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CONHECER PARA TRANSFORMAR IIIINVESTIGAÇÕES SOBRE CIÊNCIA-TECNOLOGIA-SOCIEDADE NA AMÉRICA LATINA
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Irlan von Linsingen Raquel Folmer Corrêa Organização CONHECER PARA TRANSFORMAR IIIINVESTIGAÇÕES SOBRE CIÊNCIA-TECNOLOGIA- SOCIEDADE NA AMÉRICA LATINA 2014
© 2014 dos autoresProjeto gráfico e editoração:Paulo Roberto da SilvaCapa:Leonardo Gomes da SilvaFicha Catalográfica(Catalogação na publicação pela Biblioteca Universitária da Universidade Federal de SantaCatarina) C749 Conhecer para transformar III : investigações sobre ciência- tecnologia-sociedade na América Latina / Organizadores, Irlan von Linsingen, Raquel Folmer Corrêa. – Florianópolis : NUP/CED/UFSC, 2014. 326 p. Inclui bibliografia. 1. Ciência e tecnologia – Pesquisa. 2. Sociologia do conhe- cimento. 3. Investigação científica. I. Linsingen, Irlan von. II. Corrêa, Raquel Folmer. CDU: 36 ISBN 978-85-87103-74-1 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser repro- duzida, arquivada ou transmitida por qualquer meio ou forma sem prévia permissão por escrito do Núcleo de Publicações/CED/UFSC. Impresso no Brasil
SUMÁRIOIntrodução.......................................................................................... 7Ciência, política e controvérsia: a atribuição da mudançaclimática........................................................................................... 11 Bernardo EstevesParapsicologia e psicologia anomalística: a fronteira entreciência e não-ciência na academia brasileira................................. 35 Fernanda Loureiro GoulartEtnografía del consumo de antihipertensivos tras la Reformade Salud en Chile............................................................................. 57 José Luis García FuentesEl mercado como tecnología: La construcción/destrucción delespacio-tiempo y el problema de la inclusión................................ 79 Lucas BecerraUma etnografia da nanotecnologia brasileira: a coprodução doINCT em Nanoestruturas de Carbono ............................................ 97 Paulo de Freitas Castro FonsecaCTS e Ciências da Natureza no Enem: um olhar epistemológicoe discursivo............................................................................................125 João Henrique Ávila de BarrosEnsamblar museus interativos: práticas, atores e aparelhos...... 149 Manuel Franco-AvellanedaO que conhecer para transformar? Questões sobre tecnologiae Educação Tecnológica................................................................. 175 Nancy Rosa Alba NiezwidaLa instituciónalización de la investigación científico-tecnológicaen Yacimientos Petrolíferos Fiscales (1925-1942)........................... 199 Gabriel Augusto MatharanEl acceso a los conocimientos en el Capitalismo Informacional:aportes del campo CTS al estudio de la estratificación social..... 221 Guillermina Yansen
Nanotecnologías en México, un caso de gobernanza de lasnuevas tecnologías ....................................................................... 251 Mónica Anzaldo MontoyaPolíticas públicas para la inclusión social: análisis sociotécnicode los sistemas de distribución y comercialización de alimentosde la pequeña agricultura familiar en Argentina............................. 277 Rocío CeverioO Governo dos excessos: uma análise das práticas de prevençãoe controle do excesso de peso realizadas por profissionais daAtenção Básica à Saúde, em Porto Alegre/RS.............................. 303 Tatiana Souza de Camargo
INTRODUÇÃO O Encontro de Jovens Pesquisadores em Ciência, Tecnologia eSociedade foi realizado pela sexta vez, de 02 a 05 de julho de 2013, como auspício da Rede CYTED (Programa Ibero-americano de Ciência eTecnologia para o Desenvolvimento) “Análise da Dinâmica da Ciência e daSociedade”, da ESOCITE (Sociedade Latino-Americana de Estudos Sociaisda Ciência e da Tecnologia) e da Universidade Federal de Santa Catarina. A Universidade Federal de Santa Catarina foi a instituição escolhidapara sediar o VI Encontro de Jovens Pesquisadores (III Escola DoutoralIbero-Americana) de Estudos Sociais e Políticos sobre a Ciência e aTecnologia (ESCT). Este evento reuniu um coletivo de doutorandos ourecém-doutores com seus orientadores e teve como objetivo discutir asperguntas e os projetos de pesquisa, assim como as metodologias e os avançosrealizados e, deste modo proporcionar um espaço privilegiado na formaçãode uma comunidade científica, compartilhado com os pesquisadoresconsolidados no campo dos Estudos Sociais e Políticos da Ciência, daTecnologia e da Inovação no espaço ibero-americano, potencializando,dessa maneira, as redes de conhecimento entre investigadores e instituiçõesde I+D+I públicas e privadas. Esses encontros estimulam a formação de pós-graduação nosEstudos Sociais da Ciência e da Tecnologia, ou Estudos CTS, bem como aformação de professores neste campo, conformando vínculos estáveis entreos diversos programas e instituições ibero-americanas. Buscam tambémpromover uma maior interação entre os campos dos Estudos CTS e daEducação CTS e ampliar a visibilidade dos trabalhos desenvolvidos naAmérica Latina por jovens pesquisadores. O I Encontro de Jovens Pesquisadores em Ciência, Tecnologia eSociedade foi realizado em Buenos Aires em maio de 2002, coordenadopelo Instituto de Estudios Sociales sobre la Ciencia y la Tecnología, daUniversidad Nacional de Quilmes, com o intuito de consolidar os EstudosCTS e promover debates entre estudantes (de doutorado) e pesquisadoresconsolidados. O II Encontro se realizou em Blumenau/Brasil em abril de2005, organizado pela Fundação Universidade Regional de Blumenau, aUniversidade Autônoma do México e a Universidade Nacional de Quilmesda Argentina, ampliando a participação de estudantes de outros paísesda América Latina (Brasil, Argentina, Colômbia, México, Venezuela eUruguay). O III Encontro teve lugar em 2007 na Universidade Tecnológica
CONHECER PARA TRANSFORMAR III8 Federal do Paraná/Brasil. O IV Encontro ocorreu junto com a I Escola◆ ◆ Doutoral (ED) Ibero-Americana em Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia, na cidade de Caracas/Venezuela em 2009. O V Encontro e a II ED aconteceram em San José/Costa Rica em julho de 2011, sob os auspícios da Rede CYTED e da ESOCITE. A Escola Doutoral se desenvolve no interstício do Congresso Latino- americano de Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia (ESOCITE), que se leva a cabo há 17 anos e cuja X edição será em Buenos Aires em 2014, organizada conjuntamente com a 4S (Society for Social Studies of Science). O ESOCITE é um evento itinerante, que já foi realizado em diferentes cidades da América Latina, a saber: Buenos Aires, Caracas, Querétaro, Campinas, Toluca, Bogotá, Rio de Janeiro, Cidade do México. Do conjunto de 24 artigos apresentados durante a III Escola Doutoral realizada no Brasil, 13 foram selecionados para comporem o presente volume. Essa seleção experimentou diferentes etapas, desde os comentários realizados na ocasião de apresentação e discussão dos trabalhos até a submissão a um comitê de leitura composto por especialistas do campo dos Estudos CTS. O comitê realizou uma leitura minuciosa e sugeriu alterações, fez observações e indicou ajustes. Com isso, nessa coletânea contamos com reflexões originais e profícuas de jovens investigadores do campo na América Latina. Faz-se necessário e oportuno destacar que, devido à qualidade dos trabalhos e à impossibilidade de se publicar a todos, tornou-se necessário incluir nos critérios de seleção, além dos aspectos qualitativos, uma distribuição mais simétrica por área e também por países e instituições dos participantes, buscando uma maior representatividade institucional e regional. Os artigos incluídos neste livro se inserem em três grandes áreas dos Estudos CTS: Epistemologia e Sociologia, Comunicação e Educação CTS, e Política e Economia. Bernardo Esteves utiliza as ferramentas conceituais da Teoria Ator- Rede (TAR) para investigar como a controvérsia sobre as causas da mudança climática está sendo posta em cena, com atenção especial às manifestações da controvérsia no Brasil. Fernanda Loureiro Goulart faz uso dos ESCT para discutir a dinâmica de demarcação científica (entendida como o processo de identificar quando um ramo de conhecimento é visto como autoridade epistêmica para afirmar fatos sobre a realidade) por meio do estudo de um grupo da área de psicologia da USP. José Luis García Fuentes utiliza a Teoria do Ator-Rede e a etnografia para estudar a aderência ao tratamento antihipertensivo no contexto da Reforma em Saúde no Chile.
Lucas Becerra empreende uma análise socio-técnica sobre o mercado 9e o dinheiro como sistema tecnológico de trocas e suas implicações em ◆◆termos de construção/destruição do espaço-tempo. INTRODUÇÃO Paulo de Freitas Castro Fonseca considera o processo de coproduçãoem Nanoestruturas de Carbono do INCT, uma proeminente instituiçãode pesquisa e desenvolvimento em nanotecnologia no Brasil, a partir daabordagem da Teoria do Ator-Rede. João Henrique Ávila de Barros analisa o modo como são produzidossentidos sobre os conhecimentos das Ciências da Natureza no discursomediado por textos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) atravésda articulação de dimensões epistemológica, discursiva e de estudos CTS. Manuel Franco-Avellaneda empreende uma análise das atividades dePopularização de Ciência e Tecnologia (PCT) e, entre outras questões, buscaentender as condições que possibilitam o funcionamento do Museu em umcontexto específico e como está configurada a sua dimensão educativa. Nancy Rosa Alba Niezwida trata da desmitificação da compreensãotradicional das relações CTS e a superação da brecha entre resultados edemandas de ciência e de tecnologa pelo tratamento da especificidade datecnologia e suas implicações sociais incluídas numa dimensão espaço-temporal, entre outros aspectos. Gabriel Augusto Matharan analisa o proceso de institucionalizaçãoda investigação científico-tecnológica na indústria petrolífera argentinaYacimiento Petrolíferos Fiscales (YPF). Guillermina Yansen investiga aportes do campo CTS para o estudoda estratificação social, tendo em vista o acesso aos conhecimentos noCapitalismo Informacional. Mónica Anzaldo Montoya considera a governança das nanotecnologias(NTs) no México, tendo em vista os atores e as iniciativas que se formulamtanto para o impulso da tecnologia quanto para a regulação de suasimplicações sociais e ambientais. Rocío Ceverio propõe a análise sócio-técnica dos sistemas dedistribuição e comercialização de alimentos agroecológicos desenvolvidospor programas públicos na Argentina. Finalmente, Tatiana Souza de Camargo investiga as relações que sedesenvolvem entre as esferas da produção do conhecimento científico, daformulação de políticas públicas e do controle das condutas dos indivíduos,especialmente no que concerne ao campo das Ciências da Saúde, emespecífico a questão do excesso de peso e a obesidade. Os ESCT se orientam, em nível geral, a compreender como osvalores sociais, políticos e culturais afetam a pesquisa científica e a inovaçãotecnológica, e como estes, por sua vez, afetam a sociedade, a política, acultura etc. No caso da América Latina, a produção dos últimos anos mostra
CONHECER PARA TRANSFORMAR III10 uma boa quantidade de grupos ativos na maioria dos países da região,◆ ◆ cujas pesquisas se dirigem a questões tais como o papel das ciências e das tecnologias nos diferentes contextos, o papel dos Estados na promoção do conhecimento, gerando as maneiras pelas quais as sociedades se apropriam (ou poderiam se apropriar) dos conhecimentos ou formas de compreensão pública da ciência e da tecnologia, entre outros tópicos. Assim, este livro contribui para a ampliação do conhecimento no campo dos Estudos CTS no espaço ibero-americano. Agradecemos o apoio recebido do comitê científico da Escola Doutoral, dos comitês organizadores geral e local, da Rede CYTED, da ESOCITE, da PROPG da UFSC, da CAPES e do PPGECT da UFSC. Florianópolis, 2014. Irlan von Linsingen Raquel Folmer Corrêa
CIÊNCIA, POLÍTICA E CONTROVÉRSIA: A ATRIBUIÇÃO DA MUDANÇA CLIMÁTICA Bernardo Esteves1Resumo A grande maioria dos cientistas atribui o aumento da temperaturamédia da superfície da Terra verificado desde a Revolução Industrial àcrescente concentração atmosférica dos gases do efeito estufa lançadospelas atividades humanas. Um grupo minoritário, porém, contesta essaafirmativa em graus variados. Este trabalho pretende discutir o que estáem jogo na controvérsia sobre a mudança climática à luz da Teoria Ator-Rede. Propomos investigar a estabilização dos fatos científicos centrais nacontrovérsia, mapear os principais atores nela envolvidos e identificar asassociações estabelecidas por eles, com atenção especial às manifestaçõesda controvérsia no Brasil. O aumento da temperatura média da superfície da Terra verificadodesde a Revolução Industrial é objeto de uma das controvérsias científicasatuais de maior visibilidade. A grande maioria dos cientistas atribui amudança climática ao aumento da concentração na atmosfera de dióxido decarbono e outros gases responsáveis pelo efeito estufa. Como esses gases sãoproduzidos pela queima de combustíveis fósseis, por processos industriaise agrícolas e pelo desmatamento, são as atividades humanas as principaisresponsáveis pelo aquecimento global.2 Um grupo minoritário, porém,1 Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e das Técnicase Epistemologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HCTE/UFRJ). Orientador:Henrique Cukierman. E-mail: [email protected] Por questões estilísticas, adotamos neste trabalho “aquecimento global” como sinônimode “mudança climática”, no sentido em que o fenômeno foi definido pelo IPCC, ou seja,“[...] qualquer mudança no clima ao longo do tempo, seja devido à variabilidade natural ouresultante da atividade humana” (PACHAURI; REISINGER, 2007, p. 30).
CONHECER PARA TRANSFORMAR III12 contesta essa afirmativa em graus variados: questiona-se se a temperatura◆ ◆ está aumentando, se a responsabilidade é mesmo das atividades humanas e se é preciso agir para diminuir o lançamento de gases-estufa na atmosfera. Neste trabalho,3 propomos discutir o que está em jogo na controvérsia sobre a mudança climática à luz da Teoria Ator-Rede (TAR), nascida no seio dos estudos sociais da ciência e tecnologia justamente a partir do estudo de controvérsias científicas. Para determinar se as temperaturas estão aumentando e se os humanos são mesmo os responsáveis, a TAR recomenda que nos enredemos numa teia que envolve estações de medição de temperaturas, poços de petróleo, gases entéricos de animais ruminantes, colunas de gelo ártico, revistas científicas, ursos polares, diplomatas, tratados diplomáticos, lobistas, vulcões, o fenômeno El Niño, supercomputadores, delegados das Nações Unidas, o monte Kilimandjaro, o Greenpeace e o Sol. Como as demais controvérsias científicas, a que envolve a mudança climática não se resume a uma única questão, conforme mostrou Venturini: Pergunte uma questão simples como “a temperatura mundial está aumentando?” e os atores imediatamente começarão a discutir sobre o que significam os termos “mundial” (alguma área do mundo? A média do mundo? A superfície ou a atmosfera? Áreas urbanas, rurais ou selvagens?), “temperatura” (como é medida? Que instrumentos são usados? Que escala deve ser considerada?) e “aumentando” (a temperatura está aumentando ou flutuando? Em que escala de tempo a variação deve ser avaliada? Tendências passadas podem indicar a evolução presente e futura?). A dificuldade da controvérsia não é que os atores discordem sobre as respostas, mas que eles não consigam concordar sequer sobre as perguntas. (VENTURINI, 2010, p. 5)4 Para acompanhar o desenrolar de uma controvérsia, a TAR prescreve seguir os passos dos atores envolvidos e monitorar as conexões que estabelecem. O pesquisador deve ater-se às conexões visíveis e materiais, sem apertar o passo ou lançar-se em saltos interpretativos. Um bom relato será aquele que traçar uma rede (LATOUR, 2005, p. 129). Numa controvérsia global e complexa como a da mudança climática, o trabalho de seguir os atores exige um volume prodigioso de recursos e não está ao alcance de um pesquisador individual (VENTURINI, 2010, p. 14). O objetivo deste trabalho não é nem poderia ser esgotar a questão. 3 A reflexão proposta neste trabalho fundamenta minha pesquisa de doutorado, que tem como objetivo investigar como a controvérsia sobre a mudança do clima é posta em cena na Wikipédia em português. 4 É nossa a tradução deste e dos demais trechos da literatura citada escrita originalmente em outros idiomas.
Interessa-nos aqui mapear os principais atores envolvidos na controvérsia e 13identificar as associações estabelecidas por eles. ◆◆ Primeiramente nos debruçaremos sobre o estabelecimento do clima CIÊNCIA, POLÍTICA E CONTROVÉRSIAglobal e a estabilização de alguns fatos científicos centrais na controvérsia. Emseguida mapearemos suas principais manifestações em artigos científicos,livros, na imprensa etc. Daremos atenção especial às manifestações dacontrovérsia no Brasil e aos atores mobilizados pelo debate no país.A construção do clima global O clima costuma ser definido como uma média das condiçõesmeteorológicas de um determinado local. A definição opõe esse conceitoao de “tempo”, que designa as condições específicas em um dado momento.A noção de clima deriva de uma experiência situada e local, mas ele nãopode ser experimentado diretamente pelos sentidos, ao contrário do tempo(HULME, 2009, p. 3-4). O conceito de mudança climática pressupõe a existência de umclima global, que designa o conjunto das condições climáticas do planeta.A instituição desse ator dependeu da tradução do clima em parâmetrosque podem ser mensurados, avaliados e comparados pelos cientistas.O clima passou a ser expresso nos termos de “móveis imutáveis”, ouentidades passíveis de ser “mobilizadas, reunidas, arquivadas, codificadas,recalculadas e mostradas” (LATOUR, 1987, p. 227). A determinação de uma temperatura média para o planeta foium passo importante para a “domesticação do clima”, nos termos deHulme (2009, p. 36). Em 1850, começou a ser calculada a “média globalda temperatura do ar na superfície”, um número único que sintetizavamedições feitas por termômetros em várias localidades – hoje se contamaos milhões. A curva que expressa o aumento de quase 1ºC medido desde1850 se tornou um gráfico icônico da mudança climática (Figura 1). Figura 1: Média global da temperatura à superfícieFonte: adaptado de Pachauri; Reisinger (2007, p. 31)
14 O século XIX foi também aquele em que vimos entrar em cena outro◆ ◆ ator central na narrativa da mudança climática: o efeito estufa. Num ensaio de 1824, o francês Jean-Baptiste Fourier afirmou que a atmosfera absorve oCONHECER PARA TRANSFORMAR III calor recebido do Sol de forma desigual, e que parte da energia irradiada pela Terra é retida pela atmosfera, em vez de ser devolvida ao espaço. Experimentos conduzidos pelo irlandês John Tyndall em 1859 mostraram que moléculas de vapor d’água, dióxido de caarrabdoiançoão(CinOfr2a)-, vóexrimdoelhnait.rFoiscoa,rammetcaonleotievaomzôennitoe absorviam de forma diferente conhecidos como gases do efeito estufa, e Tyndall foi apontado como aquele que deu base experimental ao fenômeno proposto por Fourier. No fim daquele século o sueco Svante Arrhenius concluiu que, caso a concentração na atmosfera de dióxido de carbono dobrasse ou fosse cortada pela metade, acarretaria alterações de 4ºC a 5ºC na temperatura média da superfície. Suas alegações uniram o destino do clima global ao da concentração de dióxido de carbono na atmosfera. No começo do século XX, o inglês Guy Stewart Callendar mediu empiricamente a influência que, conforme Arrhenius calculara, o dióxido de carbono teria sobre as temperaturas terrestres. Medições sistemáticas da concentração de CO2 na atmosfera começaram a ser feitas em 1957, com a criação de estações de monitoramento no Observatório de Mauna Loa, no Havaí, e no Polo Sul. A coleta de dados foi conduzida por Charles David Keeling. A concentração atmosférica passou a ser traduzida num único número, expresso em partes por milhão (ppm). A curva configurada pela série histórica punha em cena o aumento inequívoco da concentração – de cerca de 315 ppm em 1958 a 401 ppm em junho de 2014. A curva de Keeling é outro gráfico emblemático que deu mais mobilidade, estabilidade e permutabilidade à mudança climática (Figura 2). O destino da mudança climática passou a depender dos computadores em 1975, quando Syukuro Manabe e Richard Wetherald fizeram a primeira simulação tridimensional da resposta do clima global a um aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera. Concluíram que, caso dobrasse a concentração de CosOm2,oodaeuloms ecnotmopduettaecmiopneariastpuarsassaerraima ma ateiorrpqeusoe o esperado. Dali em diante, cada vez maior na configuração da mudança do clima (EDWARDS, 2010). A ciência cria entidades que, como a tabela periódica, o ciclo do nitrogênio ou o buraco na camada de ozônio, “não refletem nenhuma observação não mediada do mundo e, ainda assim, são reconhecidas e aceitas como reais” (JASANOFF, 2010, p. 234). À medida que a rede de atores mobilizados pelo aquecimento global se adensava, ele se juntava a essas entidades.
Figura 2: Concentração atmosférica de CO2 em Mauna Loa 15 ◆◆ CIÊNCIA, POLÍTICA E CONTROVÉRSIA Fonte: NOAA Earth System Research Laboratory5Reforço institucional Paralelamente ao refinamento do sistema de inscrições queconfigurava o clima global, surgiram fóruns internacionais para negociaçõesdiplomáticas sobre as ações que os países deveriam tomar em conjunto parafazer frente à mudança do clima. Em 1950 a Organização das Nações Unidas(ONU) criou sua agência para lidar com questões climáticas, a OrganizaçãoMeteorológica Mundial (OMM). Em 1972, juntou-se a ela o Programa dasNações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Era crescente então entreos cientistas a convicção de que o aumento da concentração de gases-estufana atmosfera poderia ter consequências alarmantes. Cinco dos dez anos mais quentes já registrados até o fim dos anos1980 ocorreram naquela década. Em 1988 o Hemisfério Norte viveuo chamado “verão da estufa”, e o New York Times anunciou, citando umcientista da Nasa, que “o aquecimento global começou” (Shabecoff, 1988). Nesse ano surgiu o ator institucional mais influente nas discussõesinternacionais sobre o clima: o IPCC, sigla em inglês para PainelIntergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Criado conjuntamentepela OMM e pela PNUMA, o IPCC reúne cientistas e representantes dosgovernos dos países membros com o objetivo de apurar o estado da artesobre o conhecimento da mudança climática e de seus impactos. O IPCCnão conduz pesquisas originais, apenas compila e avalia estudos já feitossobre o tema. Suas conclusões são apresentadas em relatórios de avaliação5 Disponível em: <http://www.esrl.noaa.gov/gmd/webdata/ccgg/trends/co2_data_mlo.png>. Acesso em: 20 jul. 2014.
CONHECER PARA TRANSFORMAR III16 publicados a cada 5-7 anos; o quinto deles foi finalizado em 2014. Pela◆ ◆ quantidade de vozes em nome das quais os relatórios falam – as centenas de pesquisadores envolvidos em sua elaboração, milhares de comentaristas que participam da revisão e delegados das quase duas centenas de países que endossam suas conclusões –, eles são vistos como uma síntese do conhecimento da ciência sobre a mudança climática. O Primeiro Relatório de Avaliação do IPCC, publicado dois anos após sua fundação, afirmou a influência humana sobre o clima de forma cautelosa: [...] as emissões resultantes das atividades humanas estão aumentando substancialmente as concentrações atmosféricas dos gases estufa [...]. Esse aumento vai intensificar o efeito estufa, resultando em média num aquecimento adicional da superfície da Terra. (HOUGHTON; JENKINS; EPHRAUMS, 1990, p. 11) A malha institucional para reforçar o aquecimento global antrópico ganhou um nó importante em 1992: a criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, ou UNFCCC, na sigla em inglês. Os signatários da convenção estabeleceram como objetivo “a estabilização das concentrações dos gases do efeito estufa na atmosfera em um nível que evitaria a interferência antrópica perigosa no sistema climático” (UNITED NATIONS, 1992, p. 4). As conclusões do Segundo Relatório de Avaliação do IPCC, concluído em 1995, diminuíram a margem de incerteza sobre a influência humana no clima do planeta: A média global da temperatura na superfície aumentou entre cerca de 0,3 e 0,6°C desde o final do século XIX, e é improvável que a origem dessa mudança seja totalmente natural. O conjunto das evidências [...] sugere uma influência humana discernível no clima global. Há incertezas sobre aspectos chave, incluindo a magnitude e o padrão da variabilidade natural de longo prazo. (BOLIN et al., 1996, p. 5) A decisão sobre o adjetivo “discernível” para caracterizar a influência humana sobre o clima foi a culminação de uma discussão que se estendeu por dois dias. Na redação original, constava “uma influência humana apreciável no clima global”, mas o adjetivo foi vetado pela delegação da Arábia Saudita. “Um participante lembra-se de o grupo ter tentado cerca de 28 palavras diferentes até que Bolin sugerisse ‘discernível’.” (ORESKES; CONWAY, 2010, p. 205). A adesão à UNFCCC não implicava em um acordo legalmente vinculante, que obrigasse os signatários a restringir de alguma forma suas contribuições para o aquecimento global. Esse papel caberia ao Protocolo
de Kyoto, estabelecido em 1997. Os países industrializados assumiram 17ali o compromisso formal de reduzir até 2012 suas emissões de gases- ◆◆estufa em pelo menos 5% abaixo dos níveis de 1990. Os demais paísestambém se comprometeram a reduzir suas emissões, mas sem obrigação CIÊNCIA, POLÍTICA E CONTROVÉRSIAlegal. A distinção instituiu um princípio importante da política climáticaglobal: a noção das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”(UNITED NATIONS, 1998, p. 10). Com isso, reconhecia-se que as naçõesindustrializadas têm maior responsabilidade histórica pelo aquecimentoglobal, porque estabeleceram mais cedo seu parque industrial e lançaram naatmosfera uma maior quantidade de gases-estufa. O tratado foi ratificadopor 191 países.6Com o estabelecimento das metas quantitativas de redução, asemissões de gases-estufa tiveram que ser traduzidas em um número anualque os países se comprometiam a informar regularmente à UNFCCC naforma de inventários. Foi preciso encontrar uma unidade que equiparassea influência sobre o clima de cada um dos gases-estufa. A solução foicontar todas elas em tqeurmeiomsaddee“ecqoumivbaulestnítveesisd, enCa Opr2o” d(uCçOão2e)d.eCcoimmeinsstoo,,os gases lançados nanas atividades agrícolas, no desmatamento, nas queimadas e em váriasoutras atividades humanas eram expressos numa cifra a partir da qual secalculavam metas e se projetavam cenários futuros.Essas inscrições aceleraram de tal forma a permutabilidade dasemissões de gases-estufa que os tornou passíveis de comercialização.Para atingir sua meta de redução de emissões, os países industrializadospuderam terceirizar parte do esforço, financiando iniciativas nos países emdesenvolvimento que levassem a diminuir ou evitar o lançamento dessesgases na atmosfera. O comércio global de créditos de carbono movimentou176 bilhões de dólares em 2011.Vozes discordantes À medida que a rede de elementos heterogêneos que sustentava amudança climática antrópica ganhava densidade e estabilidade, tornava-semais custoso desafiar essa afirmação. Ainda assim, vozes contrárias a váriosaspectos dessa visão se manifestavam pelo menos desde os anos 1980. Jácirculavam então alegações ainda recorrentes nos discursos contráriosao aquecimento global antrópico. Um argumento frequente aponta umaincoerência aparente: embora o planeta tenha se aquecido ao longo doséculo XX, havia uma tendência de queda na temperatura média entre6 Dos membros das Nações Unidas, apenas Afeganistão, Andorra, Canadá, Sudão do Sul eEstados Unidos não o ratificaram.
18 os anos 1940 e os anos 1970. Aquele era, porém, um período de intensa◆ ◆ industrialização e grande emissão de gases-estufa na atmosfera, que deveriam acarretar o aumento das temperaturas. O argumento aparece,CONHECER PARA TRANSFORMAR III entre outros, num relatório de Jastrow, Nierenberg e Seitz (1989). O documento lançou dúvidas sobre a relação entre o aumento da concentração edeapCoOn2tonua atmosfera e o aquecimento verificado nos últimos cem anos contradições nas medições de temperatura por satélites. Os autores atribuíram o aquecimento observado a um aumento na atividade solar e concluíram que os modelos computacionais em que se baseavam as projeções do IPCC não eram confiáveis. Amplamente noticiado na imprensa americana, o relatório circulou em Washington e teve respaldo na Casa Branca. O Instituto George C. Marshall, think tank que publicou o relatório, tinha como fundador e presidente o físico Frederick Seitz, que participou do esforço de desenvolvimento da bomba atômica durante a Segunda Guerra e depois foi presidente da Universidade Rockefeller e da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Entre 1979 e 1985, dirigiu um programa de pesquisa patrocinado pela companhia de tabaco R.J. Reynolds que distribuía recursos para projetos de pesquisa cujos resultados ajudassem a empresa a se defender das acusações de afetar a saúde dos fumantes (ORESKES; CONWAY, 2010, p. 5-7). Em 1997, Seitz lançou na internet um abaixo-assinado para reunir pesquisadores que pensavam como ele. O Global Warming Petition Project contestava que os gases emitidos pelas atividades humanas tivessem influência sobre o aquecimento global e solicitavam que o governo americano rejeitasse o Protocolo de Kyoto. Até julho de 2014, havia sido assinado por cerca de 31,5 mil cientistas.7 Outra contestação recorrente partiu do meteorologista Richard Lindzen. Num artigo de 1990 no boletim da Sociedade Meteorológica Americana, ele admitiu ser cético sobre o papel dos gases estufa no aquecimento global e questionou a precisão dos modelos que previam a resposta da atmosfera ao aumento da concentração de CpOar2a. Alegou que ainda não havia conhecimento acumulado o bastante justificar o consenso e se disse “preocupado sobre se a unanimidade em relação a essa questão é saudável para a meteorologia” (LINDZEN, 1990, p. 288). Também naquele momento surgiram questionamentos do método usado pelos satélites para medir o aquecimento. De acordo com a interpretação de Spencer e Christy (1992), os dados indicavam que a troposfera estava se aquecendo num ritmo bem mais lento do que o apontado pelas medições feitas na superfície. 7 Disponível em: <http://www.petitionproject.org/>. Acesso em: 13 jul. 2014.
Em 1998, foi lançado um dos mais populares livros críticos à visão do 19IPCC: O Ambientalista Cético, do dinamarquês Bjørn Lomborg (a tradução ◆◆para o inglês, que ajudou a difundir a obra, saiu em 2001). O autor diz aceitara realidade do aquecimento global causado pelos humanos, mas questionaos modelos climáticos usados para projetar os cenários futuros pelo IPCC e CIÊNCIA, POLÍTICA E CONTROVÉRSIAnega que a mudança climática seja uma ameaça à humanidade. Defende queos países industrializados não deveriam cortar emissões que responderiampor uma parcela muito modesta do aumento da temperatura – “deveríamosajudar o Terceiro Mundo em vez disso” (LOMBORG, 2001, p. 322).Nesse momento, vozes brasileiras opostas à mudança climática deorigem antrópica ainda eram raras, mas não totalmente ausentes. O decanoe o mais conhecido dos pesquisadores brasileiros contrários à visão do IPCCtalvez seja o climatologista Luiz Carlos Baldicero Molion, pesquisador doInstituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) até 1995. Num artigo de1988, Molion afirmou dqeuemousitaefceoitnotsrocvléimrsáiat”iceoqsudeohaavuima genratnoddeeinCceOr2tenzaaatmosfera eram “objetoquanto à contribuição da Amazônia e de seu desmatamento para o clima(MOLION, 1998, p. 45).Podemos distinguir na postura dos discordantes três grandes gruposde argumentos, seguindo a categorização proposta por Painter e Ashe (2012,p. 3). Esses autores distinguem os discordantes que negam a tendênciade aquecimento; aqueles que aceitam essa tendência, mas questionam acontribuição antrópica ou alegam que não há certeza quanto às causas; eaqueles que aceitam a influência humana, mas alegam que os impactos doaquecimento podem ser benéficos ou questionam a necessidade de políticasde regulamentação de emissões.Na imprensa, é comum que os dissidentes sejam tratados de “céticos”ou “negacionistas”, mas autores como Mann (2012) preferem adotar otermo “contrários”, mais neutro. Mas é problemático adotar um únicotermo para se referir coletivamente às vozes minoritárias que contestam amudança climática antrópica, devido à diversidade de pontos de vista querepresentam (O’NEILL; BOYKOFF, 2010).O taco de hóquei Enquanto isso, novas entidades humanas e não humanas continuavama se juntar à rede de atores que sustentava a mudança climática antrópica.Entre eles, estavam os corais, agora vistos como ameaçados em decorrênciada acidificação dos oceanos, com um provável impacto profundo sobreos ecossistemas marinhos do planeta. Aliados carismáticos também sejuntaram à rede: os ursos polares, cuja mortalidade estava aumentandoprovavelmente devido ao derretimento das geleiras. Imagens de ursos
CONHECER PARA TRANSFORMAR III20 isolados em blocos de gelo flutuando no mar se tornaram um novo ícone◆ ◆ do aquecimento global. Outros aliados importantes foram alistados naquele momento: as reconstituições do clima passado, capazes de determinar a temperatura média dos últimos séculos. Essas reconstruções são baseadas na análise de elementos que guardam registros do passado climático do planeta, como troncos de árvores, corais ou colunas de gelo. Esses indicadores permitem inferir a temperatura da atmosfera há centenas de milhares de anos, estendendo assim o alcance do registro direto das temperaturas feito desde 1850. Ao final dos anos 1990, havia uma grande rede de medições paleo- climáticas de várias localidades, cobrindo um vasto período do passado. Operações matemáticas permitiram integrar essas diferentes medições de modo a obter um único número para cada ano – a média de temperatura do Hemisfério Norte. Lançando mão desse móvel imutável, Mann, Bradley e Hughes (1999) representaram as variações da temperatura do planeta desde o ano 1000, no mais abrangente trabalho do gênero até então. Os resultados foram apresentados e mais um gráfico icônico do aquecimento global antrópico: o “taco de hóquei”, assim chamado devido à aparência geral da sua curva, subindo de forma íngreme desde 1900 (Figura 3). Figura 3: Reconstrução das temperaturas anuais médias do Hemisfério Norte de 1000 a 1998 Fonte: adaptado de Mann; Bradley; Hughes (1999, p. 12) O trabalho recebeu ampla cobertura da imprensa e ganhou ainda mais projeção depois de incorporado ao Terceiro Relatório de Avaliação do IPCC, de 2001. Reforçado pelo taco de hóquei e por outros estudos, o documento concluiu que “a maior parte do aquecimento observado ao longo dos últimos 50 anos é provavelmente devida ao aumento na
concentração dos gases do efeito estufa devido às atividades humanas” 21(WATSON, 2001, p. 31). O uso do advérbio “provavelmente” marcava um ◆◆progresso simbólico na confiança dos cientistas na influência humana noclima, em relação à “influência discernível” apontada no relatório anterior. CIÊNCIA, POLÍTICA E CONTROVÉRSIA As reconstituições do clima da Terra foram contestadas porpesquisadores e políticos contrários às posições do IPCC. Uma meta-análisede reconstituições do clima passado patrocinada pelo Instituto Americanodo Petróleo concluiu que “muitos registros ao redor do mundo revelam queo século XX provavelmente não é o mais quente nem um período climáticoextremo do último milênio” (SOON; BALIUNAS, 2003, p. 89). McIntyre eMcKitrick (2003) apontaram erros de checagem, extrapolação e truncagemde dados, uso de dados obsoletos e outros problemas. Consideraram o taco dehóquei um artifício estatístico e propuseram uma reconstituição alternativasegundo a qual o século XV teve temperaturas mais altas que as do XX. As críticas reverberaram na esfera pública antes que as contestaçõesformais tivessem tempo de aparecer na literatura científica. O trabalho deMcKitrick e McIntyre foi citado no plenário pelo republicano James Inhofe,que era então o senador americano que mais doações havia recebido daindústria de óleo e gás daquele país (MANN, 2012, p. 117). Em seu discurso,Inhofe (2005, p. 1) afirmou que a mudança climática era “a maior fraude jáperpetrada contra o público americano” e defendeu que os compromissosdo Protocolo de Kyoto ameaçavam o crescimento e a prosperidade daeconomia americana. Enquanto isso, as reconstituições climáticas ganhavam reforço naliteratura. As conclusões de Mann e colegas foram ratificadas por umacomissão científica independente reunida pelo Congresso americanoe por novas reconstituições feitas por sua própria equipe e por timesindependentes. Contestar a anomalia do clima atual ficou mais custoso.Como lembrou Mann (2012, p. 191), já não basta mais aos contestadoresquestionar o gráfico do taco; é preciso combater todo o “time de hóquei”que ele tinha agora a seu lado.O Brasil e a mudança climática A ocorrência de eventos climáticos extremos atribuídos à mudançaclimática – como o furacão Katrina, em 2005 – reforçou a influência humanasobre o clima. No Brasil, em março de 2004 a costa catarinense foi atingidapor uma tempestade violenta inicialmente classificada como um cicloneextratropical. Depois, especialistas concluíram que ela tinha as característicasde um furacão e que estava associada ao aumento da temperatura no AtlânticoSul – até então, acreditava-se que aquelas águas não reuniam as característicasnecessárias para o desenvolvimento e intensificação de eventos desse tipo
CONHECER PARA TRANSFORMAR III22 (MARENGO; NOBRE, 2005). O aquecimento global também foi invocado◆ ◆ nos relatos sobre as secas de proporção atípica que a Amazônia viveu em 2005 (e mais tarde na de 2010) (ARTAXO, 2006). Naquele momento, pesquisadores brasileiros vinham investigando o impacto da mudança climática sobre o país. Em uma projeção feita no Inpe por Marcos Oyama e Carlos Nobre, um dos dois cenários de equilíbrio obtidos por modelos computacionais mostrava a savanização da Amazônia oriental e o surgimento de um semideserto nas áreas mais secas do Nordeste (OYAMA; NOBRE, 2003). Em 2005, um relatório sobre mudança climática encomendado pelo Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e coordenado por Marcelo Khaled Poppe e Emilio Lèbre La Rovere chamou a atenção para o risco de eventos extremos no país: A vulnerabilidade do Brasil em relação à mudança do clima se manifesta em diversas áreas: por exemplo, aumento da frequência e intensidade de enchentes e secas, com perdas na agricultura e ameaça à biodiversidade; mudança do regime hidrológico, com impactos sobre a capacidade de geração hidrelétrica; expansão de vetores de doenças endêmicas. Além disso, a elevação do nível do mar pode vir a afetar regiões da costa brasileira, em especial grandes regiões metropolitanas litorâneas. O Brasil é, indubitavelmente, um dos países que podem ser duramente atingidos pelos efeitos adversos das mudanças climáticas futuras, já que tem uma economia fortemente dependente de recursos naturais diretamente ligados ao clima na agricultura e na geração de energia hidroelétrica. Também a variabilidade climática afeta vastos setores das populações de menor renda como os habitantes do semi-árido nordestino ou as populações vivendo em área de risco de deslizamentos em encostas, enxurradas e inundações nos grandes centros urbanos. (POPPE; LA ROVERE, 2005, p. 11) O leque de ameaças ao Brasil ganhou extensão e nitidez em 2007, com a publicação pelo Ministério do Meio Ambiente de um estudo organizado por José Marengo, Carlos Nobre, Enéas Salati e Tercio Ambrizzi. O trabalho avaliou como a mudança climática afetava o país e como as diferentes regiões responderiam aos cenários de aquecimento projetados pelo IPCC: As projeções de aumento da temperatura média no ar à superfície para o Brasil indicam que os valores podem chegar até 4ºC acima da média climatológica (1961-90) para 2100 [...]. Os aumentos de temperatura projetados apresentam considerável variação regional. Por exemplo, na Amazônia o aquecimento pode chegar até 8ºC no cenário mais pessimista. (MARENGO et al., 2007, p. 23) O estudo sugeriu que as chuvas poderiam se tornar mais frequentes no Sul e Sudeste. Foi apontada também a provável perda de biodiversidade
e recursos naturais, o aumento do risco de incidência de várias doenças e da 23dificuldade de acesso à água. Chuvas violentas possivelmente seriam mais ◆◆frequentes, assim como outros eventos extremos. Com a extensão da secapor praticamente o ano todo, o Nordeste correria o risco de “aridização” até CIÊNCIA, POLÍTICA E CONTROVÉRSIAfinal do século XXI, com a consequente migração da sua população, quepoderia aumentar o contingente de refugiados do clima (MARENGO etal., 2007, p. 37). Na literatura científica brasileira, vozes contrárias às posições do IPCCnão eram muito visíveis naquele momento. Numa publicação do Inpe, LuizCarlos Molion defendeu que um padrão de variabilidade da temperaturada superfície do oceano Pacífico com ciclos de 20 a 30 anos – a oscilaçãodecadal do Pacífico – seria um controlador importante do clima global. Sea hipótese estiver correta, propôs, “o clima global poderá experimentar umresfriamento paulatino nos próximos 25 anos” (MOLION, 2005, p. 4).Quarto Relatório e suas refutações No final de 2006, o futuro do clima do planeta foi unido de formairreversível ao da economia global com o Relatório Stern, elaborado pelogoverno britânico para calcular o impacto financeiro do aquecimentoglobal (STERN, 2006). O documento estimou que o custo da mudançaclimática seria equivalente a 5% do PIB global por ano, podendo chegar a20% ou mais. Ao traduzir os efeitos do aquecimento global em termos deprejuízos econômicos, projeções de PIB e cálculos de dívida, o relatório setornou um ponto de passagem obrigatório para as discussões da economiada mudança do clima. Em 2006 o ex-vice-presidente americano Al Gore ganhou destaqueinternacional ao lançar o documentário sobre a mudança climática AnInconvenient Truth [Uma verdade inconveniente]. O filme ganhou umOscar, mas foi também alvo de críticas de cientistas contrários às conclusõesdo IPCC (LINDZEN, 2006). O aliado científico mais forte da mudança climática antrópica entrouem cena em 2007, com a publicação do Quarto Relatório de Avaliação doIPCC (AR4, na sigla em inglês). A quantidade de aliados alistados parasustentar suas conclusões é impressionante. A contribuição de apenas umdos três grupos de trabalho do AR4 (o primeiro) envolveu mais de 2 milespecialistas de 76 países; o relatório cita mais de 6 mil publicações comrevisão por pares. No processo de revisão, mais de 30 mil comentários foramfeitos por 625 revisores de 42 países; o sumário para tomadores de decisãofoi aprovado linha por linha por 113 governos. A influência humana sobreo clima foi afirmada de maneira ainda mais incisiva:
CONHECER PARA TRANSFORMAR III24 A maior parte do aumento observado na temperatura global média◆ ◆ desde a metade do século XX é muito provavelmente devida ao aumento observado nas concentrações de gases do efeito estufa antrópicos. Isso é um avanço desde a conclusão do [Terceiro Relatório de Avaliação] de que “a maior parte do aquecimento observado ao longo dos últimos 50 anos é provavelmente devida ao aumento na concentração dos gases do efeito estufa”. (PACHAURI; REISINGER, 2007, p. 39, grifo do original) Para coroar um ano de presença crescente das discussões sobre a mudança climática na esfera pública, o Prêmio Nobel da Paz de 2007 foi dividido entre o IPCC e Al Gore. Houve naquele momento uma tendência de aumento no número de notícias sobre mudança climática em jornais da América do Norte, da Europa, da Oceania, da Ásia e do Oriente Médio (GIFFORD et al., 2014), assim como na imprensa brasileira (VIVARTA, 2010). Com o suporte de tantas vozes, a visibilidade na imprensa e o respaldo da opinião pública, o AR4 estreitou ainda mais o espaço da dúvida sobre a mudança climática e suas causas e se firmou como principal referência acadêmica para o estudo da mudança do clima, configurando mais um ponto de passagem obrigatório para sua discussão. Embora o consenso da comunidade científica sobre as causas da mudança climática estivesse cada vez mais sólido, manifestações contrárias ao aquecimento global antrópico recrudesceram. No mesmo mês em que saiu o relatório, foi publicado também o livro Unstoppable Global Warming: Every 1.500 Years, de Fred Singer e Dennis Avery. Os autores contestam qmuoedoeloCsOc2otmenphuataccoionntraoislasdeojaams temperaturas do passado da Terra, que os capazes de fazer projeções confiáveis, que as medidas propostas pelo Protocolo de Kyoto consigam mudar o clima da Terra e que as energias renováveis possam atender a demanda energética humana, entre outros pontos. Sugerem que um ciclo de oscilações naturais do sistema climático com 1.500 anos de periodicidade seria “a força diretriz do nosso aquecimento moderno” (SINGER; AVERY, 2007, p. 30), que não teria relação com o aumento da concentração de gases estufa. Em março de 2009, 600 pesquisadores contrários ao aquecimento global antrópico se reuniram na Conferência Internacional de Mudança Climática, organizada em Nova York pelo Instituto Heartland, que recebeu 600 mil dólares da Exxon Mobil entre 1998 e 2006 (REVKIN, 2009, p. 1). No ano anterior, o instituto financiara a criação do Painel Não-Governamental Internacional das Mudanças Climáticas, o NIPCC, dirigido por Fred Singer. Como Frederick Seitz, Singer era um físico aposentado com carreira destacada, ligado ao Instituto Marshall e respeitado nos círculos do poder em Washington. O NIPCC publica um volumoso relatório independente sobre a questão, atualmente na segunda edição (BAST; KARNICK; BAST, 2011).
Preparava-se então a 15a Conferência das Partes da UNFCCC (COP- 2515), a ser realizada em Copenhague. Havia a expectativa de que pudesse ser ◆◆apontado ali o caminho para um tratado climático global que sucedesse oProtocolo de Kyoto e envolvesse os principais emissores de gases-estufa. Nas CIÊNCIA, POLÍTICA E CONTROVÉRSIAsemanas que antecederam o encontro, Brasil, China, Índia e Estados Unidosanunciaram metas voluntárias de redução das suas emissões. Foi nesse contexto de expectativa que, em novembro de 2009, hackersnão identificados divulgaram na internet uma seleção de documentos,incluindo milhares de e-mails trocados por pesquisadores da Unidade dePesquisa Climática (CRU, na sigla em inglês) da Universidade de East Anglia,no Reino Unido (MANN, 2012, p. 207-209). Dentre os documentos vazadosno pacote, o que mais chamou a atenção foi um e-mail enviado por PhilipJones, diretor da CRU, para vários colegas, a propósito de uma apresentaçãoque ele estava preparando para a OMM. Jones escreveu: Acabo de completar o truque do Mike na Nature, de adicionar as temperaturas reais a cada uma das séries para os últimos vinte anos [isto é, 1981 em diante] e a partir de 1961 para as de Keith [Briffa], para esconder o declínio. (apud ABRANCHES, 2010, p. 36) Outra mensagem muito citada era um e-mail de Jones para MichaelMann. Referindo-se a dois artigos de cientistas sabidamente contráriosao aquecimento global antrópico, Jones afirmou que faria o possível paraexcluí-los do próximo relatório do IPCC: O outro artigo de M[cKitrick] e M[ichaels] é só lixo – como você sabia. [Chris] De Freitas de novo. [...] Eu não consigo ver nenhum desses dois artigos no próximo relatório do IPCC. K[evin Trenberth] e eu vamos tratar de mantê-los de fora de algum jeito – mesmo que tenhamos que redefinir o que é literatura revista pelos pares [...]. (apud ABRANCHES, 2010, p. 31) Os e-mails vazados foram interpretados em muitos relatos comoevidência de que os cientistas do clima estavam manipulando dados parareforçar suas conclusões. As mensagens “davam a impressão de que umapanelinha de cientistas se formara para fraudar dados que confirmassema ameaça da mudança climática e para bloquear a divulgação de posiçõescontrárias” (ABRANCHES, 2010, p. 18). Relatórios de investigações independentes conduzidas sobre ocaso foram publicados em 2010. O parlamento britânico não julgouprocedentes a maior parte das acusações feitas contra os pesquisadores,mas Jones foi advertido por não oferecer disponibilidade total dos dados.Uma reconstrução independente do registro de temperaturas feita pelaUniversidade de East Anglia chegou a resultados compatíveis com os dospesquisadores envolvidos (RUSSELL, 2010).
CONHECER PARA TRANSFORMAR III26 Os negacionistas brasileiros◆◆ A força do consenso não intimidou os pesquisadores contrários ao aquecimento global antrópico no Brasil. O grupo era menos numeroso que seus pares americanos (SOUZA; VIEIRA, 2007). Luiz Carlos Molion ainda era o nome mais visível – aposentado pelo Inpe, ele se tornara em 2006 professor da Universidade Federal de Alagoas. Em 2008, Molion foi convidado a escrever o capítulo de um livro dedicado à controvérsia. Em seu capítulo, ele apresentou alguns argumentos recorrentes no discurso dos negacionistas americanos. Alegou haver “evidências que o clima, entre cerca de 800 a 1200 d.C., era mais quente do que o de hoje” (MOLION, 2008, p. 55), sem considerar reconstituições mais recentes do passado climático. Lembrou que a teoria do IPCC não explicava o resfriamento global verificado entre 1947 e 1976 e alegou que as medições de temperaturas feitas por satélites não confirmavam o aquecimento medido em estações terrestres, embora essas alegações já tivessem sido refutadas na literatura científica. Mencionou o efeito das ilhas de calor, que provoca um viés de aquecimento nas estações meteorológicas situadas nas áreas urbanas. Criticou a resolução dos modelos climáticos globais. Citou a hipótese de que os raios cósmicos explicariam a variação da temperatura no século XX. Evocando fatores de variabilidade natural do clima, concluiu o seguinte: [...] como o Pacífico está em uma nova fase fria e a atividade solar estará mais baixa, é muito provável que as condições climáticas globais entre 1947 e 1976 venham a se repetir qualitativamente, ou seja, um arrefecimento global nos próximos vinte anos. (MOLION, 2008, p. 79-80) No ano seguinte, saiu o livro Aquecimento global: ciência ou religião?, escrito por Gustavo Baptista, professor da Universidade de Brasília, e prefaciado por Molion. Além de passar em revista os principais argumentos contrários ao aquecimento global antrópico, Baptista comparou o consenso científico defendido pelo IPCC à Santa Inquisição, [...] perseguindo quem não acredita que o homem é o culpado pelas mudanças climáticas e os mandando para a fogueira, mas com combustíveis alternativos para reduzir as emissões de C23O)2 e ainda gerar alguns créditos de carbono. (BAPTISTA, 2009, p. O autor apresentou a posição do IPCC como uma doutrina que distorce o método científico para adequar os fatos à hipótese que quer provar e como “uma ferramenta social e política populista” para beneficiar “os ricos e poderosos” (BAPTISTA, 2009, p. 166-7). Segundo seu raciocínio, ao impor restrições às emissões de gases-estufa dos países emergentes, a
doutrina do aquecimento antrópico estaria limitando sua competitividade 27face aos países que criaram antes seus parques industriais. O autor ◆◆acrescentou ainda um argumento retomado por outros negacionistasbrasileiros: a de que o financiamento para pesquisa no Brasil estaria restrito CIÊNCIA, POLÍTICA E CONTROVÉRSIAaos cientistas alinhados com o IPCC. Uma crítica às motivações políticas por trás das ações do IPCC foidesenvolvida na tese de doutorado em geografia física de Daniela Onça,defendida em 2011 na USP e orientada por Tarik Rezende de Azevedo. A autoraalegou que o aquecimento global antrópico era construído a partir de umapelo à autoridade e apresentou-o como “uma fraude científica e tecnológica”(ONÇA, 2011, p. 517). Afirmou ainda que “nunca se encontrou uma ÚNICAevidência concreta da influência das atividades industriais sobre a temperaturado planeta” (ONÇA, 2011, p. 476) e que “o Protocolo de Kyoto não passa deuma inútil drenagem de recursos numa inútil tentativa de prevenir algo queninguém compreende e sequer reconheceria caso acontecesse” (ONÇA, 2011,p. 350). Para a autora, reduzir as emissões de gases-estufa e adotar novastecnologias para produção de energia limpa perpetuariam a dependênciados países pobres em relação aos mais ricos estabelecida nos últimos séculos.Nesse contexto, a ciência do clima foi caracterizada como um “instrumento delegitimação da dominação e da manutenção do capitalismo e das relações declasse” (ONÇA, 2011, p. 405). Da mesma forma, o discurso da sustentabilidadeserviria apenas para legitimar a economia de mercado e perpetuar a exclusãosocial criada pelo sistema capitalista: As ideias ambientalistas refletem primordialmente as preocupações, preferências e visões de mundo de uma minoria de políticos, burocratas, acadêmicos, ONGs e fundações econômicas de países altamente desenvolvidos, que apontam a si próprios como defensores dos interesses da humanidade. (ONÇA, 2011, p. 462) Em 2012, às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobreDesenvolvimento Sustentável, ou Rio+20, o meteorologista Ricardo Felicio,da USP, ganhou visibilidade com uma entrevista ao Programa do Jô,8 naqual fez afirmativas como “o efeito estufa é a maior falácia científica dahistória”, “a camada de ozônio é uma coisa que não existe” e “não existeinfluência do desmatamento no clima global”. Em maio, um grupo de 18 cientistas brasileiros enviou à presidenteDilma Rousseff uma carta aberta que cobrava bom senso na discussão dasmudanças climáticas.9 O documento se estruturava em torno de cinco8 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=3_GPLlJv6x0>. Acesso em: 11 mar.2013.9 Os signatários foram Kenitiro Suguio, Luiz Carlos Baldicero Molion, Fernando de MelloGomide, José Bueno Conti, José Carlos Parente de Oliveira, Francisco Arthur Silva Vecchia,
CONHECER PARA TRANSFORMAR III28 eixos: “não há evidências físicas da influência humana no clima global”;◆ ◆ “a hipótese ‘antrópica’ é um desserviço à ciência”; “o alarmismo climático é contraproducente”; “a ‘descarbonização’ da economia é desnecessária e economicamente deletéria”; e “é preciso uma guinada para o futuro” (SUGUIO et al., 2012). Dois meses depois, o Ministério do Meio Ambiente encaminhou a Ricardo Felicio, um dos idealizadores da iniciativa, uma carta que refutava detidamente vários argumentos da carta (KLINK, 2012). Diferentemente do que se verificou no caso dos céticos americanos, não parece haver, entre seus pares brasileiros, vínculos com organizações não governamentais ou grupos de pressão ligados à indústria do petróleo ou com parlamentares que representam esses interesses. Para Fioravanti e Painter, fatores como esse diminuem visibilidade dos pesquisadores contrários ao consenso da ciência do clima: No Brasil, 80% da eletricidade é gerada por hidreletricidade, e até recentemente a indústria do petróleo era um monopólio estatal. Também há muita proteção política e econômica por trás do muito alardeado programa de biocombustíveis do país. Os interesses do desmatamento na Amazônia são ilegais na maior parte, e aqueles que estão legalmente registrados podem estar comercializando madeira ilegalmente cortada. Assim, as companhias que promovem o desmatamento mantêm uma atitude discreta e não contestariam a legislação da mudança climática, já que dependem das licenças do governo para explorar novas áreas. Tudo isso contribuiu para que houvesse pouco espaço político ou ideológico para think tanks de direita que alimentam os argumentos céticos. (FIORAVANTI; PAINTER, 2011, p. 66) Ainda assim, a questão da motivação dos negacionistas brasileiros permanece em aberto. A interpretação proposta por Conti (2013, p. 75) de que seriam apenas quixotes, mártires intelectuais, “heróis tortos solitários galopando contra moinhos de vento” não parece suficiente para explicar sua permanência num ambiente institucional hostil às suas convicções. A maneira como o consenso é construído tende a excluir do sistema formal de produção de conhecimento as vozes que não se alinham com o paradigma vigente. À Folha de S. Paulo, Ricardo Felicio alegou que, por falta de espaço institucional, os cientistas céticos acabam “tendo de publicar em revistas menores” (MIRANDA, 2012, p. 1). Ao mesmo jornal, Luiz Carlos Molion afirmou que artigos contrários à posição do IPCC são vetados pelos pareceristas, assim como o financiamento aos projetos de pesquisa: Ricardo Augusto Felicio, Antonio Jaschke Machado, João Wagner Alencar Castro, Helena Polivanov, Gustavo Macedo de Mello Baptista, Paulo Cesar Soares, Gildo Magalhães dos Santos Filho, Paulo Cesar Martins Pereira de Azevedo Branco, Daniela de Souza Onça, Marcos José de Oliveira, Geraldo Luís Saraiva Lino e Maria Angélica Barreto Ramos.
Eu tenho hoje cerca de R$ 3,2 milhões em projetos de pesquisa sobre 29 eventos extremos, monitoramento de vazão de rio e desenvolvimento ◆◆ regional. Mas não posso usar a palavra “aquecimento global”, senão o projeto não é aprovado. Na área de aquecimento global, eu nem CIÊNCIA, POLÍTICA E CONTROVÉRSIA me arrisco a tentar publicar os meus trabalhos. Os artigos têm de ser “revestidos” por outras temáticas. (RIGHETTI, 2012, p. 2) O debate sobre as causas do aquecimento global se travou mais namídia do que na literatura especializada. A imprensa foi acusada de ignoraros mecanismos de validação do conhecimento ao alimentar a controvérsia,oferecendo aos negacionistas um destaque que não reflete o espaço queocupam na comunidade acadêmica. Um estudo sobre o ceticismo climático feito em dois momentos –em 2007 e 2009 – na imprensa de Brasil, China, Estados Unidos, França,Índia e Reino Unido constatou que a maior parte dos artigos contráriosestavam nos jornais americanos e britânicos; o menor índice foi verificadona imprensa brasileira (PAINTER; ASHE, 2012).Uma controvérsia atípica Estamos diante de uma controvérsia de natureza atípica. Não se trataaqui da disputa entre um laboratório e um contralaboratório característicadas controvérsias tal qual descritas por Latour (1987). Não temos umacontrovérsia como a que opôs Pasteur a Pouchet. Os cientistas do clima nãoestão brigando entre si. Pelo contrário, a visão deles sobre os mecanismosfísicos e as causas da mudança climática beira a unanimidade. Cook ecolegas (2013) mostraram que, dentre os 4 mil artigos sobre ciência do climapublicados nos últimos vinte anos que enunciam a causa do aquecimentoglobal, 97% atribuem-no à ação humana. O alto grau de consenso entre oscientistas, no entanto, não se refletiu com a mesma força em outros setoresda sociedade, como indicam a adesão limitada ao Protocolo de Kyoto e osimpasses que cercam as negociações diplomáticas de um tratado legalmentevinculante que possa sucedê-lo. O impasse talvez se explique em parte pelo escopo das mudançasque se anunciam necessárias. Para minimizar os impactos do aquecimentoglobal, será preciso uma mudança drástica na forma como obtemos energia eem nossos hábitos de consumo. A reação que se pede ao aquecimento globalé nada menos que uma mudança de paradigma econômico. É natural queesse apelo encontre resistência junto às indústrias que se fortaleceram desdea Revolução Industrial num mundo movido pelos combustíveis fósseis. Esses são os atores que os cientistas não têm conseguido alistarna rede de aliados que configuram o aquecimento global antrópico. Nãoé resistência pouca. E talvez esteja aí um fator crucial para a dissonância
CONHECER PARA TRANSFORMAR III30 entre o consenso científico e a apatia da resposta dos governos e sociedades◆ ◆ civis à ameaça que se impõe. Os cientistas não estão conseguindo o apoio da indústria dos combustíveis fósseis, e portanto suas certezas não estão se traduzindo em medidas efetivas de combate ao aquecimento global. Nada de espantoso: Latour (1987, p. 170) bem havia ressaltado que os cientistas só têm sucesso quando casam seu destino com o da indústria e/ou quando essa indústria casa seu destino com o do Estado. Num regime de conhecimento em que se pode minimizar, mas não excluir a incerteza inerente à ciência do clima, não é fácil distinguir as questões legítimas daquelas que têm o objetivo de adiar a resolução da controvérsia: A indústria da energia fóssil está bem consciente de que pode adiar o fechamento do debate contestando resultados científicos chave ou [...] simplesmente aumentando o nível de certeza que se espera do conhecimento científico. (EDWARDS, 2010, p. 407) Mas a existência da controvérsia não deve ser usada como motivo para adiar a ação. Ao aguardar um grau de certeza científica sobre o clima antes de tomar medidas de combate ao aquecimento global, estamos lançando mão de uma precaução que não adotamos nas decisões do dia a dia, como notou Latour: Antes de investir numa empresa, ter filhos ou fazer um seguro de viagem, [as pessoas ordinárias] não esperam evidências incontroversas para só então se lançar à ação. Uma coisa todos podem entender: quando sua vida é posta em questão, quando o território em que vivem é ameaçado, quando são atacados por outras pessoas que querem sua terra, [...] eles seguramente não esperam até que os especialistas entrem em acordo. (LATOUR, 2013, p. 8) Crises ecológicas de proporções planetárias como a que enfrentamos são caracterizadas pela proliferação daquilo que Latour (2004, p. 40-1) chamou de “objetos cabeludos”, caracterizados por não ter bordas nítidas, essência definida ou limites claros entre seu núcleo e o ambiente à sua volta. Esses objetos são rizomáticos por definição e trazem à cena a complexa rede de conexões entre humanos, instrumentos e aparatos variados que lhes configuram a realidade. Diante da proliferação desses objetos, a ciência não tem mais a prerrogativa da última palavra na resolução da controvérsia e já não permite apaziguar o mundo comum: “longe de suspender a discussão por fatos, cada novidade científica joga, pelo contrário, mais gasolina na fogueira das paixões públicas” (LATOUR, 2004, p. 102).
Enquanto isso, segue em curso aquilo que Isabelle Stengers chamou 31de “a intrusão de Gaia”. Para ela, incomodamos uma mãe irritável que ◆◆convinha não ofender: CIÊNCIA, POLÍTICA E CONTROVÉRSIAUm limiar de tolerância foi imprudentemente transposto de vez [...].E a resposta que Gaia ameaça nos dar poderia ser desproporcionalem relação ao que fizemos, um pouco como um levantar de ombrosprovocado pelo roçar de um mosquito. (STENGERS, 2009, p. 53)A irrupção iminente de Gaia colocou os estudiosos da ciência e oscientistas diante dos mesmos inimigos, como notou Latour (2012, p. 18). Oscientistas – justamente aqueles que nos acostumamos a ver falar de formadesinteressada sobre os fatos da natureza – estão entre os mais preocupadoscom o futuro do planeta e engajados na luta contra o aquecimento global.É que a irrupção de Gaia não deixa espaço para distanciamento. “É possívelfalar sem paixão ou engajamento da medição objetiva segundo a qual acivilização industrial ultrapassou os 400 ppm 8d).ePCarOa 2elne,aesastamaofisrfmeraatinvaaprimavera de 2013?”, questiona Latour (2014, p.está distante das asserções desinteressadas sobre o mundo, como “a águaferve a 100 °C”. Ela lembra mais a contestação de uma ameaça – como em“os russos estão nos ameaçando com o holocausto nuclear” – diante da qualé impossível ficar indiferente.A forma como organizamos a vida pública traça uma linhaintransponível entre os problemas tratados pela ciência e aqueles da alçadada política. Superar essa dicotomia que paralisa a vida comum é o queprecisamos para fazer frente à intrusão de Gaia. Para usar os termos deLatour (2004), a verdadeira democracia só será alcançada quando souber-mos romper com o bicameralismo desse antigo regime e dar voz às entidadesnão humanas que povoam o coletivo no qual nos inserimos, o que implicaaceitar uma lista mais extensa de candidatos à ação e encontrar um meiopara que todos possam viver juntos. É preciso aceitar que a incerteza é umingrediente inevitável da ciência que lida com questões como a mudançaclimática. Só saberemos lidar com a crise ecológica atual se aprendermosa não condicionar a admissão dos atores no coletivo à resolução dascontrovérsias e se deixarmos de exigir que os cientistas provem a existênciade uma entidade antes que passemos à ação (LATOUR, 2004). Essa talvezseja a maior contribuição que os estudos sociais da ciência e tecnologia têma dar diante da nossa indiferença à intrusão de Gaia.ReferênciasABRANCHES, Sérgio. Copenhague: antes e depois. Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 2010. 321 p.
CONHECER PARA TRANSFORMAR III32 ARTAXO, Paulo. A Amazônia e as mudanças globais. Ciência Hoje. v. 38, n. 224, p.◆ ◆ 20-25. 2006. BAPTISTA, Gustavo M. Aquecimento global: ciência ou religião? Brasília: Hinterlândia Editorial, 2009. 188 p. BAST, Joseph L.; KARNICK, S.T.; BAST, Diane Carol. (Ed.) Climate Change Reconsidered. 2011 Interim Report of the Nongovernmental International Panel on Climate Change. Chicago: The Heartland Institute, 2011. 432 p. BOLIN, Bert et al. (Ed.). IPCC Second Assessment: Climate Change 1995. A Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Genebra: IPCC, 1996. 73 p. CONTI, Luis Americo. Quixotices brasileiras e o aquecimento global. Ciência Hoje. v. 50, n. 300, p. 74-5. 2013. COOK, John et al. Quantifying the consensus on anthropogenic global warming in the scientific literature. Environmental Research Letters. v. 8, n. 2. 2013. Disponível em: <http://is.gd/OA4CjZ>. Acesso em: 16 maio 2013. EDWARDS, Paul N. A Vast machine: Computer Models, Climate Data, and the Politics of Global Warming. Cambridge: MIT Press, 2010. 552 p. FIORAVANTI, Carlos Henrique; PAINTER, James. Country studies: Brazil. In: PAINTER, James (Ed.). Poles Apart: The International Reporting of Climate Scepticism. Oxford: Reuters Institute for the Study of Journalism, 2011. p. 65-70. GIFFORD, L. et al. World Newspaper Coverage of Climate Change or Global Warming, 2004-2014. Boulder: University of Colorado, 2014. Disponível em: <http://is.gd/ PRPJBQ>. Acesso em: 15 jul. 2014. HULME, Mike. Why We Disagree About Climate Change: Understanding Controversy, Inaction and Opportunity. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. 392 p. INHOFE, James M. Climate Change Update: Senate Floor Statement by U.S. Sen. James M. Inhofe (R-Okla). 4 jan. 2005. Disponível em: <http://is.gd/8ZFZO4>. Acesso em: 30 jan. 2013. JASANOFF, Sheila. A New Climate for Society. Theory, Culture & Society. v. 27, n. 2-3, p. 233-253. 2010. JASTROW, Robert; NIERENBERG, William; SEITZ, Frederick. Global warming: What does the science tell us? Washington: George C. Marshall Institute, 1989. KLINK, Carlos Augusto. Ofício n. 254/2012/GAB/SMCQ/MMA. Carta enviada a Ricardo Augusto Felício. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 14 ago. 2012. LATOUR, Bruno. Science in Action: How to Follow Scientists and Engineers through Society. Cambridge: Harvard University Press, 1987. 315 p. LATOUR, Bruno. Politiques de la nature : Comment faire entrer les sciences en démocratie. 2. ed. Paris: La Découverte, 2004. 383 p. LATOUR, Bruno. Reassembling the Social: An Introduction to Actor-Network-Theory. Oxford: Oxford University Press, 2005. 301 p. LATOUR, Bruno. Enquêtes sur les modes d’existence: une anthropologie des modernes. Paris: La Découverte, 2012. 498 p. LATOUR, Bruno. Telling Friends from Foes at the Time of the Anthropocene. Paris, 2013. Disponível em: <http://is.gd/IoiQG6>. Acesso em: 25 jan. 2014. LATOUR, Bruno. War and Peace in an Age of Ecological Conflicts. Revue Juridique de l’Environnement. v. 1. 2014. p. 51-6.
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PARAPSICOLOGIA E PSICOLOGIA ANOMALÍSTICA: A FRONTEIRA ENTRE CIÊNCIA E NÃO-CIÊNCIA NA ACADEMIA BRASILEIRA Fernanda Loureiro Goulart1Resumo O texto discute a demarcação científica pelo estudo de um grupo daárea de psicologia da USP. O grupo, ativo na parapsicologia, tem defendidouma nova subdisciplina, a psicologia anomalística. O texto identifica asestratégias do grupo para construir a legitimidade científica da sua área,concluindoqueogrupoprocuraalegitimação do estudo da paranormalidadeatravés da adoção de um nome que teria menos resistência na academia. Asestratégias específicas incluem a criação de uma epistemologia, a definiçãodas características e limites do grupo, e uma série de ações para assegurarsua institucionalização. Conclui-se que a demarcação científica é questãoprática e performativa, e que para tornar-se ciência é necessário assegurarum nicho acadêmico, não o contrário.Introdução Este texto sumariza a pesquisa de doutoramento em curso noprograma de pós-graduação em Política Científica e Tecnológica daUniversidade Estadual de Campinas. O objetivo primeiro da pesquisa éobservar as estratégias de um grupo de pesquisas, o Inter Psi – Laboratóriode Psicologia Anomalística e Processos Psicossociais, encontrar espaçoacadêmico para o estudo do paranormal. Ao passo em que o Inter Psi jáse configurou como um grupo de parapsicologia, sua principal estratégia1 Doutoranda do programa de pós-graduação em Política Científica e Tecnológica daUnicamp. E-mail: [email protected].
CONHECER PARA TRANSFORMAR III36 para legitimar o estudo do paranormal tem sido a defesa de uma nova◆ ◆ subdisciplina da psicologia, a psicologia anomalística. Tal subdisciplina se caracteriza por uma ligação íntima com a parapsicologia, e pode-se argumentar que a adoção da área pelo Inter Psi configura-se como estratégia específica de legitimação científica: como o termo parapsicologia é visto com reservas no meio acadêmico, a busca por uma nova denominação passa pela tentativa de encontrar menos resistência. Entretanto, a pesquisa tem concluído que enxergar a psicologia anomalística como uma mera máscara da parapsicologia é demasiado simplista. Dialogando com obras da área de estudos sociais da ciência e da tecnologia (ESCT), a pesquisa procura enxergar o Inter Psi como uma arena específica de formação de conhecimento; podemos chamar o grupo de uma rede sociotécnica (CALLON, 1987) ou mesmo uma cultura epistêmica (KNORR-CETINA, 1999) em que uma ontologia e uma epistemologia próprias são criadas e contribuem para a conformação do meio acadêmico em que o grupo procura se inserir. Espera-se que o estudo das estratégias criadas e utilizadas pelo Inter Psi possam contribuir para uma discussão mais aprofundada de como a demarcação científica – a separação do que é ciência e do que não é – acontece em situações práticas. O estudo a que este texto faz referência caracterizou-se como observação participativa de caráter etnográfico com o Inter Psi. Houve participação nas reuniões mensais do grupo no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), onde está estabelecido; em disciplina de pós-graduação (PST 5842 – Experiências anômalas: psicologia anomalística e suas relações com a psicologia social, durante o primeiro semestre de 2011) ministrada por Wellington Zangari, diretor do grupo; em eventos acadêmicos com participação do grupo (VII Encontro Psi, em Curitiba, agosto de 2011; 54a Convenção da Parapsychological Association,2 em Curitiba, agosto de 2011; minicurso de Introdução à Psicologia Anomalística com a professora e parapsicóloga Nancy Zingrone, da Atlantic University, na USP, em outubro de 2011; ciclo de palestras com pesquisadores que fizeram estudos acadêmicos em diversas áreas a respeito de alienígenas, chamado “Alienígenas na Academia”, na USP, em maio de 2013); na observação de três bancas de qualificação, uma de dissertação e duas de tese, e duas defesas de mestrado; e na lista de e-mails do grupo. As observações, ao todo, ocorreram de março de 2011 a maio de 2014. A pesquisa também envolveu a leitura de artigos, livros, dissertações e teses produzidas por membros do Inter Psi. O objetivo principal durante as observações foi identificar de que formas o grupo procura defender a 2 A Parapsychological Association (PA) é a maior associação internacional de parapsicólogos e é parte da American Association for the Advancement of Science (AAAS).
legitimidade de sua área de pesquisa, com especial atenção para como a 37psicologia anomalística é definida, como a ciência em geral é definida, e ◆◆que tipo de conhecimento é produzido e posto em circulação pelo Inter Psi. PARAPSICOLOGIA E PSICOLOGIA ANOMALÍSTICA O texto se inicia com uma breve explicação do que são parapsicologiae psicologia anomalística, e então do que se trata o Inter Psi (com um brevehistórico do grupo até seu estabelecimento no Instituto de Psicologia da USP,sua casa atual). Parte-se, então, para a discussão da questão da demarcaçãocientífica. Depois, são identificadas e discutidas as estratégias principaisdo grupo para instaurar e fortalecer a área de psicologia anomalística noBrasil, que passam pela definição do que é a psicologia anomalística, doperfil e dos limites do próprio grupo de estudo, e pela busca em encontrarum nicho acadêmico. Finalmente, o artigo apresenta suas conclusões, emque enfatiza o papel da performatividade (CALLON, 2006) na demarcaçãocientífica.Parapsicologia e psicologia anomalística A parapsicologia se caracteriza, resumidamente, como o estudoque busca confirmação ou não da realidade ontológica de fenômenosnão explicados pelas teorias científicas mainstream, correntementedenominados de fenômenos paranormais. Utilizando uma nomenclaturatradicional definida por J. B. Rhine, pode-se dividir fenômenos paranormaisentre os extrassensoriais (que envolvem fenômenos puramente “mentais”,como a telepatia, a clarividência e a precognição) e os telecinéticos (queenvolvem a capacidade de influenciar corpos físicos externos à mente).Uma boa introdução à área por um parapsicólogo é Beloff (1993). Sobrea história da parapsicologia, ver McClenon (1984) e Mauskopf; McVaugh(1980). A psicologia anomalística nasceu, como subárea da psicologia, noReino Unido e tem sido desenvolvida ao longo da última década. Uma boadefinição de trabalho caracteriza a psicologia anomalística como o estudopsicológico de experiências anômalas (como as acima descritas) semassumir que elas seriam causadas por fenômenos paranormais, ou seja,não explicáveis segundo o conhecimento científico corrente. Dois livrosintrodutórios à área foram recentemente publicados, Holt et al. (2012) eFrench; Stone (2014).Um Laboratório de Fronteiras O Inter Psi – Laboratório de Psicologia Anomalística e ProcessosPsicossociais é a encarnação atual de um grupo de pesquisas que nasceu
CONHECER PARA TRANSFORMAR III38 como ECLIPSY – Instituto de Investigações Científicas em Parapsicologia,◆ ◆ instituto particular e independente criado por Wellington Zangari em meados da década de 1990, em São Paulo, capital. Após entrar na Faculdade Anhembi-Morumbi como professor, em 1991, Wellington Zangari criou o InterPsi –Instituto de Pesquisas Interdisciplinares das Áreas Fronteiriças da Psicologia. O objetivo principal do grupo era estudar de forma interdisciplinar anomalias psicológicas, divididas em quatro grupos de pesquisa: experiências e fenômenos parapsicológicos, os chamados tratamentos alternativos, estados alterados de consciência, e simbolismo religioso e psicologia. Para a realização de estudos experimentais o grupo contava com um laboratório Ganzfeld,3 e passou a editar a Revista Brasileira de Parapsicologia (ZANGARI; MACHADO, 1997). Em 1999, Fátima Regina Machado, participante do grupo desde os tempos de ECLIPSY e esposa de Zangari, tornou-se pesquisadora e posteriormente professora da área de comunicação social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A partir de então, e até 2008, o Inter Psi esteve situado na PUC-SP, sob outro nome: Inter Psi – Grupo de Estudos de Semiótica, Interconectividade e Consciência. Lá, o grupo esteve integrado ao Centro de Estudos Peirceanos, por sua vez parte do programa de pós-graduação em Comunicação e Semiótica. Durante esse tempo, publicou a Revista Virtual de Pesquisa Psi, de curta duração. A partir de seu ingresso na USP como professor doutor do Departamento de Psicologia Social, no Instituto de Psicologia, Zangari propôs a abertura de um grupo de estudos de psicologia anomalística, que foi aceito e aberto em 2008. Assim, o Inter Psi se relocou – pela, até aqui, última vez – sob o nome atual de Inter Psi – Laboratório de Psicologia Anomalística e Processos Psicossociais. Durante toda a sua história, o Inter Psi foi, portanto, um grupo diretamente envolvido na luta pela legitimação da parapsicologia.4 Como tal, estava inserido em uma controvérsia a respeito da cientificidade dessa área. Embora o Inter Psi continue ligado à parapsicologia5, o grupo atualmente se define como um grupo de psicologia anomalística. Este estudo argumenta que a mudança do Inter Psi de um grupo de parapsicologia para um grupo de psicologia anomalística constitui-se como uma estratégia específica para normalizar o estudo do paranormal e garantir-lhe um nicho acadêmico. Entretanto, não se trata de somente uma repaginação de nome; a mudança 3 Ganzfeld é uma técnica experimental utilizada para estudar percepção extrassensorial. 4 Sobre a busca por legitimação da parapsicologia, ver Allison (1979), Collins e Pinch (1979), McClenon (1984), Gordon (1982) e Mousseau (2003) 5 Seus membros, por exemplo, fazem parte da Parapasychological Association.
permite observar uma negociação ativa e uma constante edificação de 39fronteiras entre áreas distintas, como a parapsicologia, a psicologia em ◆◆geral, e subáreas como a nova psicologia anomalística e a psicologia dareligião. Antes de aprofundar o debate sobre o Inter Psi, cumpre analisar PARAPSICOLOGIA E PSICOLOGIA ANOMALÍSTICAmais a fundo a questão teórica da separação entre ciência e não-ciência.Ciência e não ciência A despeito de uma concepção tradicional de que a definição do queé ciência compete à epistemologia, a pedra angular para os proponentesda nova sociologia do conhecimento científico que surgiu na década de1970 era identificar em que sentido e em que medida se pode falar doconhecimento em geral, e especificamente do conhecimento científico,como ancorado em aspectos sociais (KNORR-CETINA; MULKAY, 1983,p. 6). A partir de uma miríade de estudos de caso, surgiu uma conclusãocompartilhada quanto à especificidade da ciência: não importa quanto sebusque encontrar elementos que definam epistemologicamente a ciência,quando se estuda o conhecimento e as práticas científicas, percebe-se quenão é possível identificar nenhum aspecto cognitivo apriorístico que definaa ciência em contraposição à não-ciência – nenhum método ou elementouniversalizante que possa diferenciá-la, de forma mais geral, de qualqueroutra forma cultural. O que poderia explicar o desenvolvimento científico seria um misto,não dissociável, de elementos cognitivos e sociais,6 e marcados por umprocesso de negociação entre atores diversos. A ideia de ciência comoconstrução social tornou-se dominante nos estudos da época, dando umtom específico à questão da separação entre ciência e não-ciência: nãoadianta buscar saída para o problema de demarcação na epistemologia,pois o estudo da prática científica evidencia que a epistemologia é usadacomo elemento ad hoc nessa demarcação. Quando alguma controvérsia éganha e uma disciplina se estabelece como científica, a epistemologia entraem cena para identificar os elementos que tornam tal disciplina parte daciência. Na prática, o status de ciência é o resultado final de negociações,embates, controvérsias, em que aspectos cognitivos e sociais estão difusos. Thomas Gieryn (1983; 1999) estudou extensivamente casos decontrovérsias a respeito da cientificidade de áreas de estudo. Um conceitoque ele utiliza e é bastante útil na discussão da demarcação científica éo de boundary-work. Gieryn o define como uma atividade rotineira dos6 Sobre a não-separação entre aspectos técnicos e sociais, ver Barnes (1983).
CONHECER PARA TRANSFORMAR III40 cientistas de demarcação do que é ciência e, por tabela, do que não é ciência.◆ ◆ Mais especificamente, é a atribuição discursiva de qualidades selecionadas a cientistas, métodos científicos e alegações científicas para o propósito de estabelecer uma fronteira retórica entre ciência e alguma não-ciência residual de menos autoridade. (GIERYN, 1999, p. 4-5)7 Esta pesquisa deve muito à nova sociologia do conhecimento científico e especificamente à obra de Gieryn, mas parte do pressuposto que a teoria ator-rede8 oferece um ponto de vista privilegiado para observar as negociações que resultam em assimetrias (o status científico dotado a algumas áreas em detrimento de outra, por exemplo). Para Bruno Latour, há algo de específico na ciência, mas algo que não tem a ver com questões epistemológicas ou peculiaridades sociais – se opondo às tentativas de definir a ciência pela teoria da falseabilidade (como Popper), pelas normas institucionais (como Merton) ou mesmo pela retórica que vence os “concursos de credibilidade” (como Gieryn). A especificidade da ciência está na inscrição (LATOUR, 1983). Quando os cientistas, em seu laboratório, traduzem o que veem como realidade e a inscrevem, mudam as escalas, invertem a hierarquia de forças. A autoridade epistêmica da ciência não reside somente na designação retórica de características que mantém essa autoridade (embora isso tenha sua importância), mas também nas práticas dos cientistas. A prerrogativa da teoria ator-rede de “seguir os atores” busca levar à observação e identificação dos vários elementos – humanos e não-humanos – que são alistados pelos cientistas de forma a tornar suas proposições mais fortes. Utilizando a terminologia de Michel Callon, podemos falar no amálgama de elementos alistados, as tão famosas redes de humanos e não-humanos, como agenciamentos sociotécnicos (CALLON, 2006). O status de ciência, a demarcação científica, torna-se então o resultado de embates entre agenciamentos diferentes. Talvez o aspecto mais singular de utilizar contribuições da ANT (e do que tem sido chamado de pós-ANT) é que, embora estejamos falando sobre assimetrias, sobre questões de poder, é exatamente o poder que deve ser explicado, não utilizado como meio explicativo. A ciência é construída, sim, negociada, sim, mas não há porque falar em elementos sociais que constroem a ciência, ao passo que a estabilização de determinadas assimetrias, a estabilização de um certo estado, organização, da sociedade é que tem que ser explicado. Estamos dentro do mundo “performativo” que 7 “[...] the discursive attribution of selected qualities to scientists, scientific methods, and scientific claims for the purpose of drawing a rhetorical boundary between science and some less authoritative residual non-science”. 8 A obra mais abrangente sobre a teoria ator-rede é Latour (2005).
Callon apresenta, em que agenciamentos sociotécnicos trazem consigo a 41conformação de todo um mundo. O embate entre agenciamentos diferentes ◆◆faz com que uma nova sociedade, uma nova natureza, um novo mundo, seestabilizem. PARAPSICOLOGIA E PSICOLOGIA ANOMALÍSTICA No caso do Inter Psi, cumpre observar, então, de que forma ogrupo constrói um agenciamento específico, de que forma ele próprio secaracteriza como um agenciamento específico, que pretende transformaruma área nova (a psicologia anomalística) em uma área legitimada. Alegitimação ou não, e o que ela significa, são resultados desse processo deagenciamento. É importante notar, contudo, que este texto não se ocupadiretamente da forma com que o Inter Psi produz conhecimento (comosão feitas e apresentadas as pesquisas), embora esse seja um ponto deinteresse e enfoque para a pesquisa de doutorado na qual se insere esteartigo. Pela limitação de espaço, a concentração proposta aqui é na buscapor legitimação. Podemos ver o Inter Psi como uma cultura epistêmica(KNORR-CETINA, 1999) específica, que constrói uma epistemologia parasua área, que estabelece uma ontologia também específica e, por meio deassociações várias e variadas, busca conformar um mundo acadêmico emque a psicologia anomalística tenha seu espaço.Estratégias Entre os objetivos do Inter Psi, expressos em conversas informais,reuniões e apresentações acadêmicas, estão o fortalecimento de sua posiçãoacadêmica e o avanço da psicologia anomalística como área de pesquisaacadêmica. Segundo o website do grupo, presente na página do Instituto dePsicologia da USP,9 seu objetivo geral é realizar estudos e pesquisas interdisciplinares no ponto de intersecção entre a Psicologia Social e a Psicologia Anomalística, ou seja a avaliação psicossocial de experiências humanas alegadamente anômalas. Entre os objetivos específicos estão orientar ou auxiliar na orientação de pesquisas nesse campo realizadas por alunos tanto da graduação (Iniciação Científica) quanto da pós-graduação (Mestrado e Doutorado); [...] disseminar a Psicologia Anomalística como área científico-acadêmica por meio da publicação de trabalhos em periódicos científicos, bem como9 Disponível em: <http://www.ip.usp.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=2544%3Ainter-psi-laboratorio-de-psicologia-anomalistica-e-processos-psicossociais&catid=384%3Ainter-psi&Itemid=211&lang=pt>. Acesso em: 7 jun. 2013.
CONHECER PARA TRANSFORMAR III42 pela organização de eventos (seminários, conferências, congressos e◆ ◆ reuniões de pesquisa) para essa finalidade. Cumpre analisar de que formas o grupo busca conquistar esses objetivos. Definição da epistemologia Antes de o Inter Psi se colocar como um grupo especificamente de psicologia anomalística, o que aconteceu somente depois de sua entrada na USP, Zangari e Machado – os membros regulares do Inter Psi durante toda sua história – foram muito participativos no campo de parapsicologia. Essa participação incluía pensar sobre os rumos da parapsicologia brasileira, colocar-se no campo como pesquisadores ativos e buscar defender uma visão específica de como a parapsicologia deveria ser. Em Zangari; Machado (1997), por exemplo, descrevem a parapsicologia brasileira como uma ciência ainda sem identidade, buscando desesperadamente a aceitação acadêmica. No mesmo artigo, mostraram não apenas comprometimento com a maturação científica da parapsicologia brasileira, como também adicionaram o Inter Psi à área como um dos sinais das mudanças ocorridas a partir dos anos 1980 (que teriam dado um tom mais científico ao campo no país). As primeiras menções ao termo “psicologia anomalística” encontradas durante a pesquisa foi em e-mails de fins de abril e maio de 2005, quando o Inter Psi ainda se encontrava vinculado à PUC-SP. No período, Zangari apresentou a psicologia anomalística ao restante do grupo como uma reunião de parapsicologia e psicologia da religião, focada nas experiências, e não nos fenômenos, anômalos. Em e-mail datado de 13 de maio de 2005, ele escreveu: Tenho certeza que as propostas feitas poderão nos levar a um outro nível de abertura acadêmica e científica no país e poderá no levar à consolidação de nossa “linha de pesquisa” para dentro da universidade como um campo da pós-graduação em breve. [...] Creio que a síntese apresentada possa ser a base de uma nova disciplina (a Psicologia Anomalística) que integrará as perspectivas tanto dos proponentes quanto dos céticos de psi entorno do ideal de investigar desapaixonadamente as experiências alegadamente paranormais de maneira rigorosa. Em alguns anos, de fato, a psicologia anomalística estaria presente na academia, ainda não como um campo de pós-graduação (já que os orientandos de Zangari na USP se formam como pós-graduados em psicologia social), mas como um grupo de pesquisa, inclusive responsável
por disciplinas introdutórias à área na pós-graduação e na graduação. O 43que a psicologia anomalística estuda e como propõe que sejam os estudos? ◆◆De que formas essa disciplina se assemelha e se distancia em relaçãoà parapsicologia? As aulas de pós-graduação, as reuniões e eventos do PARAPSICOLOGIA E PSICOLOGIA ANOMALÍSTICAInter Psi, além dos e-mails e textos acadêmicos, oferecem elementos paracompreender melhor esses pontos. Em 15 de maio de 2005, Zangari enviou novo e-mail para o grupo queserve como resumo dos pontos essenciais da nova disciplina de psicologiaanomalística: [...] O primeiro aspecto que levantou interesse foi o nome proposto: Psicologia Anomalística. Discutimos os prós e contras desse nome, e enfatizamos que anomalia não tem o sentido popular ou médico, relacionado a más-formações ou distúrbios, mas o sentido original da Sociologia da Ciência, em que “anomalia” não é uma interpretação, mas o reconhecimento de falta dela. O segundo tema mais debatido foi o deslocamento do objeto de estudo dos “fenômenos paranormais” para “experiências alegada- mente anômalas”. Com isso: 1) não precisamos assumir a existência de processos extra-sensório- motores; 2) nosso objeto de estudo se torna “positivo”: são experiências humanas e não “negativamente definido” (algo que não é sensorial, nem motor, mas que não sabemos o que é!) 3) preservamos a continuidade deste campo independentemente da existência ou não de processos “paranormais”. Assim, se um dia se demonstrar que tais processos não existem, nosso campo poderia ser mantido porque não dependeria da existência deles ao contrário de experiências alegadamente anômalas que existem e poderão existir independentemente disso. 4) definimo-nos como um ramo da Psicologia geral e interdisciplinar (dada a complexidade potencialmente envolvida no estudo dessas alegações e das próprias experiências) [...] Por fim, discutimos algumas estratégias relacionadas ao estabele- cimento do campo no meio universitário, a necessidade de adaptar os projetos de pesquisa de modo a não fazer suscitar preconceito e, ainda, as possibilidades futuras de efetivamente termos mais espaço acadêmico. O e-mail enfatiza que a psicologia anomalística deveria se focarnas experiências que as pessoas vivem e interpretam como paranormais,e não em provar a existência ontológica de fenômenos alegados como
CONHECER PARA TRANSFORMAR III44 paranormais. Esse ponto traz consigo algumas importantes reverberações:◆ ◆ coloca a psicologia anomalística dentro da psicologia, já que lidaria principalmente com as experiências humanas; tornaria o objeto de estudo da disciplina positivo, no sentido em que se trataria de algo real (as experiências), e que pode ser determinado. Por sua vez, a parapsicologia tem como objeto algo que, por definição, não pode ser correntemente explicado, não se sabe exatamente o que é ou como funciona. O e-mail também assegura a existência da área à revelia da comprovação da existência ontológica dos fenômenos paranormais, já que as experiências são reais, independente da natureza ontológica dos fenômenos que as causariam ou que são identificados como causas pelos sujeitos. Entretanto, a mudança de foco da ontologia para a fenomenologia não significa necessariamente uma quebra em relação à parapsicologia. Durante a disciplina PST-5842, o professor buscou apresentar a psicologia anomalística partindo de suas relações com a psicologia e a parapsicologia. No mais das vezes, Zangari travou uma relação tripartite – entre psicologia anomalística, psicologia da religião e parapsicologia. No que tange aos objetivos e objetos da parapsicologia e da psicologia da religião, Zangari defendeu que a parapsicologia busca investigar empiricamente a “hipótese psi”, enquanto a psicologia da religião busca estudar empiricamente o comportamento religioso, manifesto e interiorizado. Também diferenciou as duas por suas perspectivas epistemológicas (a parapsicologia teria um objeto empiricamente atingível, enquanto o objeto último da religião seria inatingível e impossível de ser estudado pelo psicólogo da religião), metodológicas (a psicologia da religião se caracteriza por uma multiplicidade nas técnicas de pesquisa, enquanto a parapsicologia é marcada pelo predomínio do empirismo experimentalista de tradição americana) e teóricas (enquanto a parapsicologia se caracteriza por um “vazio” teórico, com fatos desacompanhados de teoria, a psicologia da religião é marcada por grandes paradigmas teóricos da psicologia, colocando normalmente a teoria antes dos fatos). Para o professor, uma saída possível para os impasses da área (em relação a como estudar as experiências anômalas) seria um retorno à unidade do campo (no passado encontrada na pesquisa psíquica de tradição europeia). É exatamente isso que seria a psicologia anomalística: uma nova psychical research.10 Essa “pesquisa psíquica moderna” se caracterizaria como uma área aberta ao estudo ontológico de psi (ou seja, interessada na comprovação da existência ou não dos fenômenos paranormais), mas mantendo a perspectiva de necessidade de esgotar as hipóteses convencionais. Resumindo, temos 10 Sobre psychical research, ver Oppenheim (1985). Sobre a influência da psychical research sobre o desenvolvimento posterior da parapsicologia, ver Mauskopf e McVaugh (1980).
uma nova disciplina que significa, segundo seus defensores, uma volta a 45uma unidade que existia anteriormente e que foi historicamente desfeita, ◆◆com o desenvolvimento em separado da parapsicologia e da psicologia dareligião. Ela seria diferente de ambas, porque iria além dos limites de cada PARAPSICOLOGIA E PSICOLOGIA ANOMALÍSTICAuma dessas áreas – mas abarcaria as duas em si. Portanto, é coerente argumentar que a psicologia anomalística doInter Psi não se separou da parapsicologia, mas buscou incluí-la dentrode um novo contexto: uma disciplina que una psicologia da religião eparapsicologia, definitivamente dentro dos limites da psicologia, mascom abertura para a arguição da realidade ontológica dos fenômenosparanormais. Entretanto, o Inter Psi não inventou o termo “psicologiaanomalística”, que surgiu na Inglaterra em um contexto um tantodiferenciado do brasileiro. A psicologia anomalística foi durante as aulasda PST-5842 como nascendo do desconforto de alguns parapsicólogosbritânicos ao verem alternativas psicológicas tradicionais não sendoconsideradas em primeiro lugar como explicações possíveis dos fenômenosparanormais. Ao passo em a psicologia anomalística seria mais cética emrelação à parapsicologia, parapsicólogos britânicos (como David Lukee Chris Roe), passaram a utilizar o termos também para descrever suaspesquisas. Mesmo no Reino Unido, a psicologia anomalística têm se abertoà parapsicologia e essa abertura tem trazido mais ingressantes à área econtribuído para sua expansão. Durante o VII Encontro Psi, o evento acadêmico de parapsicologiamais tradicional do Brasil, e a 54a Convenção da ParapsychologicalAssociation, que ocorreram em sequência, entre os 17 e 21 de agosto de2011, em Curitiba, Zangari e Machado defenderam a utilização do termopsicologia anomalística. Em uma comunicação dos dois, denominada“Por uma Psicologia Anomalística Inclusiva”, identificaram a área comoum retorno a pesquisa psíquica e alegaram que o termo parapsicologianão era adequado no Brasil porque tinha muita resistência acadêmica –devido à tradição religiosa da parapsicologia no país, marcada por embatesentre grupos católicos e espíritas. Propuseram que fosse adotado o termopsicologia anomalística, mas que fosse uma área inclusiva: uma queadotasse também a hipótese psi. Ao mesmo tempo em que Zangari defende uma mudança de nomede parapsicologia para psicologia anomalística frente a uma audiênciacomposta por parapsicólogos, afirma que “parapsicologia não é o que eufaço. Tenho interesse nisso, mas também no significado para o sujeito” frentea uma audiência de pós graduandos durante a disciplina de introdução àpsicologia anomalística.1111 Durante a aula do dia 01 de abril de 2011.
CONHECER PARA TRANSFORMAR III46 A definição fluida de psicologia anomalística vai ao encontro de◆ ◆ uma ciência plural, fruto de negociações e embates de poder. Zangari e o Inter Psi como um todo não se prestam a simplesmente se colocar dentro de uma definição previamente de ciência, já que não há nenhuma instituição, nenhum tribunal maior que possa lhes outorgar o direito de ser científicos, seja como um grupo de parapsicologia, seja como um grupo de psicologia anomalística. O caminho para a legitimação é muito mais difícil, pois pressupõe a definição de uma ontologia própria – o mundo da psicologia anomalística é um mundo em que experiências paranormais são da mesma natureza que experiências religiosas, psicólogos têm de levar em consideração crenças e experiências sem imediatamente recorrer ao conceito de psicopatologia, e experiências anômalas podem ser, mas não necessariamente são, relacionadas a fenômenos reais ainda não explicados pelas teorias do mainstream científico. A conformação de uma ontologia é marca das culturas epistêmicas descritas por Knorr-Cetina (1999). A conformação de uma ontologia acompanha a conformação de uma epistemologia própria, que envolve as bases da própria psicologia anomalística e da ciência como um todo. Para o Inter Psi, tanto parapsicologia como psicologia são legítimas pois a ciência envolve um método, independente de estudar coisas ontologicamente reais ou não. Nas palavras de Zangari: “Bizarro é o que a gente estuda, não como a gente estuda”.12 A ciência, para Zangari, é construída, mas pode ser objetiva, não tem acesso não-mediado à natureza, mas pode se aproximar da realidade. É uma ciência que se utiliza de Popper (teoria da falseabilidade), Kuhn (paradigmas e anomalias) e Peirce (discussão sobre nominalistas e realistas) para se manter. Acima de tudo, é uma ciência que progride com base na navalha de Occam: o cientista deve estar aberto a tudo, mas qualquer consideração de hipóteses não convencionais deve se seguir à arguição primeira de “hipóteses já amplamente consagradas pela ciência”.13 Vida de academia, extensão de redes Os membros do Inter Psi buscam ativamente segurar um espaço acadêmico que possibilite o desenvolvimento de pesquisas, além de o estabelecimento de redes de contato que possam permitir a extensão da psicologia anomalística como um todo para outros espaços, além do próprio grupo. 12 Na reunião do Inter Psi de 31 de agosto de 2012. 13 E-mail de 20 de abril de 2005.
Um primeiro elemento necessário para assegurar o desenvolvimento 47de pesquisas são pesquisadores, membros ativos para a área. Quando ◆◆comecei a observar o grupo, no primeiro semestre de 2011, constavamcomo membros os orientandos de mestrado e doutorado de Zangari e PARAPSICOLOGIA E PSICOLOGIA ANOMALÍSTICAalguns participantes mais antigos, que eram estudantes de pós-graduaçãoou pesquisadores relacionados a universidades. Entretanto, ainda noprimeiro semestre de 2011, foi vetada participação de membros semprojetos de pesquisa, submetidos e aceitos pela direção do grupo (Zangarie Machado). Na reunião do dia 25 de maio de 2012, Zangari explicitou seuponto em impedir a contínua participação de não pesquisadores: “o grupotem que ser um grupo de pesquisadores. Quem tem interesse em psicologiaanomalística, mas não quer produzir, poderá continuar participando doseventos abertos”. A partir de então, a lista de membros do grupo se restringiu aosorientandos de Zangari e a alguns poucos participantes de fora, mastodos com pesquisas na área. No primeiro semestre de 2014, os membrosincluíam dois doutores (Wellington Zangari e Fatima Machado), e outrosdez membros regulares, todos mestrandos ou doutorandos (com exceçãode uma aluna, recém-graduada, ainda por prestar exame de mestrado). A mudança no perfil de participação indica um direcionamentoespecífico do Inter Psi: o grupo se apresenta cada vez mais como um grupoacadêmico. Embora a inclusão do Inter Psi na academia tenha começadocom a entrada na Anhembi Morumbi, o alistamento mais forte do grupofoi a USP. De certa forma, o grupo foi “subindo de status acadêmico”conforme partiu da Anhembi Morumbi para a PUC-SP e, então, para aUSP. Em todos os casos, esteve ligado ao estudo do paranormal por meiodo enfoque das pesquisas, mas ligado à instituição por outras formas. NaAnhembi Morumbi, Zangari foi professor de psicologia em geral; na PUC,o grupo esteve dentro da área de semiótica; na USP, Zangari é professorconcursado de psicologia social. Em todos os casos, o grupo foi aceito comoum interesse à parte de um membro oficialmente ligado à instituição. NaUSP, entretanto, Zangari tem buscado transformar seu interesse à parte emuma área legítima de pós-graduação. Por enquanto, os orientandos ligadosao Inter Psi recebem um título de pós-graduação em psicologia social apósa defesa bem-sucedida de suas dissertações ou teses. Entretanto, o caminhopara uma futura pós em psicologia anomalística começou com a existênciado laboratório e com a instituição de disciplinas de pós-graduação egraduação em psicologia anomalística (ambas eletivas). A USP tem um papel muito importante na ainda breve históriada psicologia anomalística brasileira: a conexão estende ao Inter Psi aestabilidade da USP. Na reunião de 22 de março de 2013, Zangari afirmouque na USP a rejeição à psicologia anomalística tem sido surpreendente-
CONHECER PARA TRANSFORMAR III48 mente pequena. Para ele, “os caras que reagem mal são os caras das◆ ◆ universidades menores”. Nesses casos, é comum que os administradores acadêmicos adotem uma postura cientificista, pela necessidade de se provarem, de legitimarem seus estudos. Na USP, “todos sabem que são ciência”, ele completa. O trabalho de legitimação que já foi feito ao longo de décadas em nome da USP é estendido ao Inter Psi, a partir do momento em que o grupo ganha a possibilidade de falar também em nome da universidade. Além de pesquisadores e da USP, a possibilidade de financiamento aumenta as chances de manter pesquisadores envolvidos com estudos na área. Nesse âmbito, o grupo tem se preocupado com a aquisição de bolsas de estudos individuais (dois orientandos de Zangari estão atualmente com bolsas da Fapesp), além de estarem discutindo a fabricação de um projeto maior de pesquisa, coletivo, para ser enviado para a Fapesp também. Preocupação com como escrever projetos que sejam financiados, assim como com as forma de escrever artigos para publicação (que envolvem, por exemplo, questões internas à psicologia, como a dificuldade de publicar textos de abordagem jungiana, por exemplo) são comuns nas reuniões do grupo. Assim que Zangari foi admitido na USP, propôs a abertura do laboratório e uma disciplina da pós-graduação, que foi aceita. Uma disciplina de pós tem um limite muito mais estreito na sua possibilidade de angariar possíveis recrutas para a área, contudo. Há menos participantes em geral, e tende-se a ministrar para quem já conhece a área e já está envolvido nela. Assim, nenhum evento foi mais celebrado pelo grupo do que a existência da primeira disciplina de graduação de introdução à psicologia anomalística na USP, que foi ministrada pela primeira vez no segundo semestre de 2012. A disciplina teve a participação dos orientandos de Zangari, que foram convidados a dar uma aula cada, discutindo assuntos que tivessem a ver com suas respectivas pesquisas. Além das aulas, o grupo vêm se ocupando com a organização de eventos acadêmicos que permitam tanto uma divulgação do Inter Psi e da psicologia anomalística em geral, quanto do estabelecimento de novos vínculos com pesquisadores de outras instituições. No segundo semestre de 2011, o grupo acolheu a parapsicóloga americana Nancy Zingrone (com financiamento da USP) para um minicurso aberto sobre parapsicologia e psicologia anomalística, seguido de um seminário aberto do Inter Psi que teve participação de Zingrone e do parapsicólogo também membro da Parapsychological Association Carlos Alvarado (além de apresentações de Zangari e Machado). No segundo semestre de 2012, houve outro seminário aberto do Inter Psi, com Zangari e alguns orientandos. No primeiro semestre de 2013, o Inter Psi apoiou o evento organizado por um orientando de doutorado de Zangari, Leonardo Breno Martins (que estuda
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