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A Terra é nossa casa

Published by renatosbc, 2016-09-22 14:37:36

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RESGATE HISTÓRICO DA COMUNIDADE INDÍGENA XUCURU-KARIRI DE CALDAS/MG Com o descobrimento do Brasil, novos povos foram revelados. Os indígenas que habitavam as florestas estavam inseridos em suas culturas, regras e espaços de uma maneira singularmente diferente dos povos que chegaram. A colonização e o crescimento do país, durante séculos, causou a extinção de muitos povos indígenas que aqui habitavam, por lutas e doen- ças, diminuindo significativamente sua população. As relações desse povo com a terra e seus manuseios de artefatos fazem deles povos de uma bagagem cultural rica e única, que consta pre- sente até os dias atuais (FRANCO, 2013). As maiores evidências sobre essas etnias, de que se tem registro no Brasil, partem de estudos arqueológicos e de relatos coletados por outras etnias. Isso porque se trata de um povo que ainda não havia estabelecido um modo de comunicação por escrito. A identidade que esse povo construía com o espaço e as relações nele presentes formaram uma subjetividade em cada indivíduo, que atua de maneira singular e o transforma de múltiplas maneiras. Envolvida e contida nessas ações está a cultura desse grupo, que forma identidades e diferenças particulares no modo de viver socialmente. Dessa mesma forma, o processo de reconstrução de seus territórios se torna importante e se apresenta de maneiras diversas. É comum nos dias de hoje persistirem conflitos, lutas por terras entre fazendeiros e indígenas e até mesmo entre as comunidades tradicionais. A comunidade Xucuru-Kariri originada de dois grupos distintos, a 50

dos Xucurus e a dos Kariris, oriundos de Palmeira dos Índios, no Estado de Alagoas, passou por inúmeros conflitos, o que levou a etnia a recomeçar sua história em novas terras, longe da cidade natal. Após a passagem por três cidades distintas – Ibotirama/BA, Paulo Afonso/BA e São Gotardo/MG, parte da comunidade que compartilhava dos mesmos ideais chegou, em maio de 2001, à Fazenda Boa Vista, terra pertencente à União, no município de Caldas/MG. As realocações de comunidades tradicionais acarretam dificuldades de adaptação ao meio onde se inserem, como revela o caso dos Xucurus- Kariris. O município de Caldas/MG é um local distinto da área de origem da comunidade, com clima de inverno rigoroso, culturas agrícolas diferentes e a inexistência de raízes e ervas conhecidas por eles. Do ponto de vista da caracterização da paisagem, a Reserva de Caldas guarda alguma semelhan- ça com a área da Fazenda Canto, em Palmeira dos Índios. As semelhanças estão no relevo montanhoso e no bioma de Mata Atlântica (PARISI, 2008). Nesse contexto, o presente estudo se propõe a aplicar o DAP, de uma forma geral, na tentativa de realizar uma releitura da história da comu- nidade indígena Xucuru-Kariri, identificar os principais problemas ambientais atuais, que priorizam a conservação dos recursos naturais na busca por novas formas de se relacionar com o meio ambiente, e compartilhar tec- nologias pertinentes à agroecologia, contribuindo com o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida da aldeia indígena. ANA CAROLINE COSTA NOGUEIRA ADRIANA M. IMPERADOR 51

HISTÓRIA DA ETNIA XUCURU-KARIRI Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2010), as duas etnias indígenas, Cariris e Xucurus, agrupavam os primeiros habitantes de Palmeira dos Índios/AL, em meados do século XVII. Viveram em meio a um abundante palmeiral existente no local, razão pela qual se deu o nome do município. No ano de 1770, fora construída no local a primeira igreja, pelo frei Domingos de São José. Em 1798, criou-se a freguesia de Palmeira dos Índios que, em 1835, foi elevada à categoria de vila, desvinculando-se do município de Anadia. Na década de 1840, uma disputa política impetuosa entre famílias es- vaziou quase que completamente a vila, resultando no êxodo de quase toda população, que presenciou dezenas de assassinatos. Assim, a vila voltou à condição de distrito e estagnou economicamente. Só em 20 de agosto de 1889, quarenta e nove anos depois, Palmeira dos Índios é elevada à categoria de cidade. Cidade apelidada de “Princesa do Sertão”, Palmeira dos Índios tem sua origem ligada à lenda indígena de Tilixi e Tixiliá, que formavam um casal proibido pelas tradições, à cuja desobediência resultou na morte de Tixiliá e, no lugar do ocorrido, teria nascido uma linda palmei- ra. Vale lembrar que o município é ainda conhecido por seu ilustre antigo prefeito Graciliano Ramos, um dos mais importantes escritores brasileiros. Foi ali que o autor escreveu sua primeira obra, o romance “Caetés” (SILVA, 2012). O município possui uma área de 460,61 km2 e abriga uma popu- 52

lação em torno de 73.878 habitantes (IBGE, 2015). A população indí- gena é formada por cerca de 1.887 habitantes, sendo que aproximada- mente 616 estão na Fazenda Canto (IBGE, 2010). A cidade se localiza há 140 quilômetros de distância de Maceió e situa-se a uma altitude de 290 metros acima do nível do mar. Segundo Franco (2013), os Xucurus e Kariris foram dois gru- pos étnicos do Nordeste que se juntaram em aproximadamente 1820, dando origem à nova etnia Xucuru-Kariri. O século XX para os índios nordestinos representou o início dos movimentos de territorialização de suas terras. Por volta de 1940, os Xucurus-Kariris reiniciaram os processos de lutas por posse de terras. Na década seguinte, esse povo teve seu posto indígena instalado junto à Fazenda Canto em Palmeira dos Índios, Alagoas, com o propósito de atender aos indígenas que pos- suíam terras no local. Dessa forma, a etnia se estabeleceu na zona rural, onde permaneceu durante 42 anos. O PERCURSO DA ETNIA A história dos povos indígenas é marcada por conflitos, em luta por seus direitos junto às autoridades, que perduram até os dias de hoje. Para a etnia Xucuru-Kariri não foi diferente. Conflitos mais re- centes, entre fazendeiros e até mesmo entre seu próprio povo, deram origem a uma jornada por novas terras, chegando até Minas Gerais. Parisi (2008, 37) discorre sobre o assunto: Em meados da década de 1980, já somavam 106 famílias. Neste 53

período, conflitos violentos ocorreram dentro do próprio grupo resi- dente da Fazenda Canto, ocasionando a morte do Sr. Antonio Celes- tino, irmão de Miguel e Manuel Celestino, respectivamente cacique e pajé da Fazenda Canto. O grupo liderado por José Satiro do Nascimen- to, o cacique “matador” Zezinho, abandonou a Fazenda Canto, dirig- indo-se provisoriamente para Ibotirama, na Bahia e daí, em seguida, para Nova Glória, no mesmo estado, onde ganhou, a partir de 1986, a posse da terra Fazenda Pedrosa, no povoado da Quixaba. Foi o próprio índio rebelado José Sátiro o responsável pela morte que ocasionou a cisão do grupo. A partir do momento em que saiu da Fazenda Canto, entendendo ter recebido a missão paterna de governar um grupo que comungava de suas ideias, o índio Jose Sátiro do Nascimento se trans- formou no Cacique “Uarkanã de Aruanã”. Relato de como iniciou a peregrinação da etnia Xucuru-Kariri por informações obtidas com o próprio cacique (PARISI, 2008, p. 37). Após sua instalação no município de Ibotirama/BA, localizado às margens do rio São Francisco, há cerca de 650 quilômetros de Salva- dor, capital do Estado, o líder Uarkanã de Aruanã procurou novamente a FUNAI em Brasília devido à insatisfação do grupo com as instalações precárias e constantes conflitos com fazendeiros por demarcação de terras. Após um longo processo, conseguiram um pedaço de chão em Paulo Afonso, ainda no Estado da Bahia, onde permaneceram por 18 anos, apesar das dificuldades (FRANCO; BRANQUINHO, 2012). A vivência em Paulo Afonso foi uma fase difícil enfrentada pela 54

etnia devido à extrema seca, calor intenso, falta de moradias e novos conflitos, agora com policiais da região. Em 1998, ameaçado de morte mais uma vez, o cacique José Sátiro procurou a FUNAI solicitando um novo lugar. Após inúmeras tentativas de negociações, foram deslo- cados e alocados no centro do município de São Gotardo/MG, com a promessa de ajuda de custo da FUNAI para os gastos do mês, que não ocorreu como prometido. Permaneceram na região por três anos em condições adversas das quais estavam acostumados a viver. Interviram, então, junto à FUNAI novamente, requerendo novas terras. Após visi- tarem oito municípios no Estado de Minas Gerais, escolheram Caldas/ MG na Fazenda Boa Vista, onde já se encontram há 14 anos (FRANCO, 2013; PARISI, 2008). 55

ÁREA CENTRAL DA COMUNIDADE INDÍGENA XUCURU - KARIRI. Fonte: Da autora, 2015. 56

A reserva da etnia em Alagoas apresenta poucas semelhanças físicas com a área que residem atualmente no sul do Estado de Minas Gerais. Entre elas, pode-se citar o relevo montanhoso, com serras que rodeiam a cidade (Figura 2), e resquícios de vegetação densa, que possui grande importância para as atividades tradicionais do grupo, como o Ouricuri, ritual sagrado realizado pelos homens, que ocorre em seu interior (FRANCO, 2013). Parisi (2008) ainda destaca que muitos índios, logo após a chegada em Caldas/MG, voltaram para sua terra natal devido ao frio rigoroso, ao qual não estavam acostumados, e outros migraram para o município de São Gotardo/MG. Naturais de uma região de clima tropical úmido predominante, com verões quentes e invernos pouco frios, não se adapta- ram. O próprio cacique, mesmo após 14 anos, relata não ter se acostumado ao frio. Quando chega o inverno, se possível, arruma as malas e vai visitar os parentes em Alagoas, fugindo das baixas temperaturas. No município de Caldas, alguns índios moram na cidade e outros foram inseridos no mercado de trabalho local e constituíram famílias com não-índios. Assim como existem ín- dios que saíram de sua tribo para residirem nos centros urbanos, há pessoas da cidade que passaram a morar na reserva, constituindo famílias com indígenas. Isso torna a comunidade híbrida, assim denominada pela FUNAI, residindo índios e não-índios (FRANCO, 2013). De acordo com as obras supracitadas, estima-se que essa comunidade percorreu, em média, 4.128 quilômetros até chegar ao município de Caldas/MG. Passou por três ci- dades de dois Estados diferentes, com características distintas e condições adversas a sua realidade. A Figura 3 e o Quadro 1 contextualizam a linha do tempo e o caminho percorrido pela etnia até seu estabelecimento na Fazenda Boa Vista. 57

SERRA DO GOITI - PALMEIRA DOS ÍNDIOS/AL. Fonte: Larissa Anjos, 2013 Imagem coletada e consultada no blogspot Descanso para Loucura. Fotos tiradas por Larissa Anjos no evento religioso Paixão de Cristo, no ano de 2013. A Serra do Goiti é onde a população se dirige em procissão e/ ou para acompanhar a encenação da Paixão de Cristo, uma das mais tradicionais do interior do Estado de Alagoas. Disponível em: <http:// descansoploucura.blogs- pot.com.br/2013_03_ 01_archive.html>. Acesso em: 17/03/2015. 58

ANO DE PARTIDA MUNICÍPIO DE ORIGEM MUNICÍPIO DE CHEGADA PERÍODO DE MORADIA 1981 Palmeira dos Índios - AL Ibotirama - BA 1 ano 1982 Ibotirama - BA Paulo Afonso - BA 18 anos 1999 Paulo Afonso - BA São Gotardo - MG 3 anos 2001 São Gotardo - MG Caldas - MG até os dias de hoje Distância percorrida pela aldeia Xucuru-Kariri 59

Até chegar em Caldas/MG, a comunidade Xucuru-Kariri percorreu três cidades em 22 anos (Figura 4). O caminho destacado no mapa ilustra esse deslocamento e a distância de Palmeira dos Índios/AL, sua terra natal. Todas as mudanças foram acompanhadas e apoiadas pela FUNAI, responsável pela aquisição das terras e pelo deslocamento. Vale destacar a falta de estrutura e despreparo dessa instituição governamental no acompanha- mento das adaptações, gerando dificuldades que acabavam exigindo, a cada parada, uma nova busca por terras. De acordo com relatos indígenas e os autores supracitados, durante a jornada, muitos indígenas perderam famil- iares em decorrência de doenças, fome e disputas com fazendeiros. Sem falar em alguns que se adaptaram à zona urbana, optando por não viverem mais em tribo. Nas duas cidades em que permaneceram menos tempo, enfrentaram não apenas conflitos locais, mas tam- bém adversidades até então não conhecidas pela etnia. Já nos municípios em que passaram mais tempo, Paulo Afonso/BA e Caldas/MG, encontraram apoio, meios de subsistência e acesso à informação. Graças à determinação de um líder em lutar por seu espaço em sociedade, para que seu povo pudesse viver livremente sem conflitos e gozando de seus direitos, a comunidade alcançou a Fazenda Boa Vista. A opção em permanecer nesta última terra conquistada foi de todo o grupo, que apesar das adversidades, formaram em Caldas/MG sua nova casa. Lá, es- ses indígenas passaram a ter acesso a informações e direitos pelos quais antes precisavam brigar. Estabeleceram relações de amizade com os fazendeiros da região e as terras foram documentadas e destinadas à comunidade. Enfim, encontraram no Sul de Minas o que sempre buscaram: viver como cidadãos brasileiros. 60

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CARACTERIZAÇÃO ATUAL DA ÁREA DE OCUPAÇÃO DOS XUCURUS-KARIRIS DE CALDAS A área da aldeia dos Xucurus-Kariris, na antiga Fazenda Agropecuária Boa Vista, no município de Caldas, ao sul do Estado de Minas Gerais, apresenta altitude média de 1.150m do nível do mar e coordenadas 21° 55’ 26” S 46° 23’ 09” W. A fazenda se localiza a aproximadamente oito quilômetros do centro urbano da cidade, à margem da rodovia BR 459, que liga as cidades médias de Caldas e Santa Rita de Caldas (Figura 5). O município apresenta temperatura média anual de 19°C, com médias mínimas de 13°C e máximas de 26°C. A umidade relativa do ar é de 75% e a precipitação pluviométrica, de 1500mm anuais. Segundo a Koppen, a cidade está classificada como Cwb, com clima tropical de altitude de regiões serranas (FERREIRA et al., 2004). As terras indígenas possuem 101 hectares de área total pertencente à União desde 1949, segundo o docu- mento oficial (BELO HORIZONTE, 2012). A aldeia conta com aproximadamente 128 moradores, entre adultos e crianças. Não há um parcelamento de solo ou divisão de terras para bens em domínio da FUNAI, sendo toda a área destinada ao uso comum. As casas estão localizadas na entrada do terreno, a mata nativa se encontra à leste e a área de plantio localiza-se ao sul. Não há atividades industriais na região. Em seu entorno, existem apenas fazendas, pastagens e resquícios de vegetação. O município de Caldas não possui indústrias de grande porte. O forte econômico da cidade vem da zona rural, além de contar com reforço da extração de minérios. A indústria mais próxima à comunidade, no ramo de laticínio, fica a aproximadamente 5,8km de distância. Dentro da comunidade há estradas que dão acesso para as fazendas ao redor, inclusive a rodovia intermu- nicipal que liga o distrito de São Pedro de Caldas/MG à Caldas/MG. Pelo fato de, pela aldeia, ter-se acesso a vários lugares, o trânsito de veículos é constante. A principal forma de locomoção da comunidade é por meio de carro, já que o transporte público chega apenas até a rodovia e com horários restritos. 62

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A imagem ao lado ilustra a área de estudo em questão, sua localização quanto à principal rodovia, delimitação do terreno e das residências e as rodovias mais expressivas do entorno. 64

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As casas são construídas em pau a pique e algumas em alvenaria, como nas regiões urbanas. Possuem água encanada de poço artesiano, fossa séptica, energia elétrica e coleta de lixo. As tubulações das residências, em sua maioria, são construídas pelos próprios moradores, com improvisações e ajustes inadequados. A coleta de lixo é realizada uma vez por semana pela prefeitura do município. Animais de criação circulam livremente pela aldeia, sem um lugar adequado de pastagem. A comunidade ainda conta com uma escola e um posto de saúde na proprie- dade, com características próximas de um bairro de zona urbana. Na escola, atuam professores de origem indígena e, no posto de saúde, enfermeiras em horário comercial. O atendimento médico é semanal. Pelo já referido acesso a diversos lugares, pode-se adentrar a aldeia livremente. Não existe porteira. As vias não são pavimentadas e não possuem drenagem pluvial. Algumas até se encontram em estado de erosão. Aldeias indígenas costumam obter sustento de sua própria terra, o que não acontece com a comunidade estudada. Para sua sobrevivência, as pessoas trabalham em lavouras, indústrias, comércios e casas de família da região. O ambiente é socialmente urbanizado. As residências possuem antena parabólica ou TV a cabo, todas com televisores e eletrodomésticos. A grande maioria possui rádios e celulares e conta com acesso à internet. A maior parte das crianças e adolescentes estuda em escolas no centro da cidade, exercendo atividades e expressando gostos e desejos semelhantes aos dos não-índios. 66

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O MUNICÍPIO DE CALDAS/MG A história de Caldas teve origem em meados de 1780, iniciada pelo português Antônio Gomes de Freitas e sua esposa Maria Rodrigues Machado. Moradores de Aiuruoca compraram a “Fazenda dos Bugres”, assim denominada por ter sido um território indígena, morada da antiga aldeia de índios Tapuias, conforme vestígios encontrados nas proximidades do ribeirão que banhava o povoado. Por isso, recebeu o nome de “Ribeirão dos Bugres” (IBGE, 2010). 68

A região localizada ao Sul de Minas Gerais passou a se desenvolver e ser valorizada com o nome de Cam- pos de Caldas, afirmando-se como grande produtora de uvas. Em meados de 1876, iniciou-se a fabricação local de vinho, tornando a cidade conhecida em todo o País. A intensificação da cultura vinícola acarretou a mudança do nome do município para Parreiras. Passados alguns anos, houve nova mudança de nome, para o atual Caldas, por conta das fontes termais, cujas águas apresentam propriedades medicinais (IBGE, 2010) (Figura 8). O município conta com uma área rural estimada em 698,53 km², de um total de 711,414 km2, apresentando cul- tivo expressivo de batatas, fruticultura, viticultura, produção de milho e feijão, cujas culturas são adequadas para grandes altitudes. Em meados de 1930, a Fazenda Experimental da EPAMIG (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) instalou-se no município. Seu trabalho está relacionado com a pesquisa e o desenvolvimento de uvas (PARISI, 2008). 69

REFERÊNCIAS BELO HORIZONTE. Secretaria do Patrimônio da União Contrato de cessão de uso gratuito. Ministério do Plane- jamento, Orçamento e Gestão. Superintendência em Minas Gerais. Livro n.14-D, folha n. 73, Belo Horizonte/MG, 2012. FERREIRA, E.A. et. al. Antecipação de safra para videira niágara rosada na região Sul do Estado de Minas Gerais. Ciênc. agrotec. Lavras, v. 28, n. 6, p. 1221-1227, nov./dez., 2004. FRANCO, C. L. B. Territórios e identidades: dinâmicas socioespaciais dos índios Xucuru-Kariri residentes em Caldas – MG. Trabalho de Conclusão de Curso (bacharel em Geografia) - Universidade Federal de Alfenas/UNIFAL, Alfe- nas/MG, 2013. FRANCO, C. L. B; BRANQUINHO, E. dos S. O Povo Xucuru-Karirí: uma abordagem espaço-cultural. Grupo de Estu- dos Regionais e Socioespaciais Universidade Federal de Alfenas – MG, 2012. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Histórico: Palmeira dos Índios. Biblioteca. Catálogo. 2010. Disponível em:<http://biblioteca.ibge.gov.br/ index.php/biblioteca atalogo?view=detalhes&id=31221. Acesso em: 10 abril 2015. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Infográficos: histórico. 2010. Disponível em: <http://cod.ibge.gov. br/16G2. Acesso em: 10 set. 2014. SILVA, C. Palmeira dos Índios, Tilixi e Tixiliá. Jornal Salve Alagoas, 2012. Jornalista (SRTE/AL 1490). Disponível em: http://www.salvealagoas.com/2011/ 07/palmeira-dos-indios-tilixi-e-tixilia.html. Acesso em: 22 abril 2015. 70

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RELATOS ORAIS DA COMUNIDADE INDÍGENA XUCURUS KARIRIS DE CALDAS/MG Ana Caroline Costa Adriana Maria Imperador Os relatos orais das comunidades tradicionais retratam suas histórias, culturas e experiências. É um verdadeiro tesouro que deve ser respeitado e valorizado, pois compõe o conhecimento empírico que muitas vezes não se encontra disponível além das fronteiras das própri- as comunidades. A generosidade da Comunidade Indígena Xucuru Cariri do município de Caldas em compartilhar seus conhecimentos e o apelo para que sua história seja divulgada no meio científico e para o público em geral cumpre parte de seu objetivo neste capítulo repleto de pequenos fragmentos de sabedoria. Tentamos manter os relatos mais próximos possível da fala original, com apenas pequenas inclusões devidamente sinalizadas entre parênteses para contextualizar o tema discorrido pelos comuni- tários. Esses relatos podem conter alguns termos destoantes de nossa gramática oficial, mas que optamos por manter fidedignos aos relatos orais. À comunidade Indígena Xucuru Cariri de Caldas, nosso respeito e gratidão pela confiança. 73

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“A educação hoje pra falar dela, eu não sei se falo a favor ou falo contra, ou falo meio a meio, porque tem várias situações. A primeira delas é que quando vai fazer alguma escola dentro da aldeia, eles não procuram como é que é que tem que ser feita essa sala ou essa escola dentro da aldeia. Eles montam o projeto e que- rem fazer sem conversar, né, com as comunidades indígenas. Aí foge da realidade porque nossa realidade é construir aqui da maneira que nós já somos, que era fazer uma escola redonda, o repartimento tinha que ser dentro desse círculo redondo. Não, mas chegam com uma planta e é feita daquela maneira e então muitas vezes ela deixa de ser um símbolo pra gente. Mas falando do próprio ensino, isso fez com que ajudassem a gente a ter a liberdade de estar com nos- sos alunos aqui dentro da sala de aula, dentro da aldeia, mesmo que ele esteja descalço, mesmo que ele esteja com a sandália de um pé e sandália de outro, né, a camisa está rasgada ou não”. Jau – sobre Educação. 75

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“Pra vocês (Universidade) que estão ajudando a desvendar o mistério dentro da nossa aldeia e vocês saberem mais, quando fala diferenciada nós, um exemplo, temos um problema porque eu tam- bém sou professor, mas sou professor da cultura, né, pra está incen- tivando nosso próprio povo, isso foi bom pelo lado da educação, mas quando ela aceita a gente colocar que a nossa educação tem que ser diferenciada só no papel, na teoria, né, na prática um exemplo ela não é porque o que eu ensinar, ela quer me força eu colocar lá no dia a dia o que é que eu estou ensinando, né, e isso um exemplo é que foge um pouco da diferenciação. Eu em particular também, mas acredito que a aldeia como ponto de vista e vocês também ela está um pouco meia longe também, né.” Jau – sobre Educação. 77

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“Nós somos indígenas, somos seres humanos, nós temos a nossa cultura e estamos zelando.” Jau – sobre Direitos Indígenas. 79

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“Está lá na Constituição: o primeiro ponto tem que respeitar as terras indígenas, aí o pessoal vão procurar um bandido, tem uma comunidade indígena, então eles têm que sair vasculhando, não pede licença, chega aqui, que nem chegou aqui umas vezes. Tanto é que deu muito problema pra mim, como minha mãe e meu pai mesmo está defendendo essa causa e eles não respeitam”. Jau – sobre Direitos Indígenas. 81

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“A secretaria de saúde daqui do município ela se propôs a estar ajudando porque estava morrendo a índia e ninguém sabia o porquê e não tinha como está dando suporte. Trabalhava na batata ela, cat- ando batata, né, e quando dava o dinheiro ou fazia o exame ou morria de fome né. Então isso daqui dá dó dentro da gente. Isso cabe muito a liderança, né, colocar pra fora nessas oportunidades, porque aí que a gente vai crescendo também, aí que a gente vai falando pras pessoas, vai criando um laço, né” Jau- sobre a Saúde. 83

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QUAL É A REALIDADE E QUAL É SEU DESEJO? “Desejo a Casa de Farinha, a realidade não tem. Precisa plantar a mandioca, fazer farinha pra fazer tapioca e ainda vender, fazer bolo. Falta um açude para comer peixe e nadar. A realidade nós temos, mas falta limpeza. Um desejo, academia ao ar livre, pra ajudar no colesterol. A realidade é que alguns têm casas, outros não. Gostaria de que todos tivessem onde morar. Um desejo é puder ter uma escola com a nossa característica, onde demorasse pra ir pra cidade. ” Josefa 85

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“Um desejo da gente, uma realidade da gente, um sonho da gente, a gente vai morrer agarrado dentro da nossa cultura e da nossa tradição... por mais que tentem acabar, tirar todos os sonhos, a gente não precisa de uma certa maneira ser índio pra ter as coisas. A gente precisa ser ín- dio pra manter o que nossos antepassados foram um dia, eles passaram por aqui, né. Tentaram matar a população indígena, mas surgiu um exemplo, a raiz, algum brotinho e ela foi, foi, foi fizeram meio mundo de árvores e essas árvores somos nós, né. A raiz da gente que foi matada. Nós temos hoje no corpo da gente preto, nós temos vermelho na cultura da gente. Preto que existe em cima da gente é um luto do passado né, por quê? Porque mataram muita gente da gente, então nós vivemos em luto e vamos viver em luto eternamente, né. Usa o vermelho e o pessoal porque o significado do vermelho é mostrando pras pessoas e principalmente pra quem interessar que ainda é o sangue um exemplo que derramou meio mundo de sangue então índio é apaixonado, ele é forçado a ser apaixonado por essas duas cores, né. Vermelho um tanto de sangue, preto morreu um tanto de gente. ” Jau 87

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HISTÓRIA DE VIDA CACIQUE JOSÉ SÁTIRO “Vou lhe contar de fundo como é que aconteceu o abandono da minha terra, né. Eu sei que em 81, assumi como cacique em 69, mais ou menos 68 pra 69 assumi como cacique. O meu pai velho, né, e eu novinho, ia fazer 17 anos e no meio de 14 irmãos eu fui escolhido, né. Eu não sei por que os an- tigos me escolheram. Aí quando eu fui escolhido, aí meus parentes, meus primos e meus irmãos no campo de futebol, uns 800 garotos, falou assim “Hoje cacique nós tem que colher nossa terra que está na mão do branco que foi muito sangue dos nossos antigos derramado, que os pais contava, né, que nem o meu me contava, né, e está na mão do fazendeiro e nós precisa dessa terra e o que nós faz? ”. Os nossos antigos não teve coragem de demarcar e tinha medo do derrame de sangue que aconte- ceu, né, e abandonaram essa fazenda, duas fazendas. Aí meus parentes me rodeou e não teve que fazer. Tudo bem, a gente vai demarcar, isso é sem os nossos antigos saber, porque se soubessem nós não falava, porque antigamente os antigos bastava olhar pra nós, nós já sabia o que eles que- riam dizer. Aí se reunimos a noite, eu primeiro fui na casa do gerente dos fazendeiros e procurei o gerente, quanto é que é a terra deles, vamos ligar pro nosso patrão e ligaram pro patrão deles, né, aí perguntei a eles quanto era que valia as benfeitoria que eles fizeram, porque a terra infelizmente não era deles. Ah, aí começou os conflitos, né. Eles bateram no meu ombro e disse “Oh moleque, me chamou de moleque dois fazendeiros, né, seus antigos me respeitou e você não vai me respeitar? Me respeita. ”Essa terra você sabe que é a terra dos Xucuru-Kariri e agora chegou a hora da gente entrar nela, quero que você bote no papel quanto é o valor de sua terra. Aí eles bateram no meu ombro 89

essa questão…se nós pedimos sua cabeça, nós arrancamos. Aí o que acontece, quando é que você vai entrar? Eu digo mês que vem e outro mês que lá, marquei uma data difícil né, aí ele foi embora, de noite no mesmo dia nós invadimos a terra, invadiu não, fomos reivindicar nossa terra, né. Aí entramos a garotada sem os nossos velhos saberem. Invadimos a terra que passava três estradas de comércio nessa fazenda. Nós invadimos as duas fazendas, interditamos as estradas e colocamos em placas: Proibido a entrada de branco nela, vão virar adubo, só sai que nem nossos antigos. Aí eu sei que ficamos lá dentro. Quando foi três dias correu a notícia. Aí reporte de tudo quanto é jeito e os nossos velhos que estava todo mundo na aldeia, que assistiram aquilo que foi pro rádio, que lá na minha aldeia não existia rádio. É duas coisas que não existia nessa época. Não existia rádio nem televisão, dentro da minha aldeia sabe? Aí a notícia correu e chegaram na aldeia o gente os meninos está mesmo, está com três dias os filhos sumiram e nós dentro da roça, 800 garotos. Pensa tropa doida, sabe? Tropa nova e pensamento ruim. Não existia arma nesse tempo, né, era só facão, machado, foice, arco e flecha, buduna e atacado de lança, né, e todo mundo equipado como índio que somos, tudo na tanga e no arco e flecha. Aí quando a tropa velha ficou sabendo, foi todo mun- do, não ficou ninguém na aldeia mãe. Entrou todo mundo porque se morrer um vai morrer tudo, nós somos assim, se entra um na confusão de que Deus o livre, tem que entrar tudo, se morrer um, morre tudo. E se ganhar, tem que ganhar tudo. “Olha lá mulher ganhou menino junto das cobras, junto dos bichos, junto de tudo, mas o índio é criado no mato mesmo, né. Índio não é de cidade, aí ficamos no mato quatro meses...E eu quero morrer brigando, do jeito que os meus morreram, eu quero morrer também. Eu dizia, quando a gente chegar na cidade, no caminho que a gente ver um pantim de qualquer coisa, ninguém é pra abrir, é pra morre brigando, parece que o sangue dos nossos antigos que foi derramado em cima da terra deles que é nossa, parece que fortalecia a gente”. 90

“Aí o procurador me falou assim: Zé Sátiro, até agora não lhe procuraram? Pode fazer a sua via. Eu digo não, eu quero que vocês arrumem um canto pra mim, que eu estou voando. Estou num barco sem remo, estou no meio do rio sem remo e eu quero que vocês arrumem um remo pra mim e um barco de vela que é pra mim andar, quero um canto pra mim ficar. Foi aí que me jogaram no triângulo mineiro. Alugaram uma casa pra mim. Nesse tempo meu menino jogava no Corinthians. Aí eu sei que alugaram uma linda casa pra mim, pediram o número da minha conta, disseram assim: olha, cacique, você vai ter uma coisa na vida que você nunca teve. Olha, eu estou estranhando, porque se vivi até agora, nunca tive agora, vou ter é a peste, né? Então diga o que é, oh vai ter uma casa alugada pra você, me apresentaram em supermercado, me apresentaram em fazenda, me apresentaram em farmácia…Olha, eu digo é verdade nunca tive isso mesmo, não. Quando conversou, conversou agora cacique, é o seguinte, você vai assinar um termo, um documento que a gente vai bater e vai abando- nar a luta. Era pra eu ter tudo isso, mas eu tinha que assinar um documento que eu tinha que esquec- er a luta, pra ficar quietinho e esquecer o povo, né. Disse está bom, você vai me dar 30 dias pra te responder essa pergunta e assinar esse documento, ele disse dou, então beleza. Ele voltou pra Brasília e eu fiquei no triângulo mineiro. Aí passou o tempo, dormi uma noite, duas noite, quando foi as três noites acendi meu cachimbo da paz, pedi como é que eu podia agir, por onde eu podia servir, aí me veio na ideia, liga lá pro povo lá na Bahia, liga pro povo lá em Palmeira. Aí o que que eu fiz, liguei pro povo. Quando eu liguei pro povo, eita cacique você está onde? Eu estou em tal canto assim, assim, mas não vem que eu estou na cidade e cidade não é lugar de índio”. “Aí depois pronto apareceu terra até no inferno, terra em tudo quanto é canto. Eu quero em Minas Gerais que é lá que estou. Aí que faz, aqui em Minas Gerais tinha um companheiro chamado, esqueci o nome do peste, aí era ele e o coordenador geral do instituto de terras de Minas Gerais...Eu conheci tanta terra da união, eu conheci terra no município de Pains, eu conheci terra no município de Formigas, eu conheci terra no município de Itapecerica, eu conheci terra no município aqui de Perdões, eu conheci terra no município em Porteirinha, Janauba, em Almenara, tudo terra de governo e eu agradei daqui. Quando eu agradei daqui sem saber que era gelado, aí sem saber”. 91

“Aí eu fui liguei pro homem, liguei lá em Brasília: É o seguinte, gostei de uma terra assim, assim e eu quero saber o que você me diz. Ele disse município de onde? Eu disse de Caldas. Caldas Novas, digo não Caldas de Minas Gerais, sul de Minas. Aí ele vou caçar no mapa, aí ele achou. Zé Sátiro, a casa está desocupada, mas não vá. Oh, mas por quê? Ele disse você vai matar seus índios, você escolheu o canto mais gelado de Minas Gerais. E eu pensava que era mentira dele”. “Quando foi em 2001, eu digo vamos tomar conta de Caldas, vamos. Aí reuni os índios e as mul- heres, vocês fica as mulheres e deixa os homens nós vamos lá se nós não se de nós voltamos. Que se der algum problema mulher não corre, homem corre. Aí as mulheres viraram a peste também, não tem que ser todo mundo é tudo, então está bom. Nós viemos, nós chegamos no dia 29 de maio de 2001. Aí chegamos aqui, ficamos onde tem esse poste aí, isso era que braquiária pior do que isso aqui. Nós chegamos 2 horas da manhã, amanheceu o dia, ninguém dentro de casa, nós ficamos aí, tinha gente que tremia, fizemos logo um fogo aí. Aí de manhã cedo amarela de polícia aí, e pronto, agora deu a peste. A polícia da região veio toda, aí acuado, quem são os comandantes desse batal- hão por favor se apresenta, aí cada um levantaram o braço, eu sou tenente não sei quem, capitão não sei quem lá vai. Então chega, de preferência tudo desarmado que nem nós estamos e eles atenderam. Então vamos direto ao assunto, vocês vieram nos visitar, vieram nos expulsar, como é que é? Não, cacique, é que nós recebemos uns telefonemas anônimos que os índios vão invadir as terras dos fazendeiros, os índios vão comer os bois dos fazendeiros. Digo o que é isso rapaz? Meu amigo, eu aprendi uma coisa com os meus antepassados de viver por conta do suor do rosto da gente” “Nós conhecemos aqui no sul de Minas, parece que foi 34 cidades, fazendo apresentação, fazendo palestra e tudo de Viçosa é Juiz de Fora, por essas bandas aqui Varginha, Conceição do Rio Verde, Predalva. Eu sei que é tanta cidade que até esqueci o nome. Aí depois de um ano, agora nós temos que sossegar, arruma o pão pro povo né...Mês de junho me acordei, me lembro que nem nesse 92

instante, mês de junho de 2001 eu acordei era 3 horas da manhã, aí acordei Zefa, Zefa fecha as por- tas que está um gelo da peste, mentira tudo fechado, mas estava um gelo e os índios no outro dia de manhã cedinho chegaram cacique, nós vamos embora daqui, nós não aquenta, não é mesmo? E eu aprovei me embora, né. Aí eu fui pra Brasília, aí chego em Brasília me deram cinco anos pra mim adaptar, depois de cinco anos se eu não me adaptasse, aí eu ia lá assinar um documento pra modo deles me mandarem pra outro lugar, arrumar outra terra. Quando foi cinco anos que eu reuni a turma, ninguém quis sair daqui e o mais covarde por fim é eu. Me lasquei de saúde desse dia, tive pneumonia 4 vezes, quase morri e eu nunca tinha visto a peste dessa doença. Aí ainda hoje estamos aqui e os índios não aceitou sair também não vou mais por aí e não fui mais, e estamos aqui. Eu digo pronto, graças a Deus. Hoje os índios daqui estão tudo americanizados, mas vou te dizer minha vida foi um romance, viu.” “Quando eu me entendi de gente, eu não sabia o que era um prato “colorex”, eu não sabia o que era um garfo, uma faca, eu não sabia o que era uma televisão, um rádio, né. Eu vou te contar na minha aldeia o primeiro rádio que entrou e a primeira televisão foi de uma menina que é enfermeira Maria Luísa. Ela comprou um rádio deste tamanho daquele tempo, né, que eu via meus velhos, meus povos velho da minha aldeia, uma televisão preta e branca parecia um caixão deste tamanho, aí eu escutava os velhos cochichando “como é que cabe um homem dentro daquele rádio?” O rádio tocando, can- tando aquelas músicas e cochichando “como é que cabe um homem dentro daquele rádio?”. Quando você via na televisão um casal de namorado se abraçar, se beijar, os velhos que estavam com as filhas mocinhas “sai daqui, ce não pode ver isso, não”. Era uma ignorância tão grande, rapaz. Hoje não, a televisão é a professora de tudo conte ruim. Dentro da televisão tem tudo conte não presta.” “o meu nome de pequeno é José Sátiro, mas tinha guardado o nome indígena. O sobrenome foi meu pai mais minha mãe…José Sátiro do Nascimento, porque nasceu tem que dar nascimento mesmo, né” 93

“Teve um padre que perguntou se eu era formado. Ce acredita em Deus que eu nunca fui numa escola, não tive chance de estudar, porque meu pai é analfabeto, minha mãe analfabeta, meus avos tudo analfabeto. Quando eu falava pro meu pai em estudar, meu pai dizia: oh meu filho, ce não combina com peste de escola não, mas fez bem eu não estudar, fez bem mesmo porque se eu tivesse estudado, sei lá, eu era o satanás, não era gente não. Eu aprendi muito com esse professor chamado mundo, não tem professor maior”. “Aquela seca que deu lá em São Paulo, seca está tendo me convidaram aqui, vinha eu, índio e júnior, aí meu telefone tocou, aí um pessoal do Geraldo governador de São Paulo me convidando pra fazer a dança da chuva lá em São Paulo, perguntando quanto é que eu queria pra ir fazer a dança da chuva lá em São Paulo. Disse meu amigo, eu faço a dança da chuva, mas quem manda nesse mundo chama-se nosso senhor Jesus Cristo, não é eu não. Digo culpado é vocês, vocês já viram uma terra que é molhada com sangue humano não ter castigo, Deus está mostrando que ele existe, agora vocês que não estão sabendo que ele existe” Cacique José Sátiro sobre sua história de vida. “Pedro Alvares Cabral, né, chegou nesse Brasil, fez a limpa e ainda tem na história do Brasil, que eu não combino com isso, descobrimento do Brasil, que isso? Os índios eram ricos, tinham tudo dentro da sua aldeia, hoje coitado sem nada” 94

Ao Guerreiro José Sátiro do Nascimento, que um pouco de sua história fique registrada para sempre nas páginas desse livro e que sua sabedoria possa ser espalhada como pequenas sementes que brotam nas florestas, espalham-se pelos rios e recebem a energia da vida. Hoje você também é semente, semente plantada na Terra, afinal, a Terra é nossa casa e todos fazem parte de uma mesma família. Adriana M. Imperador 95

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A TERRA É NOSSA CASA Comunidade Xucuru Kariri do Município de Caldas / MG A Terra é nossa casa Comunidade Xucuru Kariri do Município de Caldas / MG Org.: Adriana Maria Imperador Ana Carolina Costa Nogueira


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