Domingos Vaz Chaves tamanho da sua crista e dos seus «tomates», a sua elegância e altivez, o modo como cantava, tudo isto intercalado com comparações satiricas, a determinadas pessoas presentes na concentração. Aqueles que não resistiam, abandonavam o local a resmungar, em sinal de protesto, mas tudo isto fazia parte da «festa»... Após atingidos os primeiros objectivos, o galo era então simbolicamente morto e esquartejado. Logo após, procedia-se à distribuição de todas as componentes do seu corpo!... Sempre de forma simbólica, aos aldeões alvos de maiores criticas, eram atribuídas as penas. A outros, cuja conduta não era tão censurável, saíam-lhe em sorte as patas ou a cabeça. Para outros, dado o seu melhor relacionamento e disponibilidade, ficavam reservadas, as asas ou o pescoço e para os aldeões exemplares, para aqueles que mais contribuíam para a boa harmonia e para o progresso da terra e respectiva população, ficavam as cochas e o peito, que eram as partes mais apreciadas. No final da sessão, surgiam os comentários de concordância ou discordância, com o desfolhar das criticas. Discutia-se, a «qualidade» dos Motes, se tinham sido bons ou maus, se tinham sido melhores ou piores que os do ano anterior!... Discutia-se o «ataque» que fora feito ao fulano A, quando quem tinha a ver com o assunto, era o B. Discutia-se a inoportunidade de desvendar determinado segredo, quando outros, deviam vir para a praça pública, enfim... todo um rol de questões, que eram tema de conversa, nos três ou quatro dias que se seguiam. 51
Gralhas - Minha Terra Minha Gente Quanto ao galo, agora sim... via chegada a sua hora, de fazer as delicias de quantos tinham contribuído para a festa. Anotadores e trovadores, reúniam-se em casa de um deles e após a respectiva «janta», comemoravam pela noite dentro... -TRÊS MESES DE INFERNO Após as comemorações natalícias, por estas bandas carregadas de significado, a passagem do Carnaval, a época da Quaresma e da Páscoa, cuja efeméride e tudo quanta a envolvia, era igualmente muito respeitada, aproximava-se a grande labuta... Labuta essa, que tinha inicio em finais do mês de Junho e se prolongava até aos últimos dias de Setembro, motivo pelo qual, muitos apelidavam este periodo, de «três meses de inferno», assim conhecido, pela abundância de trabalho, que havia nesse espaço de tempo. Carregando um carro de feno 52
Domingos Vaz Chaves Era o corte do feno nos lameiros, o seu transporte para os palheiros, a segada, a malhada, a arranca da batata, entre outros que amiudades vezes íam surgindo e que era necessário ultrapassar. - AS SEGADAS A «segada», era um dos ditos trabalhos, que marcava particular relevo na mente dos meus conterrâneos. Como todos os outros, era tudo feito manualmente, o que obrigava, a que fosse preparada e anunciada quase ao milimetro e com a devida antecedência. Os convidados, constituídos normalmente por familiares e amigos próximos, precaviam-se com gadanhos (foices) novos, que adquiriam normalmente em Espanha e apresentavam como autênticos troféus. Face ao previsível número de «pousadas (número de molhos) a colher», era necessário calcular o número de pessoas necessárias, de entre seitoiras (segadores) e atadores, para que tudo decorresse, entre um, dois ou o máximo, três dias, tanto mais que havia outros vizinhos em «fila» de espera. Chegado o dia, era um «ver se te avias»!... Desde o nascer ao pôr do sol, apenas com interrupções para o mata-bicho (pequeno- almoço) e jantar (almoço), os quais tinham lugar em determinada leira (terreno) previamente definida, os segadores, percorrendo fazenda a fazenda, erradiavam uma alegria constante!... Faziam- se «apostas», discutia-se o número de regos (sulcos) que cada um segava, quem era o melhor segador, quem atava melhor, «arranjavam-se» namoricos e no final, o momento esperado: 53
Gralhas - Minha Terra Minha Gente o recolher dos molhos para a roda (circulo) - feita normalmente no meio da fazenda -, onde ficavam sobrepostos uns sobre os outros, com as espigas de fora e ao sol, para uma melhor maturação e a feitura do ramo (arranjo feito em cruz) da segada, que depois era transportado por um dos segadores, que em conjunto com todos os demais, entoavam cânticos, até à porta do «patrão», a quem o entregavam para exposição pública (normalmente feita nas varandas das habitações) e protecção divina. Como agradecimento pelos cânticos e pelo terminar do Dia de Segada trabalho, era então dado de beber (vinho) aos segadores, através de um pipo (barril em miniatura), que circulava de boca em boca. Seguia-se a ceia (jantar), que normalmente se prolongava até altas horas!... Aí esgrima-se de tudo um pouco... Se a leira «A», 54
Domingos Vaz Chaves dera muito pão (centeio) ou pouco; se a leira «B», tinha dado mais pousadas ou menos, que o ano passado; se determinada leira do fulano «A», é melhor que a do fulano «B», enfim... todo um corropio de assuntos, cujo pano de fundo, era sempre o mesmo... a competição entre lavradores. Finalmente e após mais alguns «copos» para retemperar as energias, era chegada a hora da deita... É que no dia seguinte, repetindo-se o figurino, o «patrão» dava em «empregado»... e havia que levantar cedo. - A CARRADA O passo seguinte nesta desenfreada labuta, dava pelo nome de «Carrada» e consistia no transporte do centeio, segado nos diversos terrenos, para as eiras, que eram propriedade de determinado grupo de pessoas, sendo aí depositado em enormes medas, que chegavam em muitos casos a atingir, os quinze metros de altura, por outros tantos de diâmetro. Todo esse transporte, era efectuado em carros puxados por vacas ou bois e tal como na «segada», também a «carrada», obedecia a certos rituais. Os cornos do gado, eram lavados a preceito, o seu pêlo tratado como nunca, as campaínhas para o enfeitar, tinham que ser sempre as melhores da casa, isto para já não falar, dos melhores jugos, das melhores molhelhas (cangas) e dos melhores estadulhos, que nesta altura, saíam das «loijas» (adegas) e substituíam os de uso corrente. Durante a carrada, a jugada (junta de vacas ou bois) de cada lavrador, era sempre apresentada, numa atmosfera de competição. Era preciso dar o «risco» (ser o melhor). 55
Gralhas - Minha Terra Minha Gente - AS MALHADAS Até meados do século XX e tal como na sega do feno, do centeio, nas carradas ou nas malhadas, tudo era feito manualmente. Neste caso concreto, eram necessários para malhar, pelo menos oito homens, quatro de cada lado e cada qual utilizando o seu malho (mangualde). Depois do centeio malhado, era levantada a palha com uma forquilha e atada em molhos, que posteriormente eram guardados nos palheiros. Uma Malhada O centeio que ficava no chão, era tirado pelas mulheres, com uma vassoura, normalmente feita com ramos de giesta, até ficar limpo. Além disso, era ainda ajoeirado ao vento e só depois transportado em sacos, para as caixas (arcas). Não se pense contudo, que este era um trabalho fácil!... Apesar de não parecer, era tão árduo como a própria sega do feno, ou a segada do centeio. É que antes da malhada propriamente dita, havia todo um conjunto de afazeres, que não sendo fáceis eram de todo em todo bastante desagradáveis, senão vejamos: A eira, 56
Domingos Vaz Chaves era devidamente varrida, e mais que uma vez. Posteriormente, era recolhida na aldeia e zonas limitrofes, bosta (fezes) do gado, com a qual era barrado o recinto, até agarrar bem. Esperava-se que a dita bosta secasse, e só então, estavam reunidos os requisitos necessários, para dar inicio à malhada propriamente dita. A partir dos anos 60, do mesmo século XX, este método foi-se alterando progressivamente e as malhadas, apesar de continuarem a fazer-se nas eiras, tal como no passado, eram já feitas, com o auxilio de «malhadeiras» (máquinas), que com o decorrer do tempo, se foram tornando mais sofisticadas. XVI – EXEMPLOS QUE RESISTEM -A VEZEIRA OU GÁDINHO Todas as manhãs e em regra, a um sinal dado através do toque de um sino, cada proprietário, tem a preocupação, de fazer sair dos Gádinho a caminho do Larouco 57
Gralhas - Minha Terra Minha Gente seus currais (côrtes) os seus animais e juntá-los aos demais, para que em conjunto e normalmente guiados por um ou dois pastores, subam as encostas da serra, na procura da sua subsistência. A todo esse conjunto de cabeças de gado, se dá o nome de Vezeira ou Gadinho e é um dos exemplos vivos de vida comunitária, que nesta aldeia vai perdurando no tempo. Os pastores, são os próprios proprietários dos animais, que se revezam na sua guarda. A regra é simples: por cada 10 animais ou menos, que possuam, terão de dar um dia de trabalho à comunidade. Se o número de animais ultrapassar a casa das dezenas em 5 ou mais, até aos 9, a esse dia ou dias de trabalho, é acrescentado mais meio dia, o qual é normalmente prestado, quando a soma dos meios dias, perfizer 1. - AS CHEGAS OU LIADAS As «Chegas» ou «Liadas» de bois, são uma antiga tradição das terras de Barroso e em particular da aldeia de Gralhas, por onde passaram muitos campeões e onde nos dias de hoje, pese embora as mudanças ocorridas, são ainda levadas muito a sério. Num passado não muito distante, cada «Chega», era um dia de festa, ou de tremenda amargura e tristeza, para os habitantes da aldeia. O principal protagonista, era sempre o «boi do povo». O «boi do povo» era um bem comunal e alimentava-se normalmente nas lamas (pastos), que pertencem ainda hoje a toda a comunidade. Cerca de meio ano, antes da participar em qualquer duelo, recebia ainda, feno, centeio, batatas, nabos, beterrabes e todo um conjunto de géneros, que eram oferecidos por todos os aldeões, 58
Domingos Vaz Chaves para complemento da sua alimentação e respectiva engorda. Pernoitava numa casa (corte), que fazia parte igualmente, do património de todos. Dois «portugueses» barrosões em plena luta Anualmente e por uns tantos alqueires de centeio, um pastor «arrematava» a guarda e o tratamento do animal, de quem passaria a cuidar. Quando o animal chegava à idade adulta (cinco ou seis anos) tornava-se no orgulho da aldeia, sendo por isso, motivo de acesas discussões entre os habitantes de povoações vizinhas, com cada um a defender a maior pujança do seu animal. Estas discussões, terminavam irremediavelmente numa luta entre os animais - as chamadas «Chegas» ou «Liadas» - que visavam distinguir o campeão. Por vezes, fazia-se alguma batota!... Como funcionava? Antes da «Chega» aprazada, promovia-se um confronto preliminar entre os 59
Gralhas - Minha Terra Minha Gente dois contendores, feito sempre às escondidas e normalmente em noites de luar. Para que isso acontecesse, o «boi do povo» de uma aldeia, era raptado, uma tarefa nem sempre fácil, quer pelos cuidados que cada pastor e a respectiva comunidade colocava na sua guarda, quer pela bravura do próprio animal, que geralmente se tornava agressivo face a desconhecidos, quer ainda, porque perante uma situação desse tipo e caso o raptor ou raptores fossem detectados, se sujeitavam a ser severamente maltratados, ou mesmo mortos, já que era colocada em causa, a honra e a dignidade dos intervenientes. Há mesmo exemplos, cujas marcas deixadas, são profundas. Em alguns casos porém, havia a conivência entre os tratadores das duas aldeias, que decidiam confrontar os animais para atestarem se estavam prontos para poderem realizar a «Chega» pública, de forma a que esta não resultasse num fiasco. Caso o resultado fosse positivo, estavam então reunidas as condições para a realização do confronto, o qual devia ser acordado seguindo um certo ritual: os «rapazes» - mais maduros e badolas - de uma aldeia dirigiam-se, geralmente ao domingo, à aldeia que pretendiam desafiar. As regras do jogo exigiam que o desafio não fosse directo. Os visitantes deviam referir, de uma forma evasiva à juventude visitada, a possibilidade da «Chega», ao que os estes deveriam responder da mesma forma, mesmo que o seu «boi do povo» fosse o campeão coroado em outros confrontos. 60
Domingos Vaz Chaves O passo seguinte dependia da aldeia desafiada, tanto mais, que a decisão a tomar, fazia parte da tradição comunitária, o que significa, que dependia da realização de um escrutínio, normalmente feito de braço no ar, no domingo seguinte, à saída da missa e após a comunicação do desafio, feita pelo Presidente da Junta. Neste escrutinio, era sempre exigida uma maioria absoluta, caso contrário, gorava-se a hipótese da realização da «Chega». Se o desafio fosse aceite, os responsáveis das duas aldeias, iniciavam então os planos para a realização da festa, que devia acontecer em data aprazada, passado que fosse um periodo, que oscilava entre os quatro e os seis meses e a meio caminho entre as duas povoações. A escolha do terreno, era também motivo de discussão, já que apesar da «Chega» ter obrigatoriamente de se realizar em terreno neutro, o tipo de piso era muito importante para o desenrolar do confronto. As técnicas eram as seguintes: Os proprietários de um animal jovem, tentavam que a escolha recaísse sobre um piso duro, enquanto que os donos de um animal mais velho tentavam assegurar um piso mole, menos desgastante para o seu boi, que geralmente era mais pesado. O meio termo, acabava quase sempre por prevalecer. Outro dos assuntos a negociar, prendia-se com os cornos do boi!... Havia que se decidir, se as suas pontas se afiavam ou não, se podiam ser introduzidas pontas de aço, ou até o enxerto de pontas de cornos, quando o animal estava mal servido delas. Posteriormente e após a «celebração do acordo» ocorriam ainda muitos outros rituais, tais como rezas, superstições, saberes ocultos e mezinhas, que 61
Gralhas - Minha Terra Minha Gente poderiam contribuir para um desfecho favorável. Até as mulheres levantavam saias e saiotes vermelhos, para incitar o boi. Definido então o local da «Chega» e as condições em que a mesma iria decorrer, era então necessário, tratar da respectiva autorização junto das autoridades concelhias, bem como da presença de alguns Guardas no local da contenda, como forma de prevenir potenciais desacatos, o que nem sempre era conseguido, face à emoção gerada em torno de cada um dos animais. Quanto às despesas, que daí resultavam, eram normalmente suportadas, em partes iguais, pelas partes envolvidas. Chegado então o dia aprazado, os dois bois, são conduzidos ao local do «combate», pelos seus tratadores munidos de varapaus, onde são colocados frente a frente. Invariavelmente, o campo de «batalha» está a abarrotar de gente, quer se trate de pessoas oriundas das aldeias dos bois em presença, quer de curiosos de outros lugares das cercanias, que vibrando com acontecientos deste tipo, acorrem ao chamamento de uma festa ímpar na região e que toca no subconsciente de homens, mulheres, jovens e menos jovens. Uma vez na presença um do outro, os animais «medem-se», sob o olhar atento do público presente, que de imediato toma partido, apoiando o seu favorito. Este é o momento em que se destacam os incitamentos das duas comunidades em confronto, que se revêem nos seus «bois do povo». Os dois possantes machos rapidamente se enfrentam. Segue-se uma luta indescritível de jogos de cornos e marradas, corpos a vibrar até ao extremo, luta sangrenta de carreiros de sangue na disputa, que vai marcar a distinção entre vencido e vencedor. Por 62
Domingos Vaz Chaves alguns momentos descansam, voltam a investir, afastam-se, voltam a lutar, entrelaçam de novo os seus cornos uns nos outros e empurram-se mutuamente e com violência, mostrando cada qual a sua força e a sua bravura. A «Chega» pode ser rápida ou prolongada, dependendo essencialmente do gabarito dos contendores. Em qualquer dos casos, o entusiasmo dos assistentes é indiscritível. O seu final pode acontecer quando um dos bois abandona o «combate» fugindo em debandada, o que significa o assumir da derrota, ou quando um dos animais é irreversivelmente ferido pelas investidas do seu opositor. Para os habitantes da aldeia vencedora, os momentos que se seguem são de euforia, quase de glória. O seu boi passa a ser quase venerado. O vencido segue em silêncio, a caminho do talho. Dos tratadores e de quem os acompanha ouvem-se, por vezes, vozes roucas a desabafar, numa raiva incontida: «o boi perdeu, os homens ...veremos». As cenas de violência nem sempre são evitadas, mas felizmente são cada vez mais raras. Esta tradição, já não é hoje o que era dantes. Apesar dos habitantes destas Terras do Barroso, continuarem a vibrar e a manifestar grande entusiasmo com as «Chegas», o boi do povo, já não existe mais e aquilo que resta, são as «Liadas», comercializadas a troco de alguns euros, levadas a efeito por alguns proprietários individualmente considerados, que fazem desta actividade, o seu «ganha-pão». Dos tempos de outrora, resta a nostalgia. 63
Gralhas - Minha Terra Minha Gente XVI - PATRIMÓNIO ARQUITECTÓNICO - FONTE FRIA Fonte Fria Desconhece-se a época da sua construção, embora haja indicadores, que apontam os meados do século XVIII, como data previsível. Nela brota, uma das melhores águas da aldeia, tendo a particularidade de ser gelada em pleno verão e mais macia, durante os rigorosos invernos, que por aqui marcam presença. 64
Domingos Vaz Chaves - IGREJA PAROQUIAL A Igreja com o seu magnifíco Torrião Desconhece-se o ano da sua construção, sabendo-se apenas que é anterior ao século XVI. E sabe-se que é anterior ao século XVI, dado existir na Biblioteca Pública de Braga, uma «Relação de todas as Igrejas do Arcebispado e seus Padroeiros», onde consta, para além de outras 26 igrejas da região de Barroso, a «Igreja de colação do Arcebispo de Santa Maria de Gralhas». Embora tratando-se de um documento sem data, pela caligrafia e ortografia, verifica-se ter sido manuscrito, no início do século XVI, razão pela qual, a Igreja terá sido construída no antecedente. A esta aldeia e à sua Igreja, se refere também o respectivo Vigário, Francisco Affonso dos Santos, que sob o testemunho do 65
Gralhas - Minha Terra Minha Gente Vigário de Santo André de Vilar de Perdizes, Agostinho Alvares e do Reitor de São Miguel de Vilar de Perdizes, Miguel do Couto de Oliveira, quando em 20 de Março de 1758 e em resposta a uma ordem emanada do Muto Reverendo Senhor Doutor Vigário Geral, para que lhe desse conta do que havia nesta freguesia, lhe respondeu o seguinte: 1-Esta freguezia de Santa Maria de Gralhas está sita na província de Trás dos Montes no Arcebispo de Braga Primaz, da comarca de Chaves, eclesiástica e do secular de Bragança e o hé do termo da vila de Monteallegre.Hé freguezia matriz. 2-Hé beneficio simples, anexo a hua tercenaria na Santa Sé Primaz.Hé toda de Roma e do ordinário conforme ao mês da sua bacatura.O beneficiado que existe hé José da Silva Duarte. (...) 6-A paróchia está dentro do lugar no meio da povoaçam (parte) do Nacente e nam tem mais lugares. 7-Seu orago hé Nossa Senhora dÀssumpssam.Tem três altares hum principal e dois colaterais, o principal tem o Santíssimo no sacrário e Santo António e o Santo Nome de Jezus e o colateral da parte direita tem Nossa Senhora dÀssumpssam e o da parte esquerda tem Nossa Senhora do Rozário.Nam tem naves, nam tem irmandades. 8-O párocho hé vigário ad nutum aprezentado pelo beneficiado deste beneficio.Terá de renda cem mil réis pouco mais ou menos hum anno por outro. É uma das mais belas igrejas da região. 66
Domingos Vaz Chaves - CRUZ DOS CAMPOS E POÇO DA LUÍSA Vista Geral do Campo e da Trincheira Originariamente, a cruz que se vê na foto, não se encontrava no interior do poço (tanque). Encontrava-se isso sim, no cimo de um morro ali existente e era um Monumento de Fé Cristã, de saudação e homenagem aos mortos e às «Almas», sendo formado por quatro partes distintas: a)-Uma plataforma com 2 degraus de acesso; b)-Uma base assente na plataforma, servindo de apoio à coluna; 67
Gralhas - Minha Terra Minha Gente c)-Uma coluna na vertical, com alguns remates decorativos, entre os quais se notam, um cálice, uma hóstia e uma escada com dez degraus, representando os Dez Mandamentos; d)-E uma coluna na horizontal. Mas esse local, não serviu apenas para os fins acima referidos. Porque violavam a lei de Deus e dos homens, durante séculos, os malfeitores da aldeia, foram ali castigados e expostos ao sarcasmo e à irrisão pública da povo. Os açoutes, as mutilações e outros castigos infligidos aos transgressores da lei e aos perturbadores da ordem, visavam a defesa comum dos aldeões e contribuíam de um modo eficaz para o saneamento moral dos habitantes. Quanto ao Poço da Luisa, o seu lugar original, era junto à chamada casa do «Americano», isto é, cerca de 40 metros para sul do local onde hoje se situa. Foi construído no tempo do Estado Novo, mais precisamente no ano de 1945 e nada tem a ver com a Cruz colocada há cerca de duas dezenas de anos no seu interior. -CASA DO SEMINÁRIO «(...) Por todos estes motivos, que têm sido longamente e seriamente ponderados e amadurecidos no nosso espírito, pomos termo, ao findar do ano lectivo corrente, ao pequeno seminário de Gralhas (...)». 68
Domingos Vaz Chaves Pátio Interior Foi com estas palavras, que D. João Evangelista de Lima Vidal, o primeiro Bispo da Diocese, decretou, em 28 de Fevereiro de 1925, o encerramento do Seminário de Gralhas, extinguindo o legado do fundador do mesmo. O Seminário, que funcionou durante cinco anos, desde Janeiro de 1921, até ao fim do ano lectivo de 1925, resultara de uma doação feita pelo Padre João Álvares Fernandes de Moura, natural desta freguesia, onde nasceu em 09-07-1848 e senhor de grandes propriedades na terra. Apesar de aí não viver permanentemente, o Padre Moura, era um apaixonado da aldeia, a qual visitava com frequência, sendo inclusivé, um grande benemérito da igreja 69
Gralhas - Minha Terra Minha Gente paroquial. Contam os mais antigos, que tudo o que de bom aparecesse em Braga, o Padre Moura logo adquiria para a Igreja da sua terra, que por isso mesmo, foi, até há pouco tempo, uma das mais ricas em paramentos, cálices e alfais. Pelo Seminário de Gralhas, passaram dezenas de alunos, os quais após o seu encerramento, partiram para Braga. Esta casa, serviu ainda como escola preparatória, para muitos outros jovens que se prepararam para a vida, incluindo os rapazes da terra, muitos dos quais, aprenderam ali a ler, escrever e contar. Passados que foram mais de 75 anos, em que a Casa do Seminário esteve transformada numa normalíssima casa de habitação agrícola, hoje, após uma fantástica recuperação, levada a cabo pelos actuais proprietários, é o ex-libris da aldeia, funcionando como Casa de Turismo Rural. QUEM FOI O PADRE MOURA? Para além de ter sido, o mais notável dos homens de que há memória em Gralhas, o Padre Moura foi uma das figuras marcantes de todo o Barroso, senão mesmo do país. Nasceu como já se disse, nesta freguesia, em 09-07- 1848, onde fez a instrução primária em 1861. Cursou Português e Latim em 1862, Francês e Latinidade em 1863, Filosofia em 1864, Oratória em 1865, Geometria e Geografia em 1867. Estudou Teologia no Seminário Conciliar de Braga de 1868 a 1870. Em 1871 recebeu a ordenação sacerdotal. Começou a sua vida paroquial na sua própria aldeia no ano de 1876. DE 1878 a 1920 foi Procurador e Secretário do Seminário de Braga, tendo em 1921 regressado de novo à sua terra, onde veio a falecer em 22-09-1920, não sem antes deixar a marca da fundação do Seminário. Apesar da sua 70
Domingos Vaz Chaves notabilidade e interesse pela terra, parece ter sido esquecido, como provam as recentes designações de topónimos da aldeia. - CAPELA DE SANTA RUFINA É um cartão de visita da aldeia. A sua construção remonta ao Sec. XVIII, tendo sido levada a cabo com dinheiros do Padre António Gonçalves Calado, natural da freguesia e senhor de grande fortuna. Este pároco, que durante muitos anos viveu no Rio de Janeiro, aplicou ainda parte dos seus bens, numa fundação do vínculo de Nossa Senhora de Belém, a qual tinha sede nesta mesma capela. Entre as obrigações inerentes a esta fundação, contavam-se a celebração de uma missa diária, a criação de uma escola primária e a manutenção do respectivo funcionamento. 71
Gralhas - Minha Terra Minha Gente Durante muitos anos, quase foi votada ao esquecimento e actualmente após algumas obras de beneficiação, levadas a cabo por um benemérito da aldeia, começa a servir de capela mortuária. - RELÓGIO DE SOL Exemplar localizado na Casa do Seminário A medição do tempo, constituíu desde muito cedo, um mecanismo de racionalização, das actividades humanas no quotidiano. Propósito, que esteve na origem dos primeiros relógios de sol, e ao que se sabe, a Idade Moderna já os conhecia. Sto. Agostinho, numa observação filosófica, dizia que o tempo não é outra coisa senão extensão. Partindo deste pressuposto, a vida só pode ter sentido se devidamente articulada com a continuidade 72
Domingos Vaz Chaves do tempo. Os relógios de sol, foram então feitos, para facilitar a orientação e gestão das actividades pessoais e profissionais. Estas peças são fruto da arte escultórica do povo. Medir o tempo, era a sua principal função. A sua cambiante decorativa e figurativa, era minuciosamente trabalhada para constar nas fachadas principais das casas. É provável que só as famílias com algum poder económico tivessem direito a um relógio deste tipo, sinal de uma modesta ostentação. O relógio existente na Casa do Seminário de Gralhas, é um exemplo vivo dessa realidade, e apresenta uma configuração geométrica que data do século XIX, compreendendo uma espécie de mostrador de horas, motivos vegetalistas em baixo relevo e figuras peculiares, que conservam ainda laivos da sua policromia. O ponteiro era em metal (ferro) e estava cravado no centro do mostrador, donde uma série de linha rectas (incisões gravadas) divergiam em direcção ao limite (bordadura) do referido mostrador. A sombra provocada pelo ponteiro ia girando e indicando as horas, em consequência do movimento da terra. ... 73
Gralhas - Minha Terra Minha Gente BIBLIOGRAFIA A Arte e a Natureza em Portugal - Vol.VII, Revista de Divulgação. Adriano Vasco Rodrigues - Arquelogia da Pininsula Hispânica; Afonso do Paço - Carta Paleolítica de Portugal, in «Anais da Academia de História, vol. IV, 1941. Agostinho Lacerda Pizarro - A Raça Barrosã; Alberto Sampaio - Vilas do Norte de Portugal Arquivo do Arcebispado de Braga - Registo Geral Arquivo do Registo Civil de Montalegre Arquivo dos Serviços Florestais de Montalegre Arquivo Histórico Português - Vol. VII Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Cartas de Foral Aula Galicia; Biblioteca Nacional de Lisboa - Inquirições e Alçadas; Subsidios para a Bibliografia da História Local Portuguesa; Chancelaria de D. Dinis - sobre cartas de foral, aforamentos, posturas de foro em Barroso, declaração de direitos, herdades, reguengos, honras e devassas ; Chancelaria de D. João III - Doação de Barroso ao Duque de Bragança, carta aos moradores de Montalegre; Cónego Gaspar Estaço - Antiguidades da Lusitânia; 74
Domingos Vaz Chaves Contador de Argotte - Memórias para a História Eclesiástica do Arcebispadp de Braga; Costa Veiga - História Militar; Ferreira de Castro - Terra Fria; Fortunato de Almeida - História da Igreja em Portugal; Gama Barros - História da Administração Pública Portuguesa, sec. XII a XV; Grande Encicloédia Portuguesa e Brasileira; Hubner - Noticias Arqueológicas de Portugal 1861; Igreja de Gralhas - Registos Paroquiais; Inácio Vilhena Barbosa - Cidades e Vilas de Portugal; João Carneiro - As Casas do Padroado; João Gonçalves da Costa - Montalegre e Terras de Barroso; Jornais - O Montalegrense, Barroso a Terra e a Gente e o Povo de Barroso; José Batista Barreiros - Ensaio de Inventário de Castros do Concelho de Montalegre, 1914; José Fernandes Chaves - Os Motes na Aldeia de Gralhas; José Henriques Pinheiro - Estudo da Via Romana Braga Astorga; José Hermano Saraiva - História de Portugal Leite de Vasconcelos - Etnografia Portuguesa, Religiões da Lusitânia, Anuário para o Estudo da Tradições Populares Portuguesas, De Terra em Terra e Toponímia Portuguesa; Livro de Visitas do Arcediagado de Barroso, 1825; Lopez Cuevillas - La Civilizacion Céltica en Espana, 1953; Mário Cardoso - Alguns Elementos para a localização dos Castros do Norte de Portugal; Memórias Históricas e Genealógicas dos Grandes de Portugal; 75
Gralhas - Minha Terra Minha Gente Miguel de Oliveira História Eclesiástica de Portugal - História da Igreja, As Paróquias Rurais Portuguesas; Rogério Borralheiro - Montalegre, Memórias e História ; Zé Rato - As Liadas em Barroso; ... 76
Domingos Vaz Chaves ÍNDICE Localização e Estrutura Social - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 09 Clima - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 11 Gralhas, Minha Terra, Minha Gente - - - - - - - - - - - - - - - - - - 11 Enquadramento Histórico- Natural - - - - - - - - - - - - - - - - - - 13 Vida e Costumes dos Castrenses - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 15 A Passagem por Gralhas dos Romanos... - - - - - - - - - - - - - - - 17 ... E dos Suevos e Visigodos- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 20 Os Mouros em Barroso- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 22 A Reconquista Cristã - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 22 Gralhas na Idade Média - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 24 A Terra e a Gente- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 29 As Casas- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 32 A Fauna - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 33 A Flora- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 36 As Actividades e as Estações do Ano- - - - - - - - - - - - - - - - - 38 Património Cultural - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 42 Decadência Comunitária - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 45 Os Motes, os Meses de Inverno e de Inferno - - - - - - - - - - - 47 Os Motes - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 49 Três Meses de Inferno - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 52 As Segadas - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -53 A Carrada- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 55 As Malhadas - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 56 Exemplos que Resistem - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 57 A Vezeira ou Gádinho- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 57 77
Gralhas - Minha Terra Minha Gente As Chegas ou Liadas - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 58 Património Arquitectónico- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 64 Fonte Fria- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 64 Igreja Paroquial - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 65 Cruz dos Campos e Poço da Luísa - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 67 Casa do Seminário- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 69 Capela de Santa Rufina- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 71 Relógio de Sol - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 72 Bibliografia - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 74 ... 78
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