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Suplemento AVPA nº 4 - Cartuxa

Published by Paulo Mascarenhas, 2021-11-14 21:58:21

Description: Suplemento nº 4 do jornal a Voz de Paço de Arcos nº 37

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A CARTUXA - IV EDIÇÃO DA ASSOCIAÇÃO CULTURAL A VOZ DE PAÇO DE ARCOS CAPELA DE NOSSA SENHORA DE PORTO SALVO O SUPLEMENTO CULTURAL A CARTUXA É PARTE INTEGRANTE DO JORNAL A VOZ DE PAÇO DE ARCOS EDIÇÃO DEDICADA À CANDIDATURA - OEIRAS CAPITAL EUROPEIA DA CULTURA 2027 Diretor: José Manuel Marreiro | Bimestral | N.º 4, OUTUBRO de 2021 DISTRIBUIÇÃO GRATUÍTA

A CARTUXA - IV Editorial Por José Marreiro Este suplemento, o n.º decisiva para o desenvolvi- isso, “A Cartuxa” propõe-se 4, é o último desta mento cultural do Concelho voltar, após a divulgação dos série, dedicada à ela- de Oeiras. projetos que compõem a pro- boração da proposta Fazemos votos para que a posta de candidatura, para de candidatura de Oeiras a proposta de Oeiras seja a participar na sua divulgação, Capital Europeia da Cultura vencedora. discussão e acompanhamen- em 2027. Da nossa parte, cá estaremos to da sua execução. Cremos ter atingido o obje- para acompanhar o desen- Bem haja a todos. l tivo a que nos propusemos: volvimento do processo. Para dar a possibilidade a resi- dentes do concelho de apre- sentar sugestões e mostrar a história, e potencialidades, não só do espaço da Cartu- xa, mas também de outros, igualmente importantes para a candidatura, como é o caso da Quinta de Cima. Resta-nos agradecer aos au- tores a sua disponibilidade em aceitar o nosso convite em tomar parte desta fase do processo, com os seus con- tributos, que esperamos seja Colaboradores deste suplemento: Ana Teixeira Gaspar; Carlos A. S. Aguiar ; Fernando Lopes; Jaime Silva; Jorge Castro; José Lança-Coelho ; Silvana Bessone e Vítor Henriques Capa: Igreja da Nossa Senhora de Porto Salvo - Aguarela de Serrão de Faria 2

A CARTUXA - IV A CARTUXA DE LAVEIRAS A História apaixonante de um antigo mosteiro contemplativo no seu passado, presente e futuro. (Continuação da edição anterior) Por Victor M T Henriques Em cima: Estado de extrema degradação e abandono do claustro grande da Cartuxa de Laveiras. Homens que se recolhe- ram um dia ao silêncio de ter redigido na sua cela tuguês de Vallis Misericordiae. do mosteiro, vivendo uma Defesa da Religião Ca- Frei António de São José de uma vida monástica tholica contra a impiedade dos por decisão pessoal, quando a homens do seu tempo, viu-se Castro, era filho ilegítimo, por vida lá fora lhes oferecia tantas expulso da sua Casa, por essa varonia, da Casa dos Condes outras sensações, oportunida- mesma impiedade cruel. de Resende. Professou como des, aventuras. É de lamentar monge Cartuxo em Vallis Mi- a perca de tantos manuscritos, Muitos outros nomes, sericordiae, e esteve algum que se converteram em cinzas destes tão devotos e tão ig- tempo em Scala Coeli, entre- após a expulsão e a expropria- norados monges Cartuxos, gue a estudos bibliográficos ção pelo Estado ladrão. Pelo deveriam e mereciam ser cita- da sua rica Biblioteca, onde menos seus nomes são conhe- dos, muitos deles, expoentes transcreveu em língua portu- cidos, graças às crónicas da da espiritualidade e contem- guesa o confuso manuscrito da época. plação. Mas o espaço é curto, Virgem Benfeitoria e preparou e lembramos dois ou três a edição de dois Diálogos de Citemos rapidamente Frei desses ilustres e esquecidos João de Barros. Regressou à João de São Tomás, autor pre- monges da Cartuxa de Lavei- sua Casa de profissão religiosa, cisamente da principal História ras: Para além do óbvio Fun- onde assumiu o cargo de Prior da Casa, que nos serve de dador da segunda comunida- entre 1790 e 1798, fato que não guia; Frei Bruno de São José, de cartusiana em Portugal, D. impediu a publicação de obras poeta latino e português, com Luis Telm; lembrei já D. Basílio eruditas: publicou uma Gramá- a sua obra Pratum Cartusiano- de Faria, o primeiro Prior por- tica Lusitana. Um verdadeiro rum; Frei Agostinho de Santa Maria; Frei Tomás de São José, ilustre e santo Mestre de No- viços; Frei Lucas Figueira, do qual se conservam quatro ser- mões capitulares na Biblioteca Pública da cidade de Évora; Frei José da Natividade, autor de um Tratado teológico sobre o Purgatório; Frei Ricardo de Santo Agostinho, que apesar 3

A CARTUXA - IV gado pelo Núncio sado cargo político, que passou depois a tentar acalmar os Apostólico, teve de ânimos, pois recebera a cog- nome de o “rei do Norte”. E aceitar a elevação de novo a sua fama chegou à Corte. Só que desta vez para ao Episcopado e de- cruzar o Atlântico, pois esta estava no Brasil. Dali, o Rei de- dicou-se com fervor signou um Governo para reger todo o País durante a sua au- às novas funções. A sência, e um dos Governado- res, era justamente o Bispo do sua produção literá- Porto. ria em Cartas pasto- Ao mesmo tempo, em 1809, era designado Patriarca de Placa localizada no claustro pequeno, aludindo rais era previsível. O Lisboa. Contudo Roma não o confirmou como Arcebispo à sua passagem como noviço, do pintor Domin- que mais surpreen- devido à ilegitimidade do seu nascimento, o que o impedia gos Sequeira nesta Cartuxa. deu e agradou foi a de elevar a Cardeal, como era costume no Patriarcado de sua atividade pasto- Lisboa. Veio a falecer na Mitra de Lisboa, em Xabregas, tendo Abaixo: pintura de Domingos Sequeira: “São Bruno em Oração”, tela tido um funeral de Estado, se- pintada em Vallis Misericordiae, atualmente no Museu Nacional de Arte pultado na Cartuxa de Vallis Antiga (Lisboa). Misericordie, que tanto amava. retrato dos filósofos de hoje.Viu ral: ele fundou o primeiro Semi- Um dos mais admirados, obras suas impressas em tra- nário que a Diocese do Porto talvez mesmo dos melhores dução espanhola. Em 1798 foi conhecera. E em 1808 quando pintores portugueses, foi Do- indigitado para Bispo do Porto. os franceses sitiaram a cidade, mingos António de Sequeira, Quatro anos esteve a resistir e o Bispo foi nomeado presiden- que foi monge Cartuxo. Entrou a opor-se a tal decisão, supli- te da Junta de Resistência, por na Cartuxa Santa Maria Vallis cando que não o retirassem da ser a pessoa de maior populari- Misericordiae em 1796, pouco sua amada solidão conventual. dade na cidade do Porto. antes de cumprir os 28 anos Mas foi inútil. Praticamente obri- de idade. Nesta Cartuxa pintou Foi tal o êxito nesse improvi- “São Bruno em Oração”, orando na típica prostração cartusiana, e mais alguns qua- dros de santos: “A Comunhão de Santo Onofre”, “São Paulo 4

A CARTUXA - IV hoje são mostrados rência do cargo é sempre o Prior da Casa-Mãe da Ordem, ao público. a Grande-Chartreuse), como Procurador Geral da Ordem da (A Ordem da Car- Cartuxa perante a Santa Sé, em Roma. Um dia recebeu a tuxa, em Portugal virá visita pessoal do próprio Papa, Pio IX a pedir-lhe que aceitasse a ter um outro pintor, o cargo de Bispo de Asunción, no Paraguai. Mas o monge car- não tão famoso como tuxo português, para frustração do Papa, declinou a honra epis- Domingos Sequeira, copal, desculpando-se com o seu amor à solidão e ao silên- mas seguramente cio. dono de uma excelen- Eram assim, estes monges de Laveiras. te expressão artística: A Cartuxa de Laveiras, Santa Frei Miguel Guedes, Maria Vallis Misericordiae viu-se em 1834 expropriada já no século XX, após pelo Estado, pelo vil decreto de 21 de março, do ignóbil e biltre a reabertura de Scala Ministro da Justiça Joaquim An- tónio de Aguiar (que sua alma Coeli à vida monástica arda eternamente no Inferno!) roubada aos seus legítimos em 1960). proprietários que a construíram ao longo de décadas, séculos Por fim, lembro a com ofertas de benfeitores pri- vados e outras esmolas, e na memória do insig- realidade nunca concluída. ne monge cartuxo Num relato verdadeiramente delicioso, o padre António de Um dos mais notáveis monges Cartuxos de de Laveiras, o padre Oliveira escreve no seu livro Laveiras, D. António de São José de Castro, D. Francisco da As- “Deixemos os Pais, Cuidemos que foi Bispo do Porto, e Governador do sunção Ferreira de dos Filhos” (Lisboa, 1923), Reino. A notícia de seu sepultamento na Car- Mattos, que faz parte apresenta o depoimento obtido tuxa de Laveiras, anexa-se a este artigo. da Comunidade final por entrevista pessoal a um de 1833, e que escre- velho caseiro de Laveiras sobre a expulsão dos monges nesse ve um excelente ma- e Santo Onofre no Deserto”, nuscrito, já publicadas em livro, e outros. as Memórias sobre a saída dos A sua arte chamou a atenção monges do Vale da Misericórdia de Lisboa sobre o jovem monge perante a chegada das tropas cartuxo, e isto foi uma tentação liberais. à qual ele sucumbiu. Saiu da D. Francisco da Assunção Ordem, depois de seis anos de Ferreira de Mattos consegue vida de silêncio e solidão em passar para as Cartuxas ita- Laveiras. Morreria famoso em lianas, onde veio mais tarde a Roma, em 1837. Expropriada ser eleito Prior da Cartuxa de pelo Estado em 1834, os qua- Florença. O antigo monge de dros de Domingos Sequeira Laveiras chega mesmo a assu- que ali se encontravam, foram mir o cargo de segunda figura discretamente saqueados para dentro da Ordem (abaixo do o Museu de Arte Antiga, onde Superior-Geral, que por ine- 5

A CARTUXA - IV Projeto apresentado aos munícipes do Concelho de Oeiras pela Autar- Laveiras, caseiro do meu preza- quia, no dia de vista pública ao “complexo da Cartuxa de Laveiras”, rea- do e respeitável amigo senhor lizado a 10.04.2021. Conselheiro Calvet de Maga- lhães, e que, ao chegar perto “Estrada da Cartuxa”… a metáfora perfeita para a vida contemplativa. de mim, me saudou: longínquo ano de 1833, e que fachada constitui a frente prin- - Boas tardes. não resisto, a bem dos leitores, cipal do edifício da Correcção - Ora viva, meu caro. Sen- de transcrever: – eu olhava um bando de par- te-se aqui, dá-me nisso muito dais que voavam em direção prazer. Conte-me coisas do seu “A tarde estava serena, can- ao majestoso Tejo. Tão absor- tempo, fale-me dos monges cá tavam ainda os grilos, o sol co- vido estava a observar aqueles da Cartuxa que conheceu. meçara a descer no horizonte, alados vagabundos que pelo - Então o simpático velhinho, e até a brisa que soprava do céu, azul até ao infinito, avança- muito comovido, começou, pela mar parecia nessa hora mais vam em turbamulta, aturdindo vigésima vez, a evocar, como meiga e mais perfumada. Sen- os ares com a sua gralhada numa visão celeste, a saída dos tado à porta da minha casa áspera e contínua, que não dei austeros cartuxos no mesmo - que dava para o pátio frontal pela chegada dum velhote de dia em que a autoridade lhes da igreja, cuja graciosa e larga veio intimar a ordem de despejo; dia, por sinal, bastante agreste, em que o silvo dos ventos revol- tosos parecia protestar contra a expulsão daqueles santos as- cetas que nunca deixaram um instante de exercer o trabalho e a reza. Trabalhar era, para eles, uma oração ao Criador pelo pro- gresso do mundo; rezar, outra oração pela salvação da Huma- nidade. Benditos sejam, pois, os que rezam e trabalham pela salva- ção e progresso, não só dos que crêem, mas ainda dos que não crêem. - Parece-me que ainda agora estou vendo aqueles bons fra- dinhos – dizia-me o venerando ancião – saírem por aquela porta, que dá para a Correcção, 6

A CARTUXA - IV a rezar o Miserere, formados suas faltas e as dos outros pelo marginais, acabou por ser ven- dois a dois, com os seus hábi- trabalho, pela oração e pela dido em hasta pública (tal como tos brancos, como se fossem penitência! Sob as compridas seu mosteiro irmão-mais-velho a caminho da igreja. E sempre, abóbodas do solitário mosteiro de Évora, Scala Coeli) tendo sempre a rezar, seguiram pela apenas se ouviam, de quando sido arrematado por um par- estrada de Barcarena, em di- em quando, no meio daquela ticular que explorou as terras reção a Queluz, onde se sepa- solidão completa, o som brôn- do mosteiro para fins agrícolas, raram tomando cada um o seu zeo do sino e a voz sumida de deixando os edifícios degrada- destino. alguns espectros de homens rem-se. No entanto, por falta repetir em ecos: Irmão, lembra- de pagamento, todo o conjunto Como de costume, o amigo -te da morte! acabaria por voltar à posse do dos pobres cartuxos sentia-se Estado, tendo servido de quar- comovido, e foi já com uma Os monges, meditando sobre tel provisório de regimentos certa dificuldade que descreveu a eternidade, trabalhavam para da Engenharia Militar, até que os vergonhosos desacatos e si e para os outros e rezavam em 1903, um santo sacerdote, sacrilégios praticados por uma por todos, num comunismo autor das linhas acima, o padre horda de bárbaros civilizados pacífico, onde as paixões se António de Oliveira pensou em que, após a saída dos frades, calam, os vícios se olvidam e a instalar ali um Reformatório invadiram aquele ermo sagrado solidão deleita! para menores delinquentes, de paz e tranquila solidão. instituição que chegou aliás, O Convento, que tinha a de- a ser modelar a nível europeu «Onde o monge feliz passou signação de Santa Maria do no seu género: o Reformatório sereno do silêncio do claustro Vale da Misericórdia, foi supri- Central de Lisboa – Instituto de ao do jazigo!» mido por sentença de 21 de Reeducação Padre António de Março de 1834.” Oliveira. O Reformatório fecha Depois que o meu vizinho em 1976, e verifica-se a cedên- se retirou, fiquei pensando em A Cartuxa Santa Maria Vallis cia da antiga Cartuxa para a quantos jovens, em quantos Misericordiae nunca mais vol- instalação da Escola Prepara- velhos se refugiaram naquele taria a ouvir cantar o Ofício tória de Caxias, que ali funciona silencioso deserto, onde nada Divino no belo canto gregoriano até 2001. Em 2003 o Governo se sabia do mundo, fugidos às pelas vozes dos monges. Os Central equaciona ali instalar terríveis e ruidosas tentações últimos cartuxos portugueses o projeto da Cidade Judiciária da sociedade, que tornam víti- de Laveiras passaram o resto para aquela área, projeto que mas, uns das mais loucas pai- de suas vidas sonhando com foi bastante contestado pela po- xões, outros das torpezas de um regresso ao lar que nunca pulação. O Ministério da Justiça baixos vícios, ainda outros de se deu para eles. Nem sequer recua, e acaba por dividir o pro- sugestões homicidas, sacríle- serem sepultados junto de seus jeto da Cidade Judiciária entre a gas e rapaces! Quantos peca- confrades no antigo cemitério nova sede da Polícia Judiciária, dores, horrorizados de si e de monástico da Comunidade. e o novo Campus da Justiça no seus vícios, entraram o portal Parque das Nações, em Lisboa. daquele claustro santo para, O mosteiro da Cartuxa de La- no meio do silêncio permanen- veiras, roubado integralmente te, expiarem e repararem as pelo Estado aos seus donos, saqueado parcialmente por 7

A CARTUXA - IV A partir da saída da Escola significar a reparação histórica mosteiros Cartuxos no mundo Preparatória que ali funcio- e justa, da saída atribulada de possuem seu próprio cemité- nou, todo o espaço da antiga 1833 da Comunidade Cartuxa rio da Comunidade monástica. Cartuxa entra num processo do século XIX. A reparação de Também o de Évora. E também galopante de degradação e 1833 fora feita. A Cartuxa, es- o de Laveiras. Seu espaço será vandalismo, servindo de abrigo poliada de seus monges desde preservado, salvaguardando a marginais e toxicodependen- 1833, poderia agora morrer as memórias dos que ali re- tes. A igreja, vai-se salvando feliz. As paredes da velha igreja pousam?... A listagem do obi- um pouco da deterioração ace- Cartuxa de Laveiras, voltaram tuário de Vallis Misericordiae é lerada, devido à sua utilização a ver dois monges sacerdotes, conhecida. Talvez uma placa regular para o culto católico aos filhos de São Bruno, por uma com seus nomes?... Não se sábados e domingos pela paró- última vez, celebrando para sabe de nada. Mas para servir quia de Laveiras-Caxias. uma comunidade de fiéis emo- de recinto de concertos?… no cionada, que aplaudiu o acon- mínimo será mau-gosto! Mas… Mas a História, guardava tecimento memorável, e certa- eu nada entendo de “arte con- para o século XXI um aconte- mente irrepetível, de pé. temporânea”!!! cimento surpreendente. A 05 de outubro de 2019, a comu- Finalmente a 21 de fevereiro - Sabemos que o grande nidade católica de Laveiras/ de 2021, é assinado um Acordo claustro será nomeado de Caxias, pôde participar numa de cedência do edifício pelo Mi- “Praça”. Como uma feira! Atual- emotiva celebração religiosa na nistério da Justiça ao Município mente está alcatroado pois igreja da antiga Cartuxa, com a de Oeiras, com a duração de serviu de espaço de recreio presença não de um, mas de 42 anos, onde a Câmara Mu- para a função escolar. Mas, dois Priores de duas Cartuxas nicipal de Oeiras assumirá o in- nenhum claustro é alcatroado! ativas: o padre D. Antão Lopez, vestimento de recuperação do Nome? Dona Simoa Godinho. o Prior da Cartuxa de Scala património edificado em cerca A antiga proprietária do terreno, Coeli de Évora (a poucas se- de 7,5 milhões de euros. negra de São Tomé, mas escla- manas dos monges deixarem vagista. Será que historicamen- definitivamente a única Cartuxa Apesar das ideias já apre- te ninguém o notou?... Ou não portuguesa ativa) e o Prior da sentadas para o local da antiga será correto o lembrar?... histórica Cartuxa de Miraflores Cartuxa - o Centro de Arte Con- (Burgos, Espanha) padre D. temporânea, algumas ques- - Será que é desta vez o Pedro Maria Iglesias. tões legítimas se impõem, face nome do verdadeiro Fundador à História e às personagens de Vallis Misericordiae será A Eucaristia comparticipada que marcaram com suas vidas lembrado no espaço público?.... com os dois Priores Cartuxos, este local: O homem que lutou pela efeti- e pelo pároco de Laveiras- vação da Herança de D. Simoa -Caxias, padre António Tavares, - Saberá a CM Oeiras, e Godinho para construir a se- perante uma igreja repleta de seus “técnicos” que algures gunda Casa da Ordem da Car- fiéis e curiosos (pois é extrema- no espaço do grande claustro tuxa em Portugal?.... Será que mente raro ver um monge Car- se esconde o antigo cemité- é desta vez que D. Luis Telm, tuxo fora do seu claustro) ficou a rio do mosteiro? Como é do monge cartuxo, seja repesca- conhecimento geral, todos os 8

A CARTUXA - IV do do esquecimento?... Talvez Em cima: o autor com o padre D. Antão Lopez, o último Prior da Comu- seu nome pudesse nomear nidade da Cartuxa de Scala Coeli; o largo em frente da igreja. É a minha modesta sugestão. Em baixo: o autor, no final da cerimónia despedida informal da Ordem Afinal também sou residente da Cartuxa de Santa Maria Vallis Miserirocordiae, realizada a 05.10.2019, no “Valley”!... E no espaço de- na companhia do Prior da Cartuxa de Évora, e ao centro, o Prior da Car- mocrático julgo que sou livre tuxa espanhola de Miraflores (Burgos), padre Pedro Maria Iglesias. para opinar. Mas… ó desgra- ça!!! D. Luis Telm era um cris- lembro a Cartuja de Scala Dei “boys for the jobs” que pu- tão! Não se encaixa nas nar- (Espanha); a Chartreuse de La lulam alegremente nos cor- rativas contemporâneas dos Verne (França), a Charterhou- redores municipais, e que heróis modernos!!! Chatice! se Mount Grace, (Inglaterra); a se passeiam levianamente Kartause Ittingen (Alemanha); de Porsches pela Marginal, - A arte, nas suas diferentes a Certosa de Pavia (Itália)… saibam que Oeiras antes formas, é uma componente de ser “Valley”, tinha um de expressão da Humanida- E agora, que vivemos o “Vallis”!... Misericórdia, Mise- de que merece a aprovação século XXI, é também impor- ricórdia Senhor!!! l geral como forma de dar con- tante que alguém informe os tinuidade à antiga Cartuxa Vallis Misericordiae, despida de sua vocação cristã origi- nal de espaço de contempla- ção. Muitos monges Cartuxos foram e são atualmente em 2021, escritores, pintores, poetas, filósofos, teólogos… fé, arte e pensamento. A Fé, permanecerá na utilização do espaço da igreja como local de culto permanente. O meu aplauso. - A reconstituição de uma cela original da antiga Car- tuxa, com seu mobiliário, o pequeno jardim, etc, afigurar- -me-ia como uma excelente solução, no plano da memória histórica, museológica e tu- rística. Várias outras antigas Cartuxas, agora laicizadas, por essa Europa o fizeram: 9

A CARTUXA - IV IV BIBLIOGRAFIA: V APÊNDICE: - Um Cartuxo; A CARTUXA – UM LIVRO PARA OS CURIO- A – LISTA DE TODOS OS PRIORES DA CARTUXA DE SANTA SOS; 1966; Évora, Santa Maria Scala Coeli; MARIA VALLIS MISERICORDIAE: - un Chartreux; LA GRANDE CHARTREUSE; 1950; Paris, Ar- 1594 – Luis Telm, espanhol, nomeado pela Casa-Mãe da Or- thaud Editions; dem, a Grande-Chartreuse (GC); - Escudero, J Mayo; AS CARTUXAS DE PORTUGAL ATRAVÉS 1599 – Francisco Monroy, espanhol, nomeado pela GC; DOS SÉCULOS; 2011; Universität Salzbürg; ISBN: 1603 – Jerónimo Ardio, espanhol, nomeado pela GC; 9783902649492; 1608 – Juan Valero, espanhol, nomeado pela GC; - Fernandes, José Maria Almeida; MONOGRAFIA DO REFOR- 1613 – Basílio de Faria, português, nomeado pela GC; MATÓRIO CENTRAL DE LISBOA PADRE ANTÓNIO DE 1622 – Bernado Gort, espanhol, nomeado pelos Visitadores; OLIVEIRA; Ministério da Justiça, 1958, Laveiras; 1631 – António Coelho, português, nomeado pela GC; - Gomes, Pinharanda J; A ORDEM DA CARTUXA EM PORTU- 1637 – Álvaro da Fonseca, português, nomeado pela GC; GAL; 2004; Universität Salzbürg; ISBN: 842852563-3; 1645 – Thomaz Luíz, português, eleito pela Comunidade mo- - Gomes, Pinharanda J e Escudero, J Mayo; A CARTUXA DE nástica (faleceu no dia da sua eleição); LISBOA - LEGADO DE CONTEMPLAÇÃO; 2007; 1645 – Tiago da Assunção Cação de Brito, português; eleito Universität Salzburg; ISBN: 978-3-90033-70-5; pela Comunidade monástica; - Leal, A Pinho; PORTUGAL ANTIGO E MODERNO; 1873; Lis- 1646 – Nicolas Baudy, francês, eleito pela Comunidade monás- boa, Vol. IV; tica; - Laboa, Juan Maria; ATLAS HISTORICO DE LOS MONASTE- 1668 – Jean Behagle, belga, nomeado pela GC; RIOS - El Monacato Oriental y Occidental; 2004; Madrid, 1670 – Simão Velho Barreto, português, nomeado pelos Visi- Ed. San Pablo; ISBN: 842852563-3; tadores; - Serrou, Robert e Vals, Pierre; AU DESERT DE CHARTREUSE; 1679 – Luís de Jesus, português, nomeado pela GC; 1996, 3eme Edition; Paris; Pierre Horay Editions; 1682 – José Torralva, espanhol, nomeado pela GC; ISBN: 2-7058-0146-4; 1686 – Pedro Ferreira, português, nomeado pela GC; 1690 – Miguel Castelhão, português, nomeado pela GC; 1696 – Pedro Ferreira (de novo), português, nomeado pelos Visitadores; 1697 – Lamberto San Martín, espanhol, nomeado pela GC; 1701 – Miguel Castelhão (de novo), português, nomeado pela GC; 1702 – António Rebelo, português, eleito pela Comunidade monástica; 1707 – Sebastião da Mãe de Deus, português, nomeado pela GC; 1713 – Antelmo Pereira, português, nomeado pela GC; 1716 – Luís de Brito, português, eleito pela Comunidade mo- nástica; 1746 – Bernardo de Santa Maria, português, eleito pela Comu- nidade monástica; 1752 – Manuel da Conceição, português, nomeado pela GC; 1754 – Atanásio de São José, português, nomeado pela GC; 1757 – Francisco de Santo Hugo, português, nomeado pela GC; 1777 – Silvestre Teixeira, português, nomeado pela GC; 1790 – António de São José de Castro, português, nomeado pela GC; 31 1798 – Matias de São Bruno, português, eleito pela Comunida- de monástica; 1824 – Bruno de São João Baptista, português; 1825 – José de Santa Maria, português, o último Prior em fun- ções em Vallis Misericordiae, até à saída. 10

A CARTUXA - IV A Cartuxa de Burgos por José Lança-Coelho Licenciado e Mestre em Filosofia pela FLUCL Fundado, em 1442, pelo rei D. João II Juan de los Reys, não podemos deixar de de Castela, num das palácios que seu citar, os célebres sepulcros góticos dos reis pai Henrique II, possuía nos soutos fundadores D. João II e Isabel de Portugal, de Miraflores, o convento da Cartuxa o túmulo do filho destes dois monarcas, D. eleva-se cerca de 4 quilómetros a nordeste Afonso, estatuado em atitude orante, obra de Burgos, num monte que domina todo o do grande escultor Gil de Saloe, o retábu- vale regado pelas ribeiras de Arlazon, que lo do altar-mor da mesma época, os ad- desce da serra da Pineda. miráveis cadeirados dos dois coros, o dos monges em gótico florido e o dos conversos A obra foi iniciada pelo rei citado, mas con- em estilo Renascença, a bonita estátua de cluída pela sua filha Isabel a Católica que, S. Bruno executada pelo português Manuel cerrou a cúpula da fundação. Na verdade, Pereira, os quadros de pintura flamenga. a expensas suas, e durante o seu reinado, edificou-se a igreja, em que parecem ter A grandiosidade da Cartuxa de Miraflores participado os célebres mestres Colónias é de tal modo eloquente que, Filipe II, que (meados do século XV) que remataram a ca- mandara construir o Escorial, sempre que tedral de Burgos e fundaram, também nesta passava defronte desse monumento, excla- última cidade, a mais importante escola de mava: «Não fizemos nada!» arquitetura que teve a Espanha. Refiram-se ainda as sábias palavras de OS TESOUROS DA CARTUXA Sentenach, crítico e historiador de arte da DE MIRAFLORES Academia de Belas Artes de S. Fernando, acerca do monumento em análise: Relativamente à igreja cartusiana concluí- da nos finais da primeira metade do século «O conjunto admirável da abside de Mira- XVI, saliente-se que os seus coroamentos e flores (túmulos e retábulo) constitui a cúspi- terminações não possuem a impecável linha de da arte escultórica espanhola que nada gótica das congéneres da catedral, e o aca- semelhante fizera até ali nem fez depois, bado da própria obra grossa, é já bastante porque toda a sua história anterior parece sensível na curva depressiva da decadên- como que uma preparação para aquela cia. síntese insuperável; porque todos os carac- teres e assentos da Escultura pátria estão Porém, se o templo de Miraflores não ali reunidos e disciplinados em proporções pode ombrear com outros da época isabe- esplendorosas.» lina, como Santa Cruz de Segóvia e San Em síntese, poderemos afirmar que, ob- servamos na Cartuxa, o realismo espanhol 11

A CARTUXA - IV consubstanciado na escola de Burgos em Após as cortes de Valhadolid, o casal ins- pleno apogeu quando na Europa afirmava- tala-se em Burgos, na «Casa del Cordon», -se já a Renascença italiana. onde sua mãe recebera Cristovão Colombo de volta da sua descoberta do novo mundo. QUEM É ESTA ISABEL DE PORTUGAL? Alguns meses após a coroação de Filipe, Foi a segunda mulher de D. João II de Cas- este morre subitamente, levando Joana a tela e mãe de Isabel a Católica. uma viuvez inconsolável e desvairada, que Era neta de D. João I de Portugal pelo lado se traduz na oferta, entre outros actos, de paterno, pois era filha do infante D. João, todas as suas vestes, cortinados de seda e Mestre da Ordem de Santiago, pai também ouro aos monges da Cartuxa de Burgos, que de D. Brites, a mãe de D. Manuel, o Ventu- lhe guardam os restos mortais do marido, roso, e da rainha D. Leonor; e bisneta de D. para que os transformem em paramentos. Nuno Álvares Pereira, por parte de sua mãe D. Isabel, filha de D. Brites – filha do Santo Certo dia, Dona Joana demonstrando o Condestável – e de seu marido D. Afonso, o medo que tem que lhe roubem o cadáver 1º duque de Bragança e conde de Barcelos, do marido, ordena aos monges que lhe filho de D. João I. mostrem o seu apaixonado. Satisfeito este desejo, outro assalta a mente da rainha, e Outro português, já citado anteriormente, desta vez, pretende transladar o marido. que deixou a sua marca indelével nesta Car- Entre muita gente grada que se opõe a este tuxa de Burgos é Manuel Pereira, escultor acto, está o bispo de Burgos que avisa a que viveu na corte espanhola nos meados rainha que as trasladações só se podem do século XVII, e esculpiu a estátua em fazer após seis meses da realização do fu- talha de S. Bruno que se encontra numa neral. capela do monumento. Joana abespinha-se, e não se demove do JOANA, «A LOUCA», LOUCA DE AMOR! seu propósito, o que leva a que a desejada trasladação se realize, de noite, e debaixo Ao contrário do que o epíteto sugere, a de uma medonha tempestade, «porque - se- rainha espanhola ficou louca desde que a gundo ela -, uma mulher honesta depois de morte lhe levou o seu querido príncipe D. haver perdido o seu marido, que é o seu sol, Filipe, o Belo, com uns incipientes 28 anos. deve fugir da luz do dia». Filha segunda da grande Isabel e sua suces- sora ao trono de Castela por morte do primo- O fúnebre cortejo passa, então, o portal génito D. João, Joana casa na Flandres com da Cartuxa de Miraflores, alumiado pela so- o arquiduque da Áustria, D. Filipe, o Belo, turna luz dos archotes, e debaixo de uma e é jurada herdeira da coroa em 1502, que chuva impiedosa, batido por um vento fan- ocuparia em toda a plenitude, partilhando-a tasmagórico, desce as colinas ásperas, e com o seu marido, quatro anos mais tarde, perde-se nas religiosas solidões de Caste- depois da morte da mãe. la-a-Velha. l nota: o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico. 12

A CARTUXA - IV OS BANHOS NO MAR DE OEIRAS COMO CURA DA INFERTILIDADE Por Ana Teixeira Gaspar No final do século XVIII, os médicos começam a Remédio em que Eu tenho uma Um mês depois, a 18 de Julho, recomendar os banhos grande esperança de que a Nossa o príncipe reforça o que escreve- de mar como cura de Casa tenha a felicidade de ser con- ra antes: “Domingo fomos à festa tinuada pela dita Senhora.” (Biblio- de Nossa Senhora do Carmo, a Caxias e nosso mano lá tomou o algumas maleitas, como o raqui- teca Nacional, Colecção Pombali- seu banho de mar, com os quais tem passado muito [bem].” (Idem, tismo infantil, a palidez juvenil, mas na, PBA 714, fl. 116V). Os condes p. 348). No ano seguinte, D. João volta a abordar o mesmo assunto também a infertilidade feminina e de Oeiras encontravam-se então nas cartas que escreve à irmã. a impotência dos homens - não residindo em Oeiras e, enquanto D. Porém, os banhos de mar exi- giam determinadas cautelas: a fossem os vigorosos marinheiros Antónia tomava banhos de mar, o condessa de Oeiras tinha de sujei- tar-se às dolorosas sangrias antes um exemplo de larga procriação. seu marido aproveitava os banhos dos banhos (“que as sangrias da minha mana, não tenham outra Tendo o concelho de Oeiras do Estoril, mais propícios para os causa mais que a prevenção para os banhos”, escreve a cunhada uma larga costa marítima, e fican- males de que padecia, e também Teresa, de Vila Flor (BNP, Colec- ção Pombalina, PBA 712, fl. 259). do situado tão próximo da capital, muito apreciados na época. As E o já referido príncipe do Brasil devia coibir-se de relações sexuais não é de estranhar a sua utilização cartas do pai sucedem-se referin- com a princesa: “Acabada a ceia foi para o Quarto da Princesa sua para esses fins. do sempre a grande esperança na mulher (…) Dizem dera sanhas de se ajuntar com a dita Prince- Assim, os primeiros banhos obtenção de descendência. sa o que lhe estava proibido pelo referido Principe andar tomando de mar tomados no concelho de Semelhante problema afetava banhos do mar.” (ANTT, Manuscri- tos da Livraria, n.º 1124, fl. 93V) Oeiras que conhecemos tiveram a família real. O príncipe herdei- Contudo, nem os condes de o propósito de garantir a descen- ro, D. José e a mulher, D. Maria Oeiras nem os príncipes do Brasil tiveram descendência. Afinal, os dência aos segundos condes de Benedita, casados em 1777, não banhos de mar podiam servir para curar inúmeras doenças, mas a in- Oeiras. Casados desde 1764, conseguiam garantir a sucessão. fertilidade não seria seguramente altura em que D. José agraciara o Assim, nove anos depois do casa- uma delas. l jovem casal com o mesmo título mento, o seu irmão, o príncipe D. que ao pai pertencia, Henrique João - futuro rei D. João VI - escre- José e D. Antónia não tinham ve, a 15 de Junho de 1786, à irmã filhos, representando uma tremen- Mariana Vitória que se encontrava da preocupação familiar. em Espanha por via do seu casa- A 14 de Junho de 1778, o velho mento com um príncipe espanhol: marquês, Sebastião José, de “Hoje vai meu mano pelo primeiro Pombal onde se encontrava exila- dia tomar banhos de mar, os quais do, responde a uma carta do filho vai tomar para diante de Caxias e primogénito, congratulando-se por depois vai jantar a Caxias e são as dois motivos: “Um o de ser escrita novidades que por cá há.” (Alice em Oeiras; outro o de ter essa tua Lázaro, Se saudades matassem... assistência por causa o remédio – Cartas íntimas do infante D. João dos banhos aplicados a Minha (VI) para a irmã (1785-1787), p. querida Filha a Senhora Condeça. 334). 13

A CARTUXA - IV A PROPÓSITO DE MÁRIO BOTAS… (Continuação da edição anterior) Por Jaime Silva reflexões que revelam: (…) a identidade e a vontade dos heróis em confronto. Ele N a configuração artística portugue- mesmo, considera: “Fui sempre um pintor sa, sobretudo no que respeita a do lado da escrita, opondo-me e unindo- artes plásticas, a Obra de Mário -me a ela. O que pinto gosta de se encon- Botas irrompeu então como um fu- trar com as palavras, sobretudo com as racão, conotável certamente com o espírito palavras dos outros”. surrealista, mas sem que Botas adoptasse o seu jargão puro e duro, antes se enten- A Obra de Mário Botas mereceu retros- dendo como incansável pesquisador da pectiva apresentada no CCB, Lisboa, entre imagem e da palavra. 27 de Maio e 31 de Outubro de 1999, com comissariado de Almeida Faria, José Reconhecido pelos seus pares e pela Manuel de Vasconcelos e Margarida Veiga. crítica de arte, a obra de Botas foi de ime- diato saudada como “maior” pelos poetas, Almeida Faria, no texto de introdução ao pintores e escritores portugueses, entre Catálogo “O Pintor à Porta dos Infernos”, eles António Osório, Vasco Graça Moura, evoca os seus anos iniciais enquanto bri- Almeida Faria, Cruzeiro Seixas, Mário Ce- lhante aluno de Medicina; o desenvolvi- sariny de Vasconcelos, Raúl Perez, Manuel mento de uma técnica de representação Casimiro, Paula Rego. aleatória, bem próxima do espírito sur- realista e refere a “insubmissão” de Botas Em 1983, o médico psiquiatra António a qualquer ideologia. Reporta a sua liga- Bracinha Vieira publica o ensaio “A Feno- ção com a música (Wagner, Alban Berg, menologia da Criação Artística em Mário Mozart, Weber e Richard Strauss); a pro- Botas”, na colecção “Arte e Artistas”da ximidade, talvez deliberada, entre retrato e INCM. auto-retrato; o enorme apreço por Baude- laire e a devoção a pintores como Chirico, Neste livro fascinante, considera o autor Chagall, Bocklin. A ávida leitura dos filóso- que: (…) as criaturas de Mário Botas rece- fos e, a talvez inesperada, homenagem a bem as proporções do fantástico de Bosch Parménides, de Eleia. e da ironia de Paul Klee. Mais acrescenta: (…) animais heráldicos, demónios, entes Cita ainda o escrito de Botas, por cima híbridos, silhuetas da loucura, reaparecem e por baixo de um desenho de dez cipres- pelos trabalhos de Mário Botas, mascaran- tes alinhados “como cortejo funéreo”, como do símbolos e mascarando-se de símbolos. quem se despede: Nos seus trabalhos sobre papel e nos quadros, o autor inscreve curtos textos e 14

A CARTUXA - IV Águas correntes de regatos imensos, “moderno”, “pós-moderno” e “contemporâ- que não estão no corpo mas na alma e de- neo”, a Obra de Mário Botas merece ser saguam sempre noutro rio até chegarem entendida/lida de modo aberto e não ime- àquele a quem os antigos chamavam Le- diatamente inserível em propostas curtas tes…E no meio de duas pessoas que se e epocais. Socorro-me de Agamben, Gior- encontram, como no meio de alguém que gio filósofo italiano de renome universal e, se encontre a si próprio, há sempre um entre outras, da interessante proposta de espaço qualquer que nem por poder ser Paula Cristina Costa, em “O crepúsculo do muito pequeno deixa por isso de ser muito contemporâneo” (Passagens, Vega,2020). importante. Tão importante que se não existisse não havia o Mundo. Ciente da importância deste autor e como membro do Conselho de Administração da Tenho pena de vos deixar assim…Mas Fundação que ostenta o seu nome, propus não é o hesitar que faz o êxito. E muito a sua inserção no alargado contexto de menos o ser de Tão Longe. programação de “Oeiras – Capital da Cul- tura Europeia 2027”. Espero que assim Tenho-vos sempre na lembrança, venha a acontecer! l Mário No contexto artístico actual, já de refle- nota: o autor não escreve xão e de reentendimento das propostas segundo o novo acordo ortográfico. teóricas que motivaram as designações de 15

A CARTUXA - IV NUMÍDICO BESSONE ESCULTOR E MEDALHISTA Por Silvana Bessone Nasceu nos Açores, A tese final do curso de telas funerárias do pintor Do- na Ilha de São escultura foi a estátua do Ar- mingos António de Sequeira Miguel em Lagoa canjo S. Miguel tendo obtido e do Patriarca das Índias, a 12 de agosto de a classificação máxima e D. Teodósio Manuel Ribeiro 1913 filho de Manuel Borges recebido o Prémio Roque Vieira de Castro, Patriarca de Medeiros Amorim que Gameiro que lhe permitiu das Índias. fora Presidente da Câmara concretizar um sonho e partir Municipal de Lagoa entre em 1947 para Itália na con- Em Roma conhece a 1889-1892 e 1896-1899 e de dição de Bolseiro do Instituto colega de curso Maria Gio- Rubínia Bessone Borges de de Alta Cultura ficando a resi- vanna Brugnara com quem Medeiros Amorim. dir no Instituto Português de vem a casar em 1950, tendo Santo António. o casal e regressado a Numídico Bessone após Lisboa em 1951 ano em que a conclusão dos estudos Em Roma, fez com distin- nasce a sua única filha Silva- secundários e do curso de ção, o Curso de Escultura na Bessone. desenho na antiga Escola na Academia de Belas Artes de Artes e Ofícios de Velho de Roma onde foi discípulo Em Portugal, são obras Cabral em Ponta Delgada de Guido Calori e Michele parte para o Continente em Guerrisi e já como Bolseiro 1932 e estuda Pintura na do Governo Italiano foi o pri- Escola de Belas Artes do meiro português a cursar na Porto e Escultura na Escola Escola de Arte da Medalha de Belas Artes de Lisboa. dirigida época por Giuseppe Romagnoli. Foi discípulo de Veloso Sal- gado, de Simões de Almeida Foi considerado pela co- (Sobrinho) e do mestre Fran- municação social da época o cisco Franco com quem cola- “Catedrático de Portugal” em borou na execução e monta- Roma. gem da estátua equestre de D. João IV que se encontra Na Igreja de Santo António no Rossio do Paço Ducal de dos Portugueses encontram- Vila Viçosa. -se alguns dos seus traba- lhos nomeadamente, as es- 16

A CARTUXA - IV Estátua de Ramalho Ortigão da sua autoria diversas es- Grande; a do Padre Sena bra encontra-se a estátua de tátuas de que se destacam Freitas em Ponta Delgada; S. José e o Menino Jesus na a do Arcanjo S. Miguel que a do Presidente Manuel de fachada da Igreja do Calha- foi inaugurada nos Açores Arriaga na cidade da Horta; a bé, os Baixos-relevos monu- frente à Câmara Municipal de do Duque de Ávila e Bolama mentais na Faculdades de Ponta Delgada; a de D. João também na cidade da Horta; Letras e no Instituto de Me- IV apresentada em 1940 na a de Bento de Góis na cidade dicina Legal de Coimbra e exposição do Mundo Portu- de Vila Franca do Campo; na Marinha Grande as está- guês; a do cronista Gaspar a do escritor Ramalho Orti- tuas de D. Dinis e da Rainha Frutuoso instalada frente gão colocada no Jardim de Santa Isabel. à Igreja Matriz na Ribeira Santos em Lisboa; em Coim- Nos Estados Unidos teve 17

A CARTUXA - IV especial importância o mo- mericana de Numismática e Museu Nacional de Arte numento ao Emigrante Por- Medalhística. Contemporânea de Lisboa, tuguês inaugurado no Root em diversos museus por- Park, na cidade de San Lean- Nos últimos anos da sua tugueses, em museus no dro na Califórnia em 1969. carreira dedicou-se exclu- estrangeiro e em coleções sivamente à medalhística particulares. A medalhística esteve tendo produzido várias deze- sempre presente ao longo da nas de medalhas em bronze Foi professor na Socieda- sua carreira tendo participa- e em prata, encomendadas de Nacional de Belas Artes do nas diversas Exposições na sua maioria pelo Estado e Professor de Desenho em Internacionais de Medalha para comemorar diversas Escolas Técnicas, na Casa Contemporânea realizadas efemérides, tendo sido quase Pia de Lisboa, e em diver- em Roma, Londres, Viena sempre cunhadas na Casa sos Liceus nos Concelhos de de Áustria e Paris. Em 1958 da Moeda. Assinava as suas Lisboa e Oeiras esteve representado em Bar- obras com as iniciais NB. celona na 1ª Expo Ibero-A- Pertenceu ao Centro de Está representado no Estudos de Arte e Museolo- gia do Instituto de Alta Cultu- ra de Lisboa, e era membro da Associazione Artística Internazionale di Roma; da Accademia Mondiale degli Artisti e Professionanisti, Roma; Accademia Tiberina, Roma; Accademia del Medi- terrâneo, Roma e membro de Honra da União Portuguesa do Estado da califórnia. l 18

A CARTUXA - IV NANO-BIO-TECNOLOGIAS (OU COMO USAR O ESPAÇO MUITO RACIONALMENTE) N Por Carlos A. S. Aguiar tivessem que vir da Amé- o jardim do palá- cipe Real em Lisboa. rica do Sul, da América do cio do Marquês de Referindo-me agora ao Norte ou da Austrália, res- Pombal, aqui bem Reino Animal vou falar, pectivamente, na sua forma perto de Paço de mais abaixo, do...intestino actual, teriam que vir em Arcos, já devem ter repa- dos mamíferos, dos favos navios porta-contentores rado, os que o visitaram, das colmeias de abelhas e e ocupariam quase todo em duas enormes árvores vespas e outras formas de o espaço da sua coberta. plantadas num pequeno usar o espaço muito racio- Saíria um frete caríssimo. espaço numa das alas nalmente. laterais do dito palácio. Como todos sabemos, Passando ao...intestino Tronco enorme, espesso, existem pessoas muito ar- dos mamíferos, nomeada- circular, de grande períme- rumadinhas, que quase mente ao nosso. Já ima- tro, e altura muito elevada. conseguem meter o Rossio ginaram como teria de ser Trata-se de árvore oriunda na Rua da Betesga e outras a rotundidade da nossa de América do Sul, bem que atravancam todos os barriguinha, especialmente aclimatada no nosso ter- espaços sem ordem nem em alguns de nós, onde a ritório, e conhecida como método, para as quais tudo cerveja, as barrigadas de Araucária. São conhecidas lhes parece pequeno e grão-com-mão-de-vaca, as de muitos outros locais do onde não cabe nem mais feijoadas...já fizeram das nosso país, muitas outras uma agulha. suas e, agora, nem com árvores de várias espécies Quem leu até aqui, deve quinhentos abdominais e de carvalhos, nome comum estar a perguntar-se: O que muito suor, ela volta à sua de exemplares do género é que tudo o que está escri- forma lisinha...? Quercus, que também to aqui, tem que ver com o atingem gigantescas pro- título Nano-Bio-Tecnologias E as abelhas? Como é porções, quer em diâmetro (ou como usar o espaço que fariam os favos para dos troncos, quer em diâ- muito racionalmente)? É as colmeias, tão graciosos metro das copas. Tal acon- isso que eu vou tentar de- que estas ficam tão es- tece também com muitos monstrar...se for capaz! treitinhas, onde cabe tanto pinheiros, eucaliptos, se- Começando pelos vege- doce mel, se não os fizes- quóias e cedros. Destes úl- tais gigantes: As tais arau- sem com tanta recionalida- timos, pode ver-se um belo cárias e sequóias, e alguns de. Há quem diga, quanto exemplar no Jardim do Prí- eucaliptos, por exemplo, se a mim erradamente, que é o instinto e não a razão. 19

A CARTUXA - IV Será? apresenta grande seme- relatei tenha resultado de Vejamos que, em termos lhança com as tais cúpulas um acto criativo de uma Di- abobadas, e é formada por vindade e que tudo tenha de área, o hexágono é o po- hexágonos... como os que sido criado tal como está ligono que “menos espaço as abelhas usam...! e...para nós, os Huma- desperdiça para conter um nos, disfrutarmos. Outros, ...círculo” E, para quem Pois bem, as araucá- usando a sua capacidade não saiba, inicialmente os rias, sequóias e alguns de raciocínio, estudando, favos começam por ser cir- eucaliptos, chegaram cá, errando e acertando, ver- culares. Matematicamen- no passado geológico, ficaram ter sido de outra te expressa-se o menor empacotadas em formas forma, e formaram concei- espaço que se desperdiça, muito pequeninas, as cha- tos e teorias que têm sido para que um círculo esteja madas sementes, embora válidos e aceites durante contido num hexágono, as das sequoias e arau- vários períodos de tempo, pela formula 4√3R em que R cárias venham reunidas e infirmados substituídos é o raio da circunferência, em pinhas, por vezes bem noutros. e que noutros polígonos grandes, mesmo asim como por exemplo o triân- são infinitamente peque- No tempo actual prevale- gulo é 6√3R e o quadrado nas quando comparadas ce a aceitação quase uni- 8R. As abelhas sempre são com as árvores que nelas versal de que as formas e mais espertas e sabem ar- vinham...Nano-Bio-Tecno- funçoes são resultado da rumar tudo melhor do que lógicamente arrumadas. evolução e adaptação de se podia pensar... Já pen- formas pré-existentes. saram que a nossa espécie Quanto ás nossas barri- copiou o método que elas guinhas que têm, mesmo Eu não sei como pensam usam, depois de tentar assim, muitos metros de as abelhas, nem sei se fazer abóbodas de tubos intestinos organizada- elas pensam, mas sei que de metal com triângulos, mente enrolados, se não elas sabem fazer coisas e até com octógonos e, fossem as muitíssimas vi- que eu apenas sou capaz enquanto não usaram he- losidades que lhe aumen- de representar em foto- xágonos com os ângulos tam a área interna sem lhe grafias, desenhos e... tri- exactos – que as abelhas aumentarem o volume, pa- dimensionalmente só com e vespas já conheciam – a receriam enormes balões. uma impressora 3D, crian- cúpula nunca se conseguia Que enormes cintos e que do um programa, que elas fechar... Acontece também tamanho teriam as cinturas já têm nas suas minúscu- uma outra coincidência in- das nossas calças! Melhor las cabecitas. teressante: Na substância, seria segurá-las com sus- denominada Buckminster- pensórios! Mas, árvores, mesmo fulereno - uma forma de Bonsai, só com as semen- carbono - a sua estrutura Vou terminar deixando tes, algumas, ou plantan- molecular quase esférica, no ar uma núvem de con- do-as de estaca já com trovérsia. Há quem ache raíz, outras, consigo tê- e acredite que tudo o que las.... l 20

A CARTUXA - IV OSSOS DUROS DE ENCONTRAR Por Fernando Lopes - EMACO ras aos cartuxos, mediante as obras de construção do acordo entre a Ordem ad- Forte de D. Luís, em Caxias, Corria o ano de quirente e a Misericórdia de no terminus do Campo En- 1583 quando o ta- Lisboa, executante do tes- trincheirado de Lisboa. O belião Luís Bulhão tamento deixado por Dona Palácio Real passa a sede certificava o con- Simoa e aberto em 1594, do Governo Militar e a Car- trato de aquisição de uma no dia imediato à sua morte. tuxa é transformada em quinta em Laveiras, por caserna para instalação de parte de D. Luís de Almei- Só a vontade régia sapadores em serviço no da, cavaleiro de El Rei, a de Filipe I e a interven- complexo militar que rodea- D. Jerónimo Lobo, tutor de ção papal permitiram aos va Lisboa. Miguel de Almeida. monges brunos a posse da quinta e a instalação do Segundo notícia no O novo proprietário havia Mosteiro. Das “cabanas” ini- “Diário Ilustrado”, de 27 de feito fortuna nas ilhas do ciais ao imponente cenóbio Julho de 1880, no início da Golfo da Guiné. Bem rela- joanino, decorreram fases adaptação da igreja e sa- cionado, casara com Simoa construtivas e alterações cristia em habitáculos mili- Godinho, “parda” de nas- sucessivas, seguidas do tares, um oficial avisado faz cimento, descendente dos restauro, após o terramoto uma descoberta macabra primeiros povoadores de de 1755, atribuído a Carlos de ossadas abandonadas São Tomé, senhora de fa- Mardel. em cubículos e capelas. zendas de produção açuca- Também são referidos dois reira e de grande número de Em 1833, temendo a apro- caixões com os corpos do cativos africanos. O tráfico ximação das tropas liberais, bispo do Funchal e do bispo negreiro não lhes era estra- os monges abandonam o do Porto que foi, também, nho. Conflitos sociais ocor- Mosteiro de Nossa Senho- Patriarca eleito de Lisboa e ridos nas ilhas em meados ra do Vale da Misericórdia. Governador do Reino. Terá do século XVI, fizeram o Com a extinção das ordens sido grande a impresão casal instalar-se na capital, religiosas e a expropriação dos povos em redor com o manejando a partir daí os do património, recolhidas estado intacto dos corpos seus negócios que incluíam parte das obras de arte, dos eclesiásticos ainda pa- investimentos fundiários no o edificado e a quinta são ramentados. reguengo de Oeiras. vendidos a um particular e, posteriormente, perdidas a O oficial responsável Em 1603, já falecido o favor do Estado. pelo quartel improvisado, casal, na presença do re- com a colaboração da ad- presentante do julgado de No final da década de 70, ministração do Concelho, Oeiras, é confirmado a en- do século XIX, iniciam-se trega da quinta de Lavei- 21

A CARTUXA - IV procedeu à transladação clero e os militares manifes- chão do Claustro das ossadas que estavam taram disponibilidade para Maior, e o des- dispersas para o cemitério colaborar no transporte e tino dos corpos de Oeiras, acorrendo a po- acompanhamento dos fé- dos eclesiásticos, pulação e o clero local em retros dos bispos. Mas não. devem motivar sentida homenagem pro- Acabou por faltar a vontade uma investigação cessional. Já, segundo a e a decisão de pagar as de- documental que, notícia, os corpos dos pre- pesas capazes de conferir por certo, também lados permaneceram encai- as honras fúnebres devidas a CMO não deixa- xotados nos seus cubículos. a tão altos dignitários. rá de fazer. Quando solicitada a intervir, a Câmara alegou falta de Vem este artigo a propósi- Os séculos de verba. Por seu turno, a ad- to do trabalho de pesquisa história do Mos- ministração central não se arqueológica que, certa- teiro e a presença manifestou, talvez porque mente, irá acompanhar as posterior do Insti- estivesse ocupada com a obras de limpeza, de “rea- tuto de Reeduca- substituição do governo. No bilitação” e de restauro do ção, fundado pelo entanto, a Câmara lá acei- complexo adentro da cerca. Padre António de tou ceder o terreno para o Na verdade, as ossadas Oliveira, no início enterramento. Também o dos monges cartuxos, tradi- do século XX, cionalmente enterradas no clamam por uma interven- ção, que se espera cuidada e atenta, por forma que os actuais e vindouros visitan- tes compreendam a impor- tância do lugar. Com efeito, só temos que augurar os melhores resultados dos trabalhos agora iniciados, tanto mais que em 2018 a DGPC já procedeu à aber- tura do processo de clas- sificação do Mosteiro e da Igreja, conforme solicitação da CMO em 2017. l In “https://espacoememo- ria.org” l 22

A CARTUXA - IV PASSEANDO PELA ESTAÇÃO AGRONÓMICA NACIONAL Por Jorge Castro- EMACO Respigo, de um pas- seio higiénico, mas nome, atribuições, estrutura virtual pela inter- orgânica e meios de traba- net, as seguintes lho foram variando ao longo dos anos, sofreu profunda informações, respeitantes reforma em 1936 através à Estação Agronómica Na- do Decreto-Lei nº 27 207 cional: de 16.11.1936 (Reforma «As origens da Estação Rafael Duque) que criou, à Agronómica Nacional re- semelhança do Laboratório montam, à semelhança de Químico Central, a Estação outros organismos de in- Agronómica Nacional.» (in vestigação agronómica por- https://www.iniav.pt) tugueses, ao século XIX, Após uma vida algo atri- peripatéticos e arroubos fo- tográficos, sempre que os sendo fruto das reformas bulada, deslocando-se de meus passos para ali me conduzem, o que vem acon- prosseguidas na época no paradeiro em paradeiro, tecendo, em abono da ver- dade, de há uma boa mão- quadro da organização dos apenas em 1961 a Quinta -cheia de anos a esta parte. serviços agrícolas (Reforma do Marquês, em Oeiras, E para ali vou, em passeio de exercício físico, mas pela de Emídio Navarro). propriedade do Estado com tranquila quietude que por tais paragens se desfruta, É herdeira de uma tradi- mais de 130 hectares, foi en- bem como pela observação amadora da fauna diversa… ção iniciada com as primei- tregue à Estação Agronómi- e, verdade seja, porque ninguém me sabe dizer se ras investigações agronómi- ca Nacional, para que esta essa devassa de território privado seja ou não permiti- cas efectuadas na Estação aí se instalasse e desenvol- da ou proibida por qualquer entidade. Não. Atravesso Agronómica Experimental, vesse investigação exclusi- tão-só um portão escanca- criada em 1869 e cuja vo- vamente agrária, conforme cação se dirigia à investi- nos informa a mesma fonte. gação sobre o emprego de Do seu labor meritório não substâncias fertilizantes na haverá nada a contestar. Da agricultura, à semelhança utilidade da sua existência do que, na época, acon- menos, ainda. tecia um pouco por toda a Há, entretanto, algo que Europa. a mim assaz me perturba, Aquela Estação, cujo cidadão dado a devaneios 23

A CARTUXA - IV rado… e lá estou, tal como então, em ambiente tão cunstâncias mais ou menos muitos outros que fazem o aparentemente idílico? históricas o «justificam». mesmo. Pois bem, a quantidade Sei, apenas – e nunca Os olhos enchem-se das enormíssima de infraestru- cessa, nestas coisas, a extensões de vinhedos, em turas espalhadas um pouco minha perplexidade – , que boa hora na recuperação por toda a parte naquele num país onde há uma tão do néctar de Carcavelos, território e o seu lamentá- gritante carência de tanta das flores campestres e vel estado de degradação. coisa, nos permitamos o da diversidade pródiga de Desde antigas estufas, a luxo de desperdiçar recur- passarada, bem como dos equipamentos que aparen- sos que poderiam consti- insectos. Apareceram, mais tam oficinas ou, até, cons- tuir acolhimento, guarida, recentemente, uns cavalos, truções para fins administra- ocupação, para tanta gente, algumas cabras e ovelhas, tivos, em imensa profusão. desde aquele grupo de que só enriquecem a pai- jovens que quer formar uma sagem e permitem alguns Tão imensa quanto esse banda, àquele idoso que interessantes instantâneos seu abandono e estado de ainda sonha ter a sua horti- fotográficos. deterioração, com as jane- nha, aos artistas com ânsias las meticulosamente par- de um ateliê de jeito… eu Recentemente, assisto tidas, como as portas cui- sei lá quem e quantos mais. com agrado à intensa recu- dadosamente destroçadas. peração – desmatamento e Recantos fétidos e inestéti- Ah, são estas coisas limpeza – da zona ao longo cos de fins inconfessáveis, devidas ao abandono do da ribeira, segundo julgo a quem a natureza, em obra Estado…? Pois, daí advém a saber a cargo do município de graça ou pudor, vai en- minha maior perplexidade. l de Oeiras e que aponta, cobrindo, neste caso, com o também, para o restauro de manto verde da fantasia. In “https://espacoememo- infraestruturas da Quinta do ria.org” l Marquês. Não sei, nem virá ao caso, quem é o responsável por E o que me perturba, esse abandono ou que cir- 24


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