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Revista Pentagrama 2016 - Numero 3

Published by Adele Abdalla, 2017-02-08 09:40:33

Description: O que vem a ser o equilíbrio, a harmonia?

Esta edição procura responder a esse tema apontando para nossas resoluções diárias e nossa atitude perante a Alma.

O pensamento chinês esclarece a questão a partir dos elementos básicos, a homeopatia indica a relação química entre nossa vida e a tabela periódica. Um belíssimo poema capta a mesma sabedoria, falando sobre "o passo que não queremos dar".

E, acima de tudo, temos um esplendido ensaio de Ralph Waldo Emerson sobre "A Alma Suprema".

Desejamos que a profundidade dessa leitura possa abrir caminho em seus corações!

Keywords: equilibrio,homeopatia,alma,vida,pensamento chines,quimica,harmonia

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2016 número 3PentagramaLectorium Rosicrucianum A busca de nosso próprio centro trazharmonia, equilíbrio e autoconfiança 1

balizas para uma viagem terrestre e cósmica os contornos do mundo da alma para alunos e amigos – Lectorium Rosicrucianumperspectiva: assim como é no alto, é embaixo – o milagre do cotidiano pentagrama – base da consciência da almapentagrama

ANO 38 • 2016 número 3 Pentagrama Uma criança brinca na praia. Esquecida de si mesma, ela se maravilha com o mar, sem tomar consciência dos quatro elementos que em perfeita harmonia se apresentam a ela. O fogo (o sol), o ar, a água e a terra, manifestados em suas expressões mais simples como calor, frescor, mar e areia, constituem, juntos, a onda que traz em si o prana, o quinto elemento, a força vital que preenche a atmosfera. Somos milhares de pessoas que vão à praia e ao voltar para casa ainda podemos sentir seus efeitos benéficos por alguns dias. Já em relação à harmonia em nossas vidas, não é possível mantê-la tão facilmente. A sociedade e o trabalho são pesos difíceis de serem compensados em nossa busca pelo equilíbrio. Segundo o pensamento chinês, esse equilíbrio depende da interação harmoniosa entre os cinco elementos no homem. Em um simpósio que ocorreu no centro de conferências de Noverosa, Dianne Sommers expôs as correlações entre esses cinco elementos e o ser humano, bem como entre a saúde e o curso da vida. Jan Scholten completou o tema apresentando a tabela periódica dos elementos químicos sob uma nova óptica, também relacionando-a à vida. Nesta edição da Pentagrama se encontram as exposições dos dois conferencistas. Essa mesma onda temática nos traz o artigo “Não sei seu nome”, que está relacionado com o “sétimo capítulo”, aquele que ainda precisa ser escrito. E talvez se torne mais fácil “dar o passo que não queremos dar”, após a leitura do texto que nos traz a reflexão sobre o assunto. Esperamos que esta edição da revista Pentagrama possa contribuir para o justo equilíbrio em nossas vidas.CapaSaudando o Oceano, de deadpoet88 1

Conteúdo4 Tornar-se homem verdadeiramente Catharose de Petri8 “Não sei seu nome”14 O passo que você não quer dar20 O grande traço de união26 Doença: disfunção do núcleo central do ser 28 A ação dos lantanídeos - Jan Scholten 38 A arte de curar no pensamento chinês - Dianne Sommers 50 Compreendendo a razão de ser da doença52 A atenção58 A prodigiosa flor60 A Alma suprema Ensaio78 A Cruz Celta Símbolo80 Mundo imaginário Crônica2 Conteúdo

imagens do mundoÓ trompetista! Acho que sou, eu mesmo, o instrumento visão do futuro; que tocas! Derretes meu coração, meu cérebro – moves, Concede-me, ao menos uma vez, sua profecia e a alegria dedesenhas, transforma-os à vontade: realizá-lo.E agora tuas notas sombrias enviam trevas que me perpas-sam; Retiras toda luz animadora – toda esperança: Ó alegre e exultante canção das alturas! Vejo o escravizado, o vencido, o ferido, o oprimido na Nas tuas notas vibra um vigor maior do que o da Terra! Terra toda. Marchas de vitória! Libertos! A vitória final![…] Hinos de louvor ao Deus Universal – tudo jubila! Surge uma raça renascida – um mundo perfeito, de puraAgora, trompetista, para encerrar, alegria!Trata de cantar o canto mais alto que puder; Homens e mulheres, com sabedoria, inocência e saúde –Canta para minha alma – renova a languidês de sua fé e pura alegria!esperança; Risos, gargalhadas à solta! Alegria! Alegria!Fortalece minha confiança enfraquecida – dá-me alguma Walt Whitman, Folhas da Relva, , 1855. © Editora Iluminuras Ltda, 20053

vTeorrdnaadre-sireamhoemnteem 4 Tornar-se homem verdadeiramente

Cada átomo do corpo físico do ser humano é animado emantido por um duplo etérico ou corpo vital, responsável pela vidado organismo. Fala-se de um “duplo etérico” porque o corpo etéricoperpassa e envolve inteiramente o corpo físico e, assim, este éduplicado. Trata-se, assim, de dois corpos que, juntos, formam um.Também sabemos que esses não está completamente formado. Esta é a CATHAROSE DE PETRI dois veículos do ser humano aquisição mais recente do homem desde são, por sua vez, perpassa- o início do desenvolvimento da humani- O extraordinário pensamento dos e envolvidos por outro dade e está, portanto, longe de constituir de Jan van Rijckenborgh e corpo ainda maior e mais um quarto corpo que transpassa e envolve seu grande amor pela huma-sutil do que os dois primeiros, a saber, os outros três. nidade levaram-no a fundar,o corpo astral. Logo, existem três corpos Ao contrário, podemos no máximo juntamente com Catharoseque trabalham em unidade para tornar reconhecê-lo como uma atividade flame- de Petri, uma escola modernapossível a existência de um ser vivo: o jante, portanto luminosa, no santuário para o desenvolvimento dacorpo astral, o etérico e o físico. Estes da cabeça. Assim, não podemos dizer consciência, o Lectoriumtrês corpos distinguem-se nitidamente e que o homem já dispõe perfeitamente Rosicrucianum. Fizeram-nosão organizados, isto é, constituem um de sua faculdade de pensar. Nem de fundamentados na ideia desistema, uma forma exterior, uma figura longe, e muito pelo contrário! E, mesmo que a solução para a falta deque apresenta semelhança com o tipo quando essa faculdade existir, o homem conhecimento dos fundamentosnatural do corpo físico. não poderá ser chamado de “Homem” da existência é a chave paraDurante a noite, quando o homem está perfeito, sem que haja uma manifestação a supressão do sofrimento noem estado de sono, a personalidade man- tríplice do Espírito, uma manifestação mundo.tém os três veículos separados e o corpo que corresponda aos três raios primáriosastral, que permanece em intensa e au- do Espírito Sétuplo que, na Escola Espi-tônoma atividade, pode ser reconhecido ritual, são designados como “o triângulocomo a imagem daquele que repousa. equilátero”.No entanto, não vamos pensar que isso Assim, podemos considerar o homemdefine e descreve a manifestação do verdadeiro, completo, como uma ma-homem. Quem pensa assim comete um nifestação sétupla: com quatro veículosgrande erro! Ora, o homem também não e três manifestações do Espírito, quaisdispõe de uma faculdade de pensar, de sejam: um triângulo da manifestaçãoum corpo mental? Na verdade é im- espiritual e um quadrado da construção.preciso falarmos da existência de um Portanto, imaginando o homem ver-“corpo” mental, porque esse corpo ainda dadeiro dessa maneira, saberemos, com 5

certeza, que o ser humano tal qual o conhecemos ainda não pode ser considerado “nascido” no sentido divino absoluto. Ainda estamos em estado de vir-a-ser. Somos, como disse Paulo, os “não nascidos”. É sob essa luz que devemos refletir a respeito de nossos problemas e dificuldades. A vida que vivemos agora não é uma vida verdadeiramente humana, pois ainda não temos faculdades para tanto, mas apenas possibilidades. Nossa possibilidade mais elevada de expressão é, assim como nos animais, o corpo astral. Desse modo, e com todo o direito, é que Hermes Trismegisto não faz qualquer distinção entre o homem natural e os animais. O leitor pessimista, ao ler tudo isto e refletir a respeito, poderá questionar: “por que então afligir-se e inquietar-se! Somos os não nascidos ainda na condição de vir-a-ser.Vamos esperar tranquilamente até Estátua de Buda em uma estupa, uma cobertura em forma de sino no pavimento superior em Borobudur, Java. A posição das mãos mostra o mudra dharmachakra, o “gesto do pregador”. Esse mudra significa a roda da doutrina em movimento. © Gunawan Kartapranata, 20106 Tornar-se homem verdadeiramente

que chegue o tempo de nosso nascimen- para a atividade pessoal, desviando-se dato, que fará de nós verdadeiros homens.” raça original.Há muitas pessoas no mundo que se Devemos tomar consciência e compreen-posicionam assim, aludindo à teoria da der isso de fato! Afinal, todos nós per-evolução. Elas dizem: “Primeiro éramos, tencemos ao grupo dos seres humanosem termos de consciência, da espécie ainda não nascidos, essas entidades que,mineral, depois da vegetal, a seguir da em consequência dessa falta, formaram oanimal e agora estamos em vias de nos grupo humano de não nascidos e va-tornar homens. No raio de ação da era de gam na noite e na morte, suspirando emAquário, na qual estamos entrando, va- meio a sofrimentos e dissabores. A mortemos subir de novo um degrau importante é nossa companheira e a ilusão, nossona escada da evolução”. Convém saber, estado de vida. Nós perdemos nossaporém, que a Escola Espiritual rejeita to- pureza original como se fosse uma peçatalmente essa concepção, pois não se trata de vestuário negligenciada e de difícilde uma evolução que se realiza automá- limpeza, que será perdida se demorarmostica e tranquilamente. muito para cuidar dela. Essa peça entãoNo que se refere a nós, houve antes uma fica danificada e torna-se inutilizável. Doevolução que se realizou sob uma dire- mesmo modo aconteceu com uma parteção divina, todavia essa época, essa fase, da humanidade no passado original,há muito já ficou para trás. Tão logo os da qual temos não mais que uma vagatrês veículos – os corpos físico, etérico e lembrança. Porém – Deus seja louvadoastral – estiverem entrosados em mara- – nossos microcosmos podem semprevilhosa e prodigiosa unidade, acendendo receber, pela reencarnação, uma novabem lentamente a “flama do pensar”, possibilidade de renascer como Homemserá atribuída uma missão ao homem verdadeiro!no estado de vir-a-ser. Uma missão a ser Então, compreendendo isso interiormen-cumprida por ele com absoluta autono- te, com certeza não esperaremos maismia e independência. Uma missão que um dia sequer para aproveitar o tempopode ser executada porque a cooperação enquanto é possível.dos três veículos dá ao homem em devir aposse de um ânimo, uma alma, e porquea pura flama do pensar recém-acesa dá aesse homem em devir uma compreensãotão ampla, que ele pode comer do frutoda Árvore da Vida, que está no centro doparaíso de Deus.É preciso saber como uma grande parteda onda de vida humana profanou apureza original e deturpou a preparação 7

“Não sei seu nome”A vida do homem moderno está integralmente submetida ao tempo, Dark Dull Pink Large X,nos mínimos detalhes. O tempo é um dos aspectos mais marcantes © Gianni Piacentino, 1966que determinam o ser humano. FFrequentemente ouvimos dizer que o tempo está acelerado. Será que a explicação nãoestaria no fato de que todos nós vivemos fazendo e somos obrigados a fazer muitomais coisas durante um período determinado? Tudo está acontecendo bem maisrapidamente, e isso provoca sérias consequências. Acreditamos que uma empresa decorreios deva agradecer seis mil pessoas visto que, enquanto uma correspondênciademora dois dias para chegar a seu destino, uma mensagem eletrônica não demoramais do que alguns segundos. Nos dias de hoje, não existe um instrumento que nosimportune mais do que o relógio. O tempo chega com impetuosidade, arrastandotudo o que estiver atrás de nós. Nunca a transitoriedade das coisas da vida foi tão sen-tida como agora. Além da agitação cotidiana, vemos mundos passarem, mundos queconseguiram manter sua grandeza durante séculos, mas que acabaram sendo engoli-dos pelo tempo. Assim as coisas seguem. Sistemas filosóficos e esotéricos subdividemo curso de milhões de anos em eras, períodos e fases. Esse longo circuito de éons écaracterizado pelo número sete. Sete eras e sete períodos. Sete domínios cósmicos, umcosmos sétuplo Terra, um sétuplo corpo solar e um microcosmo sétuplo. Um sétuploinspirar e expirar do Espírito, que parte do Criador original do universo.Torrentes da substância original, ondas de campos astrais eletromagnéticos percorremo espaço e atingem seu alvo em cheio, provocando processos de desenvolvimentoscom profundos efeitos. Em todas as manifestações do Universo inteiro – em um vai evem marcado por uma escala de tempo que está além de nossa capacidade de repre-sentação – sempre podemos reconhecer algo do dedo divino que denota sua caracterís-tica. Há quatro séculos, os rosa-cruzes clássicos declaravam: Não há espaço vazio, e hojesabemos que o universo está preenchido por bolhas de campos eletromagnéticos, deconstelações astrais e oceanos de átomos. Da mesma maneira que o movimento da8 ‘Não sei seu nome’

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Terra, semelhante ao de um pião, é determinado pela corda eletromagnética do sol, anatureza viva é influenciada nos menores detalhes por fluxos de átomos que inundama terra, provenientes do universo. As ondas cósmicas, o movimento do globo terres-tre em torno de seu próprio eixo, a alternância das estações, tudo o que gera o ritmode ascensão e declínio da existência, seja em frações de segundo ou no curso de anosestelares, se manifesta de acordo com sua própria duração.O homem acha que é um ser devido a sua capacidade de pensar. Ou como afirmavaDescartes: ”Penso (ou duvido), logo existo”. Contudo, o ser humano não passa deuma centelha de pensamento na eternidade da criação. Com seu pensar limitado, elesó consegue ser prisioneiro no mundo ao qual foi destinado. Ele pensa que vive nouniverso, mas sua existência é solitária. Os geólogos perfuram o solo para examinara vida petrificada há milhões de anos em estratos profundos e nos fósseis. Histori-adores pesquisam arquivos do passado e assistem ao desfile de civilizações extintas.Os físicos examinam o segredo da vida para tentar compreendê-lo. Biólogos fazemsuas experiências com animais que são incapazes de manifestar seu sofrimento. Elesmanipulam os genes e os cromossomos e analisam o que parece representar a árvoreda vida humana: o DNA. Os astrônomos pesquisam os incontáveis sistemas estelaresno espaço insondável. Planetas e estrelas nascem e morrem. Segundo os físicos, nossosol será um astro extinto dentro de uma dezena de milhares de anos, mas bem antesdisso, toda vida sobre a Terra já terá desaparecido. Em resumo: a existência na matériaestá submetida ao tempo. No entanto, a vida é imortal! O olho do espírito observa oespaço sem fim onde ele acredita estar vendo, no caos, o lampejo de fogo que seriao início de toda manifestação. Agora que o segredo da força gravitacional no sistemasolar foi descoberto, talvez possamos saber como a explosão original causou tudo isso.E também como, conforme o plano divino, uma ordem chegou ao caos do universoimaterial. Uma ordem correspondente à ideia do mestre construtor do universo, o tecton. 10 ‘Não sei seu nome’

Lao Tsé diz: “Antes que céu e terra existissem havia um ser indefinido.” E que magní- O homemfica expressão ele utiliza para designar o segredo do Criador: Isso! É ao mesmo tempo acredita sero segredo da concepção primordial do microcosmo! E o sábio chinês continua: “Quão porque elequieto e calmo. Quão imaterial. Ele se mantém só, em si mesmo, e não se modifica. Ele pensaflui através de tudo e, no entanto, não corre perigo. Poder-se-ia designá-lo a Mãe detudo o que existe debaixo do céu. Não sei seu nome. Mas, querendo atribuir a Isso umnome, eu o denomino Tao.” (Tao Te King, capítulo 25, Gnosis Chinesa) Hermes Trismegis-to tenta igualmente formular a causa do Todo: “Deus não é a razão, mas o fundamentodela; não é o alento, mas o fundamento dele, não é a luz, mas o fundamento dela.(...) Compreende isso, então, ó discípulo: Deus é indescritível.” (Corpus Hermeticum,Sexto Livro, Arquignosis Egípcia, tomo 2)Ao longo do tempo, o termo Deus foi sendo desvalorizado. O que no passado era umarealidade vivente e uma energia inspiradora foi reduzido por muitos a uma ficção an-tropomorfa. Por meio do pensar, encerrado no mundo que lhe foi atribuído, o homemdeu forma a essa ficção com a ajuda de numerosos conceitos. Dessa maneira, com opassar dos séculos, foi construída uma força, uma figura arbitrária à semelhança huma-na, que busca cuidar de modo pessoal de cada criatura, conduzindo-a e dando atençãoa todas as suas aflições e preocupações.É por esse motivo que, conforme as palavras de Lao Tsé: “Não sei seu nome”, umaescola espiritual transfigurística sempre conduz o homem a seu Deus interior, à cen-telha do espírito, ao ser indefinido que existia enquanto princípio de vida primordialantes do surgimento do céu e da terra. O verdadeiro núcleo de vida do homem nuncapoderá ser medido ou encontrado com o bisturi ou com o auxílio de qualquer tipo deinstrumento sofisticado. Hoje, em dia, esse núcleo está despertando em muitas pessoassob o efeito de um novo impulso ou respiração espiritual. A noção de espírito remeteà força original de todas as vidas. A palavra espírito poderia ser traduzida por “ar em11

movimento”, seja vento ou sopro. O pneuma do qual os gnósticos falavam antigamentesignifica também respiração ou espírito. O movimento do ar por meio da respiração éum sinal de vida. Quando a sabedoria indiana fala do Maha-Atma, refere-se ao “GrandeSopro da Vida”.O Espírito é um fogo, no sentido de que sua respiração é ígnea, ardente. O fogodivino ativo na natureza do Universo é também o sopro abrasador capaz de despertarno homem o princípio divino primordial. Antigos mitos relatam que o trigo sagradofoi trazido para a terra por dragões da sabedoria, chamados, inclusive, de “Filhos doFogo”, Servidores do Espírito ou da Chama Divina. Nesses mitos transparecem o planoe o objetivo do céu e da terra na qual o homem, desde a noite insondável dos tempos,percorre seu caminho sem fim. Assim, no passado, o trigo ou grão divino foi mistu-rado com a natureza terrestre e destinado a ser transmutado em colheita da criação nofogo do Espírito. Semeado sete vezes e colhido em sete ocasiões no interior das seteraças, durante sete etapas, para fazer amadurecer a rosa sétupla.“Antes que céu e terra existissem havia um ser indefinido.” Isso vale também para omicrocosmo, chamado a engendrar o homem-espírito sétuplo que tocaria a lira divinade sete cordas para interpretar seu canto particular, com toda autonomia, baseado nasmelodias das partituras do Santo Espírito Sétuplo. Esse microcosmo é potencialmentesétuplo por ser oriundo da matriz do corpo solar sétuplo. E finalmente, a criaturahumana que carrega nela mesma o início e o fim dos tempos, assim como a tempora-lidade traz em si o germe da promessa da eternidade. É essa promessa que os grandescuradores do Universo se esforçam para salvar da morte precoce e é por causa dela queo fogo do Espírito foi inflamado.Todas as sementes divinas foram lançadas no campo do espírito do planeta para a ma-nifestação do homem segundo uma fórmula sétupla. No entanto, a maior parte dessassementes divinas ainda não germinou e continua escondida no homem. Assim, vista 12 ‘Não sei seu nome’

do início ao fim, a história da humanidade em seu mundo compreende sete capítulos.Contudo, o sétimo ainda não foi escrito. Enquanto isso, o homem e o mundo per-manecem na escuridão e na ignorância. Quem pressente isso se questiona comopoderá escrever o capítulo que falta para completar o setenário da criação. O número 7do qual se fala é chamado “o templo edificado”, na Cabala. Na simbologia do Livro dasSete Chaves*, o 7 representa a vitória sobre a matéria.Vamos recordar a bela história de Cristão Rosa-Cruz. Na véspera da Páscoa, poucoantes de uma violenta tempestade sacudir até mesmo os alicerces de sua casa, ele sedepara com o convite para empreender uma viagem. A sétupla promessa contida nesseconvite o faz tomar a decisão de ir para a colina onde se encontram os três templose onde uma sétupla iniciação o aguarda. A tempestade e a entrega do convite repre-sentam os momentos em que a força da substância primordial provoca um despertar.Nesses instantes, o peregrino vê com seu olhar interior que seu caminho segue parao alto e diante dele se delineia o cume da Montanha do Espírito. Então, ele começaa escrever o sétimo capítulo. Joias extraviadas há muito tempo são restituídas a ele,enquanto progride em sua redação: são preciosidades que, como símbolos luminososdas forças auxiliadoras, prestam assistência e contribuem para que ele cumpra a sétimaetapa. O peregrino percebe que sua entrada pelas portas dos três templos como CristãoRosa-Cruz é desejada. Assim se inicia a orientação com o objetivo de restaurar a glóriaoriginal da casa microcósmica. * Dr. Isidore Kosminiasky, O significado e a magia dos números, Royal Society 1931 13

O passo que vocênão quer dar 14 IDnehostuadp die je niet wilt zetten

Depois de ouvir seus poemas, uma pessoa se dirige ao poeta, exclamando: “É como se você tivesse inventado seu próprio idioma, uma nova língua!” E de fato, quem ouve David Whyte declamar sua obra ou lê seus poemas descobre sua linguagem: a linguagem da alma. Celeiro em Southampton, 1968. © Ellsworth Kellen, cortesia Matthew MarksEm seu poema Start Close In ou, “Comece bemperto”, o poeta anglo-irlandês se expressa daseguinte forma:Comece bem perto,não dê o segundo passonem o terceirocomece com a primeira coisaque está bem pertocomece com o passo que você não quer dar. 15

primeira vista isso teria a tempos em tempos surge alguma coisa ver com uma antiga sabedo- que fica ressoando em você, algo que pa- ria popular, do tipo: comece rece não estar ligado ao tempo. Tão logo você queira tocá-lo ou agarrá-lo, desapa-Àdando o primeiro passo, rece. Mas, apesar de tudo, você sabe que comece por você mesmo, ele está presente. Como é possível quenão se adiante demais. Contudo, a sutileza algo tão essencial, tão importante, não sese encontra nas últimas palavras: “comece deixe captar naquela hora em que tantocom o passo que você não quer dar”. Esse o queremos? Será porque esteja faltandopasso exige outra abordagem. Sempre é determinado estado de espírito para con-possível escolher a fuga ou a postergação. seguirmos chegar perto da verdade? FaltaNosso eu é muito engenhoso quando se um coração aberto, um impulso espontâ-trata de encontrar desculpas. neo? Ou talvez o que esteja em falta seja– Agora não... o silêncio de nosso próprio coração? Ou– Vou deixar para fazer isso mais tarde... então ainda não haja, no desejo do eu,– Quando eu estiver no clima... aquele anseio mais autêntico do eu mais– Já sei de tudo isso faz tempo, mas não consigo... real? O poeta prossegue:E então você se vê face a face com sua Comece com o chão que você conhececonsciência. Essa voz que é a voz da esse chão sem brilhoalma e que, durante toda a sua vida, fica debaixo de seus pésacenando ao fundo. É possível que você seu próprio caminhoa tenha percebido vagamente há muito seu próprio jeito de começartempo, mas ainda não sabe o que fazer a conversa.para que ela se torne a sua voz. Sim, de À esquerda: Sidewalk, Los Angeles, 1978. À direita: Wall, Majorca, 1967. © Ellsworth Kellen, cortesia de Matthew Marks 16 O passo que você não quer dar

Você se dispõe a escutar, porém a questão nada de novo, observe-o. Concentre suaé: o que é que você escuta? É possível que atenção nisso que é tão familiar e comeceseja a alma que acena há dias, anos, vidas a conversar com você mesmo. Busqueinteiras, esperando que você se volte para seu ser mais profundo com honestidadeela, para aquilo que muito antes de você e sinceridade. É difícil e dolorido, mas éjá existia. Mas você deseja isso verdadei- por aí que você deve começar. Desnude-ramente? Você quer realmente ouvir a -se com prudência, mas impiedosamente.verdade? Quer conhecer a verdade nua, a Trata-se de vencer a resistência interior,verdade que desmascara? Quer saber dela de ver onde ela sempre se prende.não por curiosidade, mas por um real de- E o poeta continua:sejo de compreender, como um sedento Comece com sua própriano deserto? Se você verdadeiramente perguntaaspira a isso, seu ser se torna receptivo à desista das perguntasvoz da alma que quer dar-se a conhecer. das outras pessoasEla não poderia fazer diferente. não deixe que elasE o poeta nos diz: “comece pelo chão sufoquem algosem brilho debaixo de seus pés”. Con- tão simples.fie-se àquilo que você já conhece tãobem, aquilo que já o aguarda há muito Que pergunta o poeta tem em vista? Quetempo. Não deseje novas sensações, novas questão é essa, de tão vital importância,promessas, nem uma visão maior, mais que você sempre evita?vasta. Comece por aí, bem perto de você. Nesse ponto ninguém pode ajudá-lo, poisComece pelo chão sem brilho debaixo quem precisa descobrir essa pergunta éde seus pés – o chão que não oferece você mesmo. Paciência! Aprenda a não contar com resulta- dos rápidos em seu diálogo interior 17

Mulebarn (celeiro para mulas). W.D. Killen, 1912Existe, porém, uma força que auxilia, mente, essa coisa se deixa conhecer. É tão que preenche o espaço douma força muito próxima e muito fami- simples, e passamos por cima dela com diálogo interior com suas so-liar e que está sempre presente. É a voz tanta facilidade! Você também conhece noridades. Uma vibração quesussurrante da alma, que está iniciando o esse impulso espontâneo de proteger perpassa tudo, um timbre dediálogo com você, levantando a questão essa chama interior que você gostaria de alegria, sem limite nem me-essencial pela qual você precisa começar. valorizar? dida, ou em outras palavras: aDar espaço para essa questão é como uma Na sequência diz o poeta: resposta é a vida!respiração para a alma. O espaço interior Para perceber Quando você segue a ver-vai aumentando e a voz da alma se faz a voz do outro, dadeira voz de seu próprioouvir melhor. siga sua própria voz ser - não a do pequeno ser-euEm seguida, o poeta previne contra as espere até que que você é, mas sim a voz doquestões dos outros. O que ele quer dizer essa voz verdadeiro ser - vai conseguircom isso? Você conhece bem o fenômeno acabe se tornando perceber, sem esforço, quede ser arrancado do seu diálogo interior e um ouvido interno só seu, existe uma sintonia com ode se perder de repente, só porque os ou- para escutar outro.Você compreenderá astros estão reclamando sua atenção? Quais o outro. palavras do poeta quando elesão as questões que o distraem? Essa diz: ”Espere até que essa vozreflexão está relacionada com o seu pró- No diálogo interior, ao invés de respostas, acabe se tornando um ouvidoprio diálogo interior. Então, o que quer de afirmações e de convicções, você interno só seu, para ouvir odizer: ”Não deixe que elas sufoquem algo irá, de preferência, caminhar com uma outro”. Arme-se de paciência,tão simples“? Algo simples, que sempre pergunta que, ao mesmo tempo, traz uma espere e, assim, aprenderá aesteve ali, mas que raramente se deixava resposta. A única questão essencial com a não contar com resultadosperceber. Quando você, com toda a sua única resposta essencial, o Todo expresso rápidos desse diálogo interior.atenção e todo o seu ser silencia interior- por sua voz, por sua própria alma. A voz Sua atenção vai se voltar para 18 O passo que você não quer dar

o ambiente ao seu redor, para uma ativi- passo, que você pode chamar de seu. Não que é o passo que você não quer dar.dade protetora, dirigida pela pergunta in- siga a coragem dos outros, seja humilde,terior que oferece uma direção e fornece em orientação única. Comece bem perto, Comece com o chãouma resposta a partir do verdadeiro ser, não cometa o erro de confundir o outro que você conheceda beleza que desabrocha no coração. consigo mesmo.Você está aqui e agora, o chão sem brilhoEsse ser verdadeiro vai crescendo com pa- comece agora. Dê um pequeno passo que debaixo de seus pésciência e perseverança, como acontece na você possa chamar de seu. Agora é o me- seu próprio caminhonatureza. Na primavera tudo desabrocha lhor momento, o melhor lugar para você seu próprio jeitoem um esplendor multicolorido. Depois dar o passo interior que você jamais deu. de começarvem o outono, quando os cálidos raios de Dê esse passo que talvez seja insignifican- a conversa.sol aquecem os frutos que amadurecem e, te para o mundo, mas que é crucial paralentamente, os sumos vão se colorindo de você. Com toda humildade, com toda Comece com sua própriavermelho escuro. Esse amadurecimento é atenção, dê um passo rumo a seu interior perguntachamado de endura. É preciso continuar sem se preocupar com que os outros pen- desista das perguntaspacientemente, perseverar, nada esperar, sam, com seu julgamento: confie em seu das outras pessoasdando tudo de si. E, nesse meio tempo, o próprio julgamento. Confie não na reali- não deixe que elasser verdadeiro durece, é a endura. dade deles, mas na sua própria realidade, estraguem algo“Espere até que essa voz acabe se tornan- não na verdade deles, mas na sua própria tão simples.do um ouvido interno só seu, para ouvir verdade. Confie nessa voz interior, na vozo outro“. Não se trata aqui simplesmente da alma. Então já não haverá nenhuma Para perceberde um pensamento meditativo, de um comparação a ser feita, nenhum exem- a voz do outro,belo sentimento com o qual nos identifi- plo a seguir. Trata-se do diálogo interior siga sua própria vozcamos. Não, aqui se trata de uma mu- do qual você participa e que, ao mesmo espere até quedança fundamental. A voz vai se tornando tempo, parece acontecer fora de você. essa vozum ouvido interior que escuta a voz do Trata-se de um diálogo muito íntimo acabe se tornandooutro.Você aprende a escutar com um ou- que parece se desenvolver apesar de você. um ouvido só seu,vido diferente, com o qual antes você não Ele é mais poderoso que o seu pequeno para ouvirconseguia ouvir de verdade. Daí a neces- eu, porém muito familiar e verdadeiro. o outro.sidade da espera. Isso somente acontecerá Então, esse ser que já não se satisfaz comquando você tiver experimentado sufi- meias verdades sente uma alegria imensa Comece agora mesmocientemente sua própria voz, seu próprio quando reconhece o verdadeiro Ser! É dê um pequeno passosom, sua própria e sincera pergunta. O assim como foi dito no Egito Antigo por você pode chamá-lo de seu própriocaráter fortuito de suas considerações terá Hermes Trismegisto: passodado lugar à vontade de ouvir o Outro, É verdade! não sigade escutá-lo e segui-lo. É certo! os passos heroicos dos outrosQuem é esse Outro? É possível conhecê- É a verdade toda! seja humilde e tenha foco-lo? A intuição da alma que acena, mostra não confundao caminho, e cada vez que esse caminho Isso está acontecendo dentro de você, no esse outro com você mesmodesaparece como fumaça, se distancia, mundo, no Universo. Mais próximo doela aguarda pacientemente, até que nosso que mãos e pés. Comece bem pertoser novamente amadureça o bastante, não dê o segundo passoque esteja purificado, aquietado, a fim Comece bem perto nem o terceirode poder ouvir e seguir o murmúrio da não dê o segundo passoalma, que apenas pode ser percebido pelo nem o terceiro Comece com a primeira coisaouvido interior. comece com a primeira coisa que está pertoComece agora mesmo, dê um pequeno que está perto que é o passo que você não quer dar. 19

Nunca antes existiram tantos seres humanos na Terra. Comonum giro infinito eles circulam pelos continentes. Por quê?Aonde vão? O que deixam para trás? Onde se estabelecem?Com que perspectivas?São eles que trazem a mudança! de vida ou morte, pois, inconscientemen- Procuram e anseiam por ela te, intuem que, se não morrerem e tudo ainda que praticamente não se transformar, o que é novo não nascerá. tenham consciência disso! Ora, O observador que, a partir do outro, foi só por essa razão que os lançar seu olhar espiritualizado pela Terra,microcosmos, essa multidão de almas, essa pérola escurecida no universo, faráencarnou na Terra em sua viagem através esta reflexão: são os humanos que per-dos tempos e dos mundos por tantas e correm a Terra e são eles que aguardamtantas vezes – porque estavam em busca a Luz primordial, a aurora do espírito.de renovação. Afinal, o que se consegue É verdade que muitos não veem, nãotransformar aqui na matéria mais densa ouvem, ainda não sabem, mas, dentroda Terra é um ganho permanente. Por deles, já reluz, tênue, a centelha da res-certo eles rejeitam todas as fronteiras, surreição. Os seres humanos estão dianterompem tudo, destroem tudo numa luta da transformação da matéria em espírito. 20 Grande traço de união

Grande traço de uniãoA partir de uma consciência voltada para existiram aqueles que perceberam ao exterior e de uma clara imagem do evolução do homem-luz em seu micro-que é possível interiormente, conseguem cosmo. “Não pensem que a ressurreição éconscientizar-se de seu mundo interior. É uma ilusão” disse Valentim em sua carta aa própria ressurreição que trazem con- Reginus. “Pelo contrário, a vida material ésigo como um delicado novo ser, como uma ilusão, um sonho.”primeira claridade da manhã. E nós, Na vida interior de nossa Escola Espiri-pessoas positivas do século 21, voltadas tual reflete-se a imagem do Ressurreto,para o espírito, pensamos que a ressur- do Manas renascido, o homem anímico ereição é algo de hoje em dia. Cristo nos espiritual: é a imagem do microcosmodeu provas dela com sua vida e agora ela restabelecido. A imagem que, desde ospode tornar-se realidade em nós. Mas a primórdios, foi dada como promessa eressurreição já existe há milênios! Desde ideal às regiões mais elevadas de nossoque ondas de vida encarnaram na Terra, logos planetário. 21

Através de Cristo, ela foi firmada na hu- Ora, o homem não é um computa-manidade – assim como, através da Escola dor biológico! É antes um elementoEspiritual, está sendo reafirmada. em um significativo processo de evolução, ansiando por liberdadeUma nova manhã para a humanidade profunda sabedoria não são tão valiososViver para morrer, morrer para viver. Esta justamente porque descrevem a luta dapoderia ser a fórmula mais marcante e alma para essa superação, por apontaremmais sintética do conceito de transfigu- as faculdades que precisam ser desenvol-ração. “Transfiguração” significa ressur- vidas para chegarmos a esse resultado ereição, motivo pelo qual ela se dá na Es- por mostrarem como precisamos morrercola, e essa é a meta do verdadeiro aluno. para sermos chamados para uma novaEstamos na manhã de nossa ressurreição, dimensão na vida? Seria essa a luta queno processo de renascimento de nossa vemos no mundo, na natureza e em nossaalma! Mas não nos esqueçamos de que, sociedade? A transfiguração é uma lutana humanidade como um todo e em nu- interior e pessoal?merosas regiões, delineia-se nitidamente Talvez. Mas também é a luta de toda a hu-o início de uma grande mudança. Ora, o manidade! E a causa de toda essa luta é ahomem não é um computador biológico! ignorância. É verdade, somos ignorantes.É antes um elemento em um significativo Quase poderíamos dizer: não temos cons-processo de evolução, que anseia por ciência do que diz respeito às áreas queliberdade. estão fora de nossa percepção sensorial. E nessas áreas também se inclui todo oSaindo da caixa de areia funcionamento de nosso próprio corpo, tanto físico quanto psíquico, e toda a nos-Somos mais elevados que o céu, sa consciência. Somos ignorantes em re-mais nobres que os anjos. lação a nossa própria existência humana!Por que não avançamos? Por sorte, é isso o que efetivamente nosNossa morada está junto à Augusta Majestade! mobiliza e nos faz examinar o andamentoO que faz a pura pérola na caixa de areia deste das coisas para que nos livremos demundo? nossa insignificância, de nossa existênciaComo veio parar aqui? movida arbitrariamente pelos elementos eVá embora e volte! por circunstâncias externas e que queira-Como a ave marinha, o homem vem do mar das mos estudar as coisas com mais exatidão.almas; E assim temos de pesquisar, experimentar,como pode deter-se aqui essa ave do mar das almas? refletir e descobrir tudo para suprimir nossa ignorância.A reposta a essa pergunta nesta poesia Fica claro, portanto, que não podemosde Rumi – “Por que estamos aqui, o que apreender sem mais nem menos o conhe-faz a pura pérola na caixa de areia deste cimento da verdadeira existência hu-mundo?” – é simples, pois o que sempre mana, do homem espiritual. Para isso, éfoi prometido a nós humanos é o re-torno à luz, a superação da treva atravésda luz. A superação acontece com certezasomente depois de pesado embate. Masserá que não é justamente esse embateo aspecto mais importante da supera-ção? Os contos, mitos e outros textos de 22 Grande traço de união

necessária uma ponte, um intermediário, espiritual que põe fim à nossa existênciauma alma, que nos traga clareza, frescor sempre voltada para fora. É a conexãoe força. Quem começa a reconhecer a entre fora, dentro, embaixo e em cima!luz da alma descobre seus recursos, que • Espírito: o pensamento mais veloz,sempre emanam do Bem. Esse reconhe-cimento é a consequência da percepção e verdade ígnea, eterna;da aceitação de nossa existência anímica. • Alma: a beleza do ser, extremamenteÉ algo em que podemos confiar.Logo, transfiguração é o desabrochar da móvel, sensível e límpida;alma, o deixar-se preencher por ela. Não • Corpo: o meio de expressão de ambosse trata de uma perda, mas sim de fazera escolha lógica por uma magnificência e, assim, o bem único.inimaginável. Porém teremos de dar mais Uma tri-unidade de espírito, alma eum passo adiante. Ao reconhecimento corpo – verdadeira, bela e boa.da alma segue-se o verdadeiro encontro.Ora, tão logo formos ao encontro da alma A manifestação do Espírito é criaçãoem nosso coração e com ela estabele- perfeita – é ideia clara que adota a formacermos uma ação recíproca verdadeira e viva, gloriosa, do Incriado. Mas o queum intercâmbio de correntes de energia, vemos ao nosso redor é uma vibraçãopoderemos dizer que dentro de nós há dissonante do Espírito e da Luz, uma so-uma vida que está indo ao encontro de lidificação mais concreta, uma forma con-outra vida. Por que o encontro e a união fusa, sujeita a decomposição. Nesse tipodo homem com sua alma – seu coração de manifestação, a Luz está mesclada commicrocósmico – é tão importante? Será uma força de corrosão e obscuridade queque não estamos em ação recíproca per- limita e restringe. Mas foi através dela quemanente com nossa alma, uma vez que a forma e a expressão original tornaram-ela é a força motriz de nossa vida? Com -se possíveis. E só assim o mistério datoda certeza! Mas logo após esse encontro ressurreição pode tornar-se realidade –e depois de termos realmente aprendido a como sempre foi, é e será, pois a per-conhecer a alma, vem a amizade. cepção da Luz nessa densificação material é, para nós, o início da ressurreição.Amizade O sol interiorQuanto à maneira como convivemos comnossa alma em interação amistosa pode- E esse encontro tão especial do homemmos imaginar assim: a alma nos permite com sua alma bem como o intercâmbioconhecer de dentro para fora para que entre novas correntes de energia sobre asa experiência – agora mais consciente – quais já falamos constituem a transmuta-possa voltar-se para nosso interior. Com ção da matéria, a transformação da vesteisso, obtemos melhor compreensão do de luz, que é a condição astral, mental esignificado de nossa existência. E, de etérica do homem.nossa parte, conseguimos conduzir a Que alma é essa com a qual podemos nosalma de baixo para cima. Na realidade, encontrar? Será que já tentamos imaginaresse é o grande processo de transposição como ela seria? Ela é um fogo imortal,do espírito para a matéria e da matéria uma flama radiante, a criatura humananovamente para o espírito. É crescer para que passa a ser denominada um deus. Jano interior em uma consciência anímico- van Rijckenborgh assim a descreve: “Da nova alma emana uma luz muito intensa, um fogo ígneo que pode ser comparado à cauda ígnea de um cometa. 23

Nessa radiação ígnea reconhecemos nosso próprio ser, vemos apenas o corpoclaramente sete aspectos: são os sete e sentimos sua radiação, que chamamosnovos chacras do corpo vital. A nova alma de “vida”. Mas a alma, a essência deestá então em perfeitas condições de ser nosso interior mais profundo, só vamosoperante como autocriadora. E, a partir conhecê-la quando ela própria nos conce-de si mesma, ela produz uma estrutura de der olhos e ouvidos para tanto. Quandolinhas de força na qual a coluna de fogo ela nos der novos recursos dos sentidos,com os sete aspectos está no centro”. surgirá, a partir da razão anímica, uma“É verdade! É certo! É a verdade toda!”A nova alma, nosso sol interior, é, por- nova percepção e um novo pensar, umatanto, uma coluna ígnea de proporções clara intuição. O homem no qual a natu-inimagináveis que exala um calor puro, reza interior se manifesta até esse pontobrando e benigno.Vamos compará-la com (portanto aquele que vive uma relação deo sol visível. Ora, vemos apenas a camada amizade com sua alma) recebe uma claramais externa do sol – um mar de chamas: intuição – como uma bússola interior.a substância material expressa como um Essa intuição direciona para dentro afogo luminoso. Mas não conseguimos ver força de sua consciência e é nesse espaçoo núcleo do sol. Quando contemplamos que ele encontra a vontade do Pai. Tão 24 Grande traço de união

logo sua vontade esteja em sintonia com levantar as questões certas. E quem sabea Vontade divina, ele entra no espaço no levantar essas questões amadurece e,qual pode conhecer realmente o Espírito. dentro dele, vai crescendo uma grandeE isso porque, nesse momento, sua alma compreensão em relação a seu próximo.vê e sente através dele. E, como a alma vê Assim, compreenderemos profundamentea pura realidade por trás de tudo o que o fato de que nós mesmos somos a ex-ela percebe, o homem passa a ter expe- pressão de um homem-deus em desen-riências valiosas. Acima de tudo, ele co- volvimento! A respeito dessa alma emmeça a entender seu próprio significado verdadeiro devotamento Hermes afirma:que, na verdade, é sua alma. “A alma devotada eleva-se ao espírito que a conduz à Luz da Gnosis. E tal almaO brilho do que é genuíno não se cansa de cantar louvores a Deus e propagar bênçãos sobre todas as pessoasQuando vive apenas para o homem seguindo seu Senhor em fazer o bem emexterior, nosso corpo perde seu brilho. palavra e ação”.Porém ele recupera seu brilho assim queestejamos em um relacionamento especial A alma é o grande traço de uniãocoma alma, tão logo a alma se eleve aoEspírito ou ao “ânimo” como diz a sabe- Somente através da alma o homemdoria hermética. Assim obtemos a Gnosis conhece a ordem divina, a vontade pelaa partir do ânimo. Depois de iniciarmos a qual se realiza o grande plano. O amor daamizade com a alma vem o amor. Agora a alma pelo Espírito depende de sua pureza.alma torna-se amante, ao mesmo tempo Portanto, quem determina o rumo é aamada e amante do Espirito. Portanto, a integridade, é a pureza. Ressurreição e“Gnosis do ânimo” produz uma grande entrega do eu são condições para a orien-conversão: aquele conhecimento que, tação espiritual em nós. Ansiamos porcomo alento de Deus, vitaliza nosso cor- Deus e o invocamos – a fonte de toda vidapo. Ora, o ser verdadeiro sempre significa – ou nos afastamos dele quando o peso da“Três em um”: espírito, alma e corpo matéria prende a alma ao mundo inferior.– luz, vida e substância. Esses três possibi- Com uma alma que não tem uma orienta-litam permanente e reciprocamente uma ção clara, inequívoca, o homem perde-seequivalência perfeita. no deserto. Através da pureza da alma “o homem vê Deus” e aprende a andar comAmor Ele! Assim a alma é novamente orientada de baixo para cima de modo que podePrecisamos apenas aprender a amar nossa dizer com Hermes:alma sinceramente e a ressurreição serápossível. Assim, podemos falar da existên- “É verdadecia de um triângulo perfeito: corpo, É certo!alma e espírito – as três radiantes joias É a verdade toda!do Homem Perfeito. O que significa essa O que está embaixonova forma de amor? Não criar separa- é como o que está em cima,ções, divisões entre nós e o universo em O que está em cimacompartimentos separados. Quem ama de é como o que está embaixo,verdade está presente. Nele germina de a fim de que as maravilhas do Uno semodo intuitivo uma consciência onipre- realizem”.sente. Quem ama de verdade aprendea pensar verdadeiramente porque sabe 25

Doença - Perturbação do centro 26 Doença – Perturbação do centro

Quais são as causas espirituais e corporais das doenças?Como aparecem as perturbações em “nosso centro”? Quais sãoos meios para nossa cura? Essas perguntas foram o assunto--chave de um simpósio em 12 de setembro de 2015, no Centro deConferências de Noverosa, em Doornspijk, Holanda.Costumamos chamar o centro De acordo com Hermes, trata-se do “co- descoberta de elementos tais de “coração”. Quando falamos ração microcósmico”. como ferro, cobre, estanho, e a respeito do “coração” de Como nos distanciamos do verdadeiro também de urânio e plutô- algum assunto, queremos nos centro, perdemos nossa senda interna, nio, e o desenvolvimento da referir a seu aspecto central. nos extraviamos. Ou, no mínimo, esse consciência do homem.Há muito o que falar sobre o centro, mas ponto central se encontra difuso, assim Em aplicações homeopáticas,é impossível defini-lo claramente. Ele é como nossa vida se manifesta de forma o uso desses elementos tembem definido em termos matemáticos, mais ou menos caótica e confusa. É assim um efeito benéfico em doen-mas quando falamos sobre processos que aparecem os desentendimentos e ças autoimunes e nos distúr-fisiológicos ou sobre processos da alma, conflitos. bios de espectro autista.tudo fica mais complicado. Nos assun- Quando nos voltamos para o coração A relação entre o mundotos espirituais perdemos rapidamente microcósmico dentro de nosso coração atômico e o desenvolvimentoa referência – motivo pelo qual se vê físico, logo se instaura o equilíbrio de humano é surpreendente!tamanha discordância sobre essa questão espírito, alma e corpo. Esse conhecimento foi muitoem nosso mundo. Então, “os efeitos do Tao” se manifestam divulgado nas últimas déca-Quando ficamos doentes, logo perce- claramente. E entramos novamente em das. Jan Scholten coloca essasbemos. Dizemos: “Estou fora do eixo”, ordem – em uma ordem em sentido mais coincidências em uma pers-“Estou descompensado”. É que o equilí- elevado. pectiva nova e completamentebrio de nosso centro está perturbado. Não A conexão entre Deus – ou Tao –, o cos- desconhecida. A ciência daimporta se as reclamações são grandes mo e o homem é novamente restaurada! cabeça, o pensamento analíti-ou pequenas; geralmente a causa é um Os participantes do simpósio se concen- co, nos trouxe muitas contri-conflito interno, que via de regra é parcial traram nesses três níveis e suas relações. buições, enquanto a ciênciaou completamente inconsciente. Muitos Em todas as épocas existiu a fascinação do do coração, o pensamentopensadores da área da saúde e filósofos já ser humano por esta ordenação específica unificador, pode nos conduzirse ocuparam com essa questão. do mundo – e aqui estamos nos referindo à síntese de ambos.Hermes Trismegisto, o grande sábio da a todas as grandezas, do microscópico aoIdade de Ouro egípcia, já antes da era macroscópico.cristã chamava o ser humano de “micro- Jan Scholten demonstrou propriedadescosmo” e falava sobre a unidade Deus, especiais dos elementos lantanídeos dacosmo e homem. O centro do micro- “nova” química, usados como medica-cosmo coincide com o centro do ser mentos necessários para os tempos atuais.humano: o coração. Parece existir uma conexão entre a 27

Elementos, séries, temas, desejos,A medicina clássica leva em consideração principalmente o que não está indo bem nocorpo humano. Seu olhar está voltado para aquilo que em realidade está ou não estáfuncionando, para o que está de acordo com o que se espera quimicamente. Porém, emhomeopatia olhamos especialmente para o que está errado internamente, o que está erradona alma, o que pode estar fora de equilíbrio numa pessoa. Esta é uma área importante.As antigas obras de referência bono, por exemplo, é o elemento central, essencial, de tudo o que é vivo. de Medicina Homeopática Por isso, todos os compostos químicos se reagrupam ao redor do carbono mencionam uma série (como as proteínas, os açúcares, as gorduras). Cada um dos sete elementos de remédios que correspon- tem seu próprio significado, tanto no plano químico quanto no psicológi- dem a uma série de sinto- co. As linhas são chamadas de “séries” e as colunas de “períodos ou fases”.mas. Quando me deparei com isso pela Cada série tem seu próprio tema e um campo de vida correspondente. Asprimeira vez, me indaguei: “O que isso colunas diferenciam as séries. Podemos atribuir-lhes um número. Preferisignifica?” Na verdade, é muito difícil de dar-lhes um nome (cf. p. 30) em função dos elementos mais importantescompreender isso. Hoje, há uma signifi- da série.cativa aceleração do desenvolvimento dopensamento e da homeopatia. Uma espiral A tabela da página 29 está desenhada na forma de um círculo espiralado.Primeira tabela No centro dela, lá está o hidrogênio, em uma célula que na verdade estáA tabela periódica dos elementos é estranhamente vazia. Não há nada no centro. No entanto tudo procedesubdividida em determinado número desse centro! Portanto, o hidrogênio é o primeiro dos elementos, a partirde células e compreende várias linhas e do qual todos os outros se desenvolvem e se tornam complexos. É um belocolunas. Na figura da página 30 vemos símbolo para considerarmos a estrutura dos seres vivos. Por um lado, aoito linhas de elementos. Na verdade, a vida é cíclica; por outro, ela é bem mais do que isso, pois as coisas apare-oitava é a continuação da sétima, que foi cem e desaparecem – o que demonstra um processo de desenvolvimento. Érepresentada em duas linhas por razões essa a razão da representação em forma espiralada.de ordem prática. Portanto, há apenas seteelementos. É que, se fôssemos apresentar Um sistema e sete sériesos grupos dos lantanídeos e dos actiní- A terceira tabela representa a mesma coisa sob a forma de um sistema solar.deos na mesma linha, ela ficaria muito Podemos vê-lo como se fosse tanto o macrocosmo como o microcosmo –longa. As oito linhas contêm 18 colunas. como um conjunto que está presente em nós. Em resumo: podemos dizerMuitos dos que estudaram essa tabela tal- que cada um dos elementos é a expressão de uma fase específica de nossavez a tenham deixado de lado, pois isso é vida. No início há o hidrogênio. Em seguida, depois de várias fases, chega-muito complicado. Porém, se a olharmos mos à velhice, que corresponde aos elementos radioativos. Esses elementoscomo a vemos em homeopatia, também se decompõe, da mesma forma que acontece conosco no final da vida. Nóspoderemos estudar o que fazem todos nos desintegrando aos poucos – pelo menos nosso corpo físico!esses elementos, esses átomos. O car- A sete séries são: 1- hidrogênio; 2- carbono; 3- silício; 4- ferro; 5- prata; 28 Elementos, séries, temas, desejos, aspirações, identificações

aspirações, identificaçõesJAN SCHOLTEN6- ouro e 7- lantanídeos, que, com o gru- “ser ou não ser”. É a série mais difícil depo dos actinídeos, formam uma só série, ser compreendida, pois ela praticamenteque apresenta um tema em comum, mas não diz respeito a quase nada, a não ser otambém algumas diferenças. Essa sétima período de vida fetal, quando ainda nãosérie é a última: é a do urânio. Também nascemos e sobre o qual ignoramos tudo,é chamada de “grupo dos elementos por assim dizer. No entanto, sabemos queradioativos”. tudo o que acontece nesse período podeCada uma dessas séries possui um re- exercer grande influência mais tarde.gistro filosófico que reflete uma fase de Vejam como a série hidrogênio pode sernossa vida e traduz uma etapa da nossa simbólica: passamos por esse períodoconsciência. sem saber disso – mas o vivenciamos e• A primeira série é a mais curta e, na ver- o registramos sem estarmos conscientesdade, compreende somente dois elemen- disso. Não há como nos lembrarmos dele!tos: o hidrogênio e o hélio que, em pou- E aí está o tema “ser ou não ser”: viven-quíssimas palavras, representam a ideia ciar experiências sem percebê-las. 29

• O segundo grupo leva o nome de série sociado a esse grupo. É o tema dos valores O bemcarbono, pois esse elemento é o mais culturais que nos foram inculcados. É a e o mal,importante dessa série. Esse grupo de fase na qual as crianças aprendem a fazer que sãoelementos fala a respeito do corpo, do a diferença entre o bem e o mal. Ela está temasser em si mesmo – ou seja, do desen- relacionada à educação, às proibições, de contosvolvimento do ego, da personalidade. às ameaças do tipo: “Isso que você fez é e mitos“Eu sou eu e tenho um corpo”. O que é muita maldade!” que induzem a criança à interessamimportante, nesse caso, é a sobrevivência. noção de “fazer o bem” ou “fazer o mal”. bastanteAfinal, sem corpo o eu não existe! É o Esse tema também está muito presente as criançasmaior dos medos, que caracteriza a série nos contos e mitos que as crianças tantocarbono. Quanto mais nos identificamos apreciam. Além disso, ele também estácom nosso corpo, mais temos medo de ligado à imagem que fazemos de nósperdê-lo. Da mesma forma, quanto mais mesmos. “Quero ser alguém. EU soupensarmos que somos nosso cérebro, Fulano(a)”.mais teremos medo de “perder a ca- Ao mesmo tempo, esse tema dá a medidabeça”. Geralmente, isso é algo que todos de nosso grau de identificação àquilo queadmitem. Por outro lado, as pessoas que achamos mais importante. “Destacar-sevivenciaram uma experiência de quase e fazer a diferença” é uma etapa indis-morte (EQM) voltam com a convicção de pensável que precisa ser vivenciada. Essaque seu ser é diferente de seu corpo. De série carbono diz respeito ao período daacordo com suas próprias palavras, deixa- infância que vai até mais ou menos os 12ram de lado o medo da morte. anos de idade: é o período do desenvolvi-Resumindo: toda essa série carbono mento do eu, quando precisamos, acimarepresenta angústias e temores ligados à de tudo, aprender a dizer “eu” e, emperda do corpo, ao medo de ficar doente, seguida, a formar um “eu”.ao medo de animais selvagens, ao medo • A terceira é a série silício. Aqui se desen-da perda, ao medo do frio e das in- volve o tema “relações”. É o tema própriofecções. à puberdade, a fase na qual aprendemosO tema do bem e do mal também está as- a estabelecer contatos, a compartilhar, a 30 Elementos, séries, temas, desejos, aspirações, identificações

manter amizades, a estabelecer relações decepcionarmos alguém, de sermos excluídos. Existem diversas comunida-afetivas. Para os adolescentes, claro que é des, mas na série ferro somente conta a comunidade da cidade: é na cidadebem mais importante ter amigos, privi- que todos se conhecem pelo nome e pela função que exercem. Sermoslegiar um ou outro amigo ou amiga do descartados passa a ser tão dramático quanto as humilhações infantis queque estudar. Explica-se: a escola não tem sofríamos na escola. Na terceira série, a série silício, o medo de sermosabsolutamente nenhum interesse para eles excluídos estava ligado ao nosso círculo de amigos, à família mais próximaporque estudar é o que caracteriza a etapa – portanto, a outro tema.seguinte. A série silício está concentrada Quando observamos uma pessoa que possui uma forte imagem da sérienas questões: “Com quem eu convivo?” ferro, logo veremos que ela está ocupada em conquistar um lugar ou emNessa fase, os relacionamentos às vezes exercer sua função na comunidade ou no trabalho.chegam a ser tão importantes que podem Assim, constatamos que as diversas colunas estabelecem distinções quedeterminar toda uma existência! É entre dizem respeito à maneira que vivenciamos o tema em questão. A oitava,12 e 20 anos que geralmente escolhemos por exemplo, corresponde à fase da conduta, da atitude: trabalhar duro,entre nossos amigos aquele ou aquela que fazer o melhor possível, crer que algo nunca está bom o bastante, colocarirá compartilhar conosco a nossa vida. a si mesmo e aos outros sob pressão. Uma pessoa que sofre uma pressão• A série ferro tem como tema dominante como essa precisa de ferro! A homeopatia irá prescrever para ela ferrum me-o trabalho. O ferro é um metal destinado tallicum, o ferro puro, sem nenhuma mistura, e esse elemento irá permitira ser trabalhado. Ele é útil para fabricar- que essa pessoa relaxe um pouco, deixe o problema de lado. Em princípio,mos ferramentas e para efetuar diversos é simples assim.trabalhos. Trata-se, principalmente, de • A série cinco é a série prata. Já não é o trabalho, nem o domínio de deter-trabalhar no âmbito da cidade. “Qual minadas tarefas e sua execução perfeita que constituem o alvo. Nessa fase,é minha ocupação na cidade, na socie- o objeto se situa no nível do pensamento. Os representantes desse grupodade?” Se quisermos ser importantes para são pessoas do mundo da arte ou da ciência que desenvolvem ideias, asos outros, é preciso exercer uma função. divulgam, as tornam populares. Eles estão no mundo da cultura e muitasE, para saber que função é essa, preci- vezes também no da religião – que são setores importantes dessa série. Asamos fazer alguma coisa, como padei- prata também faz parte da série silício, que é a série dos pensadores e deros, carpinteiros, pedreiros etc.. O que um aspecto da filosofia. De acordo com a maneira que entendermos o queimporta é que o trabalho seja bem feito vem a ser filosofia, poderemos encontrá-la na série lantanídeos e também– e a isso geralmente se segue o medo de na urânio. 31

A primeira, a série hidrogênio, era a do Nessa série ouro/série lantanídeos o ser humano começa a se sentir res-“ser ou não ser”. ponsável pelo bem estar da humanidade no mundo. Agora sua consciênciaA segunda, a série carbono, referia-se ao engloba os outros, seus próximos. Já não nos sentimos bem quando todoslugar ocupado pelo corpo, a consciên- os membros da comunidade não conseguem se sentir da mesma forma. Écia corporal, no espaço imediatamente bem fácil determinar onde estão as pessoas e qual grupo define melhor opróximo. tipo delas: basta saber o que as faz sentir à vontade e onde elas se sentemA terceira, a série silício, se estende à tratadas com hostilidade. As pessoas que se encontram no grau de desen-família e aos amigos. O autoconhecimen- volvimento da série carbono verão todo mundo como uma ameaça outo e do lugar que ocupamos no mundo se como um inimigo.amplia. Na série silício, uma família constituirá uma ameaça para outra família daNa quarta, a série ferro, essa consciência mesma cidadezinha.se estende à comunidade, principalmente Na série ferro, é a cidadezinha mais próxima que irá representar essaà cidade. ameaça.A quinta, a série prata, trata da cultura Na série prata o perigo virá de outro povo ou do fato de alguém falar outralocal – que antes era uma típica provín- língua ou ter uma religião tão diferente quanto sua cultura: eles serão con-cia e agora é um país – e se desenvolve siderados bárbaros, descrentes.nas grandes cidades, nos grandes centros Por outro lado, na série lantanídeos/série ouro, a humanidade inteira fazonde se encontram as universidades, uma parte de nós, pois já não temos inimigos. Nessa fase, valem os temas davez que tudo isso não poderia acontecer fraternidade e da liberdade. Já não é o caso de nos preocuparmos com ona série ferro, pois no espaço de uma “perigo” dos extraterrestres, marcianos ou outros! Os representantes docidade pequena todas as pessoas têm grupo lantanídeos estão preocupados principalmente em ter domíniouma função produtiva. Resumindo: na sobre si mesmos ao invés de buscar o poder neste mundo. Eles queremquinta série assistimos a uma extensão da se controlar, começando por suas emoções. São indivíduos que desejamconsciência. seguir seu próprio caminho, ser autônomos – ou seja, seguir sua própria• Assim chegamos à sexta, à série lantaní- lei. Eles não precisam de ninguém para ensinar-lhes algo ou como fazerdeos, que, em parte, caminha ao lado algo: eles encarnam seus próprios valores. Os jovens podem dar muitada série ouro. Nesse grupo, a atenção se importância a isso: “Quero seguir meu próprio caminho. Quero levarvolta para a força e o poder, e a con- minha própria vida. Quero fazer o que eu mesmo desejar”. E até as crian-sciência se estende para o mundo inteiro. ças dizem: “Deixe que eu faço! Eu quero fazer sozinho!” Elas querem ter 32 Elementos, séries, temas, desejos, aspirações, identificações

controle sobre suas próprias vidas. Não é pessoas que estão se retirando da vida A sériepor acaso que, para eles, a liberdade é um exterior. Elas estão “entrando em si”: urâniotema capital – a começar pela liberdade ocupam-se mais delas mesmas do que de é a dona realidade exterior, onde todos nós exercer um poder ou uma influência. É processoprecisamos levar a vida. Esse processo vai a série do direcionamento espiritual, do espiritualse expressar nas convicções ou na religião “deixar para lá”. Nesse aprofundamento,de cada pessoa. Será que essas convicções no melhor dos casos nos sentimos emvêm de nós mesmos ou dos outros? É união com o todo o Universo. Nenhumaessa série que explica por que praticamos pessoa representa um inimigo. Em certoioga, aderimos a um ou outro grupo, ou sentido, a série hidrogênio e a série urâ-nos tornamos homeopatas... Algumas pes- nio se unem para fechar um ciclo, comosoas saem em busca do que as determina acontece na figura de oroboros, a serpen-interiormente e não somente exteriormente. te ou dragão que morde a própria cauda.Na série ouro esse processo continua. Já O verbo grego lanthanein significa “estarnão procuramos somente nos controlar, oculto” e “permanecer oculto”. Realmen-mas também queremos voltar para o te: os lantanídeos são metais que se ocul-exterior todo o poder que adquirimos. tam no interior das pedras. São chamadosAs pessoas que pertencem a essa série de “metais raros”, mas na verdade nãoquerem se tornar chefes: prefeito, diretor, são tanto, porém continuam ocultos nogovernador ou presidente. Em princípio, sentido de que nunca os encontramos emtrata-se de querer melhorar o mundo, seu estado totalmente puro: estão sempremas atualmente, se nos aprofundarmos misturados a outras matérias das quaisum pouco, veremos que é muito mais é muito difícil separá-los. O mesmo acon-para satisfazer seus próprios interesses. É teceu com numerosos grupos espirituaisque, nesse caso, o princípio dessa série ocultos, com comunidades que aindaouro foi misturado ao que domina a série não haviam surgido, talvez por não teremcálcio. força suficiente para estabelecer seu poder• A última é a série urânio. Do ponto de no mundo. Podemos ver os lantanídeosvista da idade, é o período da velhice, das como grupos em desenvolvimento, em 33

O homem da série lantanídeosnão tem inimigos: para ele, todos sãoirmãos e irmãsum processo para se tornarem soberanos. superior da consciência.Para alguém alcançar o estado de realezaé preciso ter adquirido o autodomínio, Rumo à unidadeter se tornado sua própria lei, pois caso Observem: o desenvolvimento do gê-contrário, não poderá manter o controle nero humano realiza-se de acordo com asobre o conjunto. Em muitos movimentos sucessão das séries que esboçamos acima.espirituais, mestres que não conseguem A partir da relação familiar e de clã nósdominar a si mesmos provocam contra- passamos às relações das pequenas eriedades e decepções. Seria por acaso que grandes cidades e chegamos às relaçõesos elementos da série lantanídeos mar- dos principados e reinados. Os Estados secam a conjuntura atual? Eles são muito uniram para formar uma unidade maisutilizados na tecnologia moderna: lasers, importante, como aconteceu na Uniãocomputadores, leitores de CD e telas de Europeia. A humanidade chegou ao pontoTV. Eles desempenham grande papel nos de conceber um mundo único, que uniriaefeitos luminosos e nas cores, principal- todos os seres humanos: o movimentomente nas telas de TV, para criar as cores da Nova Era, era uma expressão disso;vermelho, verde e amarelo, que dão o slogan “Faça amor, não faça a guerra”forma às imagens. A tecnologia de ponta também. A guerra significa que os outrosda informática talvez não existisse sem são inimigos! Ora, para quem está na faseessa série de elementos. Portanto, eles são da série lantanídeos, todos são irmãos edemarcadores da passagem para um nível irmãs. Para essas pessoas não há inimigos 34 Elementos, séries, temas, desejos, aspirações, identificações

e por isso a paz é um tema primordial, A série prata refere-se ao ouvido e à palavra, o que nos faz compreenderda mesma forma que a liberdade. Muitas melhor o ditado: “Falar é prata, calar é ouro”. Melhor seria dizermos: “Fa-coisas que usufruimos hoje foram con- lar é prata, enxergar é ouro”.quistadas por essas pessoas que lutaram Todas essas séries podem também ser colocadas em paralelo com a pirâ-por elas no movimento Nova Era na mide de necessidades e outras subdivisões estabelecidas pelos pesquisa-década de 70. dores. Tomemos a hierarquia das necessidades de acordo com Maslow. OAí está o caminho de transformação que primeiro degrau é o do conjunto de necessidades fisiológicas. Ele corres-devemos seguir. Mas, que pena! Esta- ponde à série hidrogênio. O segundo é o das necessidades de segurança emos percebendo que inúmeros grupos e saúde: série carbono. O terceiro, série silício: amigos e família. O quarto:movimentos querem se manter separados série ferro: necessidade de estima e respeito. No entanto, pelo que vimos,em seus países, suas regiões, suas raças, Maslow não determina as necessidades correspondentes à cidade.suas culturas. Poderíamos dizer que eles Esperar pela estima e respeito por parte de seus amigos, refere-se à sériequerem regredir para a fase da série prata, silício. E, quando se trata de um orador homeopata que pede consideraçãoquando as culturas e religiões diferentes em um núcleo da Rosacruz Áurea, trata-se da série prata. O nível seguinteeram inimigas! é o das necessidades cognitivas, da inteligência e da estética. A necessidade de autorealização e de atualização corresponde tanto à série lantanídeosTabela de correspondências como à série ouro.A tabela IV resume todo o conjunto.Vi- Em último lugar vem a necessidade de superar-se e alcançar a consciênciamos que tudo começa em nosso próprio transcendental.ser, com o hidrogênio. Em seguida, vema escala corporal. Depois, a vida comu- Outros modelosnitária da cidade. Segue-se a vida do país, Acabamos de expor um esquema universal. Muitos estudiosos fazem usodas outras culturas do mundo e, para de ferramentas semelhantes: economistas, antropólogos, pesquisadoresterminar, a vida no Universo. científicos. O psicólogo americano Robert Kegan fala sobre “medidas eTambém podemos estabelecer um para- relações” que também encontram correspondência nas séries da Tabelalelo entre as séries e os sentidos. Periódica.A série lantanídeos está ligada aos olhos, O americano Lawrence Kohlberg, filósofo e psicólogo, utiliza um modeloà visão: por isso é que a luz é importante de desenvolvimento moral que mostra como a obediência da criança tempara esse grupo. relação com a série cálcio. Quando a obediência é instrumentalizada, ela 35

se refere à série ferro. Quando ela está a ser explorado).integrada como um princípio ou aquisi- O estudioso de informática Martin Fowler criou uma escala que representação interior, ela diz respeito à série os vários modos de pensar. Cada etapa corresponde também às nossas sé-lantanídeos. Mas antes (série hidrogênio) ries: mágica, mítica, funcional, conformista, individual, não convencional ee depois (série urânio) não há nada no transcendente. No final, tudo parece chegar ao mesmo ponto: a série ferromodelo de Kohlberg. é a mais conformista.O poeta e filósofo polonês Hans Gebser O espiritualista e filósofo integrativo americano Ken Wilber faz uma des-fez uma descrição de como a humanidade crição das diversas maneiras de “estar no mundo”. Ele parte da pergunta:imaginava o mundo nas diferentes fases “Qual é o centro da sua consciência?” E ele distingue quatro centros: cos-históricas. A imagem arcaica do Universo, mo, mundo, raça ou etnia e eu. Para quem faz questão de ser etnocêntrico,assim como a concepção muito primitiva o que importa é seu próprio grupo – da cidade ou do país. Mas precisamosdo mundo mágico da criança, está ligada fazer a distinção entre a série ferro e a série prata.à série hidrogênio. Constatamos que todos esses diferentes modelos e sistemas de pesquisado-A ideia mais básica, racional e terra-a- res científicos destacam um ou outro aspecto não mencionado nas sériesterra corresponde à série ferro. Tudo é que já apresentamos. Maslow vê as coisas a partir das necessidades. Kegansimplesmente habitual e normal. Trata- observa o equilíbrio ou as medidas e relações. Kohlberg leva em considera--se de se comportar de acordo com um ção o desenvolvimento moral. Gebser considera as diferentes concepções aadágio holandês bem próprio da série respeito do mundo. Fowler faz a diferença dos vários modos de funciona-ferro: “Seja normal e você já será louco o mento mental em valores, graus de maturidade de acordo com o objetivobastante!”. principal de cada pessoa. A variedade de perspectivas reflete o conjunto dasÉ justamente o contrário da série prata, séries.quando a pessoa quer se destacar e se Poderíamos dizer que essas diferentes maneiras de ver, representadas porconsidera única, especial e, principalmen- cada uma das séries, também fazem parte dessas séries.te, alguém diferente e não igual a “uma Vocês poderiam formular uma nova tabela na qual todos esses dadospessoa qualquer”. Seu olhar a respeito das seriam introduzidos: o desenvolvimento moral combina bem com a sériecoisas é especial: ela pode admirar muito carbono; o voltar-se para o bem estar do mundo sintonizaria com a sérieo mundo (ao contrário de alguém da sé- ouro – e assim por diante. O sistema é complexo, mas mostra bem querie ferro, que não conhece o sentimento todos esses elementos sempre interagem. Na verdade, precisamos ver queda admiração e vê a Terra como um chão eles têm fractais – e o mais grandioso é aquele que faz que o macrocosmo 36 Elementos, séries, temas, desejos, aspirações, identificações

e o microcosmo se reencontrem, sendo que alcança o final: só restam ruínas,que o maior se encontra no menor. vestígios. Para além dele, o processo está completamente realizado. A fase 0 é oPeríodos ou fases repouso: não há mais nada!As colunas cobrem uma série que vai Para terminar, podemos mencionar quede 0 a 17, ou de 1 a 18, de acordo com também podemos estabelecer corres-o modo de vermos a tabela. O número pondências entre as séries de elementos1 é o início do processo de desenvol- e os plexos: hidrogênio – plexo raiz;vimento. Comparem essa fase com um cálcio – plexo sacro ou sexual; silício –grão que começa a germinar, que cresce plexo solar; ferro – plexo cardíaco; prataperfurando a superfície do solo e depois – plexo laríngeo (a palavra); ouro – plexovai crescendo e se desenvolvendo sem frontal (ao olhos); urânio – plexo coronalcessar até a floração. Então, vem a fase das (pineal).sementes e a planta logo seca e morre.É assim que nós podemos estudar a fasede desenvolvimento de um ser humano,seu modo de ser, o que ele faz, como eleage. Precisamos repetir que, em relação àsérie ferro, a pessoa pensa que ainda temmuito trabalho para ser completado epor isso pensa que ainda precisa trabalharduramente e se colocar sob muita pressãopara conseguir realizá-lo. Quando se tratada fase 8, essa é a maneira adequada dese agir.Para cada fase há um procedimento cor-respondente. Na fase 10 é o desenvolvi-mento do pleno florescimento. O 15 é afase final de um processo. O 16 é aquele 37

A arte de curar no pensamento chinêsDianne Sommers, filósofa, acupunturista eterapeuta trata do espírito encarnado, fundamentodo pensamento médico chinês. 38 A arte de curar no pensamento chinês

DIANNE SOMMERSNo pensamento chinês, o ser humano o potencial da personalidade individual pode se expressar. Os cinco shenprovém de dois mundos. Seu corpo veio ajudam o ser humano a passar por transformações de maneira conscienteda terra: um bloco de argila indiscipli- para poder cumprir seu destino.nado, com um coração para receber o A saúde pode ser definida como um estado no qual estamos preparadosaspecto espiritual do céu. O ser humano para manter certo equilíbrio físico, mental, emocional e espiritual, aotem a capacidade de conectar-se com passo que uma perturbação denota um desequilíbrio da expressão indivi-dimensões superiores e percebê-las como dual. Algumas terapias tentam reduzir a dor física ou emocional, enquantofontes de vida. Uma parte importante de outras estão em busca de um processo de cura pelo qual um crescimentonossa existência humana consiste em nos espiritual se torna possível. Qualquer que seja o caso, na medicina chinesamantermos em equilíbrio com essa dupla cada sistema de órgãos possui uma base energética subjacente, na qual osnatureza. Cinco aspectos espirituais (shen) sintomas físicos e mentais indicam a localização da perturbação energética.do ser humano estão ancorados nos di- Quando a fonte do problema é identificada, pode haver um auxílio maisferentes sistemas de órgãos de seu corpo. específico a partir da canalização apropriada do fluxo de energia.Tudo o que se passa no interior e ao Quando os cinco elementos são impulsionados à sua expressão plena há oredor do homem ativa os aspectos espiri- contato com a sabedoria interior – uma ligação que permite ao ser huma-tuais que permitem o desenvolvimento e no levar uma vida de acordo com seu destino individual.a transformação do ser interior. A expe- Quando nos desviamos do caminho e não seguimos o Tao, a doença poderiência direta do indivíduo com o mundo se instalar. Os sintomas e dores corporais de diferentes níveis revelam quaistrabalha o corpo e o espírito. As emoções são os sistemas orgânicos e os aspectos espirituais que estão funcionandoe os aspectos espirituais exercem uma com mais dificuldade.influência a partir da formação do corpofísico, pois as qualidades espirituais Os cinco elementoscontrolam e comandam este último. Oscinco espíritos permitem que o homem “A desregulagem interior” ou o desequilíbrio do eixo central, que é osiga sua própria via de desenvolvimento, tema de nossa conversa de hoje, é um conceito familiar aos filósofos chi-um caminho (Tao) no decorrer do qual neses. A China chama a si mesma de Zhõngguó, que significa “Império do Meio”. O centro desempenha um papel importante no pensamento chinês.‘Ichi’, o número 1. Enquanto estivermos abertos O mito da criação nos mostra a imagem de partes pesadas que saem ea novas ideias, o desenvolvimento é possível. A caem do caos original, enquanto as mais leves sobem. As primeiras, maistradição zen afirma que os mestres falham mais pesadas, formaram a terra; as segundas, mais leves, formaram o céu. Entrefrequentemente que os discípulos em suas tentativas os dois campos situa-se o mais importante, onde acontecem todas as trans-de alcançar a perfeição.© WG von Krenner, K Jeremiah, D Apodaca,Aikido Ground Fighting: Grappling and Submission Techniques, 2015 39

formações, onde tudo o que desce do Tao, “a senda”. Como tudo está em movimento, a filosofia chinesa visacéu e sobe da terra deverá encontrar seu a descrever o que está se passando e o que está se transformando. Afinal,lugar. No ser humano, que é um reflexo onde há tempo não há realidade estática. Prova disso é que tudo se apre-perfeito dessa imagem, o centro também senta sob a forma de associações. Sempre levamos em conta em que fase deé o lugar das transformações. Hoje, va- um processo de transformação uma pessoa se encontra, ou quais são essesmos considerar o ser humano como um processos que estão acontecendo com ela (e dentro dela). As associaçõesmicrocosmo, a partir da perspectiva do são um modo de descrever esse processo. Isso se reflete no pensamentogrande Todo, que é o macrocosmo. yin-yang. Nesse tipo de pensamento, o observador não se fixa em umaA filosofia chinesa é, sob certos aspec- coisa, mas sim a descreve em relação a outra coisa. Yin-yang é a obscuridadetos, o oposto de nossa filosofia ocidental em relação à luz, o mais pesado em relação ao mais leve, o masculino emmaterialista. Poderíamos dizer, com certo relação ao feminino. Desse modo, podemos descrever alguma coisa porexagero, que em nossa filosofia tudo se certo número de palavras, mas não a restringimos completamente em suasconstrói a partir da matéria, tudo provém propriedades, como fazemos com um material ou com uma substânciadessa base material. Até mesmo o espírito específica. Cada objeto, cada coisa, traz em si a mudança e a transformaçãoé considerado um fenômeno que surgiu das propriedades. Isso também vale para as cinco fases, ou para os cincoda matéria, como se fosse produzido por elementos.ela. O pensamento chinês afirma exata- Preferimos falar de uma subdivisão em cinco fases porque isso refletemente o contrário! A matéria é engen- melhor o que estamos tratando: cinco etapas de transformação nas quaisdrada por uma condensação contínua devemos considerar algo.do espírito, da consciência, dessa grande A partir desses princípios, abordamos um modelo que foi descrito háe vasta amplidão que abarca a tudo e a 2.500 anos e que foi publicado no livro Shu Jing (ou Shu Ching), sendotodos. que Jing ou Ching significa literalmente “clássico”. Assim como temos NeiUm segundo aspecto importante do Ching1, Nan Ching2, I Ching3, onde Ching significa “fundamento”, pode-pensamento chinês é que ele não con- mos dizer que Shu Ching é o “livro fundamental”.templa tanto tudo o que existe, mas vê O Shu Ching contém documentos que descrevem o que aconteceu no Impé-a totalidade como algo que se submete rio do Meio por volta do século 7 a.C.. Um de seus capítulos é o Hong Fan, oa um processo, como uma aparência em plano que engloba tudo. Descrever o conteúdo desse plano de repente, emconstante transformação. um só capítulo, é um gesto bastante ambicioso! No entanto, esse capítuloO mesmo acontece com o fenômeno do tornou-se realmente uma linha normativa para toda a filosofia que veio 40 A arte de curar no pensamento chinês

depois e para todos os acontecimentos perpassa todos os níveis da sociedade.que se seguiram. Esse modelo mostra como o processoA idéia principal é a de que nós, huma- vital se desenvolve, como o mundo na-nos, somos falíveis. Explica-se: estamos tural se manifesta. Com relação a isso, osenvolvidos com todo tipo de julgamento, pensadores chineses costumavam utilizar-submetidos a toda espécie de humores e -se da numerologia.nos baseamos em opiniões que ouvimos Tudo começa no momento de nossaem algum lugar. De acordo com os sábios saída do caos inicial para chegarmos aoda época do Shu Chin, deve existir uma mundo. O mundo é representado peloordem completamente diferente dessa algarismo 1 (Um). O elemento associ-variabilidade da natureza humana. ado a essa fase é a água, assim como oSendo variável – e, portanto, menos Norte. É o yin, que indica que já estamosconfiável – ela conta com a natureza em si no mundo, mas sob uma forma na qual acomo um reflexo de uma ordem supe- unidade está presente. As associações vãorior, celeste. Se conseguíssemos conhecer se tornando cada vez mais claras quandoas leis da natureza e delas deduzir sua chegarmos às profundezas das coisas. Noessência superior, teríamos em nossas processo de desenvolvimento, caminha-mãos um fio condutor que nos auxiliaria, mos em direção ao 2 (Dois). O fogoe assim seríamos capazes de nos deixar representa o lado oposto – o Sul, queconduzir em nosso ambiente social. Liga- representa o yang. Assim, a partir da uni-dos a essa essência, veríamos claramente dade chegamos à dualidade, onde tanto oo que a ordem natural celeste nos aponta. yin como o yang estão presentes. Em razãoEsse “livro clássico”, Hong Fan, que foi dessa dualidade, o yin é animado pelo yangescrito no século 4 a.C. tornou-se mais – e é isso que faz surgir a vida. Enquantotarde um cânone, tanto para a filosofia da o yin representa a obscuridade, o inerte, omedicina como para a filosofia da política fixo, o yang entra no interior da dualidade,e da ordem social. Para o pensamento que representa o que é vivo, leve e móvel.chinês, não se trata de aspectos individu- Aí está o eixo vertical inicial: a árvoreais, mas sim de um modelo global que entre o céu e a terra. 41

Nesse processo inicial, as partes mais 5 (Cinco), que é o elemento ou fase terra, a fase que assegura uma intera-pesadas caem e formam a terra, enquanto ção dinâmica entre as quatro direções individuais. É assim que as coisasas partes mais leves se elevam e formam ganham movimento.o céu. O 5 (Cinco) é, literalmente, o número que coloca a matéria em movi-No centro, entre o yin e o yang, entre o mento.1 (Um) e o 2 (Dois), encontra-se o 3 Depois do século 4 a.C. vemos que surge grande quantidade de outros(Três). É aí que se encontra o elemento processos. Além do fato de que inúmeras coisas são subdivididas em doismadeira. A fase madeira representa o ou três, muitas são divididas em quatro ou cinco fases.Leste – o lugar onde o sol se eleva, onde O 5 (Cinco) é a base do Universo. Ele nos permite observar como os pro-tudo tem seu início, no centro, onde cessos acontecem em seu interior. Explica-se: como já dissemos no início,surge, literalmente, a criação. trata-se de movimento, de transformação.Nessa fase, todas as coisa surgem, entre É por essa razão que podemos ver aqui cinco tipos de movimento. Assim,o céu e a terra. Assim, existe o céu, o a energia da madeira é o movimento que vem do Leste, do sol que levanta,homem e a terra. Essa é a primeira trico- ou da primavera: a energia da expansão é expressa nesse sentido porque otomia, anterior ao surgimento do tempo Leste tem o potencial de seguir em todas as direções, de impulsionar todose do espaço. A partir do 3 (Três), observa- os movimentos.mos o tempo e o espaço por outro lado, Do mesmo modo, tudo o que pertence ao elemento fogo traz em si ano eixo horizontal. energia que tem como finalidade estabelecer uma ligação com o céu. OO surgimento do tempo, no sentido das Oeste, muito ligado ao metal, mostra o movimento que vai para o interior,quatro estações e o surgimento do es- que permite que as coisas possam ser assimiladas e que seja possível serpaço, no sentido das quatro direções. observado um progresso interior.Agora, o elemento é o metal e o ponto Em seguida, chegamos à energia da água, que, em conexão com a terra,cardeal aponta para o Oeste. O espaço forma a ligação com a base ou fundamento. O movimento que fica nose estende em quatro direções. Nessa centro está relacionado com a transformação: a conversão, a assimilação e aimagem, observamos a presença da reunião dos diferentes aspectos – e todos são componentes de nós mes-totalidade. No pensamento chinês, essa mos.totalidade dos 4 (Quatro) elementos Assim, vemos que a filosofia dos processos retorna: trata-se de um desen-precisa alcançar uma dinâmica que ela volvimento que envolve todos os movimentos da vida – o subir, brilhar eadquire pela posição central, no meio do descer, enfim, todos os processos grandes ou pequenos dos quais participa- 42 A arte de curar no pensamento chinês

mos em nossa existência. verá ser feita a ligação com o que se passa OsO mesmo é válido para os processos entre o céu e a terra. diversosreferentes aos aspectos das estações do Assim, a partir desta grande perspectiva órgãosano – primavera, verão, outono e inverno ligada ao tempo e ao espaço, desejamos presentes– nas quais a posição central, o meio, agora chegar ao ser humano em si e falar no centronão se encontra sempre no mesmo local. sobre a medicina chinesa. são somenteAqui, vemos o centro localizado bem no Veremos que as cinco fases se apresentam os quemeio, mas às vezes, quando colocamos os também no interior do ser humano, de conhecemoscinco elementos enfileirados, constatamos diversas maneiras. no Ocidenteque essa posição fica situada entre as fasesdo yang e do yin. As duas fases yang são as Fundamentos da medicina chinesafases ascendente e de saída (a madeirae o fogo). Depois, vem o aspecto terra, Um dos fundamentos da acupuntura en-localizado entre a fase yang e yin do metal contra-se no funcionamento dos órgãos ee da água. Uma terceira possibilidade seus sistemas.vista pela filosofia chinesa como a posição Esses sistemas estão no centro e formamcentral situa-se entre cada uma das fases, o “meio”. Os diversos órgãos que elespois todo ser humano, entre seus dife- contêm não são apenas os que nós conhe-rentes estágios, atravessa um processo de cemos: são sistemas que, energetica-transformação. mente, correspondem às qualidades queEm resumo: a posição central pode desli- acabamos de enunciar.zar e ser observada em locais diferentes. A energia do fígado pertence ao elementoA parte superior, que é o aspecto fogo, madeira, que se relaciona com a criativi-corresponde ao céu. A parte inferior, da dade do ser humano.ligação da água à terra, tem ligação com Quando o sol se eleva, no início dao solo. Entre os dois está a região, a esfera primavera, há um grande potencial, masonde deverá acontecer o que pertence nada está formado ainda. Na primavera,ao que é humano – ou seja, o local onde ainda não conseguimos ver o que serádeve ocorrer a transformação, onde de- 43

da folha e do broto que estão surgindo. energia da madeira. 心O mesmo acontece com a energia do Agora vamos seguir o caminho de outrafígado humano: é uma energia criadora, energia. O fogo é uma energia ligadaum potencial, possibilidades, uma força ao verão: a energia do coração. Para oque contribui para criar, levar adiante umprojeto. pensador chinês, o coração é um órgãoNo pensamento chinês, tudo isso se torna Observemmuito especial. Se observarmos o símbolopossível a partir da energia do fígado.Graças a ela, podemos, de modo visi- da escrita chinesa que significa “coração”,onário, conceber todo tipo de ideias e o símboloveremos uma fossa oca, sem nada em seucriações. Segundo o pensamento chinês,apesar de serem na verdade qualidades de interior, com três traços em cima. O co-espírito, essas forças estão associadas aos chinês pararação é a capacidade para fazer a ligaçãoaspectos corporais.Vamos tentar imagi-nar: a madeira corresponde ao fígado, com o céu. Essa é a energia com a qualmas também aos olhos. Trata-se da ação indicaras coisas podem ser novamente ligadasde ver – não somente com os órgãos ex-teriores, mas também com o olhar interi- umas com as outras, a energia com a qualor. Os dois (o olhar exterior e o interior) coração:podemos sentir e entrar em conexão.desempenham um papel importante emtudo o que vemos diante de nós, daquilo Com certeza o entusiasmo que existe emque poderá acontecer mais adiante. um vazio,nosso coração e ao qual podemos ligarOs tendões também formam um aspectoque está ligado à energia do fígado, pois outras pessoas ou transferi-lo para elas fazrepresentam o potencial da mobilidade: parte disso! sem nadaeles nos permitem aplicar a força e desen- A língua está associada a essa energia.volver um poder repentino para colocar Afinal, ela é um instrumento que nos im-alguma coisa em movimento. Para opensamento chinês, tudo isso pertence à dentro, tendopulsiona para essa conexão. É importante observar que, no interior de nosso cére- em cima trêsbro, a região que está relacionada à língua tracinhosocupa a maior superfície, se a considerar- mos proporcionalmente ao restante do sistema sensorial. Quando queremos realmente sentir alguma coisa, a melhor maneira de descobrir essa ligação (entre nós e o objeto) é fazer isso com a língua. 44 A arte de curar no pensamento chinês

Além disso, a circulação do sangue e os e nos faz sentir: “Ah, olha aí uma coisa especial! Isso me atrai, isso provocavasos sanguíneos também estão associa- uma transformação em mim”.dos com essa energia. O nariz, por onde a respiração entra e sai, é o órgão dos sentidos queO coração permite que a ligação com o acompanha essa energia. A pele também é um sistema sensorial que noscéu possa se estabelecer e se transportar permite ter a sensação das coisas. Por possuírem a energia do metal, ospara nosso corpo inteiro. Por meio do pulmões são receptíveis e permeáveis a tudo o que vivenciamos.sangue e dos vasos sanguíneos podemos E assim chegamos à energia da água. Essa energia está ligada aos rins: ela éexperimentar concretamente a conexão a conexão com a terra, a ligação com os alicerces, com a base hereditária.com o céu. No pensamento chinês, o A energia dos rins simboliza e desempenha em nosso corpo um papelsangue não é somente material: ele é importante: o de nos ligar à água, trazendo calma, estabilidade e segurança.uma substância importante, carregada de Aqui os ouvidos são os órgãos sensoriais que exercem grande influência.energia celeste. Os ossos, como forma de extrema densificação, correspondem à terra: elesAgora, vamos prestar atenção à ener- também são mais adequados a conferir a estabilidade que o sistema precisagia do metal. Ela reflete o outono e está nos oferecer para assegurar que mantemos nossos “pés na terra”.relacionada com os pulmões. Graças a Com o centro, o 5 (Cinco), a fase terra, temos o processo de digestão e deessa energia, as coisas podem literalmente assimilação. O elemento que se encontra no meio precisa formar uma liga-descer e se fazer sentir em nosso sistema. ção com os outros aspectos. E o aspecto terra está em relação direta com osOs pulmões representam a sensação. Tudo sistemas de digestão e assimilação, não somente quanto ao que comemoso que na energia do fígado é dirigido e bebemos, mas com tudo aquilo com que nos deparamos, com o queprincipalmente para o exterior, agora, vivemos e sentimos. Nesse ponto, precisamos converter todas as informa-através dos pulmões, volta-se para o inte- ções em algo apropriado para nós. Acima de tudo, precisamos colocar emrior. E o que sentimos em nosso interior? prática nossas próprias transformações antes de podermos assimilar. HáSentimos a energia da descida, do desa- pessoas que comem coisas boas, mas só conseguem retirar delas poucospego, do “deixar para lá”, da capacidade elementos. Precisamos nos apropriar dessas informações por meio de umde aprender e de poder deixar tudo para processo pessoal, fazendo melhor do que as pessoas que seguem diversastrás. Quando essa energia penetra em informações e pensam: “Que fantástico!” e depois continuam suas vidasnós, podemos realmente “entrar em nós sem realizarem qualquer transformação. Nesse caso, nada foi assimilado oumesmos” – e isso representa uma fonte transformado!de inspiração que nos toca interiormente Tudo o que cultivamos, transformamos e assimilamos em nós mesmos 45

forma nossa colheita pessoal. E essa co- Somos seres que, a partir do céu, precisamos encontrar um lugar na terra,lheita só vai poder acontecer se tivermos onde a existência e as necessidades nos obrigam a trabalhar para criar umatrabalhado nela! No pensamento chinês, transformação, uma mudança, um enriquecimento, por meio da colheita.a boca é o órgão dos sentidos que cor- Do ponto de vista espiritual, temos origem nos aspectos mais físicos eresponde a tudo isso. O mesmo acontece energéticos para chegar até o aspecto da alma. Aqui, seguimos novamentecom os músculos, pois eles dão uma ideia a linha do macrocosmo e da fisiologia do corpo humano para encontrá-lade firmeza à carne. novamente na vida da alma. Assim, no aspecto da energia da madeira en- contra-se o aspecto da alma, que corresponde à energia do fígado. Na filo-Os cinco aspectos da alma humana sofia chinesa isso é chamado de shen. É a alma leve e etérea. Sua contraparte se encontra no oposto: na alma física ou animal, a alma grosseira. O shen eCom tudo isso, temos uma base de tra- o po são os dois motores no interior dos quais acontecem os movimentosbalho, uma espécie de alicerce sobre o que pertencem à economia energética, à entrada e a saída das energias. Oqual o modelo médico chinês funciona. shen e o po formam a dualidade na qual uma alma tem uma tendência de seEsse modelo não se contenta em lidar elevar e outra a descer em direção à terra. Uma tende à sublimidade e secom órgãos, com a matéria orgânica, com eleva ao mundo das ideias e pensamentos superiores, enquanto a outra ésuas qualidades e funções baseadas em es- fascinada pela terra, que promete de tudo!tudos médico-fisiológicos. Não: o modelo De manhã, quando acordamos, vivenciamos o seguinte dilema: “Ah, pre-chinês se inscreve em um contexto bem ciso me levantar... preciso fazer minhas leituras, preciso sentar e fazer isso emais amplo. Ele nos familiariza com as aquilo!” Mas nosso corpo diz: “Ah, como essa cama está gostosa!” É assimcapacidades e os aspectos de transforma- que podemos compreender shen e po. Os dois estão presentes. Os dois nosção próprios ao ser humano. induzem a um movimento ao mesmo tempo. O shen é etéreo, inclina-seTambém aqui encontramos a tricotomia para o alto, para a espiritualidade, caminha “par e passo com o espírito”,céu, terra e coração. A energia do coração segundo os chineses. Ele envolve certo número de qualidades espirituais emantém a conexão com o céu. A energia também tem conexão com os sonhos, que são um aspecto importante dedos rins cuida para que possamos manter nossas vidas.contato com a terra. A razão é simples: O poder da imaginação, sobre o qual já falamos, a faculdade de ver comporque somos seres que se encontram os olhos interiores, corresponde, em sentido espiritual, à imaginação, osmais ou menos entre a terra e o céu. ideais e as visões. No pensamento chinês, as visões pertencem ao mesmo tipo de energia. O mesmo acontece com a faculdade de alguém sair de seu 46 A arte de curar no pensamento chinês

corpo – pois o shen é considerado uma cias sejam assimiladas pelo corpo, dentro Aqualidade espiritual que pode manifestar de si mesmo. O shen e o po são um motor respiraçãocerta forma de independência, de afasta- duplo: em conjunto, eles exprimem as se fazmento – por exemplo, sonhar que esta- forças centrípetas e centrífugas do orga- sozinha:mos realmente meditando no alto de uma nismo. não preci-montanha chinesa, ou poder agir fora do Há ainda um terceiro aspecto da alma: samos nospróprio corpo, ter contato com experiên- a energia da água. Os chineses chamam preocuparcias de quase morte, entra em transe ou essa fase de zhi. É a força que consti- com elaêxtase. O shen pode tomar uma posição tui nossa base e a energia mental parapara observar de longe: é uma força yang. expressar nossa vontade sem nos ligar-Como tal, pode voltar-se para o exterior. mos a ela de modo compulsivo, o queO po se encontra do lado oposto. É a nos permite manter a atenção na linhaalma física, animal, grosseira. É a vida do tempo, evitando o entusiasmo inicialda terra dentro de nós mesmos, a força recorrente que sempre nos pede algoterrestre que nos faz sentir corporalmente diferente, mesmo que nosso desejo jáque somos humanos. São sensações que tenha sido preenchido. Aqui pode nascerpercebemos em nosso organismo, que e se ancorar um ideal. O zhi nos dá força enos fazem sentir seu funcionamento, determinação para fazer as coisas que de-as reações e os impulsos instintivos. A sejamos em nossa vida. Ele também é umrespiração, que funciona automatica- recurso, um aspecto da alma que ancoramente, é um aspecto sobre o qual nem um ato de vontade na energia básica. Osprecisamos pensar. Por essa razão ela é rins constituem o sistema orgânico quechamada de “pulsação do po”. É ela que corresponde ao zhi.possibilita a entrada do elemento da alma O elemento seguinte é o yi,uma energiano corpo. Todas as terapias respiratórias que pertence à terra, que está no centro.utilizam esse princípio para fazer que as Também é uma força que faz as coisasexperiências e os aspectos que precisam se tornarem pessoais. Como observamosser percebidos possam passar pelo físico. na digestão, é no baço e na terra que asEssa energia atua de modo que as vivên- essências são extraídas do éter e formam 47

nossa colheita. O mesmo acontece em é a conexão com a fonte original, a fonte Precisamosnível espiritual, no campo do espírito. à qual tudo e todos estão ligados. Gra- criar aHoje de manhã, talvez tenham visto algo ças a essa conexão, nosso destino pode possibilidadeno jornal ou ouvido no rádio. Se alguém ser cumprido, consumado, uma vez que para queperguntasse o que era essencial nessas não somos somente filhos de um pai e nossa partenotícias, cada um de vocês faria uma de- de uma mãe naturais. De acordo com o do Espíritoclaração diferente, em função de sua visão pensamento chinês, os pais fornecem a Universaldo mundo e de sua própria abordagem base física para a existência, o alicerce de queirados fatos. Essa energia garante que aquilo natureza terrestre. Mas recebemos nossa estabelecerque nos informa se transforme em uma inspiração do outro polo, do aspecto sua moradaparte de nós. celeste, que nos indica nossa finalidade, em nósEsse processo nos permite fazer uma co- nosso destino, o ming.lheita pessoal no campo em que nos con- Mais uma vez vemos a tríade: céu, terra,centramos e focalizamos nossa atenção. homem. Os processos de transformação acontecem na parte humana. O cora-O coração e nosso contrato com o céu ção, com o shen, nos liga ao céu. O zhi nos liga ao que é fixo, à terra. O ming, aoPortanto, há quatro aspectos espirituais nosso destino. O traço do alfabeto chinêsque estão associados ao ser humano. que traduz esse conceito é um pequenoQuanto ao quinto, que é o shen, este está telhado que representa o céu. A boca, emligado à energia do fogo e ao coração. Os baixo e à esquerda, simboliza a terra, e aoutros quatro também fazem parte dos linha horizontal que se encontra entre oscinco shen, nome genérico que significa dois é o ser humano.também “espírito” ou “qualidade espiri- “Boca” porque a terra nos alimenta e nostual”. De qualquer modo, como esse es- dá a possibilidade de existir. O símbolopírito específico contrasta com os outros logo abaixo, à direita, significa “selo”: équatro, ele pertence às energias do fogo e nosso contrato de compromisso, nossodo coração. pacto com o céu, pois aqui temos uma fi-Agora vamos voltar ao que já dissemos nalidade precisa, com um objetivo especí-antes a respeito do coração. Na verdade, o fico, único, especial para cada indivíduo.coração é um órgão oco. No pensamento No momento da concepção (que é ochinês ele também é considerado algo momento em que se forma o substrato, avazio, que forma uma casa que pode abri- base), a direção é determinada. Por isso,gar o shen. É digno de nota observar que, literalmente, “vale o esforço”: os proces-no pensamento chinês, as pessoas têm sos evoluem e deixam de ser manifesta-uma parte pessoal para que dentro delas dos.possa morar uma parte do grande Todo. Realmente há algo que o céu coloca naIsso não se faz automaticamente, nem é semente do destino para desencadear umfácil. Cada um de nós faz parte do Todo, processo. Dois elementos se unem. Nomas precisamos preparar nossa morada, solo terrestre que nos alimenta é colocadapara que certa coisa possa permanecer uma destinação, uma missão. Isso é ex-conosco. tremamente importante no pensamentoEm outras palavras: precisamos criar, para chinês. Ao longo da vida, o céu, o ho-essa parte do Espírito Universal, a pos- mem e a terra alimentam, juntos, essa se-sibilidade de fazer morada em nós. Isso mente. Em outras palavras: sempre haverá estímulo para que o destino se expresse, 48 A arte de curar no pensamento chinês


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