Gastronomia: da tradição a inovação 06211 - Comércio de Mingau no Centro de Salvador-BA: Um Estudo Junto as Baianas Vendedoras em Tabuleiro Isaac Santos¹, Isabela Santos¹, Daniel Maia¹, Áquila Mattielo², José Góes³, Ryzia Cardozo³. 1. Iniciação Científica - Escola de Nutrição - Universidade Federal da Bahia, [email protected] 2. Programa de Pós-Graduação em Alimentos, Nutrição e Saúde - Escola de Nutrição - UFBA 3. Departamento de Ciência dos Alimentos - Escola de Nutrição - Universidade Federal da Bahia Palavras chaves: cultura local, comida de rua,segurança alimentar. INTRODUÇÃO excluídos da população vendedoras menores de 18 anos e em todo o O comércio de rua está caracterizado na sua maioria pela percurso, foram entrevistadas 17 vendedoras. informalidade e abrange diversos setores, e geralmente injeta valores Para coleta de dados foi aplicado questionário semi- significantes na economia local. O segmento alimentício é responsável estruturado, contendo questões divididas em seis blocos: identificação, em parte pelo crescimento econômico local e a comida de rua como características socioeconômicas da vendedora; trajetória e tradição no destaque, talvez por ser de fácil preparo, venda diária constante, trabalho; características da estrutura de venda, aquisição e adesão da população, custo acessível dentre outros (1). armazenamento dos alimentos; condições higiênico-sanitárias e Em cidades com marcante miscigenação cultural, existe questões de percepção. uma grande influência na cultura local onde a economia gerada está Os dados oriundos foram tabulados e processados em banco de dados, aliada a riqueza cultural ali existente, de tal modo que são apreciadas pelo uso do “StatisticalPackage for the Social Sciences” – SPSS, as iguarias tipo: acarajé, abará, mingaus, cocadas, cuscuz de tapioca, v.13.0, contemplando a análise descritiva. dentre outros, tanto pela população nativa quanto a visitante (2). Em observação a requisitos estabelecidos pela Resolução O mingau comercializado no centro histórico de Salvador trata-se de 466/12 (BRASIL, 2012), esse projeto foi submetido ao Comitê de preparação de origem indígena, na qual era usada a carimã ou a goma Ética em Pesquisa (CEP) da Escola de Nutrição, da Universidade de mandioca (tapioca) mexida em água fervente, porém na Bahia a Federal da Bahia (Parecer 730.147) e com a finalidade de garantir, a cultura africana adicionou outros ingredientes típicos do estado como ética na pesquisa, foi utilizado o Termo de Consentimento Livre e leite de coco, açúcar e sal. Hoje em dia este comércio é uma tradição Esclarecido (TCLE) para os indivíduos envolvidos. onde as baianas de mingau montam seus tabuleiros nas primeiras horas do dia em pontos estratégicos, atendendo ao público, tanto de RESULTADOS E DISCUSSÃO trabalhadores, quanto turistas e moradores, complementando este Trabalho, tradição e modernidade serviço com a oferta de outros itens do café da manhã (3). A média de anos na atividade foi de 16 anos, variando Com relação à venda de mingau no centro histórico de entre 2,5 e 30 anos, com jornada de trabalho de 4 horas diárias e a Salvador, são encontrados diversos tabuleiros de baianas que vendem maioria das vendedoras de tabuleiro só vendiam mingau entre a diversos alimentos do café da manhã tais como cuscuz de milho e de segunda e a sexta feira, reservando o final de semana para o lazer e a tapioca, bolo de milho, aipim e carimã, mingau de milho, tapioca, família. aveia, e também mungunzá (2, 3). Estudos recentes publicados pelas nações unidas Tabela 1. Características do trabalho das vendedoras de mingau em mostraram que mulheres são, com freqüência, responsáveis pela venda bairros do Centro Histórico de Salvador-BA, 2014/2015. da comida de rua, e a renda gerada neste comércio, geralmente, é usada para sustentar suas famílias (4). Características Distribuição Visto que mingau comercializado nas ruas de Salvador Tempo de trabalho na atividade (anos) representa um complemento no café da manhã do público que Média (amplitude) 16 (2,5 – 30) freqüenta o centro histórico ao tempo em que favorece um ganho de renda extra para as referidas trabalhadoras, este estudo tem por Jornada de trabalho (horas) objetivo, caracterizar o comércio de mingau no Centro de Salvador- Média (amplitude) 4 (2:50 – 6) BA, na perspectiva das vendedoras, no contexto do trabalho e da Dias trabalhados (%) segurança alimentar e nutricional, justificando assim a importância Segunda a sexta-feira 58,8 das vendedoras de mingau no seguimento da comida de rua. Segunda a sábado 17,6 Todos os dias 23,5 MATERIAL E MÉTODOS Local de venda (%) Este trabalho delineia-se como um estudo transversal, descritivo e exploratório sendo parte integrante do projeto “O Apenas em um ponto 94,1 comércio de mingau no centro de Salvador-BA: tradição, trabalho e Em outros locais 5,9 segurança alimentar”. Este estudo é de base populacional, e os bairros selecionados intencionalmente foram Comércio, Pelourinho, Centro, Os principais motivos referidos para a inserção no Campo Grande e Canela, devido às características peculiares como, comércio de comida de rua incluíram: oportunidade de trabalho grande número de escolas, comércio, serviços, hospitais e clínicas, o (38,9%), fonte de renda (27,8%) e independência financeira (11,1%), que proporciona um intenso fluxo de pessoas. Fez-se a identificação tradição (11,1%) e o que sabe fazer (11,1%). A herança de pais e avós, das vendedoras de mingau, que foram informadas sobre o propósito a riqueza cultural que permanece no típico tabuleiro, seus quitutes, do estudo no período de agosto de 2014 a janeiro de 2015, onde dentre outros, foram descritos por Catarino (5), estudando tema ocorreram as entrevistas das vendedoras de mingau. semelhante. Como critério de inclusão, foram consideradas vendedoras Identificação e características socioeconômicas das vendedoras de mingau, mulheres que comercializam o mesmo em locais públicos, A maioria (66,7%) das vendedoras afirmou que são chefes de família com ou sem licença para comercialização, mingau para consumo sendo que 50% destas têm o 2º grau completo. 61% são solteiras com imediato ou posterior e que não sofreram processamento. Foram idade entre 25 a 71 anos, em contrapartida o maior percentual tem renda entre 1 e 3 salários mínimos. A presença de mulheres vendedoras de mingaus em tabuleiro é marcante na capital baiana e 01
Gastronomia: da tradição a inovação remota desde o império português tendo como destaque a cidade do Sobre as condições de higiene dos tabuleiros, a maioria (55,6%) tinha Salvador, Rio de Janeiro e Recife, onde fora praticada venda bom aspecto higiênico, 38,9% e 5,6% ruim. exclusivamente por escravas e seus descendentes de acordo com Entre as entrevistadas, (55,6%) informou dispor de água no Rodrigues et al (7). A Associação das Baianas de Acarajé e Mingau local de venda, no entanto, não havia água corrente. A água disponível do Estado da Bahia (ABAM), em seus registros, informa que 70% das era usada para lavar as mãos (50%), para lavar os utensílios (50%). À vendedoras associadas assumem inteiramente suas famílias, citado por origem da água era proveniente dos domicílios das vendedoras em Catarino num estudo sobre o reconhecimento do ofício das baianas de 71,4% dos casos, e 28,6% de um estabelecimento próximo. A água era mingau e acarajé na capital baiana (5). acondicionada, principalmente, em garrafas plásticas (66,7%) e outros Tabela 2. Características socioeconômicas das vendedoras de mingau recipientes (33,3%). Estudos recentes feitos por Rodrigues et al e em bairros do Centro Histórico de Salvador-BA, 2014/2015. Silva et al, (7,8), analisando a origem da matéria prima dos alimentos comercializados constataram que 22,7% eram oriundos de feiras livres, já no presente estudo 66,7% eram adquiridos nas feiras e 33,7% Características Distribuição em supermercados e atacadistas, fato este que denota uma maior Idade (anos) probabilidade de aquisição de produtos contaminados. Os mesmos Média (amplitude) 48 (25 – 71) autores afirmaram que 97,6% dos vendedores manipulavam o Formação escolar (%) alimento e o dinheiro ao mesmo tempo, e 72,6% afirmaram lavar as 1° grau incompleto/ completo (5,6/ 38,9) – 44,5 mãos no ponto de venda, resultados esses que se assemelham com o 2° grau incompleto/ completo (16,7/ 33,3) – 50 presente estudo. Sobre higiene do vendedor, 49,8% não portavam Superior incompleto 5,6 adornos, 44,6% tinham as unhas aparadas e limpas, 32,2% usavam Estado civil (%) roupas claras e limpas, 29,4% estavam com o cabelo protegido e 7,6% Solteiro 61,1 dispunham de luvas, o que difere das vendedoras quando se trata da Casado/União estável 33,4 Viúvo 5,6 higiene pessoal no atual estudo, exceto, no item vestimenta limpa e clara, que obteve maior percentual. Chefe de família (%) Sim 66,7 Não 33,4 Renda familiar (%) < 1 SM* 16,7 1 a 3 SM 72,2 3 a 5 SM 11,1 A escolha especifica pela venda de mingau, para a maioria Figura 2. Distribuição (%) das vendedoras de mingau no Centro das vendedoras (50%) resultou de ser uma tradição familiar. Outros Histórico, quanto aos requisitos de higiene pessoal 2014/2015. motivos indicados compreenderam: facilidade de preparo (22,2%), compatibilidade do horário de trabalho com outras atividades (11,1%), CONCLUSÔES e demanda de mercado (5,6%). Quanto à organização do tabuleiro, as É marcante o comércio de mingaus em Salvador e as mulheres são as seguintes respostas sintetizam o motivo de elas arrumarem o tabuleiro representantes desse segmento. Há uma contribuição dessa comida de e os caldeirões com panos com renda/babados brancos: “por causa da rua para a alimentação do público que frequenta o centro histórico, e tradição”, “convida a tomar café de manhã”, “branco é limpeza”, maior atenção no que diz respeito aos requisitos higiênico-sanitário “atrai mais clientes”, Leal et al e Silva et al (1,7) destacam a deve ser dada, visto que a comida de rua representa possíveis importância da venda com tabuleiros caracterizados, como um contaminações. Contudo existe a necessidade de um maior elemento de extrema importância para as vendedoras assim como os reconhecimento e valorização para manter esse comércio, uma vez enfeites, a arrumação, os utensílios, os quitutes comercializados dão que estão relacionados com a cultura local e a melhoria da renda. um sentido histórico e cultural. Mingaus de milho e tapioca estavam presentes em todos os pontos, REFERÊNCIAS mugunzá em 94,4%, aveia em 83,3% e carimã em 66,7%. Segundo as 1. LEAL, C.O.B.S.; TEIXEIRA, Carmen Fontes. Comida de rua: um estudo crítico e baianas o mingau mais vendido foi de milho (61,1%). Todas multirreferencial em Salvador-BA-Brasil.VigSanit Debate 2014; 2(04): 12-22. Salvador. Disponível em: www.visaemdebate.incqs.fiocruz.br/index.php/visaemdebate/article/. Acesso comercializavam outros itens do café da manhã como: bolo café com em 26 jan. 2015. 2. GUIMARÃES, Roberta Sampaio Objetos, sistema culinário e candomblé: o patrimônio das 'baianas de acarajé' Relig. soc. vol.32 nº1 Rio de Janeiro 2012. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-85872012000100012&script=sci_arttext. Acesso em 26 jan. 2015. 3. RADEL, G. A cozinha Africana da Bahia. 2. Ed. Salvador: O autor, 2012. 480p. 4. WHO. Division of Food and Nutrition. Essential safety requirements dorstreet-vendedfoods (Revised edition).1996. Disponível em: www.who.int/fsf/96-7.pdf. Acesso em 12/10/2011. 5.CANTARINO, Carolina. Baianas do acarajé: uma história de resistência. Revista Eletrônica do Iphan (ISSN: 1809-3965). Disponível em: www.dc.mre.gov.br/imagens-e- textos/revista-textos-do-brasil/portugues/revista13-mat16.pdf>. Acesso em: 18 jul. 2015. 6.RODRIGUES et al.O comércio de comida de rua no centro histórico de Salvador – BA: caracterização da oferta de alimentos e aspectos higiênico-sanitários. Segurança Alimentar e leite ou puro. Verifica-se também a venda de alimentos tradicionais Nutricional, Campinas, 21(1): 347-358, 2014. Campinas, 2014. Disponível em: www.unicamp.br/nepa/sa. Acesso em 18 jul. 2015. como o cuscuz de tapioca, de carimã, arroz doce e lelê, observados 7.SILVA et al. Condições higiênico-sanitárias do comércio de alimentos em via pública em num estudo semelhante conduzido por Soares e Eloy (8,9). um campus universitário. Alim. Nutr., Araraquara v. 22, n. 1, p. 89-95, jan./mar. 2011. Figura 1. Distribuição das vendedoras de mingau no Centro Disponível em: serv-bib.fcfar.unesp.br/seer/index.php/alimentos/article/viewFile/.../1072. Acesso em 25 jan. 2015. Histórico, segundo à oferta de itens do café da manhã, 2014/2015. 8. SOARES, Cecília Moreira. AS GANHADEIRAS: mulher e resistência negra em Salvador no século XIX. Disponível em: http://www.afroasia.ufba.br/pdf/afroasia_n17_p57.pdf: Acesso em 26 jan. 2015. Características higiênico-sanitárias 9. ELOY, Antonia Lucia de Souza, REIS, Renata Ramos Vieira dos. A comida de rua como Todos os pontos não havia pessoas distintas para manipular ferramenta na preservação dos alimentos tradicionais. Universidade Federal de Sergipe, o dinheiro e o alimento, mesmo nos pontos onde havia mais de uma Sergipe, 2012. Disponível em: www.grupam.net/anais-do-i-seminario-sobre-alimentos-e- pessoa para atender ao consumidor. A observação dos hábitos manifestações-. Acesso em 20 jul. 2015. higiênicos das vendedoras no atendimento ao cliente foi classificada como bom atendimento para 66,7% e regular (33,3%) as demais. 01
Gastronomia: da tradição a inovação 06223 - ORIGEM E EVOLUÇÃO DO BOLO DE CASAMENTO NA CULTURA OCIDENTAL Dalila Rodrigues, Bacharel em Gastronomia pela Universidade Federal do Ceará [email protected] PALAVRAS CHAVE: matrimônio, celebração, surgimento da tradição, bodas reais, mise en scène. INTRODUÇÃO e a evolução na tecnologia dos fornos caseiros. Mas, acima de tudo, o A tradição de celebrar ocasiões especiais com bolo é bem remota, bolo começou a ser cercado de superstições e rituais: compartilhar o desde a Palestina, há mais de 7000 anos antes de Cristo. (1) Seguindo bolo com a família e amigos aumentava a fecundidade e fortuna; a essa linha de pensamento, o bolo de casamento é, ainda hoje, a noiva que preparasse seu próprio bolo estaria trazendo má sorte para principal guloseima de uma festa quando duas pessoas se unem em si; provar o bolo antes do casamento significaria a perda do amor do matrimônio. As primeiras notícias que se têm da confecção de bolos marido, enquanto um pedaço de bolo guardado após o grande dia em casamentos vêm da Roma Antiga. O bolo, que mais se parecia garantiria sua fidelidade; os noivos deveriam cortar a primeira fatia com um pão de cevada, era comido pelo noivo e seu restante era juntos e todos os convidados deveriam comer um pedaço do bolo rasgado sobre a cabeça da noiva, simbolizando o domínio masculino como garantia para que o casal tivesse muitos filhos. (3, 4) Além e o rompimento da virgindade da noiva. (2) Os farelos que sobravam disso, alguns bolos eram assados com um pequeno anel de vidro; eram disputados pelos convivas da festa, como símbolo de boa sorte. quem o encontrasse, seria o próximo a casar. (2) (3, 4) Em 1769, Elizabeth Raffald foi a primeira escritora a oferecer a Com o acesso ao açúcar mais facilitado com as grandes navegações e combinação de bolo de noiva, pasta de amêndoa e glacê real. (5) Mas o surgimento de fornos mais confiáveis, os “pães doces” ficaram foi apenas com a Rainha Vitória da Inglaterra (1837-1901) que o mais refinados e parecidos com o que conhecemos hoje como bolo. bolo virou o protagonista na festa de casamento. A própria rainha Apesar disso, o açúcar ainda era muito caro, e quanto mais refinado e Vitória inaugurou a tradição do “casamento branco”, usando um branco era o açúcar utilizado, mais o bolo representava a alta posição vestido branco ao invés dos coloridos que eram costume na época; O social da família que o servia. (2, 3, 4) bolo da rainha também era branco, porém simples, com apenas 35cm Com o passar das décadas, foram acrescentados andares e confeitos de altura. (2) cada vez mais elaborados, e o bolo de casamento passou por muitas transformações. Apesar de tantas alterações, ele continua sendo o Fig. 1. Bolo da Rainha Vitória, em 1840 centro da mesa principal em qualquer festa de casamento na cultura ocidental, como símbolo de tradição mesmo em meio a diversas adaptações, como este trabalho pretende demonstrar. O que hoje é a principal mise en scène das fotos da festa de casamento, mostrando a união e o amor do casal, já foi um símbolo da superioridade do marido sobre a esposa. Por isso é necessário haver um resgate do porquê de algumas tradições, para que a sociedade se aproprie da história da sua própria civilização e possa entender como o passar do tempo e a evolução de uma cultura influencia até mesmo nos pequenos detalhes de uma celebração de bodas. OBJETIVO A intenção deste trabalho é apresentar o surgimento e a evolução de um dos símbolos mais importantes das festas de casamento, o bolo, e elucidar como alguns aspectos desses rituais já obsoletos têm seus significados alterados atualmente, permitindo que, mesmo que o ritual permaneça até certo ponto, seus sentidos são bastante distintos de seus precursores. MATERIAIS E MÉTODOS A bibliografia sobre casamento é um pouco escassa, mas na literatura existente são raras as contradições no que diz respeito às origens do bolo de casamento como conhecemos hoje. As A partir daí também se iniciou a tradição de a primeira fatia do bolo ser cortada pelos noivos, ambos segurando a faca para cortá-la; as principais fontes são sobre os casamentos reais, que coberturas de bolo não eram refinadas e macias, e a noiva tinha revolucionaram a apresentação dos bolos de casamento, dificuldade em cortar as diversas camadas sem a ajuda do noivo. (1) especialmente na Era Vitoriana. (2) Graças a uma revisão O bolo da rainha Vitória tinha apenas um andar, pois não havia a bibliográfica dessas fontes, podemos montar uma pequena linha noção de estruturação de colunas para que os andares se do tempo de evolução da elaboração dessa iguaria. sustentassem. Esse problema foi corrigido no casamento da princesa Luísa, filha da rainha, em 1871, com um bolo de 1,52m de altura. (2) A partir daí, a cor branca foi muito procurada, já que o merengue branco sobre o bolo de casamento simbolizaria pureza e virgindade, RESULTADOS E DISCUSSÃO além do motivo menos nobre: os ingredientes para o bolo de noiva Na Idade Média, os bolos mais pareciam pães e eram adoçados com eram caros, especialmente o açúcar; quanto mais refinado ele era, frutas. Na Inglaterra medieval, os convidados da festa tinham o mais dinheiro havia sido empregado na receita. Assim, quanto mais o costume de levar pequenos bolinhos de presente para o casal e bolo fosse branco, mais era um símbolo de status e realeza. (2, 3, 4) empilhá-los em uma mesa, elevando-se o mais alto possível. Se a Desde a era vitoriana, as bodas reais têm sido replicadas pelos que noiva e o noivo fossem capazes de se beijarem por cima da pilha de não são da realeza, mas querem seguir um padrão luxuoso em suas bolinhos sem derrubá-los, havia o agouro de uma vida de próprias comemorações. Em 1956 aconteceu o casamento que uniu o prosperidade para o casal. (2, 3, 4) Os “bolos” servidos nas festas glamour de Hollywood com a realeza de Mônaco, entre a atriz Grace eram geralmente tortas salgadas, feitas com carne de carneiro, Kelly e o príncipe Rainier. A cerimônia foi transmitida para mais de galinhas, miúdos, nozes e especiarias, conhecidos como “torta da 30 milhões de pessoas pela televisão e o bolo da festa tinha seis andares. (2) noiva”. (3, 4) Apenas no século XVII, os bolos doces passaram a ser feitos nessas Entre os bolos da Família real inglesa, se destacam os das Rainhas ocasiões especiais, principalmente com o acesso mais fácil ao açúcar Elizabeth Mãe e Elizabeth II, mãe e filha; Os dois bolos eram repletos de brasões e detalhes, assemelhando-se a esculturas. O filho 01
Gastronomia: da tradição a inovação de Elizabeth II casou-se com Lady Diana, num também muito As bodas reais inspiram mesmo hoje em dia, com a monarquia famoso casamento, visto por mais de um bilhão de pessoas pela enfraquecida. Pedaços dos bolos da Princesa Luísa e da Princesa televisão. Foram confeccionados 27 bolos para a cerimônia e tudo Diana foram leiloados nos últimos anos, pela raridade e preciosidade levou cerca de quatorze semanas para ficar pronto. (6) Em 2011, o daquele elemento histórico. (2, 7) Atualmente, se observa uma casamento do Príncipe William e de Kate Middleton também foi um tendência à “desconstrução” nos bolos – com os chamados naked grande acontecimento e Fiona Cairns foi a escolhida para fazer o cakes, bolos sem cobertura, mostrando o recheio e a massa – e até bolo dos dois, que teve dezessete andares. (2) mesmo bolos cenográficos. Mesmo assim, o bolo continua sendo o elemento mais importante para o cenário da festa de casamento, Fig. 2. Bolo de casamento da atriz Grace Kelly e do Príncipe Rainier mesmo que mal se conheça a origem dessa tradição, mantendo-se de Mônaco, em 1956 firme e presente nas celebrações de todos os níveis sociais. CONCLUSÕES Ao mesmo tempo em que o bolo de casamento é o centro da festa, desde a Era Vitoriana, nos dias atuais vê-se uma grade tendência à produção de bolos cenográficos, tanto pela praticidade, já que são servidos outros doces durante a festa e evita-se, assim, desperdício, quanto pelo preço, que, graças a um mercado cada vez mais forte no ramo de festas de casamento, vem se encarecendo a cada ano que passa. Alguns especialistas chegam a calcular uma fatia de bolo para cada três convidados, no caso de os noivos insistirem pelo bolo verdadeiro. Mesmo assim, a mise en scène das fotos do corte do bolo é muito simbólica em nossa cultura. Ao mesmo tempo em que há um cuidado com a personalização do bolo, com a procura de profissionais especializados, os cake designers, há também tradições que devem ser cultivadas, mesmo que atualizadas e adaptadas à realidade do casal. A tradição é imprescindível para que a festa seja reconhecida culturalmente como um matrimônio, e não como uma festa qualquer. Assim, alguns elementos devem se fazer presentes, mesmo que não tenham mais seu sentido original – como é o caso do bolo, que hoje não é comumente servido como a sobremesa do jantar, mas é insubstituível para a encenação nas fotos do álbum de casamento. (8) REFERÊNCIAS 1. Verardi, Cláudia Albuquerque. O bolo de casamento ou bolo de noiva. Fundação Joaquim Nabuco, Recife, 2015. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_ content&view=article&id=1087%3Ao-bolo-de-casamento-ou-bolo- Fig. 3. Bolos da Rainha Elizabeth II, em 1947, e da Rainha Elizabeth de-noiva&catid=37%3Aletra-b&Itemid=1> Acesso em 20 abr. 2016. Mãe, em 1923, respectivamente 2. Suplicy, Isabella. Bolos de Casamento. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 2011. 156f. 3. Wilson, Carol. Wedding Cake: A Slice of History. Gastronomica: The Journal of Food and Culture. Disponível em: <http://www.gastronomica.org/wedding-cake-a-slice-history/> Acesso em: 3 maio 2016. 4. Isabel Cake Designer. Tradução livre de “Wedding Cake: A Slice of History”. Disponível em: <http://bellbolosisabel.blogspot com.br/2015/09/desde-aantiguidade-casamentos-costumam.html> Acesso em: 15 jun. 2016. 5. Elizabeth Raffald, The Experienced English Housekeeper. Manchester: J. Harrop, 1769; repr., Southover Press, 1997. 6. Redação Ig Gente. Bolo com 17 camadas escolhido pelo Príncipe William e Catherine Middleton. Gente, 2011. Disponível em: <http://especiais.ig.com.br/iggente/2011/04/29/o-bolo-com-17- camadas-escolhido-pelo-principe-willian-e-catherine-middleton/> Acesso em: 14 mar. 2016. 7. Blog Radar Global. Terceiro pedaço do bolo de casamento da princesa Diana é leiloado. Estadão, 2015. Disponível em: <http://internacional.estadao.com.br/blogs/radar-global/terceiro- Fig. 4. Bolo oficial do casamento de Príncipe Charles e Lady Diana, pedaco-do-bolo-de-casamento-da-princesa-diana-e-leiloado/> Acesso em 1981, e bolo do casamento do Príncipe William e Kate em: 20 maio 2016. Middleton, em 2011 8. Fernandes, Letícia Prezzi. Produções de Casamento Comtemporâneas: Educação, Cultura e Gênero. 2014. 137f. Tese (Doutorado em Educação) Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014. 01
Gastronomia: da tradição a inovação 06261 - A Doçaria Sergipana enquanto Patrimônio Cultural Imaterial 1,2 1,2 Érica Fraga , Janaina Aguiar , Clauberto Oliveira . 2,2 2 1 Universidade Tiradentes, Curso de Gastronomia , Faculdade Serigy/Unirb , Curso de 2 2 Gastronomia ,[email protected] Palavras – chave: Gastronomia, Identidade, Memória. com Gilberto Freyre (5), a sombra dessa lavoura e dessa indústria, INTRODUÇÃO desenvolveu-se uma arte de doces que se situa entre as artes mais importantes da civilização brasileira. Desta forma, tem-se uma A gastronomia brasileira é composta por diversos pratos que são doçaria bastante rica e diversificada, tendo as influências regionais resultantes de conhecimentos tradicionais, e que, com a criação dos enquanto determinante nos tipos de doces identitários de cada lugar, livros de registro do Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, a partir ou seja, os doces também podem ser considerados enquanto elementos do Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000(1), passaram a ser de identidade de uma determinada região, a partir do momento em que reconhecidos como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, fazendo incorpora os elementos locais em sua construção. parte do Livro de Registro dos Saberes e Fazeres, organizado pelo Sergipe, particularmente, existe uma presença forte de alguns IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. elementos locais na construção da sua doçaria, como, por exemplo, a Desta forma, o que é reconhecido no campo da gastronomia não é o mandioca. No município de Lagarto, estimulado pela produção de prato em si, mas o conhecimento tradicional preservado entre aqueles uma alimentação à base da cana-de-açúcar e farinha de mandioca, que dominam a sua preparação, ou seja, os saberes e fazeres em torno tem-se o doce chamado ginete (Figura 01) e o doce pimentinha da comida. A partir do ano 2000, tiveram início as discussões sobre a (Figura 02). construção dos dossiês que iriam levar determinadas comidas e os saberes em torno da sua preparação, a fazer parte desse livro de registro. A primeira foi o Ofício da Baiana de Acarajé, em 14 de janeiro de 2005, reconhecendo um conhecimento tradicional e de referência da cultura negra, em torno do preparo de uma comida. Desta forma, pode-se ressaltar que a partir deste ano, teve início um olhar para a gastronomia enquanto referência importante da cultura brasileira, não só a nível Federal, como também estadual, pois, alguns estados também começaram a despertar o interesse em organizar suas políticas de salvaguarda do patrimônio cultural imaterial, contribuindo para a criação dos livros de registro. No campo da gastronomia, a doçaria também é um elemento muito característico da cultura de um lugar. Muitas vezes é o que desperta a atenção de um visitante, assim Figura 1 – Doce de Ginete Produzido em Lagarto-Se como faz parte do cotidiano, trazendo lembranças, despertando Autor: Érica Fraga (2014) memórias e sentimentos entre os moradores em torno de um simples doce. Gilberto Freyre (2), que analisou a importância do açúcar na formação da doçaria brasileira, ressaltando as influências portuguesa, indígena e africana, destaca que o paladar defende o homem e sua personalidade nacional. E dentro da personalidade nacional, a regional, que prende o indivíduo de modo tão íntimo às árvores, às águas, às igrejas velhas do lugar onde nasceu, onde brincou menino, onde comeu os primeiros frutos e os primeiros doces inclusive os doces e os frutos proibidos. Desta forma, o autor reafirma o papel da doçaria na construção da memória do indivíduo, que relembra cada momento em que se depara com a iguaria.O patrimônio de um lugar também está ligado à memória da comunidade na qual está inserido. Figura 2 – Doce de Pimentinha Produzido em Lagarto-Se De acordo com PierreNora (3), os “lugares de memória”, sejam Autor: Érica Fraga (2014) físicos, simbólicos ou funcionais, em sua dinâmica natural se contrapõem, mas se completam. Complementa Le Goff (4), Embora sejam produzidos no decorrer do ano, há uma intensificação ressaltando que a memória é um elemento essencial do que se costuma da produção, venda e consumo dos doces tradicionais durante a chamar de identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das comemoração da festa da padroeira de Lagarto, muito embora sendo atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje. constatada na pesquisa de campo a presença de um pequeno número Neste sentido, os saberes tradicionais em torno do preparo dos doces de vendedores. É importante ressaltar que esta constatação também também se encontram entre aqueles elementos da gastronomia que deve se estender a todas as cidades, que durantes suas principais devem receber o reconhecimento enquanto expressões do Patrimônio festas, sejam religiosas ou não, é o momento em que ocorre uma Cultural Imaterial Brasileiro. Assim, este trabalho de pesquisa comercialização de doces locais. Algumas cidades, como São apresenta como objetivo analisar os doces que fazem parte da Cristóvão, possuem locais que se tornam referência na gastronomia Sergipana, ressaltando a importância do registro dos comercialização de doces, como no caso da casa da queijada, que fica saberes e fazeres em torno do seu preparo, a partir do momento em localizada num ponto central da cidade. Já na capital, esses doces são que o conhecimento sobre o preparo de muitos doces estão encontrados no Mercado Central, local de forte presença de turistas desaparecendo, sendo urgente o seu registro e consequentemente o em tempos de alta estação. Entretanto, é importante ressaltar que, se desenvolvimento de uma política de salvaguarda. não houver uma política de salvaguarda voltada a proteção dos conhecimentos tradicionais em torno da preparação desses doces, a MATERIAL E MÉTODOS sua presença nestes municípios pode ser prejudicada. Em Sergipe, a legislação para a criação desses livros de registro é de maio de 2016, A metodologia utilizada foi à pesquisa bibliográfica associada ao ainda muito recente. Isto representa um passo importante para a trabalho de campo, resultado de visitas a feiras livres e espaçosonde construção de uma política de proteção dos bens culturais de natureza doceiras comercializam seus produtos nos municípios de São imaterial, onde está inserida a gastronomia. Cristóvão, Aracaju e Lagarto. CONCLUSÕES RESULTADOS E DISCUSSÃO Com o estudo in loco, a partir da observação das feiras livres e demais A cana-de-açúcar foi responsável por transformar a doçaria brasileira momentos e locais onde ocorre a comercialização dos doces em um rico processo de interpenetração de culturas, onde, de acordo sergipanos,constatou-se que as referências a presença da doçaria se 01
Gastronomia: da tradição a inovação misturam as memórias a celebrações, aos hábitos alimentares trazidos de um Brasil colonial, com a forte presença do açúcar, da mandioca e 2. Freyre, Gilberto. Açúcar: uma sociologia do doce, com receitas de das especiarias. Como patrimônio imaterial, trata-se de representações bolos e doces do Nordeste do Brasil.5. ed. São Paulo: Global, 2007. importantes da identidade cultural do estado, sendo necessário o estabelecimento de políticas de salvaguarda de todo o conhecimento 3. Nora, Pierre. Entre memória e história. A problemática dos lugares. tradicional associado a produção desta doçaria. Trad. Yara Aun Khoury. In: Revista Projeto História.São Paulo: Pontifica, Universidade Católica, nº 10, 1993. p. 7-28. REFERÊNCIAS 4. LeGoff, Jacques. História e memória. Campinas: Unicamp, 1990. 1. BRASIL. Decreto nº3. 551, de 4 de agosto de 2000, institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem 5. Freyre, Gilberto. Açúcar: uma sociologia do doce, com receitas de Patrimônio Cultural Brasileiro, cria o Programa Nacional do bolos e doces do Nordeste do Brasil.5. ed. São Paulo: Global, 2007. Patrimônio Imaterial e dá outras providências. 01
Gastronomia: da tradição a inovação 06298 - Elementos Gastronômicos Histórico-culturais em Desuso na Microrregião de São Raimundo Nonato, Piauí 2 1 3 Lucas de Macêdo Negreiros , Gerlane Dantas da Silva , Nívia Paula Dias de Assis 1 Tecnólogo em Gastronomia, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus São Raimundo Nonato (IFPI-SRN), [email protected] 2 Especialista, professora do IFPI-SRN 3 Mestra, professora da Universidade do Vale do São Francisco, Campus de São Raimundo Nonato Palavras-chave: patrimônio imaterial, cotidiano, utensílios. INTRODUÇÃO pesquisados. Além disso, nossa metodologia se utiliza de levantamento bibliográfico e documental, a fim de trazer um Este trabalho serve como contribuição ao estudo das práticas aprofundamento teórico acerca da Gastronomia e do seu gastronômicas locais e microrregionais do entorno de São Raimundo desenvolvimento na região Nordeste e na microrregião de São Nonato, Piauí. Nosso enfoque traz a evolução, as tradições e o desuso Raimundo Nonato, ligando-a a temática do Patrimônio Imaterial. de determinados saberes e fazeres relacionados à alimentação da população dos locais pesquisados. RESULTADOS E DISCUSSÃO Nesse sentido, entendemos a Gastronomia como um saber que abarca aspectos os mais variados, desde cenários, costumes e transmissão Com base nos resultados da pesquisa, organizamos as análises no que intergeracional de conhecimentos até técnicas, aparatos e hábitos diz respeito a temática em três tópicos: I. aparatos e utensílios; II. alimentares, todos eivados da cultura, da economia e das práticas formas de conservação e preparações; e, por fim, III. preparos e sociopolíticas do local e do exógeno. Nossa abordagem corrobora pratos típicos regionais em uso-desuso. com o pensamento dos seguintes autores (1,2,3,4). Quanto aos aparatos, estiveram presentes nas falas dos sujeitos i. o Para compreendermos o desenvolvimento da Gastronomia local e biaribi, ii. a trempe, iii. o fogão a lenha e iv. o engenho e a casa de microrregional, retrocedemos às bases civilizacionais do Brasil e do farinha. Nordeste, ao abordar as contribuições de indígenas, brancos e negros Regionalmente, o biaribi é conhecido como ‘assado na terra’ ou na culinária e ao estudar o surgimento da civilização do açúcar ‘assado no chão’, e é uma espécie de forno subterrâneo de origem decorrente dos engenhos de cana-de-acúcar e da pecuária, indígena, desconhecido pela maioria dos entrevistados da terceira especialmente a bovina, no interior nordestino, atividade econômica geração. Dentre os entrevistados, 72% possuem alguma lembrança esta fundante do Piauí (5,6,7,8). A cultura decorrente de ambos os desse aparato, percentual que cai para 48% quando foram indagados fatores foi transmitida para São Raimundo Nonato. sobre seu uso. Desse modo, o saber fazer local que manipula os elementos A trempe utilizada por indígenas desde os primórdios e por eles gastronômicos existentes, alguns em toda a região Nordeste e no nomeada como itacurua, também é outro aparato que caiu em desuso Brasil, de modo geral, configuram a relação entre a população e o com o tempo. Quanto à trempe, 75% já ouviram falar dele e 63% já a ambiente natural e humano que a cerca, constituindo a base do utilizou, seja no cotidiano do século XX, seja em situações patrimônio imaterial local (9), que entendemos como as práticas esporádicas e/ou de lazer. presentes no cotidiano gastronômico e materializado em utensílios, O fogão a lenha é mais presente no cotidiano dos entrevistados, já como os utilizados para fazer coscorrão, ou nas casas de farinha, que 74% já o viram ou o utilizaram, seja aqueles que ainda o mantém vinculadas ao trato da mandioca e de seus subprodutos. em uso, seja aqueles que o presenciaram em alguma celebração ou O processo de modernização das práticas gastronômicas em São festividade. Raimundo Nonato ocorreu apenas a partir da década de 1960, quando No decorrer da pesquisa, pôde-se perceber que o engenho e a casa de a indústria alimentícia no Brasil atinge de fato abrangência nacional, farinha não são classificados como aparatos ou utensílios, mas em com a inserção de enlatados, como o quitute, a sardinha, e outros função do saber-fazer relacionado a ambos, mantivemo-los no industrializados, e quando as famílias mais abastadas passaram a trabalho. Logo, 62% dos entrevistados tem algum tipo de memória da contar com produtos eletroeletrônicos, como, por exemplo, as moagem de cana ou da farinhada de mandioca, mas apenas 20% primeiras geladeiras. Outro fator relevante nesse processo é a participaram de alguma atividade correlata a ambos. transformação causada pelo início da transmissão da televisão, no Acerca dos utensílios, os mais citados na pesquisa foram o pilão, de final da década de 1970. Até o início desse processo, o preparo da origem africana, a panela de barro e a panela de ferro. Quanto ao comida é artesanal, com pouca variedade de alimentos. pilão de madeira, recorrente na primeira metade do século XX, 78% Nossa pesquisa teve por objetivo investigar a Gastronomia, em já o viu ou o utilizou, ainda que de forma esporádica. Menos de 20% âmbito local e microrregional, dos municípios de São Raimundo das famílias o utilizam cotidianamente, embora muitos apontem para Nonato, Coronel José Dias, São Braz do Piauí e São Lourenço do o sabor diferenciado dos alimentos que o utilizam. Piauí, ademais das localidades rurais denominadas Serra Vermelha e Sobre as panelas de barro e de ferro, 100% conheciam ou possuíam Serra Branca, na área de influência direta do polo sanraimundense. alguma memória sobre elas, enquanto 62% afirmaram ter consumido preparos ou pratos típicos feitos nelas, até mesmo em restaurantes. MATERIAIS E MÉTODOS Todos apontaram positivamente para um sabor diferenciado nos alimentos preparados em panelas de barro. Nossa metodologia utilizou como instrumento de investigação a Na pesquisa, surgiu um utensílio em desuso: as formas de ferro com história oral e a entrevista, numa abordagem de 100 sujeitos cabo de madeira para fazer coscorrão, especialmente em aniversários. agrupados por famílias, sendo 60 de São Raimundo Nonato, 10 das Embora boa parte dos sujeitos se lembrem do alimento, apenas 17% localidades Serra Vermelha e Serra Branca, 10 de Coronel José Dias, conheciam este utensílio, mostrado na figura 1 a seguir. 10 de São Braz do Piauí e 10 de São Lourenço do Piauí. As entrevistas foram realizadas com classificação de três gerações, a fim de perceber o uso-desuso de tais elementos entre os sujeitos 01
Gastronomia: da tradição a inovação Figura 1. Utensílios para fazer coscorrão - em desuso. Município de função dos processos de modernização decorrentes do consumo de São Raimundo Nonato, Piauí, zona urbana, Centro, 2015. bens industrializados e da perda das práticas vinculadas às casas de farinha. Sobre os bolos, estão em processo de desuso o patriota, a brevidade, o bolo de puba e o coscorrão. Todos eram servidos na merenda, tanto no recinto familiar quanto em momentos festivos ou de recebimento de visitas ilustres. Figura 2: Bolo no fogão à lenha. Tipo de bolo: brevidade. Município de São Braz do Piauí, zona rural: Bom Jesus, 2015 As formas de conservação que apareceram nas falas dos sujeitos foram i. a desidratação ou secagem da carne ao sol, depois de salgada, ii. a carne de porco torrada e guardada submersa em gordura do mesmo animal em latas ou potes de cerâmica vedados e iii. a esteira de umbu. CONCLUSÕES Cabe diferenciar a carne seca da carne de sol – esta fica semidesidratada, com menor tempo para ser consumida. 70% Os elementos gastronômicos apresentados aqui, por meio dos conhecem a carne seca e a diferem da carne de sol, enquanto 62% sujeitos ouvidos, contribuíram sobremaneira para a criação de uma conheceram ou conhecem o processo de conservação da carne seca, identidade própria à microrregião de São Raimundo Nonato. com algum tipo de memória sobre a técnica e processo utilizados. Elencamo-nos em três tópicos: I. aparatos e utensílios; II. formas de Todos possuem algum tipo de memória ou informação básica sobre a conservação e preparações; e, por fim, III. preparos e pratos típicos forma de conservação da carne de sol. regionais em uso-desuso. Com o processo de modernização local a A conservação da carne suína torrada na gordura do próprio animal e partir da década de 1960, os saberes e fazeres relacionados a vedada em latas ou potes de cerâmica foi relatada por apenas 46% aparatos, utensílios, formas de conservação e preparações, e pratos dos entrevistados, o que comprova o seu desuso pelas gerações mais típicos passaram por grandes transformações, com o desuso do novas. biaribi, da trempe, do fogão a lenha, dos poucos engenhos e das casas Por meio de pesquisa documental, foram encontradas informações de farinha, das formas de ferro com cabo de madeira para coscorrão, sobre a esteira do umbu, método utilizado para conservar a polpa do do processo de secagem da carne, da conservação da carne de porco e fruto por mais tempo, especialmente para períodos de seca. Contudo, da esteira de umbu. Isso conduziu a uma alteração considerável no a maioria dos pesquisados não a menciona. preparo de alimentos e até mesmo nos pratos típicos, como a As preparações identificadas na pesquisa foram aquelas referentes i. paulatina substituição da carne seca por carne de sol na paçoca e o à umbuzada; ii. ao beiju de massa; iii. aos bolos; iv. ao cuscuz de progressivo desaparecimento de alguns tipos de bolos, muito pouco milho; e v. à paçoca de carne seca no pilão de madeira artesanal. encontrados atualmente. Boa parte dessas transformações deve-se ao Embora a umbuzada continue a utilizar umbu, leite e açúcar, a forma uso de produtos eletroeletrônicos e à popularização dos mercados, atualmente empregada no seu preparo é bastante diferente daquela em que se pode comprar massa de fazer beiju e cuscuz usada em décadas passadas, quando o umbu era espremido com as industrializados, por exemplo. mãos. Hoje, pode-se adquirir a polpa do umbu em supermercados. Processo semelhante ocorre com o beiju de massa. Antigamente, REFERÊNCIAS misturava-se a massa de mandioca à tapioca, adicionava-se sal e, depois de esfarelada com as mãos, levava-se a mistura a uma pedra 1. BRILLAT-SAVARIN, J. A. A fisiologia do gosto. Trad. Enrique com plataforma lisa sobre uma trempe aquecida, com os dois lados R. R. Guimarães. Rio de Janeiro: Salamandra, 1989. da massa aquecidos. 2. BRAUNE, R.; FRANCO, S. C. O que é gastronomia. 1ª reimp. da Quanto aos bolos, na primeira metade do século XX utilizava-se mel 1ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2012. de rapadura em função da dificuldade de acesso ao açúcar, por 3. COLLAÇO, J. H. L. Gastronomia: a trajetória de uma construção o exemplo. Juntava-o a ovos de galinha e farinha de mandioca ou de recente. In: Habitus, v. 11, n 2, Goiânia: jul/dez 2013. tapioca até dar o ponto e, posteriormente, a massa era colocada na 4. FREIXA, D.; CHAVES, G. Gastronomia no Brasil e no mundo. 2ª forma que assaria o bolo sobre uma chapa em um fogão a lenha, reimp. da 2ª ed. Rio de Janeiro: SENAC, 2012. tampada com um flandre sob brasas. Essa técnica foi reconhecida por 5. CASCUDO, L. da C. História da alimentação no Brasil. 4ª ed. São 52% dos entrevistados, especialmente os que moram ou moraram na Paulo: Global, 2011. zona rural. 6. CAVALCANTI, P. A pátria nas panelas: história e receitas da Entre os pratos típicos, a paçoca de carne seca preparada no pilão cozinha brasileira. São Paulo: SENAC, 2007. raramente é encontrada na microrregião de São Raimundo Nonato. 7. RIBEIRO, B. G. O índio na cultura brasileira. 3ª ed. Rio de Atualmente é processada no liquidificador utilizando a carne de sol, e Janeiro: Revan, 2004. não é mais utilizada como prato principal, sendo servida como um 8. FREYRE, G. Açúcar: uma sociologia do doce, com receitas de dos pratos de carne à mesa. Assim como o cuscuz de milho, antes bolos e doces do Nordeste do Brasil. 5ª ed. São Paulo: Global, 2007. preparado no pilão de madeira e hoje a partir da massa 9. FUMDHAM; IPHAN. Levantamento da cultura imaterial: São industrializada. Raimundo Nonato – PI e macrorregião. Convênio n° 133/2007. São Outro preparo típico, patrimônio cultural local, é o beiju de massa, Raimundo Nonato: Arquivo FUMDHAM/IPHAN, 2007. que também passou por mudanças significativas no preparo em 01
Gastronomia: da tradição a inovação 06308 - Memória e alimentação: Um relato das memórias de práticas alimentares do Sertão do Ceará. Hermano José Filho¹, Rafael Amaral¹, Beatriz Brandão¹, Luiza Manoela Silva² ([email protected]), Fabiana Pereira², Elba Cristina Cunha³. ¹Docentes do Curso de bacharelado em Gastronomia, Universidade Federal do Ceará. ²Graduandas do Curso de Ciências Sociais, Universidade Federal do Ceará. ³Graduanda do Curso bacharelado em Gastronomia, Universidade Federal do Ceará. Palavras-chave: Lembranças. Práticas Alimentares. Interior do Ceará. Introdução interlocutor, nem a do pesquisador, mas o que flui do encontro narrativo de ambos. A alimentação é uma das várias atividades cotidianas dos povos. A comida vai além do aspecto funcional da nutrição e se constitui como Desta forma, o que se pretende não é concluir ou trazer um elemento de comunicação da cultura e da história de um povo. A posicionamento como verdade, mas trazer a resposta que resultou antropologia tem se dedicado ao estudo da alimentação e “(...), desde deste encontro, apresentando, em certa medida, um pouco do que o século XIX, começou a desenvolver uma etnografia sistemática dos tivemos acesso dos sentidos que a interlocutora deu as suas práticas. 1 hábitos alimentares e a buscar interpretá-los culturalmente” . A antropologia da alimentação se apresenta como campo de estudo que Propõe-se, portanto, desvendar alimentos com sua bagagem de enfoca os aspectos culturais e simbólicos das práticas alimentares das técnicas, tradições e histórias de vida, isto é, dar contexto e relevo sociedades, especialmente das escolhas dos alimentos, dos modos de àquilo que denominamos de saber popular, ainda pouco celebrado preparo e das formas de comê-los. dentro da academia. Revelando nossos próprios espaços de não- saber, essas pessoas nos apresentam suas impressões sobre o inverno O presente artigo tem como objetivo apresentar a relação entre nordestino, sobre as sensações que a paisagem imprime, dos tipos e memória e práticas alimentares, apresentando como o relato de uma sabores que o Sertão cearense oferece, do que é considerado saudável experiência individual tece um saber social, onde o que é falado ou não, de um Ceará que não se encontra no supermercado, no comunica a identidade de um tempo e de um lugar. Segundo fornecedor, no balcão de restaurante algum de nossa capital. 6 Montanari , dessa forma, a comida se apresenta como elemento da experiência da identidade humana e uma forma de comunicá-la; no A importância de uma trajetória individual como categoria de contexto deste artigo, acrescentamos que a comida se apresenta entendimento científico está em percebermos uma fala de também como expressão de uma experiência individual de experiência. As narrativas dos indivíduos nos trazem para o campo identidade. das experiências compartilhadas para a construção do social, do campo da produção de um conhecimento cientifico do coletivo. Material e Métodos Resultados e Discussão Tomamos como ferramenta de análise empírica a entrevista de Maria Adélia, uma senhora de 87 anos, nascida em Quixeramobim - CE. Na conversa, Maria Adélia fala de uma comida bem característica da 9 Mesmo tendo vivido a maior parte da sua vida em Fortaleza – CE - e alimentação do Sertão do Ceará , onde se comia do que se plantava e apesar das dificuldades de reconstituir sua memória -, ainda traz se produzia: “tinha muito leite, ‘cansei de tirar leite’, coalhada, muitas recordações do seu passado no Sertão do Ceará, sobretudo das queijo, feijão, arroz, milho. A manteiga, minha mãe era quem fazia. suas práticas alimentares. A senhora conta que viveu na fazenda até Carne era de criação, galinha, capote, peru, carneiro e gado. (...) seus 17 anos, quando foi estudar, pela primeira vez, em uma escola Verdura e fruta tinha pouco, pois era um sertão muito seco e não em Canindé, onde passou 2 anos. Em seguida, foi para Maranguape, dava muito esse tipo de comida. A gente comia fruta e verdura onde cursou o 1º ano ginasial. Após esse ano, veio para Fortaleza- raramente, quando alguém trazia da serra”. Conta que não havia CE, onde se formou em medicina e mora até hoje. distinção entre a comida do jovem, do adulto, da gestante ou da criança, porém a única restrição era chupar manga quando se estava Utilizou-se o recurso de entrevista com base em um roteiro com febre. Fala ainda de suas preferencias alimentícias que eram o semiestruturado. O diálogo desenvolveu-se em tom de conversa, na queijo, a coalhada e a gemada: “As comidas que eu mais gostava era qual ela pôde narrar a história de seu tempo de criança até a o queijo e a gemada. Na hora da merenda, no meio da tarde cada um adolescência no interior do Ceará. O objetivo da aplicação da fazia sua gemada; eu me lembro até hoje do barulho dos garfos, cada entrevista visa à aproximação para conhecer práticas alimentares e a um batendo a sua. (...) cada um pegava o material que precisava para comida desse período da vida da entrevistada. Sobretudo, foi uma fazer e pegava o ovo fresquinho que vinha do terreiro”. Falou ainda estratégia para levantar uma descrição subjetiva sobre como era a da pureza das comidas: “era bem diferente do que é hoje, pois na comida do Sertão do Ceará em meados de 1930. Para o alcance do fazenda não se usava agrotóxico, os alimentos eram muito naturais, objetivo, além da entrevista, parte-se para o recurso da pesquisa nada era industrializado, e pouca coisa vinha de fora. 'Tudo' que se bibliográfica, buscando referenciais teóricos sobre memória, comia era o que se produzia lá”. antropologia e alimentação. 4 De acordo com Hernadez e Arnáiz , as práticas alimentares diárias 3 Tangenciando os pensamentos de Halbwachs , entende-se que o resultam dos padrões culturais, tais como recursos, tecnologia, estudo das memórias fala de uma experiência de encontros relações sociais. A alimentação da interlocutora remete ao interior do narrativos, onde o que se apreende nem é a interpretação narrativa do Ceará do século XX, em que a alimentação de subsistência era o meio de produção da comida. 01
Gastronomia: da tradição a inovação A entrevistada ressaltou que as comidas de sua época, que eram daquele que narra, do mundo repleto de contradições e mitos de feitas pela sua mãe, eram mais saborosas que as de hoje, e que muito nossa existência como sujeitos sociais. lhe apreciava ter a certeza de que era uma comida pura, fresca, sem veneno, diferente da comida de hoje em dia. Nesse sentido, versa A memória narrada se constrói no jogo entre lembranças e 4 Hernandez e Arnáiz que “las personas muestran actitudes hacia la esquecimentos e, no plano dos agentes, no embate entre o que é 5 comida que han sido aprendidas de otras personas dentro de sus lembrado e esquecido, entre o narrável e o inarrável . Seriam, assim, redes sociales, ia sea en la família, entre iguales”. Podemos nos nesse jogo de selecionar e ressignificar as práticas sociais e 7 remeter, ainda, ao que fala Michael Pollan : “Comida também tem a gastronômicas, sujeitos construtores singulares do conhecimento de ver com prazer, comunidade, família e espiritualidade, com nossa experiências compartilhadas. relação com o mundo natural e com a expressão da nossa identidade.” . Falar de comida estimula os sentidos. Apesar das dificuldades de sua memória de curto prazo, Maria Adélia ainda traz muitas recordações O interlocutor ao evocar sentimentos, imagens, sensações, desejos e das suas práticas alimentares. Ao falar da comida de sua época, a significados através de sua fala, ressalta o presente através do expressão do seu corpo, do seu rosto e a sua fala tornavam-na ativa, passado, pois o vivido é diferente do que é narrado e por meio de como se não houvesse nenhuma limitação de sua memória pela suas lembranças é que é possível destacar aquilo que também é clareza com que apresentava os detalhes, como se aquelas vivido no presente. A experiência de falar do passado traz à memória recordações lhe preenchessem de vida e satisfação. aquilo que não se pode viver mais, faz uma conexão com aquilo que se vive no momento, com aquilo que se converte em cotidiano A alimentação gastronômica dá-se pela restauração plena do ser. Não através do trabalho de continuidade e de permanência. se baseia somente em nutrientes como proteínas, carboidratos e vitaminas, mas também deve ser composta por outros elementos mais É possível que quando Maria Adélia fala do passado ela faça uma subjetivos como a cultura, a identidade, a convivialidade e o bem 2 relação muito viva com o presente. Para Dubet , a experiência é a estar. 7 história do sujeito. Para Scott por sua vez, ela é uma trama experimental onde o sujeito refaz seu mundo e em um movimento O relato da memória de Maria Adélia aproxima passado e presente. dialógico e (re)constrói a si mesmo. Sua fala, assim, traz o que ela Os estudos de narrativas de memorias imprimem em nossos estudos pode dizer do agora e não puramente do passado. A memória foi científicos, não um processo de verdades definidas e acabadas, mas ativada pelo presente, fazendo relação entre o que ela comia no versões de uma época, de uma trajetória e uma pesquisa acadêmica passado e o que come hoje, traçando distâncias e aproximações que se intercruzam em um mesmo processo de trajetória social em afetivas, isto é, definindo um referencial da memória. uma mesma experiência não de pesquisador e “objeto', mas de testemunhas de uma vida onde presente passado e futuro articulam Nessa experiência de falar do passado, a realidade vivida pode ser narrativas em movimento de encontros de linguagens. reatualizada, e desta forma, podemos pensar a alimentação atual. Ao falar do queijo e da gemada, suas comidas prediletas, fala de um Referências queijo que não existe mais, ao falar da pureza e do frescor dos alimentos sem agrotóxicos, traz a memória de que hoje não se tem 1. CARNEIRO, H. Comida e sociedade: uma história da tão disponível esse tipo de alimento, como na época dela. Na alimentação.. Rio de janeiro: Ed. Campus, 2003. experiência relatada pode-se perceber a relação da alimentação 2. DUBET, F. Sociologia da experiência. Lisboa, Instituto tradicional e da alimentação contemporânea industrializada que se Piaget,1996. tem maior acesso na cidade. Quando fala que comia do que se 3. HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, produzia, temos a casa como centro de produção e consumo, não só 2003. de consumo como nos dias atuais. 4. HERNÁNDEZ, Jesus; Arnáiz, Mabel. Alimentación e cultura: Perspectivas antropológicas. Barcelona: Ed. Ariel, 2005. Conclusões 5. KOFES, S. Uma trajetória em narrativas. Campinas, São Paulo: Mercado de Letras, 2001. O estudo das memórias e das narrativas parece evidenciar um campo 6. MONTANARI, M. Comida como cultura. São Paulo: Senac São de estudo na antropologia e na gastronomia importante para Paulo, 2008. compreender as relações das práticas alimentares do passado e do 7. POLLAN, M. Em defesa da comida: Um manifesto. Ed. Intriseca, presente. Os sujeitos vão tecendo fluxos de posicionamentos ao 2008. longo do tempo. As memórias assumem um campo de maior 8. SCOTT, J. Experiência. In: SILVA, Alcione Leite; LAGO, Mara intensidade e importância para os sujeitos que as revivem em suas Coelho de Souza; RAMOS, Tânia Regina Oliveira (Orgs.). Falas de narrativas. Nas suas circunstâncias atuais, ao narrarem suas Gênero. Santa Catarina: Editoras Mulheres, 1999. memórias, já não estão sós. As memórias, diferentes do momento 9. BEZERRA, J.A.B. Alimentos tradicionais do Nordeste: Ceará e vivido, são filtradas pelo olhar do sujeito que lembra e, ainda, através Piauí. Fortaleza: Edições UFC, 2014. das descrições, pelo olhar de outros. As narrativas orais parecem apreender os rearranjos simbólicos para os conflitos complexos 01
Gastronomia: da tradição a inovação 06303 - O vinho de dendê em Salvador: história e socioeconômica da seiva na cidade de Salvador/BA até o século XIX. Laiana São Ricardo Bacharelado em Gastronomia, Escola de Nutrição, Universidade Federal da Bahia. [email protected] Palavras Chaves: Bebida, palmeira, fermentação. INTRODUÇÃO Costumes Africanos Manuel Querino 1988 O vinho de dendê ou vinho de palma é uma bebida alcoólica no Brasil fermentada, obtida através da seiva da palmeira do dendê a Elaeis Dendê: Símbolo e Raul Lody 2009 guineensis L., planta nativa da costa ocidental da África, uma das sabor da Bahia palmeiras mais importantes do continente africano, por possuir História da alimentação Luís da Câmara Cascudo 2011 diversas formas de utilização, como a produção gordura, palmito e o do Brasil azeite de dendê (1). O vinho de palma pode ser extraído também de outras palmeiras como Hyphaene sp, a Phaeniz sp, e a Pandanus Lendas Africanas dos Pierre Verger 1997 odoratissimus mais conhecida como coqueiro.(2) O vinho é Orixás conhecido e produzido em alguns países do mundo, como na Índia, O candomblé da Bahia Roger Bastide 2001 Malásia, Indonésia e em diversos países da África como Guiné- Bissau, São Tomé e Princípe, Benin e Angola. A bebida é conhecida A Bahia do século XVIII Luís dos Santos Vilhena 1969 por diferentes nomes, como emu, marafo, malafo, malufú, oguro e mapamá.(3) Viagem gastronômica Caloca Fernandes 2001 A palmeira do dendê chegou ao Brasil por volta do século XVI, com através do Brasil o tráfico de escravos (4), por volta do século XVIII o vinho de dendê já era vendido comumente na cidade de Salvador (1). Dados afirmam que atualmente no estado da Bahia possuem mais de RESULTADOS E DISCUSSÃO 800.000 hectares de dendezeiros, porém a utilização da palmeira do dendê fica por vezes restrita apenas a extração do azeite (4). Já o O vinho de dendê e adquirido através da palmeira do dendê, a Elaeis vinho de dendê é um produto muito pouco conhecido pela Guineensis Jacq, uma palmeira originária do golfo da Guiné e hoje é população da região, mesmo sendo um produto que faz parte da encontrada e quase todos os continentes do mundo, com exceção da construção da história afro-baiana. Hoje trata-se apenas de produto Europa. A palmeira progride em locais onde se encontram condições difundido oralmente de geração para geração por alguns poucos favoráveis para o seu desenvolvimento (4). conhecedores (5). A palmeira do dendê chegou ao Brasil por volta do século XVI, Diante disso o estudo tem como justificativa analisar o vinho de justamente com o principio da chegada dos primeiros povos africanos ao dendê como representante identitário da cultura afro-baiana em país. Durante a travessia entre o continente africano e o Brasil, os frutos Salvador, perpassando pelos seus aspectos sociais e econômicos. Já dos dendezeiros eram servidos como alimento para os africanos que o mesmo é um produto que percorre parte da história e do escravizados. Foram trazidos toneladas de frutos do dendezeiro para o desenvolvimento da cidade. Salvo a sua devida importância para a país pelos mercadores. conservação dos valores religiosos, já que a bebida tem significado Logo após o consumo da polpa dos frutos, as sementes não utilizadas que real para as religiões de matrizes africanas e tragicamente com a eram descartadas em terra, deram origem aos primeiros dendezeiros ocupação de bebidas industrializadas dentro dessas religiões vem brasileiros (4). provocando o afastamento das raízes tradicionais identitárias (6). Existe uma contradição quanto ao termo “vinho de dendê”, como e Além de expandir do uso do dendezeiro, não apenas para a denominada a seiva da palmeira do dendezeiro. Diferentes bebidas produção do azeite de dendê (7). conhecidas pela sua tradição popular muitas vezes são chamadas de O estudo tem como objetivo apresentar os aspectos históricos, “vinho”, embora não sejam processadas tecnicamente como o vinho, ou socioeconômicos e culturais do consumo e produção do vinho de mesmo feitas a partir de uvas. O termo “vinho” no universo das técnicas dendê na cidade de Salvador-BA até o inicio do século XIX, tradicionais de determinada região, refere-se a sumo, suco, ou líquido descrevendo o que é o vinho de dendê, relatando os seus métodos de apurado; é o concentrado de uma fruta, de uma raiz; ou de seiva, como produção, analisar a inserção do vinho de dendê na cidade de ocorre com o como o vinho de mel, o vinho de milho e o vinho de dendê Salvador, revelando os motivos para a estagnação da sua produção (9). No entanto vinho é definido por lei em diversos países como na cidade. exclusivamente uma bebida que resulta da fermentação alcóolica completa ou parcial da uva fresca, esmagada ou não, ou do mosto simples MATERIAL E MÉTODOS ou virgem. No Brasil é proibida a aplicação do termo 'vinho' a produtos obtidos a partir de outras matérias-primas que não seja a uva (10). Por Pesquisa exploratória bibliográfica/documental tanto o vinho de dendê, não é considerado como um vinho pela norma, mas sim como um fermentado, porém para os conhecedores populares, a A Pesquisa tem como objetivo desenvolver, esclarecer e modificar seiva retida da palmeira do dendê é conhecida como vinho, já que a conceitos e ideias, visando à formulação de problemas mais precisos mesmo é uma bebida retirada da seiva da palmeira do dendezeiro (9). ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores. Proporcionando Diferentemente do vinho preparado a partir da uva, o vinho de uma melhor visão sobre o assunto, devido a sua aproximação com o dendê possui cor branca e aspecto leitoso. Existem duas formas para tema (8). a coleta deste vinho, uma com o corte na parte superior da palmeira, Esta pesquisa exploratória foi realizada em forma de levantamento outra com uma incisão no tronco da palmeira. Logo abaixo das bibliográfico e documental, elaborada a partir de matérias já incisões são colocadas as cabaças, que são recipientes utilizados existentes, abrangendo livros, artigos, jornais, revistas, além de para a coleta da seiva. O vinho de dendê está totalmente fermentado bases de dados eletrônicas como Scileo e Brasilana, tendo como entre seis a oito horas. Normalmente o produto é vendido proposito aproximação do tema. Visando compreender os fatos e imediatamente, devido ao seu curto período de vida útil (11). A fenômenos, recuperando informações acerca do vinho de dendê foi fermentação da inicio logo após a retirada da seiva, dentro de uma feita uma revisão bibliográfica a partir de livros, tais como: ou duas horas o nível alcoólico é de até 4%, com um sabor levemente inebriante e doce. Se o desenvolvimento da fermentação Nome do livro Autor/Organizador Ano de for mantido por muito tempo, o processo de fermentação acética publicação assume, tornando o vinho amargo e muito ácido para ser A Cozinha africana Guilherme Radel 2007 consumido, assim o vinho passa a ser utilizado como vinagre. O da Bahia vinho possui uma variação de açúcar de 10 á 12 por cento, com um Ph variando de 7,0 para 4,0, dependendo há quanto tempo à seiva foi retirada da palmeira. As leveduras e bactérias encontradas da 01
Gastronomia: da tradição a inovação cabaça auxiliam na aceleração do processo de fermentação. A na economia. As tradições trazidas pelas nações africanas mudaram fermentação sofre ainda interferência especialmente se existir os costumes não só da cidade, mas também do país como todo. alguma pequena quantidade de resido da seiva deixado na cabaça Estas mudanças estão presentes e influenciam de forma intensiva o (12). cotidiano da população até os dias atuais, fazendo parte da O vinho de dendê é um produto consumido em diversos países da construção cultural da cidade. África e faz parte da sua cultura até os dias atuais. Nesses países o O resultado da pesquisa não foi totalmente conclusivo, apesar de todas as vinho tem a sua importância na religião e na socioeconômica da pesquisas realizadas, não foi possível descobrir o motivo concreto do população. Normalmente nesses países a seiva da palmeira é desaparecimento do vinho de dendê. coletada pelos homens e a venda é feita por mulheres em pequenas Acredita-se que o início da produção do azeite de dendê em maior escala feiras do comercio local. Habitualmente a população que na região, a mudança dos costumes e hábitos dos povos africanos vindos comercializa o vinho de palma, não possui um nível de renda para o Brasil e a falta de técnicas corretas para a armazenagem do vinho, elevado e a venda do vinho de dendê é por vezes uma das poucas desencadearam o desaparecimento do vinho de dendê na cidade de formas de obtenção de renda para aqueles que comercializam. A Salvador com decorrer do tempo. A retirada da seiva causava a morte bebida está também intrinsecamente ligada às religiões de matrizes precoce da planta, diminuindo assim a produção do azeite do dendê, um africanas, a seiva da palmeira é oferecida aos deuses e ancestrais no produto com maior rentabilidade que o vinho. O aparecimento de outras povo africano (7). bebidas como a cachaça desestabilizou ainda mais a produção do vinho Por volta do século XVIII, a palmeira do dendê já estava disposta na de dendê, fazendo com que hoje o mesmo seja apenas parte da memória cidade de Salvador e região metropolitana, utilizada principalmente da pequena parcela da população. (2) para obtenção do azeite de dendê e coleta do vinho. A retirada da seiva do dendê era feita no entorno das concentrações de negros escravos, (4) o vinho era filtrado e engarrafado, para logo depois ser REFERÊNCIAS comercializado, pois o produto não possuía um padrão de qualidade. Naquela época, na cidade Salvador o vinho de dendê era um 1. LODY, Raul. LODY, Raul (org.).Dendê: símbolo e sabor da Bahia. produto vendido comumente nas bancas, junto com outros quitutes 2009. Editora SENAC, São Paulo-SP. produzidos pelos próprios negros, oferecia-se iguarias de diversas 2. CASCUDO, Luís da Câmara. História da Alimentação no Brasil. São qualidades como, acarajés, abarás, angus, mocotós, doces de Paulo: Editora Global, 2011. 4º Edição. infinitas qualidades (2). A venda e produção destas mercadorias 3. UNGERER, Regina. Bebidas típicas dos países de língua portuguesa – eram feitas por negros de ganho, escravos que ganhavam uma ANGOLA. Disponível em: parcela da quantia que arrecadavam com a venda dos produtos que http://eportuguese.blogspot.com.br/2012/04/bebidas-tipicas-dos-oito- comercializavam nas ruas, feiras, praças e áreas portos da cidade. A paises-de.html pequena quantia que recebiam com venda desses produtos, era única 4. OLIVEIRA, Hermano Peixoto. LODY, Raul (org.). Dendê: símbolo e forma de obtenção de renda para os negros de ganho (13), por isso o sabor da Bahia. 2009. Editora SENAC, São Paulo-SP. vinho de dendê, junto com as outras mercadorias tem sua 5. RADEL, Guilherme. A Cozinha Africana da Bahia. Editora Guilherme importância social para aqueles que vendiam, interferindo de forma Radel, 2007. 1º Edição. direta na economia da capital da Bahia (2). O vinho era considerado 6. LODY, Raul. Santo Também Come. Editora Pallas, Rio de Janeiro-RJ, como uma bebida propriamente masculina, a maior parcela dos 2012. 2º Edição. consumidores desse vinho eram os próprios homens negros que 7. BARTLE, Phil. Dendezeiro; comercialização do dendê. 2007. trabalhavam também como negros de ganho, principalmente aos Disponível em: <http://cec.vcn.bc.ca/rdi/kw-absp.htm>. trabalhadores braçais, que lidavam com carregamento de cargas, a 8. GIL, C. Antonio. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: bebida era consumida comumente entre os negros, pois lhes davam Editora Atlas S.A.,2008. 6 º Edição. um pouco de contento trazendo recordação da sua terra de origem 9. LODY, Raul. Afurá. A bebida branca. 2016. Disponível (1). O vinho de dendê também fazia parte do cotidiano dos terreiros em:<http://www.malaguetacomunicacao.com.br/noticia/afura-a-bebida- de candomblé da capital da Bahia, que já era uma tradição nas branca/>. nações africanas. A bebida era oferecida as divindades cultuadas 10. BRASIL. Decreto nº 8.198, de 20 de fevereiro de 2014. Regulamenta pelos negros, na tentativa não perder seus laços culturais com seus a Lei no 7.678, de 8 de novembro de 1988, dispõe sobre a produção, ancestrais (6). circulação e comercialização do vinho e derivados da uva e do vinho. Porém com o decorrer do tempo ocorreram diversas mudanças de 11. KWESI. Palm wine: White Wine Made in Africa/ Le Vin de Palme: hábitos e a produção do vinho de dendê acabou desaparecendo por Vin Blanc Made in Africa. 2011. Disponível em: conta dessas mudanças e hoje é apenas uma lembrança nos rituais <http://afrolegends.com/2011/03/25/palm-wine-white-wine-made-in- religiosos e vendas de rua (1). africa-le-vin-de-palme-vin-blanc-made-in-africa/>. 12. SPANAGEL, Rainer et al. Chronic intake of fermented floral nectar by wild treeshrews. 2008. Disponivel em: CONCLUSÃO http://www.pnas.org/content/105/30/10426.short. 13. GENESTRA, Cinthia Bourget Fortes. Escravo de ganho: uma nova O vinho de dendê faz parte da história e do desenvolvimento da abordagem da escravidão. Disponível em: cidade de Salvador desde a chegada dos primeiros povos africanos a http://historiadorpensante.blogspot.com.br/2013/05/escravo-de-ganho- cidade. A inserção do fermentado na capital da Bahia, junto com uma-nova-abordagem-da.html outros diversos aspectos é um dos fatores de mudança na cultura e 01
Gastronomia: da tradição a inovação 06376 - A Cozinha Brasileira na Visão de Câmara Cascudo, Raquel de Queiroz e Gilberto Freyre. Adriana Siqueira¹, Libia Amaral Corrêa¹, Aline Freire¹, Ireudo Chagas ¹, Virginia Maria de Sousa¹, Matusaíla Macedo¹ ¹Curso de Gastronomia, Instituto de Cultura e Arte, Universidade Federal do Ceará, [email protected] Palavras-chave: culinária, história, Brasil INTRODUÇÃO com a chegada dos portugueses, que trouxeram também as hortas, os rebanhos bovinos, ovinos e caprinos, além das criações de aves, A Cozinha brasileira vem cada vez mais se destacando no cenário como galinhas, podendo assim utilizar os ovos, leite, manteiga. Mais nacional e internacional, com reconhecimento de seus pratos tarde trouxeram o trigo, para o fabrico dos pães, que até então era tradicionais, bem como, de seus insumos, utilizados atualmente por diversos chefs de cozinha, brasileiros e estrangeiros residentes no feito de milho, e frutas como a uva, para a produção do vinho, além Brasil, que buscam valorizar o terroir. (1),(2),(3) das conhecidas especiarias, vindas do oriente, de onde já haviam Contudo, o conhecimento da formação da cozinha brasileira tem sido incorporado técnicas árabes em sua culinária, inclusive com destaque aprofundado no meio acadêmico por pesquisadores das áreas de para a doçaria. Dos africanos Câmara Cascudo mostra a importância humanas, sociólogos, antropólogos e historiadores (4). Porém, dentro da mão de obra explorada nos canaviais e nas casas grandes dos da área da gastronomia observa-se que esse tema, tão importante, que engenhos, marcando a cozinha brasileira com seus temperos valoriza e contextualiza a cultura alimentar brasileira, vem sendo pouco explorado. apimentados e seus angus. Entre os insumos e preparações de Pelo exposto, este trabalho teve por objetivo pesquisar a formação da contribuição africana o autor destaca o leite de coco, o cuscuz, as cozinha brasileira na visão de três grandes escritores brasileiros, Luís bananas, a pimenta, o azeite de dendê e a galinha d’angola. Na da Câmara Cascudo, Raquel de Queiroz e Gilberto Freyre, que se segunda parte da obra o autor focaliza diversos aspectos da culinária aprofundaram no referido tema, explorado brilhantemente em suas brasileira, privilegiando um olhar sociológico. Câmara Cascudo nos obras: História da Alimentação no Brasil, O Não me Deixes e mostra que a feijoada, um ícone da cozinha brasileira é uma herança Açúcar, respectivamente, dentro do ambiente acadêmico de um europeia, dos cozidos portugueses, do cassoulet francês, e de outros Curso de Gastronomia. pratos que misturavam carnes, legumes e verduras. O autor fez uso METODOLOGIA E DISCUSSÃO de um grande acervo bibliográfico para fundamentar seu estudo, utilizando depoimentos de cronistas portugueses dos anos 1500 em A pesquisa é do tipo exploratória qualitativa, feita por meio de diante, descrições de viajantes europeus, e análises históricas dos revisão de literatura, com análise e aprofundamento das obras primeiros escritos sobre os povos da América, mesclando princípios primárias, História da Alimentação no Brasil (5), O Não me Deixes de sociologia, história e antropologia. Assim, o historiador conseguiu (6) e Açúcar (7), bem como, de obras secundárias (4) (8) (9) (10) de forma detalhada descrever os hábitos alimentares e a formação da (11), que exploraram a mesma temática, de forma a apresentar ao leitor a visão dos referidos autores sobre a formação da cozinha cozinha brasileira. brasileira. O estudo foi conduzido na Universidade Federal do Ceará-UFC por O Não me Deixes professores e discentes do Curso de Bacharelado em Gastronomia, pesquisadores que fazem parte do Grupo de Estudo Cozinha A culinária de Rachel de Queiroz é a sertaneja. Nesse livro ela Brasileira - UFC. declara amor a sua terra e ao cearense e homenageia a culinária sertaneja, os pratos feitos no sertão cearense, em especial os História da Alimentação no Brasil preparados na Fazenda Não Me Deixes pelas cozinheiras Nise e Antônia. Ela constrói o livro narrando e descrevendo os insumos e A gastronomia nacional e suas origens e combinações atraíram o receitas típicas das fazendas do sertão de Quixadá-CE, destacando interesse do folclorista Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), o que resultou na obra apresentada aqui, reconhecida como um clássico com muito cuidado suas cozinhas, seus ritmos, suas festas e seus habitantes, estabelecendo um olhar de memória e afetividade, sobre o tema. Escritor das tradições populares, ele discute as práticas alimentares dos povos que formaram o Brasil. Na primeira parte da todavia, com a objetividade peculiar da cronista e jornalista que foi. obra, o autor dá enfoque às heranças que contribuíram para a Sobre as cozinhas fala das que marcaram sua família como a do Não Me Deixes, a da fazenda Califórnia, da casa do Pici em Fortaleza e formação da cultura alimentar brasileira destacando as três raças até da casa do Morro Branco e conecta isso com a tradição das formadoras da nacionalidade brasileira e permitindo fundamentar a cozinheiras, senhoras dos fogões e fornos domésticos. Depois disso discussão do processo de elaboração de uma dieta brasileira a partir ela continua o livro enumerando os principais insumos presentes na da explanação dos gêneros comestíveis e de hábitos alimentares das mesa sertaneja: o queijo coalho, a farinha, o feijão, o milho, tudo diferentes etnias. Em três capítulos distintos: Cardápio indígena, derivado da parca agricultura local; as principais proteínas: o Dieta africana e Ementa portuguesa, Câmara Cascudo examina a carneiro, peru, galinha, capote, pato, todos os bichos da fazenda, fusão dos hábitos que geraram uma sociedade mestiça. Assim, ele criados para o sustento; a caça, sempre presente no sertão, traduzido apresenta a formação da cozinha brasileira, com destaque para os insumos nativos, como a mandioca, que ele denomina “a rainha do pelo peba ou tatu; por fim, os doces e as bebidas, presentes sobretudo Brasil”, de onde os índios fabricavam a tapioca e o beiju, além da nas festas, de casamento, de padroeira, com rapaduras e milhos, bolos e aluás, preparações de dias especiais, aqueles com a doçura farinha, tão presente na mesa de todos os brasileiros até os dias atuais. Juntamente com a mandioca, o milho (consumido na forma de forte peculiar do nordeste açucareiro. Embora o propósito da autora pareça ter sido escrever memórias de sua infância e família, ela acaba mingau, assado, cozido e cauim, uma bebida fermentada) e uma por fazer uma fotografia da culinária cearense sertaneja desde as variedade de frutas silvestres (como a banana Pacova, conhecida personagens dominantes do ambiente cozinha, seus utensílios e como banana da terra) e de diferentes tipos de peixes, frutos do mar e ritmos, até seus insumos, influenciados pelo clima quente e seco, caças se destacam na culinária nativa. Cascudo nos apresenta ainda a pela caatinga, pela escassez, porém, abundante e farta no total forma simples que os índios conservavam e preparavam seus aproveitamento destes, na inventividade do uso do milho ou nos alimentos, utilizando o moquém e o aferventado. Não conheciam sal, nem açúcar, nem a fritura, hábitos de consumo introduzidos somente inúmeros preparos do carneiro, por exemplo. Nas entrelinhas de suas 01
Gastronomia: da tradição a inovação receitas percebemos as hierarquias de classe, a dominação CONSIDERAÇÕES FINAIS econômica, os problemas do homem sertanejo, a família patriarcal e os papéis de cada indivíduo nessa sociedade, tudo isso entrelaçado As obras aqui descritas são de fundamental importância para a com a comida e a forma de se alimentar. Rachel é uma autora compreensão da cultura alimentar brasileira, com destaque para as influências recebidas dos portugueses e africanos, que se misturaram indispensável para se entender o universo que é a comida cearense e aos insumos nativos, formando nossas raízes gastronômicas, muito suas contradições e tempos de seca e cheia, fartura e escassez. bem descritas na obra de Câmara Cascudo, História da Alimentação no Brasil, bem como, do importante e pouco explorado estudo das Açúcar cozinhas sertanejas, como nos presenteia Raquel de Queiroz nos relatos de seu cotidiano, em O Não me Deixes, mostrando que o Gilberto Freyre discorre sobre a cultura do açúcar no Nordeste sertão não é só escassez, podendo ser farto e criativo no que se refere brasileiro. Sua tese sobre a miscigenação de brancos, negros e índios, a culinária, e na mais importante literatura sobre a doçaria brasileira, sob a direção de uma grande propriedade rural, legitima a ideia de o livro Açúcar, de Gilberto Freyre, que nos mostra a importância da construção da nacionalidade e estabelece um patrimônio nacional. O monocultura da cana-de-açúcar influenciando não só a gastronomia, mas tudo que fazia parte da sociedade brasileira colonial. papel da cana-de-açúcar como responsável pela construção da sociedade brasileira patriarcal e como a força de uma “cultura do doce” demonstra a importância que o açúcar teve na formação AGRADECIMENTOS nacional e na doçaria brasileira, que nasceu dessa relação entre a Aos pesquisadores do Grupo de Estudos Cozinha Brasileira da cozinha portuguesa, que já apresentava ampla utilização de açúcar Universidade Federal do Ceará. em sua gastronomia, por herança dos mouros; com a cozinha africana; e com os produtos nativos, como a mandioca, o milho e as REFERÊNCIAS frutas tropicais, combinados com a abundância de açúcar. As 1. ATALA,A. Escoffianas Brasileiras. 1. ed. São Paulo: Larousse, relações sociais construídas na intimidade da casa-grande persistem 2008. v. 1. 532p. ao longo da história. A região açucareira foi onde melhor se 2. CASTANHO, T; BIANCHI, L. Cozinha de Origem. 2. ed. São expressou o sistema patriarcal de colonização portuguesa no Brasil, Paulo: Publifolha, 2008. 256p. representado pela casa-grande, complementada pela senzala. Além da 3. CHAVES, G; FREIXA, D. Gastronomia no Brasil e no mundo. 3. influência direta do açúcar sobre a comida, a cozinha, as tradições ed. São Paulo: Senac, 2014. 320p. 4. MACIEL, M. E.; Uma cozinha à Brasileira. In: Estudos portuguesas de bolo e de doce, o açúcar influenciou indiretamente as Históricos, Rio de Janeiro, nº 33, p. 25-39, 2004. maneiras e os gestos e até mesmo as expressões linguísticas do 5. CASCUDO, L. C. História da Alimentação no Brasil. 4. ed. São português brasileiro. Os doces portugueses foram modificados por Paulo: Global, 2011. 960p. ingredientes nativos e pelas mãos das escravas africanas dando 6. QUEIROZ, R. O Não me Deixes, suas histórias e sua cozinha. 3. origem a uma rica doçaria brasileira com doces que contém excessiva ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010. 120p. quantidade de açúcar, algo que causa repugnância a paladares 7. FREYRE, G. Açúcar, uma sociologia do doce. 1. ed. São Paulo: estrangeiros. Global, 2007. 270p. 8. SILVA, P.P. Farinha, feijão e carne seca: um tripé culinário no Através do estudo da obra de Gilberto Freyre, percebemos que no Brasil colonial. 1. ed. São Paulo: Senac, 2005. 149p. Brasil a influência do açúcar determinou a cultura, a economia e 9. LODY, R. Brasil Bom de Boca. 1. ed. São Paulo: Senac, 2008. moldou a sociedade. Compreender a importância do açúcar no Brasil 424p. Colonial é compreender as origens e tradições históricas do país, 10. DORIA, C. A. Formação da Culinária Brasileira. 1. ed. São onde a cana de açúcar não só impactou a economia colonial, como Paulo: Três Estrelas, 2014. 256p. estabeleceu novas relações sociais, assim a doçaria brasileira 11. CORÇÃO, M. Lembranças e esquecimentos na cozinha brasileira identifica-se como produto da miscigenação que ocorreu a partir proposta por Câmara Cascudo Curitiba, Rev. História Helikon, Curitiba, v.1, n.1, p.77-93, 1º semestre/2014. dessa época. 01
Gastronomia: da tradição a inovação 06426 - A Cozinha Gaúcha: um resgate dos sabores e saberes da Gastronomia do Rio Grande do Sul Autores: Isabel Machado; Tainá Zaneti; Lorena Cândido Fleury; Valdeni Zani; Caio Dorigon; Gabriela Pereira; Palavras-chave: gastronomia, identidade regional, tradição, receitas típicas. 1. SOVANDO O MATE: UMA INTRODUÇÃO ACERCA DOS como a ocupação dos colonizadores espanhóis e portugueses a partir do SABERES, SABORES E IDENTIDADES CULINÁRIAS DO RIO século XVI, a dominação e extirpação indígena, instalação dos jesuítas e o GRANDE DO SUL desenvolvimento da pecuária, o movimento separatista da Guerra dos Farrapos, ocorrida entre 1835 a 1845, e, finalmente, a imigração europeia No estado do Rio Grande do Sul - Brasil, como em grande parte do no final do século XIX dos povos alemães, italianos, pomeranos e país, o reconhecimento do conceito da importância cultural da alimentação poloneses, configuraram não só um cenário social multicultural, mas ainda é incipiente e carece desenvolver estudos para resgatar a historicidade também, um caldeirão gastronômico pautado no saber tradicional dos dos pratos que fazem parte da culinária rio-grandense. Cultura esta que diferentes povos, no hibridismo cultural e na adaptação da alimentação ao abrange, não apenas a chamada culinária campeira, mas as contribuições dado contexto histórico.Segundo Marques e Campos (2013), cada etnia das diferentes etnias que contribuíram para a formação do estado. O deixou suas contribuições para a gastronomia gaúcha. As autoras ressaltam aparente papel estratégico de receitas tradicionais e produtos típicos para o alguns exemplos, como a herança indígena percebida pela utilização da desenvolvimento socioeconômico regional impulsionou a instituição do mandioca e de seus produtos, no cozimento dos alimentos, que era realizado Programa RS MAIS GASTRONOMIA/Casa Civil, do Governo do Estado na tucuruva (trempe de pedras), no moquém (grelha de varas) utilizado para do Rio Grande do Sul, decreto nº 4868, com a finalidade de resgatar, assar carne ou peixe e, finalmente, o mate, difundido como Chimarrão. As pesquisar, catalogar e divulgar os assuntos referentes à gastronomia gaúcha. técnicas do churrasco, prato símbolo do estado e destacado como comida de Este programa, que a t u o u n o p e r í o d o e n t r e 2 0 1 1 a festa por todos os entrevistados, foram adaptadas para carne bovina quando 2 0 1 5 , foi a primeira política pública do país que fomenta a valorização da ocupação dos espanhóis que instituíram a criação de gado, da gastronomia regional brasileira. Assim, o grupo de trabalho referente ao principalmente na região dos pampas gaúchos, situado principalmente ao programa realizou mais de 700 entrevistas com indivíduos de diversas etnias extremo sul do estado e nas regiões fronteiriças com a Argentina e Uruguai. e regiões do estado, em 40 municípios. Com o intuito de obter maior A cultura do gado e das migrações com as boiadas desenvolveu, também, abrangência de munícipios e com o objetivo de formar um banco de dados outro produto emblemático do estado: a carne de charque, carne bovina sobre a cultura alimentar do RS, o grupo de trabalho elaborou, juntamente a cortada em mantas, salgada e seca ao sol, ingrediente principal do arroz de Fundação de Apoio a Pesquisa do Rio Grande do Sul – FAPERGS, um carreteiro, que também ocupa posição de destaque entre os preparos edital de participação e apoio a pesquisa para quatro universidades gaúchas considerados típicos do estado. Os imigrantes italianos introduziram as para a pesquisa da cultura e tradição alimentar do RS, em quatro macro massas recheadas, o galeto al primo canto, a polenta, o salame, a sopa de regiões do Estado. Este artigo é derivado das pesquisas contempladas neste capelleti e o vinho. Dos alemães herdou-se o joelho de porco, as cucas, edital e teve como objetivo verificar o cenário das tradições gastronômicas küschimier, as salsichas, os salsichões, preparos a base de batata e as dos principais grupos etnicos do estado, tendo como recorte para a pesquisa cervejas; e, dos monastérios e portugueses, a produção de doces, de campo, estipulado pelo Programa Mais Gastronomia, a região centro sul, principalmente de ovos, feitos na região de Pelotas. composta pelas cidades: Charqueadas, Jaguarão, Pelotas, Piratini, Rio Apesar da influência das diversas etnias ser tão presente na identidade Grande, Santa Vitória do Palmar, Turuçu e Porto Alegre. gaúcha, em suas várias regiões e na própria capital Porto Alegre, os hábitos tradicionais de cada uma destas etnias vêm sofrendo um processo de 2. OS PERCURSOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA hibridização cultural. Esse processo influencia e é influenciado tanto pela cultura já instalada no Rio Grande do Sul e pelos turistas vindos de outras Para alcançar os objetivos propostos nesse projeto, além de uma equipe localidades do Brasil e do mundo, como, também, pelas mudanças multidisciplinar, se fez necessário o uso de diferentes técnicas de econômicas, tecnológicas e sociopolíticas forçando a sua adaptação ao novo investigação passíveis de serem mobilizadas ao longo dos 8 (oito) meses de contexto e às novas demandas. sua realização, entre maio a dezembro de 2014. Portanto, a pesquisa foi A fim de melhor caracterizar a identidade cultural e alimentar de todos realizada a partir de um conjunto de técnicas de natureza qualitativa. O os municípios estudados, serão feitas as principais observações de cada um levantamento de um conjunto de informações socioeconômicas, deles e, ao final, será feita uma análise geral dos munícipios estudados. demográficas e histórias relacionadas aos elementos constitutivos da Santa Vitória do Palmar - Santa Vitória do Palmar é reconhecida por identidade de cada cidade contribuíram para uma melhor contextualização manter as “tradições gaúchas vivas”, como informa um entrevistado dos casos estudados, para a estruturação de um banco de dados e para “patrão” (presidente) do maior Centro de Tradições Gaúchas – CTG da definição dos atores-chave a serem entrevistados. Realizou-se, também, cidade, que se encontra no bioma Pampa e faz fronteira com o Uruguai. com pesquisa documental e entrevistas semiestruturadas. Foram realizadas Verificou-se que a alimentação da cidade de Santa Vitória do Palmar 50 entrevistas com donos de restaurantes, agricultores, representantes de perpassa as diversas etnias que constituem o município e se une por meio de grupos étnicos e agentes do poder público. Os dados foram analisados com elementos comuns como o butiá, a linguiça, a carne e o charque. A cachaça auxílio do software NVIVO versão 10. e o licor de butiá, o churrasco e a feijoada se mostraram como os pratos mais característicos e marcantes da cidade, sendo muito valorizados e 3. A GASTRONOMIA GAÚCHA ALÉM DO CHURRASCO: OS respeitados por todos os entrevistados. RESULTADOS E DISCUSSÕES DOS DADOS DA PESQUISA Jaguarão - a cidade de Jaguarão recebeu diversas influências por motivos sociais e econômicos. Dentre as principais descendências étnicas da cidade O Rio Grande do Sul é o estado mais ao sul dos 27 estados da encontram-se a espanhola, a portuguesa, a africana e a italiana. Apesar de federação brasileira. Possui uma área de 281.748 km², que comporta 497 ser uma área originalmente habitada por indígenas, não houve nenhum munícipios e 11,21 milhões de habitantes (IBGE, 2016). O estado é relato de descendência desses povos. Os pratos típicos relatados pelos comumente retratado pelas paisagens do bioma pampa, imaginário que se cidadãos entrevistados foram o carreteiro de charque, o feijão e a massa, deve ao romance “O Gaúcho”, escrito por José de Alencar, em 1870, que herança da etnia espanhola que inicialmente povoou a região. Apesar da ocupa 41,32% do território do estado, e pela figura do gaúcho, pilchado, perda da produção da carne de ovelha, que até os anos 1970, segundo os com suas botas, bombacha, lenço vermelho e chapéu. entrevistados, era a principal atividade econômica da cidade, ocasionada Apesar disso, o Rio Grande do Sul é marcado por sua diversidade de pela substituição desta cultura pela produção de grão, principalmente a soja, paisagens e etnias, aproveitando estas particularidades para impulsionar sua a cidade mantem traços da alimentação tradicional, por meio do uso do economia que se baseia, atualmente, na agricultura (soja, trigo, arroz e charque nas receitas. milho), na pecuária e na indústria (de couro e calçados, alimentícia, têxtil, Camaquã- Já no município de Camaquã, foi possível perceber que houve madeireira, metalúrgica e química) (IBGE, 2016). um distanciamento do meio urbano do meio rural. Os entrevistados citaram Primeiramente habitado por indígenas, com destaque para os Guarani, que antigamente compravam os alimentos direto do produtor rural, Pampeanos e Gês (Kaigang) (Marques e Campos, 2013), a história do plantavam vegetais e criavam os seus animais e, que hoje, eles compram os estado, marcada por movimentos migratórios, o configurou como um insumos no mercado, sem se preocupar com a procedência dos mesmos. No território de múltiplas etnias que hoje configuram o povo gaúcho. Fatos que se refere ao prato típico da região, nenhuma preparação foi citada mais 01
Gastronomia: da tradição a inovação de uma vez, provando assim que não existe uma hegemonia quando se trata principalmente na cultura de pimentas e morango. Quando a cidade se desse assunto. emancipou, a gestão municipal à época verificou a necessidade de criar uma Charqueadas -Com relação a cidade de Charqueadas, a mesma mostrou-se marca turística para a cidade, no intuito de incentivar o turismo e novos um tanto heterogênea com relação a gastronomia. Apesar do churrasco ser mercados para o município. Assim, foi incorporado a cidade o título de citado em todas as entrevistas, nenhuma outra receita foi repetida entre os “capital nacional da pimenta”, o que impulsionou uma série de atividades entrevistados. Talvez esse fato se deva a forte presença de imigrantes para consolidar o título. libaneses, uruguaios e afrodescendentes na região, como apontado pelos Apesar destes dois produtos serem destacados como principais peças próprios entrevistados. Além disso a cidade abriga dois assentamentos para a construção da identidade da cidade, estes ingredientes não foram da Reforma Agrária em seu território. Apesar da cidade ter uma forte indicados como parte dos hábitos alimentares dos entrevistados, que ligação histórica com as charqueadas, denominação do lugar onde se destacam o churrasco e a salada de batata seca como os principais preparos produzia a carne de charque, o charque não foi citado em nenhuma da cidade. Apesar de não ter havido nenhum destaque para um prato entrevista como um produto ou preparo típico da cidade. tradicional, foi consenso entre os entrevistados o antigo uso da salmoura Piratini - A cidade de Piratini é um município de relevância histórica e para temperar a carne do churrasco, que era executada na noite anterior ao política para o estado do Rio Grande do Sul, uma vez que foi capital do assado da carne. Os entrevistados afirmaram, porém, que em razão da busca estado e centro da Revolução Farroupilha. Dentre as principais etnias que por praticidade e pelo fato da carne atualmente ser conservada na geladeira, compõe a população atual da cidade destacam-se a portuguesa, a espanhola, essa prática não é mais utilizada. a africana, a italiana e a alemã. Alguns entrevistados se intitularam como da Porto Alegre - Na cidade de Porto Alegre foram realizadas entrevistas com etnia gaúcha, afirmando ser uma mistura de indígenas, africanos e europeus. atores chave de etnias diferentes englobando as etnias Portuguesa, Italiana, Apesar de atualmente o carreteiro de charque ser apontado como o prato Judia, Alemã, Polonesa, Libanesa e ainda a região das ilhas e a região rural típico da cidade, os entrevistados afirmam que não há mais produção que caracterizam a capital gaúcha. Com relação a gastronomia polonesa expressiva de charque na cidade e o mesmo é comprado em sua forma entrevistou-se a dona de um restaurante polonês aonde a mesma cita que as industrializada nos supermercados da cidade. receitas mais emblemáticas de sua família não sofreram alterações apenas Os pratos de descendência africana citados foram a canjiquinha de que antigamente eram feitas para alimentar a família e hoje são feitas milho com costelinha de porco porém que considera como prato típico da comercialmente. Diferentemente a entrevistada de origem portuguesa e cidade o churrasco e o carreteiro de charque feito na panela de ferro. Pouco dona de um restaurante português fala sobre as alterações sofridas nas destaque foi dado aos doces, mas foi consenso entre os entrevistados que as receitas de família. sobremesas da cidade tem herança portuguesa, dando destaque para a Já outro entrevistado de etnia Italiana/Portuguesa/ ambrosia, o pudim de leite e os doces de frutas e de abóbora feitos nos Suíça/Africana/Alemã que gerencia o restaurante fundado por seu pai onde tachos de cobre pelas mulheres. Em relação às ações de preservação e a predominância e preferencia pelos pratos italianos e portugueses eram valorização das receitas tradicionais, os entrevistados comentaram que além frequentes, foi dando espaço ao churrasco e grelhados, como maneira de de alguns poucos restaurantes que fazem comidas tradicionais, sobreviver comercialmente. Na região das ilhas, o entrevistado local, que é principalmente aos domingos, não está sendo feito nenhum tipo de ação líder da associação dos pescadores, se identificou o peixe na taquara como para a preservação dessas receitas. prato representativo seu e do local, bem como o espetinho de peixe. O Rio Grande - As entrevistas com atores-chaves do município de Rio mesmo citou que várias mudanças ocorreram principalmente em função da Grande mostraram que o processo de construção dos saberes constituem poluição das águas que alterou principalmente o tipo de peixe pescado. uma parte da história gastronômica da cidade, marcada pela forte influência Todos os entrevistados de Porto Alegre acham importante a preservação das portuguesa. Observou-se a preservação de técnicas de preparo como no caso receitas, mas a maior parte guarda apenas “na cabeça”, enquanto alguns do peixe na taquara e na produção da cachaça Jurupiga feitas de maneira preservam sob a forma escrita em um caderno ou livro. artesanal, mantendo as tradições ensinadas pelas gerações passadas. Por outro lado, pode-se verificar o oposto, como no caso do restaurante da 4. O MOSAICO GASTRONÔMICO GAÚCHO: ALGUMAS pesquisa, cujo proprietário está sempre atento as novidades na elaboração CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A GASTRONOMIA RIO - dos pratos como a utilização de forno combinado, tecnologia moderna de GRANDENSE cocção, mostrando que a cidade convive com estas duas realidades; a tradição e a modernidade. A partir das entrevistas infere-se que, em meio ao processo de globalização Pelotas - Já a cidade de Pelotas, mostrou-se, uma cidade composta por um e consumo cotidiano de produtos processados, muitas receitas, técnicas e mosaico de culturas que construíram uma identidade multifacetada. pratos tradicionais foram se modificando ao longo do tempo pela busca de Verificou-se uma expressiva porcentagem de libaneses e japoneses, praticidade e pela dificuldade de adquirir os ingredientes típicos, pomeranos, portugueses e afrodescendentes. Em alguns casos, percebeu- principalmente no meio urbano, onde se nota uma desconexão na relação se um esforço para a preservação da identidade étnica, cultural e alimentar produtor-ingrediente-consumidor. No entanto, essas tradições mantêm-se como no caso da entrevistada pomerana em seu restaurante local. Em vivas nos núcleos familiares e nas comunidades, preparadas principalmente contrapartida, os chamados doces de Pelotas, inicialmente de origem aos domingos e dias de festa, manifestando, assim, as tradições que tradicionalmente portuguesa, hoje agregam ingredientes modernos, compõem a identidade dos grupos. industrializados e de diferentes nacionalidades, apesar de ainda encontrar-se locais que mantém a maneira tradicional de preparo. Como cidade Referências Bibliográficas: emancipada de Pelotas, cita-se Turuçu que será referida abaixo. MARQUES, L. A. B; CAMPOS, S. Um pouco da história da culinária do Turuçu - Turuçu é um município que se emancipou de Pelotas há 20 anos, Rio Grande do Sul. disponível em: estando em fase de construção de sua história e cultura, como afirmam os http://www.mtg.org.br/gastronomia.html - Por Lílian Argentina Braga entrevistados. As principais etnias encontradas na cidade são a pomeranas, a Marques e Sônia Campos – Folcloristas. Acesso em 12 de dezembro de alemã, a italiana, a africana e a portuguesa. Apesar da recente emancipação, 2013. a região tem tradição na produção de pequena produção rural, 01
Gastronomia: da tradição a inovação 06440 Rapadura na Região da Ibiapaba: Aspectos da Produção Artesanal e os Impactos da Tecnologia. Allexya Leal¹, Diana Rodrigues² ¹ Acadêmica do curso de Nutrição, Instituto Superior de Teologia Aplicada, [email protected] ² Mestre em Saúde Pública. Docente Curso de Bacharelado em Nutrição, Instituto Superior de Teologia Aplicada - Faculdades INTA. Palavras chave: Cultura Alimentar, Antropologia da Alimentação, Cana-de-açúcar. INTRODUÇÃO materiais envolvidos nas práticas coletivas, derivados da ordem social estruturadora da sociedade; os situacionais e contextuais; os A cana-de-açúcar possui significativa importância histórica na simbólicos e valorativos, que podem ser específicos ou mais construção da economia brasileira, particularmente na Região generalizados e sempre sujeitos a permanências e mudanças (10). Nordeste. A extração da cana possibilitou um forte crescimento A pesquisa foi possibilitada por meio das técnicas da Observação econômico, político e social entre o final do século XIX até o século Participante e Entrevista. XX (1). A técnica da observação participante é geralmente usada na pesquisa Admite-se que as primeiras mudas de cana-de-açúcar chegaram ao qualitativa para obtenção de dados em momentos em que as pessoas Brasil, no ano 1532, com a expedição de Martim Afonso de Souza, se encontram executando atividades em seus cenários naturais, em Pernambuco (2). Daí em diante, o extrativismo da cana-de-açúcar permitindo analisar a realidade e o contexto social (11). Uma das para a fabricação do açúcar e seus derivados, como a rapadura e a vantagens da utilização dessa técnica é a viabilidade de um contato aguardente, em alguns estados do país é considerada expressiva, pois pessoal do pesquisador com o pesquisado ou objeto em estudo, sua produção e abastecimento acontecem por meio dos pequenos e permitindo conhecer as experiências diárias dos sujeitos envolvidos e grandes produtores (3). apreender o sentido que atribuem à realidade e às suas ações (12). Atualmente no Nordeste do país, os locais de produção da rapadura Foram feitas duas visitas a dois locais de produção de rapadura e em atividade são, em grande parte, unidades antigas. A produção é aplicado um questionário com perguntas semiestruturadas, sazonal, feita em geral no período de estiagem (4). No Ceará, objetivando identificar o modo de produção desde a colheita da cana- destacam-se as regiões do Cariri e da Serra do Ibiapaba como de-açúcar até o produto final, a entrevista foi gravada e depois maiores produtoras da iguaria no estado. No que tange as práticas transcrita. Tal instrumento de pesquisa foi direcionado a cinco alimentares tradicionais brasileiras, a rapadura possui grande trabalhadores atuantes na fabricação e a três trabalhadores envolvidos relevância na alimentação do nordestino, sendo consumida no corte e transporte da cana em cada estabelecimento. especialmente como sobremesa, pois segundo o autor Câmara Quanto à categoria impactos da tecnologia na produção de rapadura Cascudo a rapadura foi o doce das crianças pobres, dos homens ao longo do tempo, optou-se por realizar uma entrevista em âmbito simples, regalo para escravos,cangaceiros, vaqueiros, soldados, domiciliar com três ex-produtores. As perguntas versavam sobre as sertanejos e trabalhadores rurais que muitas vezes ingeriam a iguaria mudanças percebidas e obstáculos enfrentados durante o período em pra matar a fome.É usada também como o adoçante do café, do leite, que seus estabelecimentos fabricavam o produto. da coalhada. É consumida com farinha, mungunzá, carne de sol, paçoca, cuscuz, milho cozido. Nos dias atuais o consumo da rapadura RESULTADOS E DISCUSSÕES mostra um mercado em declínio, visto que nas cidades de grande porte da região, a rapadura é comercializada principalmente, nas Produção de rapadura: mudanças e permanências feiras livres e em menor escala em grandes cadeias de supermercados. (5) Antigamente, a atividade mais ampla da economia da região era o De acordo com o Dossiê Técnico de Processamento da Rapadura, seu cultivo de cana-de-açúcar para a produção da rapadura. Nesse processo de fabricação apresenta etapas como corte da cana, período, a rapadura produzida era naturalmente clara e suas transporte, moagem, concentração, clarificação, decantação, características originais em termos de cor e sabor eram preservadas, batimento, montagem e resfriamento (6). pois no cultivo da matéria prima não havia nenhum tipo de adubação A rapadura tem a forma de tijolo, é um alimento com sabor doce e química adicionada apenas insumos orgânicos. cheiro agradável, sólido, obtido pela concentração “a quente” do No entanto, quando a região se tornou um polo agrícola caldo de cana-de-açúcar, ao qual pode ser adicionado açúcar em diversificado, fez-se um grande uso de agrotóxicos e fertilizantes que proporções variadas, dentre outros ingredientes permitidos pela alteraram a característica natural da cana-de-açúcar, influenciando na legislação (7). qualidade nutricional e sensorial da rapadura. Dessa forma, a No contexto sociocultural da Região da Serra da Ibiapaba, a rapadura produzida sofreu diretamente esses impactos, sendo produção artesanal de rapadura ainda persiste e representa um lócus necessário a inserção de aditivos com intuito de manter as que promove a preservação do patrimônio histórico e cultural em características sensoriais iniciais que seriam a clareza e o sabor torno da produção e abastecimento da rapadura como alimento naturalmente adocicado. simbolizado. Nesse sentido, vale destacar que a alimentação humana Os trabalhadores do engenho visitado informaram ainda que alguns está relacionada aos sentidos e significados, bem como a saberes e engenhos da região acrescentam açúcar em algumas situações como práticas construídas no decorrer da constituição das sociedades. um dos artifícios da indústria alimentar para corresponder às Dessa forma, a alimentação conforma-se como o campo das relações exigências dos consumidores que preferem uma alimento com humanas mediadas pela comida. (8). aparência clara, porém deixam de se atentar para aspectos relevantes Partindo da premissa de que a comida configura-se como um espaço como a descaracterização do produto inicial, o que compromete a da expressão da estrutura social das populações (9), a pesquisa da qualidade nutricional e original uma vez que, a rapadura acrescida produção de rapadura aqui pretendida busca descrever processos e de açúcar refinado torrna-se empobrecida nutricionalmente pois ao técnicas inseridos na produção artesanal de rapadura, bem como mesmo tempo em que aumenta o volume de produção reduz a identificar impactos da tecnologia nessa produção. quantidade de nutrientes, traz-se então um quadro de insegurança alimentar por conter ingredientes que os consumidores não são MATERIAIS E MÉTODOS informados e ainda traz insegurança com relação ao meio ambiente devido o uso de adubos químicos. Utilizou-se a pesquisa qualitativa para coleta de dados, pois esta Com o passar dos anos o que mudou, sobretudo foi a estrutura física necessita de aproximação e interação entre o pesquisador e o da fábrica de rapadura que antes era de pau-a-pique, hoje é de pesquisado. A pesquisa abre-se aos conceitos e às hipóteses alvenaria. As moendas do engenho puxadas a boi eram na posição emergentes, que alteram o esboço inicial e provisório do estudo, vertical, duas juntas de bois se revezavam nos turnos manhã e tarde. buscando-se padrões que permitam associar e não apenas descrever, Dessa forma, era extraída uma menor quantidade de garapa criar tipologias ou explanações. Não se descarta os elementos implicando em uma menor produção ao final do dia. Antes da 01
Gastronomia: da tradição a inovação transição tecnológica que vemos hoje, na qual, o engenho é acionado A concorrência desleal do custo de produção artesanal em relação ao através de um motor elétrico houve um período, em que esse sistema industrial prejudica o produtor de pequeno porte, pois ele não tem de moagem era movido a motor a diesel. condições de venda do produto final com um preço competitivo, A despeito da visão romântica da produção artesanal da rapadura ressaltando que o mesmo não possui nenhum tipo de incentivo como uma iguaria que agrega tanto valor econômico quanto cultural socioeconômico que favoreça sua atividade. O poder financeiro da existe uma precarização histórica das condições de trabalho, pois a indústria impulsiona um marketing agressivo e persuasivo vendendo jornada além de exaustiva é subvalorizada chamando atenção para as a ideia do consumo desregrado de alimentos que geralmente são condições de trabalho que as pessoais envolvidas na produção ainda pobres nutricionalmente, dando ênfase ao consumo desses produtos enfrentam nos dias atuais. A jornada dos funcionários da fábrica alimentícios através da mídia com a finalidade de chegar mais inicia por volta das quatro horas da manhã e termina próximo do consumidor, alimentos esses que de certa forma são aproximadamente ás 15h30 podendo ultrapassar e conforme relatos, usados como substitutos do consumo da rapadura. A Tradição a faixa da diária paga por trabalhador varia entre 30 e 40 reias. No cultural e a industrialização de alimentos distancia a relação do ambiente de trabalho, os funcionários são expostos a situações de homem com a natureza através de uma relação de exploração insalubridade pelas altas temperaturas da fornalha, perigo desenfreada com o meio ambiente pelo uso da tecnologia que traz relacionado ao processo de moagem com a colocação da cana malefícios a saúde ambiental e humana. manualmente nas moendas do engenho, bem como a falta de Já o produtor da rapadura não conta com esses artifícios persuasivos equipamento de proteção individual (EPI). e sua venda fica esquecida e desvalorizada até mesmo no município ou região em que é produzida. Até os dias atuais podemos perceber Processos e técnicas de produção que o processo produtivo da rapadura na região é feita com métodos e técnicas rudimentares. A introdução de inovações tecnológicas na Na primeira etapa da produção, a cana madura é colhida geralmente produção não se mostraram suficientes para contribuir com a um ano após seu plantio, em seguida é cortada um dia antes da melhoria da produção nem diversificação do produto final. produção e levada para o engenho no carro de boi, prática tradicional Um ponto importante na fabricação do produto, é que há uma ainda mantida nos engenhos visitados que adotam uma melhor valorização e remuneração maior da mão de obra do servente, pois, relação custo-benefício. Na segunda etapa acontece a moagem da se trata de um ofício que requer uma maior especialização diferindo- cana para obter a garapa que segue para o tacho de recebimento por se apenas do trabalho braçal. A expertise técnica que caracteriza essa meio de um cano de PVC. Os seis tachos são constituídos de cobre e valorização se dá por meio da transmissão cultural entre gerações, ficam sobre as bocas da fornalha que o tempo inteiro é alimentada sendo, portanto, traço do patrimônio histórico da produção de pelo foguista, se utilizando do bagaço da cana já seco. Seguindo no rapadura no campo do estudo. Nesse sentido, uma percepção processo de fervura no qual o trabalhador responsável pelo preparo econômica direta que se vê da produção da rapadura é a do mel, chamado de servente, acrescenta a golda da mutamba empregabilidade gerada no meio rural, na qual muitas famílias são (composto obtido através da casca da planta batida e misturada com envolvidas em toda a cadeia do processo, notadamente sendo um água) para retirar os detritos sólidos. Logo em seguida, acontece a ofício de relevância não apenas econômica, mas também cultural, adição de outros ingredientes como a cal com a finalidade de repassando para gerações futuras, dando continuidade tanto ao engrossar o mel, baixar a fervura e fazer a rapadura endurecer; o consumo do alimento como a produção. azeite da mamona auxilia na obtenção da consistência necessária para o mel virar rapadura, acrescenta-se o hidrossulfito de sódio REFERENCIAS (branquite), produto químico usado para clarear o mel. Com a passadeira o servente transfere o mel para os outros tachos da 1. PÓVOAS; LENINE, C; O Ciclo Do Açúcar E uma Politica de fornalha até apurar, mexendo o mel com uma espátula sem parar, até Mato Grosso: Homenagem Do Instituto Histórico e Geográfico de chegar ao ponto ideal. Mato Grosso Pelos 50 Anos De Efetiva Produção Intelectual E Na terceira etapa o mel já apurado vai para a gamela, que é um cocho Colaboração junto a Instituição (1950-2000) 2a ed.Cuiabá: IHGMT de madeira, no qual o mel é mexido e espalhado pelas bordas da de 2000.p 81. mesma, esfriando até ficar em uma consistência pastosa, a partir daí, 2. MOTA, D. M.; PORTO, E. A. S.; COSTA, J. A.; FRANÇA, R. F. o banqueiro usa um instrumento chamado palheta para fazer a S.; CERRONI, M. P; NÓBREGA, A. A. et al . Intoxicação por moldagem nas formas. Logo após as rapaduras serem enformadas, exposição à rapadura em três municípios do Rio Grande do Norte, são colocadas sobrepostas em um balcão para esfriar e proceder com Brasil: uma investigação de epidemiologia de campo. Saude Soc. 20, a embalagem e armazenamento do produto. O peso de cada rapadura 797-810, 2011. produzida varia entre 250 a 500 gramas de acordo com a encomenda, 3. VOLPATO, L. R. R; Cativos do sertão: Vida cotidiana e influenciando no total de unidades por fardos, pois geralmente cada escravidão em Cuiabá em 1850/1888. São Paulo: Marco Zero; Mato fardo pesa 12,5kg. Grosso: UFMT, 1993. 4. JAMBEIRO, M. B. Engenhos de rapadura: racionalidade do Comercialização tradicional numa sociedade em desenvolvimento. São Paulo: USP, Instituto de Estudos Brasileiros, 1973. 193 p No período chuvoso, o custo de produção da rapadura aumenta e 5. CASCUDO, L. C. Sociologia do açúcar: pesquisa e dedução. 5. muitos engenhos deixam de produzir, porque o bagaço da cana não ed. Rio de Janeiro: Edições UFPE,1971. 121-132p seca e eles precisam comprar lenha para usar como combustível 6. DOSSIÊ TÉCNICO. Processamento da Rapadura. CDT/UnB, aumentando assim o custo de produção. Agosto de 2007. O transporte para comercialização era feito no lombo de animais 7. BRASIL. Resolução-nº 12, de 1978. Comissão Nacional de entre as décadas de 40 e 60. Desde então, o escoamento da produção Normas e Padrões para Alimentos, cana de açúcar e rapaura. Diário ficou mais prático com os meios de transporte automotivos Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 30 mar. favorecendo a venda para locais mais distantes. Antigamente, vendia- 1978. Seção plenária, n. 410. se a rapadura com mais facilidade pois existia uma demanda muito 8. SILVA, J. K. S; PRADO, S. D; CARVALHO, M. C. V; maior hoje em dia, o consumo reduziu drasticamente e a produção só ORNELAS, T. F. S; OLIVEIRA, P. F. Alimentação e cultura como é feita por encomenda. Só recentemente a rapadura passou a ser campo científico no Brasil. Physis Revista de Saúde Coletiva, comercializada também na CEASA da cidade de Tianguá-CE. volume 20, número 2, 2010. 9. CANESQUI, A. M.; GARCIA, R. W. D (Org.). Antropologia e CONCLUSÕES Nutrição: um diálogo possível. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2005. A diminuição do consumo dessa iguaria e sua identificação cultural 10. CANESQUI, A. M. Pesquisas qualitativas em Nutrição e com o processo produtivo vêm sofrendo nos últimos anos a Alimentação. Rev. Nutr. , Campinas, v. 22, n. 1, p. 125-139, influência da industrialização de alimentos e ao êxodo rural que fevereiro de 2009. naturalmente vem transformando a concentração demográfica dos 11. HOLLOWAY, I.; WHEELER, S. Qualitative research for nurses. municípios pólos de produção. Great Britain: Blackwell Science, 1996. 12. LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. 01
Gastronomia: da tradição a inovação 05721 - O Bandeirantismo e a Alimentação da Paulistânia Caipira: um estudo antropológico e sociológico sobre a origem das tradições culinárias sertanejas Antonio Walter Ribeiro de Barros Junior¹ , Bruno Giglioli², Regina Apparecida Silva de Oliveira³ ¹Doutor, Curso de Gastronomia da Universidade do Sagrado Coração, Bauru/SP - [email protected] ²Curso de Gastronomia, Universidade do Sagrado Coração, Bauru/SP – [email protected] ³Especialista, Curso de Gastronomia, Universidade do Sagrado Coração, Bauru/SP – [email protected] Palavras-Chave: Bandeirantes – Paulistânia Caipira – Culinária Caipira - Sociologia da Alimentação - Antropologia Introdução séculos XVII e XIX por meio do Bandeirantismo, tornando possível entender que o espaço do comestível da Paulistânia O caipira paulista surgiu na nossa história proveniente da Caipira foi desenvolvido como escolha deste grupo através miscigenação do índio nativo com o português colonizador. dos produtos vegetais e animais colocados a sua disposição Este tipo regional sertanejo carrega consigo muito da cultura pelo meio natural (4). Portanto, no processo de europeia, além de manter também muitos dos costumes de sedentarização dos antigos seus antepassados nativos (1). A origem dessa cultura está relacionada com as aventuras bandeirantes mata adentro. No sertão brasileiro, esses desbravadores objetivavam encontrar ouro e prata, além de aldeias indígenas, cujas mãos bandeirantes e tropeiros, esta escolha não foi somente escravizadas eram aproveitadas nos trabalhos de homens adaptativa, mas observou a característica de assentamento em brancos. Posteriormente, uma parte dos pequenos sítios ou bairros que possibilitaram hábitos semelhantes aos bandeirantes dedicou-se à agricultura para subsistência, dos antigos bandeirantes, o que, por sua vez, viabiliza esta fixando-se nas terras do sertão paulista e iniciando a análise sociológica da criação de uma “identidade alimentar” formação de agrupamentos chamados sítios ou bairros (2). (5). Este estudo, por meio do qual se investiga as origens da O espaço do culinário representa, ao mesmo tempo, um culinária da região conhecida como “Paulistânia Caipira”, faz espaço no sentido geográfico do termo (se uma cozinha parte de um projeto do Grupo de Pesquisa do CNPQ localiza-se dentro ou fora de uma casa, aberta ou fechada Tecnologias, Estudo Dirigido e Educação, desenvolvido na para a sala, por exemplo); um espaço no sentido social Universidade do Sagrado Coração, em Bauru-SP. (repartição sexual e social das atividades de cozinha) e um Primeiramente, a partir de uma pesquisa bibliográfica, espaço no sentido lógico do termo, de relações formais e averiguou-se o percurso antropológico da tradição estruturadas naquela hierarquia bem definida que se conhece gastronômica sertaneja paulista, desde sua origem em cozinhas coletivas e comerciais. Para a sociologia, a bandeirante até a formação da cultura caipira, com o intuito cozinha é um conjunto de ações técnicas, de operações de chegar à origem da alimentação deste tipo regional simbólicas e de rituais que participam da construção da brasileiro, que surge da satisfação de sua sobrevivência identidade alimentar de um produto natural e o transforma em material, reprodução e realização psíquica. consumível (5). Em um segundo momento, os pesquisadores buscarão O surgimento da sociedade caipira criou também um espaço identificar a tradição da culinária caipira existente na referida de hábitos e costumes representados através de rituais região, especificamente no antigo bairro Pouso Alegre de cercados de tradições culinárias para celebrações específicas, Baixo, a 50 km de Bauru (no Município de Jaú-SP). A o que justifica a existência das diversas festas associadas aos escolha deste município foi baseada no fato de ser ele um dos ciclos sazonais e tempos litúrgicos que marcam a identidade poucos bairros que ainda preservam essa tradição, desta cultura, como as celebrações juninas, a Folia de Reis, a desenvolvendo hoje um turismo gastronômico ligado aos Festa do Divino etc. hábitos alimentares da antiga Paulistânia Caipira. Desse modo, procurar-se-á verificar as mudanças ocorridas ao longo Em razão deste elemento lúdico de celebração, é inútil pensar dos anos nas receitas originais e no modo de cultivo dos que o alimento contenha apenas os elementos indispensáveis alimentos dos habitantes do já citado bairro. à nutrição. Contém substâncias imprescindíveis para a relação deste homem rural com a terra e com as suas crenças Para entender o sentido da cultura alimentar caipira, da e tradições religiosas, expressadas através do espírito com “simplicidade dessa gente que viveu do trabalho na lavoura, alegria, disposição criadora e bom humor (6). tirando da terra o próprio sustento”, partir-se-á da caracterização do personagem sertanejo paulista que é, Materiais e Métodos: muitas vezes, tido pela sociedade moderna como preguiçoso, sujo, atrasado, mas que, na verdade, é parte formadora da Através de uma pesquisa bibliográfica, será apresentada, história do Brasil (3). neste estudo, a origem do caipira como representação de uma cultura do sertão paulista, buscando caracterizar a cultura Inicialmente, será mostrado por que a tradição culinária caipira como uma sociedade através de aspectos do seu modo caipira pode ser considerada uma representação concreta dos de vida, herdados do português antigo que, longe de Portugal, valores fundamentais da cultura que se desenvolveu entre os permaneceu isolado regionalmente devido à lentidão no 01
Search