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O-barraco-ok

Published by Paroberto, 2021-05-12 14:15:33

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canoa, areia, força — só o velho pescador arrasta para a água — a canoa onde se lê o nome “Projetinho” 49

escrita, movimento, escrita — no livro o inseto é menor que uma letra — mas é igual a uma sílaba de asas abertas 50

sinal, sinal, sinal — perto do riacho com lixo as lanternas — traseiras do carro novo piscam longamente 51

indígena, fluxo, indígena — sem camisa e mordendo as contas do seu colar — o menino caminha ao lado do rio liso castanho 52

balé, busca, balé — a garça saltita só na água castanha e — depois estica atenta o longo pescoço 53

calor, fulgor, calor — na cobertura de vidro temperado a libélula se agita — ferozmente como uma minúscula britadeira 54

sombras, cigarras, sombras — nos caminhos do bosque montes de folhas secas — sob montes de mosquitos sob o canto das cigarras 55

palco, luz, palco — na janela do banheiro aceso no alto do prédio — pombos se misturam com frascos de shampoo 56

arrulho, anúncio, arrulho — no topo do prédio antigo um banner novo — dá visibilidade aos pombos habituais 57

paisagem, decoração, paisagem — como um crânio de vaca com dois chifres negros — o pássaro pousa contra o sol num capinzal 58

pouso, pressa, pouso — braços de motoristas pendem — sobre a rua como asas inúteis 59

chiado, chiado, chiado — no quarto frio do menino o cata-vento verde — gira sem parar no pote de lápis sobre a mesa 60

assombração, assombração, assombração — o urubu desliza baixo como uma sombra e — só seu bico branco sobressai 61

carta, selo, carimbo — às sete da manhã a lua sob a árvore — está nos dedos de um galho 62

ringue, aplausos, ringue — rodeadas por folhas que se agitam — borboletas lutam boxe sem se tocar 63

pensador, pensador, pensador — a atitude do gorila colossal é de quem medita — após largar na grama ao lado o porrete rústico 64

altura, profundeza, altura — ...reflexo lento de um pássaro na poça — onde a formiga nada veloz 65

partida, partida, partida — a pista está vazia mas lá na cabeceira envolta numa baforada — de calor uma cauda opaca gira trêmula 66

abrir, fechar, fechar — borboletas giram sobre a poça — como torneira que se fechasse 67

pouso, corrida, vitória — a sombra rápida passa pela pista silenciosamente — sem o avião grande que só toca o solo depois 68

penas, pés, pelos — sombras de pássaros ondulam de asas fechadas — como ratos correndo no terraço 69

corpo, veneno, corpo — entre galhos nus a cobra amazônica enrola o rabo e se levanta — como um parafuso que se desenroscasse lentamente 70

sobe, desce, sobe — a sombra da formiga se arredonda — no chão semelhante a uma aranha 71

pirelli, goodyear, michelin — espalhados no asfalto os pedaços de pneus — de vez em quando revoam como asas 72

epílogo 73



fantoche, espetáculo, fantoche — talvez a cabeça seja de gato ou de cachorro — mas o corpo no asfalto já se tornou um trapo 75

Esta obra foi composta em Palatino Linotype e Khand, publicado on-line pelo Autor em setembro de 2020. https://medeirossergio.blogspot.com/

Sérgio Medeiros é poeta e artista visual.


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