladas, de caráter divino ou sobrenatural –, estão sempre abertas à discussão, à reformulação, a correções. Na Grécia pré-socrática surgiram diferentes escolas de pensamento racional que propu- nham resolver o mesmo problema: qual a origem racional do universo? Dentre essas escolas, está a Escola Jônica: surgida na região da Jônia, atual Turquia, foi palco para os primeiros pensadores formula- rem hipóteses parecidas para o surgimento do universo. PORFíRIO, F. “Escolas filosóficas pré-socráticas”; Brasil Escola. Disponível em: <brasilescola.uol.com.br/filosofia/escolas-filosoficas-pre-socraticas.htm>. Aces- so em: 02 de fevereiro de 2019 41

FI LO SO Referências FIA BUZZI, A. Introdução ao pensar. Petrópolis: Vozes, 1983. CABRAL, C. A. Filosofia. São Paulo: Editora Pillares, 2006. CHAUI, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2008. MARCONDES, D. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráti- cos a Wittgenstein. 6. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2018. MARTINS FILHO, I. G. Manual esquemático de história da filo- sofia. São Paulo: Editora LTR, 1997. NIETZSCHE, F. W. Obras incompletas. [Os Pensadores], 5. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1983. REALE, G.; ANTISERI, D. Filosofia. Volume I: Antigüidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 2017. 42

Para saber mais FI LO Consulte os sites e leia o texto abaixo para saber mais sobre Filosofia. SO FIA http://www.filosofia.com.br/tv_show.php?id=439 Música: Metamorfose Ambulante https://www.letras.mus.br/gleison-tulio/758249/ Site http://www.filosofia.com.br/tv.php https://super.abril.com.br/especiais/uma-breve-historia-da-filosofia/ 43


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