apresentação da Federação Espanhola de cidade. Depois convidou-nos para 59Ciclismo, obtidas durante nossa estada em participar de uma ceia com seus familiares.Madrid. De posse das mesmas, nos Aceitamos. Era uma festa de família,dirigimos à federação de ciclismo local. Ao comemorando um aniversário. Várioschegarmos, fomos recebidos por uma parentes haviam vindo de localidadesjovem que ali trabalhava como secretária. vizinhas e da própria cidade. ParticipamosMarian, como se chamava, mostrou-se de uma discussão sobre a guerrilha basca.muito cordial ao tomar conhecimento de Alguns dos presentes nos tomavam pornossa situação, porém nos disse que pela franceses, foi preciso esclarecer diversasFederação seria muito difícil nos alojar. vezes que éramos brasileiros e que nadaEntretanto, marcamos um encontro para tínhamos a ver com o conflito existente,o final de seu expediente, pois talvez ela pois os bascos não gostam dos franceses.pudesse encontrar uma solução. Vários conflitos têm ocorrido. Tudo isto em decorrência de luta pela independência Passaram-se as horas. Retomamos ao basca que muitos defendem ou repudiam.A.J. e lá conseguimos deixar nossasbagagens, tomar um banho e comer Conversamos muito e, já tarde daalguma coisa. Ao anoitecer, tomamos um noite, acho até que em função de nossoônibus até o centro da cidade, indo ao local estado – literalmente pregados –, Marianindicado do encontro. Lá conversa- nos levou de táxi para dormirmos na casamos um pouco e em seguida Marian nos de seu namorado, que coincidentementelevou para uma volta pelas imediações da ficava próxima ao A.J. Nos despedimos de
todos, agradecendo a excelente ceia estrada bastante movimentada. Ainda era oferecida. período de férias, e os franceses aproveitavam as praias do norte do país, Dia seguinte, por volta do meio-dia entre elas Biarritz, um famoso balneário. após nos despedirmos de Marian, agradecendo-lhe a hospitalidade, Nesse dia, passamos por diversas partimos. Deixamos-lhe a esperança de que praias, todas muito movimentadas. algum dia retomaríamos. Estranhamos, pois estava até certo ponto frio para um banho de mar. Pelo menos Voltando ao A.J., pegamos nossas para nós, que estamos acostumados a um coisas e em seguida retomamos nosso clima de verão mais quente. A recepti- roteiro em direção à França. vidade dos franceses para conosco era ótima. Percebemos durante essa etapa A fronteira estava a apenas vinte várias manifestações de incentivo, dos que quilômetros dali. O dia estava lindo e a passavam de carro. temperatura ótima, na faixa de 18 oC. Durante o percurso, treinávamos o nosso Nesse dia chegamos a Bayone ao francês, que até então estava um pouco anoitecer. Fomos direto para uma pensão. esquecido. Na fronteira, as atenções dos A seguir tocamos para Laharie. funcionários foram muitas. Não tivemos dificuldades em explicar o que fazíamos, Em nossas cabeças, agora, um só nosso folder também se mostrou muito objetivo: a chegada a Paris. Pois além dos útil. Liberados e felizes por estarmos muitos contatos que esperávamos ter nessa cidade, estava prevista uma estada mais60 entrando em outro país, seguimos por uma
larga para descanso. Também em Paris,sabíamos que nos esperava toda acorrespondência de nossos parentes eamigos, além de equipamentos sobressa-lentes e recursos financeiros. A canalizaçãode tudo isso tinha sido feita comantecedência para a casa do Prof. RabahBenakouche, que se encontrava em Pariscom sua família em estudos de pós-doutoramento. Paris também nos atraíacomo ponto fundamental de afirmação donosso giro. Chegar a Paris, entendíamos,era ter garantido o êxito de nossoempreendimento. Enquanto sonhávamos também comalgumas aventuras em Paris, pedalávamos,pedalávamos... 61
Capítulo 4Paris, a chegada triunfante
Paramos. A placa nos indicava: Paris Além disso, pensar em rever Paris era para 65 a 50 km. Estávamos chegando. mim um objetivo particular. Tínhamos também pela frente muitas correspon- A temperatura era de aproximada- dências a receber, contatos com a imprensa,mente quinze graus. Após darmos uma embaixada, visitas aos muitos pontosmijada à beira da estrada deserta, turísticos e a expectativa de um contatocontinuamos. mais intenso com as francesas... Havíamos passado por maus bocados, Sem dúvida, a vontade de chegar eraafinal nos últimos sete dias estávamos enorme e comparável somente ao nossopedalando uma média superior a cem cansaço. Redobramos as forças e peda-quilômetros diários. Demos apenas um “alô” lamos.às cidades de Bayone, Laharie, Bordeux,Saintes, Poitiers, Tour e Orleans. Foi uma Era ainda cedo, por volta de catorzesemana duríssima e estávamos dando tudo horas, porém o céu começava a escurecerde nós para cumprirmos essas etapas. rapidamente. Vai chover! Ainda faltavam uns vinte quilômetros, quando desabou o Agora, a menos de cinqüenta maior “cacau”. Novamente paramos, destaquilômetros de Paris, sentíamos uma vez para tirar da bagagem as capassensação ótima. Segundo nosso calendário, amarelas que Juan, nosso colaborador eteríamos pelo menos duas semanas para responsável pela confecção de boa parteficar em Paris. Poderíamos descansar, dando do equipamento de viagem, havia feito emum tempo à vida de nômade e de acorda- material leve e impermeável. Protegidos,pedala-dorme-acorda, que já nos esgotava.
continuamos. A chuva era forte e tinha pela emoção. Permanecemos ali por algunsvindo para ficar. Os caminhões e automó- instantes somente contemplando-a. Noveis trafegavam agora de faróis acesos. caminho, começamos a perceber que asEstávamos chegando. A cidade aos poucos pessoas nas marquises e nas portas dos baresia se desenhando a nossa frente, o nos diziam algo que a princípio nãomovimento de veículos aumentava e nosso entendíamos. À medida em quecansaço também. As bicicletas pareciam avançávamos pelo centro da cidade,que estavam cada vez mais pesadas. algumas pessoas começaram a bater palmasAo entrarmos no perímetro urbano da sob as marquises. Agradecemos e emcidade, pedimos algumas informações para seguida alguns franceses gritaram: Bresil,localizarmos a Casa do Brasil, que se situava Bresil... Ficamos arrepiados de emoção ena cidade universitária e em fila indiana nos alegria.dirigimos naquela direção. De repente A chuva parecia abençoar nossaHercílio gritou: Olhem lá, à direita! A torre! chegada e os franceses com seus aplausosOlhamos rapidamente na direção indicada ratificavam essa intenção. Foi umae meio encoberta pelas nuvens, lá estava ela, chegada marcante. Esquecemos o cansaçoa marca registrada de Paris, La Tour Eifell. e curtimos o momento. Éramos vence-Ficamos emocionados e não resistimos, dores. Os aplausos imprevistos pareciamparamos para registrar o momento. A torre uma nova fonte de energia e tinham muitoencoberta ao fundo e nós com as capas significado para nós, pois, na realidade,66 ensopadas de chuva e as caras molhadas eram o reconhecimento anônimo de nosso
esforço, de nossa tenacidade e garra. casa, ou melhor, o apartamento, por tudo 67Inesquecível! que representava e remetia ao nosso país, parecia um oásis, que se tivesse classifica- Finalmente chegamos à Casa do Brasil. ção certamente merecia cinco estrelas.Ali, após termos mostrado nossas creden-ciais e cartas de apresentação, não tivemos Estávamos felizes por termosproblemas em conseguir um apartamento. cumprido o mais longo trecho do roteiro.Estávamos tão cansados que não sei se Afinal, foram desde Madrid 1.400 km emteríamos condições de sair procurando que pedalamos quase diariamente. Agoraoutro local para ficar, caso não houvesse devidamente alojados só pensáva-vagas. Apesar de mal conservado, o prédio mos num banho e numa generosa janta.que abriga a Casa do Brasil em Paris tem Logo nos familiarizamos com os esquemasimponência. O projeto é de Oscar da cidade universitária, que por sinal eramNiemeyer. São quatro andares em meio à ótimos. Tínhamos a nossa disposição umcidade universitária, onde se respira e se restaurante e uma cantina com preçoscheira Brasil. muito convenientes para uma capital como Paris. O apartamento em que ficamos eramuito espaçoso, com uma pequena sacada No primeiro dia tratamos de entrar emque logo apelidamos de geladeira, pois ali contato com a Embaixada Brasileira, paradeixávamos as coisas que normalmente a partir de lá contatar com os diversosem casa colocamos no local de mesmo correspondentes de jornais brasileiros.nome: leite, iogurte, frutas, etc. Para nós a Saímos a pé e logo em seguida tomamos
um metrô, principal meio de transporte rodamos por toda Paris. Sempredos parisienses. No caminho, sem pressa, voltávamos nas horas de almoço e jantapudemos observar a rotina da grande para a cidade universitária, onde tínhamoscidade. Uma rotina à qual já estávamos um farto bandejão, isso sem falar no cafédesacostumados, pois viajando pelo da manhã, que nos fazia acordar cedointerior passávamos por tranqüilas e calmas todos os dias. Todos esses privilégiosvilas, e o movimento da cidade grande; tínhamos acesso graças à carteiraagora, nos era estranho. internacional de estudante que fizemos noAo chegarmos à Embaixada, fomos Brasil, através do nosso DCE.muito bem recebidos. Novamente vimos Visitando o Prof. Rabah Benakouche,nosso folder funcionar. Conseguimos recebemos diversas correspondências.entrevistas, inclusive com revistas Pegamos também um pacote defrancesas, além de alguns correspondentes tubuladores sobressalentes, algumas caixasbrasileiros. Isso permitiu uma boa de vitaminas, que nossos pais preocupadosdivulgação do giro. haviam mandado e uma certa quantidadeNos dias que se seguiram, começamos em dólares. Tudo havia sido previamentea visitar os principais pontos turísticos da organizado com Rabah, pois contávamoscidade: Museu do Louvre, Torre Eifell, com a ajuda de amigos que em viagem aCatedral de Notre Dame, Museu do Paris levaram antecipadamente nossasHomem, Quartier Latin, Centro George coisas. Aproveitamos para fazer algumas68 Pompidou, etc. Enfim, de bicicleta chamadas ao Brasil. Como agora tínhamos
endereço certo, não foi fácil também a demos com um funcionário da Prefeitura 69nossos parentes aprazarem horários para de Paris limpando a calçada de eventuaisnos chamarem pelo telefone. Para dejetos de cachorro. O singular é que ocompletar, Tamara, esposa de Rabah, nos mesmo montava uma moto equipada combrindou num sábado com uma farta um braço mecânico, que simultaneamentefeijoada. Comemos a valer. sugava a merdaça e aspergia água sobre o local a limpar. Dez dias já se haviam passado e Parisaos poucos ia para nós se tornando A organização da cidade tambémfamiliar. Com suas ruas estreitas e seus impressiona. O sistema de transporte seamplos bulevares, com seus prédios de baseia no metrô. Várias vezes o utilizamospoucos andares; modernos centros de arte para ir de um lugar para outro, quando nãoe antigos e requintados museus. É uma saíamos de bicicleta. Numa dessas vezes,cidade impressionante. São cerca de 4,5 vivenciamos um exemplo da organizaçãomilhões de pessoas que ali vivem. A da cidade. Por medida de economiapresença de estrangeiros, turistas ou não, havíamos ultrapassado a borboleta doé grande. A limpeza da cidade chega a metrô em dupla, ou seja, pegando umachamar a atenção. Aliás, sobre limpeza “carona” com parisienses que depositavampresenciamos algo para nós inusitado. normalmente os tikets que abriam aEstávamos numa manhã em frente à Notre passagem na borboleta. SurpreendidosDame, observando a imensa movimen- pela segurança do metrô, eu e Hercíliotação de turistas, quando nos surpreen- fomos multados em cerca de 160 francos,
equivalentes a 22 dólares. Não adiantou Depois do jantar, saímos para umaexplicar que éramos estrangeiros, última volta nas imediações do Moulindesavisados, sem dinheiro, ciclistas, Rouge... Todos os nossos compromissosestudantes. Ou pagávamos ou éramos haviam sido cumpridos e já começávamossumariamente presos. No início ficamos a sentir saudades da estrada e de novasrevoltados e até abatidos por termos que aventuras.desembolsar toda aquela grana. Depoiscompreendemos que havíamos errado e A meta agora era Amsterdam, pontoque lidávamos com um sistema de mais extremo de nosso giro. Na noite queadministração pública bem diferente antecedia a nossa partida, gravamos umadaquele que conhecíamos no Brasil. fita para nossas famílias. Apesar da desarticulação com que foi gravada, Fizemos muitas amizades, principal- tentamos contar os principais lances damente na cidade universitária, onde viagem vividos de Lisboa até Paris.comíamos. Lá muitos brasileiros que estãoem Paris estudando, tentando um empregoou mesmo em busca de aventuras,também se alimentavam. Muitos delescantam no metrô. Aliás, vimos ali verdadeiros shows, alguns até com conjuntos e equipamentos pesados.70 Tudo viração e luta pela sobrevivência.
EUROPE
cor
Capítulo 5Novamente na estrada
Acordamos cedo. Após um bom café nossos uniformes. Ultrapassamos toda uma 87 na cantina do campus universitário, região de planície, com facilidade cumprimos preparamos o equipamento para a as duas etapas. Dormíamos agora em pensão,partida. Tudo pronto, começamos as pois não havia A.J. nas pequenas cidades quedespedidas. estávamos atravessando. No terceiro dia, após a saída de Paris, chegamos a Valencianes Na Casa do Brasil não estavam (Anzien), último pernoite na França, antes dehospedados somente estudantes. Diversos cruzar a fronteira da Bélgica. Pernoitamos nomúsicos e artistas plásticos também lá se A.J. e aí conhecemos duas garotas, Silke eencontravam. A todos deixamos nosso Sussane, que também de bicicleta faziam umabraço e nossa saudade. Após todas as tour entre a Bélgica, Alemanha e França.despedidas, verificamos que, segundo Trocamos várias impressões e experiênciasnosso roteiro, a primeira etapa seria até de viagem, durante a noite. Elas eramCompiegne e de lá seguiríamos para realmente duas garotas corajosas ePeronne. O tempo estava bom. A tempera- determinadas. No dia seguinte nostura se mantinha constante em 15 °C. despedimos, pois nós íamos para o norte eÓtima para pedalar. as garotas para o sul. Um azar! Nessa altura uma companhia feminina era mais do que Saímos de Paris sem maiores bem-vinda.dificuldades. Ainda no perímetro urbano,chamávamos a atenção dos transeuntes e Manhã cinzenta e chuvosa. Avolta e meia alguém gritava Les Bresiliens. temperatura caíra para 10 °C. O vento eraA identificação fácil decorria das cores de
forte. Após as ciclistas alemãs partirem, Ficamos surpresos com as ciclovias etomamos coragem e saímos em direção à a sinalização especial para ciclistas.Bélgica, sem saber se naquele dia A cidadezinha que antes parecera sematingiríamos Bruxelas, a capital. Chegamos interesse mostrava-se bastante atraente.em seguida à fronteira. A chuva aliviara um Limpa, bem sinalizada e calma.pouco, mas a temperatura continuava O albergue estava localizado numa áreabaixa. Seguimos em direção a Mons, onde muito aprazível, perto de um camping e umalmoçamos e trocamos nossos francos minizoológico. Conseguimos vagas e agorafranceses por francos belgas. Consultando só pensávamos em revisar o equipamento,nosso livro de albergues vimos a existência secar as roupas molhadas, tomar banho,de uma alternativa de pernoite numa comer e descansar. As bolsas impermeáveiscidade próxima a Bruxelas, Huizingen. Era e as capas resguardavam nossas roupas euma boa opção, já que a mesma era equipamentos, bem como nossos corpos. Erapequena. E com isso as chances de inevitável, porém, que alguma coisa seconseguirmos vagas no A.J. eram maiores. molhasse, pois num trajeto de dia inteiro,Além disso, seria fácil localizá-lo. Tudo isso volta e meia tínhamos que abrir as bolsasevitava chegar a Bruxelas num final de para pegar algo. Os aquecedores existentestarde, exaustos. Optamos por essa no albergue, porém, logo possibilitaram aalternativa. Lá chegamos, enfrentando secagem das peças molhadas.fortes ventos. O desgaste físico foi grande, Em seguida, fomos à procura de88 embora a região fosse plana. comida. Aí as dificuldades começaram,
pois o comércio já havia fechado e estavam certamente devido às experiências de guerras 89abertas somente as casas que vendiam vividas por essas populações, bem como pelaalimentos para cães e gatos. Sem enormidade de bombas nucleares quealternativa, compramos leite e um protéíco existem nos diversos países europeus. Delesdestinado, segundo o vendedor, para próprios ou dos americanos, que usam seusaqueles animais, porém sem problemas territórios para este fim. Esse medo tambémpara uso humano. Como nossa fome era está ligado à ameaça permanente de umagrande, arriscamos. No albergue prepara- guerra com a URSS.mos o rango canino e, saciados, fomosdormir. Ainda pela manhã chegamos a Bruxelas, lá procuramos o Albergue mais Aos poucos, entrando na Bélgica, barato. Logo após fizemos uma visita àfomos entendendo por que nas várias Embaixada do Brasil onde articulamoscasas de comércio havia muito destaque uma entrevista para o Jornal Le Soir.para os alimentos destinados a cães e Visitamos também a Universidade.gatos. A população em regra tem poucos Percorremos ainda os diversos pontosou nenhum filho. Porém, toda casa tem turísticos da cidade. Mas Bruxelas não nosum cachorro, um gato, ou ambos. Na agradou muito, pois o número deHolanda e na Alemanha a situação é cachorros nas ruas, devidamentesemelhante. acompanhados por seus donos, adultos ou crianças, era impressionante. Por todo Notamos também uma preocupação lugar, merdaça de cachorro. Isso enfeiavaincrível com guerras nucleares. Isto
a cidade. Por isso, abreviamos nossa estada Tratamos logo de trocar parte dee partimos em direção a Amsterdam, nossos francos por florins. Tendo em vistapassando por Antuérpia, Bergen, a experiência anterior, logo tratamos deRotterdam e Den Haag. comprar os alimentos de que necessitá-É incrível o uso da bicicleta nessa vamos. Os preços dos alimentos naregião. A infra-estrutura para a sua Holanda eram mais altos que na Bélgica.utilização não deixa qualquer margem para Tínhamos permanente preocupação comcríticas. Qualquer estrada é bem sinalizada. os gastos diários, porém quanto àAs ciclovias estão sempre presentes ao lado alimentação pouco podíamos economizar.das rodovias. Uma beleza! Afinal, de uma boa alimentação dependia, Chegamos à Holanda, pernoitamos em desde o início, nosso projeto. Costumá-Bergen Op Zoom. Esta é uma pequena vamos, por isso, freqüentar supermercadoscidade, muito limpa e organizada. A onde comprávamos leite, iogurte, pão,maioria da população anda de bicicleta; as queijo, fruta, chocolate, mais baratos, quepessoas vão e vêm para o trabalho, para o serviam como lanche durante os percursoscinema, para a igreja, de bicicletas. Nunca que cumpríamos. À noite quase semprevimos coisa igual. Não raro vimos senhores jantávamos.de terno e gravata pedalando em direção Não houve problemas para obter vagasao centro da cidade. Aqui pode-se dizer que no A..J. Lá fora a temperatura baixava aindaa bicicleta é o veículo utilizado como meio mais. Resolvemos comer algo por nós90 de transporte. Raramente, via-se um carro. preparado na cozinha do alojamento.
Depois, nos enfiamos nos sacos de dormir então explicou que seus filhos estavam em 91e conversamos um pouco sobre o dia sua casa e que ele telefonaria para eles,vencido. avisando de nossa chegada. Trocamos cartões de endereço, renovamos o convite Na manhã seguinte, a temperatura para que ele um dia nos visitasse no Brasilcaíra para 8 oC. Após o café, começamos a e nos despedimos agradecidos. Ainda malmontar nosso equipamento para seguir acreditávamos. Um contato tão rápido eviagem em direção a Rotterdam. logo uma oferta de hospedagem e, maisObservamos que próximo, um senhor de que isso, de sincera amizade.aproximadamente 60 anos tambémpreparava sua bicicleta para viajar. Tivemos algumas dificuldades paraAproximamo-nos e começamos a chegar a Rotterdam. O idioma holandêsconversar. Sua bicicleta era especial para para nós era terrível, já que nãocicloturismo. Falamos de nosso giro e ele entendíamos uma palavra. Pior no interior,nos disse que tinha muita vontade de onde as pessoas só falavam holandês. Asconhecer o Brasil. Depois, sabendo de nossa estradas, apesar de bem sinalizadas,direção, ofereceu sua casa para ficarmos também só tinham indicação na língua doem Rotterdam. De início, não entendemos. país. Ainda assim, pelas cinco horas daConversávamos em inglês e como ele havia tarde estávamos entrando em Rotterdam.dito que estava fazendo um tour em direção E com a ajuda de um providencial carteiro,à Alemanha, em férias, não compreende- localizamos a casa de nosso mais recentemos seu oferecimento de hospedagem. Ele amigo ciclista, Sr. Johan Redert.
Toda a nossa ansiedade desapareceu para jantar na casa do filho mais velho doquando fomos atendidos pelo filho do Sr. Sr. Johan. Foi uma nova experiência. Ro eJohan, Richard, que fora realmente avisado sua esposa Lilian nos recepcionaram comode nossa chegada. Outro fato que nos velhos amigos. Conversamos muito.causou surpresa foi que ele falava Éramos os primeiros brasileiros que elesespanhol. Isso foi ótimo, pois Hercílio e conheciam. Trocamos várias impressõesMurilo tinham dificuldades para se sobre nossos países. Somente tarde dacomunicar em inglês. noite, após termos aceito o convite deA casa tinha dois pavimentos. Não era Lilian para nos mostrar Rotterdam,grande, mas muito acolhedora. Nela despedimo-nos agradecidos e retomamosmoravam apenas o Sr. Johan, seu filho a casa para dormir.Richard e sua irmã, Chartal. A recepção foi Rotterdam é conhecida como o porto calorosa. Logo fomos instalados num da Europa. Durante parte do dia passeamos amplo quarto. Estávamos um pouco pela cidade a bordo do BMW, agora dirigido atrapalhados, pois em regra os europeus por Lilian. O lugar mais interessante que são fechados e pouco hospitaleiros. visitamos foi um museu instalado estrategi- Falamos um pouco de nosso projeto, do camente num navio que havia sido Brasil, de nossas famílias. Depois, de banho desativado. Após um lanche, já que Lilian tomado, com roupas limpas, saímos em tinha um compromisso na parte da tarde, companhia de Richard e Chartal, num fomos para a zona do comércio. Aí92 BMW de fazer inveja a qualquer mortal, aproveitamos para enviar alguns cartões
postais para nossos parentes e amigos do Ilha, a cidade de Florianópolis. A seguirBrasil. À tardinha, voltamos para a casa de montamos as bicicletas e mais algumasnossos anfitriões e à noite estivemos mais fotos foram tiradas defronte à casa.uma vez com Ro e Lilian. Com eles Abraçamo-nos agradecidos e partimos.visitamos ainda um amigo da família,Redert, que tinha uma larga experiência Novamente estávamos na estrada,em viagens internacionais. Conversamos rumo ao desconhecido...bastante tempo e, por volta das 11 horasda noite, regressamos. No dia seguinte, 93logo cedo, pretendíamos partir e eranecessário descansar. Nossa mordomiaacabaria. De manhã cedo, quando acordamos,fomos surpreendidos por uma farta mesade café. Chartal e Richard estavam agoraequipados com uma filmadora e registra-vam os momentos finais de nossa estadaem sua casa. Gravamos uma mensagem deagradecimento ao Sr. Redert e sua famíliapela extraordinária acolhida e renovamoso convite para chegarem ao Brasil e a nossa
Capítulo 6Em Amsterdam, um contato inesperado
Debaixo de uma fina e persistente pontes de pedra. Como todas as cidades 97 chuva, seguimos em direção a da Europa, é antiga e escura. Dispõe de dois Amsterdam. Foi um trecho difícil, A.Js; um, onde estávamos hospedados,pois, além da chuva e do frio, tivemos localiza-se quase à porta de entrada dainúmeros problemas ou talvez azares. Zona Roxa ou “The Red Lights” como láFuramos seis tubulares e, faltando ainda chamam. Nessa famosa região em quecinqüenta quilômetros para chegarmos, casualmente nos encontrávamos, há totalMurilo teve a caixa do movimento central liberação de drogas, diversos sex shops equebrada. Tivemos eu e Hercílio que muitas mulheres que posam seminuas nasempurrá-lo até a chegada ao A.J. de vitrines e convidam a todos os que por aliAmsterdam. Nos revezávamos durante o passam para um programa. A região épercurso. Foi terrível, mas felizmente todo extremamente movimentada e os tiposo trajeto era plano, sem sequer uma humanos são singulares.lombada. Chegamos ao anoitecer. Haviavagas. No dia seguinte, providenciamos o reparo da bicicleta de Murilo e saímos Estávamos felizes em alcançar o ponto passeando: Museu Van Gogh, Riskmais extremo de nosso giro. Amsterdam é Museum, Praça Dam e como não poderiaconhecida como a Veneza do norte, pela deixar de ser, a própria Zona Roxa. O climaquantidade de canais que corta a cidade, era frio e por isso permanecemos bastantemais de cem. A capital da Holanda é um tempo no A.J. Este já com outras normaslugar repleto de construções estreitas e devido ao frio, não fechava durante o dia.
Fizemos diversas amizades com meninas e amigos o endereço do A.J. de Amsterdamportuguesas, italianas e suíças, que lá para o envio de correspondências. Agoraestavam hospedadas. começávamos a recebê-las. Murilo era oVolta e meia cruzávamos a zona roxa, maior felizardo, pois batia a todos nopois além de nossa natural curiosidade, era número de cartas recebidas, e não era parao caminho mais rápido para o centro da menos já que contava com a apaixonadacidade. Numa dessas idas e vindas, vendo Ana no Brasil.tantas mulheres, resolvemos estabelecer Nosso último dia em Amsterdam. Aum ranking na base da gozação, para, por escolhida na zona roxa era uma belavotação, elegermos a melhor garota morena de olhos verdes e belos contornos.daquela “zona”. Uma gata de fazer inveja a qualquer musaComeçamos a conhecer as “meninas”. de Ipanema. Paramos em frente a suaEntrávamos, falávamos alguma coisa e em vitrine e ficamos contemplando-a. Aoseguida saíamos. Ficávamos, quase sempre, anoitecer, com uma chuva fina, saímos euapenas num breve alô, já que os preços não e Murilo. Fomos comprar perto dali numestavam ao nosso alcance. Porém nem pequeno supermercado, algumas frutas etodas nos deixavam entrar, pois em chocolates para comermos durante a etapaalgumas só se entra se for realmente para do dia seguinte, além de queijo, pão e leite,transar. nossa janta. No caminho, não resistimos eHavia sido também, quando de nossa resolvemos fazer mais uma visita à referida98 estada em Paris, mandado por nossos pais morena. Ao chegarmos, ficamos por
alguns minutos apreciando da rua e em essa etapa com facilidade. Pernoitamos seguida através de gestos insistimos para numa pequena, porém asseada, pensão. falar-lhe. A mesma concordou. Entramos. Ia já começando a soltar o meu humilde Dia seguinte, atingimos Venlo já na inglês quando ela me interrompe e com o fronteira com a Alemanha. Foram mais 80 maior sotaque carioca, diz: pode falar em km. Estávamos muito animados, pois na português mesmo garoto, eu sou do Rio. Alemanha, em Düsseldorf, faríamos uma Falamos, e... esquecemos as compras. visita ao tio-avô do Murilo, que ali residia. Havia expectativas de receber cartas da Partimos cedo de Amsterdam em família e também de muito calor humano. direção a Hertogenbosch, um trecho de A família do Murilo, por parte do pai, é de cerca de 90 km, tudo plano. Tempo Joinville (SC). Seu avô paterno migrou da cinzento e temperatura baixa, por volta de Alemanha para Santa Catarina, na década 10oC. Enquanto pedalávamos, observáva- de quarenta. A família mantinha pouco mos com mais cuidado a paisagem. As contato com seus parentes na Alemanha. cidadezinhas em que passamos eram muito Agora, haveria um grande reencontro. bem limpas e organizadas. Ao longe, pareciam cidades de brinquedo. Também Ao entrarmos na Alemanha, os canais nos impressionaram. Todos começamos a perceber uma forte acima do nível do solo, o que justifica a movimentação militar, tal a quantidade de afirmação de que os holandeses fizeram a veículos de combate nas estradas. O clima era de tensão, pessoas fechadas e100 Holanda. Com o vento a favor, vencemos preocupadas. Soubemos, depois, que essa
região continha grande quantidade de Mais tarde saímos para jantar. O Sr. 101celeiros de mísseis. A movimentação militar Paul era muito conhecido e benquisto naera uma constante nas cidades e nas cidade. Todos os que o encontravam,estradas. A impressão que tínhamos era de cumprimentavam-no com cordialidade.que o país entraria em guerra a qualquer No restaurante, todas as pessoas que lámomento. estavam falaram com ele. E pelo que entendemos, ele não cansou de informar Chegamos em Düsseldorf ao entarde- que éramos brasileiros, ciclistas ecer. Após algumas dificuldades, localizamos estudantes, fazendo um giro pela Europa.o endereço do tio de Murilo. Um pequeno Destacava também que Murilo era seuapartamento situado num prédio de quatro sobrinho-neto. Como ele nos disse que nãoandares, no centro da cidade. O encontro tinha filhos, logo compreendemos seufoi emocionante, especialmente para o entusiasmo para conosco.Murilo. Seu tio-avô, Paul Krüger, já nosesperava, pois sabia de nosso giro através de Bebemos diversos tipos de cerveja ecartas expedidas do Brasil. Dona Elza, sua comemos pratos típicos. Trocamos muitasmulher, tratou de nos alojar da melhor informações. O Sr. Paul queria saber coisasmaneira no pequeno apartamento. A do Brasil, e nós da Alemanha. Discutimoscordialidade era grande. Apesar da barreira o perigo de uma guerra nuclear e sentimosda língua, logo todos se entenderam. O Sr. como se preocupam as pessoas com o seuPaul falava inglês comigo. Eu traduzia o que dia-a-dia e com o futuro, pois lá não hápodia para Murilo e Hercílio. E ele fazia o muitas esperanças de tranqüilidade e paz,mesmo para Dona Elza, que só falava alemão. lamentavelmente.
Devido ao pequeno tamanho do consciência disso devido a sua avançada apartamento e a avançada idade de nossos idade; todos nos emocionamos. Sentimo- anfitriões, ainda durante o jantar trocamos nos como membros de uma única família. rapidamente opiniões sobre o que fazer. Não Foi duro, mas aquela era a nossa queríamos incomodar pessoas de idade que realidade. Chegávamos e tínhamos de tão bem nos recebiam, mas também não logo partir. Fomos para o A.J. que existia queríamos parecer descorteses. Murilo na cidade, mas não voltaríamos a ver o opinou que deveríamos mudar para o A.J. casal Krüger. Isto porque tínhamos pela Concordamos. Ele também explicou ao Sr. frente um dia cheio de atividades. Havia Paul a nossa decisão. Ele relutou um pouco também uma festa de aniversário da mas aceitou. cidade. E achávamos que não deveríamos prender o velho casal. Voltando ao apartamento, conversa- mos até tarde. O ambiente era muito No A.J. pudemos fazer uma revisão de acolhedor. Dona Elza ainda nos brindou todo nosso equipamento. Lavamos nossas com doces. Na pequena sala ajeitamos roupas. Deixamos tudo em ordem para nossos sacos de dormir. Descansamos. enfrentar mais uma etapa. Depois, fomos para a festa. Havia desde exposições de Manhã seguinte, após um bom e carros, motos e trens antigos, até comidas forte café da manhã, nos despedimos. Foi típicas e muito chopp. Diversas orquestras uma despedida comovente. Na verdade, animavam o público. Pudemos passear e todos sabiam que dificilmente iriam se nos divertir bastante.102 reencontrar. O velho casal tinha
Partimos para Aachen, na manhã Entramos em Aachen sem dificul- 103seguinte. Era uma etapa de 100 km. Aachen dades. Um motorista de táxi nos orientouestá bem perto da fronteira com a Bélgica para localizarmos o A.J. No caminho nose a Holanda. Começávamos a descer em atrapalhamos e acabamos perdendo odireção à Suíça e à Itália. A região é rumo. Foi então que vimos estacionada natotalmente plana e o tempo estava bom, calçada uma bicicleta com as mesmascom uma temperatura por volta de 15oC. cores (verde e amarela) que as nossas. E, incrível, pintadas do mesmo jeito. Ficamos Em Aachen tínhamos diversos surpresos, pois o projeto da pintura, feitocompromissos. Desses, destacava-se a visita por Hercílio, era até então exclusivo eà Universidade. O setor de Mecânica da inédito. Paramos e ficamos olhando paraUFSC mantém convênio com a a bicicleta com dificuldades para acreditarUniversidade de Aachen há muitos anos. no que víamos, afinal, estávamos numaVários professores da UFSC têm realizado cidade no interior da Alemanha. Lembra-cursos de pós-graduação em Aachen. mos do Della, nosso técnico, a dizer que oÉramos esperados lá pelo Prof. Almir Quites, layout que imaginara para nossas bicicletasque ali fazia doutorado, com ênfase na área permitiria identificá-las em qualquer pontode soldagem. Nossos parentes tinham do mundo.mandado diversas correspondências paranós, através do Prof. Almir. Estávamos Nesse momento, aparece na janela daansiosos para chegar. Também queríamos casa onde a bicicleta estava estacionada,conhecer o potencial da Universidade. uma senhora. Espontaneamente, fiz um
gesto indicando que queria falar-lhe. Ela uma ligação telefônica para o Brasil. Como acenou fazendo-me compreender para era domingo, dia de dar notícias para a aguardar. Em seguida, abriu a porta e falou família, a vez de chamar era do Hercílio. algo que não entendi. Peço-lhe desculpas Isto fazíamos com regularidade. Cada em inglês, dizendo-lhe que não falava domingo, alguém do grupo ligava para sua alemão. Ela então perguntou em inglês se casa, transmitia e recebia as notícias mais eu falava espanhol. Claro, respondi. A Sra. recentes. As demais famílias eram depois era espanhola e há alguns anos morava em cientificadas do contato. Dessa forma, Aachen. Perguntamos sobre a direção do conforme havíamos decidido ainda no A.J. e falamos de nossa surpresa com as Brasil, toda semana tínhamos um contato cores do Brasil pintadas na bicicleta de sua telefônico. filha. Rapidamente, dissemos o que fazíamos. Ela se entusiasmou. Indicou-nos O funcionário do A.J. informou, a direção ao albergue e nos convidou para entretanto, que não seria possível fazer uma mais tarde virmos tomar um café em sua ligação a cobrar para o Brasil. Alegou que o casa. Uma receptividade fora do comum. Brasil havia dado um calote – creio que se Aceitamos. referia ao não-pagamento dos compro- missos financeiros internacionais – e que Chegamos ao A.J. e ainda tivemos por isso só havia autorização para ligar a tempo para assistir pela televisão ao final cobrar do A.J. para os EUA. Inacreditável, do GP da Itália de Fórmula 1. Depois, agora sabíamos que nosso crédito particular estava abalado.104 pedimos informações sobre como fazer
Momentaneamente, deixamos de lado episódios mais marcantes, em especial 105o telefonema. Resolvemos ir para a casa aqueles acontecidos na Espanha. Depois,de nossa mais recente amiga espanhola. não sei como, comentamos a questão do telefonema para o Brasil. E perguntamos Era incrível o que nos acontecia no como poderíamos naquele dia efetivar adecorrer da viagem, pois na verdade ligação. Dona Magdalena, muito gentil,tínhamos a impressão de que cada etapa disse-nos para chamar dali, de seu telefone.que cumpríamos era uma viagem dentro Hesitamos um pouco a princípio, pois nãoda grande aventura que é a vida. A nossa queríamos abusar de sua boa vontade. Elaunião era tão grande que já há alguns insistiu dizendo que não haveriameses, nos tratávamos naturalmente por problemas. Hercílio vibrou, ligou para seusirmãos. Pudemos, mais uma vez, sentir pais, informou-lhes a situação e deu ofortemente que nossa vida aqui é uma número de Dona Magdalena. Assim,breve passagem e que devemos, acima de rapidamente, inverteu-se a situação. Ostudo, viver em harmonia com nosso meio. pais de Hercílio, fizeram uma chamada para Dona Magdalena. Agora, não Ao chegarmos, Dona Magdalena, estávamos tão constrangidos, pois ascomo se chamava, nos brindou com uma ligações internacionais são caras. A seguir,mesa de café, tortas e salgadinhos. Estava meus pais também chamaram. Depois, afeliz por poder confraternizar com outros namorada do Murilo. Foi umalatinos. Seu filho, um garoto de 17 anos, confraternização geral. Dona Magdalena,estava curioso em saber de nossasandanças de bicicleta. Contamos os
sem querer, nos brindou com notícias Murilo, como o mais velho do grupo, quase frescas e um calor humano indescritível. sempre agia como mediador nos momentos de maior divergência; todavia Nesse meio tempo havia chegado a união era uma constante. Carlota, a outra filha de Dona Magdalena. Era uma espanholinha invocada, com 18 Pode parecer para o leitor que a anos, e que se assustou ao nos ver. Mas logo integração plena do grupo é um fato sem depois se enturmou e participou de nossa maior importância. Mas lembro que a alegria quando dos contatos telefônicos partir do momento em que se passa a com o Brasil. conviver em regime integral com outras pessoas, enfrentando dificuldades de toda Anoitecia quando deixamos a casa de ordem e convivendo com pessoas Dona Magdalena para irmos comer num estranhas, as coisas mudam bastante. restaurantezinho próximo dali, que ela Principalmente nos momentos críticos em indicou. Comemos bem e barato. Aliás, em que exaustos e famintos temos de tomar todo o giro não me recordo de termos decisões importantes ou dividir o quarto, comido mal. Pelo menos no que se refere o banheiro, a cama, etc. à qualidade. O problema era quantidade, que quase sempre deixava a desejar. A realidade é que nós três havíamos tomado consciência de que o sucesso, o Como equipe, estávamos muito bem. êxito do giro, estava intimamente ligado ao Apesar da diferença de temperamento, o nosso bom relacionamento, com a nossa relacionamento era muito bom. Já harmonia, com a manutenção de um106 aprendêramos a ceder na hora certa.
verdadeiro espírito de equipe. Aqui, mais Laboratório em que ele trabalhava, onde a 107de uma vez, valeram-nos os conselhos de aparelhagem utilizada é moderníssima. Onosso técnico e amigo Della Giustina. Prof. Almir trabalha em soldagem. Informou-nos sobre alguns projetos que Dia seguinte, pela manhã passamos estavam em andamento, dentre eles umpela casa de Dona Magdalena para um alô tipo de soldagem totalmente automática ae um telefonema ao Prof. Almir Quites. Arco-Voltaico, controlada por computadorNão tivemos dificuldades para localizá-lo, através de um sensor ótico, uma tecnologiajá que contamos com a colaboração da de ponta.nossa amiga espanhola para a ligaçãoinicial, ou seja, o papo em alemão com a Depois, visitamos outras instalações datelefonista. Marcamos um encontro na Universidade. Tínhamos um encontro comUniversidade. o professor responsável pelos convênios internacionais, que estava avisado de nossa A Universidade de Aachen não é muito chegada. Porém, ele encontrava-segrande. Sua área mais forte é a de ausente, em razão de doença em suaengenharia mecânica. Lá, diversos família. Almoçamos na Universidade.professores do Departamento de Mecânica Depois saímos com o Prof. Quites,da UFSC têm feito cursos de especialização passeando pela cidade.e doutorado. Há uma antiga colaboraçãoentre as duas universidades. Aachen é uma cidade pequena. As marcas deixadas pela Segunda Guerra Quando chegamos, o Prof. Almir já Mundial ainda são visíveis em vários lugares.nos esperava. Começamos visitando o
Há ruínas e abrigos anti-aéreos espalhados Paião. Caminhamos por mais de meia hora por toda a cidade, que funcionam como atrás do restaurante que ele indicara, sem monumentos. Conhecemos também, com êxito. Então nos lembramos que perto dali o Prof. Quites, um pouco da história de estava a casa de nossa amiga espanhola e Aachen. o restaurante onde jantamos na véspera. Fomos para lá, comemos e conversamos À tardinha, resolvemos pegar nossos até tarde. equipamentos e bagagens no A.J. O Prof. Quites nos havia convidado para No dia seguinte, acordamos cedo e jantarmos. Como havia um rígido horário fizemos um pequeno desjejum no de chegada à noite no A.J., aceitamos apartamento. Montamos nosso equipa- também seu convite para pernoitar no mento, despedimo-nos agradecidos e pequeno apartamento que ele ocupava, partimos. Antes de sair da cidade, próximo à Universidade. Aproveitamos passamos ainda na casa de nossa amiga ainda para ler a correspondência recebida espanhola, também para agradecimentos através do Prof. Quites. e despedidas. Ela se emocionou nos vendo partir e acenando murmurou: que Dio À noite, jantamos no pequeno acompañe vosotros! Buena suerte! restaurante que Dona Magdalena nos havia indicado. Apesar de sermos novatos na Nosso destino, agora era Luxemburgo, cidade, fizemos a indicação do restaurante com um pernoite em Clervaux. Um novo com maior precisão que a feita por um país, uma nova aventura...108 amigo brasileiro do Prof. Quites, o baiano
Capítulo 7Suíça, uma cômoda passagem
C hegamos a Luxemburgo ainda vistos de entrada. Acontece que, ao sairmos 111 cedo. Foram setenta quilômetros da França, uma onda de atentados desde Clervaux, subindo e terroristas assolou o país. Diversasdescendo montanhas. Uma região explosões de bombas ocorreram em váriosbelíssima. Localizamos fácil o A.J. e nos pontos da capital e no interior. As fronteirasinstalamos. Depois fizemos um primeiro agora estavam fortemente vigiadas, ereconhecimento da cidade e achamos um inclusive se chegou a cogitar que nãobom local para comer. A localização da poderíamos entrar naquele país. Perdemoscidade é num vale, com íngremes descidas um tempão na Embaixada. Tivemos quenas ruas principais da cidade. explicar diversas vezes nosso projeto. Mostramos nossas licenças de ciclistas Luxemburgo é um pequeno país, expedidas pela CBC, nossas credenciaisremanescente ainda do sistema feudal que universitárias, passaportes, etc. Mandaram-predominou na Europa na Idade Média. Sua nos preencher diversos formulários epopulação é pequena. Há um forte finalmente concederam-nos os vistoscomércio baseado no turismo e nota-se que gratuitamente, já que, a princípio, aindaé um lugar razoavelmente rico. As ruas são queriam cobrá-los. Na manhã seguinte,muito limpas, e a sinalização também é com um belo dia de sol, seguimos viagem.muito boa. As pessoas são coradas e alegres, Nossa próxima etapa era Metz, já na França.o idioma predominante é o francês. Ao chegarmos na fronteira permanecemos por algum tempo aguardando a Fizemos aí uma visita à Embaixada daFrança, com o objetivo de obtermos os
autorização de passagem. Isto apesar de já porém o que eles nos falavam era que termos sido autorizados pela Embaixada. aquela região sempre vivera assim, pois os Chegamos a Metz ao entardecer, cansados vazamentos eram uma constante. Incrível! e estarrecidos com o que vimos pelo caminho. Mais de oito Centrais Nucleares, No dia seguinte partimos. Após intensa movimentação militar, ar pesado e pedalarmos 120 quilômetros, nos afastando muita poluição. Uma região terrível e pelo menos visualmente daquela região, deprimente. Pernoitamos no A.J. e nos chegamos a Nancy. Já tínhamos um novo alimentamos na Universidade que por sorte contato com uma Universidade. O Instituto era próxima. Ali, conversando com alguns Nacional Politécnico de Lorraine, INPL, que estudantes, ficamos sabendo das suas mantém convênio com o Departamento de realidades. A comida servida no próprio Engenharia de Produção da UFSC. Éramos restaurante, principalmente as saladas e esperados. Contatamos com a Profa. frutas, estavam contaminadas por radiação Clodine Guidart que já por várias vezes proveniente das referidas usinas nucleares esteve em Florianópolis. Ela foi da região ou dos efeitos do desastre de extremamente amável e não nos deixou Chernobyl. Ficamos chocados e permanecer no A.J. em que estávamos começamos a perceber o porquê das instalados. Hospedou-nos num hotel no constantes promoções de leite e derivados centro da cidade. nos supermercados. Lógico que tínhamos Durante os dois dias em que112 conhecimento do desastre de Chernobyl, permanecemos ali, a Profa. Clodine mostrou-nos todas as instalações do INPL,
além de projetos de pesquisa em perspectivas de termos mais dias desenvolvimento nas localidades vizinhas. disponíveis em Roma. Mas essa possibilidade Contamos a ela sobre nossa preocupação não foi logo tomada como a melhor, pois com o problema em relação ao grande também se considerava a oportunidade de número de centrais nucleares naquela ver de perto os Alpes Suíços. região. Ela apenas lamentou, dizendo que algumas providências estavam sendo Ainda indecisos, chegamos a Basel, tomadas por parte do governo francês. cidade vizinha a St. Louis. Tratamos logo de ir a uma casa de câmbio para trocarmos Após uma boa noite de sono, dinheiro. Depois fomos a uma agência de agradecemos a cortesia da Profa. Clodine informações turísticas para saber das e partimos de Nancy. condições de tráfego até Berna, capital da Suíça, em bicicleta. Até então, tínhamos Seguíamos agora para Epinal e praticamente circulado em estradas Mulhouse, descendo pela França até St. secundárias, quase sempre paralelas às Louis, já na fronteira com a Suíça. Essa auto-estradas. Nessas, o tráfego de região é bastante montanhosa. Nosso bicicletas é simplesmente proibido. Ao desgaste físico era enorme. Começamos a chegarmos, informaram-nos que de Basel considerar a possibilidade de fazer uma para Berna havia somente uma estrada e parte do trajeto de trem. Considerávamos que normalmente era proibida a circulação também que os custos de hospedagem e de bicicletas. Haveria apenas como alimentação na Suíça eram bastante caros. alternativa obter uma autorização da114 Lembrávamos de nosso calendário e das
Polícia rodoviária, juntamente com um perto tão bonitas paisagens. À medida que 115batedor. Achamos que essa possibilidade era nos aproximávamos de Berna podíamosinviável, já que perderíamos, segundo a ver perfeitamente os picos gelados aoagência de turismo, um bom tempo para longe, um visual lindo.conseguirmos a autorização. Fomos,então, direto para a estação. Eram poucos Ao entardecer, chegamos em Berna.quilômetros até Berna e queríamos, pelo Retomamos nossas bicicletas e partimosmenos, ver os Alpes ainda em dia claro. em busca do A.J. Não tivemos problemas para encontrá-lo e logo nos instalamos. Não tivemos dificuldades paradespachar as bicicletas. O problema foi o Berna é uma cidade pequena, como odesembolso de uma quantidade razoável próprio país. Suas ruas são limpas, asde francos suíços, mas tudo aconteceu construções são antigas. Um rio corta amuito rápido, e em poucos minutos cidade, formando um conjunto muitoestávamos instalados no trem e esse partia bonito. A cidade e a região onde estáa caminho de Berna. localizada são muito tranqüilas, comparadas com as imediações de Metz, Era uma sensação gostosa ver as na França. A paisagem era completamentepaisagens passarem tão depressa, sem diferente, com dias azuis e ar puro.termos que despender energias para isso. Permanecemos todo o dia seguinte emMas, ao mesmo tempo, sentíamos certa Berna. De bicicleta percorremos seusdecepção por não podermos cobrir aquele pontos mais significativos. Num mirante,belo trecho mais devagar e vendo mais de ficamos algumas horas observando a
imponente cordilheira gelada, que são os proibições. Agora não valia o arrepen- Alpes. Era incrível, já que estávamos a mais dimento. de 100 km de distância e a montanha se mostrava tão alta. Os picos mais elevados A chegada a Chiasso aconteceu ao que víamos tinham mais de 4.000 metros entardecer de um lindo dia. Aliás, bom de altura. Brancos, brilhantes, fabulosos! tempo era uma constante desde a partida de Amsterdam. O frio, entretanto, era forte. No A.J. estudando nosso mapa de As temperaturas estavam por volta de 10 a viagem, decidimos partir no dia seguinte 20oC. em direção a Chiasso, já na fronteira com a Itália. Novamente, iríamos de trem. Atravessamos a fronteira da Suíça com a Itália de bicicleta. Fomos muito bem A viagem para Chiasso foi um recebidos pelos funcionários da fronteira espetáculo. A região por onde passamos, italiana. Fizeram algumas brincadeiras os lagos Lugano e Lucarno, o Passo de San conosco. Contaram algumas piadas. Rimos Gotardo, onde atravessamos o maior túnel muito e já começávamos a sentir a ferroviário do mundo, a própria tecnologia diferença. Os italianos nos faziam sentir de construção da rodovia paralela à mais próximos do Brasil. Sentíamos a ferrovia, enfim, a paisagem, sem dúvida alegria dos latinos. A Europa mais fria, mais nos entusiasmaram demais. Chegamos a estranha, embora bem organizada e rica, pensar se não teria sido conveniente estava ficando para trás. enfrentar a burocracia e fazer esse trecho A apenas 8 km da fronteira estava116 também em bicicleta, vencendo as Como. Uma pequena cidade italiana. Linda
e hospitaleira. Fomos muito bem recebi- A vibração entre os freqüentadores da 117dos. A população parava para nos olhar, pizzaria foi grande. Havia respeito ehavia muito calor humano. No A.J., o reconhecimento para com os ciclistas, jáadministrador nos perguntou sobre o que na Itália o ciclismo é um dos principaisfutebol brasileiro, quis saber também esportes, juntamente com o futebol.detalhes de nosso giro ciclístico. De ondehavíamos partido, para onde íamos, como No dia seguinte, com uma temperaturaestávamos agüentando o esforço, etc. ... bastante agradável e um belo dia de sol,Enfim, uns tipos legais. saímos passeando a pé. O lago de Como, que banha a cidade, lhe dá um toque muito Nessa mesma noite, com a orientação especial. Havia muitos barcos ancorados.do administrador do A.J., saímos para Acontecia também na cidade a largada desaborear nossa primeira pizza italiana. Uma uma das etapas do campeonato italiano dedelícia. Comemos numa pequena cantina, rally. Uma Ferrari GTO que servia comoinstalada num velho porão. Tudo muito pace-car deixou-nos tontos de entusiasmo,bem ajeitado, com fogão a lenha e mas os Lancia e Audi também nãoambiente ótimo. Foi aí que assistimos pela deixavam nada a desejar. Logo após oTV, Francesco Moser estabelecer um novo passeio, já de noite, voltamos ao A.J.recorde mundial da hora: 49.802 km. O Seguiríamos no dia seguinte para Milão, jáfeito foi no velódromo Vigorelli, em Milão. pensando em nosso último contatoMoser já era um dos mitos do ciclismo universitário em Veneza.mundial. À noite, assistindo TV no A.J., tivemos conhecimento de que no dia seguinte,
domingo, haveria um grande jogo de para o estádio. Pudemos sentir a zoeira e futebol em Milão, no estádio de San Siro, os gritos de guerra dados pelos fanáticos entre o Internazionalle e o Roma. Sendo torcedores italianos. uma etapa curta, cerca de 60 km, decidimos partir mais cedo para assistirmos Estávamos cansados, porém ansiosos ao jogo. Era uma oportunidade de ver as para também chegar ao estádio. Desmon- feras do futebol italiano e mundial, dentre tamos as bicicletas rapidamente, eles Rumenig, Altobelli e Boniek. Motivados, colocamos as bolsas nos sacos de viagem, cortamos parte dos programas noturnos e fechamos tudo com cadeados e partimos. fomos dormir cedo. Próximo ao estádio a movimentação era grande e ingressos só no câmbio negro. Saímos cedo e imprimindo um bom Cerca de 15.000 liras cada, bastante caro, ritmo, por volta do meio-dia estávamos mas a ocasião era única. Negociamos com chegando a Milão. A cidade é grande, cheia o cambista, alegando nossa condição de de indústrias, poluída e bastante ciclistas e obtivemos um pequeno desconto. movimentada. Pelo nosso livro de Finalmente entramos no estádio, que já Albergue, por coincidência, o A.J. ficava estava lotado. Uma barulheira infernal. nas imediações do estádio San Siro. Escolhemos ficar entre os torcedores do Tivemos alguma dificuldade de encontrá- time da casa, o lnternazionalle, para ter lo, visto que o mesmo se situava numa rua maior segurança. com sinalização bem precária. Nas imediações, encontramos grupos de Logo sentimos uma diferença de comportamento entre o torcedor brasileiro118 torcedores entusiasmados que se dirigiam
e o italiano. Os italianos não levavam senhora. Ela nos criou problemas para 119bandeiras e faixas para o estádio. A guardar as bicicletas e não aceitouxingação, porém, era bem mais forte que nenhuma de nossas reivindicações. Mesmoaquela realizada pelos brasileiros. O clima assim, ali ficamos, jantamos e fomosdas torcidas era de guerra. A partida foi dormir.belíssima. O Internazionalle logrou umavitória por 4 a 1. A festa do estádio Pretendíamos passar o dia seguinte emrapidamente se espalhou pela cidade. Milão. Por isso, logo depois do café fomosRegressamos ao A.J. exaustos, porém renovar nossa diária. A velha senhora,satisfeitos. entretanto, não foi nada com a nossa cara. Disse de imediato que tínhamos de sair e Ao chegarmos, tivemos que enfrentar que o alojamento já estava lotado parauma fila para efetivar nosso registro. Devido aquele novo dia. Impossível. Os quartosà hora do jogo, tínhamos deixado para estavam todos vazios. Aí não agüentamosfazer isso depois. Enquanto aguardávamos, e em português acabamos lhe soltando ofalávamos a respeito do jogo. De repente, verbo. Foi o único momento em quea senhora que fazia os registros, sem tivemos atrito no âmbito dos A.Js.nenhum motivo aparente, nos disse para Normalmente, esses alojamentos têmcalarmos a boca! Não compreendemos. normas rígidas, como horários de ingresso,Ficamos aborrecidos e chegamos a pensar uso da cozinha, para banho, etc. ... Algunsem pegar nossos equipamentos e partir. Não são exclusivos para pernoite. Outrostínhamos, parece, sido simpáticos à oferecem refeições. Em todos a
amistosidade dos funcionários era regra. O e o brasileiro com esse “papa” das bicicletas. de Milão destoou... Ao nos despedirmos, fomos presenteados com um livro autografado, com toda a Mudamos os planos. Montamos os evolução de suas bicicletas. equipamentos e partimos. Primeiro, entretanto, fomos conhecer o velódromo Prosseguimos em direção a Bérgamo. Vigorelli, onde Moser havia batido seu Estávamos agora acompanhados por um próprio recorde. Depois, seguimos para ciclista veterano que se encontrava Bérgamo, a 60 km de distância. visitando o Sr. Colnago e que se oferecera para nos orientar, visto que seguia na A caminho de Bérgamo entramos em mesma direção que a nossa. Pelo caminho, Combiago, uma pequena vila onde mora e mantivemos um bom papo. O pouco trabalha um dos mais famosos construtores domínio da língua italiana não era barreira de bicicletas de competição do mundo, Sr. para o entendimento. Pernoitamos no A.J. Ernesto Colnago. Suas bicicletas são de Bérgamo. utilizadas pelas feras do ciclismo mundial nas grandes competições e nas olimpíadas. Como nossa meta agora era Veneza, já Foi um contato muito bom. O Sr. Colnago cedo, no dia seguinte, partimos em direção foi muito amável em nos receber e mostrar a Verona. Essa é uma cidade pequena, sua oficina. Murilo inclusive fez ali um antiga, com muitos castelos e ruínas reparo na sua bicicleta, que estava com romanas. Ali conhecemos o balcão de problemas na roda traseira. Trocamos Giulietta, local de onde, segundo a lenda, ela esperava por Romeu. Tais personagens120 algumas impressões sobre o ciclismo italiano
foram imortalizados por Shakespeare. De últimos dias nossas paradas eram 121bicicleta circulamos por toda a cidade. Ao praticamente só para pernoite.final da tarde, mantivemos um contatotelefônico com o Prof. Piero Brunello, que Chegamos a Veneza no início da tarde,nos aguardava em Veneza. Demos nossa isto é, chegamos na estação ferroviária.posição e previsão para a chegada. Ele disse- Dali para frente, teríamos que seguir denos que estava a nossa espera. barco, pois Veneza é uma cidade cheia de canais e ilhas. Informaram-nos que os De Verona, seguimos para Padóva. Foi barcos não permitiam o ingresso comuma estada rápida, somente para pernoite, bicicletas. Resolvemos deixá-las guardadasmas não deixamos de visitar a Igreja de na própria estação e seguimos em buscaSanto Antonio de Pádua. Pedalamos daí do A.J. Quarenta minutos depois,para Veneza. estávamos chegando. Havíamos cruzado boa parte dos canais da cidade. A vista era A expectativa de chegar era grande. impressionante, muitos barcos e intensaComo tínhamos programado um contato movimentação de turistas.com o Prof. Piero Brunello, foi possívelcanalizar para seu endereço diversas cartas Estávamos a bordo do “ônibus”, nade familiares e amigos. Também com ele realidade uma barca com capacidade parahaviam ficado um pouco de dinheiro e cerca de uma centena de pessoas.uma nova reserva de pneus, trazidos doBrasil por um amigo. Queríamos também Após nos instalarmos no A.J., porconhecer Veneza com calma, já que nos telefone, contatamos o Prof. Piero Brunello.
Ele morava numa cidade vizinha, cerca de ônibus-barco e lanchas-táxi, além das 15 km de Veneza, chamada Favaro Veneto. românticas, porém caríssimas gôndolas. É Na verdade, esta pequena cidade mais uma cidade única e sem dúvida muito parece um bairro de Veneza, já que a bonita. mesma não comporta mais sua população e o crescente fluxo de turistas. Obtivemos Pouco antes de 19:30 horas, pegamos uma informação de como chegar até sua o ônibus indicado por Piero. Chegamos ao casa e marcamos nosso encontro para as ponto final, desembarcamos e aguardamos 20 horas, numa praça localizada no final um pouco. Em seguida ele chegou, da linha de ônibus. cumprimentamo-nos e seguimos de carro para seu apartamento. Aproveitamos para descansar um pouco. Depois do banho tomado, roupas Chegando, fomos apresentados a Jana, trocadas, pegamos o “ônibus” em direção sua mulher, e a uma linda italianinha de 7 a Piazalli Roma, ponto principal de anos, Giulia, sua filha. Logo nos enturma- desembarque de moradores e turistas. Dali mos. Conversamos muito sobre nossas seguiríamos para a casa de Piero, de ônibus impressões a respeito da Europa e as propriamente dito. Em Veneza não é principais dificuldades enfrentadas. Piero possível o tráfego de carros ou outros falava português perfeitamente, pois ele veículos. As poucas ruas existentes são havia estado no Brasil em 1984, fazendo estreitas e sempre cheias de gente. O que pesquisas sobre imigrantes italianos. Esteve na UFSC e lá conheceu meu pai. Sendo122 existe são ruas-canais, por onde circulam professor da Universidade de Veneza, que
tem também convênio de cooperação com correspondências já foram lidas no “ônibus”, 123a UFSC, ele tem interesse em continuar tal nossa saudade e fome de notícias.estudando questões históricas e sociaissobre o Brasil. Isto facilitou muito nosso A melhor das cartas era a de Ana, acontato. namorada do Murilo, que chegava a lhe lembrar para tomar somente água mineral, Jantamos em sua casa, depois ele nos escovar os dentes e se alimentar bem.convidou para ficarmos lá. Falamos quenão havia necessidade, pois estávamos Aproveitamos muito nossa estada eminstalados no A.J. Tanto ele, como Jana, Veneza. Visitamos toda a cidade e cominsistiram e acabamos aceitando. Piero conhecemos também as localidadesCombinamos vir no final da tarde do dia vizinhas. Estivemos visitando a Universi-seguinte. Como o A.J. fechava às 11 horas, dade e fomos recebidos pelo reitor. Deletratamos de nos despedir. Pegamos as ganhamos três LPs da Orquestra Sinfônicacartas que nos haviam sido remetidas e daquela Universidade. Mais tarde, ao nospartimos com Piero, que ainda nos trouxe despedirmos de Piero e sua família, lhesem seu carro até a Piazalli Roma. Daí, presenteamos com o brinde recebido dopegamos o “ônibus” para o alojamento. reitor, pois era impossível para nós transportar os discos em nossas bagagens. Tínhamos, agora, uma outra tarefa Acho que o reitor esqueceu que viajávamosurgente. Ler as cartas que haviam sido para de bicicleta.nós endereçadas através de Piero. Estávamosansiosos pelas notícias. Algumas dessas Foi uma excelente estada. Piero, sua mulher e a filha, Giulia, nos cativaram
totalmente. O tempo passado em sua casa menos tão cedo, não reveríamos nossos foi ótimo e recuperamos um pouco o amigos. convívio de família. Ele se preocupou tanto conosco que acabou telefonando para um O objetivo agora era Roma. amigo seu que morava em Pisa, de nome Francisco, a fim de acertar também apoio para nós naquela cidade. Tivemos oportu- nidade de, por telefone, atendendo à insistência de Piero, explicar a Francisco nosso roteiro para as semanas seguintes e estabelecer uma data aproximada para a chegada em Pisa. Pegamos seu endereço, telefone e ficamos de chamar logo que chegássemos. Depois de uma estada de cinco dias em Veneza, numa bela manhã, partimos. A despedida de nossos amigos Piero, Jana e Giulia foi comovente. A cada partida, as amizades que fazíamos eram tão fortes que parecíamos nos despedir de nossa própria124 família. Tínhamos consciência de que, pelo
Capítulo 8Em Roma, um encontro com o Papa
Fizemos uma parada mais prolongada tínhamos nenhum contato oficial e muito 127 em Rimini, na Costa Adriática, onde menos alguém que nos apresentasse a permanecemos por três dias para qualquer autoridade no Vaticano. Nouma visita à República de San Marino. Uma cartão entregue a nós por D. Afonsoregião belíssima. A seguir, passamos pelas Niehues no Brasil, constavam apenas ocidades de Ancona, Fabriano, Foligno e endereço e o nome de um padre que nãoTemi, apenas para pernoite. A região é conhecíamos. Mas mesmo assim seguía-muito bonita e montanhosa. É aí que se mos confiantes.localizam os Apeninos. Chegamos à tardinha em Roma. Com a nossa aproximação de Roma, Tivemos algumas dificuldades paraconcluíram-se também nossos últimos atravessar a cidade e chegar até o albergue.objetivos, já que a partir de Roma não Por sorte, havia vagas. Dividíamos o quartotínhamos qualquer outro grande compro- com outros vinte rapazes. Devido ao nossomisso a não ser a própria conclusão do cansaço, jantamos no próprio A.J. e fomosgiro, com a chegada em Lisboa. Entretanto, dormir.tínhamos em Roma nosso sonho maisousado. Vínhamos, desde Paris, mentali- Na manhã seguinte, domingo, durantezando um contato com o Papa João Paulo o café, começamos a discutir nossos planosII. Tínhamos consciência das dificuldades para a permanência em Roma. Necessitá-que seguramente encontraríamos e mal vamos de um local onde pudéssemos terfazíamos idéia de como consegui-lo. Não acesso durante todo o dia, para facilitar nosso descanso, guardar as bicicletas
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