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Diário de um adolescente

Published by alannavaq405, 2021-11-25 17:16:40

Description: Adolescentes e redes sociais: bullying, cyberbullying

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Diário do Meu Mundo

CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA PRÁTICAS INTEGRATIVAS EM PSICOLOGIA IV Discentes: Alanna Adryene Vieira Domingos Ana Paula Macedo de Moura Veronica G de Araujo Docente: Izabel Feitosa Adolescentes e redes sociais: bullying, cyberbullying.

Apresentação: O presente trabalho refere-se à construção de um diário no qual se relata as experiências de um adolescente fictício e que tem como objetivo a execução da proposta de atividade avaliativa da disciplina Práticas Integrativas de Psicologia IV (PIPsi IV) ministrada pela Professora Izabel Feitosa e ofertada no Centro Universitário Facex para a turma do quarto período de Psicologia em 2021.2.O projeto da PIPsi IV visa a participação mais prática dos alunos e a interdisciplinaridade com as demais disciplinas obrigatórias do semestre, e a partir dos relatos do diário problematizar a temática da “adolescência e redes sociais”, onde pudemos abordar o processo de vivência do bullying desse adolescente no contexto pessoal, social e escolar . Por fim, o estudo realizado tem caráter qualitativo e foi desenvolvido por intermédio da técnica de entrevista. Sendo assim, utilizamos de uma entrevista na qual pudesse abarcar as vivências acerca do uso de redes sociais no período da pandemia do COVID 19, como também abordamos o contexto do bullying e ciberbullyng e o uso das redes sociais .

Que mico, espero que ninguém nunca leia esse diário 02/09/2021 Aqui estou eu, tentando criar algo somente meu, onde eu possa me encontrar e até mesmo existir de alguma forma somente minha. Vamos lá, meu diário...Vou pensar em você como “meu lugar secreto onde sou livre” ...feliz eu já não sei...será que sou feliz? Não, definitivamente, não sou. Sou o Gustavo, tenho 15 anos, e pasmem (ninguém vai ler, mas é porque eu me critico) tenho 1.80 de altura, uso óculos fundo de garrafa (rindo de mim mesmo), estudo em uma escola da rede pública de ensino e gosto muito de estudar, sou um nerde, né...como me chamam. Gosto de assistir filmes de ficção científica e magia e sou viciado nas redes sociais. Sou feio, muito feio, e estranho. Vivo isolado e calado. Levo meu tempo em ler, estudar, me enfurnar no quarto e redes sociais...é isso! Não tenho muito o que falar de mim, pois nem sei como me vejo. Acho que tudo que falei até agora é a leitura das outras pessoas e não a minha. Um dia talvez eu fale um pouco de mim mesmo, da forma como EU me vejo, por enquanto só consigo ser o que querem que eu seja

04/09/2021 Hoje li uma frase no meu Instagram que me marcou. Foi essa frase: “Você pode vencer e transformar em benefício próprio, aquilo que um dia, de maneira sorrateira, invadiu e prejudicou a sua vida”. Estou pensativo com essa frase. Sou muito introspectivo e sofro por ser assim, porque parece que esse mundo lá fora não gosta de gente assim... “estranha’’. Continuo pra baixo.... não tenho mais nada pra contar. Vou ficar deitado na minha cama e tentar dormir pra esquecer meu vazio. Estamos em uma pandemia, pandemia da Covid 19. Um vírus que transmite uma gripe mortal. O vírus mata de forma avassaladora, deixa as pessoas sem ar. Nossa, estou assustado. Vi que na Itália já morreram mais 1.000 pessoas. Imagina aqui no Brasil? Esse País sem estrutura pra nada, nem de bom nem de ruim. Com o período da pandemia e o isolamento eu percebo que intensifiquei e estreitei ainda mais o meu contato com as redes sociais. Confesso que sou um adolescente tímido e retraído, acho que o meu comportamento é reflexo dos sérios problemas emocionais que já tenho enfrentado desde a separação dos meus pais. Hoje moro com minha mãe, uma única irmã e o meu padrasto. O meu relacionamento em casa não está nada bom, a minha mãe reclama muito comigo porque vivo trancado em meu quarto, meu padrasto é muito calado e minha irmã vive no celular. Ora, às vezes sinto uma estranha sensação de que ninguém gosta de mim.

13/09/2021 Hoje lembrei das aulas maravilhosas de Biologia quando a professora falou sobre O Desenvolvimento Psicossocial na Adolescência e citou autores por ela estudados, como (Diane E. Papalia, 213, página 436) quando fala que ‘Uma maneira de medir as alterações nos relacionamentos dos adolescentes com as pessoas importantes em suas vidas é observar como eles usam o tempo livre. A quantidade de tempo que os adolescentes passam com suas famílias diminui dramaticamente durante os anos da adolescência. Entretanto, esse afastamento não é uma rejeição à família, mas uma resposta às necessidades do desenvolvimento. Aqueles que estão no início da adolescência frequentemente se trancam em seus quartos; parecem precisar ficar algum tempo sozinhos para se desvencilhar das exigências sociais, para reconquistar a estabilidade emocional e refletir sobre questões de identidade’ ( Larson, 1997 ). Puxa vida, quando a professora abordou esse assunto me encontrei totalmente na aula e daria tudo para que minha mãe também estivesse presente para ouvir. Pelo que entendi, é na fase que estou passando que tanto os pais quanto os filhos se isolam. Pra mim era pra ser ao contrário, quando eu mais preciso de carinho e acolhimento é que minha mãe me isola e se afasta. E isso é desenvolvimento? Entendo que se trata de questão da minha identidade, mas acho que isso faz parte apenas da vivência do adolescente, e não dos pais se afastarem e não contribuir ajudando-nos com nossas descobertas Hoje eu fiquei sabendo que as aulas irão retornar e eu já estou angustiado só em pensar que tudo voltará como antes, pois sempre fui alvo de piadas, apelidos e brincadeiras de mau gosto pelo fato de ser muito alto, usar óculos fundo de garrafa e ser destaques nas notas escolares. Os meus colegas na escola exageram e eu me sinto infeliz por ser motivo de chacota.

18/09/2021 Parece até contraditório, mas a volta às aulas, apesar de gostar de estudar, está me deixando mais ansioso quando lembro das gozações dos colegas. Inúmeras vezes sou atacado também nas redes sociais, tento não ligar muito para aquilo que vejo escrito ao meu respeito, mas são discursos vazios que chateiam e me deixam com receio de voltar ao colégio. Embora enfrentando tudo isso tenho que ir amanhã para a escola. Enfim, estou vivendo um misto de ansiedade e medo de voltar à escola. Ontem conversei com uma única amiga com a qual ainda consigo me abrir um pouco, a Marcela, ela também é muito ansiosa e faz terapia com uma psicóloga. Marcela me falou que a sua psicóloga tem conversado muito sobre os principais elementos das síndromes depressivas e me falou de um autor chamado Dalgalarrondo. Contou-me que ele fala sobre as síndromes depressivas e eu acabei me identificando e vendo que tenho que me cuidar pois quando o autor cita as alterações da autovaloração, como: “sentimento de autoestima diminuída, sentimento de incapacidade e sentimento de vergonha e de autodepreciação” (Dalgalarrondo, 2008, p 307 a 308) eu percebi que tudo isso eu estou vivendo. Fiquei ligado e espero que nada se complique.

19/ 09/2021 MANHÃ Hoje voltamos as aulas, após um ano e sete meses longe de tudo e de todos estou voltando para a minha escola. O isolamento e as aulas remotas me conduziram a viver momentos de intensas reflexões. Já estou preocupado com o motivo de ficar sem o celular durante a manhã inteira e começo a imaginar o que vou encontrar nas minhas redes sociais quando chegar em casa. 19/09/2021 TARDE Hoje o dia tinha tudo para ser normal, sem nada de especial como todos os outros na minha vida e preferia que assim tivesse sido, ao invés de passar pelo que passei, sempre notei que o Pedro e sua turma não gostava de mim, sempre vi olhares maldosos e o jeito que eles cochichavam quando eu passava, mas hoje foi bem pior. No intervalo como de costume eu desci para a cantina para pegar meu lanche. Na minha escola tem um longo corredor, que liga as salas até a cantina, quando me deparei estava a turma dele lá e infelizmente não tive como voltar, eles notariam e seria pior “eu pensei”. Então eu fui na direção deles, assim que me viram começaram a cochichar eu senti que iriam fazer algo, quando estava me aproximando alguém empurrou o Pedro e ele derramou todo o suco em mim, era para parecer acidental mas eu sei que não foi, ficaram rindo e perguntando como Pedro não tinha visto o grilo de pernas longas, eu só queria abrir um buraco e me esconder, desisti de lanche e fui para o banheiro me limpar e por lá fiquei até o final da aula, não aguentava ver ninguém, o sentimento era de eu ser um nada, insignificante. Quando tocou o final da última aula esperei alguns minutos e só aí sai do banheiro, liguei para meu padrasto me pegar na escola, a vontade que eu tinha era de não voltar nunca mais ali. Meu padrasto notou que havia acontecido algo, mas ele não gosta de conversar e minha vergonha não me permitiria dizer. Cheguei em casa e fui direto para meu quarto e aqui ainda estou, não quero sair, não quero ver ninguém se possível não quero nem me ver. Me pergunto o que de tão mau eu fiz para ele fazer isso. Por ora, uma dor de garganta vai ser o suficiente para me afastar da escola por uns dias sem ninguém desconfiar.

25/09/2021 Hoje resolvi fazer uma postagem no insta como desabafo, não citei nomes e obviamente não tenho ninguém da escola porque não tenho amigos por lá, mas me surpreendi com a quantidade de pessoas que me falaram já ter passado por coisas parecidas, comecei a sentir o quanto somos injustiçados, sofremos de graça por pessoas que não aceitam as diferenças, hoje depois de muito tempo me senti fazendo parte de um grupo, quando me deparei com pessoas que passam as mesmas coisas que eu. Decidimos criar um grupo no whats para podermos desabafar como foi nosso dia, para que de uma certa forma nos sintamos parte de um grupo. Sou eu, o Carlos de 16 anos, Mariana de 15, Joao de 18, e tem a Crys que é uma mulher trans de 17 anos, ela é muito divertida sempre pra cima, mas as vezes sinto que toda essa alegria é para esconder algumas coisas. Apesar de tudo, confesso que hoje estou melhor que ontem e decidi voltar a aula mesmo com o idiota de Pedro me esperando porque eu sei que ele não irá me deixar em paz.

26/09/2021 Tivemos aula de filosofia, sobre alguns teóricos do Existencialismo. Eu amei a aula. Fiz uma reflexão sobre minhas angústias e de como fico quando sofro bullyng na escola ou quando não me sinto amado pela minha mãe. A professora Sara Silva citou um autor do existencialismo, o Soren Kierkegaard. Ela mencionou uma frase dele que me fez refletir bastante, que “O importante é encontrar uma verdade, mas uma verdade para mim, encontrar a verdade para qual quero viver ou morrer”. Nossa, falou muito comigo essa citação, eu realmente preciso me encontrar em algo, mas algo que seja realmente só meu. Eu amo estudar, gosto de tecnologia, mas não tenho amigos, não sei me relacionar, e o que as pessoas falam mal de mim, me deixam no chão. Então eu descobri, através da citação da frase do Soren Kierkegaard, que já que a forma que as pessoas me tratam na escola, e em casa por exemplo, me deixam tão triste, significa que eu não tenho minha verdade, não sei nada sobre ela, e não existo por mim, estou deixando que os outros me mostrem o meu valor, valor esse que EU apenas devo saber e fazer algo por ele. Então preciso desse encontro com minha essência e verdade, para que eu me conheça bem, e não permita que o comportamento alheio dite algo sobre como me sinto. Como vou descobrir isso, meu Deus?

28/09/2021 A aula de filosofia ontem foi pra mim uma terapia. Estou até agora meditando, lendo, pesquisando sobre o Existencialismo. Descobri que temos “males existenciais”, o Desespero, o Absurdo, a Alienação e o Tédio. Minha gente, que grande verdade!!! Eu estou conseguindo enxergar tanta coisa que vem me acontecendo, como esses bullyngs e sobre a falta de atenção e amor da minha mãe. Esses 4 males me definem em muitas coisas.

04/10/2021 Estou arrasado. Resolvi fazer algo que nunca havia feito, sou viciado nas redes sociais, em especial no Instagram, e como dias atrás eu postei um desabafo sobre o bullyng que o Pedro fez comigo, como eu recebi apoio, fiquei mais aliviado e me sentindo mais livre, foi então que resolvi postar uma foto minha pela primeira vez. E foi terrível! Recebi vários comentários maldosos sobre minha aparência... “grilo seco”, “ cdf de uma figa”, “quatro olhos da boca funda”, “chassi de borboleta”, “vara pau”, “mané mago”, “gafanhoto da seca”, “filósofo da seca”, e ainda li algo pior que isso, disseram que um feio e metido a ser o mais inteligente da sala deveria morrer, e que um “viadinho” como eu , tão magro assim, nem pra “viado” prestaria. Meu deus! Estou em choque! Não imaginava que me odiavam tanto, não imaginava que o fato de eu ser estudioso traria essa maldade toda pra mim... não imaginava que ser feio seria um problema e uma razão para fazerem chacota comigo.... (estou aos prantos no meu quarto; queria sumir, morrer .... esse Mundo é terrível, é um Mundo injusto, cego e letal para mim... não me identifico com nada... Quero ficar aqui, trancado, no escuro e sem rumo.... quero só chorar. Nem aqui em casa ninguém parece me enxergar. Pra quê eu nasci e tenho que dar conta disso tudo? Eu nem pedi pra nascer.... como é injusto!

07/10/2021 Estou triste por ontem. Demais. Eu apaguei meu post, mas as palavras estão latejando no meu coração e na minha mente. Eu sou um cara inteligente, sempre estou em busca de informações, mas têm coisas que nos pegam de jeito e nos levam ao chão. E eu não tenho apoio de família. Parece que nem família eu tenho, pra falar a real. Só tenho pais na certidão de nascimento. Isso é meio estranho e causa nostalgia. As aulas de filosofia que me fizeram tão bem, não estão sendo eficazes para mim. Deixei que outras pessoas me abatessem com palavras maldosas, que ditassem minha verdade; realmente ser livre, na prática, é algo muito difícil. Parece que a gente tem a necessidade de primeiro ser amado pra poder se sentir forte e imbatível nessa vida.

09/10/2021 Fui pesquisar sobre bullyng e cyberbullyng, porque estou agoniado e como sou curioso e procuro não ser ignorante, e como deve ter ainda uma faísca de amor e lembrança entre mim e eu, eu ainda tenho esperança de vencer tudo isso, sei que sem o apoio de família, mas eu já sei que minha vida sempre será comigo mesmo, tenho que enfrentar meus monstros e minha solidão sozinho. Então, eu descobri em minha pesquisa que o Brasil é o 2º país com mais casos de cyberbullyng contra crianças e adolescentes. O termo define práticas de violência que acontecem em ambientes virtuais, como, por exemplo, o caso de Lucas, filho da cantora Walkyria Santos. A falta de compaixão, tolerância e respeito, conforme consta da lei Nacional de Diretrizes e Bases da Educação, são as principais características do cyberbullying. Pois é, pra mim isso é falta de respeito e falta de amor próprio da parte deles. É preciso de uma vez por todas, trazer para a realidade da escola o que a psicopedagoga da escola que estudo, Adriana Souza palestrou no início de 2019. Eu lembro de tudo, mas não vejo isso em prática em nenhum lugar, tampouco em minha escola. Ela palestrou sobre Psicologia e Educação; mostrou que a psicologia pode contribuir para o processo de conscientização dos indivíduos se inserida no contexto educativo como aliada no acompanhamento do desenvolvimento das crianças e adolescentes, integrando diferentes contextos de suas vidas, sejam eles familiares ou comunitários.

11/10/2021 Pensando sobre o bullyng que sempre eu sofro, e segundo o que a psicopedagoga falou, era para as escolas terem um psicólogo voltado para um trabalho específico sobre bullyng. Pois trata-se de algo muito grave, tem gente que até se mata por isso. E a gente nunca tem apoio em casa, principalmente. Os psicólogos, devem ser presentes nas escolas, atendendo essas vítimas e provocando consciência entre os alunos. Como eu queria agora desabafar com algum psicólogo. Com minha mãe nem vou falar. Ela não vai me dar ouvidos. Eu desabafo aqui mesmo, nesse mundo que eu criei pra ser eu. Acho que aqui está minha verdade, aqui ninguém vai me transmitir sentimentos ruins, porque aqui apenas eu estou, ninguém mais. Talvez essa seja a saída, ser sozinho.

13/10/2021 No dia da palestra que tivemos na escola, a Diretora Irina disse que “os psicólogos devem ser integrantes do coletivo da instituição de ensino, as informações sobre os alunos e comunidade, construídas através de atividades específicas, devem ser socializadas com o restante da equipe e os objetivos do trabalho devem ser explicitados. É preciso garantir que haja entendimento do trabalho que está sendo realizado na escola”, eu, sinceramente, acho que isso só é real nas melhores escolas particulares. Na minha simples instituição, só vejo ausências e máscaras. Será que sou muito crítico e chato?? Hehehe, sigo refletindo e sofrendo com isso tudo. Até ....

15/10/2021 Não consegui escrever nos últimos dias, ou só não tive o que escrever, na escola está tudo normal, Pedro continua cochichando e me olhando torto mas, não fez mais nada, meus pais estão querendo viajar no final de semana para a casa de praia, eu que nunca gostei muito dessa vez estou animado, meu grupo tem me apoiado a sair mais; o que é difícil pois não tenho muitos amigos, minha mãe vive brigando comigo porque eu não saio do celular e do computador, mas como vou sair se meus amigos estão aqui, na vida real sou só um magrelo, alto, que todos fazem brincadeira de mau gosto, por isso prefiro ficar aqui. Crys vive dizendo que eu preciso sair também, mas ela também não gosta de sair, então combinamos de sair todos do grupo algum dia, quero poder conhecê-los, porque eles já me conhecem melhor que meus pais, eles sabem sobre meus dias, e foram os únicos que contei como realmente aconteceu o bulling. Por que sair da segurança do meu quarto? com meu not, celular, carregador, comida... cara, deixar tudo isso para encarar pessoas mal resolvidas e que estão prontas para te atacar gratuitamente sem motivos, acho um preço caro, mas vou me permitir fazer isso.

19/10/2021 O grupo marcou para sairmos hoje, por sorte temos os mesmos gosto. Então vamos para o parque da cidade, resolvi escrever antes porque estou bem ansioso, fico pensando se não gostarem de mim, se eu falar algo de errado, será que não é melhor dizer que estou doente, acho que eles não ficariam tão chateados assim, é melhor desistir agora do que chegar lá e eles não gostarem de mim, e se eu começar a me tremer como acontece quando fico nervoso, eles não entenderiam, já imaginou a vergonha que seria, não é melhor eu desistir dessa ideia e ficar em casa. Mas se eles ficarem chateador vou perder meus únicos amigos é melhor eu ir, se eu me sentir mal eu volto, é vou fazer isso… Cheguei era mais de 23h, cai na cama e dormi. Ainda tô processando o que aconteceu ontem, sim atualizando hoje já é dia 23.09 e, sobre ontem foi legal encontrar o grupo, mas aconteceu algo bizarro com a Crys. Estávamos todos juntos quando veio um rapaz puxando ela e quando viu que ela era trans o idiota chamou os amigos e ficaram rindo dela, dizendo que ela era um “veadinho” sem vergonha, que nunca sairiam com ela, que seu lugar era em um circo, que ela era lugar de aberrações. Eu fui idiota travei na hora não consegui falar nem fazer nada, comecei e me sentir mal, tudo ficou girando, tive calafrios quando me dei por mim quem estava cuidando de mim foi a Crys que tinha passado por tudo aquilo, me senti ainda pior, ela me falou que infelizmente passa por isso com bastante frequência, que os ataques vem sempre de forma inesperada que nunca está pronta para isso. Ela contou que seus primeiros ataques foi presencialmente, mas ao expor sua orientação sexual nas redes sociais acabou sendo alfo de piadas, xingamentos, haviam fakes dizendo para ela tirar sua própria vida, que ela não deveria expor assim e levar pessoas a acreditar que isso é certo ou até normal. Quando eu ouvi ela me contar tudo isso, eu vi que ser o magrelo não é tão ruim e o quanto ela já sofreu simplesmente por ser quem é e eu também, eu não escolhe se magro e alto, eu nasce assim infelizmente nasce também com um problema de vista que me levou a usar óculos fundo de garrafa desde muito novo, mas não escolhemos ser assim, somos o que somos, moldamos nossas características externas como caráter, forma de nos portas. Mas algumas coisas não cabem a nos escolhermos e eu queria que todos entendessem isso. Depois do que rolou ontem eu decidi que meu quarto é meu refúgio, estou bem aqui sem ser o centro alto das atenções.

20/10/2021 Passei o dia no meu quarto e cada dia me sinto melhor aqui no meu mundo, com meus amigos virtuais que me entendem, tem dias que viramos a noite conversando ou jogando free fire, aqui nas redes sociais me sinto mais seguro, parece até que sou mais legal do que na vida real, então prefiro ficar aqui. Se eu pudesse fazer tudo através das redes sociais seria muito bom, as vezes me sinto um viciado, pois não consigo sair da internet, vivo conversando com meus amigos o dia todo, as vezes faço trabalhos da escola, adianto a disciplina, mas não como antes, gasto mais tempo jogando, depois que ganhei minha primeira batalha, os jogos viraram o local onde eu sou o centro das atenções e lá eu sou o melhor e eu nunca havia me sentido assim antes, fora deles todos me olham torto e ninguém me quer por perto, aqui não, eles brigam pra ver quem vai entrar na minha equipe.

23/10/2021 Aconteceu mais uma coisa que me deixou muito mal, por saber que as pessoas não gostavam do meu corpo, eu sempre postava fotos de perfil e na grande maioria das vezes sem os óculos, mas estava me sentindo confiante e resolvi postar uma foto completa, como eu realmente sou, o que eu não esperava era a enxurrada de comentário, do nada uns perfis falsos começaram a me seguir e mandar coisas horríveis, eu literalmente fui do céu ao inferno em pouco tempo, dentre os comentários mais leves tinham, grilo seco, espantalho, vassoura vestida não pararam, foram no meu direct e falaram barbaridades, que eu deveria ser vergonha pra minha vida, que eu poderia sumir pois era feio demais aos olhos das pessoas e ninguém precisava ver algo assim. Eu estava destruído, me sentia tão bem nas redes sociais e agora estava me sentindo como na escola e sem lugar onde me sentir seguro. Mais uma vez me dei mal no Instagram. Parece que ninguém pode ver quem eu sou, parece que sou feliz ou normal apenas no anonimato.

24/10/2021 Eu fiquei perdido, comecei a passar mal, senti calafrios, palpitação, nunca tive infarte mas a sensação deveria ser a mesma, quando não aguentei acabei vomitando, minha mãe entrou no quarto e viu tudo aquilo e me levou às pressas para o hospital, meu coração estava apertado, estava soando frio foi horrível, já havia me sentido mal, mas nada comparado com aquilo, chegando ao hospital fui atendido, fiz uma bateria de exames que mostrou tudo está bem com meu corpo; o médico me chamou e perguntou o que havia acontecido, pedi para minha mãe sair da sala e contei tudo pra ele, ele me falou algo sobre um transtorno eu não entendi muito bem, só sei que ele me medicou, me senti melhor e fomos para casa. Agora estou aqui, relembrando tudo que eu li, sumir não seria tão ruim assim né, seria o fim de todo esse sofrimento e humilhação, hoje estou cansado, cansado de tudo.

26/10/2021 Fui para a escola mesmo sem querer, depois do intervalo tivemos uma palestra para todos os alunos com uma psicóloga chamada Rosana, e que segue uma abordagem chamada de Sócio - Histórica. Ela falou um pouco sobre depressão e transtorno de ansiedade, foi quando lembrei da minha consulta com o médico, e ele falou-me sobre o transtorno de ansiedade social, que a recusa de ir à escola pode ser devida a transtorno de ansiedade social (fobia social). Nesses casos, a esquiva da escola se deve ao medo de ser julgado negativamente pelos outros. Confesso que eu senti que ela estava me descrevendo, essa vontade de não sair nem mesmo do quarto, por medo de como serei visto e julgado, e eu passo isso todas as vezes que vou sair de casa.

27/10/2021 Como sou solitário, curioso e estudioso, fui pesquisar quando cheguei em casa, sobre psicologia sócio-histórica. Achei bem interessante no livro que baixei, da Ana Bock, que tem o título “Fundamentos teóricos da Psicologia Sócio-histórica”, e na página 21, diz que o fenômeno psicológico ‘’Ora é processo, ora é estrutura, ora manifestação, ora relação, ora é conteúdo, ora é distúrbio, ora experiência. É interno, mas tem relação com o externo. E biológico, é psíquico e é social; é agente e é resultado; é fenômeno humano, relacionado ao que determinamos “eu” ‘’. Achei bem interessante essa fala, pois realmente, acho que sobre tudo que venho passando, tanto em casa ou na escola, diz da sociedade. De como ela se formou, do que se tornou. Realmente somos seres sociais, e todo comportamento gira em torno de uma condição social. Sofro bullyng porque não sou do padrão de beleza do mundo moderno. Não sou poderoso, não ostento, não vivo no mundo líquido. Como não me encaixo nesse contexto sócio-histórico, a forma que eles, os adestrados sociais, encontram para se defender, é me atacar. Eles não aceitam, não toleram eu não ser e pensar da forma deles. Muita coisa vem fazendo sentido pra mim! Estou começando a revoltar, no bom sentido, no sentido de ser livre. Estou começando a querer encará-los sendo quem realmente sou, e o mínimo que terão que fazer sobre mim, é me respeitar, porque agora vou sair desse diário, desse penhasco que chamei de meu mundo, e vou voar para terras desconhecidas, desbravar novos caminhos e ser unicamente quem sou e não o que os outros projetam para que eu seja. Uma nova fase se inicia...em breve volto aqui pra “me” contar como estou indo.

Relato de vivências: Embasadas em todas as disciplinas do semestre e tento em vista o contexto atual, elegemos o tema “Adolescente e redes sociais” e fizemos uma entrevista com três adolescentes cujas respostas despertaram-nos um momento reflexivo de escuta no qual tivemos a oportunidade de treinarmos essa ferramenta tão importante para nós, futuras psicólogas. Ao nos depararmos com a escrita do diário, no início, sentimos uma certa dificuldade em escrevermos nos colocando no lugar do adolescente, mas com as valiosas orientações da professora e das monitoras, conseguimos desenvolver. A cada disciplina contemplada na construção do diário tivemos o prazer da pesquisa e da aprendizagem e pudemos confirmar a riqueza da disciplina PPSI ao nos proporcionarmos a integralidade dos conteúdos estudados no semestre, capacitando-nos a trilhar rumo às descobertas que a interdisciplinaridade é capaz de promover. Somos gratas por todo o aprendizado adquirido ao longo do processo da construção de cada trabalho e entendemos que trabalhar em equipe nos enriquece e nos prepara para sermos cada vez mais resilientes e para que possamos olhar o outro com respeito e credibilidade.

Referências KIERKGAARD, Soren. O desespero Humano KIERKGAARD, Soren. O Conceito de angústia Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia / Ana Mercês Bahia Bock, Maria da Graça Marchina Gonçalves, Odair Furtado (orgs.). - 3. ed. - São Paulo: Cortez, 2007. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais - Paulo Dalgalarrondo Desenvolvimento humano - Diane E. Papalia / Ruth Duskin Feldman


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