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Os Segredos da Medicina Popular (excerto)

Published by D'Almeida ©, 2017-06-30 02:47:12

Description: Editor: Apeiron Edições © * Autor: Agostinho Veras © * Paginação e arte final: D'Almeida Ateliê * Técnica de capa: D'Almeida Ateliê

Keywords: editoras portuguesas,apeiron edições,livros de saúde,padre fontes,crenças populares,benzeduras portugal

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Os Segredos da Medicina Popular PREFÁCIO ____________________________ Agostinho Veras, um Barrosão, bafejado pelas linfas doRabagão, inspirado pelas águas da Mizarela, depois de pu-blicar em 2013 A Alma de Um Povo - História e Lendas daTradição Barrosã, surge agora com uma sequência, OsSegredos da Medicina Popular. No País e em Trás-os-Montes muitos são os livros, teses,estudos que passaram pelas montras nestes últimos anos, ins-pirados no saber da medicina popular. Surpreendeu-me e apraz-me o tema enunciado, há déca-das levantado por mim em Vilar de Perdizes, nos 27 congres-sos de medicina popular. Ao saber deste amigo, jovem Barrosão de Vila Nova, pe-gar e aprofundar os valores e carências nesta área tão rica danossa cultura e identidade, é algo extraordinário, não só paraa região Barrosã, mas obviamente para todo o País. O livro agora editado, empenha-se no registo da memóriaoral tradicional, com o objectivo de a preservar e projectarpara as gerações vindouras. Vai às nossas origens celtas, romanas, com divindadestestemunhadas em Vilar de Perdizes, Deus Larouco, DeusSucelus, onde assentam cultos, rituais, lendas, tradições che-gadas até nós, caracterizando e marcando profundamente aalma de um povo. Fé e superstição, ateísmo e crendice rural e urbana, reli-gião popular das ermidas, distantes, o vazio da descrença, orecurso ao invisível, os curas da igreja, orações para todas as 9Apeiron Edições |

Agostinho Verasmazelas e medos, o oculto, as mezinhas, são objecto apro-fundado, estudado, pelo autor, na plenitude Barrosã, onde amulher mais que o homem é depositária, seguidora, persona-lizando todo este saber tradicional ancestral. Convido o autor a apresentar este tema e o livro no 28ºCongresso de Medicina Popular aos seus leitores em Vilar dePerdizes, em Setembro de 2014. Vilar de Perdizes 30-12-2013 António Lourenço Fontes10 | Apeiron Edições

Os Segredos da Medicina Popular INTRODUÇÃO “De pequena bostela, se levanta grande mazela” (ditado popular) A medicina popular é com toda a certeza uma das ciên-cias mais antigas da humanidade. Ela detém uma íntima rela-ção com os mais profundos temores e anseios do homem.Este saber original iniciou-se em modelos de tratamento mui-to simples, baseados em superstições aguerridas de índoleemocional, ligadas à natureza e às suas divindades. Daí nas-ceram paulatinamente processos inerentes à credibilidadecurativa, sendo a maioria das maleitas combatidas através de:rezas, benzeduras, mezinhas, amuletos, sacrifícios…, que seforam enraizando intimamente no seio dos mais diferentespovos. Este saber e os medos que o envolvem fazem parte dofenómeno da renovação e evolução da humanidade. A suatransmissão foi progressiva ao ponto de cada povo elaborar asua própria concepção de acordo com a sua matriz geográfi-ca, sempre em sintonia com a sua natureza Divina. Assim, ohomem vivia/vive aprisionado às díspares maleitas que de-ram origem ao surgimento do temor medonho e à fama emtorno da pseudo descoberta da origem da moléstia. Por con-seguinte, as superstições tomaram um caminho exclusivopraticamente universal, ao forçar o homem a acreditar que asdoenças provinham do seu comportamento, e aí procurou asfórmulas para neutralizar os males daí provenientes. Nãovou, nem quero, obviamente falar no contexto cirúrgico, em-bora se saiba que esta temática vem sendo praticada há milé- 11Apeiron Edições |

Agostinho Verasnios no seio popular – abre o teu porco e verás o teu corpo.Abordarei simplesmente o invólucro inerente à maleita sin-gela do quotidiano e pouco mais. À medida que a vida evolui, sobressai o avanço tecnoló-gico e científico na área da medicina contemporânea. Esteprogresso repentino das últimas décadas desligou decisiva-mente o homem do saber ancestral da acção colectiva dospovos. É deste modo que os dogmas e crenças ancestrais domais pequeno povo se perdem no tempo com o florir da ci-ência. Esta levou o homem a afastar-se literalmente das suasantigas superstições medonhas/divinas. Porém, felizmente, ainda encontramos muitos desses “te-souros” obscuros que o homem primitivo criou para se livrardas coisas más numa relação muito íntima entre o Sagrado eo profano. A investigação deste tema é bastante afunilado, pois con-duz o investigador para vias sem saída. Posso afirmar, nestecaso concreto, que o contacto com as pessoas que preservamtal saber não é nada fácil (são muito reservadas e cautelosas).Inicialmente cheguei a pensar que não queriam transmitir asua sabedoria, mas depressa compreendi que não era de todoassim; o receio das pessoas inquiridas é acharem-se associa-das às práticas ocultas, mais conhecidas por bruxarias. Estereceio leva-as a não desvendar (infelizmente) pitada do seuconhecimento e testemunho. Considero esta área de investi-gação muito pertinente e complicada de abordar. Pois os in-quiridos deixam-se tomar pelo nervosismo e pelo medo etentam a todo custo mudar de assunto. Só a sós, e depois deinúmeras abordagens labirínticas da minha parte, acordam12 | Apeiron Edições

Os Segredos da Medicina Popularem divulgar um pouquinho do seu saber, mas só após garan-tirem a minha palavra de honra em manter sigilo absoluto enão divulgar por qualquer motivo a sua identidade a nívelsocial. Só então começam a surgir a medo os primeiros desa-bafos. Não obstante, curiosamente continuam sistematica-mente a pedir sigilo: – O senhor veja lá, por amor de Deusnão me descubra! Este preconceito tamanho faz-me lembrar os relatos dostempos idos na Idade Média, onde o medo da fogueira daInquisição estava sempre presente na mente popular. Do presente estudo, as mulheres dominam por inteiro estaarte, pois assumem (a medo) o poder de esconjurar/talhartodos os males, mas também encontramos homens, poucos, écerto, mas são muito dedicados à arte. A recolha textual feitano terreno prova que o povo preserva na memória tão impor-tante saber como refúgio e prevenção contra todos os males.Para muitos, esta realidade é de difícil entendimento, porém,prova que o povo engenhosamente desenhava consciente-mente acções de força e coragem para combater as moléstiase os medos semeados especialmente por bruxas maléficas edemónios terríficos provenientes das trevas. É de todo importante esclarecer o leitor que o corpus des-te trabalho foi elaborado ao longo de anos nos concelhos quecompõem o “País Barrosão” (Montalegre e Boticas), nomea-damente, nas localidades mais remotas e isoladas, onde mui-tas destas questões etnomedicinais, ainda hoje são tratadas àmoda antiga, pelas mãos dos “mestres desta arte” que são –como já disse – maioritariamente mulheres de idade avança- 13Apeiron Edições |

Agostinho Verasda e muito experimentadas. É neste cenário que o investiga-dor recolhe a matriz mais genuína que um povo detém. Não é por acaso que, em Vilar de Perdizes – Montalegre,se realiza anualmente o congresso de medicina popular, queconta em 2014 com a 28ª edição, cujo mestre e mentor é odistinto Padre, António Lourenço Fontes. Este congressoacolhe anualmente milhares de Portugueses e Espanhóis queprocuram na ciência popular algo mágico-religioso capaz deimpulsionar o corpo e a mente de crentes, aflitos e curiosos.Este saber ancestral disponibiliza uma vasta e peculiar far-macopeia do fenómeno doença/cura e adivinhação. Estesimbolismo elucida bem o leitor da importância que o povoBarrosão detém no contexto da antropologia médica de ca-riz nativo. O corpus que faz parte desta curiosa antologiaperpetuará para o futuro a tradição cultural e a essência po-pular Barrosã que, ao ser a sua raiz desnovelada com perí-cia, torna-se apaixonante, virtuosa e digna de ser revelada;faço minha a frase de Garcia Morente1: “A tradição é o nervo da história; sem tradição não pode haver História, e a História não é mais, repito, do que a própria tradição viva, não morta.”1 in Razão e Fé – Garcia Morente, pág. 18.14 | Apeiron Edições

Os Segredos da Medicina Popular CAPÍTULO I A MEDICINA E A RELIGIÃO NA ANTIGUIDADE “Mal prolongado, morte em cabo” (ditado popular) O homem primitivo do paleolítico (Idade da Pedra) tinhauma esperança de vida muito curta, porém, com a passagemde nómadas a sedentários os surtos epidémicos aumentaramdrasticamente após a domesticação e criação de animais. Estaconjuntura viria a provocar um enorme índice de mortalidadeno seio das tribos. Supostamente seria a partir de então que ohomem deu início à grande revolução primitiva de índolecurativa, recorrendo para tal aos movimentos celestes e àcultura megalítica para adivinhar o futuro no contexto dasaúde, sobretudo quando baseados numa forte componentepsicológica assente em velhas crenças e rituais mágicos quejá detinha. Este facto desenrolou-se ente a relação dos Deu-ses da cura e dos demónios do sofrimento e da maleita comligações ao pecado. A cultura megalítica fez parte do nosso passado de cultopré-histórico. As “pedras sagradas” eram consideradas Di-vindades, por isso eram veneradas com assaz respeito. Nanossa tradição popular, lembremos as pedras baladeiras, emque os seus oráculos eram muito procurados para predizer ofuturo2. Os menires, quando localizados em pontos estratégi-2 O leitor poderá consultar o livro A Alma de Um Povo – História e Lendas daTradição Barrosã, pág. 33, Apeiron edições, 2013, para ficar elucidado a esterespeito. 15Apeiron Edições |