Important Announcement
PubHTML5 Scheduled Server Maintenance on (GMT) Sunday, June 26th, 2:00 am - 8:00 am.
PubHTML5 site will be inoperative during the times indicated!

Home Explore EIXO 9 - Questões de Gênero, Raça/Etnia e Geração

EIXO 9 - Questões de Gênero, Raça/Etnia e Geração

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2021-01-22 22:43:05

Description: Questões de Gênero, Raça/Etnia e Geração

Search

Read the Text Version

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI buscar combater a dominação masculina e o sexismo, se mobiliza, ao mesmo tempo que, debate e pensa sobre políticas que viabilizem mudanças nesta perspectiva. Assim sendo, o feminismo consiste em um movimento social, político e filosófico, voltado para “acabar com a opressão sexista” (HOOKS, 2019, p. 24). Nesse sentido, vale mencionar que a articulação feminista, constitui-se em “uma longa história como movimento social emancipatório” (GARCIA, 2011, p. 12). Considerando essa perspectiva, Céli Regina J. Pinto (2010) compreende a construção desse movimento social por meio de duas vertentes: primeiramente, pela histórica do feminismo, ou seja, através da ação, do ativismo do movimento feminista; e segundamente, pela produção teórica do pensamento feminista nas áreas da História, das Ciências Sociais, da Crítica Literária e da Psicanálise. Não obstante, ressalta-se que o engajamento com a prática feminista construiu a história das mulheres antes mesmo que os estudiosos a fizessem, pois, tão somente nos anos de 1970 é que se abrem nas universidades, espaços para grupos de pesquisas e discussão (PERROT, 2001) em que se incitam e se exercem o pensamento feminista e desenvolvem-se teorias. De modo que, ao se traçar a história do feminismo enquanto movimento social, considera-se comumente, desde as manifestações iniciadas no século XIX pelo direito ao sufrágio e ao acesso à educação, até ao feminismo contemporâneo. Essa trajetória é compreendida em ondas e segue uma ordem cronológica, dentro de determinado contexto histórico e de determinadas reivindicações sociais. Contudo, vale ressaltar que não existe um movimento feminista uniforme, vez que se destaca o seu caráter plural. A despeito disto, a primeira onda configura-se manifestações de mulheres, ricas e altamente instruídas, atravessada pela luta em defesa ao acesso à educação, e, principalmente, pelo direito ao sufrágio universal, entre meados do século XIX e início do XX, sobretudo nos EUA e na Inglaterra. No Brasil o direito de voto pelas mulheres é conquistado no ano de 1932, durante o governo de Getúlio Vargas. Seguindo essa perspectiva periódica, a segunda onda compreende ao período de efervescência política e cultural que perpassa os anos de 1960 aos anos de 1980. Principalmente, sob a influência teórica da obra o Segundo Sexo, da filósofa Simone de Beauvoir. As feministas buscaram explicações sociais e históricas acerca da condição subordinada das mulheres na sociedade, a exemplo, da condição feminina na reprodução. De modo que, a teoria feminista buscava resignificar o ser mulher, 4361

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI centralizando o debate na compreensão da mulher enquanto um ser social, e não a compreendendo mais enquanto ser biológico. Contudo, vale mencionar a hegemonia de uma teoria feminista pautada em umas “supostas universalidade e unidade do sujeito do feminismo” (BUTLER, 2016, p. 23). Por essa razão é que mulheres negras, ao não se sentirem contempladas por essa análise, passam a intervir de maneira crítica na produção do pensamento feminista. No contexto da luta pelos direitos civis nos EUA e do Black Feminism, no final da década de 70. Nessa esteira de crítica realizada pelas feministas negras é que surge a terceira onda feminista. Vale mencionar que essa mudança no pensamento feminista ocorre por meio de uma interpretação pós-estruturalista acerca do conceito de gênero e da sexualidade. Tem início na década de 1990, discute determinados paradigmas adotados nas ondas anteriores e inclui no debate de gênero o debate da pluralidade de identidades, ao tecer sobre a performatividade do gênero. Contribui para uma nova perspectiva teórica do feminismo, na medida que insere questões próprias de outros grupos que outrora foram excluídos da discussão feminista. Destacam-se dentre as teóricas dessa onda: a historiadora estadunidense Joan Scott (1990), que influenciada por Michel Foucault, entende gênero como uma categoria de análise, uma vez que este estaria imbricado a relações de poder, “o uso do gênero coloca a ênfase sobre todo o sistema de relações que pode incluir o sexo” (SCOTT, 1990, p.7). Kimberlé Crenshaw, com o conceito de interseccionalidade, em que os sistemas e estruturas de opressão ou dominação relacionam-se de maneira imbricada, no que tange à raça e ao sexo. E a filósofa americana Judith Butler (2016), que critica a universalidade da identidade feminina adotada até então, visto que “as alegações universalistas são baseadas em um ponto de vista epistemológico comum ou compartilhado” (BUTLER, 2016, p. 38). Butler (2016), uma das pioneiras da teoria queer, entende que esse discurso universal empregado, a relação binária entre homens e mulheres é excludente, uma vez que gênero, sexo e sexualidade são construídos em correspondência da heteronormatividade. Nesse sentido, defende que gênero seja performativo, fluido, e não binário: Nesse sentido, Raewyn Connell e Rebecca Pearse desempenham papel importante ao discutirem e publicarem acerca do debate contemporâneo que se estabeleceu em torno da política e das relações de gênero. Em suas palavras “os arranjos 4362

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI de gênero são, ao mesmo tempo, fontes de prazer, reconhecimento e identidade, mas fonte de injustiça e dano. Isso significa que gênero é inerentemente político” (CONNELL, PEARSE, 2015, p. 43) Com a internet cada vez mais inserida no cotidiano das pessoas, bem como pelo aumento do uso das tecnologias de informação e das mídias sociais virtuais, a estrutura das mobilizações sociais ganha um novo contorno, bem mais abertas para articulações diversas, sejam elas locais ou globais (SCHERER-WARREN, 2006). Por criarem um espaço que possibilite “escapar da dicotomia de género e das fronteiras do corpo físico” (CERQUEIRA; RIBEIRO; CABECINHAS; 2009, p. 114), também modificam o feminismo enquanto movimento social ao permitirem um fluxo maior e mais rápido de dados, proporcionam uma interação mais dinâmica entre as pessoas e os grupos, bem como a construção, a divulgação de ideias e de manifestações que posteriormente ganham as ruas, e, portanto, contribuem para a divulgação do pensamento feminista, das suas questões e pautas ao redor do mundo. Nesse cenário, o uso de hashtags tem se tornado um instrumento importante para o movimento feminista, ao permitirem o debate e a visibilidade para questões ainda delicadas no que tange às mulheres, em que se destacam o reconhecimento da pluralidade de feminismos e da apropriação da interseccionalidade para além de um simples conceito. Nessa perspectiva, muito embora, tal ideia não goze de amplo consenso, encontram-se na literatura pertinente alguns trabalhos no que tange à construção de uma quarta onda feminista, marcada sobretudo por uma mobilização digital, plural (PEREZ; RICOLDI, 2018) e interseccional. Mas afinal, por que se falar na construção de uma nova onda no movimento feminista? 2 A FORMAÇÃO DE UMA QUARTA ONDA DO MOVIMENTO FEMINISTA De certo que, o debate e o pensamento feminista que perpassaram nas demais ondas, reverberam no movimento feminista contemporâneo, que é mais diversificado, centralizado em questões relacionadas à representatividade e à violência, e principalmente pelo uso das redes sociais virtuais como canal de protestos (PAULINO; PAULINO, 2019). Esses aspectos permitem que atualmente se fale na formação de uma quarta onda feminista, principalmente o ativismo digital, que representa um importante instrumento nessa construção, e por isso, este mostra-se essencial para a compreensão 4363

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI de tal ideia. Nesse sentido, se faz necessário discorrer acerca do papel que o ativismo digital ocupa para o movimento feminista em uma concepção pluralista e interseccional. 2.1. Ciberativismo e feminismo Historicamente, os movimentos sociais constituem-se em a ações coletivas, de um determinado grupo com a finalidade de transformar a ordem social existente. No mundo contemporâneo não é diferente, mas com o advento da internet, a forma de organiza-se socialmente mudou. Surge a ideia de uma sociedade informacional, alicerçada na informatização produzida e reproduzida em um ambiente cibernético (CASTELLS, 2013). E que Ilse Scherer-Warren (2006) compreende como uma necessidade cada vez mais frequente dos grupos em “se articularem com outros grupos com a mesma identidade social ou política, a fim de ganhar visibilidade, produzir impacto na esfera pública e obter conquistas para a cidadania” (SCHERER-WARREN, 2006, p. 113). Dado ao papel que a internet desempenha atualmente no cotidiano das pessoas em todo o mundo, constitui-se em um ambiente democrático e inclusivo, que é dominado pelas uso das redes sociais, e portanto, um universo em que os historicamente excluídos (PERROT, 2001) podem exercer suas vozes. Nesse sentido, a ideia de ciberativismo, ou ativismo digital, “surge como uma ferramenta a mais para os atos de manifestação e mobilização social; uma não excluindo a outra” (FONSECA; SILVA; TEIXEIRA FILHO, 2017, p. 62). Devido ao intercruzamento de espaços e de transposição de limites geográficos e territoriais que a própria natureza das redes sociais permite, os movimentos sociais contemporâneos têm se caracterizado pela pluralidade de identidades, sejam de alcance local ou global. Para Manuell Castells (2013) a dinâmica da comunicação, a qual ele denomina de autocomunicação de massa, é modificada na medida que dilui e ultrapassa as barreiras físicas que outrora restringiam o contato entre pessoas ao redor do mundo. Seguindo essa perspectiva, Maria Lúcia Carvalho da Silva et. al. (2012) entende que os movimentos sociais e as redes sociais digitais constituem‑se numa importante chave analítica para a compreensão das “novas articulações, formas organizativas e de comunicação que ultrapassam fronteiras físicas, culturais, de tempo e espaço” (SILVA et.al., 2012, p. 124). E Alberto Melucci (1999) destaca a força que o 4364

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI rearranjo nas organizações dos movimentos sociais tem causado, sobretudo por ocorrem em rede e na rede. Nessa perspectiva, diante deste cenário é oportuno dizer que a popularização da internet sobretudo das redes sociais possibilita um rearranjo nas diversas mobilizações sociais, em que se destaca um ativismo apartidário, plural, sem a presença de uma liderança formal constituída e horizontal, criando-se assim, um ambiente perfeito para a construção e divulgação de ideias e de manifestações, que posteriormente ganham as ruas. Maria da Glória Gohn (2011) pontua que isto ocorre por meio da união de um grupo de pessoas em torno de um interesse comum, em que se verifica a criação de uma identidade comum (GOHN, 2011) em torno dos diferentes grupos dentro do movimento. Seguindo essa perspectiva, é possível dizer que o modus operandi do movimento feminista também foi impactado, de tal forma, que são as próprias feministas quem discutem demandas, produzem e divulgam seu pensamento. Vale mencionar que a instantaneidade e o alcance que o mundo virtual proporcionam, configuram um ambiente favorável para que haja debate em um espaço não convencional, com destaque para um protagonismo feminino, visto que, historicamente nos ambientes convencionais há a predominância do discurso masculino. As redes digitais possibilitam a massificação do feminismo ao permitirem uma maior difusão das ideias feministas, até porque “feministas são formadas, não nascem feministas” (HOOKS, 2019, p. 25). Daí a essencialidade deste meio, pois a troca de informações e experiências entre as usuárias oportunizam a construção de laços, e consequentemente de uma certa identidade. Essa interligação potencializa as bandeiras e a força dos protestos, o que permite mulheres, meninas e pessoas ao redor do mundo todo, conhecer, debater e adquirir consciência sobre a importância do feminismo para o desenvolvimento de uma sociedade igualitária para além da questão do gênero. Esse ativismo feminista, chamado também de ciberfeminismo (CERQUEIRA; RIBEIRO; CABECINHAS, 2009) é o responsável por um protagonismo nunca antes visto pelo movimento. Nunca se falara tanto de feminismo como hoje. Nessa perspectiva, em que se considera essa mudança na configuração do movimento feminista, a existência de diversos sites, blogs e perfis em redes sociais, representam importantes instrumentos pelos quais o feminismo tem utilizado para debater, se mobilizar, coordenar e decidir 4365

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI pautas a partir de interesses em comum. Tem se tornado mais visível, inclusivo, participativo e global. Sendo assim, o conceito de sororidade é essencial para compreender o uso de hashtags pelas feministas, visto que, por meio dessas tags, mulheres ao compartilharem situações que a priori são particulares, se unem e se mobilizam em alcance global. Vale ressaltar a diversidade de identidade e de temáticas presentes atualmente no debate feminista, discute-se temas como o assédio sexual, o estupro e a representatividade, com destaque para o movimento das mulheres negras, das mulheres transgêneros e das mulheres lésbicas. Conforme Olívia Perez e Arlene Ricoldi (2018), a internet proporciona uma reconfiguração da militância, com “a construção e divulgação de diversas vertentes” (PEREZ; RICOLDI, 2018, p. 15) do feminismo, vide a vertente interseccional, conceito importante para a análise e compreensão de questões ligadas à raça, classe social e gênero. É nesta perspectiva que o ciberfeminismo ganha espaço em 2011, com A Marcha das Vadias, e que no cenário brasileiro ganha maior visibilidade com o boom feminista em 2015, em que campanhas ganharam as redes sociais, como o movimento #Elenão que surge durante as eleições presidenciais brasileiras de 2018, em desfavor do então candidato e hoje presidente da república Jair Bolsonaro, lançado inicialmente no facebook e que rapidamente ultrapassou essa mídia social. Nesse sentido, as hashtags, antes usadas principalmente por campanhas publicitárias, tornaram-se grandes aliadas das manifestações sociais (PAULINO; PAULINO, 2019, p. 14) na atualidade, inclusive ao chamar a atenção da grande imprensa para tais questões. Contudo, faz-se necessário entender que o consumo e a disponibilidade da internet ocorrem de maneira desigual dentro e fora do país. E por isso é importante a inter-relação entre o movimento na rede e fora dela. 2.2. A interseccionalidade como instrumento de análise: a interdependência entre classe social, raça e sexo. No bojo das discussões e demandas que se estabeleceram no feminismo contemporâneo, a ideia de um feminismo singular e universal vem sendo desconstruída. Entender a necessidade do debate de um feminismo plural é essencial e sucinta a 4366

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI necessidade de discussão de outras questões, ou melhor, da articulação entre outras questões, como a sexualidade, a raça, a classe e capitalismo, visto que “as estruturas do gênero estão entrelaçadas com outras estruturas sociais” (CONNELL; PEARSE, 2015, p. 176). Nessa esteira, interseccionalidade é um conceito que vem ganhando cada vez mais espaço nos debates de gênero, tanto entre as militantes quanto pela academia, vez que se entende a necessidade da desconstrução de uma teoria feminista a partir da perspectiva branca, universal e heteronormativo, pois esta não traduz a realidade da identidade de vários grupos de mulheres e tão pouco discute profundamente elementos como a classe e a raça. Embora o conceito de interseccionalidade seja um termo cunhado por Kimberlé Crenshaw nos anos 90, a preocupação em entrecruzar raça, classe e gênero, deu-se bem antes. A ideia de uma luta articulada entre machismo e outras formas de opressão feminina perpassa a obra de autoras como Bell Hooks e Angela Davis, que já clamavam para a necessidade de um debate plural e não dominante, visto que as discussões de gênero orbitavam em torno de uma teoria feminista branca e ignoravam as clivagens sociais de classe e raça. Segundo Hooks (2017) o movimento feminista não avançava devido ao debate centralizado, em que mulheres brancas demonstravam pouca receptividade em discutir questões como a raça e a classe, e mesmo que se propusessem a discutir sempre era do ponto de vista de mulheres brancas acerca de racismo e de classe, “as brancas ignoram a relativa ausência das vozes de mulheres negras, quer na construção de uma nova teoria feminista, quer nas reuniões e encontros feministas” (HOOKS, 2017, p.141). É nesse sentido de questionar o papel das mulheres negras para a construção de uma teoria feminista mais inclusiva, que se faz necessário discutir as clivagens sociais que traduzem as desigualdades para as negras. Nesse mesmo sentido, Davis (2017) adota uma postura radical, mas necessária, ao insistir em uma teoria feminista que considere a pluralidade de mulheres, que considere o papel significativo do capitalismo na sociedade patriarcal, racista e classista. Em suas palavras, “essas são algumas das questões que devem ser incluídas na luta geral pelos direitos das mulheres, caso exista um compromisso sério com o empoderamento 4367

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI daquelas mulheres que têm sido historicamente submetidas à invisibilidade” (DAVIS, 2017, p.17) No Brasil, Lélia Gonzalez tem grande importância para a análise do feminismo negro. De maneira semelhante, discute aquela perspectiva ao relacionar opressão e processo de colonização, e os resvalos disto na exploração de mulheres negras no trabalho doméstico. A despeito da relação mulher e capitalismo, Lélia Gonzalez e Carlos Hasenbalg (1982) assinalam que “a raça, como atributo social e historicamente elaborado, continua a funcionar na distribuição de pessoas na hierarquia social” (GONZALEZ; HASENBALG, 1982, p. 89). É nesse cenário que Kimberlé Crenshaw tece o conceito de interseccionalidade, ao entender que a manutenção de desigualdades relacionadas à raça, classe e gênero são frutos da interação desses marcadores sociais, do intercruzamento. De modo que, partindo dessa compreensão analítica, diversos trabalhos têm sido realizados no Brasil. Segundo Piscitelli (2008), esse conceito oferece para os feminismos contemporâneos “ferramentas analíticas para apreender a articulação de múltiplas diferenças e desigualdades” (PISCITELLI, 2008, p. 266). Nessa perspectiva, Helena Hirata entende que a concepção da interseccionalidade de Crenshaw “focaliza sobretudo as intersecções da raça e do gênero, abordando parcial ou perifericamente classe ou sexualidade” (HIRATA; 2014, p. 62). Conforme visto, a interseccionalidade ao compreender que a opressão e discriminação não são estabelecidas apenas pelas diferenças de gênero, proporciona ferramentas analíticas capazes de compreender “as distribuições diferenciadas de poder que situam as mulheres em posições desiguais” (PISCITELLI, 2008, p. 272). Portanto, permite a abertura e o debate para outros marcadores sociais para além do gênero, contemplando a pluralidade de feminismos, como o feminismo negro, o feminismo indígena e o feminismo lésbico. Por essa razão, que a vertente do feminismo interseccional tem ocupado centralidade nos debates feministas contemporâneos no Brasil, tendo em vista que possibilita uma abertura analítica que contemple as diversas identidades femininas e os diferentes marcadores sociais de desigualdade. Desse modo, para o feminismo negro a interseccionalidade representa possibilidades de se fazer e de ser visto no mundo, e a despeito disto se destaca o trabalho de Carla Akotinere. 4368

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI CONCLUSÃO É evidente que ao longo da história do feminismo, diferentes debates e perspectivas com o intuito de compreender e romper com a opressão patriarcal e com as clivagens sociais desiguais foram realizados. Nesse sentido, a forma como ocorre o debate, a mobilização e a produção do feminismo contemporâneo, representa o grande diferencial para o movimento feminista. Muito embora a luta pelos direitos feministas seja a bússola, a forma como tem se estruturado permite que se distinga dos anteriores. Nesse âmbito, a internet sobretudo as redes sociais, são responsáveis pela transformação do debate, da mobilização, da divulgação e da construção da teoria feminista. É por meio dela, que a pluralidade de feminismos se fazem presentes e entoam suas vozes. Nesse contexto a vertente interseccional tem representado importante instrumento de análise, uma vez que permite a abertura para que se trabalhe as diferentes formas de opressão das mulheres, por meio do imbricamento entre raça, sexo e classe social. De modo que se reconhece o crescimento da atuação das mulheres negras sejam intelectuais ou ativistas, na mobilização e no pensamento feminista negro. Neste sentido, a internet desempenha importante papel nas lutas interseccionais, embora discussões que interligassem raça e classe estivessem presentes, é na contemporaneidade que ganham destaque e profundidade, na medida que propõem a ruptura com uma sociedade desigual e o reconhecimento da diversidade de feminismos. Por fim, respeitadas as devidas divergências, advoga-se a formação da quarta onda do movimento feminista, visto que é indiscutível a transformação sofrida pelo feminismo, que se caracteriza atualmente pelo ativismo digital, pela pluralidade de feminismos, pela relação de irmandade e pela discussão interseccional. REFERÊNCIAS APFELBAUM, E. Dominação. In.: (Orgs.) HIRATA, H.; LABORIE, F.; LE DOARÉ, H.; SENOTIER, D. Dicionário crítico do feminismo. São Paulo: Editora da Unesp, 2009. BUTLER, J. Capítulo I- Sujeitos do sexo/gênero/desejo. In: Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2016. 4369

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI BOURDIEU, P. A dominação masculina. 16ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2019. CASTELLS, M. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. CERQUEIRA, C.; RIBEIRO, L. T.; CABECINHAS, R. Mulheres & blogosfera: contributo para o estudo da presença feminina na «rede». Ex aequo [online]. 2009, n.19, pp.111-128. ISSN 0874-5560. Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0874- 55602009000100010&lng=pt&nrm=iso. Acesso em 17 de abr. de 2020. CONNELL, R.; PEARSE, R. Gênero: uma perspectiva global. São Paulo: nVersos, 2015. CRENSHAW, K. A Intersecionalidade na Discriminação de Raça e Gênero. Revista de Estudos Feministas da Universidade Católica de Salvador, nº 1, 2002. Disponível em: http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2012/09/Kimberle- Crenshaw.pdf. Acesso em: 26 de fev. de 2020. DAVIS, A. Mulheres, cultura e política. São Paulo: Boitempo, 2017. FOUGEYROLLAS-SCHWEBEL, D. Movimentos feministas. In.: (Orgs.) HIRATA, H.; LABORIE, F.; LE DOARÉ, H.; SENOTIER, D. Dicionário crítico do feminismo. São Paulo: Editora da Unesp, 2009. FONSECA, S. M. M.; SILVA, A. P. Da; TEIXEIRA FILHO; J. G. De A. O Impacto do Ciberativismo no Processo de Empoderamento: o uso de redes sociais e o exercício da cidadania. Desenvolvimento em Questão, vol. 15, núm. 41, 2017. Disponível em: https://www.redalyc.org/jatsRepo/752/75252699004/html/index.html. Acesso em: 24 de fev. de 2020. GARCIA, C. C. Breve história do feminismo. São Paulo, SP: Claridade, 2011. GOHN, M. Da G. Movimentos sociais na contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação. v. 16 n. 47 maio-ago. 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v16n47/v16n47a05.pdf. Acesso em 27 de fev. de 2020. GONZALEZ, L.; HASENBALG, C. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982. HIRATA, H. Gênero, classe e raça Interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Tempo soc. [online]. 2014, vol.26, n.1, pp.61-73. ISSN 0103-2070. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103- 20702014000100005&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 03 de mar. de 2020. HOOKS, B. Ensinando a transgredir: a educação como prática libertária. 2ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017. 4370

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI __________. O feminismo é para todo mundo- políticas arrebatadoras. 5ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos tempos, 2019. MELUCCI, A. Acción colectiva, vida cotidiana y democracia. El Colégio de México, 1999. PAULINO, S. C.; PAULINO, S. C. #Elenão: reflexões sobre ciberativismo feminista no brasil nas eleições presidenciais de 2018. Revista Acadêmica Magistro. n. 19 (2019), v. 1. PEREZ, O.; RICOLDI, A. A quarta onda do feminismo? Reflexões sobre movimentos feministas contemporâneos. Caxambu/MG: ANPOCS - Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, 2018. Disponível em: http://www.anpocs.com/index.php/encontros/papers/42-encontro-anual-da- anpocs/gt-31/gt08-27/11177-a-quarta-onda-do-feminismo-reflexoes-sobre- movimentos-feministas-contemporaneos?path=42-encontro-anual-da-anpocs/gt- 31/gt08-27. Acesso em 26 de fev. de 2020. PERROT, M. Os Excluídos da História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001. PINTO, C. R. J. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2010. PISCITELLI, A. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras. Sociedade e Cultura, Goiânia, vol. 11, nº 2, p. 263-274, 2008. SAFFIOTI, H. I. B. Gênero, Patriarcado e Violência. SP: Perseu Abramo, 2011. SCHERER-WARREN, I. Das mobilizações às redes de movimentos sociais. Sociedade e Estado, Brasília, v. 21, n. 1, p. 109‑130, jan./abr. 2006. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/se/v21n1/ v21n1a07.pdf>. Acesso em: 17 Abr. 2020. SCOTT, J. W. Gênero: Uma categoria útil para análise. Educação & Realidade, v.l, n.2, jul./dez.1990. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71721. Acesso em: fev. de 2020. SILVA, M. L. C. Da et. al. Movimentos sociais e redes: reflexões a partir do pensamento de Ilse Scherer‑Warren. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 112-125, jan./mar. 2012 4371

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 4358

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI LESTU PUBLISHING COMPANY Editora, Gráfica e Consultoria Avenida Paulista, 2300, Andar Pilotis, Bela Vista, São Paulo, 01310-300 Brasil WhatsApp: (11) 97415-4679 E-mail: [email protected] 4359


Like this book? You can publish your book online for free in a few minutes!
Create your own flipbook