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Também Elas Eram Inocentes! (excerto)

Published by D'Almeida ©, 2017-06-26 04:12:50

Description: Editor: Apeiron Edições © * Autor: Carlos Moreira Araújo © * Paginação e arte final: D'Almeida Ateliê * Técnica de capa: D'Almeida Ateliê

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TítuloTambém elas eram inocentes!AutorCarlos Moreira AraújoDirector EditorialEduardo AmaranteRevisãoIsabel NunesGrafismo, Paginação e Arte finalDivalmeida Atelier Gráficowww.divalmeida.comTécnica da capa(Ilustração fornecida pelo Autor)Divalmeida Atelier Gráficowww.divalmeida.com1ª edição – Junho 2012ISBN 978-989-8447-21-0Depósito Legal nº 345294/12© Carlos Moreira Araújo & Apeiron EdiçõesReservados todos os direitos de reprodução, total ou parcial,por qualquer meio, seja mecânico, electrónico ou fotográficosem a prévia autorização do editor.Projecto Apeiron, [email protected]

Carlos Moreira Araújo apeiron edições



Esta história faz parte de um imaginário que espero nunca chegue a ser real.Para tal tenho esperança nos homens livres e também nos outros que, por umoutro motivo, pensam que a vingança é uma moeda de troca. Todas as pessoas são inocentes até se provar a sua culpabilidade; assimrezam os manuais de justiça. Façamos todos para que não se tenha de provar aculpabilidade de ninguém.



Também elas eram inocentes! 1º CAPÍTULO _________________ A gordura escorria suavemente da espetada que, pendurada no ferro à minhafrente, aguardava que eu iniciasse a repartição dos apetitosos pedaços de lulas. O restaurante era acolhedor, pequeno e asseado, e a companhia tinha todos osingredientes para que a refeição se tornasse minimamente agradável e interessante. Olhei a minha companheira, olhei-a nos olhos, aqueles olhos escuros e expressi-vos. Aliás, a Leonilde era uma pessoa até certo ponto extrovertida, de pequena esta-tura, ligeiramente entroncada, cabelo preto e ondulado; por vezes brincava com elaperguntando se não haveria na família alguém de raça negra, mas a companhia erainteressante depois de termos passado por tantas coisas. Eram tempos difíceis. O mundo parecia ter enlouquecido. Estava mergulhadonum exasperante caos; a droga dominava tudo e todos. – Filipe! Do que é que estás à espera, serve as lulas que acabam por arrefecer. *** A gordura já não caía na base do porta-espetadas, deixando agora longos fios queiam ligando as várias componentes da espetada. Servi com lentidão, tentando nãogalardoar o meu coçado blusão com mais algumas nódoas. A Leonilde gracejava: – Tem cuidado, não sujes o “smoking”! Sorri e olhei-a novamente. Não estava melhor do que eu. Vestia um casaco dehomem com o forro a espreitar pela manga esquerda. Do mesmo lado o casaco nãoassentava minimamente. O volume do imenso “bacamarte” que ela usava fazia alardeàs suas dimensões. – Sabes! continuou ela afastando o cabelo dos olhos – estou a ficar farta destavida, sempre mal vestida e com toda a gente a olhar-me de lado e, pior do que tudo,com muito poucas perspectivas de mudança. – Alguém tem de fazer o trabalho sujo, respondi-lhe. – Está bem, mas escuso de ser eu, não achas? – O problema quanto a mim, ainda é o caso de estarmos a lutar contra duas forças! – Está bem, mas isso também há-de acabar um dia, mas deixa-te disso e vamosàs lulas! Tirei os pedaços do ferro e bebi um pouco de vinho branco. A minha companhei-ra não falou e mastigava os pedaços da comida com sofreguidão. Uma melancolia invadiu-me. Como as nossas vidas tinham mudado num ano…365 dias e uma viragem total na vida de tantas pessoas. 9Apeiron Edições |

Carlos Moreira Araújo A comida entrava-me na boca, mas não lhe sentia o sabor. Estava desejoso de lhecontar o motivo do jantar. Não estava certo de coisa alguma, mas bem no meu ínti-mo algo me dizia que finalmente a nossa vida iria mudar. – Leo… e se por acaso tivesse uma grande notícia? A Leonilde parou de mastigar e olhou-me como se não tivesse percebido o queeu acabara de dizer, e com a delicadeza que o nosso recente modo de vida lhe gravarano espírito respondeu-me: – Ainda agora começaste a beber e já estás bêbado! Não ouvi mais nada. Se ela acrescentou algo àquele mimo já não ouvi, já estavamuito longe, os meus pensamentos transportavam-me no tempo recuando meses emeses. *** – Filipe! Filipe! – O que é? – Já são horas! – Já?! – A Clarinha já se está a remexer toda, levanta-te enquanto eu trato da menina! Levantei-me cambaleante e olhei para o relógio, 6.30 AM, o malvado relógio, eratodos os dias a mesma coisa. Àquela hora entrava a telefonia a tocar e então quemúsicas, ou folclore ou um sujeito qualquer a palrar qualquer coisa. Fui à cozinha acender o esquentador tropeçando em tudo o que encontrava pelocaminho. Não sei porquê àquela hora os espaços para passarmos sofrem qualquerencolhimento nocturno. A Clara começava a chorar rabugenta, mas a Justina com uma paciência a quemsó a ela conheço foi-lhe falando e a miúda acabou por se calar. Era um dia como os outros, a única diferença era que a Justina levava a Clarinhaao Tribunal onde trabalhava, queria que as colegas vissem a menina... coisas de colegas. *** Preparei-me e saí para o quintal. O orvalho nocturno deixava os passeios molha-dos ao que eu correspondia com um pôr de pé muito cuidadoso para evitar escorre-gadelas. O Tejo, o nosso cão olhava-me abanando a cauda, não sei se feliz por me ver sefeliz na expectativa de assistir a qualquer trambolhão da minha parte. Entrei no carro. Estávamos em Janeiro, tudo estava gelado, os próprios bancostornavam-se incómodos e frios. Fiz uma primeira tentativa de pôr o motor em mar-cha, mas não resultou. Voltei a sair do carro. O Tejo continuava a fitar-me, talvezagora com um abanar de cauda menos amplo perdendo as esperanças de me ver cairvítima de alguma poça com mais humidade.10 | Apeiron Edições


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