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"ZI, a abelha zonza", Carlos Canhoto

Published by be-arp, 2019-11-06 15:17:35

Description: Manual de apicultura

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O dia tão esperado pelo Francisco chegara finalmente! A professora e os colegas visitavam alegremente o apiário. Vestidos a rigor, com fatos de apicultor, ladeavam curiosos o senhor Moisés enquanto ele os levava à descoberta do secreto e fascinante mundo das abelhas. – Senhor Moisés, esta não me larga. Se pudesse, picava-me? – indagava um aluno muito inquieto, incomodado por uma abelha que voava à volta da sua cabeça, tentando insistentemente encontrar uma brecha no fato para o picar. – Claro que picava. O papel dela é guardar a colónia. Dará, sem hesitar, a sua vida por ela. – O que me aconteceria se fosse picado, senhor Moisés? – Se te picasse no nariz, ficavas um dia com nariz de palhaço, e no dia seguinte voltaria tudo ao normal. Mas se fores alérgico à apitoxina, o veneno das abelhas, poderias ficar cheio de urticária ou com uma crise aguda de asma; poderias mesmo deixar de conseguir respirar. É o que se chama choque anafilático, quer dizer, uma reação alérgica exagerada do teu corpo à picada, e nesse caso a tua vida correria sério perigo. Terias de ir o mais rápido possível a um hospital.

Depois, foi a professora quem fez uma pergunta: – Senhor Moisés, ouvi dizer que as abelhas do mel estão em declínio. Isso é verdade? – Sim, estas abelhas são hoje vítimas de várias doenças, mas também de parasitas e predadores trazidos pela globalização e que são muito difíceis de eliminar em seres tão delicados como as abelhas. Da Ásia, veio, por exemplo, a varroa, um ácaro que se alimenta do sangue das abelhas e que, além de as enfraquecer, também lhes transmite doenças. E vieram também as vespas asiáticas, superpredadores que dizimam colónias inteiras para roubarem as larvas e alimentarem a sua própria criação. Por outro lado, campos agrícolas a perder de vista, com apenas uma cultura e carregados de pesticidas, fornecem-lhes uma alimentação envenenada, que lhes debilita o sistema imunitário e lhes dificulta muito a vida. E, além disso, temos as alterações climáticas, que as desorientam. As estações deixaram de ser regulares, e o tempo é imprevisível. Enfim, são muitos e grandes problemas para um insetozinho tão pequenino e frágil e, infelizmente, não temos esperanças de que as coisas venham a melhorar no futuro.





– Se elas desaparecessem, o que é que poderia acontecer? – quis averiguar ainda a professora. – Isso seria uma tragédia. Se todas as abelhas desaparecessem, as do mel e as silvestres, dificilmente os outros insetos polinizadores, como as borboletas ou os sirfídeos (umas moscas que parecem mesmo abelhas), conseguiriam polinizar todas as plantas. As plantas que dependem exclusivamente das abelhas para se reproduzirem desapareceriam. Em seguida, extinguir-se-iam os animais que se alimentam delas. Podiam colapsar ecossistemas inteiros… E nós, além de nunca mais podermos testemunhar toda esta beleza que nos rodeia, deixaríamos de poder comer a maior parte dos frutos que hoje comemos. A nossa alimentação passaria a consistir praticamente só em cereais que o vento poliniza.



A conversa continuou durante muito tempo. Havia tanto para partilhar, e o senhor Moisés explicava tudo com a emoção de um jovem apaixonado. Isso levou a que aqueles meninos e meninas perdessem o medo inicial que tinham tido das abelhas e agora as olhassem com admiração e carinho. De súbito, umas aves muito bonitas, que assobiavam como se tivessem o bico cheio de água, investiram em voos rasantes sobre as colmeias, deixando todos de nariz no ar a admirá-las. Uma das alunas, encantada com a beleza das aves, perguntou: – Senhor Moisés, que aves tão lindas são estas? Ele respondeu-lhe, carregado de preocupação: – São abelharucos. Migram de África nesta altura do ano para aqui se reproduzirem. É da sua natureza alimentarem-se de abelhas e outros insetos...

Enquanto no exterior, partilhando os receios do senhor Moisés, todos os olhos se voltavam para o céu, dentro da colónia da Zi a rainha velha organizava a saída do seu enxame. As abelhas estavam já todas à porta da colmeia, aguardando apenas a ordem para sair, quando foram surpreendidas pelas vigilantes, que, apavoradas, zumbiram: – Ninguém sai, ninguém sai! O apiário está cercado pelo bando do Bigodes. A rainha, acalmando os ânimos, zuniu com determinação: – Queridas filhas, receio muito por vós, mas temos de sair. A colónia já tem a sua nova rainha. Não podemos continuar aqui. É assim a lei que nos rege. Foi então que a Zi, destacando-se do enxame, voou até aos pés da rainha e, decidida, ziniu: – Madre-rainha, eu tenho uma ideia. Tenho uma ideia! Posso zumbir-lhe? – Apesar de tão inacostumado atrevimento, a rainha autorizou-a a falar. – Acho que sei como afastar os abelharucos! E zumbiu à rainha, tintim por tintim, aquilo em que magicara. Surpreendida mas entusiasmada, a soberana concordou com os planos da Zi e, rapidamente, ambas explicaram ao séquito o que fazer quando saíssem.

E assim foi…



Às ordens da rainha, em segundos, milhares e milhares de abelhas enxamearam como uma grande nuvem negra… O Francisco, que estava com muita atenção a tudo o que se passava, alertou: – Olhem, olhem, está a sair um enxame! O pai, inquieto, comentou com os alunos e a professora: – Pobres abelhas, o apiário está cercado de abelharucos. Vão atacá-las sem dó nem piedade. Devíamos tentar espantá-los. Mas como? – Não é preciso! – disse o Francisco. – Repara no que elas estão a fazer. Nunca vi nada assim!

À saída da colmeia, o enxame rapidamente tomara a forma de um negro e ameaçador falcão, que, batendo as asas num zumbido terrível, numa zerechia ensurdecedora, avançava agora furiosamente sobre os abelharucos. Estes, apavorados, piaram os sete piados, e bateram em veloz retirada, desaparecendo nos confins da charneca. Emocionadas com tão inusitado – e corajoso! – espetáculo, as crianças bateram mil palmas e gritaram de satisfação.

Enquanto as abelhas se reorganizavam, a Zi quis ver de perto quem seriam aqueles estranhos seres que visitavam o apiário. Aproximou-se com mansidão e foi poisar na rede do chapéu da professora, mesmo por cima do nariz. Que pontaria! Assustada, a professora largou a fugir monte abaixo, gritando: – UI! UI! UI! SOCORRO!… SOCORRO!… QUEM ME ACODE? QUEM ME ACODE? SOCORRO!… SOCORRO!… Era agora a professora quem quase voava, numa correria digna das olimpíadas, sem perceber que, afinal, a Zi já regressara ao enxame, muito divertida com o susto que, sem querer, pregara à senhora professora.

GLOSSÁRIO aqui podes descobrir o significado de algumas das palavras usadas nestas páginas APITOXINA veneno da abelha do mel TROFALAXIA passagem do néctar do tubo digestivo de uma abelha para outra abelha por regurgitação AZAFAMAR trabalhar com rapidez TROGLODITA que vive debaixo da terra CHARNECA terreno coberto de giestas, estevas e outras plantas rasteiras TSUNAMI alteração da superfície do mar, provocada por um sismo, por uma erupção vulcânica ou por um CHOQUE ANAFILÁTICO reação de extrema sensibilidade desmoronamento submarino a um veneno ZAFARRANCHO animação CORBÍCULA covinha no fémur das patas traseiras onde as abelhas do mel e os abelhões transportam o pólen ZAGORRO velhaco FEROMONA substância segregada por um animal ZAMPAR comer muito, avidamente e reconhecida por animais da mesma espécie na comunicação ZÂNGÃO macho da abelha melífera (não confundir com abelhão) GLÂNDULA órgão que segrega algum líquido orgânico ZANGARILHAR andar para trás e para diante NÉCTAR líquido açucarado produzido por algumas flores, a partir do qual as abelhas melíferas produzem mel ZANGARREAR cantar com gritaria e desafinação OPÉRCULO tampa ZARPAR fugir PÃO DE ABELHA pólen empacotado em alvéolos que ZARUCA adoidada já sofreu alguma fermentação ZERECHIA zumbido que acompanha o voo rápido PELOTA aglomerado de pólen e néctar transportado das abelhas; balbúrdia na corbícula ZIZIAR soltar a voz, associado normalmente às cigarras PÓLEN conjunto de grãos minúsculos correspondendo aos elementos reprodutores masculinos, produzidos ZUMBAR zumbir pelas plantas ZUMBIR sussurrar, fazer um ruído semelhante PRÓPOLIS mistura viscosa e aromática produzida ao das abelhas em voo pelas abelhas a partir de substâncias resinosas e saliva, usada para calafetar e desinfetar a colónia ZUNIR zumbir, sibilar

ABELHAS SILVESTRES PRESENTES NESTA HISTÓRIA LÁSIO abelha social da espécie Lasioglossum malachurum; a espécie silvestre mais comum em Portugal, que nidifica no solo ANTHI abelha solitária do género Anthidium; conhecida por abelha-cardadora, utiliza pelos de plantas para aconchegar o seu ninho em casca de caracol XYLO abelha solitária do género Xylocopa; conhecida por abelha-carpinteira, escava o seu ninho em madeira morta BOMBUS abelha social do género Bombus; conhecida por abelhão, não produz mel, uma vez que a sua colónia não sobrevive ao inverno

SABIAS QUE... As colmeias têm ar condicionado? As abelhas do mel e os abelhões As abelhas despejam água nas paredes da são as únicas espécies de abelhas que colmeia e criam um circuito de circulação transportam o pólen em corbículas? de ar que, através do batimento de asas, A maioria das espécies transporta-o num permite o seu arrefecimento. conjunto de pelos especiais chamado escopa. A dança das abelhas foi descodificada pelo As abelhas do mel ouvem através investigador austríaco Karl von Frisch? das antenas e das patas? A descoberta valeu-lhe o prémio Nobel O órgão de Johnston, no segundo segmento de Fisiologia/Medicina, em 1973. das antenas, é sensível ao movimento do ar e ao som; o órgão subgenual, na pata traseira, recebe as vibrações do substrato. Por vezes, as abelhas do mel podem voar mais de 10 km para recolher pólen e néctar? Tal acontece quando a disponibilidade de alimento rareia em locais mais próximos da colónia. As irmãs gémeas da Zi são na verdade meias-irmãs? Durante o voo nupcial, a rainha acasalou com vários zângãos, aumentando a variabilidade genética da colónia.




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