3Desenhos de estudos epidemiológicos Sonia Isoyama VenancioI Introdução O objetivo fundamental da Avaliação de Tecnologias em Saúde(ATS) é prover informações confiáveis para apoiar a tomada de decisãode gestores, por meio de uma compreensão mais elaborada sobre o de-senvolvimento, a difusão e o uso apropriado da tecnologia em saúde1. AATS pode ser entendida como a pesquisa sistemática da melhor evidên-cia disponível de eficácia ou de efetividade de uma tecnologia em saúde,e dos custos relacionados a ela. O intuito da ATS é permitir que sistemasou organizações de saúde, como, por exemplo, hospitais e clínicas, pos-sam aumentar a qualidade da atenção e o bem-estar do paciente e otimi-zar a relação de custo-efetividade, ou seja, a eficiência de produtos parasaúde2. Em geral, um estudo de ATS parte de uma pergunta específica,que busca responder sobre os efeitos de uma determinada tecnologia emcomparação a um tratamento/intervenção usual ou placebo. Da mesma forma, a abordagem das Políticas Informadas por Evi-dências (PIE) procura aumentar o acesso e o uso de evidências científi-cas de qualidade pelos tomadores de decisão no processo de formula-ção e implementação de políticas de saúde, tornando-as mais efetivas,produzindo equidade e melhorando a qualidade de vida da população.Esse processo envolve definir problemas, identificar intervenções paraI Sonia Isoyama Venancio ([email protected]) é médica, Doutora em Nutrição em Saúde Pública, pes- quisadora e vice-diretora do Instituto de Saúde- SES/SP.
52 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômicaenfrentá-los, avaliar a qualidade das evidências globais e locais e traduzi--las para os principais interessados, considerando valores sociais e leis3. AFigura 1 ilustra as motivações e o foco dos estudos de ATS e PIE.Figura 1. Características dos estudos de ATS e PIE. ATS Ponto de partida: tecnologia de saúde Avaliação da eficácia, se- gurança, custos e impacto orçamentário da incorporação PIE Ponto de partida: problema de saúde ou do sistema de saúde Avaliação de diferentes intervenções quanto à efetividade, custos e aspectos relacionados à implementação de políticas e equidade. Na avaliação de eficácia, efetividade e eficiência (conceitos apre-sentados no Quadro 1), tanto de tecnologias de saúde quanto de inter-venções para enfrentar os problemas de saúde, os procedimentos e de-senhos de estudo tradicionais da epidemiologia são utilizados. O obje-tivo deste capítulo é apresentar uma breve descrição dos principais de-senhos de estudo em epidemiologia e sua potencial contribuição paraATS e PIE. Os estudos voltados à avaliação econômica serão abordadosnos Capítulos 4 e 5.
Desenhos de estudos epidemiológicos 53Quadro 1. Conceitos utilizados em estudos de ATS. Eficácia Estudo para determinar os benefícios de uma nova tecnologia utilizada em condições ideais ou experimentais. O conceito, geralmente, refere-se a resultados obtidos a partir de ensaios clínicos controlados e randomizados. Efetividade Estudo para determinar os benefícios de uma nova tecnologia utilizada em condições habituais ou do dia a dia. O conceito, geralmente, refere-se a resultados obtidos a partir de ensaios clínicos pragmáticos ou práticos, estudos observacionais (prospectivos ou retrospectivos) ou de revisão de séries de casos (obtidos de prontuários médicos ou banco de dados, como o DATASUS). Eficiência Conceito econômico em que se busca o maior benefício com o menor custo possível. O concei- to, geralmente, refere-se aos estudos de custo-efetividade ou custo-utilidade.Fonte: Nita ME et al. (2009)2. Desenhos de estudos epidemiológicos Inicialmente vamos fazer uma classificação dos estudos epidemio-lógicos em estudos primários e secundários. Estudos primários correspondem a investigações originais, nasquais o pesquisador coleta e analisa os dados. Estudos secundários são osque procuram estabelecer conclusões a partir de estudos primários, como registro resumido de achados que são comuns a eles. No primeiro grupo, o de estudos primários, os desenhos de estudosepidemiológicos podem ser agrupados em três categorias amplas, combase no modo pelo qual os indivíduos são alocados nos grupos a seremcomparados e na posição que o pesquisador tem sobre a exposição aofator de risco ou de prognóstico4, conforme se apresenta no Quadro 2.
54 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômicaQuadro 2. Classificação dos estudos epidemiológicos segundo a posição dopesquisador e a alocação dos indivíduos.CLASSIFICAÇÃO POSIÇÃO DO ALOCAÇÃO TIPOS DE ESTUDOS PESQUISADORExperimentais (ou O pesquisador faz uma Os indivíduos são alo- Ensaio clínico ou in-de intervenção) intervenção, ou seja, cados de modo alea- tervenção em comu- define a exposição ao tório (por sorteio) no nidades, randomiza- fator de interesse. grupo de exposição dos. aos fatores que se jul- ga serem de risco* ou de prognóstico**ou no grupo controle.Quase O pesquisador faz A alocação dos indi- Ensaio clínico ou in-experimentais uma intervenção, ou víduos nos grupos de tervenção em comu- seja, define a exposi- exposição ou controle nidades, não rando-Observacionais ção ao fator de inte- não é aleatória. mizados. resse. -- Estudo de coorte, es- O pesquisador não faz tudo caso-controle e uma intervenção, ob- estudo transversal. serva a exposição dos indivíduos ao fator de interesse.Fonte: adaptado de Bloch e Coutinho (2009)4.*Fator de risco: fator que pode modificar a probabilidade de um evento ocorrer.** Fator prognóstico: fator que pode modificar o curso de uma doença. A seguir apresentam-se as principais características dos desenhosde estudos primários: experimentais ou de intervenção (ensaio clínicocontrolado randomizado) e observacionais (estudos de coorte, caso-con-trole, transversal). Ensaio clínico controlado randomizado (ECCR) ECCR é um estudo prospectivo em seres humanos, que comparao efeito de uma intervenção (profilática ou terapêutica) com controles.O pesquisador distribui o fator de intervenção a ser analisado de formaaleatória, por meio de técnica de randomização (ou sorteio) que possi-bilita que os grupos (experimental e controle) sejam formados por umprocesso aleatório de decisão.
Desenhos de estudos epidemiológicos 55 Os ensaios ou estudos de intervenção comunitários são um tipo deECCR em que a intervenção e seus efeitos incidem sobre a comunidadecomo um todo e não a indivíduos isoladamente5. A Figura 2 apresentaesquematicamente o ECCR.Figura 2. Diagrama do ECCR. AMOSTRA RANDOMIZAÇÃO (SORTEIO)g g gGrupo exposto à intervenção g (experimental) g g g Grupo não exposto à intervenção t inicial (controle) t finalDesfecho Desfecho Desfecho Desfecho + - + - Exemplo de ECCR Um estudo busca identificar a relação entre o uso de antidepressivo e a melhora da depressão. Dois grupos de pacientes são escolhidos de forma aleatória e divididos em Grupo Exposto (GE) e Grupo Controle (GC). O GE recebe antidepressivo, enquanto o GC recebe placebo (pílulas de farinha, por exemplo). Ao final de dois meses avalia-se a diferença nos desfechos entre os grupos. Nos ECCRs, questões referentes à validade interna relacionam-se aquanto o erro sistemático, ou viés, é minimizado. Quatro potenciais fon-tes de viés devem ser consideradas neste tipo de estudo6: • V iés de seleção: O viés de seleção simboliza a presença de alguma diferença sistemática entre os grupos comparados, e o ideal é que
56 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômica todo participante tenha a mesma chance de ser alocado em qual- quer um dos grupos por meio de sorteio. • V iés de desempenho: Consiste nas diferenças sistemáticas no cuidado fornecido para os participantes em função dos grupos e pode ser minimizado por meio do cegamento dos diferentes par- ticipantes do estudo (quem realiza a intervenção, os pacientes, quem analisa os desfechos, etc.), de forma que não saibam quem pertence ao grupo experimental ou ao grupo controle. • V iés de detecção: Refere-se às diferenças sistemáticas entre os grupos durante a análise dos desfechos. Também é minimizado pelo cegamento, neste caso especificamente dos avaliadores de desfecho. • Viés de atrito: Corresponde à diferença sistemática entre os gru- pos devido à perda de participantes do estudo. Pode representar problemas quando os participantes deixam de retornar após o início das intervenções devido a, por exemplo, eventos adversos de uma das intervenções. Mais de 20% de perda em um estudo é forte indicativo de viés, bem como perdas desiguais nos diferentes grupos. Assim, é fundamental que os autores descrevam se houve perdas em um ECCR e os motivos. Além disso, cada participante, ainda que não receba a intervenção alocada, deve ser analisado ao fim do estudo como se a tivesse recebido, o que se denomina análise por intenção de tratar. Além da validade interna, alguns aspectos devem ser levados emconsideração em relação à validade externa de um ECCR6, ou seja, paraavaliar se é possível extrapolar os resultados do estudo para determina-da realidade: 1) os participantes do estudo são semelhantes à populaçãode interesse?; 2) a intervenção foi aplicada da mesma forma que seriaaplicada à população de interesse?; 3) o ambiente em que foi realizadoo estudo é semelhante ao de aplicação dos resultados?; 4) os desfechosanalisados são de fato os desfechos de interesse, como aumento da ex-pectativa de vida, mortalidade, etc.?
Desenhos de estudos epidemiológicos 57 Vantagens e desvantagens do ECCR Vantagens: Consiste em um estudo experimental, de desenho prospectivo, controlado e ran- domizado, sendo considerado a melhor fonte de determinação da eficácia de uma intervenção. Desvantagens: Embora seja considerado a melhor fonte de evidência científica na pesquisa clí- nica, não responde a todas as questões; há situações em que não pode ser realizado ou não é necessário, apropriado ou mesmo suficiente para ajudar a resolver problemas importantes. A realização do ECCR é limitada por questões financeiras, taxas de adesão baixas ou perdas de seguimento elevadas. Outro aspecto a ser considerado é o chamado conflito de interesses e sua possível influência sobre a realização de pesquisas desse tipo e na própria decisão médica. Estudo de coorte Estudo de coorte é um estudo observacional em que a situação dosparticipantes quanto à exposição de interesse determina sua seleção parao estudo, ou sua classificação após a inclusão no estudo. Esses participan-tes são acompanhados ao longo do tempo para se avaliar a incidência dedoença ou outro desfecho de interesse7, conforme apresentado na Figura 3.Figura 3. Diagrama do estudo de coorte Grupo exposto Grupo não exposto t inicialao fator de risco ao fator de riscog g g g gDesfecho Desfecho Desfecho Desfecho t final + - + - Exemplo de estudo de coorteUm estudo busca identificar a relação entre a amamentação e mortalidade infantil. Um grupo decrianças é seguido após o nascimento (coorte) até um ano de idade. As crianças são alocadas emdois grupos de comparação: um grupo que foi amamentado (GE) e um grupo que não foi ama-mentado (GC). Ao final do seguimento compara-se a incidência de mortalidade nos dois grupos.
58 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômica Diferentes tipos de exposição podem ser estudados, como exposi-ções ambientais (poluição), comportamentos relacionados à saúde (ati-vidade física, alimentação), características biológicas (colesterol sérico),fatores socioeconômicos (renda). Da mesma forma, o pesquisador podeter interesse em diferentes tipos de desfecho, como mortalidade, incidên-cia ou evolução de doenças, etc. O pesquisador define as datas de início e de final do seguimentodos participantes do estudo e durante o acompanhamento são coletadasinformações sobre a exposição de interesse, outras variáveis que podeminterferir no desfecho (também chamadas de confundidoras ou modifi-cadoras de efeito) e sobre o desfecho propriamente dito. No planejamento e análise de estudos de coorte deve-se levar emconsideração que a identificação de uma associação ou não entre a expo-sição e o desfecho de interesse pode ser devida à ocorrência de confundi-mento e/ou vieses de seleção e informação. O confundimento ocorre em função de outros fatores (além dofator de exposição principal que está sendo investigado) que podemser simultaneamente preditores da ocorrência do desfecho, apresen-tam-se associados com a exposição e não representam passos inter-mediários na cadeia de eventos que liga a exposição principal e o des-fecho em estudo. A prevenção do confundimento pode ser feita uti-lizando-se critérios de inclusão/exclusão no estudo e o pareamento,com o objetivo de tornar os grupos de exposição e controle homogê-neos. Outra possibilidade é o controle do confundimento com proce-dimentos na análise dos dados, lançando-se mão de técnicas de aná-lise multivariada. Nesse sentido, é fundamental que se conheçam ospossíveis fatores confundidores para que essas informações possamser coletadas e analisadas. O viés de seleção ocorre como consequência das estratégias adota-das para a seleção dos participantes e de fatores que influenciam a par-ticipação no estudo, merecendo destaque as perdas de seguimento dosparticipantes. Já o viés de informação surge em função de erros sistemáti-cos por ocasião da coleta de informações sobre as variáveis de exposição,variáveis de confundimento e desfecho.
Desenhos de estudos epidemiológicos 59 Vantagens e desvantagens do estudo de coorteVantagens: Esses estudos são menos sujeitos à ambiguidade na determinação da sequênciatemporal entre as variáveis de exposição e desfecho (relação causa e efeito). Permitem cálculodireto das medidas de incidência nos grupos de expostos e não expostos. Além disso, váriashipóteses podem ser testadas envolvendo diferentes tipos e exposição e desfechos. São poucosujeitos a viés de seleção.Desvantagens: Não são apropriados para a avaliação de desfechos raros ou que apresentem umperíodo de indução longo. São em geral caros e difíceis de conduzir, e muito sujeitos a perdasde seguimento, o que pode comprometer a validade dos resultados. Como não é realizada aalocação aleatória dos indivíduos no grupo exposto e controle, são menos apropriados que osECCRs para avaliar a eficácia de intervenções, devido à possibilidade de fatores de seleção econfundidores não controlados. Estudo de caso-controle Estudo de caso-controle é um tipo de estudo observacional que seinicia com a seleção de um grupo de pessoas portadoras de uma doençaou condição específica (casos) e outro grupo de pessoas que não sofremda doença ou condição (controles), com o objetivo de identificar se de-terminadas características (exposições ou fatores de risco) ocorrem commaior frequência entre os casos ou controles. Se a proporção de expostosao fator é maior entre os casos do que entre os controles é possível queesta exposição esteja relacionada a um aumento do risco para a doençaem questão. Por outro lado, se a exposição é menor entre os casos podeser considerada como um fator protetor8. A Figura 4 apresenta, esquema-ticamente, o desenho do estudo caso-controle.Figura 4. Diagrama do estudo de caso-controleEXPOSIÇÃO EXPOSIÇÃO Passadog g gDesfecho Desfecho Presente NÃO SIMCONTROLES CASOS
60 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômica Exemplo de estudo de caso-controle Um estudo busca identificar a relação entre câncer de pulmão e tabagismo. Um grupo de por- tadores de câncer de pulmão é selecionado (casos). Vizinhos dos pacientes com características semelhantes quanto à idade, sexo e escolaridade, sem essa patologia, são recrutados (controles). Os participantes dos dois grupos são caracterizados quanto ao hábito de fumar para avaliar se o tabagismo foi mais frequente entre os casos ou no grupo controle. Nos estudos de caso-controle deve-se ter cuidado com a seleçãodos participantes do grupo controle, que devem ser representativos dapopulação que deu origem aos casos e se assemelhar aos mesmos, excetopela presença da doença ou condição estudada. Outro aspecto fundamental é a forma de coletar os dados sobre aexposição, a fim de garantir que a informação coletada seja acurada e nãoinfluenciada pelo fato de o indivíduo ser um caso ou um controle. Nessesestudos há a possibilidade de ocorrer o viés de memória (relativo ao res-pondente) e o viés do observador (relativo ao investigador, em função deo indivíduo entrevistado pertencer ao grupo de casos ou controles). Vantagens e desvantagens do estudo de caso-controle Vantagens: São estudos relativamente baratos e rápidos, pois não há necessidade de esperar pelo desenvolvimento da doença. Permitem a investigação simultânea de um número maior de fatores de risco. São úteis para o estudo de doenças raras. Desvantagens: São mais suscetíveis a vieses de seleção e informação. Apresentam maior difi- culdade para assegurar a relação causal ou a sequência de eventos. São inadequados para inves- tigar exposições raras. Não permitem estimar a incidência da doença. Estudo transversal (estudo seccional/de prevalência/survey) O estudo transversal caracteriza-se pela observação direta de deter-minada quantidade planejada de indivíduos (em geral uma amostra) emuma única oportunidade. Pode-se dizer que gera um “retrato” dos indiví-duos em um determinado momento em que os dados são coletados. Ge-ralmente as unidades de análise são indivíduos (pessoas), mas tambémpodem ser agregados (nessa situação os estudos são chamados de ecológi-cos)9. A Figura 5 apresenta esquematicamente o estudo transversal.
Desenhos de estudos epidemiológicos 61Figura 5. Diagrama do estudo transversal Exemplo de estudo transversal Um estudo busca identificar a prevalência de hipertensão arterial na população de um município. Para isso, planeja-se uma estratégia para obtenção de uma amostra representativa desta popula- ção. A pressão arterial será aferida, além da coleta de outras informações sobre características que poderiam estar associadas com a hipertensão arterial. Quando o objetivo é obter dados representativos de uma determi-nada população, é fundamental que a amostra de indivíduos seja selecio-nada de forma aleatória. Outro aspecto importante é a utilização de boasestratégias para aferição do desfecho e dos fatores de exposição. Vantagens e desvantagens do estudo transversal Vantagens: É um excelente método para descrever as características de uma população, em uma determinada época. São estudos relativamente baratos e rápidos. Desvantagens: É difícil estabelecer causa e efeito, pois nesses estudos o desfecho e a exposição são medidos no mesmo momento.
62 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômica Medidas de associação Os resultados comparativos dos estudos primários são apresenta-dos como diferentes medidas de efeito de acordo com o tipo de estudo. OQuadro 3 apresenta as medidas de associação estatística entre o fator deexposição e o desfecho nos desenhos de estudos epidemiológicos apre-sentados anteriormente10.Quadro 3. Medidas de associação entre o fator de exposição e o desfecho nosestudos epidemiológicos.TIPO DE ESTUDO MEDIDA DE EFEITO SIGNIFICADOECCR Risco Relativo (RR) Risco Relativo compara a incidência do des- fecho no grupo exposto à intervenção com a incidência do desfecho no grupo controle.Coorte Risco Relativo (RR) Risco Relativo compara a incidência do desfecho no grupo exposto a um determinado fator com a incidência do desfecho no grupo controle.Caso-controle Odds Ratio (OR) Odds Ratio significa razão de chances, ou seja, a razão entre a chance de um desfecho ocor- rer no grupo exposto e a chance de ocorrer no grupo controle. É a medida de associação nos estudos caso-controle em que não existe a pos- sibilidade de medir o risco de o desfecho vir a acontecer nos grupos de exposição e controle.Transversal Razão de Prevalência Razão de Prevalência compara a prevalência (RP) do desfecho no grupo exposto a determina- dos fatores com a prevalência do desfecho no grupo não exposto. Estudos secundários A divulgação da produção científica na área da saúde vem cres-cendo de forma vertiginosa nos últimos anos, levando a um acúmulo doconhecimento produzido e criando dificuldades para sua utilização natomada de decisão de gestores e profissionais de saúde. Frequentemente,a síntese de tais conhecimentos é realizada de forma simplista, por meiode revisões narrativas, tradicionais ou até mesmo jornalísticas. Esse tipo
Desenhos de estudos epidemiológicos 63de revisão pode expressar opiniões pessoais, ao selecionar os estudos deforma subjetiva, sem critérios claros. A partir da década de 1980 começa-ram a surgir as revisões sistemáticas e meta-análises, com o objetivo deajudar no enfrentamento de tais dificuldades11. Revisão sistemática (RS) Revisão sistemática consiste numa revisão de estudos primáriosque faz uso de uma abordagem sistemática, com metodologia claramentedefinida, visando minimizar erros nas conclusões. A estratégia de iden-tificação dos estudos, os critérios de inclusão e exclusão de estudos e asvariáveis a serem consideradas devem estar explicitadas na metodolo-gia12,13. Os resultados de uma revisão sistemática podem ser apresentadosde forma narrativa ou incluir também uma meta-análise. A Figura 6 apre-senta as etapas de realização de uma revisão sistemática.Figura 6. Diagrama das etapas de realização de uma revisão sistemática
64 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômica Exemplo de revisão sistemática Uma RS foi conduzida para avaliar a eficácia e segurança de um novo medicamento para o trata- mento de diabetes mellitus. Os autores definiram a pergunta da pesquisa utilizando o acrônimo PICO: P=pacientes adultos diabéticos; I=novo medicamento; C=tratamento usual; O=controle glicêmico, episódios de hipoglicemia e mortalidade. As RS podem elaborar sínteses de resultados de estudos experi-mentais (RS de ECCR), de estudos observacionais e de estudos de testesdiagnóstico, sendo muito úteis para apoiar a tomada de decisão. O Mi-nistério da Saúde publicou três diretrizes metodológicas, voltadas paraestudos de intervenção, estudos de acurácia diagnóstica e estudos sobrefatores de risco e prognóstico13-15. Vantagens e desvantagens da revisão sistemática Vantagens: Permite consolidar um grande número de informações. Reduz vieses e subjetividade. Identifica lacunas no conhecimento sobre um tema. É replicável. Auxilia na tomada de decisão. Desvantagens: Possui limitações se os estudos primários não forem de alta qualidade. Deman- da esforços de pesquisa e domínio da metodologia e estratégias de análise estatística. Meta-análise Define-se meta-análise como a análise estatística para combinar esintetizar os resultados de vários estudos, gerando uma única estimativade efeito12,13. Os resultados de uma meta-análise costumam ser apresen-tados de maneira mais informativa por meio de um gráfico de floresta (doinglês, Forest plot)II. A Figura 7 mostra um gráfico de floresta típico. Nestameta-análise sobre os efeitos do uso de betabloqueadores na mortalidadeapós infarto, os resultados de cada um dos quinze estudos primários in-cluídos são mostrados como quadrados centrados na estimativa pontualdo resultado, enquanto uma linha horizontal percorre o quadrado paramostrar seu intervalo de confiança, geralmente, de 95%. Uma representa-II Anatomia do forest plot. Nesse vídeo há uma explicação clara sobre os componentes do gráfico de floresta. [acesso em: 24 abr 2017]. Disponível em: http://htanalyze.com/metanalise/metanalise/forest-plot/
Desenhos de estudos epidemiológicos 65ção em forma de diamante na parte inferior do gráfico mostra a estimati-va global da meta-análise e seu intervalo de confiança. O gráfico forneceuma representação visual simples da quantidade de variação entre os re-sultados dos estudos, bem como uma estimativa do resultado global detodos os estudos em conjunto16.Figura 7. Gráfico de floresta de uma meta-análise sobre efeito do uso debetabloqueadores após infarto na mortalidade.Fonte: Lewis e Clarke (2001)16
66 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômica Os desenhos de estudo epidemiológicos e os níveis de evidência As práticas de saúde baseadas em evidência podem contribuir paraa fundamentação de uma decisão clínica ou de saúde pública. A SaúdeBaseada em Evidências (SBE) deve contemplar, além do conhecimentotécnico, os valores e preferências dos pacientes e a experiência clínica,integrando a prática clínica às evidências científicas, de forma a auxiliarna tomada de decisão. Como instrumento para a prática da SBE, desen-volveram-se sistemas para a avaliação da qualidade da evidência e para agraduação da força da recomendação, com o objetivo de informar respec-tivamente a confiança nas evidências apresentadas e a ênfase para queseja adotada ou rejeitada uma determinada conduta. Um deles é o Siste-ma GRADE (Grading of Recommendations Assessment, Development andEvaluation)17, desenvolvido por um grupo colaborativo de pesquisadoresque visa à criação de um sistema universal, transparente e sensível paragraduar a qualidade das evidências e a força das recomendações, e seráabordado no Capítulo 16. Referências1. Almeida RMVR, Infantosi AFC. Avaliação de tecnologia em saúde: uma metodologia para países em desenvolvimento. In: Barreto ML, et al. organizadores. Epidemiologia, serviços e tecnologias em saúde [internet]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 1998 [acesso em: 7 abr 2017]; 3:235. Disponível em: http://books.scielo.org/id/889m2/ pdf/barreto-9788575412626-03.pdf2. Nita ME, Secoli SR, Nobre M, Ono-Nita SK. Métodos de pesquisa em avaliação de tecnologia em saúde. Arq Gastroenterol [internet]. 2009 out-dez [aceso em: 7 abr 2017]; 46(4):252-255. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ag/v46n4/02.pdf3. Barreto JOM, Souza NM. Avançando no uso de políticas e práticas de saúde Informadas por evidências: a experiência de Piripiri-
Desenhos de estudos epidemiológicos 67 -Piauí. Ciência & Saúde Coletiva [internet]. 2013 [acesso em: 7 abr 2017]; 18(1):25-34. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/ v18n1/04.pdf4. Bloch KV, Coutinho ESF. Fundamentos da pesquisa epidemiológica. In: Medronho RA, et al. organizadores. Epidemiologia. São Paulo: Edi- tora Atheneu; 2009.5. Escosteguy CC. Estudos de intervenção. In: Medronho RA, et al. organi- zadores. Epidemiologia. São Paulo: Editora Atheneu; 2009.6. Souza RF. O que é um estudo clínico randomizado? Medicina (Ribeirão Preto) [internet]. 2009 [acesso em: 7 abr 2017];42(1):3-8. Disponível em: http://revista.fmrp.usp.br/2009/vol42n1/Simp_O_que_e_um_ estudo_clinico_randomizado.pdf7. Coeli CM, Faerteiins E. Estudos de coorte. In: Medronho RA, et al. orga- nizadores. Epidemiologia. São Paulo: Editora Atheneu; 2009.8. Rodrigues LC, Werneck GL. Estudos de caso-controle. In: Medronho RA, et al. organizadores. Epidemiologia. São Paulo: Editora Atheneu; 2009.9. Klein CH, Bloch KV. Estudos seccionais. In: Medronho RA, et al. organi- zadores. Epidemiologia. São Paulo: Editora Atheneu; 2009.10. Kale PL, Costa AJL, Luiz RR. Medidas de associação e medidas de im- pacto. In: Medronho RA, et al. organizadores. Epidemiologia. São Paulo: Editora Atheneu; 2009.11. Coutinho ESF, Braga JU. Revisão sistemática e metanálise. In: Medro- nho RA, et al. organizadores. Epidemiologia. São Paulo: Editora Atheneu; 2009.12. Cook DJ, Sackett DL, Spitzer WO. Methodological guidelines for sys- tematic reviews of randomized controled trials in health care from Potsdam consultation on meta-analysis. Journal of Clinical Epide- miology. 1995;48:167-171 apud Coutinho ESF, Braga JU. Revisão sistemática e metanálise. In: Medronho RA, et al. organizadores. Epidemiologia. São Paulo: Editora Atheneu; 2009.13. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insu- mos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretri- zes metodológicas: elaboração de revisão sistemática e metanálise de ensaios clínicos randomizados [internet]. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2012. [acesso em: 7 abr 2017]. Disponível em:
68 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômica http://rebrats.saude.gov.br/diretrizes-metodologicas14. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretriz Bra- sileira de Revisão Sistemática e Metanálise de Estudos Diagnósti- cos de Acurácia [internet]. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2014. [acesso em: 7 abr 2017]. Disponível em: http://rebrats.saude. gov.br/diretrizes-metodologicas15. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretrizes Metodológicas: Elaboração de revisão sistemática e metanálise de estudos observacionais comparativos sobre fatores de risco e prog- nóstico [internet]. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. [acesso em: 7 abr 2017]. Disponível em: http://rebrats.saude.gov.br/diretrizes- -metodologicas16. Lewis S, Clarke M. Forest plots: trying to see the wood and the trees. BMJ [internet]. 2001 – [acesso em: 7 abr 2017];322(7300):1479- 80. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/ PMC1120528/pdf/1479.pdf17. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretrizes metodológicas: Sistema GRADE – Manual de graduação da quali- dade da evidência e força de recomendação para tomada de deci- são em saúde [internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [acesso em: 7 abr 2017]. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Arti- gos_Publicacoes/Diretrizes/GRADE.pdf
4 Uma introdução às análises econômicas em serviços de saúde Pedro Paulo ChrispimI Motivação Análises Econômicas em Saúde são estudos econômicos, não sãoe não devem ser entendidos como estudos clínicos. Com frequência, ostextos em português tratarão “Avaliação Econômica em Saúde” como si-nônimo (ou indistintamente) de “Avaliação Econômica dos Cuidados emSaúde” ou “Avaliação Econômica dos Serviços de Saúde” ou “AvaliaçãoEconômica de Tecnologias em Saúde”. A despeito das diferenças entre es-ses estudos, de fato, quando se fala em “Saúde”, há aspectos qualitativosditos intangíveis que não estão relacionados aos serviços e produtos paraa saúde, mas, em se tratando de análises econômicas, na maior parte dasvezes, trataremos de analisar e precisamos quantificar esses aspectos erelacioná-los ao consumo de bens e serviços para a saúde. Temos, então, um objeto principal das análises econômicas emsaúde que é a valoração da saúde (por vezes em termos monetários) e acomparação dos benefícios produzidos por meio do consumo de bens eserviços em saúde, ponderados por outros aspectos e valores para umadada sociedade. Esses aspectos são relacionados, essencialmente, comprojetos públicos financiados por taxas e impostos. Frequentemente, ori-I Pedro Paulo Chrispim ([email protected]) é farmacêutico, Doutor em Saúde Pública e Ava- liação Econômica de Programas de Saúde, Pesquisador do CATS Hospital do Coração.
70 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômicaginam estudos fundamentados na teoria do bem-estar social e informamo gestor público sobre as decisões que ele toma em nome da sociedade apartir de dados empíricos sobre os valores e as escolhas que essa mesmasociedade assume de diversas formas. Neste capítulo vamos apresentar as questões relativas às técnicas deestudo em análise econômica. Questões sobre a verificação empírica dosvalores e escolhas assumidas por uma dada sociedade têm sido pouco de-senvolvidas e têm sido incentivadas, especialmente para a elucidação sobrea pertinência e alcance das avaliações econômicas e sobre a pertinência eaplicabilidade das comparações entre os estudos, tais como as que ocor-rem com o uso de tabelas ajustadas de QALY1. Quality Adjusted Life Year– QALY (Anos de Vida Ajustados por Qualidade – AVAQ) “é uma unidadede desfecho em saúde que ajusta ganhos (ou perdas) em anos de vida sub-sequentes a uma intervenção pela qualidade de vida durante esse período.Os QALYs fornecem uma unidade comum que pode ser usada para medire comparar diferentes intervenções para diferentes problemas de saúde.”II Principalmente, vamos tratar de conceitos e ferramentas relacio-nados ao consumo de bens e serviços de saúde cujos resultados se ex-pressam em desfechos relacionados à saúde com diferentes graus de ob-jetividade nessa relação. De uma forma geral, procura-se saber “quantodos serviços e produtos em saúde se relacionam com a preservação oumelhoria do estado geral de saúde.”2. A premissa principal é de que o con-sumo de bens e serviços de saúde está positivamente relacionado com oestado geral de saúde de um dado indivíduo. Consequentemente, pressu-põe-se que esses bens ou serviços apenas afetarão a saúde a partir de seuconsumo, no tempo. Uma análise econômica sólida é um exercício de organização dedados e criação de cenários para apoio à decisão sobre o consumo de de-terminados produtos e/ou serviços para se conhecer o tipo e/ou a exten-são do retorno proporcionado pelo investimento disponibilizado, inclu-sive, nos serviços de saúde. A despeito das diferenças conceituais entreos tipos de análise econômica em saúde ou de serviços de saúde, umaII Dicionário de Avaliação de Tecnologias em Saúde. Instituto de Avaliação de Tecnologia em Saúde (IATS) [in- ternet]. 2014 [acesso em: 25/02/2017]. Disponível em: http://www.iats.com.br/dicionario.pdf
Uma introdução às análises econômicas em serviços de saúde 71análise sólida abordará um problema real de alocação de recursos, nãoapenas uma possibilidade teórica para um mero exercício matemático.Para isso, é importante identificar os interessados na análise econômica,estabelecer a perspectiva analítica e, a partir disso, desenhar o modelo deconsumo de recursos e produção de saúde. Tal modelo econômico é tão melhor construído na medida em quealgumas perguntas tenham sido anteriormente respondidas. As princi-pais são: a) Isso pode funcionar? É imprescindível que as opções de inter-venção sob estudo tenham tido sua eficácia comprovada anteriormente àanálise econômica. Se não se pode comprovar a eficácia das intervençõesnão há motivo para estudar seus efeitos de alocação de recursos sobrea produção em saúde. Seria, inclusive, eticamente questionável estudaros efeitos de intervenções sobre as quais não se pode afirmar se “funcio-nam”; b) Isso funciona de verdade? Diversas condições podem interferirno desempenho das intervenções em saúde, tornando-as, em casos ex-tremos, inócuas. Conhecer a efetividade dessas intervenções no cenárioem que serão adotadas é importante para se dimensionar os seus efeitosreais na sociedade ou nos grupos em que se pretende intervir; c) A in-tervenção alcança seu público desejado? A disponibilidade oportuna dasintervenções garante as condições mínimas para que os efeitos deseja-dos em uma dada população sejam alcançados. Caso isso não ocorra, odesempenho estará seriamente comprometido3. Uma vez que as análiseseconômicas procuram responder, de uma forma geral, se estamos fazen-do “bom uso” dos recursos, o conhecimento prévio dessas três caracterís-ticas das intervenções é imprescindível para a construção de uma sólidaanálise econômica em saúde. Por fim ou antes de qualquer outra coisa, para se estabelecer um mo-delo econômico adequado comparando diferentes intervenções em saúde,é preciso saber em que nível gerencial será tomada a decisão para a qual aanálise econômica se dirige. O tipo de estudo a ser escolhido e os elemen-tos a serem incorporados no modelo dependem da própria estrutura dadecisão em si, mas também, em grande medida, das características do res-ponsável pela decisão. A posição que o gestor ocupa influencia fortementena definição sobre as medidas de resultado a serem consideradas para asanálises e, consequentemente, o tipo de estudo a ser conduzido.
72 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômica Racionalidade subjacente às análises econômicas Todos os conceitos em economia produzem estudos úteis em saú-de, mas alguns conceitos são fundamentais para se compreender comoas decisões econômicas são tomadas e como os modelos devem ser cons-truídos para se produzir uma análise econômica sólida e útil. Esses conceitos, descritos a seguir, são fundamentais para aciência econômica e estão presentes em todas as ferramentas analíticas.Compreendendo esses conceitos, as ferramentas analíticas se tornarãomais claras, bem como as regras que estruturam os modelos de decisão eque orientam as conclusões possíveis a partir do uso dessas ferramentas. Eficiência Eficiência é a propriedade de se alcançar os melhores resultadospossíveis a partir dos recursos disponíveis4. As decisões guiadas pela efi-ciência orientam, portanto, a escolha da alternativa, entre outras, queatinja melhores resultados, uma vez que esses resultados sejam pondera-dos em relação aos recursos consumidos. É importante perceber que umconsumo mais eficiente de recursos significa atingir melhores resultadospara a razão entre recursos e resultados (Equação 1) e não significa obtermaiores resultados ou menor consumo de recursos, isoladamente. Equação 1: Eficiência = Consumo de Recursos Resultados Obtidos Depreende-se que isso não significa que estratégias mais eficientesconsumam, necessariamente, menos recursos que estratégias menos efi-cientes. Uma estratégia pode ser mais eficiente consumindo muito maisrecursos que outra estratégia menos eficiente. Ter uma intervenção cus-to-efetiva, por exemplo, não é sinônimo de uma intervenção “mais bara-ta”. Entender isso é fundamental para entender os resultados das decisõesmarginais e o significado das razões incrementais nas análises de custo--efetividade, que são o cerne das decisões racionais. A escolha entre diferentes alternativas para produção de saúde a partirdas análises econômicas obedece essa mesma racionalidade, independen-
Uma introdução às análises econômicas em serviços de saúde 73temente do tipo de estudo ou das técnicas de mensuração de resultados uti-lizados. As decisões sobre eficiência são tomadas considerando tanto os re-sultados obtidos quanto os recursos despendidos para obter tais resultados. Decisões Marginais Raras são as decisões entre adotar ou não uma intervenção para tra-tar de uma dada condição deletéria de saúde. As decisões econômicas, deum modo geral, não costumam ser do tipo “ou tudo ou nada”; elas se fun-damentam em um princípio econômico que afirma que “pessoas racionaistomam decisões sobre a margem”, comparando os benefícios incrementaiscom os investimentos incrementais para obter esses benefícios4. Decisões econômicas se dão sobre se devemos aumentar o inves-timento (e quanto de investimento devemos aumentar) naquilo que jáestamos fazendo de forma a melhorar os resultados que já estamos ob-tendo, tal como uma sobremesa a mais em um jantar, uma hora a maisde sono pela manhã ou se optamos por incorporar uma tecnologia maiscara, porém com possibilidades ampliadas para o sistema de saúde4. Aquestão que se procura responder é se, e até que ponto, “vale a pena” es-tender o investimento para melhorar os resultados atuais. Para responder a essa pergunta, olha-se para os ganhos marginais.Esses são estimados a partir da diferença de ganhos em efetividade advin-dos da mudança de consumo de recursos em saúde (custos). As diferen-ças de efetividade e de custos entre as diversas opções possíveis estabele-cem a margem sobre a qual as decisões econômicas são feitas, e a razãoentre as margens de custos e de resultados entre as alternativas em estudo(Equação 2) é também chamada de Razão Incremental. Equação 2: Margem = Δ Custos Δ Resultados A razão incremental é a medida-síntese para expressar os ganhosmarginais, a base comparativa nas análises econômicas e uma forma sin-tética de análise considerando-se, simultaneamente, os resultados emsaúde e em custos, como demonstrado na Equação 3. Por sintetizar cus-tos e resultados em uma única medida comparativa, Drummond3 atribui
74 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômicaà razão incremental a característica definidora dos estudos econômicosque ele chama de “completos”.Equação 3: Razão Incremental = CustoB - CustoA ResultadoB - ResultadoAPor padrão, as medidas de custo ou consumo de recursos são es-timadas em valores monetários, enquanto as medidas de resultado emsaúde apresentam grande variedade de possibilidades. Podem-se veri-ficar resultados em saúde usando desde medidas finalísticas, como oóbito, até sua conversão em valores monetários. As medidas mais utili-zadas, na prática, podem ser agrupadas em três conjuntos: aquelas con-sideradas como desfecho direto em saúde, tais como óbito, cura (quan-do aplicável), anos de vida salvos, infarto; aquelas que incorporam es-timativas de utilidade aos desfechos em saúde, geralmente convertidasem QALY; e o terceiro conjunto com as medidas em saúde convertidaspara unidades monetárias.Dependendo das medidas de resultado consideradas e o grupode resultados a que pertencem, teremos três tipos de estudos diferentes,com possibilidades diferentes, mas cada um com sua medida expressaem uma razão incremental característica: custo-efetividade, custo-utili-dade ou custo-benefício. Cada uma delas tem preceitos próprios, possi-bilidades próprias e são capazes de fornecer diferentes informações paradiferentes níveis de decisão em saúde. Decisões conflitantes e custo de oportunidade Para estimar resultados a partir do padrão de consumo de recur-sos, as análises econômicas exploram outro princípio da economia queafirma que ao decidirmos por uma dada alocação de recursos estamosdeixando de alocar esses mesmos recursos em outra opção4. Isso se re-flete nas análises através da estrutura dos modelos de decisão utilizados. Independentemente da complexidade matemática que os mode-los podem vir a assumir, essa ideia fundamental está presente em todoseles: para entender o resultado que os modelos apresentam as alterna-tivas consideradas devem ser tomadas como mutuamente excludentes.
Uma introdução às análises econômicas em serviços de saúde 75Uma vez escolhido um curso a seguir, os modelos informam os resulta-dos prováveis unicamente se prosseguirmos com a decisão até o limiteanalítico adotado. Os modelos econômicos não consideram entre seus resultadosanalíticos frações de resultados em cada escolha possível como umaopção analítica. Para que isso possa ocorrer, uma alternativa analíticaconstituída por uma combinação das demais opções possíveis deve fa-zer parte das possibilidades, constituindo, em si, uma alternativa entre asdemais. Assim, como no exemplo da Figura 1, em que para tratamento deuma dada neoplasia poder-se-ia seguir um de dois caminhos: uma opçãode tratamento com imunobiológico ou outra opção de tratamento comradioterapia. Nesse modelo, não se considera uma terceira possibilidadecombinando os dois tipos de tratamento.Figura 1. Modelo de decisão considerando duas alternativas de tratamentopara um tipo de câncer. Aqui, temos dois conceitos importantes ligados ao princípio fun-damental das decisões econômicas e presente em todos os modelos eco-nômicos. Como não é possível “ter tudo de todas as opções”, os modelosanalíticos comparam os resultados conseguidos em uma opção com osresultados das demais opções, sendo todas elas mutuamente excludentes. Isso é a definição de “custo de oportunidade”. O custo de oportu-nidade da escolha que fazemos são todas as demais escolhas das quaisabrimos mão. Por isso, dizemos que as decisões econômicas são “confli-tantes” ou “angustiantes”, pois nos obrigam a fazer trocas (tradeoffs) en-tre aquilo que precisamos dispensar para alcançarmos os resultados queconsideramos mais importantes.
76 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômica Utilidade Enquanto medidas diretas em saúde são a forma mais precisa demedir e comparar resultados de diferentes intervenções em um dadoestado de saúde, elas restringem as decisões do gestor aos aspectos quesão diretamente relacionados ao estado de saúde em pauta. A ideia é quenão se podem comparar diferentes estados de saúde com base em des-fechos que não consideram diferentes valores e consequências quandoestão presentes em diferentes estados de saúde. Dito de outra forma, nãose pode comparar a cura de um resfriado com a cura de um câncer, poispossuem valores diferentes, ainda que sejam a mesma medida ou desfe-cho (“cura” de um estado deletério de saúde). Uma forma de superar essa limitação das medidas diretas em saúdeé considerar para o desfecho em saúde as diferentes dimensões da saú-de. Isso é possível levando-se em conta não apenas as diferenças entre asmedidas diretas em saúde, mas também os eventos adversos resultantesde cada estado de saúde e referenciando pesos para as diferentes medi-das de qualidade de vida2. Esse procedimento cria um índice cardinal deutilidade e a medida mais utilizada para esse índice é o QALY. A rigor, oQALY não é sinônimo de utilidade, embora seja usado largamente comouma aproximação (proxy) para utilidade nas análises econômicas. MichelDrummond explica melhor as diferenças entre QALY e utilidade em seulivro “Methods for the economic evaluation fo Health Care Programmes”3. O QALY tem origem no trabalho de Klarman e colaboradores2,3,5 so-bre condições renais crônicas. Para determinar o valor de QALY, a cadaestado de saúde é atribuído um peso de acordo com a morbidade associa-da. Esse valor é multiplicado pelos anos de vida vividos com a condiçãode saúde em estudo, chegando-se a um valor final entre 0 (atribuível parao óbito) e 1 (atribuível para o estado de plena saúde). A utilidade de umadada intervenção é igual ao total de QALY atribuível a ela. Utilizando uma medida ajustada para qualidade de vida como medi-da de resultado em saúde é possível comparar diferentes intervenções emdiferentes estados de saúde, ampliando as possibilidades de comparação.Se a unidade de QALY possui o mesmo valor, independentemente de suaorigem, podem-se comparar as intervenções em cardiologia com as inter-
Uma introdução às análises econômicas em serviços de saúde 77venções em ortopedia ou oncologia, pois todos os resultados em saúde se-rão medidos em anos de vida ajustados para qualidade. Em razão dessaspossibilidades, o QALY vem sendo cada vez mais utilizado e sua adoçãocomo medida de resultado encorajada como meio de ampliar as possibili-dades de comparabilidade entre estudos para diversas condições de saúde1. Os tipos principais de análises econômicas Uma vez entendido como os princípios e alguns conceitos na eco-nomia orientam as análises econômicas de uma forma geral, as diferen-ças entre os tipos de estudos serão mais fáceis de compreender. Aindaque a racionalidade de uma decisão econômica seja essencialmente amesma aplicada a todos os tipos de estudo, as pequenas diferenças nasmedidas de resultado em saúde vão conferir profundas diferenças e po-tencialidades para cada um deles. Em se tratando de alcance das análises, a principal diferença prova-velmente será no nível mais adequado de gestão ao qual cada tipo de estu-do se aplica. Há alguma troca entre a precisão das medidas de resultado emsaúde e o alcance potencial dos estudos. Quanto mais focada e específicafor a medida de desfecho ou resultado em saúde considerada, menor será oalcance do estudo em questão. Ao contrário, os estudos ganham potênciasde aplicação cada vez maiores conforme a transformação das medidas deresultado para grandezas menos específicas e mais universais acrescentaalguma imprecisão a essas medidas, geralmente ajustando as medidas deefetividade das intervenções para a respectiva qualidade de vida. Análises de custo-efetividade Suponha que o gestor do Programa de Controle de HIV (PCHIV)seja pressionado pela sociedade a adotar um teste diagnóstico novo, queé mais preciso e específico que os testes atuais, porém, é muito mais cus-toso por diagnóstico. O PCHIV possui uma estratégia de diagnóstico quefornece respostas acuradas a um custo muito menor que o novo teste6. En-tretanto, o PCHIV enfrenta dificuldades logísticas para atender à demanda
78 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômicadiagnóstica. Os testes nem sempre estão disponíveis para a população emtempo e lugar oportunos, comprometendo a entrega de resultados e, pior,o início do tratamento, quando necessário. Essa situação se agrava no casodas gestantes, quando o atraso no início do tratamento pode não impedira transmissão vertical. O novo teste poderia diminuir consideravelmenteessas dificuldades porque é realizado em uma única etapa, com uma janelade poucos minutos entre sua realização e a entrega do resultado. Há que se considerar, portanto, de um lado, que existe uma estraté-gia de custo relativamente baixo para o diagnóstico de infecção por HIV,mas essa estratégia falha quanto à sua oportunidade, permitindo queportadores do vírus permaneçam não tratados por longos períodos. Nocaso das gestantes, a falha significa o nascimento de um bebê infectado.De outro lado, o teste novo é bem mais custoso por diagnóstico, mas temo potencial de virtualmente eliminar as perdas de oportunidades diag-nósticas, possibilitando o tratamento oportuno dos portadores de HIV. Custo-efetividade é uma técnica muito útil para esse nível de deci-são. No caso acima, a pergunta geral orientadora poderia ser algo como“Vale a pena investir no novo teste diagnóstico para identificar o HIV”?Há duas técnicas alternativas para o mesmo diagnóstico a serem compa-radas a partir de uma medida direta, aplicável aos dois procedimentos:a identificação do HIV no sangue do paciente. Quem vai decidir entre asestratégias de testagem não precisa se preocupar com alocação dos re-cursos em outras áreas para cuidar de outras condições de saúde. Precisaapenas escolher qual teste diagnóstico utilizar. As análises de custo-efetividade possuem algumas limitações: 1) aassunção de que a qualidade dos anos de vida salvos é irrelevante ao pro-cesso; 2) a incapacidade de comparar intervenções que diferem em maisde um desfecho; e 3) a menos que um valor orçamentário seja designado,elas não informam se a intervenção mais custo-efetiva deve ser adotada2. Análises de custo-utilidade A invenção do QALY possibilita, ao menos em teoria, a comparaçãodireta entre diferentes intervenções em diferentes estados de saúde. A li-
Uma introdução às análises econômicas em serviços de saúde 79teratura, entretanto, mostra que as publicações de análises econômicasque fazem uso do QALY como medida de resultado estão mais focadasem incorporar as ponderações sobre a qualidade de vida aos estudos decusto-efetividade do que propriamente considerar rigorosamente o usodo conceito de utilidade ou ainda comparar intervenções entre diferentescondições de saúde1,3,7-9. O uso do QALY tem tido outros objetivos maispráticos, como possibilitar a comparabilidade entre estudos semelhan-tes conduzidos em cenários diferentes e a construção de tabelas (leaguetables) em que se ordenam os valores incrementais de QALY para cadaintervenção em cada estado de saúde. Indiretamente, portanto, as análises de custo-utilidade possibilitamcomparações entre opções de intervenções para, virtualmente, quaisquercondições de saúde. Essa característica torna as análises de custo-utilida-de especialmente interessantes para os gestores públicos em saúde, quetêm a responsabilidade de alocar grandes quantias de recursos em dife-rentes áreas da saúde2. Os estudos de custo-utilidade impõem: 1) que deve ser decidida aperspectiva da função de utilidade para avaliar diferentes estados de saú-de; e 2) a exemplo das análises de custo-efetividade, eles também depen-dem da fixação de um valor teto de orçamento para se determinar umlimite para a razão incremental de custo-utilidade. Análises de custo-benefício Análises de custo-efetividade e de custo-utilidade podem serconsideradas como casos especiais das análises de custo-benefício.Devem ser consideradas para responder à pergunta genérica “O pro-grama vale a pena?”, ou, ainda, “O programa compensa?”. Para essa es-timativa, todas as medidas de resultado são convertidas em unidadesmonetárias, o que confere à técnica certas propriedades interessan-tes. É o único tipo de análise em que é possível fazer afirmações sobreuma intervenção sem uma alternativa real de comparação. Adaptandoa equação de eficiência para análise de custo-benefício, vê-se que umarazão menor que 1 basta para afirmar que um dado Programa “vale
80 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômicaa pena” (Equação 4). Afirma-se, nesse caso, que há benefício sociallíquido se os resultados de saúde (benefícios) são positivos depois dedescontados dos custos3.Equação 4: Custo em unidades monetáriasRazão Média de Custo-Benefício = Resultados de Saúde em unidades monetárias A conversão de medidas de saúde para unidades monetárias podeser feita de diversas formas, sendo comum a abordagem do capital huma-no3. A técnica tem limitações importantes, como a valoração da produti-vidade por meio do salário pago aos profissionais. Além das discussõeséticas, há a dificuldade técnica de se valorar monetariamente a vida e osdiversos aspectos da saúde. Em virtude dessas dificuldades, as análisesde custo-benefício não são comuns na área da assistência à saúde, sendomais frequentes em estudos de viabilidade política de projetos na áreasocial, ambiental e mesmo com interface com a saúde10. Notas finais Análises econômicas são importantes ferramentas que auxiliam aorganização da informação sobre a aplicação de recursos na saúde e osresultados que se pode esperar de uma determinada escolha de alocaçãodesses recursos. Sua importância tem crescido na medida em que insumose serviços de saúde têm ocupado uma fração que cresce exponencialmenteno orçamento de instituições e de nações, como um todo. Em seu modeloanalítico, um conjunto de pressupostos teóricos são definidores de comoos dados se organizam e do tipo de resultado que se pode obter dessa orga-nização. Consequentemente, é imprescindível que os modelos decisórios eseus respectivos pressupostos teóricos estejam claramente colocados pelospesquisadores. Alguns padrões de relatório têm sido sugeridos, propondoformas de expor as questões técnicas e teóricas que permitam avaliar me-lhor o alcance dos resultados analíticos e as possibilidades de utilização emcenários diversos daqueles apresentados1,11,12.
Uma introdução às análises econômicas em serviços de saúde 81 Referências1. Sanders GD, Neumann PJ, Basu A, Brock DW, Feeny D, Krahn M, Kuntz KM, et al. Recommendations for Conduct, Methodological Prac- tices, and Reporting of Cost-effectiveness Analyses: Second Panel on Cost-Effectiveness in Health and Medicine. JAMA. 2016 set; 13;316(10):1093-103.2. Zweifel P, Breyer F, Kifmann M. Health Economics. Nova York: Sprin- ger-Verlag Berlin Heidelberg; 2009.3. Drummond MF, Sculpher MJ, Torrance GW, O’Brien BJ, Stoddart GL. Methods for the economic evaluation of health care programmes. Oxford: Oxford University Press; 2005.4. Mankiw NG. Introdução à Economia. São Paulo: Pioneira; 2005.5. Klarman HE, Francis JOS, Rosenthal GD. Cost Effectiveness Analysis Applied to the Treatment of Chronic Renal Disease. Medical Care. 1968; 6(1):48-54.6. Pascom ARP, Blandford JM, Brady W, Westman S, Junior AB. Avaliação de Custo-efetividade dos testes rápidos no Brasil. In: Dhalia CdBC, Díaz-Bermúdez XP, editores. Teste Rápido - Por que não? Estudos que contribuíram para a política de ampliação da testagem para o hiv no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2007. [acesso em: 10 abr 2017]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/sites/default/files/ publicacao/2011/teste_rapido_pq_nao2_pdf_29374.pdf7. Brettschneider C, Djadran H, Harter M, Lowe B, Riedel-Heller S, Ko- nig HH. Cost-utility analyses of cognitive-behavioural therapy of depression: a systematic review. Psychotherapy psychosoma- tics [internet]. 2015 [acesso em: 10 abr 2017];84(1):6-21. Dispo- nível em: https://www.researchgate.net/profile/Steffi_Riedel- -Heller/publication/270343888_Cost-Utility_Analyses_of_Cogni- tive-Behavioural_Therapy_of_Depression_A_Systematic_Review/ links/55ba05bb08ae9289a09157ed.pdf8. Phan K, Hogan JA, Mobbs RJ. Cost-utility of minimally invasive versus open transforaminal lumbar interbody fusion: systematic review and economic evaluation. Eur Spine J. 2015 nov; 24(11):2503-13.9. Zhong Y, Lin PJ, Cohen JT, Winn AN, Neumann PJ. Cost-utility analyses in diabetes: a systematic review and implications from real-world
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5 Avaliação de impacto orçamentário de tecnologias em saúde Carisi A. PolanczykI, André L. Ferreira de Azeredo da SilvaII Introdução A análise de impacto orçamentário (AIO) é uma avaliação eco-nômica que busca informar as alterações financeiras esperadas quan-do da incorporação e difusão de uma nova tecnologia. Usualmente, éutilizada em um contexto de avaliação da viabilidade financeira da suaadoção, isoladamente ou associada a análises de custo-efetividade ouavaliações abrangentes de uma nova tecnologia. Esse tipo de análiseé específico às circunstâncias de um determinado sistema de saúde,visto que leva em consideração o tamanho estimado da população-al-vo para a nova tecnologia, determinantes de mercado, acesso e incor-poração, bem como custos diretos, todos fatores que potencialmenteapresentam variabilidade entre países ou entre instâncias diferentesdo mesmo sistema de saúde1.I Carisi A. Polanczyk ([email protected]) é médica, Doutora em Ciências da Saúde: Cardiologia e Ciên- cias Cardiovasculares; Coordenadora do INCT para Avaliação de Tecnologia em Saúde (IATS)/ CNPq; Pro- grama de Pós-graduação em Epidemiologia, Faculdade de Medicina, UFRGS; Hospital de Clinicas de Porto Alegre, UFRGS, Porto Alegre; Hospital Moinhos de Vento, Porto Alegre.II André L. Ferreira de Azeredo da Silva ([email protected]), é médico, Doutor em Epidemiologia; Pesqui- sador do INCT para Avaliação de Tecnologia em Saúde (IATS)/ CNPq; Hospital de Clinicas de Porto Alegre, UFRGS, Porto Alegre.
84 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômica Eficiência alocativa e viabilidade financeira A avaliação econômica de uma tecnologia de saúde (TS) deve serrealizada após a comprovação de sua eficácia e segurança, por meio de pes-quisa experimental e de estudos clínicos fases I a IV. Dentro desse modeloconceitual de avaliação sistemática das evidências antes da incorporação deTS, é contraproducente realizar análise econômica de uma tecnologia quenão possui suficientemente comprovadas sua eficácia e segurança. Duas formas de avaliação econômica são usualmente aplicadas auma tecnologia de saúde: • A nálise de eficiência: consiste na comparação de duas ou mais TS competitivas considerando as dimensões “custo” e “conse- quências para a saúde” (avaliações econômicas completas). In- cluem-se nessa categoria as análises de custo-efetividade (ACE), de custo-utilidade (ACU) e de custo-benefício (ACB), que são es- tudos de eficiência alocativa, isto é, fornecem dados sobre qual das opções comparadas oferece um maior retorno em saúde por unidades monetárias (abordadas no Capítulo 4). • A nálise da viabilidade financeira: consiste na estimativa do mon- tante de recursos que deverá ser direcionado ao financiamento de uma determinada tecnologia de saúde, caso seja decidido pela incorporação e fornecimento dessa tecnologia às pessoas que têm indicação de uso no sistema de saúde. Trata-se de análises de im- pacto orçamentário, que são um caso particular de avaliação eco- nômica parcial, pois consideram o componente “custo”, mas não o componente “consequências para a saúde”. Os estudos de impacto orçamentário têm como objetivo subsidiar com dados “qual será o custo global” da implementação de uma TS em um determinado período de tempo, em uma população específica. Custo-efetividade e impacto orçamentário: formas complementares de avaliações econômicas A AIO deve ser vista como um complemento aos estudos de custo-efe-tividade, não como uma alternativa ou um estudo com papel de substituição a
Avaliação de impacto orçamentário de tecnologias em saúde 85eles2. Enquanto que a ACE estima, preferencialmente, em um horizonte tem-poral de tempo de vida, os custos e os benefícios de uma nova intervenção emnível individual (unidades monetárias gastas para que um indivíduo tenhaum ano de vida salvo), a AIO projeta, em um horizonte de tempo usualmentemais curto, qual o custo total que a incorporação da tecnologia em questãoirá acarretar para o sistema. Uma comparação detalhada entre as principaiscaracterísticas destes dois tipos de análise está descrita no Quadro 1.Quadro 1. Comparação entre as características das análises de custo-efetivi-dade e de impacto orçamentário.CARACTERÍSTICAS CUSTO-EFETIVIDADE IMPACTO ORÇAMENTÁRIOContexto da análise Valor agregado ViabilidadePerspectiva recomendada Sociedade/Terceiro pagador/ Pagador/sistema de saúde OutrasUnidade dos resultados Custo por benefício, em nível Custo absoluto, em nível po-Generalização dos individual (ex.: R$ por ano de pulacionalresultados vida salvo por paciente tratado)Comparação Possível, com limitações Inadequada: estudos de im- pacto orçamentário são sis-População de estudo Tecnologias alternativas em temas específicos que a nova tecnologia seráHorizonte temporal utilizada por toda a coorte de Cenários em que se podemUtilização de taxa intervenção projetar o grau de incorpo-de desconto Fechada: coorte de indivíduos ração da nova tecnologia ou definidos a priori de outras Preferencialmente todo o tem- Aberta: indivíduos podem po de vida ser incluídos ou excluídos Extremamente recomendável ao longo do tempo, conside- rando taxa de incorporação da tecnologia, incidência da doença, indicações de trata- mento e efeito do novo trata- mento na sobrevida Conforme conveniência do gestor (geralmente 1-5 anos) Opcional
86 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômica Apesar de seus papéis complementares, é interessante observar que,eventualmente, os resultados de AIO e ACE podem colocar tecnologias emposições diferentes na hierarquia de priorização para incorporação. Pode-mos simular um cenário no qual, para o tratamento de demência precoceexistam duas novas tecnologias concorrentes, medicamento A e medica-mento B. A ACE da opção A pode apresentar uma relação de custo-efeti-vidade incremental de R$ 15.000,00 por ano de vida salvo, enquanto quea opção B uma cifra de R$ 25.000,00 para o mesmo benefício. Porém, se ouniverso de pacientes elegíveis para o medicamento A for maior que para omedicamento B, o impacto orçamentário anual da incorporação de A podeser maior que para B. Apesar de o medicamento A ser mais eficiente, ouseja, seu uso resultar em maior retorno para cada unidade monetária, seuimpacto financeiro é maior, podendo não ser uma opção viável2. Valoração das consequências diretas e indiretas Um ponto importante nas análises econômicas em saúde refere-seà escolha de quais consequências de determinada tecnologia devem servaloradas para inclusão nos estudos. Para as análises de custo-efetividade,geralmente todos os custos diretos e indiretos são incluídos, em curto elongo prazos. Para as AIO, devem ser incluídas as consequências diretassobre o sistema de saúde (sob a perspectiva do gestor), que resultam emmudanças práticas quando da incorporação ou retirada de uma tecnolo-gia. Por exemplo, no cenário de uma nova tecnologia diminuir internaçõespor eventos clínicos, estes devem ser considerados como economias reaisdiretas. Entretanto, isto não é consenso entre as diversas diretrizes inter-nacionais e especialistas. De outro lado, parece consensual que as consequências indiretas ou futuras em longo período não devem ser considera-das. Por exemplo, uma intervenção que previne mortalidade pode resultarem outros custos relacionados a doenças futuras para essa população3,4. Metodologia das análises de impacto orçamentário As AIO baseiam-se na comparação de cenários. Assim, um cená-rio representando o custo total atual do tratamento de um determinado
Avaliação de impacto orçamentário de tecnologias em saúde 87problema de saúde com as tecnologias (tratamentos) disponíveis é com-parado a um ou mais cenários alternativos, nos quais se busca estimarpor modelos matemáticos o novo custo total do tratamento do problemade saúde após a incorporação da tecnologia em avaliação3-5. A Figura 1 éuma representação esquemática das análises de impacto orçamentáriode tecnologias de saúde.Figura 1. Diagrama esquemático das análises de impacto orçamentário detecnologias de saúde, as quais são baseadas na comparação de cenários(atual versus hipotético). Adaptado de Diretrizes da ISPOR3. De uma forma simplificada, o custo do tratamento de determina-da doença consiste em multiplicar o número de indivíduos doentes comindicação de tratamento pelo custo dos tratamentos que estão sendo ava-liados. O impacto orçamentário incremental é a diferença de custos entreo cenário do novo tratamento e o cenário de referência (que reflete as prá-ticas terapêuticas atuais, sem a nova intervenção):
88 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômica Impacto Orçamentário Incremental = (NiNt x CtNt) - (NtA x CttA) Em que: NiNt = Número de indivíduos usando o novo tratamento CtNt = Custo total do novo tratamento NtA = Número de indivíduos usando o atual tratamento disponível CttA = Custo total do tratamento atual Tipos de modelos para estudos de impacto orçamentário O agrupamento das informações referentes ao tamanho da popula-ção de interesse e de custos envolvidos no tratamento pode ser realizadopor meio de diversos métodos, desde estimativas aritméticas simples atémodelos matemáticos probabilísticos2. A seguir são apresentadas as prin-cipais características, vantagens e desvantagens dos modelos estáticos edinâmicos que podem ser utilizados.Modelos estáticos A modelagem estática consiste na multiplicação do custo individualda nova intervenção pelo número de indivíduos com indicação de uso(para as doenças crônicas) ou de episódios da doença com indicação detratamento (para as doenças agudas). Trata-se do método de mais fácilexecução e também o mais amplamente difundido e utilizado. Pode serexecutado em planilhas eletrônicas ou em árvores de decisão simples.São também chamados de métodos determinísticos, pois são usadas es-timativas “determinadas” dos parâmetros necessários à análise, comoparâmetros epidemiológicos e custos. Os modelos estáticos apresentamalgumas limitações, como a restrita capacidade de simular movimentoscomplexos de mercado ao longo do tempo ou de modelar algumas di-nâmicas de doenças, como no caso de surtos de doenças agudas ou dedoenças crônicas com frequentes exacerbações e remissões.Modelos dinâmicos Os modelos dinâmicos, por sua vez, consistem na simulação de co-ortes por meio de modelos matemáticos, geralmente utilizando o mode-lo de estados transicionais (modelo de Markov). Modelos como esse são
Avaliação de impacto orçamentário de tecnologias em saúde 89capazes de melhor representar a dinâmica da doença, incorporando asdiferentes probabilidades de transição entre os estados de saúde e tam-bém de simular as possíveis transições entre as opções terapêuticas dis-poníveis ao longo do tempo. Além do modelo de Markov, as análises realizadas por simulação deeventos discretos (SED) são outra possibilidade de modelagem que con-templa entrada e saída de indivíduos no modelo, além de possuir algu-mas características que permitem maior detalhamento que os modelos deMarkov, como a capacidade de simular pacientes individuais, competiçãopor recursos limitados e simulação mais realista da passagem do tempo. Amaior dificuldade com os modelos SED é a necessidade de maior quanti-dade de dados para sua execução (duração dos processos), além de umacomplexidade computacional muito maior. Outras simulações, como a ba-seada em agente e modelos de equações estruturais, podem também serusadas para estimativa de impacto orçamentário. Entretanto, poucas sãoas situações que justificam o emprego de métodos mais complexos do queplanilhas eletrônicas ou coortes simuladas de Markov na realização de AIO. Análise de impacto orçamentário em etapas Na condução das AIO algumas definições são importantes para es-tabelecer um referencial, como a população-alvo, perspectiva do estudo,definição da tecnologia, tempo de análise, etc. A seguir são apresentadasas recomendações para condução de análises de impacto orçamentário detecnologias de saúde nas principais diretrizes internacionais e nacionais2,3,5. Descrição do problema e da nova tecnologia em avaliação O primeiro passo na elaboração de uma análise de impacto orçamen-tário consiste na correta definição do problema de saúde para o qual a novatecnologia de saúde se aplica. Devem ser descritas a forma específica dadoença que será considerada, bem como a clara caracterização da enfermi-dade e das opções terapêuticas atualmente disponíveis (Quadros 2 e 3).
90 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômicaQuadro 2. Caracterização do problema de saúde considerado na AIO Nome da doença ou condição de saúde para a qual a nova tecno- logia se aplica: • Subtipo específico da doença: gravidade, classe, risco; • Natureza da doença quanto à evolução e ao curso tempo- ral: aguda ou subaguda; crônica simples / fator de risco tratável; crônica degenerativa; crônica recorrente. Unidade de análise: caso (doenças crônicas) ou episódio (doenças agudas). Por unidade de análise, entende-se o elemento fundamental parao qual são contabilizados os custos da enfermidade. Como regra geral,para a análise de doenças agudas adota-se o episódio como unidadede análise e para a análise de doenças crônicas, o caso. Para fins daAIO, são consideradas doenças agudas aquelas com duração inferior a12 meses e doenças crônicas aquelas com duração de 12 ou mais me-ses. Essas definições não são absolutas, e a escolha de caso ou episódiocomo unidade de análise dependerá da natureza da doença em questãoe do tratamento avaliado.Quadro 3. Caracterização da nova tecnologia de saúde em avaliação na AIO • Nome da nova tecnologia em avaliação; • Modalidade da intervenção: fármacos, vacinas, agentes bio- lógicos, dispositivos implantáveis, procedimentos e interven- ções, métodos diagnósticos; • Objetivo da intervenção: terapêutico, profilático; • Principal efeito da nova intervenção sobre doença considera- da: efeito clínico em sintomas, qualidade de vida e eventos; au- mento da sobrevida; redução da duração ou da gravidade do episódio.
Avaliação de impacto orçamentário de tecnologias em saúde 91 Adicionalmente à caracterização da nova intervenção que estásendo avaliada, deve-se elaborar uma revisão e descrição das princi-pais modalidades terapêuticas empregadas no sistema de saúde. A re-visão do panorama atual das opções terapêuticas para a enfermidadede interesse visa não só melhor contextualizar a nova tecnologia desaúde em avaliação, mas também reunir as parcelas das informaçõesnecessárias para que sejam calculadas as estimativas propriamente di-tas quanto ao impacto orçamentário. Na elaboração do contexto analítico para desenvolvimento de umaAIO algumas definições devem ser estabelecidas a priori e de modo ex-plícito (Quadro 4).Quadro 4 - Características metodológicas da AIO • Perspectiva da análise • Horizonte temporal / período de interesse • Custos dos tratamentos (tecnologias) • Definição dos cenários a serem comparados • D efinição do número de fármacos ou de outras interven- ções na composição dos cenários • Análise de incertezas A perspectiva da análise recomendada pelas diretrizes interna-cionais e também indicada nas diretrizes brasileiras é a do gestor do or-çamento de um sistema de saúde, em nível local ou nacional. No casobrasileiro, as perspectivas mais comumente adotadas serão as do SistemaÚnico de Saúde (SUS) e do Sistema de Saúde Suplementar (planos e con-vênios de saúde privados). Quanto ao horizonte temporal da análise, recomenda-se o períodode 3 a 5 anos, com as estimativas de impacto orçamentário relatadas anoa ano6. A preferência por um horizonte temporal de 3 ou de 5 anos deveconsiderar a expectativa de difusão da tecnologia no sistema de saúde apartir de sua implementação, optando-se pelo horizonte temporal mais
92 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômicalongo para as tecnologias em que se espera que o tempo necessário paraa estabilização de sua demanda no mercado seja maior. Descrição dos cenários a serem comparados As análises de impacto orçamentário baseiam-se na comparaçãode dois ou mais cenários, os quais são representações de diferentes con-dições de mercado. Cada cenário é composto por diferentes proporçõesde uso para as diferentes opções terapêuticas existentes em um sistemade saúde (Figura 2).Figura 2. Caracterização dos cenários de referência e alternativos na execuçãode uma análise de impacto orçamentário. Adaptado de Ferreira-Da-Silva et al.2.
Avaliação de impacto orçamentário de tecnologias em saúde 93 O termo cenário de referência aborda o conjunto de opções te-rapêuticas atualmente disponíveis para o tratamento da doença deinteresse no sistema de saúde para o qual se aplica a AIO. Esse é, por-tanto, o cenário que representa o atual padrão de uso dos tratamentosdisponíveis para uma dada enfermidade em um determinado siste-ma de saúde. Na definição do cenário de referência devem-se listaras opções terapêuticas já usadas ao lado do percentual do mercadopresentemente ocupado por cada uma delas. A proporção do uso deum determinado medicamento em um dado mercado pode ser umainformação particularmente difícil de obter. Algumas opções são: pes-quisas de mercado realizadas pela indústria farmacêutica; estatísticasregionais ou locais de secretarias de saúde; padrões de uso de medi-camentos relatados para outros países que tenham sistemas de saúdecomparáveis ao sistema brasileiro; e literatura médico-científica na-cional e internacional. Na incorporação da informação sobre diferentes terapias que com-põem os cenários a serem comparados, as intervenções envolvidas de-vem ser identificadas, bem como a proporção esperada do uso de cadafármaco (ou outra tecnologia) nos cenários de referência e alternativos.A soma das proporções do uso dos diferentes tratamentos deve sempretotalizar 100% para cada cenário. População-alvo Uma das etapas fundamentais no cálculo de estimativas de impac-to orçamentário consiste na delimitação mais precisa possível da popula-ção de interesse, isto é, dos indivíduos cobertos por um sistema de saúdeque têm a indicação de uso da medicação em avaliação. Nas análises deimpacto orçamentário existem basicamente dois métodos para a delimi-tação da população de interesse: o método epidemiológico e o método dademanda conhecida (Figura 3).
94 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômicaFigura 3. Métodos para definição da população de interesse para uma análisede impacto orçamentário. Adaptado de Ferreira-Da-Silva et al.2. No método epidemiológico, parte-se dos dados epidemiológicosoficiais mais atualizados e precisos disponíveis, buscando a melhor es-timativa de prevalência da doença para aquele território para se obter onúmero esperado de indivíduos da faixa etária de interesse que são por-tadores do problema de saúde em estudo. O método epidemiológico possui a vantagem de estimar deforma mais abrangente todos os indivíduos cobertos por um deter-minado sistema de saúde que poderiam se beneficiar do tratamentoem avaliação. Por basear-se em dados estatísticos e em estimativas deparâmetros epidemiológicos, o número calculado tende a ser maiordo que o número contabilizado quando há uma estatística oficial, emrazão de subnotificações, desconhecimentos dos pacientes quanto àsua condição de saúde ou tratamento, e acompanhamento em outrobraço do sistema de saúde.
Avaliação de impacto orçamentário de tecnologias em saúde 95 De outro lado, por vezes o gestor de um sistema de saúde dispõe dealguma estimativa da população de interesse, não sendo conveniente ounecessário que sejam feitas novas previsões pelo método epidemiológico.Em outras palavras, o gestor pode dispor de aferição da população de in-teresse, sendo desnecessário estimá-la a partir de dados populacionais eepidemiológicos. Quando isso ocorre, a população de interesse é definidapelo método da demanda aferida (conhecida). Na literatura internacio-nal, essa abordagem é chamada de claims data-based model (diretrizescanadenses) ou market share approach (diretrizes australianas), e baseia--se na possibilidade de usar o número histórico, ou de um determinadoperíodo de tempo, de pedidos de reembolso por um tratamento médicoem um determinado plano de saúde, como o possível futuro número dereembolsos pela intervenção para a qual está sendo conduzida a AIO. Restrições ao uso da medicação e definição de subgrupos Nem todos os indivíduos identificados pelo método epidemiológi-co ou da demanda conhecida têm indicação de uso da tecnologia de saú-de avaliada. Frequentemente, tanto por razões de ordem técnica quantoem razão de limitações orçamentárias, os gestores de sistemas de saúdenecessitam restringir o acesso à nova intervenção para assegurar que elaseja utilizada pelos indivíduos que de fato terão o maior benefício tera-pêutico, conforme os estudos clínicos que embasam a indicação do novotratamento, ao mesmo tempo impedindo que a nova intervenção sejadesviada para pacientes cujo problema de saúde não responda ao trata-mento avaliado. Muitas são as razões que podem induzir à prescrição de novos tra-tamentos fora das indicações para as quais existe embasamento científi-co e para as quais a razão de custo-efetividade seja favorável. Dentre asprincipais razões, destacam-se: a influência da mídia e da propagandada indústria farmacêutica sobre pacientes e médicos, exposição indire-ta dos consumidores à propaganda da intervenção, necessidade real deprolongar o tratamento por períodos além daqueles testados em estu-dos clínicos, e o surgimento de evidências científicas que minimamen-te embasam o uso da intervenção para doenças nas quais há pouca ou
96 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômicanenhuma opção terapêutica (uso off-label). Nesse último caso, estariaindicada uma nova avaliação econômica do tratamento, voltada para anova possível indicação. Critérios racionais para o estabelecimento de restrições ao for-necimento do tratamento avaliado devem basear-se em estudos clíni-cos que demonstrem as características dos pacientes que se beneficia-ram da intervenção e as formas ou subtipos da doença para as quaisa intervenção foi considerada efetiva. Adicionalmente, nas situaçõesem que a implementação em larga escala de uma nova tecnologiade saúde não seja viável por razões orçamentárias, estudos de custo--efetividade poderão indicar que tipo de paciente obtém a razão decusto-efetividade mais favorável, podendo esse critério ser usado pararestringir o acesso àqueles que usufruem do maior benefício compa-rativamente aos custos. Dinâmica da doença A natureza da doença-alvo para o novo tratamento tem grande in-fluência nas projeções de impacto orçamentário. Doenças crônicas, comincidência não desprezível e mortalidade que não supere sua incidên-cia tendem a se acumular na população. Esse é o caso, por exemplo, dasdoenças cardiovasculares, osteomusculares e de diferentes fatores derisco como hipertensão arterial e diabetes mellitus. Nessas situações, aprevalência dos casos da doença corresponde ao dado principal para seestimar a população de interesse. Entretanto, a incidência de novos casose a mortalidade também devem ser consideradas. Isso é particularmenteimportante nas situações em que o tratamento em avaliação é capaz dereduzir a mortalidade da doença, aumentando sua prevalência e, conse-quentemente, o impacto orçamentário2,3. Para doenças crônicas de baixa incidência e mortalidade associa-das, o dado de prevalência pode ser suficiente para a modelagem de im-pacto orçamentário. Esse é o caso, por exemplo, da artrite reumatoide,quando basta que não sejam utilizados os campos correspondentes à in-cidência e à mortalidade da doença.
Avaliação de impacto orçamentário de tecnologias em saúde 97 No caso das doenças agudas, a modelagem é melhor conduzidaquando se considera o episódio, e não o indivíduo, como unidade deanálise. Nesses casos, a incidência de novos episódios e a mortalidadesão os parâmetros de maior influência nas estimativas de impacto orça-mentário. Custos e estimativas do impacto orçamentário Nas análises de impacto orçamentário, todos os custos conside-rados devem refletir a perspectiva do gestor do orçamento da saúde aoqual o estudo se destina. Quanto ao conceito de custo empregado nasanálises de impacto orçamentário, o custo incorrido deve ser usado,isto é, o valor que de fato será desembolsado pelo gestor por ocasião daadoção da nova tecnologia de saúde. Isso se opõe às análises de custo--efetividade, que adotam o conceito de custo de oportunidade, que serefere ao benefício potencialmente perdido ao se adotar uma interven-ção em lugar de outra5,6.Custos considerados: custos diretos do pacote terapêutico Ao considerar os custos envolvidos em uma intervenção, recomen-da-se que somente os custos diretos sejam considerados, o que inclui oscustos da nova tecnologia em si e custos diretamente associados ao seuuso, como medicamentos adjuvantes ou tratamento de eventos adversos.Assim, o custo de cada intervenção incluída na análise refletirá, na verda-de, o custo de todo o “pacote” terapêutico associado àquela intervenção.Esse custo combinado deve ser calculado não somente para a nova tecno-logia de saúde que motiva a análise de impacto orçamentário, mas tam-bém para as outras intervenções que compõem o cenário de referência eos diferentes cenários alternativos que serão modelados. Na determinação de quais custos associados são significativos e de-vem ser incluídos na análise, é importante um bom entendimento dosaspectos práticos da administração da intervenção e dos eventos adver-sos associados, que podem produzir custos em seu manejo. O quadro 6apresenta os principais custos a serem considerados para cada uma dasintervenções incluídas na análise.
98 Seção 2: Estudos epidemiológicos e de avaliação econômicaQuadro 6. Custos diretamente relacionados à tecnologia da saúde analisadae indicação de fontes para suas estimativasCUSTOS POSSÍVEIS FONTES DE DADOSCustos da intervenção em si: • Preços de fábrica• Medicamentos: valor unitário e número de uni- • Preços de aquisição pago pelo gestor dades por mês ou ano • Preço médio de mercado• Dispositivos: custo do dispositivo, custo com implante, custo de manutenção no horizonte • Preços praticados em outros países, temporal de interesse com conversão cambial e ajuste para o poder de compra• Procedimentos: custo do procedimento (mate- rial e recursos humanos) • Estudos de custo realizados em con- junto com ensaios clínicos• Teste diagnóstico: custo de equipamentos, custo mensal de insumosCustos diretamente associados à intervenção: • Métodos de equivalência terapêutica • Tabela de repasses do SUS• Tratamentos adjuvantes: custo unitário e unida- • Tabela de valor de reembolso de con- des por mês ou ano vênios• Eventos adversos leves: frequência e custo do manejo • Estudos clínicos • Opinião de especialistas• Eventos adversos graves: frequência e custo do manejo• Custo com consultas médicas• Custo com exames laboratoriais• Custo com hospitalizaçõesConversão de custos para o mesmo período de tempo As diferentes intervenções avaliadas em uma AIO podem ter es-quemas posológicos diferentes ou custos únicos relacionados à sua im-plementação (como nos casos de dispositivos e procedimentos). Por essarazão, faz-se necessária a aplicação de um método que torne comparávelo custo anual das diferentes intervenções. Esse método, chamado de mé-todo da equivalência terapêutica, consiste na estimativa dos custos totaisassociados às intervenções em um período de tempo determinado (porexemplo, mensal ou anual). Intervenções como o implante de dispositivos ou a realização deprocedimentos médicos podem ser contabilizados unicamente pelo va-lor anual demandado. Custos periódicos de manutenção podem ser in-
Avaliação de impacto orçamentário de tecnologias em saúde 99cluídos também com base anual ou relatados por períodos de tempo me-nores, quando apropriado.Impacto orçamentário incremental A comparação dos impactos orçamentários (IO) dos diferentes ce-nários permite que se obtenha o impacto orçamentário incremental de umcenário em relação a outro. Esse valor nada mais é do que a simples dife-rença de valor de IO entre dois cenários. O valor resultante pode ser nega-tivo, situação na qual a adoção de um dos cenários significaria economiamonetária. Recomenda-se calcular o IO incremental de todos os cenáriosalternativos em relação ao cenário de referência. Também se recomenda ocálculo do IO incremental entre os cenários alternativos considerados.Ajustes econômicos Nas análises de impacto orçamentário, os ajustes para a inflaçãoe para taxa de descontos não devem ser realizados, salvo em situaçõesexcepcionais. O desconto é o ajuste econômico que busca trazer gastos futuros paravalores presentes, considerando a tendência de sua desvalorização, alémdaqueles decorrentes do efeito da inflação. A teoria por trás deste ajuste é ada preferência temporal, em que os indivíduos dão mais valor ao dinheirono presente do que no futuro, mesmo após ajuste inflacionário. Conside-rando que as projeções de IO representam fluxos financeiros ao longo dotempo e que o objetivo da AIO é fornecer informações para o planejamentofinanceiro presente, não é recomendado que a taxa de descontos seja roti-neiramente considerada, exceto em situações especiais, como em uma AIOprojetada para um horizonte temporal extraordinariamente longo.Consequências positivas: economias diretas A incorporação de uma nova tecnologia assume que existe um be-nefício clínico para pacientes e populações, que pode ser mensurado emtermos econômicos. Não somente por reduzir mortalidade, muitas se nãoquase todas as terapias têm alguns efeitos em eventos clínicos, interna-ções, procura à emergência, etc. Estas são economias diretas que podemser consideradas na AIO. Quando se estimam essas economias é impor-
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