por Agnaldo Silveira 1
“...e a missão continua” 2
por Agnaldo Silveira “... e a missão continua” pelo Espírito de Agnaldo Silveira 3
“...e a missão continua” Agradecimentos 4
por Agnaldo Silveira “Seja humilde por toda sua vida” 5
“...e a missão continua” O sentimento de um ódio eterno, em uma energia escura a lhe dominar a mente, trouxe ao meu querido filho uma intros- pecção indesejada. Amália não havia superado aquela encar- nação como desejou, há muito, numa espiritualidade amável a lhe transbordar confiança e amostras de um amor desde sempre. Seu retorno deu-lhe um estranho arrependimento, a conduzi-la em suas meditações contínuas numa amarga certeza de que desper- diçara sua encarnação. Ambos retornaram à espiritualidade destruídos emocionalmente após uma passagem pelo físico de desilusões e não cumprimento de suas missões. O atraso evolucional e o futuro retorno em suas vidas terrenas, levariam a tentar superar tudo novamente. Dois espíritos sendo apenas um em suas origens, e afastados pelo físico, deveriam unir-se, novamente, somente no físico, onde a sepa- ração terrena lhes conduziu à mesma separação na Espiritualidade. Em seus carmas e motivos pessoais, foram dominados pelo or- gulho carnal e, em resultado, a não união naquilo que deveria ser. Naquilo que a própria Espiritualidade e seus filhos amáveis mis- sionários haviam lhes ensinado e lhes conduzido, dentro de um amor Divino, a vencer, a vida física havia terminado para os dois, e iniciado uma nova luta espiritual. Encarnariam, em retorno ao físico, em meados finais do século XX, em nova oportunidade. Encontrariam um mundo mais propício à matéria, mais profun- 6
por Agnaldo Silveira do em seus carmas pessoais em acompanhamento de suas novas vidas, somados ao não superado. Sua consciência tomada em desesperos, já de volta ao mundo da verdade, dava à Amália o amor verdadeiro nunca visto no mundo carnal pelas suas próprias entregas errôneas em devaneios físicos. A ele, o não perdão seguido do ódio de um coração machucado, deixou-lhe de joelhos na capela espiritual, a não se perdoarem mu- tuamente, pois era ciente de serem um só. Esses sentimentos misturados à eles, pois o que um levava em seu íntimo, o outro recebia em serem a mesma unidade espiritual, influenciaram num todo seus retornos à Pátria Verdadeira. Alice, em seu amor incondicional, permanecia lado a lado dos dois. Redobraria seus trabalhos em benevolência e consciência ema- nada a eles, para não errarem novamente. Árduo trabalho e dedicação, exigiu a presença de mais dois espí- ritos Iluminados, a somar-se naquela missão, para o novo encarne daquela unidade dividida em dois, e conduzi-los ao acerto temporal na breve oportunidade. Imediatamente, após o despertar no mundo da espiritualidade, foram conduzidos a locais diferentes. Amália foi habitar isoladamente próxima ao grande lago da Co- lônia Espiritual. Meu querido filho, foi levado ao outro lado, numa região montanhosa, no caminho de volta à uma nova capelinha que havia sido formada. Grande estudioso e historiador da espiritualidade iniciaria reve- lações ao meu querido irmão, objetivando o significado da sua não aceitação pelas decisões de minha querida filha, a alcançar o perdão. Ela, devido a suas decisões físicas, inconscientemente, aguardaria a compreensão do seu amado em suas histórias passadas a superar seu apego ao mundo material, buscando a Luz de uma consciência necessária para seus perdões, em ensinamentos e meditações. Em suas proteções espirituais, novo espírito havia sido designa- do em limpeza diária em amor aos dois, deixando-os livres e abertos em suas verdades e consciências. 7
“...e a missão continua” Assim, três espíritos desejaram em suas escolhas, estarem per- manentemente aos seus lados, mesmo após seus novos encarnes, permitidos pelo Cordeiro Supremo, até suas superações e uniões definitivas. Esse amor, se merecido a ambos, seria revelado em seu tempo. Receberiam um impulsionamento em suas missões, seguidos de um conhecimento merecedor por suas caminhadas. Cada um levaria seus outros carmas não vencidos, pois a desu- nião conquistada não os permitiu resgatá-los, quando ao quebrarem suas energias. Naquele físico decepcionante aos olhos espirituais, cada um en- tregou-se à sua matéria. Sentimentos passados aproximaram-se e seus caminhos tomaram um rumo desproporcional às suas verda- des, em suas chegadas ao Mundo Maior. Tudo viria com mais intensidade na breve encarnação. O mundo físico seria mais intenso, em seus devaneios, a ela. A desilusão e o não perdão seriam mais sensíveis a ele. Tudo havia sido dificultado por ambos. Contariam ainda com a tentativa de domínio que exercia o lado negro sobre o mundo futuro. Densa energia planetária, encontrariam pela frente. Naquela vida terrena desperdiçada, seus objetivos traçados e não honrados deveriam ter resultado numa união incondicional a en- frentarem, em missão, esse novo mundo. Porém, não. Encontrar-se-iam nesse turbulento futuro tentando resgatar seus passados. Estariam imersos numa época, com os an- tigos objetivos. Possuiriam encarnações mais difíceis, pela própria desproporção dos seus erros e acertos em épocas diferentes, devido a seus atos. Assim, passo a vos narrar a história dos meus dois filhos amados que, jamais, até hoje, compreenderam que faziam parte de uma mis- são por amor. Dumas 8
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“...e a missão continua” INTRODUÇÃO D esde os primórdios, a permissão Divina em benevolência e compaixão à esta humanidade concedia a vinda em corpo físico a muitos espíritos, os chamados Seres de Luz, não necessitados em promover-se aos ciclos reencarnatórios, a arrisca- rem suas originais perfeições, em exemplos encarnados transformar os corações aprofundados nos sentimentos materiais. A peregrinação no mundo material daquele homem Iluminado, chamado Jesus, rodeado de espíritos encarnados, inconscientes, a fazerem parte da Obra Universal, doaria, ao seu tempo, sua cons- ciência carnal ao Grande Mestre, o Cristo, honrando suas missões a ser seguido ao amor e humildade pelos homens carnais. Aderidos ao esquecimento corpóreo, alguns daqueles missionários compromete- ram sua história, envolvido aos sentimentos humanos desta Orbe. Um dos líderes daquela sociedade arriscava-se, em missão, em suporte ao Messias. Conectado ao Mundo da Verdade, pertenciam, ele e sua contra- parte espiritual, às origens iniciais comprometidos à Grande Obra Universal. Influenciado pela escuridão, ao iludir-se com o poder do mundo terreno, inconsciente da sua Verdade em essência, negou-se à sua missão. Assim, impulsionou a retirada do Messias encarnado, do seu cor- po físico, em ilusão ao poder material. A Luz do seu espírito ofus- cou-se, alterando sua trajetória. A conexão com o mundo escuro conquistado por ele lançou-o, em seu desencarne, ao astral escuro, como a ser sugado em compa- tível energia ao ermo espiritual. 10
por Agnaldo Silveira Respeitado por adeptos da escuridão sideral, tornou-se, entre outros, um líder negro. Ciente de sua Verdade, permitiu-se em sua transformação, pela possibilidade de conquistas carnais, e poder Ex- traterreno, seu afastamento do Mundo Maior da Luz. Nova existência afetou sua metade em espírito, que caminhava ao Plano Iluminado ante àquela vida proposta em auxílio ao Mes- sias. Duas partes espirituais, uma em ampla consciência de suas Verdades, outra entregue ao mundo negro. Anteriormente, em suas jornadas, suas vidas físicas, condicionalmente perfeitas, a esta Orbe, emanavam Luzes Astrais em suporte a este planeta. Ao momento reencarnatório fundamental à humanidade, ele perdeu-se em sen- timentos destrutivos a si mesmo. Todavia, ligado ao extra físico à sua própria contraparte em espírito, alterariam suas missões, fosse carnal ou espiritual, em retorno unidos às suas essências. Desejando a metade permanente Iluminada, resgatá-lo, como fosse a ti mesmo. Pelos jardins de uma remota espiritualidade, bela moça cami- nhava por entre os lírios do campo. Um aroma Universal repleto de sabedoria e tranquilidade. Numa consciência ampla, caminhava vestida de branco, braços abertos, exalando todo perfume que pe- netrava seu espírito. A brandura em seu olhar, a benevolência para seus irmãos espirituais, e uma singela sabedoria que lhe levava a empatias espirituais com todos ao seu redor, atingiu-a inteiramente em seu íntimo. Alva, contraparte espiritual em sua metade, entristecera-se em notificar-se, em espírito, a perdição terrena conquistada por Ravi. Em sua única passagem por um corpo carnal, até ali, dispensara-se ao Criador sublime desejo em arriscar-se em vida corpórea, à recu- peração de si mesma, na outra parte. Ligados por suas próprias energias originais, refletia em si mesma o despencar energético sofrido ao desenlace de Ravi. Em suas ligações existentes, mesmo com todo infortúnio, entre- gou-se ao mundo físico, proposta a uma encarnação em recupera- ção de sua metade espiritual. 11
“...e a missão continua” A chegada na espiritualidade, após aquela vida física repleta de erros, direcionada a todos os sentimentos cruéis que um espírito po- deria carregar, ao longo daquela passagem, Ravi entregou-se em seu ego, a um destino praticamente irreversível aos seus próprios olhos. Confundia-se consigo mesmo em suas emoções. Direcionado pelo submundo do astral inferior a caminhos de podridões, reverencian- do seres negros adeptos a um mundo paralelo ao caminho do Pai Maior, sintonizava-se aos senhores da escuridão da espiritualidade em seus desejos, incapacitando sua mente espiritual de reconhecer seus verdadeiros valores. Porém, em sua última passagem, antecedente a esta em que se perdeu por completo, compunha um grupo espiritual elevado. Um grupo seleto composto por espíritos de alta hierarquia, que seriam conduzidos a encarnações necessárias para uma transformação da humanidade terrena. Unido diretamente a Alva, ainda assim teve um lampejo de arrependimento por sua cruel vida passageira. Foi-lhe dado pelo Supremo o perdão e a oportunidade a redimir-se de seus atos físicos. Nas frias montanhas do Himalaia, seus espíritos deparam-se com seus novos corpos físicos. Uma nova consciência a libertarem-se de todos os erros e sentimentos invisíveis vivenciados anteriormente. Nova oportunidade a Ravi em redimir-se de sua passagem anterior. Habitavam entre neves, em terras asiáticas, numa humilde casa no cume montanhês. Encarnaram camponeses num povoado ro- deado pelo branco natural. Ele ainda levava dentro de si, imper- ceptivelmente aos seus sentimentos, todo apreço adquirido por si mesmo em sua última passagem terrena. Ela, em sua primeira ex- perimentação carnal, permitia o brotar em seu íntimo uma saudade incontrolável do desconhecido à sua mente. Seu espírito carregava sensações de uma vida espiritual plena, deixando em sua sabedoria uma compreensão pelos habitantes, de muito amor e serenidade. Viviam um amor único, entregues em seus compromissos, des- conhecendo quaisquer manifestações do Mundo Maior. 12
por Agnaldo Silveira Assim, deparo-me com o Reino Espiritual de Rama. No campo etéreo situado no Nepal, abrangido em seu redor pelo gélido Himalaia. A temperatura no campo físico não oferecia superioridade a 8ºC, em nossa escala. O Mundo Espiritual dispensava do seu Reino, dois focos de Luz Sagradas para suas primeiras experiências terrenas, uniformes. Encarnara assim, em suas essências, um, em genuíno amor in- condicional a sua contraparte de espírito. Outro, disperso em espíri- to e a superar-se em nova oportunidade, Ravi. Seus primeiros passos entoaram algo significativo logo em suas infâncias. Discursavam sobre um Reino desconhecido aos locais, si- multaneamente. Trazendo-os à primeira união física pelos seus ge- radores. Em um pequeno povoado regional, abrigados pelo fervor em madeiras umedecidas, seus olhos carnais encontraram-se, levando- -os a um ingênuo abraço. Infinita Luz gerou vida no campo Astral, permitindo-lhes a au- têntica consciência de suas missões. Numa sabedoria admirável, nasceu no astral físico magnífica força oriunda de suas origens, prin- cipiando suas biografias espirituais a serem perpetuadas até os dias coexistentes. Aos 12 anos terrenos, a nobre missionária e seu companheiro, em seus rituais primordiais de uma vida Celestial, triunfavam em palavras acalentadoras àqueles que lhes cercavam. Moradores do povoado, conduziam suas vidas isentos do conhe- cimento adequado para suas evoluções. Sábios em suas naturezas divinas e conduzidos por um Plano Maior, seus ensinamentos cru- zavam os vilarejos do álgido Himalaia. Em desprendimento por inteiro do campo etéreo e imersos em sua totalidade no mundo carnal, aos seus 21 anos terrenos, iniciaram a edificação física do Templo da Chama Dourada. As malfeitorias condizentes à sua última encarnação ainda não haviam despertado no íntimo do rapaz. 13
“...e a missão continua” Adeptos propagadores da conduta do Buda, em suas essên- cias e veracidade cósmica, tornaram-se pioneiros de um Caminho Iluminado que percorreria o tempo corpóreo em sua magnitude. Em sua constituição, as mais singelas pedras tomaram forma de uma extensão rica em sua espiritualidade, abrigando os mais pobres em co- nhecimentos, os mais interessados na sabedoria Divina e, provenientes de aldeias vizinhas, curiosos interessados em zelar por suas vidas pós corpo físico. Diversos rituais viviam aos redores, unificados com uma Força Maior, dividiriam os mesmos passos em suas propagações. A manhã nascia como a brotar em suas vidas o êxtase em seus afazeres. Aproximando-se de mais uma inspiração aos seus discípulos, como a ser um anfitrião de um novo rumo, aquele seria um dia repleto em realizações voltadas ao conhecimento de uma vida pós passagem terrena. Os preparativos haviam sido elaborados tempos antes, contor- nando cada detalhe no bem-estar da humilde civilização daquele povoado. Ao céu, o congelante clima dispunha no aquecer de vossos cor- pos físicos com os mais aromáticos chás compostos por ervas me- dicinais da região. Tendas, tapetes ao solo, utensílios espirituais e um astral propício às meditações iniciais coloriam o local como a transmitir uma alegria e paz jamais observada. Alva trajava seu comprido vestido branco costumeiro. Resplan- decia em seu invisível campo Sideral, toda magnitude de um Ser de Luz imersa em seu corpo carnal. Ao seu lado, Ravi, trajado com uma túnica de cor marrom claro, concluía os preparativos iniciais, que abriria o ritual. Todos postos em seus lugares, ao chão, pernas cruzadas em flor de lótus, cerravam seus olhos no cumprimento respeitoso ao rito primordial. 14
por Agnaldo Silveira À frente, da mesma forma em respeito a espiritualidade presente, minutos de silêncio, como a ecoar um vazio, transgrediu aos corações singelos a devida conexão ao Mundo Maior. Uma beleza exuberante em cores astrais, flores representando a natureza transitória da vida carnal, naquele simples santuário, mas rico em sua grandeza espiritual iniciou-se o rito com preces dire- cionadas aos bodhissattvas. A girar um moinho de preces simboli- zando um mantra de orações, a serem repetidas harmoniosamente, trazendo a união em pensamentos positivos com a sublime energia do Buda, prostando-se, ambos, e seguidos por todos, em agradeci- mento por seus ensinamentos. Em seus simbolismos, refletiam a expansão do Dharma, suas verdadeiras realidades. Ao levantarem- -se, todos, sincronizados em sua devoção, caminharam três vezes ao redor de toda beleza criada naquele cerimonial, venerando suas três joias, o Dharma, suas doutrinas, o Sangha, suas comunidades, e o Buda, o Mestre Iluminado. Em sua observada trajetória, o inevitável reencontro com seus desejos outrora vivenciados em sua antecedente existência carnal afloraria no despertar de suas ocultas consciências dando-lhe a ex- perimentação em lembranças invisíveis que conduziriam sua ciência atual à sua superação íntima. Ao seu lado, vinha-lhe em seu merecimento, encarnada, sua metade em essência de espírito a suportar, em seu amor incondicional, quais- quer eventualidades negativas em detrimento dos seus antigos atos. No decorrer do tempo físico, alcançou-lhe suas vistas sentimen- tos que lhe devolveriam o crescimento de sua vaidade e cobiça pelas atratividades humanas. Em consciências apenas temporárias, ambos em sua metade re- partida em corpos carnais, iniciaram, imperceptivelmente, contro- vérsias em seus dias terrenos. Ravi encantou-se com a possibilidade de um poderio voltado aos seguidores de suas crenças. Meados dos quarenta e três anos, principiou entre ambos ener- gias opostas, mesmo em sintonia com suas verdades, o rumo de 15
“...e a missão continua” novos lugares a se conquistar em propagação de suas doutrinas. Aos olhos de Alva, sua necessidade em espírito concentrava-se apenas aos seus cotidianos. Porém, sua metade, imerso em seu car- ma, decidiu-se partir por entre as frias montanhas do Nepal, em busca de novos seguidores a satisfazer seu ego terreno. Inesperada tristeza dominou os dias de Alva, que, em sua aben- çoada espiritualidade, refugiou-se aos seus Mestres Espirituais a ten- tar, inutilmente, a desistência de Ravi dessa busca. Induzido em sua própria energia dispensada aos novos desejos e, em sintonia ao seu passado tenebroso, atraindo seus companheiros de uma espiritualidade negra, passou a trilhar as geleiras nepaleses, atraindo adeptos a preencher sua vaidade, a desviar-se por inteiro dos propósitos primordiais com sua companheira. De imediato, a espiritualidade compôs-se em auxílio de sua ele- vada, em espírito, parceira, á lhe confortar seu desgosto em per- manecer em sua vida carnal. Em sua primeira passagem por um corpo físico, livre de quaisquer lembranças de suas verdades, a no- bre encarnada sentiu a dor de um abandono corpóreo trazendo a desesperança em sua continuidade. Em seu apoio oriundo de uma espiritualidade amorosa, prosseguiu em suas tarefas isolada em seu íntimo. Seus discípulos perderam-se, aumentando a responsabilida- de espiritual de Ravi, em não cumprimento de sua missão, seguida a mesma energia ao se perder em físico, da sua vida anterior. A singela moça fora retirada do seu corpo físico, a seu próprio desejo em espírito, pois sua missão desmoronada não a permitia concretizar mais seus passos terrenos. Imediatamente, seguida por sua metade, Alva retornou à espiritualidade. Ravi, como a ser suga- do instantaneamente ao mundo negro, proporcionou a separação daqueles que, em suas origens, nasceram juntos em suas essências. Ravi caminhou num universo denso, escuro, por séculos. Alva, dispensada de suas uniões, iniciou seu processo evolutivo isenta de sua própria metade. Em seu íntimo, nunca permitiu a aceitação do novo tenebroso caminho escolhido por ele. Nas Leis Universais, ele conquistaria seu 16
por Agnaldo Silveira espaço, em repetição inicial, por si mesmo. Não encarnariam mais lado a lado, pois Ravi imerso em sua jor- nada trevosa, passou a encarnar inserido às suas novas companhias negras. Enquanto Alva unia-se cada vez mais fortemente ao Plano Superior do Criador. Grande Mestre do Mundo Iluminado, ao certificar-se de toda gravidade imposta por Ravi perante as Leis Cósmicas, dispôs seu auxílio em recuperação daquele irmão espiritual perdido em sua tra- jetória. Imensa luta por séculos, entre encarnes e desencarnes, que leva- ram Alva e o Grande Mestre Iluminado a se depararem com o per- dido espírito, cansado de sua atual condição, em torno do ano 1.000 d.C., a retirá-lo daquele Mundo Inóspito da espiritualidade. Aquela estafa pessoal trouxe-lhe a consciência de seus atos, conduzindo-o a um severo arrependimento. Ravi conquistara muitos seguidores, a se tornar um grande se- nhor das trevas ao longo daqueles séculos. Seu abandono escuro lhe presentearia com inúmeros adeptos às suas moralidades a não aceitarem de imediato suas separações. Por séculos a seguir, levava em suas encarnações esses perseguidores, a não permitirem que ele retornasse à Luz do Mundo Maior. Naquela peregrinação, o Grande Mestre e Alva depararam-se com Ravi encolhido numa caverna física, espiritualmente, a arrepen- der-se de todos seus atos em sua caminhada negra. Envergonhado, trazia à sua mente lembranças de sua metade espiritual e, em seu conhecimento, notificava-se da árdua luta futura, em desvencilhar-se dos seus discípulos e reconquistar seu caminho inicial. 17
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por Agnaldo Silveira “...e a missão continua... 19
“...e a missão continua” ...aos verdes pastos umidificados pelo gelado que nascia jun- to àquela manhã, as ovelhas ensaiavam seus primeiros passos ao cristalizante sonido metálico dos sinos envoltos em seus pescoços, preenchendo o soberano silêncio das Montanhas de Andaluzia. O igual azul celestial de décadas passadas, a repetitiva relva a aromatizar mais um amanhecer, antecedendo o mais magnífico en- tardecer da Orbe terrestre, sintonizavam em mais um dia terreno daquela passagem carnal dos meus dois filhos amados. Narro-vos o ano de 1755, onde, após a vivência numa profunda espiritualidade a resgatarem suas consciências pessoais, entrega- vam-se, em nova oportunidade concedida pelo Supremo e por uma Espiritualidade Iluminada, às suas singelas energias compatíveis aquelas terras. Apaixonante sintonia Universal os levava numa vol- ta sem imperfeições às suas iniciais origens planetárias. Pisavam, como em regresso, num Solo Sagrado, como a lhes permitirem reconhecer, em suas memórias espirituais, antigas passagens que há séculos lhes levaram à quebra energética de suas essências. Me- 20
por Agnaldo Silveira recido enlace a disponibilizarem-se ao Mundo Maior, recriarem-se em suas verdades, trazendo ainda a ambos, irmãos do extra físico a lhes dedicarem vossos conhecimentos e satisfações espirituais. Os carneirinhos, como a seduzirem suas fêmeas, seguiam à frente impondo suas forças e respeito pelo seu pastor. Como a serem guiadas pelo Azul Celestial, a aquecerem seus corpos, numa sinfonia que ecoava à percepção de um aglomerado de igreji- nhas a receberem seus fiéis missionários. Mas, não, eram apenas as harmonias que elas conduziam penduradas em seus guerreiros corpos naquela manhã. Ao longe, antigo casebre, em semelhança a um quadro escul- pido pelo mais belo pintor, contemplava, em seu amanhecer, as primeiras fumaças a se perderem por sua desgastada chaminé, sin- tonizando ao horizonte o nascer de mais um dia dos meus dois espíritos amados, encarnados em suas oportunidades temporais. Imersos naquele palco físico que os recebia para serem os ato- res principais de uma Era, num esplêndido cenário ao sul espa- nhol, agregados a uma Divina Luz Espiritual que lhes permita a concretização de uma árdua luta, ainda no Mundo da Verdade, a estarem ali, em seus veículos físicos, sendo merecedores de suas novas missões. Todas as manhãs, o pastor de ovelhas as conduzia pelo ver- de montanhês, seguido por sua amada a acompanhá-lo, sem mes- mo perceber suas ligações de espíritos. Muitas vezes, conversavam através do pensamento, apenas por olhares ou gestos físicos, pois ele à frente do rebanho, e minha querida amada, por último a pro- teger o mais lento entre os animais, completava a energia que os levava aos seus pastos. Ali, encarnados, a abrirem seus olhos espirituais, em missão ainda a ser aproximada pelo Mundo Maior, eram sustentados por suas histórias e vigiados pela frequência dos seus queridos amigos do invisível, a protegê-los constantemente. Suas energias eram compatíveis àquelas terras, pois anterior- 21
“...e a missão continua” mente habitaram mais ao Norte, em vidas passadas. Ali, mesmo, reconectaram-se e reencontraram-se em seus méritos. Naquela fria manhã, do inverno que os visitava, minha querida filha colhia as aromáticas ervas plantadas à lateral da velha casinha onde moravam, no alto da montanha e no mesmo vilarejo em que abriram seus olhares carnais, pioneiramente, naquela vida. Enquan- to ela preparava o mesmo chá, assim como em todos os nasceres da maior Estrela Universal, meu querido filho ajustava a lenha no obsoleto fogão de barro, dando vida à fumaça que se dispersava pela chaminé, avisando as ovelhas que mais um dia se iniciaria. Do outro lado da vida, no Mundo Astral, seus protetores de Luz os acompanhavam em suas sustentações, em suas missões aos dois. Seu incondicional amor era levado de vidas após vidas aos meus dois irmãos encarnados. E, ali, mesmo há séculos anteriores, já os emanavam um sublime amor Espiritual em suas irmandades cósmicas. Porém, aquela seria uma atípica manhã, isenta em seus conhe- cimentos. Chegara o árduo e inevitável momento de suas incons- cientes incumbências. Numa passagem pelo plano carnal que lhes era simplória em pastores de ovelhas, tudo mudaria irremediavel- mente para sempre. Passo a chamar meu amado filho de Romero, e minha querida filha, Amália (primeira obra desta narração), por sua semelhança em espírito, e como meu próprio filho amado a chamava, Serena. 22
por Agnaldo Silveira H abitavam o cume do povoado, em simplória cidadezinha, ao início da Serra de Cádiz, Espanha, sustentada por duas rochas, a constituírem magnífica falésia, envolta pelas majestosas montanhas de Andaluzia. Em comunhão natural, o rio Guadalete dispensava seu curso natural, amparados pela Luz Es- piritual de duas igrejinhas, Santa Maria e São Pedro, e ao torno do Templo de San Augustin. Suas estreitas ruas, em gastas cores pelo tempo, desenhadas com nativas flores em suas varandas, como anfitriãs aos mais belos olha- res. Puídas portas assemelhando-se a portais espirituais refletindo suas majestosas histórias, nos encontramos no incomparável palco a ser o cenário permitido pelo Mundo Maior aos meus dois filhos. Atraídos, em acordo dado pela Superior Espiritualidade que lhes consentia aquela oportunidade carnal, sintonizavam seus espíritos e seus novos veículos terrenos na mesma energia de vidas passa- das, em remotas vidas físicas, suficientes para seus cumprimentos reencarnatórios. Naquela amena manhã, a névoa cursava seu natural esplendor, onde, em reflexo nascido do tremor no país vizinho, as pequenas ruas inundaram-se de águas despedaçando em partes as fortalezas 23
“...e a missão continua” do Templo. Seguidas de tremores provenientes do natural, grande parte da Vila emergiu-se carregando em suas forças pequenas casas. Muitas desenrolaram ladeiras abaixo. A região estava submersa quase em seu todo. O espirituoso Tem- plo de San Augustin não se sustentou em arruinar-se em compaixão às Iluminadas Igrejas de San Pedro e Santa Maria. As impiedosas águas atravessaram o impotente povoado que jul- gava-se merecedor e castigado por Deus, por suas faltas cometidas conduzidos na aflição de quem já havia partido. A inabalável Virgem Maria de La Palma os permitiu o não abandono de seus corpos físi- cos, salvando vidas em sua misericórdia. Ao mais alto da montanha, o mesmo casebre permanecia imóvel, livrando-se das garras de turbulentas águas destruidoras. Magnífica proteção espiritual interveio em suas salvações, pois isentos daquela tribulação, a receberam apenas como o acaso que lhes dariam seus rumos missionários. Em sua perfeição, separava, assim, o Mundo Maior, resgates no mesmo povoado. Esquecidas lendas retomaram suas verdades em meio aos dizeres dos desconsolados, onde grande maioria permanecia em seu temor à insatisfação Divina, que jamais interromperia em trégua, até a des- truição final de suas vidas. Castillo, um peregrino ardente em fé, dividia seus passos com as estreitas ruas durante dias e noites. Digno de dons espirituais, lamentava-se, como a ver o campo astral, que todo o povo aflito de- sencarnado ainda perambulava pelas travessas coloridas, a buscarem um perdão Divino e imaginável às suas faltas antepassadas. Ignorado por muitos, Castillo, ajoelhado ao aguaceiro deixado pela revolta de Deus, segundo ele, pedia clemência, a todos, à Santa Virgem. Meus filhos amados, ao mesmo instante de toda tragédia, reco- lheram-se em refúgio do vendaval que se formara. As inofensivas ovelhas dispersaram-se em inconsciente desespero pelo pasto. Alertado por Serena, minutos mais tarde, Romero, apressada- 24
por Agnaldo Silveira mente, dirigiu-se colina abaixo e, acompanhado por ela e por Ir- mãos da Luz, espiritualmente, sem percebê-los, deparando-se com toda catástrofe. Ambos se entreolhavam, espantados, a todo momento, incrédulos de suas isenções do que ocorrera. Em suas proteções dadas pelo Mun- do Maior, não pertencia aos seus caminhos como encarnados sofrerem aquele imenso dano que destruíra o vilarejo quase que por completo. Céticos de todo acontecimento, notaram ao meio de todo povo sofrido, o “loco viejo”, Castillo, como chamado por todos, aproxi- mar-se em sua desconfiada sabedoria, e coberto por um mal cheiro, postar-se ao solo, repetindo incansavelmente. “Solamente tu... solamente tu.” Ambos, abraçados pelo insano maltrapilho, apoiaram-se entre si, buscando acalmá-lo. “O que dizes, meu Senhor? Estás perturbado com tudo que hou- ve. Acalma-te.” Castillo, ajoelhando-se em súplica, rogava aos dois que salvassem aquele povoado. “Tu, homem da colina, e tu, moça que Ilumina nossas ruas lá de cima, têm de seguir até o Leste, nas terras que espelham o mar. Lá, encontrarão a oração de nossa Santa Virgem que salvará nosso povoado. Junto a ela tem uma cruz... tragam a este solo. Nela serão feitas orações de salvamento para nosso povo” - fazia ele menção com suas mãos ao leste andaluz. Os dizeres do esfarrapado, visto como a um “enojado” por to- dos, sintonizou-se em baixas energias a eles imperceptivelmente emanadas. Ambos retiraram-se rapidamente regressando à colina. Pela noite, Serena conectou-se em prece por todo povo desabriga- do, demorando-se a repousar em seu sono. Habitualmente, o exuberante cenário espanhol trazia em con- templação mais um amanhecer. Romero seguia seu costumeiro caminhar por entre as ovelhas, 25
“...e a missão continua” enquanto Serena queimava a lenha e recolhia os ovos. Ela, dirigin- do-se a ele, com sua exuberante tranquilidade, reforçou as palavras do velho Castillo. Sorridente, o rapaz a igualava à loucura do maltra- pilho, dando gostosas risadas. “Tu estas tendo alucinações como o velho maluco” Repentinamente, ao pé do mais alto da colina, surge uma nati- va donzela, culturalmente de origens mulçumanas, desesperando-se em seus dizeres. “O velho Castillo está morto” Escondida em seu ‘hijabe’, aproximou-se esbaforida. Ao recupe- rar-se em seu fôlego... “Todos estão dizendo que ele estava certo. Que o velho nos deu o caminho da salvação, dos nossos antepassados, e somente vocês podem salvar nosso povoado, para que isso não aconteça mais” Imóveis, paralisados em seus pensamentos e tranquilizando aquela moça, saciaram-na com leite proveniente de suas criações. Serena a aconchega num desgastado banco de madeira ao lado de uma pequenina árvore. Romero, após o recuperar da visitante, levou suas ovelhas ao es- taleiro, enquanto sua amada caminhava com suas mãos nos ombros da agitada moça, seguindo ao interior do casebre. Já imersa em mais calmaria, ainda respirando o aroma dos con- dimentos que Serena preparava ao fogo das estaladas lenhas, re- pousou-se numa cadeira apoiando seus cotovelos sobre a mesa. Passou sua face por entre suas mãos, fitando, seriamente seu olhar aos dois anfitriões. Sua pele avermelhada escura, originária do seu povo marroquino, deu aos meus dois filhos um parecer de certa importância nas pala- vras pronunciadas. “Estão dizendo que vocês dois não foram atingidos, porque fo- ram protegidos pela Virgem. E que o pobre maluco entregara-se a morte, cumprindo seu dever em comunicar vocês dois de que são os únicos que podem salvar nosso povoado...” 26
por Agnaldo Silveira Ambos novamente se entreolharam, atônitos, em maior serieda- de à calamidade deixada no dia anterior. “...ele não era tão maluco assim. Era um sábio à serviço de Alá” - completou a moça. Os dias iam se conduzindo em seu habitual curso. A união popu- lar seguia uma árdua reconstrução de casinha por casinha. A mag- nífica beleza daquelas terras ia ganhando novas cores, como a um quadro a ser contornado no mais profundo amor por seu pintor. Serena, temporariamente, retornava ao pedido de Castillo, em convencimento ao seu amado que o destino proporcionara mis- sões aos dois. O coração do nobre rapaz sensibilizava-se com cada palavra dita e, por algumas vezes, mesmo descrente, seu coração sinalizava à ra- zão de Serena. Na espiritualidade, olhados por Irmãos Iluminados, e em suas permissões de Luz, transmitiam aos dois uma certeza daquela jor- nada a seguir. Certa noite, no alto das montanhas, o sol já havia retornado ao seu costumeiro repouso. Serena encerrara todas suas tarefas diárias, e preparava-se em seu leito ao descanso. Notou Romero já entregue ao profundo sono a recuperar-se de um dia turbulento. Uma de suas ovelhas fugira, e por horas dispensaram seus esforços a encontrá-la, aliviando-se ao tê-la aos seus braços novamente. Aproximando-se vagarosamente a ele, repousa suas mãos sobre a cabeça do rapaz, imerso em seu sono, e roga ao seu Deus para que sua consciência fosse iluminada. O íntimo dela não se certificava em sua totalidade de todo aquele desejo. Porém, apenas possuía a certeza em seu espírito de que aquela jornada deveria ser realizada. Seguida pelos amigos invisíveis do astral, sem que percebesse, suas mãos emanavam energia pura de consciência ao rapaz, sintoni- zando-o, em merecimento de ambos, às energias de vidas anteriores necessárias para que ele compreendesse o que estaria por vir. 27
“...e a missão continua” “Em um remoto passado. Sentia-se caminhar às terras centrais, há séculos, no corpo do Rei Afonso VI. Estranhamente, deixou de ser ele mesmo, muitas imagens tomaram vida. A história não conta com exati- dão sua veracidade, sua vivência pelas terras de Toledo. Fora um mal feitor em seu coração, agindo, constantemente ao seu benefício pessoal. À muitas pessoas, ajudou, dessa forma. E destruiu outros muitos, a quem não merecia. E, essa destruição foi muito mais intensa que as beneficies que proporcionou aos outros. Mais lembranças de um passado longínquo, lhe mostrou a persegui- ção que sofrera. Ele, arrependido de algum caminho que havia trilhado, se colocava à mercê dessa busca. Sentiu, em seu íntimo, promessas feitas a esses perseguidores e que, em sua nova atual condição de consciência, não as cumpria mais. Porém, havia deixado uma revolta e uma situação inacabada com seus antigos rivais, sabendo o retorno deles em cruzar seu caminho em algum momento de sua trajetória. Repentinamente, aflorou em seu coração que, aqueles a quem havia prejudicado, e em muitos pro- porcionado suas mortes, estavam em sua vida quando sentiu-se no corpo de Romero novamente. Era aquele povo que estava necessitado em suas perdas, no seu povoado, e ele tinha nas mãos uma nova oportunidade em se redimir do que havia feito quando reinava em seu Império. Deixara aquele corpo, naquela suposta vida, em seus pensamentos, numa dívida consigo mesmo, com um acerto de contas àqueles a quem traiu em algum tipo de confiança. E, antes de retomar sua consciência daquele profundo sono, ouviu em forma de eco, palavras que seria perse- guido eternamente pela suposta traição cometida.” 28
por Agnaldo Silveira R omero despertou com o palpitar do seu coração, saltando- -lhe ao peito. Levantou-se. A fria madrugada do topo da colina aliviou-lhe em estar em casa. Acalmou-se em uma jarra de água que sua amada sempre deixava ao seu lado. Olhou-a, e a viu adormecida. Por um certo momento, observou sua beleza. E, no mais profundo do seu coração, certificava-se que ela estava lhe proporcionando, mesmo ela não sabendo do que ele vivera em seu sonho, uma chance, talvez única, de trazer algo de bom aquele povoado, que, agora, sabia ser aqueles a quem havia tirado a vontade de viver nas terras de Toledo, remotamente. Serena, ao despertar, senta-se ao seu lado. Ele, amavelmente, pas- sa suas mãos nos finos cabelos de sua amada, e lhe diz que aceitaria viver tudo aquilo que ela estava lhe oferecendo há dias. No canto superior de onde estavam, Irmãos Espirituais sorri- ram-lhes, sem que eles percebessem, tranquilizando-se com aquela decisão do rapaz. Eles olham entre si e escutam as palavras saírem da boca de Serena, que mesmo sem notar o que havia dito, sorriu num amável abraço em seu companheiro. “Aqui, recomeça nossa busca pessoal.” O retorno do silêncio daquela madrugada deu-lhes paz. Recos- taram seus corpos ao leito, e adormeceram libertos em consciência de que estavam prestes a iniciar um caminho caridoso, onde muitos seriam auxiliados em suas necessidades. A fria madrugada levou-os a um profundo sono. 29
“...e a missão continua” “Serena via-se em pequena mesquita nas terras de Toledo. Curvada ao solo, exaltando Ala em silêncio nos seus pensamentos, rodeada de outros crentes na fé mulçumana. Alguns pilares sustentavam o teto que, em formato de cone, abrigava o fervor das orações que exalavam de suas palavras uma energia a transpor-se à espiritualidade. Vestida com um véu branco, o ‘hijab’ era sua representatividade daquela vida. Fervorosa em sua fé, passava por uma encarnação de agradecimento ao ter trazido sua metade espiritual para o caminho Iluminado, como assim prometera naquela oportunidade. Ao lado de fora, pequeno jardim conectado ao Mundo Maior em energia pura, lhe dava dias de meditações e conexões extrafísicas. Entregue a sua pureza carnal, recebia em determinado dia da sema- na, aqueles que, perdidamente, buscavam uma união ao Senhor Supre- mo, independente da crença e de como o chamavam. Dentre esses momentos, numa noite calorosa, avistou um homem adentrar pela porta principal, tomado em toda sua aparência das vesti- mentas que lhes eram condizentes. Ele, deixando apenas seus olhos ex- postos, como a ocultar sua identidade, aproximou-se de Serena e, como a implorar, lhe pediu que lhe apresentasse seu Deus, pois as insatisfações carnais lhe iam ao coração. Ela, amavelmente, o conduziu ao magnífico jardim, e o acomodando numa mureta, deu-lhe o maior dos conhecimentos. ‘Os espíritos entram e saem desse mundo. Vivem suas verdades no Mundo Espiritual, e aqui passam somente para se corrigirem dos seus erros passados. Os espíritos se encontram naquilo que devem se redimir. Alguns, vem até esse mundo a se reencontrarem, a auxiliarem os que mais precisam. Muitos se arrependem quando voltam às suas realidades espirituais, por não ter em enxergado o caminho que o Pai de Tudo lhes 30
por Agnaldo Silveira proporcionou vivenciar. O poderio que impera essas terras nos dá essa necessidade em saber de nossas reais condições a nos transformarmos. Nada passa despercebido, por nós mesmos, em consciência espiritual, que somos. E, somos isso, a realidade espiritual, e não a verdade física que nos encontramos aqui.’ Sua tradição não permitia que ela lhe falasse aquelas palavras, pois em seu íntimo, existiam muito mais situações verdadeiras entre o mundo dos mortos e dos vivos. Como a guardar em seu interior toda aquela sabedoria, numa confiabilidade que jamais alguém lhe dera, permitiu que suas palavras dessem vida ao que mais acreditava em seu profundo ser. A troca de energia e confidência tornou-se mutua e, estranhamente, ao término daquela noite, ambos, ao recolherem-se em seus cômodos, pensamentos fluíram igualmente e, mesmo que ambos não tenham visto seus rostos, o que não era visível pelos seus trajes, mas sim, pela amável sintonia que lhes sobreveio, repousaram imersos em sentimentos iguais, incompreensíveis às suas mentes carnais. Aquelas noites tornaram-se comuns, e o homem encantado com as palavras que lhe ia aos ouvidos, levou-a, sem que outros notassem, à Catedral de San Roman. Ela podia observar as pinturas em suas pa- redes, escritas em árabe que lhe deram uma um emoção jamais sentida em toda aquela sua vida. O homem, retirando o véu que cobria sua face, mostrou-se para ela igualmente. O amor, à primeira vista, era apenas um complemento daquela sintonia que os atraíam em espíritos. Notou, ela, ser o Rei daquela região, oculto em seus passos até sua Mesquita. Porém, viveram grande amor naquela passagem pelo físico. Ela, apenas uma menina devota a Alá, e ele, o maior poder de um Reinado. Assim, suas conexões materializaram-se naquela passagem pelo mundo carnal, à exemplo de suas conexões espirituais que caminhavam unidas por milênios.” 31
“...e a missão continua” S erena despertou com Romero dando vida ao fogo das lenhas que compunham o obsoleto fogão de barro. O aroma das brasas lhe invadia as narinas como a lhe trazer boas novas brevemente. Com o coração fervoroso num amor incondicional ao rapaz, sua mente anestesiava-se como a estar nos dois mundos ao mes- mo tempo. Vivia, pela primeira vez, um certo desdobramento em diferentes vidas. Certa de que suas jornadas espirituais eram inter- ligadas por um físico perigoso e magnífico, simultaneamente. Ele, expunha algo que, ela, como a flutuar em suas emoções, desconcentrava-se das palavras que ele dizia em sentimentos ma- tutinos. Ela, misturava-se em sua paz interna pelo agrado que vi- venciara em seu sono Momentos após, dirigindo-se ao povoado, ofereceram-lhes suas vidas, como em destino, a rumarem às terras que “espelha o sol”, entregando-se, ambos, às palavras irracionais do velho Castillo. Dias após, receberam todas as provisões necessárias para a 32
por Agnaldo Silveira longa caminhada, que os satisfariam em seus desejos de salvação daquele povoado, levando-os ao encontro da Profecia da Santa Virgem. Naquela manhã, como a um último olhar em suas terras, ele abraçou profundamente seu irmão, Rúbio, prometendo-lhe breve retorno. Despediram-se das amáveis ovelhinhas que, silenciosa- mente, se expressavam em saudades. A não olhar para trás, trilharam à colina em direção ao povoado, que lhes depositava sua fé, em sabedoria do encontro ao perdão comunitário. Buscariam um sentido para toda aquela partida, ao longo daquela jornada. Para Serena, a convicção em concretização missionária à busca pelo desconhecido. E isso conceituava-lhe seu espírito, a busca constante de algo desconhecido. A ele, bastava estar ao lado do seu amor. Mesclavam sentimentos a consumarem-se ser um único espí- rito, divididos em dois corpos físicos. Equilibravam-se em suas Verdades, incontestavelmente. Peregrinos físicos, assim como, há milênios seus espíritos ha- viam decidido permanecer nesta Orbe Terrestre em missão. Vivenciaram, ante a este Globo, longa caminhada cósmica, su- portados por um Mundo Espiritual Verdadeiro, assim, igualmente, concretizariam imersos na energia do Plano Terrestre. Inacreditavelmente (bem o sei disso à atual consciência huma- na), seus espíritos pertenciam ao aglomerado de Virgem, o cora- ção das galáxias, à média de 66 milhões de anos luz deste planeta. 33
“...e a missão continua” “Fora uma longa jornada Espiritual, há milênios, por entre gases, estrelas, poeiras interestelares, fragmentos de rochas, e toda a beleza que o Cosmo proporciona. Partiram de suas origens, utilizando-se, espiri- tualmente, das dobras invisíveis universais. Partiram de suas Verda- deiras Casas, uma estrela que pertence à uma das milhões de galáxias, Virgo B, como definiu o homem terreno, mesmo que ainda não sejam capazes desta compreensão. Em curto tempo, espirituais, como eram, aproximaram-se em suas energias deste planeta, trazendo a alternân- cia entre ambos, em suas astrologias, baseados nos devidos encarnes, sempre um ao signo da Constelação, conforme a necessidade de conexão com suas origens em sustentação. Terceira parte presente somente no Mundo Maior, dispensaria seu amor em proteção reencarnatória aos dois, a serem um só desde suas origens, a jamais encarnar neste Plano. Iniciaram suas missões neste Globo há tempos incontáveis, desde os pri- meiros passos do Mestre Buda em corpo carnal, para partirem definiti- vamente ao físico. E, cientes da energia que usufruiriam, entrariam nos ciclos reencarnatórios, inalteravelmente sujeitos às conquistas de carmas e regates. Levariam certa Luz Espiritual brilhante em poucos deste planeta. Oculta e imperceptível até em muitos na Espiritualidade desta Dimensão. Se tornariam seres humanos normais, em missões. Se perde- riam, mas se encontrariam intuídos por suas Verdades. Salvar-se-iam, e sempre sustentados por aquele ‘ficante’ no Mundo da Verdade. Sim, ao aceitarem suas missões, notaram que, logo em suas criações, numa única unidade de consciência, repartir-se-iam em três consciências, formando três espíritos. Mas, seriam apenas um coração e pensamento ao longo de toda jornada. E, suas repatriações, com tempo programado pelos seus Superiores em origem, as três consciências, ou os três espíritos, deveriam superar todas as missões e perdições terrenas, a unirem-se em retorno. E, apenas dois inseridos na dança das encarnações, retornariam à terceira consciência no Mundo Maior, a despedirem-se deste Globo, num futuro, ainda milenar. Porém, sempre deveriam estar na mesma evolução, para que nenhum deles, encarnados, ficasse aprisionado à esta Orbe.” 34
por Agnaldo Silveira R eforço-vos, diversos conceitos não serão, jamais, aceitos por esta humanidade, simplesmente pelo fato de não lhes caber à mente e a razão. O homem carnal ainda segue o que lhe é óbvio às suas ínfimas verdades. Enfim, seguiam meus dois Irmãos de Luz, em suas missões fí- sicas, como suas origens a deixar seu Verdadeiro Lar em benefício de muitos. Está são suas essências, peregrinos de conhecimentos em busca pela sabedoria, e exemplos a necessitados, possuidores de uma Luz que poucos encarnados, em suas consciências exatas, aceitariam. Renascia a esperança de um povoado, dos mais idosos cren- tes nas profecias nativas, ignoradas pelos mais recentes encarnados imersos nas ilusões carnais. Dessa vez, unidos pelo sofrimento que a natureza lhes submetera. Unidos em fé, em esperança e crédulos em uma única Verdade, o amor pelas terras que habitavam. Galgando dois cavalos, a puxarem uma carroça, ainda eram vis- tos por entre as montanhas de Andaluzia. Junto a eles, dois homens os acompanhariam até certo trajeto. Levavam mantimentos neces- sários, cientes de sua escassez ao longo do trajeto. Intermináveis dias os conduziram até a primeira parada. Onze dias em apreciações naturais, dividindo-se pela Costa do Sol, obser- vados pelo mediterrâneo, separaram-se dos dois homens há 7 dias, chegando à civilização de Nerja. 35
“...e a missão continua” Ali, fixaram suas estadias a recuperarem seus cavalos em descan- so, e repousarem seus corpos pelo cansaço conquistado ao longo daquela caminhada. Ele, saciando seus animais, permitiu-os às suas pastagens. Serena organizava seus utensílios dentro da carroça ao notar Ro- mero debruçado à beira das águas que faziam seu curso pelo mar, expelindo todo alimento ingerido momento antes. “Que sentes” - indagou ela, caminhando em sua direção. Ele, tomando novo fôlego, disse balbuciando. “Não sei. Desde o último trevo, onde tinha uma indicação dessa cidade, foi como se algo me dominasse os pensamentos.” Ela, agachando ao seu lado, segurou sua cabeça e disse: “Estou aqui” Ele, em silêncio, recuperando-se, limpou-se nas águas salgadas, seguindo ao seu repouso. “O que sentiste? “ - arriscou ela, quebrando o silêncio. “Foi como se algo me trouxesse um passado muito difícil de en- tender. Senti um aperto dentro do peito, um amor muito grande por ti, como se tu tivesse me libertado de algo, e depois um mal-estar na altura do meu umbigo, onde não me controlei ao descer do cavalo. Por isso, fui correndo até a beira das águas” Ela, permanecendo em silêncio, unindo suas palmas das mãos, como de costume, cerrou seu olhar. Serena, culturalmente crente no islamismo, originária em sua própria criação, cria em algo mais. Seguidora fiel de sua magnífica intuição, dos seus sonhos, ao dormir, eram-lhe sinalizadores em seu destino. Certa da existência de um Plano Superior a lhes direcionar, almejava a sábia consciência em Romero que, inconsciente espiri- tual, até mesmo pela sua própria história reencarnatória, ela dispen- sava preces em suas orientações. Ao que ela repousa seus olhos, e na união de suas energias pela palma das mãos, teve sua visão. 36
por Agnaldo Silveira “Romero esticava seus braços a pedir ajuda e, ela, suavemente acima, esticava-lhe as mãos, a lhe salvar. Ao lado, notou homens trajados de preto, a estarem naquelas terras perdidos há séculos, culpando-a a isso. Mentalmente, ouviu: “se não fosse tu, ele estaria até os dias de hoje guiando seus discípulos”. Na mesma sintonia mental, desculpou-se, dizendo “seja lá o que for, o tempo passou, e vós tem que procurar seus caminhos, porque nós estamos seguindo o nosso” Estranhamente, fora acolhida em uma desejada paz. Excêntrico sentimento de libertação. Os homens negros espalharam-se, prometendo retorno. Ao despertar em seu lado, notou o semblante de paz do seu amado - “nossas vidas sempre estão juntas. Algo fizemos, não me recordo. O que mais me importa é que hoje ele está comigo, e jamais o deixarei” 37
“...e a missão continua” A s crenças religiosas que se dissipam por esta humanidade submetem à mente dos seus fiéis pensamentos limitados naquilo que suas culturas lhes impõem ao nascerem no mundo terreno. Com Serena, repetia-se o mesmo. O desejo paterno colocaria sua passagem carnal em seus gostos pessoais, a sustentar suas culturas, ao migrarem de Marrocos ao sul espanhol. Inevitavel- mente, às suas origens espirituais, ao reencontrar-se com Romero nesta passagem carnal conversando com suas ovelhas, entregou-lhe em promessa seu coração. Adversa às tradições paternas, compreen- dida por sua mãe, entregou-se a um amor oculto por todos. Seu irmão, enraizado em origens trevosas, não aceitaria um amor Ilumi- nado. Zyan, o mais velho, seguia o passos de Sayd, seu pai, ignoran- do-a ao seu sentimento. Tradicionais mulçumanos, desrespeitosos por qualquer felicidade que não fosse às suas maneiras. Ela entris- teceu-se amargamente por longo período aonde amava e respeitava Ala como seu Deus e Salvador, isenta das imposições concebidas pelos homens que deturparam a crença Islã. Seu Deus, maior que uma religião criada às regras carnais, não possuía um trono onde as- 38
por Agnaldo Silveira sentava e conduzia seus filhos como marionetes. Ele era uma Ener- gia Cósmica, um Todo, capaz de abranger todo o Universo. Criara seus semelhantes em consciência, a evoluírem. Mesmo imersa nas dificuldades terrenas, que eram provas para essa evolução, convive- ria com sentimentos desrespeitosos a serem opostos aos seus. Sentia ter um Irmão do Plano Maior, em constante presença à sua vida. Assim, trazia Romero definitivamente ao Caminho da Luz. E, nessa fé, ele a seguia em busca do desconhecido. Era ciente de que a busca pela “cruz” e a oração da Virgem não perpetuavam sua evolução ao lado de sua metade espiritual, e, sim, todo aprendizado adquirido ao longo daquela caminhada. Essas eram suas evoluções, suas caminhadas em busca pelo aprendizado, resultando em benefícios a outros. Romero, grandioso e sereno espírito, recebera do Mundo Maior a possibilidade, após séculos, de encarnar ao lado de sua metade, resgatando-o de um passado repleto de desvios e atrocidades pela energia planetária. Ele não possuía tal sabedoria. Nos sonhos, ambos se conectavam com suas verdades em aprendizados de transformações permitidas pelo Supremo. Imersos numa passagem temporal ao mundo da perdição, isentos de regates e carmas alheios, recebiam a benevolência do Criador ao se purificarem das suas faltas comuns, que traziam no Astral Superior. Futuramente, em outras oportunidades, ela resgataria junto aos seu familiares um passado tenebroso. O que não impedia de estar com eles dessa vez. Seu espírito necessitava o fortalecimento, em físico, ante a tudo, da sua metade, levando-a a superar suas faltas que carregava em sua história. E, Romero, atingindo seu devido ca- minho, fortificava a ela no cumprimento futuro. Ele era a sua reno- vação, a sua força. Ele fora resgatado em sua trajetória, após séculos, por Serena e o Grande Mestre. O todo era igual aos dois. Em seu espírito, ela declarava inigualável amor, crescente no tempo. Encantou-se ao pastor de ovelhas imediatamente, no cari- 39
“...e a missão continua” nho conduzido às alvas criaturas nas montanhas de Andaluzia. Certa vez, indagou-o a obediência que elas lhe prestavam, ao que lhe respondeu em tamanha simplicidade - “Sou eu que as obedeço”. À frente dos dias, conversas recíprocas num amor nascente e inesperado, como a um destino a uni-los inseparavelmente. Familia- res de Romero partiram para as Astúrias, intencionando melhores condições diárias. A ele, restou-lhe os tratos a seu irmão, outrora mais velho, e impossibilitado do falar e do ouvir, permanecendo-os nas exuberantes montanhas espanholas. Ela, oculta aos seus genito- res, prometendo-lhes caminhadas pelos verdes pastos montanhes, unia-se ao rapaz em momentos inesquecíveis. Ao decorrer do tempo, aprendera a comunicar-se com as nobres ovelhinhas do rebanho. Numa fria tarde, enquanto as águas celestes corriam planeta abai- xo, exalando o aroma do verde do solo cultivado pelo amor do ra- paz, abrigaram-se sob a proteção improvisada de uma singela gruta, como a serem, ambos, uma santa em seu único lar. Ali, mesmo que o destino impusesse uma separação eterna aos dois, seus espíritos uniram-se em definitivo, levando seus corpos físicos a se tocarem à primeira vez. Seus lábios encostaram-se e seus corações juntaram-se numa só vida, irreversivelmente. A percepção, nos dias, da família de Serena, despertou curiosida- de pelos passeios que ela avisava-lhes fazer, com maior frequência. Zyan, seu irmão mais velho, seguindo-a e, logo, descobrindo toda trama, apressou seus passos em retorno a comunicar seu pai do que vira. Ambos, concretizando um pouco mais de uma década e meia de vida terrena, e Romero não entregando-se à crença Islã, até mesmo pela suas condições de sobrevivência, causou uma certa revolta à Zyad e Sayd. Em seu retorno ao lar, ela fora trancada em seus aposentos, e questionada dos seus feitos. Uma enxurrada de palavras dispensadas 40
por Agnaldo Silveira por seu pai, que dizia inconformadamente “Zaya, o que fazes?”, esse era seu nome de nascença, foram caladas ao que sua mãe lhe pediu ao amor de Alá que se acalmasse. Sayd impôs à Zyad que a observasse desde o nascer ao pôr do sol. Naquela mesma noite, ao que todos se recolheram, Serena, silen- ciosamente, saltou pela janela do seu quarto, e, em disparada, subiu as colinas em busca do rapaz. Ao recebê-la, em sua surpresa, cientificou-se de todo ocorrido. Porém, em sua preocupação e temível honestidade, ao raiar do sol, conduziu sua amada até a presença dos seus familiares. A percepção da fuga de Serena já era notória aos seus familiares. Recebida por um afetuoso abraço de sua mãe, percebera Zyan com chispas em seu olhar a ambos. Contido pelo irmão caçula, acusara de imediato o rapaz da colina de ter manipulado sua irmã à sua es- capatória. Calado, Sayd, não contendo sua soberba, direcionou-se bruta- mente à Romero, agredindo-o verbalmente, que, por sua vez, curvou sua cabeça a absorver as palavras ofensivas. Sayd, descontroladamen- te, virou-lhe um “tapa” em sua face. Ele, permanecia imóvel com lá- grimas em seus olhos. Serena, protegida entre os braços de sua mãe, sentiu brotar dentre de si uma revolta jamais sentida em sua vida. “Perdoa-me, Senhor” - disse Romero silenciosamente. “Deves pagar com a vida” - arriscou raivosamente Zyan. Neste instante, Sayd percebera que sua atitude despertava no fi- lho sentimentos contrários à sua tradição. Olhou sua esposa que, entre lágrimas e abraços em Serena, olhava-o inconformada com sua ação. Acalmando-se forçosamente, pediu ao rapaz explicações. Postaram-se, todos, sentados numa velha poltrona, que já fora palco de muitas alegrias, à frente do rapaz. Zyan ainda pronunciava pala- vras desrespeitosas, enquanto Layla, sua mãe, enxugava as lágrimas que escorriam dos olhos de Serena. Romero possuído de um temor jamais vivido, dispunha-se a de- monstrar todo seu amor por sua amada. 41
“...e a missão continua” “Senhor... peço-te perdão pela errônea atitude de sua amada filha em fugir de sua casa. Não tinha conhecimento de que ela pudesse fazer isso... a trouxe de volta, em respeito a ti e aos seus familiares, para que soubessem do nosso desejo” Antes que terminasse seus pensamentos, Zyan levanta-se e, apontando o dedo no rosto do seu adversário, rispidamente, agri- de-o verbalmente: “Falso profeta” Em sua defesa pessoal, o rapaz lhe responde calmamente. “Sou apenas um pastor de ovelhas, que não sabe ler e nem es- crever. Cuido do meu irmão mais velho que não escuta e nem fala. Meus pais foram tentar uma vida melhor para o Norte, e nós fica- mos para cuidar das nossas ovelhas...” - algumas lágrimas lhe volta- ram ao olhar - “... não entendo muito bem dessas coisas de religião, apenas a amo e quero ter uma vida ao lado dela.” Zyan, ainda imerso em sua revolta, lhe completa as palavras: “O Islã não é religião, é a Verdade de Alá. Respeite-o” Sayd, pela primeira vez fora tocado em seu coração pela simpli- cidade do rapaz. Tornou seu olhar a Serena que, ainda na proteção calorosa de Layla, olhava-o como a lhe pedir ajuda em sua felicidade. Ele, comovendo-se com o sincero semblante de sua menina, calou- -se. Ajeitou-se em sua poltrona, suspirando em descanso. Olhou em retorno ao rapaz, e num gesto corporal, permitiu-lhe que prosseguisse em suas explicações: “...quero pedir ao Senhor que permita me casar com sua filha. Pois, sei que a amo verdadeiramente” Zyan, exaltadamente, levanta-se e nega o pedido feito, agressi- vamente. Sayd dispensa-se de sua paciência e pede, em alto tom de voz, que Zyan se retire casa afora. Ele, como a bater os pés em disparada, olha ao rapaz e lhe diz: “Estarei de olho em você” Sayd, em contrariedade ao seus sentimentos culturais, notou o brilhar aos olhos de Serena que, ansiosamente, esperava uma res- 42
por Agnaldo Silveira posta. Viu, ainda, Layla a esperar palavras equilibradas. Misturados sentimentos lhe vieram ao íntimo, a felicidade de sua menina ou a tradição de uma cultura que trazia consigo desde sua infância. Esfregando seus olhos e mirando fundo o olhar do rapaz: “Será do meu jeito. Ela só sai daqui no dia em que completar dezoito anos...” “Como quiseres, Senhor” - disse-lhe amavelmente o rapaz. “... agora se vá... retorne à tua casa. E, por enquanto, minha me- nina não sai daqui” Romero retirou-se, num olhar a Layla, que ainda permanecia abraçada à sua amada filha. Decorridos os dias, Romero comandava suas ovelhas no mesmo ha- bitual de dias passados. Explicava a seu irmão alguns afazeres. Algumas dificuldades de compreensão diárias permaneciam em Rúbio, ao passar do tempo. O rapaz percebe que, ao pé da colina, alguém se aproximava. Seu coração saltitou dentro do peito ao notar que Sayd arriscava- -se no estreito caminho montanhês que culminaria em seu casebre. Ao aproximar-se, com rosto sério e ríspido, Sayd pediu-lhe a fala. O rapaz, como a limpar suas mãos em sua calça, estendendo- -a, numa tentativa de cumprimento, apenas viu o pai de sua amada passar por ele e sentar-se num banco de madeira à porta de entrada. “Essa subida me mata” - disse Sayd. Prestativamente, Romero correu a dar-lhe água, recebendo um envergonhado agradecimento. Sentando-se num pequeno tronco de árvore cortado a metade, mandando Rúbio entrar no casebre, aguardou as palavras de Sayd. “Sua vida deve ser árdua. Como cuidará de minha menina?” - indagou o pai. “Cuidarei com amor, respeitando-a, e respeitando toda sua família” - arriscou o rapaz. 43
“...e a missão continua” Sem contestações, Sayd foi recebido no mesmo respeito que teve em seu lar. Sua angústia era sua tradição religiosa. Ela lhe nascia em conflitos internos difíceis de serem quebrados. Ainda, após minutos, calado olhando ao redor, arriscou-se: “Acreditas em Alá?” - disse, aumentando o tom de sua voz. “Sim... senhor” - respondeu-lhe, pausadamente, o rapaz. “Sabes que essa união será feita ao meu gosto. Nas minhas condições” “Sei, sim senhor” Nada mais poderia ser dito. Sayd, consentindo com a cabeça, levantou-se e lhe esticou a mão. Romero, repetindo seus movimentos, lhe esticando a mão, e, num aperto, como se fosse uma jura de fidelidade, recebeu um leve sorri- so de Sayd que lhe disse, antes de partir: “Como pagarás o dote a minha menina?”- perguntou-lhe arbi- trariamente. “Como Senhor?” - indagou Romero, de cabeça curvada. “Eu disse que essa união seria na minha tradição. Como pagarás o dote de minha menina?” - repetiu grosseiramente, Sayd. “Senhor, não possuo nada em minha vida, apenas o amor por sua filha” Sayd, enxugando o suor que lhe escorria o rosto, olhou-o em desprezo. “Queres tirar minha menina do meu lar e nada tem a oferecer” - disse ironicamente medindo o rapaz dos pés à cabeça. “Possuo apenas esse casebre deixado pelos meus pais, onde ha- bitamos eu e meu irmão” “Esse é o dote...” - disse Sayd - “... e que ninguém saiba disso” - conclui, retirando-se. O rapaz curvou sua cabeça concordando. Ao retornar seu olhar ao mandatário à sua frente, apenas o viu virando-se a partir. “... e que Alá me perdoe” - ainda disse ao longe. 44
por Agnaldo Silveira Sentando-se no mesmo tronco, Romero olhava o lento caminhar do Pai de sua amada, cada vez diminuído pelo descer das montanhas. Olhou ao redor, e algumas lágrimas vieram em seu rosto ao olhar todos os detalhes de sua humilde cabana. Lembrou-se de quando seus pais lhe deixaram rumando às As- túrias. Viu suas ovelhas, companheiras de muitos anos que lhe pro- porcionavam o simples sustento. Rúbio, ao longe, lhe dera novo aperto no peito. Pobre rapaz que nascera e nunca ouvira, nunca falara a não ser por gestos e belos sorrisos, como se comunicavam. Aquelas eram suas terras, herdadas, mas eram suas. Sua vida era ali. Suas alegrias e tristezas eram ali. De uma hora à outra, tudo passaria a não ser mais. Sentiu seu amor no coração por Serena. Aceitou tudo em seu íntimo. Ali, ele ficou sentado até as primeiras estrelas iluminarem os céus de Andaluzia. Sorriu. Chorou. Sonhou. Até ser despertado à realidade por seu amado irmão, trazendo-lhe uma caneca de chá, silenciosamente. Abraçou-o, sabendo que ele havia entendido tudo o que se pas- sara ali horas atrás. Em gestos que só eles entendiam, o viu lhe dizendo que eles ain- da estariam juntos ali. Juntos com Serena que o tinha também em grande afeto e amor. Sorriram. E, ali, permaneceram olhando o universo acima. Romero fechou seus olhos e, numa profunda respiração, sen- tiu o cheiro de Andaluzia. Como amava aquele lugar. “O melhor lugar do mundo”, disse em seus pensamentos. Rúbio, deitado na grama à sua frente, olhava os céus. Sabia que ele também tinha seu amor por aquele solo, que lhes dava de comer todos os dias, por todo aquele verde acinzentado que as montanhas se transfor- mavam ao anoitecer. Olhou mais acima das montanhas, e viu o silêncio do seleiro, onde repousavam suas melhores amigas. 45
“...e a missão continua” Pela primeira vez em sua vida, sentiu a presença de alguém ao seu lado. De olhos fechados, permitiu que uma sintonia invadisse seu íntimo. Em sua mente, palavras claras, como nunca sentiu, lhe trans- mitiam a liberdade de um outro mundo. Um Mundo Invisível. Pa- ralelo. Um Irmão Espiritual, como Serena sempre havia lhe dito. Ou, talvez, seu anjo da guarda, como diriam os mais devotos de San Augustin. Sentiu-se forte, preparado para qualquer adversidade que lhe chegasse em nome do amor. Porque sabia que esse amor não era apenas um sentimento de uniões físicas. Seu sentimento por Serena vinha de outro lugar, outra época. Sentiu as mãos carinhosas daquela presença Invisível lhe acaricia- rem o rosto. Sentiu-se protegido, amado, como um mundo aberto em sua consciência, a entender a responsabilidade que possuía por Rúbio. Seu estado físico poderia ser algo que ele fez no passado, pensou. Mas, também, sabia da grande bondade que ele carregava em seu coração. Veio-lhe à mente os familiares de Serena. Como existira pessoas tão rudes daquela forma, soberbas com as pessoas mais humildes. Talvez, os mais humildes fossem pedras preciosas já lapidadas pela existência. Tomou o último gole do chá, já frio. Ajeitou-se e ali dormiu, pro- tegido nos braços de Andaluzia. 46
por Agnaldo Silveira S erena despertou com o som metálico que vinha dos cavalos. Eles estavam agitados. Romero ainda dormia ao seu lado. Ela aprontava-se a iniciar as provisões diárias. Olhou a beleza do Mediterrâneo, sentiu seu aroma e logo cami- nhou até a beira do mar. Ao despertar, Romero traz-lhe seus novos rumos. O céu acin- zentado, como a estar carregado pelas águas a serem despejadas bre- vemente, decidiu caminhar ao interior da Costa. Serena, guiada por sua sublime intuição, confirmava ao rapaz seu instinto de chegarem à uma Igrejinha que se mostrava a ela. Ele, calado, aceitou sua decisão. Organizaram-se e partiram na- quela fria manhã da Costa do Sol. Abaixo das torrenciais águas que faziam seu curso a desprende- rem-se das nuvens celeste, chegaram ao povoado de Santa Fé, como escrito em dizeres numa enferrujada plaquinha envolta por arames num tronco no caminho. 47
“...e a missão continua” Ao adentrarem no povoado, Serena viu estática uma senhora que, sentada ao longo do caminho, parecia-lhe ser uma pedinte. Conduzindo seus cavalos, ao comando de Romero, até ela, a se informar a respeito de uma igrejinha, foram recebidos sobre um espantoso olhar da nativa. Ela levantou-se, sem lhes tirar o olhar, pois ambos, já descidos da carroça, caminhavam até ela. A expressiva senhora, em sua recepção calorosa, não pronunciava nenhuma palavra, vendo-os se aproximar. Serena olha para Romero que sinaliza com sua cabeça uma inda- gação pela reação da anfitriã. Ao aproximarem-se, são tratados como já conhecidos. Ao que, em trêmulas palavras, a senhorazinha permite que suas primeiras falas escapem dos seus lábios, balbuciantes. “Eu sabia que vocês viriam” Ambos, imóveis à reciprocidade educada daquela senhora... “Precisamos de água” - disse ele. No mesmo olhar fixo, ela pede para segui-la. Caminhando logo atrás daquela misteriosa senhora, depararam-se à uma ruazinha, que os levaram, por uma subida, à uma pequena porta. Aos lados, iguais moradias a se confundirem entre si, deram-lhe uma ligeira curiosidade. Ao entrarem nos aposentos, fora-lhes saciada a sede, e aconchega- dos em cadeiras rústicas, acompanhadas de uma minúscula mesinha, onde a senhora sentou-se olhando-os fixamente. “Esperei minha vida toda por vós.” - disse em emoção. Serena senta-se à sua frente, e tomando suas mãos como em carinho pela recepção, pronuncia-se pela primeira vez, enquanto Romero, calado, observa o local. A simplicidade daquela casinha avisava que aquela senhora tinha uma difícil vida. Antigos utensílios pendurados na parede e, no cômodo 48
por Agnaldo Silveira ao fundo, uma desgastada cama com um crucifixo acima da cabeceira. Retornando seu olhar às duas, percebeu que a comoção dava tre- mor as mãos daquela senhora, que mostravam ser sacrificadas pelo tempo de sua vida. “Me chamo Samira... habito aqui desde meu nascimento. Nunca tive nada em minha vida. Apenas minhas conversas com minha San- ta, pelo que muitos, aqui, me chamam de beata” “A senhora é muito linda” - disse Serena comovida. “Lindos são os vossos caminhos...” - disse, beijando as mãos da moça. “... minha Nossa Senhora se mostrou para mim, quando eu tinha apenas sete anos de idade. Ela me disse que uma Igreja seria cons- truída aqui, quando dois peregrinos chegassem de longe. Eu saberia quem eles seriam pelas suas Luzes Espirituais...” - foi interrompida pela emoção e pausa de suas palavras. Ambos, desconfiados, permaneciam atentos às palavras da se- nhora. “... ela me disse que estaria completo o ciclo espiritual nestas terras, pois uma perfeita encarnação seria permitida pelo Deus de tudo. Assim, nossa igreja seria construída, mesmo que vós partísseis, pois suas energias haviam se firmado neste solo. Minha Virgem, se chamará Nossa Senhora da Encarnação, por vossas vidas” Eles não pronunciavam uma palavra. Romero, em seu habitual desconhecimento da vida oculta, olhou à Serena que, desta vez, imóvel, sentia-se impotente de dizer algo. A senhora, levantando-se com dificuldade, caminha até uma ga- veta, e tomando em suas mãos alguns papéis amassados, mostra- -lhes sua história. “Vim a esse mundo em 1.663, numa noite onde chovia sem pa- rar. Meus pais se apressaram em chamar Dona Blanca, a parteira. Cresci no mundo Islã, meus pais eram árabes e toda conduta que me era ensinada voltava-se às suas tradições. 49
“...e a missão continua” Existia uma capelinha, afastada, onde um pregador doutrinava as palavras de Jesus. Eu era proibida de passar à frente da entrada pelos meus pais. E, isso, me brotou certa curiosidade do que o padre pregava. Quase ninguém frequentava seus cultos, a maioria procurava as mesquitas na cidade mais próxima. Enquanto eu estudava, meus pais não se preocupavam comigo. Foi assim que, numa manhã, troquei o caminho que me levava à escola, para olhar como funcionava a igrejinha. Quando cheguei lá, a porta estava fechada. Dei a volta ao fundo e vi uma moça muito bonita, que logo depois descobri ser uma freira, a varrer as folhas que caiam das árvores que tinham lá. Ela olhou para mim e perguntou o que eu estava fazendo ali. Eu, sem saber o que falar, saí em disparada e me escondi atrás de uma das árvores. A amável freira veio até onde eu me escondera, questionando-me o que havia acontecido. Eu disse que eu não poderia estar ali, porque meus pais não dei- xavam, por sermos árabes. Ela, amavelmente, pediu para que eu a seguisse. Foi onde, pela primeira vez entrei dentro de uma igreja católica. Apaixonei-me por todas as imagens que eu tinha visto. Ela, pacientemente, explicou-me quem eram todos aqueles das estátuas. Meu coração disparou quan- do olhei a imagem do Nosso Senhor Jesus. Como ele era lindo. Ela me deu uma Bíblia, mas eu não pude aceitar, pois não tinha como chegar em casa com ela. Então, ela me convidou, sempre que eu pudesse voltar ali que ela iria ler para mim. Eu não queria ir embora jamais daquele lugar. Mas, a hora já estava avançada e eu tinha que retornar para minha casa. Assim que cheguei, meus pais haviam descoberto que eu não tinha ido à escola. Fui forçada a dizer onde estava. Dali em diante, meu pai me levava e me buscava todos os dias para que eu não vol- tasse à igrejinha. Mesmo assim, minhas orações eram voltadas ao Senhor Jesus, como havia me ensinado a freira. Fui trancada no meu quarto por longos anos. 50
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