No ano de 1997, o Centro de Pesquisa e Inovação da BMW, em curta que o fazem, provavelmente, um dos mais belos roadsters 51 | Eurobike magazine Munique, decidiu criar um carro-conceito que evocasse o BMW já desenhados. Uma aula de design e refinamento automotivo. 507 produzido na segunda metade da década de 1950, uma das obras-primas do design criadas pela montadora alemã. Seu chassis e carroceria produzidos em alumínio recebeu um motor V8 de 32 válvulas e 4.9 L com 400 hp construído pela Foi então, pelos traços de Henrik Fisker (criador do híbrido BMW Motorsport para o BMW M5 (E39). Sua localização é logo esportivo Fisker Karma) e de Scott Lempert, responsável pelo atrás do eixo dianteiro, proporcionando uma perfeita distribuição design do interior, que surgiu o conceito Z07. Um exercício de de peso. O câmbio é manual de 6 marchas. estilo, um roadster que causou furor no salão de Tóquio de 1997 e que levou a BMW a desenvolver um modelo de produção limi- Tudo nele foi criado não apenas por razões práticas, mas tam- tada: O Z8 (E52). bém estéticas. O teto rígido, segue esta regra. Suas luzes tra- seiras, assim como os indicadores de direção, utilizam tubos de Foram então feitas algumas modificações para adequá-lo à neon para uma longa vida. produção. O para-brisa foi elevado e o spoiler dianteiro ampli- Vários comandos no interior do carro são multifuncionais, para ado, para proporcionar uma estabilidade melhor e um cockpit um aspecto mais clean. Além disso, o grupo de instrumentos é mais tranquilo, com a capota aberta. montado em posição central, mas ligeiramente inclinado para o motorista, permitindo uma boa leitura e uma ampla visão da Seu interior retrô é de uma simplicidade e elegância fascinantes. estrada. Externamente, uma harmonia de curvas, frente longa e traseira
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Uma harmonia de curvas, frente longa 53 | Eurobike magazine e traseira curta que o fazem provavel- mente, um dos mais belos roadsters já desenhados
EMOÇÃO Tudo nele foi criado não apenas por razões práticas, mas também estéticas 54 | Eurobike magazine
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EMOÇÃO Clássico instantâneo e personalizado BMW Z8 (E52) Com tantos elementos montados ou acabados à mão e tantos Produção: 1999-2003 refinamentos, um modelo como este, que já saiu da linha de Classe: Carro esporte produção como um clássico, pedia um suporte diferenciado. Motor: 4.9 L V8 ( S62 ) E foi o que fez a BMW, garantindo um estoque de 50 anos de Transmissão: 6 velocidades manual / 5 velocidades automático peças de reposição. (Alpina) Distância entre eixos: 2.500 mm Com esta característica da produção dos Z8, a BMW passou a Comprimento: 4.400 mm oferecer personalização através da sua divisão BMW Individual, Largura: 1.800 mm o que produziu um número significativo de Z8s com cores e aca- Altura: 1.320 mm bamentos taylor made. Peso:1.585 kg Designer: Henrik Fisker Em novembro de 2002, a produção do Z8 é encerrada, sendo substituída pelo Alpina Roadster V8, com o mesmo corpo, mas Agradecimentos: com um motor de 4.8L, câmbio de 5 marchas BMW Steptronic Fazenda Santa Cecília e suspensão mais macia. Rodas e pneus passaram de aro 18 Sr. Paulo Sergio T. Cruz para 20 polegadas. O volante, de raios finíssimos, foi substituído por um com três raios para que pudessem ser instalados os shift paddles da versao automática. Mais tecnológico. Mesmo com um motor um pouco menos potente, o limite de ve- locidade maxima do modelo foi elevado de 250 para 259 km/h. 58 | Eurobike magazine De 1999 a 2002 foram produzidos 5703 BMW Z8 e, até 2003, apenas 555 Alpinas. Para aqueles apaixonados pela marca ou por clássicos, é um legítimo must have, com apenas 10 aninhos de idade. Só não é fácil encontrar um à venda.
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Voltar às origens: buscar seuPRAZER alimento na natureza 61 | Eurobike magazine
62 | Eurobike magazine PRAZER UTAH
O Rio da Dúvida em dois tempos Por Marcelo Lima de Freitas Por Marcelo Freitas Primeiro tempo: 1913 – 1914 63 | Eurobike magazine Em outubro de 1913, Theodore Roosevelt decidiu fazer uma expedição na Amazônia, após a frustração na tentativa de conseguir o terceiro mandato como presidente dos Estados Unidos. A expedição, que seria uma espécie de cura para o ego machucado, inicialmente teria um perfil científico e, de certa forma, turístico, uma vez que planejava percorrer algum rio conhecido e facilmente navegável. Sob patrocínio do Museu de História Natural de Nova York, Roosevelt, seu filho Kermit, cientistas e outros membros da expedição partiram de Nova York. Em recepção no Rio de Janeiro, Roosevelt foi convencido a aproveitar a expedição para mapear um rio cuja existência era conhecida, embora o trajeto não o fosse. O rio foi encontrado pelo major (e futuramente marechal) Cândido Rondon durante a construção de uma linha telegráfica. Naquela ocasião, Rondon chegou a percorrer um pequeno trecho do rio e a dúvida sobre onde o mesmo desaguaria resultou no nome rio da Dúvida. Durante a própria expedição, o rio foi rebatizado de rio Roosevelt, em homenagem que eliminou o charmoso nome original. Rondon seria, juntamente com Roosevelt, o líder da Expedição Rondon-Roosevelt. O perfil quase turístico deu lugar a uma aventura épica, com motivos para medos e sofrimentos que certamente surpreenderam Roosevelt. Ele mesmo quase morreu durante a expedição, vítima do que chamou de “natureza infernal”. Seu filho contraiu malária e dois membros da expedição morreram, além de um terceiro que foi abandonado na floresta e certamente não durou muito. Essa história é habilmente relatada pela escritora Candice Millard no livro The River of Doubt: Theodore Roosevelt’s Darkest Journey (O rio da Dúvida: a sombria viagem de Theodore Roosevelt e Rondon pela Amazônia – Companhia das Letras), que deixa claras as diferenças entre os dois líderes: Rondon, disciplinado e obstinado pela sua missão de mapear o rio, e Roosevelt, mais maleável e afável. De qualquer forma, e apesar das dificuldades enfrentadas, ambos se respeitaram mesmo nos momentos de discórdia.
PRAZER 64 | Eurobike magazine Passados 99 anos, o rio ainda tem grande parte dos seus 1600 km praticamente intocados. Em parte, as diversas cachoeiras, que deram tanto trabalho à expedição Rondon-Roosevelt, são responsáveis pela proteção. Por outro lado, a floresta e a demarcação de áreas de conservação também ajudam na tarefa de proteger a área (com uma pequena ajuda do calor e do mosquito pium). Segundo tempo: 2012 A pista da pousada não é muito ruim... mas também não é muito boa. Sem pavimentação, além do cascalho compactado na terra, com apenas 980m, a pista é relativamente estreita. Além disso, logo após a cabeceira, há uma ondulação, que serve como uma rampa. Dependendo da aterrissagem, o avião toca a pista, corre rampa acima, decola novamente para tocar a pista logo adiante. O experiente piloto fez uma aterrissagem precisa e suave depois de dar duas voltas sobre a pista para inspecioná-la. Como a pista fica acima da cachoeira e a pousada fica abaixo, fizemos uma caminhada de seiscentos metros pela floresta e imediatamente pensei: “Será que Rondon e Roosevelt passaram por aqui?”. Muito provavelmente passaram, pois as cachoeiras
forçavam o translado dos barcos e equipamentos por terra 65 | Eurobike magazine e a margem usualmente escolhida para fazê-lo era a direita, justamente onde estávamos. Entretanto, hoje o percurso conta com uma trilha limpa e fácil. A pousada é bastante confortável e todos os chalés, que ficam de frente para uma bela praia, contam com ar condicionado e um bom banheiro. Outra construção serve como sala de estar e restaurante e suas paredes estão repletas de fotografias de pescadores e seus peixes, de aves e de outros animais. Lá fomos nós, logo após o almoço, inaugurar as atividades. Por causa da cachoeira, o grupo é dividido e parte pesca acima da cachoeira, o que requer nova caminhada pela trilha, e os demais pescam abaixo, estes partindo da praia de fronte da pousada. Aliás, nessa praia ainda está enterrado um barco que, pelo que tudo indica, teria pertencido à expedição Rondon-Roosevelt e que teria naufragado naquele ponto. Para muita gente, a pescaria é bem mais do que a atividade de pegar peixes. No meu caso, gosto de estar no lugar, de apreciar a natureza, de fotografar e de relaxar e aproveitar a companhia de amigos. Contudo, o que mais me intriga é o aspecto
PRAZER 66 | Eurobike magazine superlativo da natureza na Amazônia. A vida é abundante, o sol escaldante, a chuva torrencial, alguns insetos são enormes e a floresta esconde uma área relativamente aberta sob o dossel das árvores. A água do rio esconde em seu mistério tudo o que fica submerso e, com seu reflexo, duplica o que está acima. Os pescadores que frequentam esse tipo de pousada se dividem basicamente em dois grupos: pescadores de tucunarés com iscas artificiais, eventualmente capturando também cachorras, bicudas e piranhas, entre outros, e pescadores de peixes de couro, como jaú, pirarara, piraíba e outros. Nosso grupo é do primeiro tipo e alguns pescam utilizando a técnica de fly fishing. A pescaria é sempre um sucesso no Roosevelt, principalmente se o pescador tiver alguma flexibilidade. Se a água está mais alta e a pesca de tucunaré está mais difícil, outras opções são o pacu e os peixes de couro. E para variar um pouco mais, mesmo pescando tucunarés o pescador pode pescar de cast (arremesso) ou de fly (fly fishing). Aliás, essas variações podem ser aplicadas à pesca de outros peixes. O rio acima da cachoeira difere bastante do trecho logo abaixo. Na parte de cima não há grande quantidade de pedras, enquanto na parte de baixo as pedras e as corredeiras estão muito presentes. Felizmente os “piloteiros” demonstram grande habilidade para atravessar as corredeiras sem maiores percalços. Na parte de cima do rio ainda há a opção de pescaria no rio Madeirinha, que deságua no rio Roosevelt pouco acima da cachoeira. A pousada mantém nesse rio um dos seus
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PRAZER acampamentos avançados. Para se chegar ao acampamento é necessária uma viagem de aproximadamente duas horas de barco. Eu e meu parceiro de pescaria fizemos esse percurso e não nos arrependemos, pois a paisagem é linda e a pescaria foi muito boa: pegamos mais de cem peixes nesse dia. 68 | Eurobike magazine Quem gosta de natureza vai encontrar outras atrações no rio Quando visitei a torre de observação conseguimos ver algumas Roosevelt. A possibilidade de ver jacarés e diversas espécies espécies, mas com alguma distância. Perguntei ao guia se de aves e mamíferos é bastante grande. As aves estão por era possível ver a harpia (ou gavião real) naquela região. Ele toda a parte. No rio, biguás, martim-pescadores e garças, entre confirmou, mas disse ser muito difícil. Eu sempre quis fotografar outros, são presenças constantes. Papagaios, araras e tucanos essa ave em seu habitat natural, mas sei da dificuldade. Um também são vistos e, no caso dos dois primeiros, ouvidos grande fotógrafo de aves passou quase dois meses na pousada frequentemente. A floresta ainda permite a observação de e não viu a harpia. muitas outras espécies. Para esse fim, a pousada conta com uma torre de observação de trinta metros de altura, que permite ao observador chegar ao topo das árvores.
Quando deixamos a torre, caminhamos pela trilha que leva à 69 | Eurobike magazine pousada. Repentinamente vi um vulto no topo de uma árvore que ficava à distância de aproximadamente vinte metros da trilha. Informei o guia e o amigo que estava comigo e fui verificar o que era. Os dois ficaram esperando com a expressão de quem achava que não era nada, que eu estaria vendo coisas. Mas era justamente a harpia! Destemida, com suas garras enormes presas no galho, ela ficou tranquila me olhando enquanto eu devolvia o olhar e aproveitava para fazer a foto que tanto queria.
PRAZER 70 | Eurobike magazine Entre os outros animais, os destaques são jacarés, capivaras, aprendeu com nosso amigo Daito uma nova receita, com vodka antas, veados, ariranhas e, com muita sorte, onça. Alguém que e pinga. Foi numa dessas conversas que dois rapazes de 17 navegue alguns dias pelo rio certamente verá alguns desses anos contaram que a pesca tinha sido razoável, conforme disse animais. Se a pessoa fizer uma caminhada pela floresta até um um deles, o Cadu. barreiro, a possibilidade aumenta muito. Diversos animais vão ao barreiro para lamber o sal que fica acumulado no solo. Eu “Pegamos alguns tucunarés e mais um peixinho no fim do dia. fui apenas uma vez e tive azar, pois apesar de ouvir barulho de Mostra a foto do peixinho aí, Antonio.” A foto era de uma piraíba antas, nenhum animal se aproximou nesse dia. de 60 kg, capturada justamente pelo Antonio, que pescava pela primeira vez. Sorte de principiante? Por outro lado, tive a sorte de ver uma ariranha disparar água Depois de três dias de pesca, com muitas risadas e histórias adentro num nado frenético até capturar um peixe, que ela de pescador, comida muito boa e a cerveja gelada servida pelo devorou tranquilamente na beira do rio. Vi também um veado Augusto, chegou a hora de voltar. bebendo água do rio e partindo em direção à mata quando nos aproximamos. Em outro momento, fotografei um jacaré com boa Livro parte do corpo fora d’água. (O truque para fazê-lo sair da água O rio da Dúvida: a sombria viagem de Theodore Roosevelt e Rondon é segredo.) Sem contar a harpia, que é um caso à parte. Não pela Amazônia, de Candice Millard posso reclamar! Companhia das Letras Depois da pescaria, o grupo se reuniu no salão do restaurante, http://www.pousadarioroosevelt.com.br onde a conversa correu solta. O sr. Waner, proprietário da pousada, sempre tem uma conversa boa sobre os assuntos da região. Augusto, o barman, prepara uma ótima caipirinha e
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PRAZER DESIGNTÃO LONDRES, TÃOPorAnaAugustaRocha|FotosMarceloCuria Por Ana Augusta Rocha | Fotos Divulgação 72 | Eurobike magazine
potencial para ser bem sucedido globalmente, mas precisamos consolidar ainda mais nossas forças. Design é uma delas. Design é sem dúvida uma área onde somos dos melhores do mundo, com potencial para sermos cada vez melhores”, afir- mou Hon David Willets, ministro para a Ciência e Universi- dades. Essa ciência e arte de buscar a melhoria dos processos e produ- tos, trazendo bem-estar, beleza e funcionalidade, tem sido expressa há dez anos num evento de grandes proporções que arrebata Londres todo mês de setembro: o London Design Festival. Nesses dias, onde o sol ainda tenta fazer camaradagem (o outono apenas se insinua), Londres se enfeita com placas de sinalização do festival diante de lojas e galerias, mostrando que a cidade é mais do que envolvida com o tema. Centenas e centenas de eventos acontecem, os designers ficam agi- tados e é quase impossível falar com eles, afinal, é o momento de subir ao palco e A revolução industrial virar protagonista. aconteceu na Inglaterra por volta dos anos 1750, e a partir desse marco passou a ser copiada por suas iniciativas, projetos e processos. Esse é o destino de quem cria o novo: inspirar, instigar. O mundo correu atrás, copiou o modelo que ali começava e, em muitos aspectos e vezes, superou a matriz ao longo dos séculos. Hoje, as potências mundiais são muitas, a competição é 73 | Eurobike magazine acirrada e a Inglaterra é apenas a sexta economia no ranking. E nessa eterna corrida pela diferenciação, tem apostado no design. Um recente documento do governo intitulado “Inovação e pesquisa estratégica para o crescimen- to” aponta o design como tema central. “O Reino Unido tem
PRAZER 74 | Eurobike magazine Terence Conran fundou, em 1964, a Em 2012, esse grande teatro que é o London Design Festival, Habitat, loja que se dispunha a trazer cheio de espectadores de inúmeros países, abriu espaço para design contemporâneo para as vitoria- ter muitas estrelas do design mundial palestrando sob um mes- nas e rococós casas inglesas. Design mo teto. O fato se deu na icônica escola de moda, arte e design, acessível e valorizado como expressão a Central St Martin’s, no dia 18 de setembro, e chamou-se Glob- de modernidade e leveza. O trabalho de al Design Forum, que teve, em sua primeira edição, ninguém Conran se multiplicou ao longo de seis menos do que Zaha Hadid, Tom Dixon, Thomas Heatherwick e décadas, mas sempre concentrado outros famosos. O propósito do fórum era mostrar e discutir o numa única crença: design inteligente papel do design para a criação de um mundo melhor, focando faz a vida das pessoas ficar melhor. Sir não apenas a criação de novos objetos, mas até mesmo o de- Terence Conran influenciou as muitas senho das relações humanas. gerações de designers que se segui- ram a ele A dinâmica do evento convidava profissionais famosos a mostrar, em dez minutos, cases e projetos inovadores. Foram oito horas seguidas, com feras do design mundial, revelando para uma audiência de cerca de trezentas pessoas as suas alegrias, triste- zas, sucessos e interrogações. Tom Dixon, o badalado designer de luminárias e móveis, iniciou sua fala quase chorando: “Agora vou mostrar para vocês um site que vende meus produtos”, disse ele, projetando um endereço eletrônico da China. À medida que ele navegava, víamos suas luminárias famosas num desfilar da mais pura... pirataria. O incrível, além dos preços baixos, era a menção deslavada da autoria. Além de vender as cópias, eles ofere-ciam a sensação de comprar uma peça ”assinada”. Tom abordou a questão dos direitos autorais e o que o designer pode fazer para se proteger. Depois entrou no palco o esperado Thomas Heatherwick. Barba de muitos dias por fazer, roupas como as de um operário do setor da construção (desglamourização total), sorriso estam- pado no rosto — o novo fenômeno inglês mostrou o que pode ser diferente no design do século 21: a alegria, o inesperado, o sonho e — por que não? — o arrebatamento. Desde 1994 com seu estúdio em operação, o designer de 42 anos ficou realmente famoso com a construção, em 2010, do Pavilhão Inglês na Expo Shanghai, o qual nomeou Catedral da Semente.
O design bem humorado de Marcus Beck, talento da nova geração. Mesa The Pool e luminária que homenageia a tradicional Anglepoise. O prédio deixou os 7 milhões de visitantes da feira, e meio mundo Quem não identifica a Anglepoise 75 | Eurobike magazine que viu as imagens, realmente embasbacados. Era uma grande Lamp, a luminária com braços em ba- estrutura retangular perfurada por longos bastões de acrílico lanço e articulação, criada em 1932? que tinham, nas pontas de suas hastes, sementes de plantas Ou ainda a cabine telefônica verme- de todo o planeta. O bastão, além de permitir a entrada de luz, lha? Ou quem sabe o ônibus londrino disseminava a ideia da importância de guardarmos nossas se- de dois andares, ou ainda a sinaliza- mentes, não só as das plantas, preservando a diversidade, mas ção do metrô de Londres? A Inglaterra também a semente de nossos ideais e sonhos. Quando o vento sempre teve esse talento máximo de batia na instalação, as hastes se moviam e davam a impressão criar design e transformá-los rapida- de um prédio vivo, quase um gigantesco porco-espinho. mente em hits mundiais Outra ação marcante de seu estúdio aconteceu nas Olimpíadas da Inglaterra. Se nos jogos do século 20 a pira olímpica foi ace- sa por um único arqueiro — lembram-se de Barcelona, 1992? —, Heatherwick concebeu o século 21 coletivamente. Nas mãos de cada equipe entrava uma grande pétala de cobre colocada na ponta de uma haste, completando uma única flor que incan- descia como uma pira mundial. Quem viu, peço desculpas pelo trocadilho, pirou. Além do conceito privilegiando a união das pessoas, a beleza do instante foi inesquecível.
PRAZER 76 | Eurobike magazine Muitos teóricos dos novos tempos afirmam que precisamos, agora, no século 21, deixar os pensamentos e atitudes do século 20 para trás e inovar. Heatherwick é o novo. Como designer ele é também um incrível poeta. E o melhor, nestes tempos onde a civilização vive mergulhada no medo, ele busca a alegria, a risada, a leveza, a informalidade. Quem duvidar favor digitar no YouTube o nome de sua mais recente criação, a cadeira Spun Chair, que você vê nesta matéria. Thomas criou uma poltrona que gira, inspirado num peão de criança. Gostosa de sentar, se você se deixar levar ela vai girar com você sem nunca lhe jogar no chão. Brincadeira pura, design nas alturas. Depois dos aplausos de Heatherwick, foi a vez da mega-star do design e da arquitetura Zaha Hadid, iraniana de nascimento e radicada em Londres há décadas. Aos 62 anos, a bordo de uma minissaia de pequenas proporções, Zaha mostrou seus proje- tos monumentais de museus e instituições públicas pelo mundo. Design de alto impacto mas igual dose de frieza. Enquanto essa discussão e diversidade aconteciam, Londres pulsava. Havia dezenas, talvez centenas de eventos acontecen- do, mostrando o trabalho de jovens designers ingleses (veja o box no fim da matéria), profissionais em quem vale a pena inves- tir e apostar na hora de construir uma coleção. Tom Dixon, Ron Arad, Jasper Morrison, Zaha Hadid e muitos outros nomes de designers sediados em Lon- dres fulguram no cenário internacional. Entre eles, a grande estrela de Thomas Heatherwick brilha hoje com especial intensidade. Impossível não se emocionar com seus projetos, sejam eles cadeiras, restaurantes ou grandes eventos, como a Expo Mundial de 2010, em Shanghai, e as Olimpíadas, este ano. Designer? Arquiteto? Ilusionista? Artista? Ou tudo isso junto?
Iwan Baan Como ninguém é de ferro, nas noites sobravam celebrações. Designers aos borbotões e gente caprichando no próprio design. E no Victoria and Albert Museum a festa das festas: a premiação London Design Medal, que este ano coube a uma dupla de es- panhóis chamada El Último Grito! Londres é assim mesmo: é o mundo inteiro em uma cidade. Cristiano Corte 77 | Eurobike magazine Dois nomes consagrados do design britânico: Tom Dixon (luminárias a A medalha de honra da noite pela totalidade da obra coube a Sir esquerda) e Thomas Heatherwick, com seu pavilhão em Shanghai e a novíssima Terence Conran, o pioneiro do morar com design, o precursor Spun Chair, acima de como vemos a área hoje e que cria uma economia pulsante em todo o planeta. Com mais de 80 anos, Conran disse que a medalha o instigava a continuar trabalhando. Cabe para o leitor leigo no assunto dimensionar Tenrence Conran: ele foi para o design como os Beatles para a música. Aliás, colocou música no morar. Na Londres dos anos 1960, a capital cool do planeta, ele criou a Habitat, uma loja de móveis prontos, pop, com seus interiores leves, alegres — uma experiência de varejo total- mente diferente do que existia no mundo naquele momento. Isso sem falar nos restaurantes que ele passou a desenhar, com ambientes criativos e inovadores. Conran criaria mais tarde a Conran Shop, numa antiga oficina de pneus da Michelin onde até hoje se destacam dois restaurantes: o Bibendum e o Oyster Bar.
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“Londres é onde o design in- dependente no mundo acon- tece. E isso está na alma do inglês e do estrangeiro que ali se estabelece por pensar da mesma forma: o querer fazer é tão importante quanto o es- tar livre para fazer. Os ingle- ses são assim: têm uma ideia e vão atrás da sua realização.” Alex Taylor, designer 79 | Eurobike magazine
PRAZER 80 | Eurobike magazine “Londres, desde os anos 1980, tem sido o centro da criatividade em design do mundo. O movimento punk foi uma grande inspiração. As pessoas faziam o que queriam, pois havia um sentimento de que nin- guém tinha nada a perder. Toda essa liberdade — e quebra das regras — influenciou o trabalho de de- signers como Tom Dixon e Ron Arad, que mudaram o panorama e nosso jeito de ver as coisas.” Anthony Dickens, designer
Passado, presente e futuro 81 | Eurobike magazine Conran instituiu um caminho e fez de Londres capital do design. “A cidade tem sido o centro de criatividade do mundo desde os anos 1980, com certeza”, afirma Anthony Dickens, um talento da nova geração. “É um grande lugar para se estar agora. O movi- mento punk foi a inspiração para isso, em Candem. Era algo totalmente fora da curva, os jovens faziam o que queriam com o seguinte pensamento: ‘já que não há espaço para nós, vamos fazer o que a gente quer...’.”
PRAZER 82 | Eurobike magazine Era época de Boy George, do Duran Duran, e deixou essa posi- tiva herança que é o desejo quase incontrolável de querer ma- terializar ideias. Tom Dixon e Ron Arad começaram um pouco neste contexto. De extrema liberdade. Hoje, uma novíssima geração ganha espaço instantaneamente no mundo do design. E Londres continua produzindo não ape- nas novas coleções e novos materiais, mas pop stars na área. Alguns, com olhar bem industrial, sonham com o mercado de massa; outros, mais artísticos, produzem quase que objetos úni- cos, o chamado design-art. Luminárias Bocci, design de Omer Arbel
Se você é um colecionador de design, ou pretende ser, anote um único produto, a Crystal Bulb Shop. esses nomes: Veja mais: http://www.leebroom.com Lee Brom: com uma carreira meteórica iniciada aos 17 anos, Benjamin Hubert: outro superjovem pop star e ganhador de inú- 83 | Eurobike magazine e trabalhando com Vivienne Westwood em moda, Brom (atuais meras premiações, tem uma produção fortíssima assinando pro- 37 anos e carinha de 27) é o maior fenômeno da nova geração jetos para grandes empresas nos cinco continentes do planeta, e ganhador de inúmeros prêmios, entre eles o Designer of the inclusive no Brasil, onde desenvolve agora uma coleção para year Award, pelo British Design Awards 2011. O conservador jor- a gaúcha Cinex. Com uma pegada bem industrial, Benjamin nal The Guardian afirmou sobre ele: “Lee Broom é para o mobili- deslanchou sua carreira ao ganhar o concurso comemorativo ário o que Marc Jacobs ou Tom Ford são para a moda”. Neste dos 100 anos da icônica marca italiana Poltrona Frau. festival, ele transformou seu estúdio numa grande instalação de http://www.benjaminhubert.co.uk
PRAZER 84 | Eurobike magazine Julian Mayor: é um artista e designer baseado no leste de Lon- dres. Seu trabalho é inspirado nas possibilidades escultóricas criadas pela computação. O desafio é criar o processo de reali- zação industrial para suas ideias ultragráficas. Com um trabalho marcante e bem identificável, Julian passa a ser cada dia mais colecionável. Seu banco Fernando, mostrado nessa matéria, foi criado para um colecionador brasileiro, fã incondicional de suas peças. http://www.julianmayor.net Alex Taylor: com um trabalho abrangente e muito tecnológico, Taylor dedica-se há anos a desenvolver tecnologias e materiais que revolucionem os calçados esportivos. Tem um importante processo de pesquisa com a Adidas, mas também desenvolve mobiliário em seu estúdio londrino. Neste festival, seu banco Tube ocupava lugar de destaque no Victoria and Albert Museum. http://alexandertaylor.com Antony Dickens: em 1988, Dickens fundou seu estúdio em Lon- dres para criar objetos e mobiliário simples, funcionais e ao mes- mo tempo subvertedores da ordem. Reimaginando o dia a dia: assim o designer define seu trabalho. http://anthonydickens.com Peter Marigold: mais artista do que designer, Peter desenvolve uma obra de galeria, poética e muitas vezes bem humorada. Sua inspiração nasce comumente do trabalho simples dos marcenei- ros populares, dos materiais não acabados e tidos como rústi- cos. http://www.petermarigold.com Max Lamb: outro nome forte do design-art britânico, esse
simpático galês busca uma relação aprofundada com as maté- 85 | Eurobike magazine rias-primas onde elas possam ser elas mesmas. Resgatando métodos antigos, sua mesa de estanho tendo como molde as areias das praias de Gales chamou a atenção da imprensa internacional. Recentemente, Max lançou uma coleção de utili- tários em porcelana bone china, feita com pó de osso: mais uma vez resgate de técnicas antigas e sofisticadas. http://maxlamb.org Dica da autora: Quem quer mergulhar em design em Londres tem um guia certo, o London Design Guide, escrito pelo curador Max Fraser, atual Deputy Director do London Design Festival. Dividido pelos bairros de Lon- dres, faz a visita da cidade ainda mais interessante. Max é também superjovem e foi o guia oficial desta matéria com suas preciosas dicas. Quem quiser adquirir o guia basta entrar no site: www.londondesignguide.com Design cria ambientes diferenciados. É o que mostra a luminária de Omer Arbel da Bocci, o banco de cobre de Julian Mayor, o mobiliário de Anthony Hartley (acima) e os banquinhos de Claire-Anne O’Brien
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Quando céu e terra se confundemDEVANEIO e se completam 89 | Eurobike magazine
DEVANEIO Divina arte vulcânica No coração da Indonésia, entre vales férteis, vulcões e templos sagrados, um mergulho nas raízes da arte javanesa que deu origem à mun- dialmente aclamada cultura hindu balinesa Por Eduardo Petta | Fotos Carol da Riva 90 | Eurobike magazine
Bali, Indonésia. Nossa casa no último ano. Após quatro anos 91 | Eurobike magazine como nômades, viajando com a família, casa é o lugar onde es- tamos. E gosto muito desta morada. De andar pela sagrada al- deia de Ubud e me deliciar com seus batiques coloridos; com as pratarias trabalhadas nos mínimos detalhes, com as máscaras. Venero com as retinas cada estátua de pedra vulcânica na forma de um Ganesha, o deus elefante, de Sarasváti, a deusa do co- nhecimento, dos Barongs, os demônios com a língua para fora barrando qualquer ser que apareça com negatividades. Curto passear as tardinhas entre os jasmins floridos e perfumados, parando nos templos para escutar as orquestras de gamelão e seus doces instrumentos. É uma música de toques suaves, quase hipnotizante, a mente acalma. E sempre ganho meu tem- po quando as divinas balinesas ensaiam a dança do Legong, com seus movimentos suaves e expressivos de mãos, feições e olhares — como é bonita a pintura de seus olhos. Aprecio os shows de marionetes, nos quais bonecos feitos com pele de búfalo contam os épicos hindus, o Ramayana e o Mahabarata. E amo o aroma dos incensos, flores e oferendas dessa mistura de fé hindu-budista e animista, com influências do islã, que em pleno ano de 2012, com o mundo globalizado, não perdeu cos- tumes e tradições. Mais: possui uma forma harmoniosa de se re- lacionar, de aceitar, de ter tolerância, paciência, compaixão, de dizer não à ansiedade do capitalismo “tempo é dinheiro”. Aqui, tempo é arte e a arte está em cada esquina, em cada casa, olhar e coração desta vulcânica ilha dos deuses.
DEVANEIO 92 | Eurobike magazine Fascinado por estas bandas do Oriente, mergulho para desco- “Sou do islã, porque nasci em Java. Tivesse nascido em Bali brir as origens desse viver com arte. A viagem coloca minha seria hindu; no Brasil, católico; em Israel, judeu”, diz Hari Budi, o família à bordo de um avião, numa curta viagem de hora e meia, guia dos nossos primeiros passos em Yogyakarta. Ele nos con- sobrevoando os mais bonitos vulcões da Indonésia até o cen- duz pelos labirintos do templo hindu de Prambanan, que data tro da ilha de Java. É um trecho de janelinha. Debaixo da asa do século 9. “O Prambanan é um pouco prova dessa tolerância da aeronave passam vulcões e mais vulcões soltando fumaça e mistura de povos da Indonésia ao longo dos séculos. A ima- pelas enormes crateras. Anel de Fogo é o nome geológico dessa gem do templo de Shiva possui traços do chinês Confúcio”, nos região do globo. A Terra está viva. E vira e mexe remexe e nos mostra Budi. Cada detalhe do Prambanam é uma peça de arte. avisa: “somos 129 vulcões ativos”. Sua arquitetura serviu de inspiração para o Angkor, no Camboja, o maior complexo religioso do mundo, erguido alguns séculos O avião desce em Yogyakarta, em Java, berço da cultura hindu depois. até o século 15, antes do islã dominar a política da ilha e ins- talar o seu sultanato. Nesse tempo, todos os reis, artistas e a Demos sorte. Faz uma semana que o Prambanan reabriu para inteligência hindu-budista javanesa migraram para Bali. Mas os visitas, depois que o terremoto de 2006 abalou parte de suas que ficaram e se converteram ao islã — e não foram poucos — estruturas, principalmente o templo de Shiva. Mesmo assim, mantiveram a cultura, a paixão pela arte e a gentileza no bem precisamos usar um capacete para prevenir um eventual desa- receber. bamento. Isso é normal. Estamos no Anel de Fogo. “Ao mesmo
tempo em que o solo vulcânico trás fertilidade para às nossas antes de Cristo, nada mais justo”, diz Timbul Joggrang, ator da terras, também cobra seu preço. Mas faz parte do ciclo da vida companhia desde 1962, e que entrevistamos nos camarins, en- e do planeta”, diz o sereno e sábio Budi. quanto os atores se pintavam e colocavam suas fantasias. Aproveitando nossa visita, ficamos no Prambanan até às 19h, No palco a céu aberto, com as ruínas do Prambanan ao fundo, 93 | Eurobike magazine quando começa o balé que conta a lenda do Ramayana. O es- podemos ver 230 bailarinos encenar a luta do príncipe Rama, petáculo entrou para o Guiness Book como o que está há mais sétimo avatar de Vishnu, para resgatar Sita, seu grande amor, tempo em cartaz com a mesma peça e companhia, desde 1961. abduzida por Ravana, o príncipe dos demônios, e levada para “Bom, se você pensar que a história foi escrita quinhentos anos a ilha de Lanka (o Sri-Lanka de hoje, antigo Ceilão). A jornada
DEVANEIO 94 | Eurobike magazine do herói conta com a ajuda leal de Hanuman e seu exército de macacos. Após muita luta e procura, Rama e Hanuman vencem Ravana e trazem Sita de volta para Índia. Mas ferido em seu orgulho, Rama não aceita mais Sita. Para provar a sua pureza e fidelidade, Sita ateia fogo ao próprio corpo. Atônito, Agni, o deus do fogo, não a queima, e Rama, finalmente, pode unir-se ao seu amor. Ao final do balé, vamos para o hotel, na rua Jalan Prawirotaman, onde estão os melhores restaurantes, barzinhos e galerias de arte, que concentram turistas do mundo todo, misturados à in- teligência indonésia. Com um milhão de habitantes, Yogyakarta é o epicentro de toda a vida estudantil da maior nação muçulma- na do planeta, lar de centenas de universidades e milhares de estudantes. Aqui fica, por exemplo, a Universidade Goa Gajah, uma das melhores de arte da Ásia. Manhã cedinho. E estamos à bordo de um típico bekat, o taxi lo- cal, uma bicicleta carroça com quebra-sol para proteger do calor e explorar a cidade. No silêncio do pedal ganhamos o asfalto e vamos até o Kraton, como é chamado a vila do sultão de Yogya- karta, o último sultanato de Java em atividade, uma verdadeira cidade dentro da cidade, com mais de 20 mil pessoas morando
dentro da longa muralha branca, que a separa da parte moderna 95 | Eurobike magazine da cidade. A maioria dos moradores de Kraton é artista. Não confundir com artesãos. Tanto que a comunidade é protegida pela UNESCO, que enxergou no trabalho do batique local, um patrimônio imate- rial da humanidade. Tuti, 57 anos, é uma das pintoras de batique mais importantes de Kraton. “Aprendi com meu pai, que aprendeu com meu avô, que aprendeu com o avô dele. E não sei onde isso começou”, diz Tuti. Desde criança, ela trabalha com a técnica, que envolve muita delicadeza. Primeiro desenhar. Depois cobrir com parafi- na quente. Pintar, recobrir com parafina, banhar, pintar de novo. Cor em cima de cor, progressivamente, da mais clara até o preto final. Os melhores artistas de batique sempre andaram perto dos reis. Nas formas geométricas, existe sempre um batique para cada ocasião, como casamento, nascimento e funeral. E cada família real de cada ilha do país possui sua história grafada no tecido pelos seus artistas oficiais, como Tuti. “O batique é tão essencial à vida dos javaneses e balineses que todas as sextas os homens, mesmo os agentes oficiais, vestem suas belas cami- sas de batique”, conta Tuti. Muita gente de fora procura os artis-
DEVANEIO 96 | Eurobike magazine tas locais para workshops. Meu filho Tiago, 8 anos, passou dois dias inteiros envolvido com a técnica. O fascínio não é novidade. Desde o início do século 20, artistas ocidentais trabalham com o batique. “Se você for ao museu Affandi e ao museu Sono Bu- doyo vai ver peças de batique que custam milhares de dólares”, diz Tuti. Além do batique, da prata e da confecção das espadas típicas ja- vanesas, chamadas de kris, outra manifestação artística valori- zada no Kraton são os marionetes esculpidos em pele de búfalo, os wayan kulits, cujas performances chegam a varar a noite com grandes audiências. Para mexer as sombras dos bonecos atrás da tela com projetor, é preciso talento de ator de teatro. Mas, para confeccionar os melhores marionetes, é preciso a paciên- cia de um mestre jedai. “Chego a levar duas semanas para fi- nalizar uma peça”, diz Pak Sugeng, 41, considerado o mestre do wayan kulit. São milhares de furos e detalhes nos bonecos para conseguir efeitos diferentes. “Eu procuro ferramentas novas em desmanches de motocicletas”, segreda Sugeng.
Depois que os hindus partiram de Java, todos estes artistas pas- 97 | Eurobike magazine saram a viver em volta da família real dos sultões. Hoje, o atual sultão só tem uma esposa. Mas os do passado fartavam-se em concubinas. Para viajar nessa época, vale um pulo ao Taman Sari, o palácio das águas projetado por um arquiteto português em 1765, prontamente executado após entregar a obra, para não difamar o segredo do quarto dos prazeres do sultão. Visita- mos o tal cômodo. Ao lado da cama, duas janelas. Uma com vista para a piscina onde as mulheres se banhavam. Outra, para a piscina particular, na qual o sultão recolhia a escolhida do dia, sortuda ou infortunada. Sortudos fomos nós, ao chegar finalmente no nosso hotel de sonho, no coração do vale de Magelang, uma hora depois de deixar Yogyakarta. Ao entrar no Amanjiwo, fomos recebidos por uma chuva de flores jogadas por meninas sorridentes. Senti-me um sultão. Mas dois passos, e um olhar no mirante, deram-me outra sensação, ainda melhor: a paz de Buda, vinda de Boro- bodur.
DEVANEIO 98 | Eurobike magazine O hotel é um elogio à arte javanesa. As peças de decoração, es- gestos suaves. O garçom, em seu traje de gala javanês acende colhidas a dedo, estão por todos os lados. A galeria de baquites as velas das mesas, ajeita os vasos de flores. O chef Edy San- possui quadros muito contemporâneos. Mas as estátuas, más- tosa, 46, se apresenta para falar de nosso jantar. Nos conta de caras e totens parecem saídas de um antiquário. O olhar não se sua experiência em outros cantos do mundo, como Paris, Tóquio cansa nunca. Mas nada é over, sempre na medida, para combi- e Maldivas, e nos explica o cardápio. Carol, minha amada es- nar e não se elevar acima da vista das montanhas, dos vulcões posa, pede vitela ao molho de vinho. Eu embarco num menu de e da selva, do vale fértil e da montanha sagrada, onde aponta degustação. Provo do nasi champur, mistura de arroz com diver- Borobodur. O charme do Amanjiwo é saber ser discreto. sos vegetais, farelos de coco, amendoim e temperos picantes, e também do gudeg, a especialidade local, que mistura jaca verde O sol começa a se pôr e uma senhora com cara de xamã pre- num molho apimentado de coco, com tofu, pedaços de frango e para o chá de jamu, a raiz milagrosa e amarelada que desin- adoçado com açúcar da palma. toxica o sangue. Amassa ervas com o pilão, acrescenta água fervendo e serve com pedaços de bolinho de milho em folhas Descemos ao quarto. O luxo da simplicidade e do conforto. de bananeira. Quatro senhores tocam o gamelão, dando som A cama king-size, os lençóis, edredons e travesseiros são de ao ambiente. Um grupo de meninas da comunidade dança com sonho de tão macios e perfumados. A banheira, a varanda com
piscina particular, a vista do Borobodur, a atenção aos detalhes. É a fruta da estação sobre a mesa; o chapéu de palha para proteger do sol; a música brasileira no iPod, os livros escolhidos a dedo da cultural local. Sobre o berço do bebê, óleos de mas- sagem. Cai a noite e, no silêncio e na paz de Buda, mergulho em sonho de sultão. Acordo cedo, abro a janela e lá está Borobodur. A casa das mil estátuas de Buda ao alcance dos olhos. É incrível poder ficar admirando uma paisagem que você sonha uma vida inteira em visitar. Erguida pelos javaneses seguidores do budismo, entre os anos 788 e 833, Borobodur possui mil explicações de sua existência, mas uma coisa é certa: é uma montanha de significa- dos misteriosos que um simples olhar não revela. “O melhor de Borobodur é conhece-lo ainda de madrugada, às quatro da manhã, sob a influência das estrelas. E ver o dia raiar e o sol nascer do topo de seu último terraço”, sugere o gentil gerente do Amanjiwo, Mark Swinton, há três anos vivendo nessa base da rede Aman Resorts. “Não consigo mudar daqui. Você sabe quantas galerias e ateliê de arte existem na região? Mais de seis mil. Olha a paz desse lugar. E você precisa conhecer a gente que vive ao redor e ver o brilho de seus olhos”, revela Mark. O melhor de Borobodur é conhece-lo ainda de Agradecemos as dicas e desfrutamos do café da manhã dou- 99 | Eurobike magazine madrugada, às quatro da manhã, sob a influência rado pelo sol, apreciando a calma do lugar. Tudo é feito na hora, das estrelas personalizado. Nada de bufê. Me perco nas frutas: o dra-gon fruit, o branco e o vermelho (uma espécie de fruto que dá em um cactos e cujas escamas se parecem com a de dragões), a snake fruit (que tem uma pele parecida com a de uma cobra), a marquesa (o maravilhoso maracujá doce daqui), o rambutan (cujo gosto e consistência lembra a lichia) e o mangostim (a fruta dos reis, eles dizem por aqui). Depois do café, seguindo o conselho do gerente, pé na estrada, mas de bicicleta, vento lambendo o rosto, família completa, a bebê na cadeirinha. Cenas rurais: crianças brincando nuas nos rios, mulheres plantando arroz, homens secando tabaco, senhores fabricando tofu, idosas criando com barro peças de
DEVANEIO cerâmica. Uma parada no mercado de Magelan para ver o que a terra nos dá e mais pedal. Lanche na casa de Pak Bilal. Aos 62 anos, quarenta dedicados à produção de açúcar da flor A comunidade de Kraton é protegida da palma, Pak Bilal é pele e osso por fora, mas com um sor- riso gordo por dentro. Sua casa tem paredes de palha e teto pela UNESCO, que enxergou no tra- de bambu, mas é organizada, limpinha, gostosa de se sentar e 100 | Eurobike magazine balho do batique local, um patrimônio ficar proseando com ele, esposa, filhos e netos. Por duas horas imaterial da humanidade os acompanhamos, vendo-os revezar a colher de pau a remar o tacho no fogo a lenha. O calor derrete a goma da palma até ela ficar perfeita para adoçar a vida. Pak Bilal usa ela fresquinha para adoçar seu chá de jasmin. A mesquita do lado anuncia mais uma hora sagrada para reza do islã. Aqui em Java não há es- Parnaíba vista da Ponte das Barcas ao cair da noite. Ponto de partida para desvendarpoamçounpdoarsaelvfaugnedmadmoemnatiaorlisdetaltsa.d“aÉs Aoméisrilcãastolerante, amigo de todas
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