Os Dois Lados da Janela

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ORLANDO DA ROSA FARYA OS DOIS LADOS DA JANELA VITÓRIA A GAZETA 2014 @landovix

COPYRIGHT © Orlando da Rosa Farya 2014 COPYRIGHT © Orlando da Rosa Farya 2014 Projeto e Produção: Instituto Marlin Azul Project and Production: Marlin Azul Institute Seleção de Fotos: Orlando da Rosa Farya, Selection of Photos: Orlando da Rosa Farya, Beatriz Lindenberg, José Quaresma & Miro Soares Beatriz Lindenberg, José Quaresma & Miro Soares Coordenação: Beatriz Lindenberg Coordination: Beatriz Lindenberg Edição e Projeto Gráfico: Sandra Medeiros Editing and Graphic Design-: Sandra Medeiros Tratamento de Imagem: Marco Passamani - Shan Image Processing: Marco Passamani and Distéfano Colaboração: Christoph Schneebeli Collaboration: Christoph Schneebeli Produção Gráfica: Studio S Graphic Production: Studio S Revisor: Carlos Henrique Bonisenha Copy Editing: Carlos Henrique Bonisenha Tradução: Tereza Saleme & Lobo Pasolini Translation: Tereza Saleme & Lobo Pasolini Instituto Marlin Azul Marlin Azul Institute Coordenação Geral: Beatriz Lindenberg General Coordination: Beatriz Lindenberg Coordenação Administrativa: Patricia Cortes Administrative Coordination: Patricia Cortes Coordenação Técnica: Nildo Neves Technical Coordination: Nildo Neves Produção: Gabriela Nogueira/Sheila Shunck Production: Gabriela Nogueira/Sheila Shunck Assessoria de Comunicação: Marialina Antolini/Simony Leite Communication Advisors: Marialina Antolini/Simony Leite Instituto Marlin Azul Marlin Azul Institute Rua Oscar Rodrigues de Oliveira, 570 Oscar Rodrigues de Oliveira street, 570 Jardim da Penha Jardim da Penha 29060-720 Vitória/ES 29060-720 Vitória/ES (55 27) 33276999/33275009 (55 27) 33276999/33275009 [email protected] [email protected] @landovix

Aos meus pais ATosmmyepuasrepnatis @landovix

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A todos aqueles que, de alguma forma, possibilitaram a realização das fotos reproduzidas neste livro To all those who, one way or another, made possible the pictures shown in this book @landovix

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APRESENTAÇÃO PRESENTATION @landovix

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Este livro é uma tentativa de registrar algumas per- tínuo, que utiliza a fotografia, a pintura e o vídeo como cepções sobre o ser humano. Algumas noções de huma- dispositivos para uma construção poética de si e do mun- nidade entendidas, vividas a partir da imagem fotográfica, do. São momentos que privilegiam comentários, dúvidas, ou seja, no diálogo com a arte. encantamentos, descobertas, afirmações. As situações abordadas nada apresentam de extra- Enfim, uma vivência muito enriquecedora, que vem ordinário: são os rituais diários, as necessidades existen- se construindo com a arte nesses anos. O livro atesta uma ciais. Os momentos se alternam entre a imagem convo- busca pelo conhecimento, pela descoberta do outro, pela cada, construída, e a imagem roubada, flagrada, feita de afirmação de uma individualidade, permeada pelo apelo improviso. Alheamento, espontaneidade e pose. caótico da vida, atravessada pelo fluxo contínuo do mundo. O livro me proporcionou a possibilidade de examinar Orlando da Rosa Farya - Instituto Marlin Azul minimamente esse tempo vivido. Um conjunto de experi- [Artista Plástico - Professor do Centro de Artes - Ufes] ências pessoais, seus desdobramentos, seus deslocamen- tos físicos, temporais, emocionais e psíquicos. O livro consiste num conjunto de imagens – fotogra- fias digitais – feitas entre 1994 e 2014 em diferentes loca- lidades, que privilegiam um diálogo com a figura humana, com sua representação. Em sua maioria, ensaios – onde o caráter humano ganha destaque – protagonizando uma situação inserida em um determinado contexto, num am- biente ou simplesmente essa figura apresenta-se indivi- dualizada, isolada no espaço exíguo do retrato. O interesse por viagens e lugares sempre norteou meu pensamento. Logo cedo me lancei na aventura. Mais encontro do que procura. Pode ser Berlim ou Istambul, Nova York ou Havana, Cairo ou Budapeste, Ibiracatu ou Paris, Varanasi ou Vitória. O deslocamento me encanta, as potencialidades contidas aí, as condições que se apresentam. O ser hu- mano em infinitas proposições e possibilidades. Aqui, ele aparece protagonista da vida em variadas dimensões. O ser que se contorce na ignorância original. Que se perde e se orienta no transe ordinário do cotidiano. É um livro de considerações e reflexões, com conota- ções visuais sobre o ser humano e sua aventura no mundo contemporâneo, suas várias facetas. São anotações sobre saberes, sobre fazeres; comentários visuais. Uma experi- ência muito particular, um relato simples. Apresenta-se ainda como um processo de autoco- nhecimento, alicerçando um processo autorreflexivo con- @landovix

This book is an attempt to record some perceptions facets. There are notes about knowledge, about doings, about the human being. Some elements of humanity un- and visual comments. It’s a very unique experience, a derstood and lived from the photographic image, that is, simple report. in an exchange with art. The book is also presented as a self-knowledge pro- The situations approached present nothing extraordi- cess; it’s the foundation of a continuous self-reflexive pro- nary: they are daily rituals, existential needs. The moments cess that uses photography, painting and video as devices alternate between the conjured, constructed image and the for a poetic construction of the self and the world. They stolen image, taken by surprise, made by chance. Alienation, are moments that enable comments, doubts, fantasies, spontaneity and posing. discoveries, and assertions. The book gave me a possibility to closely examine Finally, it’s been a very enriching experience that was that lived time. It is a set of personal experiences, their built with art in those years. The book confirms a search developments and their physical, temporal, emotional for knowledge, for the discovery of the other, for the as- and psychic displacements. sertion of individuality, permeated by the chaotic appeal of life crossed by the world’s continuous flow. The images I have chosen… The book consists of a set of images – digital photos Orlando da Rosa Farya - Instituto Marlin Azul – taken during the period 1994 – 2014 in different places. [Artist - Arts Department Professor - Ufes] They focus on an exchange with the human figure and its image. @landovix In most cases, they are essays where the human character gains prominence as the protagonist of a situ- ation inserted into a determined context, a certain envi- ronment, or simply is presented individualized, isolated in the small space of the picture. An interest in travelling and places has always di- rected my thoughts. Quite early on I threw myself into the adventure. It is more finding than searching. It may be Berlin or Istanbul, New York or Havana, Cairo or Budapest, Ibiracatu or Paris, Varanasi or Vitória. Dislocation fascinates me – the potentialities con- tained in it, the conditions that are presented in it. It’s the human being in infinite propositions and possibilities. Here the human being appears as the protagonist of life in varied dimensions. The being that writhes in the original ignorance, that floats on the pains and delights of living. The being that is lost and guided in the ordinary trance of everyday life. It’s a book of considerations and reflections, with visual connotations about the human being and his or her adventure in the contemporary world and its various

PREFÁCIO PREFACE @landovix

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Dos dois lados da janela: fotografias de Orlando da Rosa Farya Através da janela vejo uma cidade estrangeira. (Aleksandr Sokurov, Élégie de la Traversée) A produção de pintura de Orlando da Rosa Farya – o distinta. Em movimento, o veículo limita nossa capacida- Lando – está na origem de sua prática artística. De modo de de observação, reduzindo nossa apreensão do espaço geral esse trabalho sempre esteve centrado na figura hu- à fragmentos descontínuos, e muitas vezes sem nitidez. mana, numa prática em que a repetição de retratos e au- Nesse sentido, da impossibilidade da apresentação pano- torretratos representam um meio de aproximação e de râmica, e na intenção de propor um recorte bastante am- passagem da exterioridade à interioridade do indivíduo. plo porém não extensivo, este livro toma naturalmente Sua produção de fotografia, embora não privilegie espe- uma forma entre tantas outras possíveis. cificamente o gênero de retrato, não deixa de continuar essa investigação ao mesmo tempo como pesquisa artísti- Esse é simplesmente um livro possível, cujas ima- ca e como experiência e reflexão pessoal. O trabalho que gens – como descreve Lando: “as imagens que escolhi” parece ter se estabelecido nos últimos anos é o de uma – , naturalmente dão conta apenas de um universo bas- coleção de imagens de viagens que mostram localidades tante reduzido quando comparado à abundante experi- estrangeiras e que vestem o artista das figuras do flâneur, ência vivida. Fosse realizado um pouco antes ou um pou- do estrangeiro e do turista. A prática artística de Lando se co depois, sob outras circunstâncias, o livro apresentaria dá por meio de viagens pessoais, sem o intuito de buscar certamente imagens diferentes. Vários são os livros possí- um conteúdo específico ou uma característica de imagem veis de se gerar a partir da coleção de imagens do artista. fotográfica particular. Tudo parece seguir um caminho es- Várias são também as configurações que adquire o livro pontâneo, que se define naturalmente ao longo do per- ao longo de seu processo de realização, tal qual um via- curso segundo o interesse e a disposição do artista. Não jante nunca conta as mesmas histórias novamente com as há plano pré-determinado. Ao se colocar num estado de mesmas palavras. A edição do livro, para além da produ- espírito de abertura diante do novo lugar, suas imagens ção de Lando, materializa então o desafio da seleção de captam um fluxo de coisas vistas e de experiências nessas imagens e da construção do discurso visual. Demonstra localidades, de modo que não há muita distinção entre que o trabalho fotográfico não se limita a produção de experiência pessoal e prática artística. imagens, mas compreende igualmente a capacidade de extrair sentido e dar forma ao material bruto capturado. Este livro é composto por séries de fotografias reali- Num certo sentido, o trabalho em fotografia talvez possa zadas em diversas localidades e ao longo de vários anos. É ser definido essencialmente como um processo de sele- de certo modo um olhar que perpassa toda a produção de ção continuada, de escolhas sucessivas que ocupam todo fotografia de Lando sem no entanto pretender apresentar o fluxo de trabalho: da pré-produção realizada antes da uma retrospectiva ou uma seleção de melhores imagens partida (com a escolha da destinação, do equipamento, desse trabalho. Trata-se de um olhar que segue menos o do suporte a ser utilizado, etc.), até a pós-produção reali- princípio de uma panorâmica do que a experiência que zada posteriormente ao retorno das viagens (com a defi- se tem quando se olha através da janela de um veículo nição das imagens finais), passando, é claro, pela escolha em alta velocidade. O princípio da pan – como um mo- do objeto a ser fotografado e do instante do ato in loco. vimento em que a câmera se mantém em um ponto fixo e gira sobre o seu próprio eixo – é frequentemente o de Lando apresenta fotos de diversas cidades revelando apresentar o espaço ao redor dando na medida do pos- diferentes aspectos do universo urbano. Organizado por sível um sentido de totalidade, de continuidade, numa temas e exibindo trajetos realizados entre 1995 e 2014, velocidade que nos permite apreendê-lo. A experiência o livro não deixa de evocar o formato de álbuns de via- de observar o espaço através da janela de um veículo é gens, ao mesmo tempo em que evoca o tal olhar através @landovix

da janela como se fosse possível atravessar todas essas acaso, às vezes mesmo roubadas com esperteza ou dis- destinações num único e veloz trajeto. Mas à velocidade crição. do trajeto no veiculo a motor se opõe o ritmo dos passos do viajante, já do outro lado da janela, quando percorre as A princípio, muitas das imagens são até certo ponto ruas da cidade caminhando. O conjunto de imagens tende comuns, e poderiam ter sido realizadas por diversas ou- a registrar eventos que fogem do espetacular e revela a tras pessoas. O conjunto de imagens se insere numa tra- simplicidade, um “quase-nada” cotidiano. Em meio a uma dição ou gênero de fotografia de viagens e varia entre a grande diversidade de lugares fotografados a presença de apreensão da realidade mais imediata da cidade, como a espaços de arte é recorrente. Visitas a museus, galerias que reconhecemos em guias de turismo, e um viés que e centros de arte aparecem indistintamente como quais- privilegia uma aproximação mais detida, que exige do quer outros espaços da cidade – ruas, calçadas, parques fotógrafo-artista um pouco mais de tempo à medida que e prédios – , reforçando mais uma vez a relação entre arte descobre caminhos menos explorados. Fotografar metró- e vida. Essa relação é vista também na própria prática do poles internacionais ou lugares hoje reconhecidos como artista que trabalha com a fotografia digital, sempre em destinos de escapadas em busca do exótico traz desafios cores. Lando faz uso de câmeras que não são, a princípio, grandes uma vez que foram já tantas vezes retratados. equipamentos utilizados no meio profissional, mas sim de- Na condição de quem se coloca em um constante movi- signadas como consumer cameras, câmeras de uso pesso- mento, vivendo voluntariamente sem o cobertor macio al no dia-a-dia. Na maioria dos caso, as câmeras utilizadas do hábito, como diz Vilém Flusser , o desafio é encontrar na produção das imagens são compactas, de baixa ou mé- maneiras de redescobrir as cidades que passem não ape- dia resolução. A estética da imagem produzida é portanto nas por seus prédios e seus monumentos mas pelo diá- impregnada pelas especificidades desse tipo de meio. Mas logo criativo com as pessoas que ali habitam. O desafio é além da textura, do grão (ou do pixel), da natureza da ima- também romper a superfície do exótico, passar da atração gem técnica é possível perceber igualmente característi- espetacular ou predatória e provar de fato a expêriencia cas que são determinadas não pelo aparelho em si, mas do diverso como nos ensina Victor Segalen . O conjunto de pela maneira como age o artista com o aparelho nas mãos. imagens de viagens de Lando adquire no entanto um sen- tido pessoal ao ser combinado com os auto-retratos, tan- O protocolo de trabalho que escolhe o artista está to em fotografia como em pintura. Ao mesmo tempo que ligado, além de tudo, ao tipo de fotografia que ele rea- retrata os lugares o artista revela também um pouco de si. liza. Fazendo uso da fotografia digital, Lando se insere Essa justaposição, de imagens universais e imagens que num contexto de trabalho que se caracteriza de modo revelam um pouco da intimidade do artista produz uma geral por um ritmo de muito cliques, no intuito de re- corrente que liga o espaço urbano das cidades, coletivo, à gistrar muitos momentos, coletar o máximo de informa- experiência de um itinerário pessoal dentro desse espaço. ção possível. Assim se constrói a coleção de imagens. Se Nesse ritmo o olhar se desvia do exterior, da paisagem da por vezes o clique é gratuito, por outro lado é também cidade, e passa ao interior do indivíduo. Se os olhos são essa casualidade que possibilita a construção da repre- a janela da alma, cabe aqui também a metáfora dos dois sentação do sujeito/objeto que aos poucos se desarma lados da janela. diante da lente. O trabalho se compõe de imagens que são tomadas diante de um contexto, num jogo que varia Se a maior parte das fotografias retrata a cidade, segundo as circunstâncias em que se encontra o artista: algumas imagens específicas pontuam momentos parti- às vezes são imagens construídas, às vezes tomadas ao culares da série com a presença do artista. Vemos vários @landovix

desses momentos por meio dos auto-retratos. Neles, se- afetivo e serve de ligação entre o artista e o falecido pai. A jam pintados ou fotografados, a diversidade é grande. As fotografia nos expressa essa compreensão severa e igual- pinturas tendem a um close-up frontal. Quase sem cores, mente serena acerca do tempo e da vida, tal como nos com traços rápidos e lineares, elas criam um acesso ime- mostra Rilke, em O Livro das Horas: diato à face sem distrações e privilegiam a expressividade dos olhos. As imagens retratam o artista de múltiplas ma- Tu és o herdeiro. neiras: seja fotografado diretamente pela lente do apare- Filhos são herdeiros, lho com a mesma frontalidade das pinturas, seja por meio os pais finam-se primeiro. de silhuetas e sombras anônimas no chão, ou por meio da Mas filhos ficam e florecem. imagem refletida de um espelho ou de outras superfícies Tu és o herdeiro: cujos efeitos distorcidos trabalham não somente contra a A experiência da viagem, da travessia de lugares clareza da imagem mas contra as certezas da vida. Numa menos familiares ou desconhecidos determina o contato dessas imagens o artista funde seu corpo ao auto-retrato com a diferença e a experiência da alteridade. Paradoxal- de outro artista, Jorge Molder, em outros casos ele se in- mente esse movimento de afastamento da terra natal em sere junto às obras, num jogo que revela hibridação, indi- direção a outras regiões parece nos trazer sempre ainda vidualidades, intertextualidades etc., num caminho aber- mais perto de nós mesmos, nos obrigando a questionar to à varias interpretações. quem somos e porque somos como tal. Nesse sentido a alternância dos auto-retratos de Lando em meio as ima- Outro desses momentos, muito representativo, é gens das cidades reforça a ideia de que a viagem é não revelado por uma fotografia específica. Trata-se da reu- apenas um meio de deslocamento no espaço mas igual- tilização de uma imagem já conhecida de Lando em que mente um movimento psíquico, uma viagem e uma busca se vê um senhor no Musée d’Orsay observando o quadro interior. Le déjeuner sur l’herbe, de Édouard Manet. Essa imagem Miro Soares - Paris-Berlim, fevereiro de 2014 é fotografada novamente na ocasião de sua exposição no [Artista visual - Doutorando em Artes e Ciências da Arte - Museu Vale em Vila Velha-ES, de modo que o que se vê na Université Paris 1 Phantéon - Sorbonne] nova imagem é então o pai do artista observando a foto- grafia que em que o senhor do museu observa o quadro 1.Imagem produzida por aparelhos. Vilém Flusser, Filosofia da Caixa Preta – do século XIX. A tautologia criada pela fotografia da foto- Ensaios para uma futura filosofia da fotografia, Tradução do autor. São Paulo: grafia serve para explicitar as diversas camadas de reali- Editora Hucitec, 1985. dades, dimensões e tempos condensados em uma mes- 2. Vilém Flusser, “Exile and Creativity”, p. 104-109, in: Vilém Flusser – Writings, ma imagem. A imagem deixa de ser uma fotografia que org. Andreas Ströhl, trad. Erik Eisel. Minneapolis / Londres: University of Min- retrata um objeto e se torna um dispositivo para acessar nesota Press, 2002. a memória e transitar entre situações e épocas diferen- 3. Victor Segalen, Essai sur l’exotisme. Montpellier: Fata Morgana, 1978 / Paris: tes. Podemos relacionar a imagem ao caráter permanen- Le Livre de Poche, coll. Biblio Essais, 1999. te que têm as cidades e as obras de arte, que apesar da 4. „Du bist der Erbe. / Söhne sind die Erben, / denn Väter sterben. / Söhne stehn passagem do tempo e de diversas gerações, resistem e und blühn. / Du bist der Erbe:“. Rainer Maria Rilke, Poemas, trad. José Paulo permanecem, como uma herança histórica ou cultural Paes. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p.53. para outras gerações. Também é possível relacionar essa imagem sob a ótica de uma herança pessoal: ela é carregada de valor @landovix

From both sides of the window: photos by Orlando da Rosa Farya Through the window I see a foreign city (Aleksandr Sokurov, Élégie de la Traversée) Orlando da Rosa Farya – Lando’s painting pro- space through the window of a vehicle is different. When duction is the origin of his artistic practice. In gen- in movement, the vehicle limits our observation capacity, eral, such work has always been centered on the reducing our apprehension of space to discontinuous frag- human figure, in a practice in which the repetition ments, sometimes without clearness. In that sense, given of portraits and self-portraits represents a means the impossibility of the panoramic presentation, and the of approach and a passage from the individual’s ex- intention to propose a broad though not extensive edit, terior to their interior. Although his photographic this book naturally takes a form among many other pos- production, doesn’t specifically favor the portrait sible ones. genre, it continues that kind of investigation, both as artistic research and as personal experience and This is simply a possible book, the images of which reflection. The work that seems to have been estab- are – as Lando describes: “the images I have chosen” - , lished in more recent years is a collection of travel naturally only account for a quite reduced universe when images that show foreign places and posit the art- compared to the abundant lived experiences. If it came ist as flâneur, the foreigner and the tourist. Lando’s out a little earlier or a little later, under other circumstanc- artistic practice happens by means of personal trav- es, the book would certainly present different images. els, without the purpose of searching for specific Several books could possibly be created from the artist’s contents or characteristics of private photographic collection of images. There are also several configurations image. Everything seems to follow a spontaneous that the book acquires along its elaboration process, just path that is naturally defined along the way, accord- like a traveller that never tells the same stories with the ing to the artist’s interest and will. There is no pre- same words again. The book’s edition, besides Lando’s determined plan. As he places himself in an open production, materializes then the challenge of image se- state of mind before the new place, his images cap- lection and the construction of visual discourse. It shows ture a flow of seen things and lived experiences in that the photographic work is not limited to the produc- such places, so that there is not much difference tion of images, but that it equally encompasses the abil- between personal experience and artistic practice. ity to extract sense and give form to the raw material captured. In a certain sense, the photographic work may This book is composed of a series of photos perhaps be essentially defined as a process of continuous taken in several places throughout several years. In selection, of successive choices that occupy the whole a certain way, it is a look that permeates all Lando’s work flow: from the pre-production carried out before photographic production without, however, attempt- leaving (choice of destination, equipment, support to be ing to present a retrospective or a selection of his used, etc.) to the post-production carried out after return- best images. It is a look that follows not so much the ing from the trips (with the selection of the final images), principle of a panoramic view but rather the experi- to the choice of the object to be photographed and the ence one has when looking through the window of a instant of the act in loco. vehicle in high speed. The pan principle – like a move- ment in which the camera is kept in a fixed point and Lando presents photos of different cities revealing dif- twists over its own axis – is often that of presenting ferent aspects of the urban universe. Organized by themes the surrounding space to give, as far as possible, a and exhibiting distances covered during the period 1995 sense of totality, of continuity, in a speed that allows – 2014, the book nods to the format of a travel album, at one to aprehhend it. The experience of observing the @landovix

the same time it evokes that look through the window as taken by chance, sometimes they are even smartly or if it were possible to go through all those destinations in discreetly stolen. a single rapid crossing. But the rhythm of the traveller’s steps, already on the other side of the window, opposes At first, many of the images are to a certain point the speed of the motor vehicle crossing as he wanders common, and could have been taken by several other through the city streets. The set of images tends to record persons. The set of images is inserted into a tradition or events that escape the spectacular and reveal the simplic- genre of travel photos and varies between the capturing ity, the daily “almost-nothing”. Among a great diversity of the most immediate city reality, such as we can rec- of photographed places, the presence of art spaces is re- ognize in tourist guides, and a sort that favors a more current. Visits to museums, art galleries and art centers detained approximation that requires a little more time appear indistinctively as any other city spaces – streets, of the photographer-artist, as he discovers less explored sidewalks, parks and buildings – reinforcing once again the paths in the city. Photographing international metropolis art-life relationship. Such a relationship is also seen in the or places now recognized as escape destinations for those artist’s very practice as he works with digital photography, who are in search of the exotic brings great challenges, always in color. Lando makes use of cameras that are not, since they have already been pictured so many times. In to begin with, cameras used in the professional milieu, the position of someone who places himself in constant but cameras defined as consumer cameras, designed for movement, voluntarily living without the soft blanket of personal use in everyday life. In most cases, the cameras habit, as Vilém Flusser puts it, the challenge is to find used in the production of images are compact, of low or ways to rediscover the cities that cover not only their median resolution. The esthetics of the produced image is buildings and monuments, but also a creative exchange therefore impregnated with the specificities of such type with the persons who live there. The challenge is also to of means. But beyond the texture, grain (or pixel) and the break through the surface of the exotic, to go beyond the nature of the technical image it is also possible to per- spectacular or predatory attraction and actually taste the ceive characteristics that are determined not by the ap- experience of the diverse, as Victor Segalen teaches us. paratus itself, but by the way in which the artist acts with the apparatus in his hands. Lando’s set of travel images acquires, however, a personal sense as they are combined with the artist’s The work protocol the artist chooses is linked to self-portraits, both in photography and in painting. At the the type of photography he makes. Making use of digital same time as he photographs places, the artist also re- photography, Lando is inserted into a work context that veals a little bit of himself. The juxtaposition of universal is characterized in a general way by a rhythm of many images and images revealing a little of the artist’s intimacy shots, with the purpose of recording many moments produces a chain that links the collective city urban space and collecting as much information as possible. This to the experience of a personal route within that space. way, an image collection is built. If sometimes the shot At such rhythm, the gaze is deviated from the outer city is spontaneous, on the other hand it is also such casual- landscape, and goes into the individual’s inner side. If the ness that enables the construction of the subject/ ob- eyes are the windows of the soul, the metaphor of both ject representation, which is gradually disarmed before sides of the window also fits here. the lens. The work is composed of images that are taken before a context, in a game that varies according to the Although the majority of the photos show the city, circumstances in which the artist finds himself: some- some specific images punctuate private moments in the times they are constructed images, sometimes they are series with the artist’s presence. We can see several of @landovix

such moments through the self-portraits. There is great You are the heir. diversity in those, either when they are painted or pho- Sons are the heirs because, tographed. The paintings tend towards a frontal close-up. fathers wil die. Almost colorless, with quick and linear traces, they cre- Sons, however, rise and grow. ate an immediate access to the face without distractions You are the heir: and they privilege eye expression. The photos picture the The experience of traveling, of crossing less familiar artist in multiple ways: be it directly photographed by or unknown places determines the contact with the ex- the lens of the apparatus with the same frontality of the perience of difference and otherness. Paradoxically, that paintings, be it by means of anonymous silhouettes and movement of separation from the native land towards shadows on the floor, or by means of the reflected image other regions seems to bring us even closer to ourselves, of a mirror or other surfaces, whose distorted effects work making us question who we are and why we are that way. not only against image clarity, but also against life certain- In that sense, the alternation of Lando’s self-portraits with ties. In one of those images, the artist fuses his body with city images reinforces the idea that travelling is not only the self-portrait of another artist, Jorge Molder; in other a means of dislocation in space, but also a psychic move- cases, he inserts himself beside the works, in a game that ment, an inner trip and an inner search. reveals hybridizing, individualities, intertextualities, etc., Miro Soares - Paris-Berlin, February/2014 leaving an open way to various interpretations. [Visual Artist - PhD student in Arts and Science of Arts - Université Paris 1 Phantéon - Sorbonne] Another of such moments, a very representative one, is that which is revealed in a particular photograph. This 1. Image produced by apparatus. Vilém Flusser, Filosofia da Caixa Preta – En- photograph shows the reutilization of an already known saios para uma futura filosofia da fotografia, translation by the author. São Pau- image of Lando’s, in which a man is seen at the Musée lo: Editora Hucitec, 1985. d’Orsay observing the painting Le déjeuner sur l’herbe, 2. Vilém Flusser, “Exile and Creativity”, p. 104-109, in: Vilém Flusser – Writings, by Édouard Manet. That image was photographed again ed. Andreas Ströhl, trans. Erik Eisel. Minneapolis / London: University of Min- on the occasion of its exhibition at Museu Vale in Vila nesota Press, 2002. Velha-ES, so that what is seen in the new image is then 3. Victor Segalen, Essai sur l’exotisme. Montpellier: Fata Morgana, 1978 / Paris: the artist’s father observing the photo in which the man Le Livre de Poche, coll. Biblio Essais, 1999. at the museum observes the 19th century painting. The 4.„Du bist der Erbe. / Söhne sind die Erben, / denn Väter sterben. / Söhne stehn tautology created by the photo of the photo serves to und blühn. / Du bist der Erbe:”. Rainer Maria Rilke, The Book of Hours: Prayers make explicit the diverse layers of realities, dimensions to a Lowly God, ed. and trans. Annemarie S. Kidder. Evanston: Northwestern and times, all condensed into one same image. The image University Press, 2001, p.113. ceases to be a photo that pictures an object and becomes a device to access memory and transit between different @landovix situations and different times. We can relate the image to the permanent character that cities and works of art have. Despite the passage of time and of diverse generations, they do resist and survive as historical or cultural heritage for other generations. It is also possible to consider that image from the point of view of personal heritage: it is loaded with affec- tive value and serves as a link between the artist and his deceased father. The photo expresses to us that grave and equally serene understanding of time and life, just like Rilke shows us in The Book of the Hours:

SOBRE LANDO E SUA FOTOGRAFIA About Lando and his photography @landovix

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Distâncias, imagens e construção dos “Eus” Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir. (Álvaro de Campos) In Brazil, paradoxically, landscape photography aimed at tourists grew far more rapidly. Photography boomed during the reign of Dom Pedro II, passionate about the medium. Augusto Stahl worked in Recife from 1853 and in Rio de Janeiro from 1859. (Françoise Heilbrun, “Around the World . Explorers, Travelers, and Tourists”. in The New History of Photography. p.166) Este livro é literalmente constituído por imagens, e seus; arte e ludicidade urbana; paisagens, rios e fluxos; estas formam os mais diversos percursos por múltiplos pontes e muitas marcas da distância. territórios. Sendo um conjunto muito heteróclito de to- madas de vista e um objeto composto só por imagens, a A nosso ver, Orlando da Rosa Farya tudo isto per- tarefa da respectiva organização interna é particularmen- corre e apreende (com a preocupação de interligação de te delicada, pois, exige a criação de uma rede intrincada realidades muito distintas), justamente para melhor se de relações e reenvios, como poderão observar. auto-captar (segundo um eco ricoueriano e qual “atuali- zação” do regresso a Ítaca) na sua identidade artística que Sucede que, como é consabido, simultaneamente transporta um enraizamento transatlântico. à apreensão fotográfica das realidades aqui impressas, a respectiva eleição temática e territorial, assim como Por esses motivos, ou seja, devido à diversidade a linguagem e os ângulos de captação da torrente dos temática que nos apresenta, devido à vontade manifes- mundos “achados” são sempre projeções da interiorida- tada em se deixar tocar por realidades estranhas e dis- de na “tela” do mundo, assistindo-se neste livro a uma tantes que reconfigura artisticamente por intermédio da inter-reflexividade teorizada por muitos autores, entre os expressão fotográfica, terminamos esta breve nota com quais os “suspeitos do costume” da psicanálise, o “quias- mais quarto versos do poema de Álvaro Campos sobre o ma interior-exterior” de Merleau-Ponty, mas sobretu- sentimento do excesso, da deambulação (mesmo que em do, a interdependência entre a “narratividade, tempo e potência, ou “fingida”) e da auto-compreensão egológica: identidade pessoal”em Paul Ricoeur, por intermédio de imagens-narrativas que “dão que pensar”, enquanto sím- Sentir tudo de todas as maneiras. bolos culturais a fruir e a decifrar, e que contribuem para Sentir tudo excessivamente, a auto-apropriação e a construção narrativa da vida e da Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas experiência de cada um. E toda a realidade é um excesso, uma violência… Uma presença do sujeito a si mesmo que ocorre de José Quaresma - Lisboa, 21 de maio de 2014 forma diferida, por imagens, por intermédio de alterida- [Artista visual, curador, professor da Faculdade de Belas des sucessivas que provocam a esfera subjetiva no seu Artes da Universidade de Lisboa] esforço permanente de auto-compreensão, como acima dissemos. Mas, que genero de imagens podemos surpreender ao longo destas “páginas-testemunhos” de uma deambu- lação que manisfeta e solta diversos “Eus”? Apontamen- tos criteriosos de ritmos, padrões, texturas, e abundantes matizes de origem muito prolixa; registros de expressões arquitetônicas europeias e extra-europeias; obras consa- gradas de pintura e jogos lúdicos com o ato de visita a mu- I @landovix

Distances, Images and the Construction of the “Selves” After all, the best way to travel is to feel. (Álvaro de Campos) In Brazil, paradoxically, landscape photography aimed at tourists grew far more rapidly. Photography boomed during the reign of Dom Pedro II, who was passionate about the medium. Augusto Stahl worked in Recife from 1853 and in Rio de Ja- neiro from 1859. (Françoise Heilbrun, “Around the World . Explorers, Travelers, and Tourists”. in The New History of Photography. p.166) This book is literally made of images, and they form ums; urban art and playful quality; landscapes, rivers and the most diverse passages through multiple territories. floods; bridges and many signs of distance. Since it is a very heteroclite set of points of view and one object composed only of images, the task of the respec- In our opinion, Orlando da Rosa Farya goes through tive internal organization is particularly delicate, for it all that and captures it (with the concern of interlinking requires the creation of an intricate network of relation- very distinct realities), precisely to better capture himself ships and returns, as it might be observed. (according to a ricoeurian echo and something like a mod- ern version of the return to Ithaca) in his artistic identity It so happens that, as it is widely known, simultane- that transports a transatlantic process of taking root. ously to the photographic capture of the realities here im- printed, the respective thematic and territorial election, For those reasons, that is, due to the thematic di- as well as the language and angles of capturing the torrent versity presented, due to the manifest wish to let him be of the “found” worlds, are always inwardly projections touched by strange and distant realities that artistically on the world’s “screen”. One sees in this book an illus- reconfigure through photographic expression, we end tration of the inter-reflexivity theorized by many authors, this brief note with four more lines from Álvaro Campos’s among whom are the “usual suspects” of psychoanalysis, poem about the feeling of excess, of digression (either Merleau-Ponty’s “interior-exterior chiasm”, but above all, real or faked) and of egotistic self-understanding: the interdependency between the narrative quality, time and personal identity in Paul Ricoeur, by means of narra- To feel everything in every way. tive-images that “make one think”as cultural symbols to To feel everything excessively, be enjoyed and deciphered, and that contribute towards For all things are, truly, excessive self-appropriation as well as the narrative construction of And all reality is an excess, a violence… each one’s life and experience. José Quaresma - Lisboa, May 21st, 2014 [Visual artist, curator and Fine Arts professor at Universi- It is the presence of the subject before himself, which dade de Lisboa] occurs in a deferred form through images, by means of successive alterations, that provoke the subjective sphere II in its permanent self-understanding effort, as we men- tioned above. But, what kind of images can we be taken unawares by along these “testimony-pages” of a digression that manifests and releases several “Selves”? Careful notes of rhythms, patterns, textures, and abundant shades of quite a prolix origin; records of European and extra-Euro- pean architectural expressions; acclaimed works of art in painting and playful games about the act of visiting muse- @landovix

O antropólogo indiano Arjun Appadurai argumenta configurações, suas várias facetas. São anotações sobre que a facilidade e a frequência com que as mídias e os saberes, sobre fazeres. Relatos de vivências. Comentários imigrantes atravessam fronteiras estão produzindo novas visuais”. Como falar de uma obra tão singular? Singular formas alternativas de imaginar e criar um novo Estado- na sua clareza e no ineditismo de sua lição e singular, -nação, forjados por meio de múltiplas sobreposições, as também, porque a conexão entre a tradição e o contem- “paisagens” (ethnoscapes, financescapes, technoscapes, porâneo, meios e linguagens na poética visual do artista, mediascapes e ideoscapes), e condutas dos fluxos globais. nos obriga a rever categorias estáveis e narrativas uni- Appadurai lança luz sobre a interação entre estruturas versalizantes; colonização, linguagem, tradição cultural, institucionais, mídia e imaginação humana em históricos transculturação, nacionalização, periferia, comunicação e de transformações políticas, sobre o papel das paisagens exotismos são apresentados como se pressentissem a im- no final do século XX. portância do capital adquirido. Lando da Rosa Farya nos informa, com escrupuloso cuidado, que lugares, proce- Orlando da Rosa Farya leva suficientemente em con- dências, pessoas, fazeres e saberes não são só narrativas ta as maneiras pelas quais essas paisagens podem ser de viagens. mediadas ou produzidas e, assim, se mover através do espaço além-fronteiras, reconstruir e reinventar suas his- As imagens capturadas são vozes atentas e sequio- tórias. O conjunto de imagens, denominadas por Lando sas em colher dela todos os frutos não em benefício pró- fotografias e por mim “pinturas fotográficas”, produzidas prio, mas, num exclusivo gesto humanístico, compartilhar ao longo de anos, é uma viagem às diversas partes do e reescrevê-la; região, produção, costumes, tradições pe- mundo ‒ de Marrakesh a Paris, de Londres a Nova York, riféricas, numa historiografia global. São desses filtros, al- de Berlim a São Paulo. cançados após dias de caminhadas, travessias arriscadas, enfrentamentos e tensões entre esses mundos, ENTRELU- O título Os dois lados da janela por si só deflagra uma GAR, um estado de duplo pertencimento que tratam as poética e uma expectativa diante das imagens: interesse imagens de Orlando da Rosa Farya. particular de Orlando da Rosa em penetrar na alma huma- na ‒ primeira fronteira do ser pelo olhar sábio estrangeiro Num texto, Mahatma Gandhi disse: “Não quero que para além das fronteiras. Referindo-se à acolhida e recep- a minha casa seja cercada de muros por todos os lados, ção tanto em terras indianas quanto na Comunidade de nem que as minhas janelas sejam tapadas. Quero que as Vila Nova de Colares (Serra, ES ‒ Brasil) ‒, Orlando da Rosa culturas de todas as terras sejam sopradas para dentro Farya é, sem dúvida, um atento e minucioso observador. da minha casa, o mais livremente possível. Mas recuso a Os relatos visuais que nos faz de suas jornadas contidas ser desapossado da minha por qualquer outra”. As “foto- neste livro reafirmam que os grupos culturais estão cada grafias-pinturas” de Orlando da Rosa Farya me dizem a vez menos ligados a lugares geográficos específicos. Mas mesma coisa. exigem uma abordagem translocal da antropologia, que pode levar mais plenamente em conta a complexidade da Neusa Mendes - Primeiro dia de primavera, 2012 vida humana no mundo hoje, aqui agora, e cá, tradicional [Coordenadora de Artes Plásticas da Secretaria de Cultura e contemporâneo. e Comunicação da Ufes - Curadora de exposições nacionais e internacionais] Nas palavras de Orlando, “é um livro de conside- rações e reflexões, com conotações visuais, sobre o ser humano e sua aventura no mundo contemporâneo. Suas III @landovix

Indian anthropologist Arjun Appadurai argues that such a singular piece of work? It is singular in its clarity the easiness and frequency with which the media and and in the originality of its lesson, and singular, still, be- immigrants cross borders are producing new alternative cause the connection between the traditional and the forms of imagining and creating a new Nation-State, forged contemporary, the means and the languages in the art- by means of multiple juxtapositions of “landscapes” (eth- ist’s visual poetics forces us to revise stable categories noscapes, financescapes, technoscapes, mediascapes and and universalizing narratives: colonization, language, cul- ideoscapes), and global flow conduits. Appadurai throws tural tradition, transculturation, nationalization, city out- light on the interaction among institutional structures, skirts, communications and exotic attitudes are presented the media and human imagination in histories of political as if they could foresee the significance of the acquired transformation, the role of landscapes at the end of the capital. Lando da Rosa Farya informs us with scrupulous 20th century. Orlando da Rosa Farya takes into account care that places, origins, peoples, doings and knowledge the ways in which such landscapes can be electronically are not only travel narratives. mediated or produced and, thus, move through the space beyond borders, reconstruct and reinvent their histories. The captured images are attentive voices eager to The set of images, called photographs by Lando and “pho- pick all the fruits from it, not only for their own benefit, to paintings” by me, produced over the course of years, but in an exclusive humanistic gesture to share and re- is a trip to several parts of the world – from Marrakesh to write it: the region, production, customs, and peripheral Paris, from London to New York, from Berlin to São Paulo. traditions in a global historiography. Such are the filters, reached after days of long walks, risky crossings, confron- The title Both sides of the window itself conjures a tations and tensions between those worlds, a BETWEEN- policy and an expectation in relation to the images: Or- PLACES, a state of double belonging that Orlando da Rosa lando da Rosa’s particular interest in penetrating the hu- Farya’s images deal with. man soul – the first frontier of the human being through the wise foreign gaze beyond borders. Referring to the re- Mahatma Gandhi once wrote: “I don’t want my ception and welcome both in Indian land and in the Vila house to be surrounded by walls all around it, nor my win- Nova de Colares Community (Serra, ES - Brazil). Orlando dows to be shut. I want the cultures from every land to be da Rosa Farya is, undoubtedly, an attentive and careful blown into my house, as freely as possible. But I refuse observer. The visual reports he makes of his journeys con- to be dispossessed of my own for any other.” Orlando da tained in this book, reaffirm that the cultural groups are Rosa Farya’s “photo paintings” say the same thing to me. all the time less linked to specific geographical places. But they require a translocal approach of anthropology, which Neusa Mendes - On the first day of Spring/2012 can take more fully into account the complexity of human [Fine Arts at Ufes’s Superintendência de Cultura e Comu- life in the world today, here and now, traditional and con- nicação. Curator of National and international exhibitions] temporary. IV In Orlando’s words “it is a book of considerations and reflections, with visual connotations, about the hu- @landovix man being and his adventure in the contemporary world. Its configurations and its various aspects are annotations about knowledge and about doings. Reports of living ex- periences. Visual comments.” How can one talk about

Orlando Farya e a captura de pequenas narrativas A produção poética de Orlando da Rosa Farya (1957, Os projetos de deslocamento demonstram um diá- Vitória), resulta, na última década, de imagens de cidades logo complexo com um mundo globalizado economica- – de Vitória, Rio de Janeiro e São Paulo a Berlim, Londres, mente e diversificado em particularidades geográficas e Paris, Budapeste, Madrid, Nova York, Roma, Florença, Ve- culturais que atestam transformações, afetam as repre- neza, Marrakech, Varanasi ou Havana, entre tantos outros sentações do mundo e ordenam a vida cotidiana. lugares. A visitação a outras tradições, usos e costumes, cor- Observando outros caminhantes, entre turistas e ha- roídos pela ação do tempo que superdimensiona o pre- bitantes, Farya, na figura do flâneur-fotógrafo, lembra o sente em um aqui e agora, constitui um arranjo para o solitário caminhante de Baudelaire que percorre as ruas artista, viajante do século XXI. A esse viajante, não cabe de uma cidade. Registrando uma espécie de “panorama” buscar somente o exótico, mas ser voraz, como é próprio do século XXI, o artista, também ator da cena, se expõe ao ato de consumo. De um só lugar, captura centenas de às circunstâncias, ao terreno de ação do pedestre. Sua ca- imagens que revisam o mundo digitalmente. Diferentes racterística urbana, da qual a figura do flâneur serviria de cantos do planeta correspondem, desse modo, a uma “fermento”, é ativada pela ação direta do meio geográfico sequência temporal inscrita no espaço de modo simultâ- e cultural. Andar à deriva e perambular tomam forma e neo. Essa matéria significante trata de sentidos e valores dão forma, determinando a construção de relações pre- originários da produção cultural acumulada, a ser cata- cárias germinadas em diferentes contextos, a acontecer logada em um repertório de referências que passam por em parques, metrôs, praias, portos, trajetos de ônibus, áreas diversas: a história da arte, o cinema, a arquitetura, estradas, shoppings, monumentos turísticos ou museus. o patrimônio imaterial, a moda, os costumes. Desde o início dos anos 90, grande quantidade de Em Marrakech, série produzida também em 2010 artistas vem interpretando e colocando em uso produtos [pág. 183], o artista compõe um conjunto de observação culturais e obras de autorias diversas. Mais recentemen- dos modos de vestir e viver na cidade marroquina, em te, alguns artistas elaboram processos que efetuam no- sua passagem que parece procurar, por sua mirada e pelo ções de convívio, não se restringindo ao campo tradicio- olhar do outro, algum comentário não dito, alguma falha nalmente destinado à ‘representação’. que constitua sinal de empatia, ou quem sabe, uma leve admoestação, a fim de constituir um mínimo sinal de liga- A partir da ideia de viagem, o artista cria expedições ção com o desconhecido. em busca de territórios culturais diversos, nos quais não se comporta como receptor passivo ou observador alheio, As obras do passado e a vida em construção cons- mas enquanto condutor de uma narrativa fragmentada e tituem, portanto, um repertório de imagens em tempos em desenvolvimento. Por onde passa, dirige seu olhar fluidos e anacrônicos. A nebulosidade entre originais e atento para a captura de pequenos eventos que possam cópias é explorada por uma estratégia colecionista da ocorrer à sua volta, micro-fragmentos da vida alheia ou arte, na qual o plágio e a apropriação participam da di- de sua própria, entrelaçados como elos de uma história fusão das ideias. O artista se torna consumidor de todo coletiva congelada no instante fotográfico. imaginário coletivo e patrimônio artístico, buscando na diversidade das origens, um outro lugar em tempos de A série RER-D 2010 Paris – Combs-la-Ville [pág. 129], standartização. apresenta um trajeto realizado diariamente durante sua estadia nas proximidades da capital francesa, no momen- Tal como na foto [pág. 166] em que um observador to de apreensão e troca de olhares entre o artista e os diante da obra Double Elvis (1963), de Andy Warhol, ti- passageiros, intermediado pela fotografia digital. rada no Museu de Berlim, localizado na antiga estação V @landovix

ferroviária Hamburger Bahnhof, o passado é presentifi- ignoram a presença da máquina fotográfica em sua dire- cado pelo olhar do artista capixaba que elabora, a partir ção ou observam, com determinado incômodo, o “roubo” da observação de visitantes às instituições de arte, novos de sua imagem. Posteriormente, o artista em sua própria arranjos que dizem respeito a um modelo classificatório exposição, vai “ciceronear” aqueles espectadores inclu- de colecionar e reapresentar os acervos de museus. sos em sua própria obra, em vistas de todo um acervo da história da arte. Seja no compartilhar o mesmo espaço físico de vi- sitação e contemplação, no Musée d’Orsay, da pequena E assim, o espaço geográfico, “geocustomizado” e bailarina em bronze, de Degas (Petite danseuse de 14 apresentado como formas-trajetos de um mundo labirín- ans, 1921-31) ou diante de um óleo sobre tela de Courbet tico, se dá enquanto série temporal de atos independen- (L'origine du monde, 1866) [pág. 159], o procedimento de tes e sucessivos, e não como simples reunião de objetos Farya é uma constante: da observação do visitante que é no espaço. Bourriaud compara o procedimento do artista visto enquanto dirige sua atenção às obras dos mestres. que seleciona objetos culturais para daí, criar novos mo- dos de produção, com a atividade de um DJ, que constrói A obra dentro da obra, o espectador visto por outro um repertório a partir de um amálgama da forma original, e as figuras do artista, do visitante e do turista que se redimensionando a distinção entre produção e consumo, confundem, formam eixos de sentidos intratextuais (que criação e cópia. provêm de outras obras e contextos) e extratextuais (que não pertencem às obras citadas) que agregam novos sen- No caso de Farya, essa reprogramação entrelaça tidos ao ato de traçar viagens com fins culturais. vida e arte, as cidades atuais, suas histórias e iconogra- fias. Próximo a um “roteiro in progress”, o artista segue Decorrente do pensar o caminhar tal qual invenção a demarcar novos destinos, em um arranjo de reconheci- e produção, uma certa ficção é então construída pela po- mento do ser e do habitar o mundo que afirma operações ética que movimenta ações banais no cotidiano de uma de saída, superando o estado cíclico de fazeres e rotinas viagem – mas não no sentido de uma narrativa de fundo dessemantizadas e padronizadas para o encaminhamen- alegórico, moral ou político. Nela, os agenciamentos ma- to de valor estético na insignificância dos pequenos even- teriais entre signos e imagens podem se organizar com tos, dos micro acontecimentos e das coisas banais. fluidez, a partir da situação da trajetória de deslocamento do artista. Desse modo, o artista se apoia na personagem Fátima Nader Simões Cerqueira teatralizada do “turista” que, de modo implícito ou explí- [Doutoranda em Comunicação e Semiótica – PUC/SP] cito, entrelaça a ação do trajeto à investigação poética. O mundo é então, qualificado: o agenciamento simbólico VI passa a se afirmar enquanto memória construída, e não como pura representação. @landovix No caso de Farya, a “encenação” encontrada e intro- duzida nas ruas da cidade, funciona como um suplemen- to, quase um monólogo. Seja andarilho ou turista, ele perambula ou senta, literalmente, aguardando, de modo paciente, o próximo evento. Unindo situações e contextos geográficos, segue co- letando detalhes de cenas na vida das cidades, registran- do momentos fugidios e efêmeros no compartilhamen- to de espaços sociais e impessoais, nos quais inclui a si próprio na captura do outro, em meio aos indivíduos que

Orlando Farya and the capture of short narratives The poetic production of Orlando da Rosa Farya the passengers, intermediated by digital photography. (1957, Vitória) has resulted, in the last decade, from city The dislocation projects show a complex dialogue images - from Vitória, Rio de Janeiro and São Paulo to Berlin, London, Paris, Budapest, Madrid, New York, Rome, with an economically globalized world and a world diver- Florence, Venice, Marrakesh, Varanasi or Havana, among sified in geographical and cultural particular details that many other places. confirm transformations, affect the world representations and order daily life. Watching other passers-by, tourists and locals, Farya as a flâneur-photographer evokes Baudelaire’s lonely The visitation to other traditions, usages and cus- wanderer that goes through the streets of a city. Record- toms, distressed by the action of time that blow up the ing a sort of “survey” of the 21st century, the artist is also present into a here and now, constitutes an arrangement an actor in the scene exposing himself to the circumstanc- for the artist, a traveller of the 21st century. Such travel- es and to the pedestrian’s action territory. His urban char- ler must not search only for the exotic, but must also be acteristics, in which the character of the flâneur would voracious as befits the act of consuming. From one single serve as “ferment”, are activated by the direct action of place, he can capture hundreds of images that digitally the geographical and cultural environment. The act of revise the world. This way, different corners of the planet walking aimlessly and wandering around take form and correspond, in such a way, to a temporal sequence writ- give form, determining the construction of the precari- ten in space simultaneously. That significant matter deals ous relations created in different contexts that might hap- with senses and values originated from a cumulative cul- pen in parks, subways, beaches, ports, bus tracks, roads, tural production, to be catalogued into a reference reper- malls, touristic monuments or museums. toire that touches diverse areas: history of art, the mov- ies, architecture, immaterial patrimony, fashion, customs. Since the beginning of the 90’s, a great many artists have been interpreting and putting into use a lot of cul- In Marrakesh, a series also produced in 2010 [pg. tural products and works by diverse authorships. More re- 183], the artist composes a set of observations about how cently, some artists have developed processes that effect people dress and live in the Moroccan city. During his stay relationship notions, not restraining themselves to the there, he seems to search, through his own gaze and the field traditionally reserved to ‘representation’. gaze of others, for some untold remark, some flaw that might constitute a sign of empathy or, who knows, a slight Departing from the concept of travelling, the artist warning, in order to a minimal sign of connection with the creates expeditions in search of diverse cultural territo- unknown. ries, in which he doesn’t behave as a passive receptor or an outside observer, but as the conductor of a fragment- The works of the past and life in construction consti- ed narrative under development. Wherever he goes, he tute, therefore, a repertoire of images in fluid times and directs his keen gaze to the capture of small events that anachronisms. The nebulous character between origi- might occur around him, micro fragments of other peo- nals and copies is explored by an art collection strategy, ple’s lives or of his own, connected as links of a collective in which plagiarism and appropriation participate in the story frozen in the photographic instant shot. broadcasting of ideas. The artist becomes a consumer of all the collective imaginary and artistic heritage, search- The series RER-D 2010 Paris - Combs-la-Ville ing in the diversity of origins for another place in times of [pg.125 ], presents a distance he travelled daily during standardizing. his stay near the French capital, at the moment of the capture and exchange of looks between the artist and As in the photo [pg. 162], in which an observer be- fore the work Double Elvis (1963) by Andy Warhol, taken VII @landovix

in the Berlin Museum, located in the former Hamburger fleeting, frail moments in the sharing of social and imper- Bahnhof railway station, the past is made present by the sonal spaces, in which he included himself while captur- capixaba artist’s gaze, who develops new arrangements ing the other, among individuals who ignore the presence from observations by visitors at art institutions that are of the camera turned in their direction or just watch, with about a classifying model to collect and represent mu- a certain unease, the “stealing” of their image. Later, the seum collections. artist in his own exhibition will “guide” those spectators included in his own work considering a whole history of Be it in sharing the same physical space of visitation art collection. and contemplation, at Musée d’Orsay, of the small bronze ballerina by Degas (Petite danseuse de 14 ans, 1921-31) And thus, the geographic spaces, “geo-customized” or before an oil painting by Courbet (L’origine du monde, and presented as forms/routes in a labyrinthine world, is 1866) [pg.155], Farya’s procedure is constant: from the seen as a temporal series of independent and successive visitor’s observation who is seen while directing his atten- acts, and not as the simple reunion of objects in space. tion to the masters’ work. Bourriaud compares the procedure of an artist who se- lects cultural objects from which to create new produc- The work inside the work, the spectator seen by tion modes with the work of a DJ, who builds a repertoire another spectator, and the characters of the artist, the from an amalgamation of the original form, re-dimension- visitor and the tourist that are mingled, form axis of inter- ing the distinction between production and consumption, textual senses (that come from other works and contexts) creation and copy. and extra-textual senses (that do not belong to the men- tioned works) which add new meanings to the act of plan- In Farya’s case, such reprogramming weaves to- ning cultural trips. gether life and art, the current cities, their histories and iconographies. Similarly to a “script in progress”, the art- Stemming from thinking, the act of walking as inven- ist goes on setting new destinations, in an arrangement tion and production, a certain fiction is then constructed of recognition of ‘the being´ and ‘the living´ in the world by the poetics that moves simple actions of a trip routine that affirms exit operations, overcoming the cyclic state – but not in the sense of a narrative of allegorical, moral of meaningless and standardized doings and routines or political meaning. Inside it, the material negotiation towards the forwarding of aesthetic values in the insig- between signs and images may be organized in a natural nificance of small events, of micro happenings and simple flow, from the situation of the artist’s dislocation course. things. In that way, the artist is supported by the theatrical char- acter of the “tourist” who, in an implicit or explicit way, Fátima Nader Simões Cerqueira interlinks the action of the course to the poetic investi- [Communications and Semiotics, PhD candidate – PUC/SP] gation. The world is then qualified: the symbolic agency is established as constructed memory, and not as mere VIII representation. @landovix In Farya’s case, the “scenario” found and introduced in the city streets functions as supplementary, almost a monologue. Whether as a flâneur or a tourist, he wanders and sits literally waiting patiently for the next event. Linking situations and geographical contexts, he goes on collecting details of city life scenes, recording

A ruptura com a estética fotoclubista capixaba: a obra de Orlando da Rosa Farya Em julho de 2008 eu fui a Paris pesquisar e eviden- meios e materiais através da fotomontagem. Isso me in- temente fiz aquisições de livros de fotografia, de teóricos teressa porque a questão da fotomontagem ou um proce- da fotografia. Um dos livros que imediatamente comecei dimento semelhante ao da fotomontagem está presente a ler foi o de autoria de André Rouillé, que é hoje um dos na maioria dos fotógrafos contemporâneos, inclusive nos teóricos de fotografia que me interessam bastante. Ao ler procedimentos de Orlando da Rosa Farya. este livro comecei imediatamente a fazer articulações en- tre o texto e a produção fotográfica do Orlando da Rosa Se para Rouillé, o processo da fotomontagem estaria Farya, artista do Espírito Santo, que também é professor e imbricado na hibridização contemporânea, tal fenômeno meu colega na Universidade. parece pontuar também, como veremos adiante, a pro- dução fotográfica desse artista capixaba ao qual me refiro. Em La Photographie, um de seus mais alentados e emblemáticos estudos, Rouillé destaca os equívocos e Na década de 1980 surge, segundo o teórico francês, preconceitos que a fotografia teve que vencer desde sua outro gênero de imagens de excelente qualidade técnica, origem aos nossos dias, tanto para se instituir como arte apesar do tratamento pobre das provas, ao mesmo tempo como para tornar-se um procedimento redentor da arte em que as imagens fotográficas passam a ser combinadas contemporânea, isto é, como maneira de se opor à des- com outros materiais como cartas, objetos e desenhos materialização da arte. e são ampliadas em tamanho monumental. Esse caráter monumental permanece válido até hoje e é um dos ve- Ao afirmar que não foi o meio fotográfico que conta- tores em que se apóia a produção de Orlando Farya. De minou a arte, mas os artistas que se ampararam nele para modo especial as fotografias de obras de arte, captadas responder a necessidades artísticas próprias, o teórico por ele dentro dos museus – um de seus principais cam- francês instaurava uma nova possibilidade de compreen- pos de ação – são ampliadas em escala muito maior do são e análise do projeto poético dos artistas fotógrafos que as próprias dimensões das obras fotografadas, o que deste início de século, entre os quais destacarei Orlando cria por si só um estranhamento. da Rosa Farya, que é hoje o fotógrafo mais conhecido do Estado (o Sebastião Salgado foi criado lá e ainda mora lá, Claro que todos nós sabemos que a ampliação de fo- mas enfim, o Sebastião já é outra história) e cuja obra tografia não é nova, foi utilizada desde o século XIX, mas vem alcançando repercussão internacional. nesse momento ela vai ter uma outra função e intenção. Ao ampliar as fotografias em escala monumental, o artis- A idéia de que a fotografia constituía uma ameaça ta parece mostrar que esse gênero de imagem lhe inte- desde seu aparecimento se apoiava numa única certe- ressa como algo que se distingue muito bem do processo za, nem sempre revelada ou explicitada: a de que “na artístico. Ele não confunde o que é fotografia com o que imagem-máquina a realidade material tomava o lugar é arte. do operador”, isto é, do artista, transformando-a tanto em “sintoma do esvaziamento do fazer pictórico, como Ao subverter sua pureza e hibridizá-la com outros em renovação do pensamento e da matéria da arte”. meios – processo que a punha em visível diálogo com a No entender de Rouillé, somava-se a isso a constatação pintura – a fotografia inaugurava um novo procedimento de que a fotografia “modificou os conceitos de verdade, artístico dentro da arte. Instaurava um brusco retorno à de semelhança, assim como a ontologia da imagem” o figuração e transferia para si uma nova concepção de re- que aumentava ainda mais o seu estranhamento. alidade, num processo que tomou de assalto a bienal de Vale lembrar que George Grosz e alguns dadaístas ante- Veneza de 1980. ciparam os processos contemporâneos de hibridização de Finalmente, na década de 1990, a fotografia produ- IX zida por uma nova geração de artistas fotógrafos – eles @landovix

querem ser chamados assim – tomava ainda outro sen- fotógrafos do nosso tempo, entre os quais destaco Rosa tido ou procurava marcar posição em relação à chamada Farya, artista cuja pintura possui estrita vinculação com a fotografia criadora do período imediatamente anterior. fotografia e cujas imagens fotográficas se revelam conta- minadas pelo olhar pictórico. A atual geração de artistas fotógrafos propõe situa- ções em que o público pode fazer com que algo aconteça, Mas muitos outros fotógrafos passaram a produzir mas não mais como uma coisa específica, mas como uma igualmente imagens que parecem originar-se tanto do relação transitória e processual, ou em constante devir. desdobramento do trabalho que realizam com outros Esse aspecto é bem claro na obra do Orlando. Numa épo- processos artísticos como do anseio por instigar e tencio- ca de desmaterialização da arte, o artista torna opacas as nar os limites e fronteiras da própria arte. Eles recorrem, provas de sua existência, lançando mão de intervenções nesse caso, a diferentes processos e também ao auxílio manuais e passando a gerar grandes painéis fotográficos, de novas tecnologias e da Internet. Em certo sentido essa maiores ainda do que as próprias obras da pintura ou da prática, lançada desde a década de 1980, permite esta- escultura. Isso significa de um lado que o trabalho artísti- belecer – ressalvando-se as devidas especificidades con- co passa a situar-se em outro lugar, que não se confunde ceituais – uma aproximação, como eu dizia anteriormen- com os clichês apresentados. E de outro preceitua que te, em relação às fotomontagens surgidas nas primeiras não se trata simplesmente de substituir a pintura pela fo- décadas do século passado, em especial por propor uma tografia, mas se institui mais como processo artístico do aliança até então inconcebível entre meios. que fotográfico. Os artistas contemporâneos definem desta forma A ideia não é demarcar qualquer fronteira entre os um conceito de práxis artística denominada de arte foto- valores da arte e os da fotografia, mas pontuar o processo gráfica. Até então não se chamava assim; isso é um novo de assimilação e contaminação que existe entre eles, o dado. Mais do que recorrer às imagens fotográficas como que engendra um processo artístico que não é de maneira simples recursos ou instrumentos da arte, os artistas atu- nenhuma fotográfico. A passagem das imagens analógi- ais instauram um processo de hibridização, a arte-foto- cas à era das imagens digitais, com o advento das novas grafia, que gera uma nova matéria da arte e rompe ao tecnologias, transforma paradoxalmente a figuração ana- mesmo tempo com todos os processos artísticos em vigor lógica, que satura o olhar contemporâneo, numa nova até então. Para Rouillé, “a fotografia de autoria de artistas sensibilidade e num retorno ao conceito de mimese que de nosso tempo não tem por principal projeto reproduzir caracterizou a arte desde suas origens. o visível, mas tornar visível qualquer coisa do mundo, não necessariamente da ordem do visível. Ela não pertence ao Nesse retorno, no entanto, a arte se mostra profun- domínio da fotografia, mas ao da arte, porque a arte dos damente transformada, posicionamento que não deixa artistas é também distinta da arte dos fotógrafos, tanto de pontuar o que o teórico francês denomina de novo pic- quanto a fotografia dos artistas o é daquela dos fotógra- torialismo. Este também considera que fotografia assume fos. Mesmo distintas, uma e outra têm em comum ser evi- a partir da década de 1990 uma dimensão messiânica ou dentemente plurais”. “uma missão quase sagrada: a de revitalizar a arte con- temporânea considerada em crise”, sentido que atribuiu Muitos artistas recorrem à fotografia não simples- à fotografia um novo estatuto: ao invés de imitar a arte, mente para desafiar o próprio conceito de fotografia, mas imbuía-se do propósito de salvá-la. Essas e outras refle- para instaurá-la como paradigma da arte contemporânea. xões permitem compreender o posicionamento criativo, Os artistas fotógrafos atuais ampliam as fotografias por perceptivo e poético assumido por determinados artistas eles produzidas, então a vários metros de dimensão, para X @landovix

pôr em pauta o conceito de forma quadro e de quadro na maioria dos casos as instituições culturais não permi- fotográfico, e para sublinhar que se trata de um processo tem a elaboração de fotografias das obras ali expostas, mais artístico do que fotográfico. Outros ampliam os limi- o artista passou a agir como uma espécie de raptor ou tes da fotografia ao desenvolverem também projetos no sequestrador de imagens, valendo-se para isso de meios campo da vídeoarte, como é também o caso do Farya que não convencionais. Munido de uma câmara digital oculta eu vou situar agora. sob as vestes, ele se mistura ardilosamente aos visitantes do Museu. Disfarça, observa o ambiente e a atitude dos Os artistas fotógrafos contemporâneos ironizam a interlocutores diante das obras. Espera o melhor momen- banalidade das imagens que invadem nosso cotidiano to de flagrar o inusitado, pois o flanêur não pode ter pres- aproximando-se do cinema e do vídeo por meio dos quais sa. Mas ao encontrar o que procura tem de agir rápida dão ênfase à encenação. Outros ainda recorrem a uma e discretamente disparando a objetiva sem ser notado e práxis que parece validar a máxima de Baudrillard de que de modo a não perder nenhum aspecto insólito. Como a verdadeira fotografia se realiza na ausência do sujeito. não pode olhar para a câmara não tem, portanto, nítida noção do resultado obtido. Quer dizer, ele acumula expe- É nesse novo jogo de interesses e posicionamentos riência, possui um olhar treinado e a percepção bastante que nos parece interessante inserir a produção fotográfi- aguçada, mas como ele próprio observa, não tem total ca do capixaba Orlando da Rosa Farya. controle sobre a qualidade das tomadas, enquadramen- tos e nitidez das imagens captadas por esse processo. O Transita pelo mundo, é um fotógrafo viajante, pas- ato de descarregar a câmara é para ele tão fascinante e sando então por várias capitais brasileiras e também por surpreendente quanto o de captar as imagens, momen- cidades do exterior, entre elas, Berlim, Londres, Paris, to em que analisa, seleciona e organiza as imagens tidas Budapeste, Roma, Veneza, Florença Madrid, Nova York, por ele como satisfatórias, e descarta aquelas que não lhe Istanbul, Varanasi, Lisboa. Sem abandonar a pintura, o ar- agradam. tista transforma a fotografia no foco de sua produção. In- tensifica a partir daí também a elaboração de vídeos, que O fato de não poder conferir aquilo que captou faz resultam muitas vezes de descobertas que faz em suas com que as imagens geradas por esse artista/fotógra- andanças. Orlando da Rosa Farya atua como uma espé- fo possuam não raramente cortes ou enquadramentos cie de flanêur contemporâneo procurando e descobrindo, bastante ousados ou curiosos. O capixaba registra tanto com olhar treinado e sensível, locais e aspectos inusitados a expressão contemplativa do público diante das obras, do mundo que passam despercebidos à maioria dos tran- como o olhar de indiferença desses mesmos espectado- seuntes, apontando para eles a câmara digital. res. Permanece às vezes longo tempo transitando pelo mesmo espaço expositivo para registrar a atitude dos vi- O resultado desses deslocamentos é um imenso acer- sitantes diante das obras de arte; flagrar rostos e olhares vo imagético, revelador de visões muito particulares e inu- curiosos ou em devaneio; turistas orientais de semblan- sitadas da paisagem, da arquitetura, da vida cotidiana dos tes exaustos, mantendo o olhar fixo sem se saber em que transeuntes nas grandes cidades. Interessa-lhe, sobretu- lugar; mostrar esses maratonistas culturais aproveitando do, o olhar das pessoas, sendo essa uma das razões que o os raros e preciosos momentos dentro dos museus para levam a fazer verdadeira perseguição apontando para eles descansar, agarrados às sacolas de souvenirs, mais pre- discretamente a câmara digital escondida sob suas vestes. ocupados em desnudar os pés dos incômodos calçados do que com as obras que têm diante dos olhos e pelas Entretanto, a preferência do capixaba recai sobre flagrantes e cenas inusitadas, passadas em ambiente in- terno, não raramente no interior dos mais conhecidos museus e galerias de arte do Brasil e do exterior. Como XI @landovix

quais não parecem manifestar o menor interesse. Para No entanto, no legado fotográfico de Orlando da Rosa Farya “a imagem fotográfica funciona sob o regime Rosa Farya é possível identificar momentos específicos da impressão e do estado das coisas, mas também dos em que ele age como um documentarista, quando regis- acontecimentos do mundo que lhe são materialmente tra diferentes tempos, ações e peculiaridades desveladas necessários, e constituem seu material inscritível”, refe- num mesmo espaço geográfico ou social. Porém, o propó- rência que também empresto de Rouillé. sito maior do artista/fotógrafo é desmontar os limites dos materiais e dos processos inserindo nas obras artísticas A persistência nessa temática que observa o com- elementos fotográficos e na fotografia valores pictóricos: portamento do público visitante de museus e galerias ampliação de certos detalhes ou fragmentos de escultu- atesta o interesse do experimentado artista em revitalizar ras ou pinturas; introdução de cortes e enquadramentos; e atualizar aspectos emblemáticos de sua pintura. Sobre- seleção e registro de nuances de cores que vai desvelando põe fragmentos de imagens fotográficas diferenciadas ou nos ambientes por onde transita. amplia as fotografias, transformando-as em painéis ex- postos de maneira similar a pinturas. A fotografia torna-se Ao apontar sua câmara para as obras de arte no inte- assim um meio de geração e transformação dos valores rior dos museus, Orlando da Rosa Farya produz estranha- artísticos e revelador da ação do artista no mundo, numa mentos que intrigam os interlocutores. Faz penetrar na cultura centrada não mais na “mística da pureza”, mas fotografia de determinados ícones da pintura universal, que se abre “à alteridade, à diferença, ao consenso”. elementos que lhe são alheios, como a insólita cabeça e parte das vestes de um visitante anônimo, cuja tonalidade Por meio de uma observação atenta vai desvelando coincide ou se aproxima das cores dominantes nas telas. no interior das instituições culturais inúmeras possibilida- Essa inserção é cuidadosa e ardilosamente pensada pelo des de registrar o cotidiano, encontrando no “universal o fotógrafo, de maneira a torná-la convincente e a confun- particular”, “o extraordinário no ordinário”, “o novo no já dir o público desavisado. Este ao se posicionar diante das visto”. Essa parece ser uma forma de resistir à trivialidade fotografias ampliadas não raramente numa escala similar dos meios de comunicação de massa, como revela tanto ou maior do que a das pinturas registradas sente-se des- o seu extenso inventário fotográfico, como atesta em al- consertado e sem saber se está diante da obra de arte gumas de suas declarações. Sua prática e atitudes confir- que ele de alguma maneira conhece, ou de outra elabora- mam que, para os artistas fotógrafos atuais, criar não tem da pelo artista. Entre as muitas obras registradas por ele, mais o sentido de produzir, mas o de escolher ou simples- chama a atenção o novo olhar que lança sobre a tela de mente enquadrar e deslocar coisas e materiais, algo que Manet, Le déjeuner sur l´herbe (1863), que foi apresen- é totalmente contrário ao estatuto e funcionamento tra- tada no Salon des Refusés, mas que ironicamente acabou dicional da pintura, como já havia preconizado Duchamp. incorporada à coleção do Museu d´Orsey (Paris). O capixaba subverte a lógica mimética da fotografia Além de afrontar os conceitos sociais vigentes na- desmontando o conceito de verdade. Tira partido de ima- quele tempo, a temática dessa tela não deixa de refletir gens borradas ou fora de foco, manchas obtidas às cegas, uma nova atitude diante da vida moderna e certo narci- com o intuito de perturbar, de problematizar os hábitos sismo da burguesia da belle époque francesa. Para além visuais e polarizar o olhar. Não descarta igualmente cer- da temática, o autor da pintura, Eduard Manet, recorria a tas incoerências ou imprevisibilidades na captação da luz uma formulação acadêmica como se tentasse persuadir e outros artifícios que surpreendem e instigam o olhar. o público de que a arte é – e não pode ser nada além Rompe tanto com a lógica picturalista tradicional, como – de reprodução exata da natureza. A tela provocou um com a nitidez e transparência da praxe documentarista. XII @landovix

verdadeiro escândalo quando foi exposta ao mostrar uma lham pela pintura e pelo próprio corpo do nu que o en- curiosa confabulação entre dois cavalheiros elegante- cara. Além disso, a intensidade do verde de sua camisa mente vestidos e uma figura feminina nua, sentados na parece iluminar ou potencializar os tons rebaixados dos relva de um bosque, num processo em que os corpos pra- verdes azulados que cobrem a superfície da tela. A atitu- ticamente se enredam ou se tocam. Ao fotografar essa de do artista fotógrafo ao inserir literalmente na tela um tela, que mostra um lanche ao ar livre, provavelmente personagem falso ou pífio transforma a imagem numa es- após um banho num riacho situado logo acima das figu- pécie de fotomontagem e confirma que a fotografia per- ras, a intenção do capixaba não se restringe a ironizar o manece como um ato de escolha e, sobretudo, como um gosto trivial do público atual por essa pintura herdeira da processo de enquadramento e de sobreposição, ao qual tradição clássica. Afirma que essa pintura lhe chamou a já me referi antes. atenção muito mais pela quantidade de pessoas que se posicionam diante dela diariamente, trazendo para o âm- E para nos assegurar de que não se trata de uma có- bito da fotografia outras questões como a inserção dos pia ou de um duplo da pintura de Manet, mas de uma pa- espectadores de seu tempo. Flagra um homem calvo e de ródia ou de outra formulação articulada por ele, Orlando meia idade a contemplar a tela. Por estar posicionado de da Rosa Farya amplia essa imagem fotográfica sem respei- costas para o observador, não percebe a ação do fotógra- tar as proporções e as dimensões originais. Essa tela do fo posicionado atrás dele. Este espera o momento exato século XIX possui cerca de 210 cm por 264 cm, enquanto de acionar a câmara, fazendo com que a cabeça desse que a fotografia foi ampliada e impressa a laser, medindo intruso adentre literalmente o espaço pictórico, como se 4.00 m x 3.00 m, desrespeitando e suplantando, portan- fizesse parte dele. Evidentemente que ele faz uma sequ- do, as proporções originais do quadro. Produz assim uma ência de tomadas até enquadrar essa cabeça, de modo a imagem que permite discorrer sobre a noção de original coincidir e obstruir totalmente a figura que na tela se po- e de cópia, mostrando o poder do falso, a transformação siciona atrás dela: o corpo do homem de traje escuro, que do espaço real em uma espécie de espaço virtual, não por aparece reclinado da tela com a bengala na mão. Enquan- um produto da eletrônica, mas por um acréscimo, pela to na pintura esse homem é colocado de frente para um presença de um corpo estranho. Esse corpo atravessa o casal (ela nua e ele elegantemente trajado), de maneira a espaço da pintura e é tragado pela fotografia e instaura parecer confabular com o casal. Entretanto, ao invés de um processo em que o trabalho manual foi totalmente se dirigir a ele, tem o olhar voltado para fora da tela, para eliminado. o observador. Aproveitando-se dessa particularidade, na fotografia de Orlando Farya a função de interlocutor do Ao apresentar esses painéis fotográficos de pinturas casal passa a ser feita por esse anônimo intruso. Nesse ou esculturas em locais que não museus ou galerias, aos processo chama a atenção o jogo de olhares, pois é exa- quais essas obras pertencem, o artista retira-as ainda do tamente para esse indivíduo que os personagens da tela seu habitat e de sua intimidade e as insere em novos con- parecem dirigir-se, o que faz com que se estabeleça entre textos, alterando seu sentido ou a sua significação. eles um clima de estranhamento ou de questionamento mútuo. E curiosamente, é a calva arredondada desse in- Em outros casos, o capixaba contrapõe à cor de um quiridor, envolta por uma brilhante luz rósea, que chama plano geométrico de uma determinada tela abstrata um a atenção e cria um elemento paradoxal na composição; novo plano de cor. Essa interferência não resulta do em- contrapõe-se também com os tons rosados que se espa- prego manual de tintas e pincéis, mas de uma sobreposi- ção ou enquadramento fotográfico de partes das vestes XIII de um interlocutor posicionado diante dela, cuja tona- lidade pode se aproximar daquela da pintura. Em outro @landovix

extremo, quando registra a paisagem dos locais por onde métrico; recorta manchas ou superfícies para destacar a circula, a figura humana assume uma proporção minúscu- textura ou a singularidade do colorido, com o intuito de la diante de alguns elementos que ele quer destacar. remeter ou estabelecer analogias com a pintura. Esse fotógrafo-viajante desloca-se descompromissa- Propõe que o espectador lance sobre suas imagens damente pelo mundo registrando nas ruas, praças, facha- um olhar crítico ou instigante, mas também quer preveni- das de edifícios sinais de abandono, de descaracterização -lo de que a fotografia pode não ser um meio perfeita- e de degradação da cidade. Pontua também a presença mente sincero e por isso não se deve crer inteiramente da arte no espaço urbano, com destaque para o grafite, a nas imagens que vê. pichação, os monumentos, a programação dos museus, o público adentrando os espaços expositivos de instituições Para finalizar gostaria de ressaltar que o interesse de culturais. Mas isso não impede que Rosa Farya também Orlando da Rosa Faria por agir prioritariamente no inte- penetre furtivamente no interior de alguma residência, rior dos museus reafirma tanto a questão da alteridade assumindo a atitude do voyeur flagrando o insólito dos a que antes me referi, certamente por que é nessas insti- ambientes ou da decoração, em imagens nas quais o ser tuições que melhor se observa, atualmente, “o processo humano está ausente. Em outros casos transita pelo espa- de mundialização, que acelera e generaliza as trocas; o ço da grande metrópole, misturando-se discretamente na favorecimento dos encontros e a intensificação dos con- multidão para flagrar grupos de jovens, ressaltando-lhes tatos; o rompimento dos limites geográficos e o desapa- os gestos espontâneos e as atitudes descontraídas. recimento das diferenças; a reconfiguração das fronteiras e a demolição dos totalitarismos; a flexibilidade, o noma- Põe em evidência e em diálogo um universo de im- dismo e a mestiçagem se tornam a regra do presente e pressões e percepções, estabelecendo uma espécie de as exclusões se deslocam; e é lá, tudo se transforma em mediação ou de alteridade entre o meu lugar e o lugar arte, e num outro lugar anunciando o fim de uma era e a do outro, o particular e o universal, o popular e o erudito, chegada de uma nova época. a alta e a baixa cultura. Transita pelo mundo sem muita pressa e como se nunca tivesse estado lá, mesmo que o Almerinda Lopes espaço lhe seja familiar. Com uma percepção aguçada e [Historiadora, pesquisadora de arte e professora de Esté- muita determinação, o fotógrafo escolhe, seleciona e re- tica e História da Arte no Centro de Artes da Universidade Fede- gistra aspectos da visibilidade que passam despercebidos ral do Espírito Santo. É bolsista de Produtividade em Pesquisa ao olhar comum. do CNPq] Orlando da Rosa Farya propõe um princípio de dra- XIV maturgia, um jogo em que os simulacros, a natureza, a arte, os indivíduos que flagra nas ruas ou nos trens de me- @landovix trô pareçam esvaziados de sentido e de sua vivência coti- diana, para prestar-se a referências múltiplas. Inverte intri- gantemente determinados papéis ou ações fazendo com que insólitos manequins de lojas pareçam às vezes mais humanos do que alguns indivíduos que ele vai flagrando no mundo. Por meio de enquadramentos e cortes, destaca aspectos da paisagem e da arquitetura, que denunciam o olhar do artista: transforma uma janela num plano geo-

Breaking up with Espírito Santo photo-club esthetics: Orlando Rosa Farya’s work In July 2008 I went to Paris to do research and, sure It is worth remembering that George Grosz and enough, I bought photography books and books on pho- some Dadaists anticipated the contemporary processes of tography theory. One of the books that I immediately hybridization of means and materials through photomon- started reading was by André Rouillé, who is one of the tage. That interests me because the issue of photomon- photography theorists that currently interest me mostly. tage or a procedure similar to that of photomontage is As I read the book, I immediately began to make articula- present in the majority of contemporary photographers, tions between the text and the photographic production including Orlando da Rosa Farya’s procedures. by Orlando da Rosa Farya, an artist from Espírito Santo, who is also a professor and a colleague of mine at the If for Rouillé the photomontage process was imbri- University. cated in contemporary hybridization, such a phenomenon seems to punctuate also, as we will see later on, the pho- In La Photographie, one of his most voluminous and tographic production of the capixaba artist to whom I refer. emblematic studies, Rouillé points out the misunder- standings and prejudices that photography had to over- According to the French theorist, in the 1980’s an- come since its origin until nowadays, both to establish other kind of image of excellent technical quality emerg- itself as art and to become a redeeming procedure of es, in spite of the poor treatment of proofs, at the same contemporary art, that is, as a way to oppose itself to the time as the photographic images begin to be combined dematerialization of art. with other materials such as letters, objects and drawings and are enlarged to monumental size. Such monumental Asserting that it was not the photographic means character remains valid until today and it is one of the that contaminated art, but the artists that sought its sup- vectors on which Orlando Farya’s production is based. In port to respond to their own artistic needs, the French a special way, the photographs of works of art, captured theorist established a new possibility for the understand- by him inside museums – one of his main fields of action ing and analysis of the photographer artists’ poetic pro- – are enlarged into a much bigger scale than the photo- duction in the beginning of this century, among whom I graphed works’ own dimensions, and this alone creates a will highlight Orlando da Rosa Farya, who is currently the kind of unsettling feeling. best known photographer in the State (Sebastião Salgado was born there and still lives there, but anyway, Sebastião Of course we all know that photo enlargement is not is another story) and whose work has been reaching in- new, it has been used since the 19th century, but now it ternational recognition. will have another role and intention. Upon enlarging the photos to a monumental scale, the artist seems to show The idea that photography constituted a threat since that this kind of image interests him as something that its appearance was supported by one sole certainty, not differs a lot from the artistic process. He does not confuse always revealed or explicit: that which “in the machine- what photography is with what art is. image, material reality took the operator’s place”, that is, the artist’s place, transforming it both into a symptom of Subverting its purity and hybridizing it with other the emptying of the pictorial activity, and into a renova- means – a process that put it into visible dialogue with tion of the thought and subject of art. In Rouillé’s under- painting – photography inaugurated a new artistic proce- standing, on top of that there was the evidence that pho- dure inside art. It established a sudden return to figura- tography “changed the concepts of truth, of similitude, tion and transferred to itself a new conception of reality, as well as the ontology of image”, which increased its es- in a process that took by assault the 1980 Venice Biennale trangement even more. exhibition. XV Finally, in the 1990’s the photography produced by @landovix

a new generation of photographer artists – as they like to certain photographer artists of our time, among whom I be called – either took on another meaning or tried to fix distinguish Rosa Farya, an artist whose painting has strict a position in relation to the so-called creative photogra- links with photography and whose photographic images phy of the immediate previous period. reveal a contamination by the pictorial gaze. The current generation of photographer artists pro- Similarly, many other photographers have come to poses situations in which the public can make something produce images that seem to originate both from the de- happen, but no longer as something specific, but as a velopment of the work they carry out with other artistic transitory and processing relation, or in constant trans- processes and from the longing to urge and tension the formation. Such aspect is very clear in Orlando’s work. limits and boundaries of art itself. They resort, in such At a time of dematerialization of art, the artist makes the case, to different processes and also to new technologies proofs of his existence opaque, drawing on manual inter- and the Internet. In a certain sense, that practice, adopt- ventions and turning to generate great photographic pan- ed in the 1980’s, allows the establishing – reserved the els, even greater than the paintings and sculptures. That due conceptual specificities – of an approximation, as I means, on one hand, that the artistic work is now situated have previously mentioned, in relation to the photomon- in another place, which cannot be confused with the pre- tages that appeared in the first decades of the last cen- sented clichés. And, on the other hand, it establishes that tury, in special for proposing a connection, inconceivable this is not simply about replacing painting photography, until then, between media. but it is instituted rather as an artistic process than a pho- tographic one. Contemporary artists thus define a concept of artis- tic praxis called photographic art. Until then, it was not The idea is not to mark any boundaries between the called so; that’s a new piece of information. More than values of art and those of photography, but to punctu- resorting to photographic images as simple resources or ate the assimilation and contamination process that exists art instruments, the current artists establish a process of between them, which engenders an artistic process that hybridization, photo-art that generates a new art subject is by no means photographic. The passage from analogi- and at the same time breaks up with all artistic processes cal images to the age of digital images, with the arrival of in force until then. For Rouillé, “the photography by art- new technologies, paradoxically transforms the analogical ists of our time has not as its main project to reproduce figuration, which saturates the contemporary gaze, into a the visible, but to make visible anything in the world, not new sensibility and into a return to the mimesis concept necessarily of the visible order. It does not belong to the that has characterized art since its origins. domain of photography, but to that of art, because the art of artists is also different from the art of photographers, As a consequence, art shows itself profoundly as much as the photography of artists differs from that of changed, a position that does not fail to punctuate what photographers. Although distinct, both have in common the French theorist calls new pictorialism. He also consid- being evidently plural”. ers that, since the 1990’s, photography has taken on a messianic dimension or “an almost sacred mission: that Many artists resort to photography not only to defy of revitalizing contemporary art which is considered in the very concept of photography, but also to establish it crisis”, a sense that gave photography a new status: in- as a paradigm of contemporary art. The current photog- stead of imitating art, it assumed the purpose of saving rapher artists enlarge the photos produced by them, to it. That and other reflections enable one to understand a dimension of several meters, in order to bring to dis- the creative, perceptive and poetic position assumed by cussion the concept of form picture and of photographic XVI @landovix

picture, and to emphasize that it is a more artistic than cultural institutions do not allow the taking of photos of photographic process. the works therein exhibited, the artist began to act as a kind of image abductor or kidnapper, using unconven- Others enlarge the photograph limits as they also tional means for such. Armed with a digital camera hid- develop projects in the field of video art, as it is Farya’s den underneath his clothes, he cunningly mingles with case, too, which I will situate now. the crowd of Museum visitors. He pretends to look while he watches the environment and the visitors’ attitude be- Contemporary photographer artists speak ironically fore the works of art. He waits for the best moment to of the banality of images that invade our daily life ap- record the unusual, for the flanêur must not be in a hurry. proaching cinema and video by means of which they give But when he finds what he’s been looking for, he must act emphasis to mise en scène. Other still resort to a praxis quickly and quietly shoot without being noticed and in a that seems to validate Baudrillard’s axiom that true pho- way as not to miss any uncommon aspect. Since he can- tography is realized in the absence of subject. not look at the camera, he doesn’t have, therefore, an ex- act notion of the result obtained. That is, he accumulates It is in this new game of interests and positioning experience, has a trained eye and a rather keen percep- that it seems interesting for us to insert the capixaba Or- tion, but as he himself observes, he has no control over lando da Rosa Farya’s photographic production. the quality of the shots, the framing and the sharpness of the images captured by that process. The act of unloading He travels through the world, he is a travelling pho- the camera is for him just as fascinating and surprising as tographer, going through several Brazilian capitals and that of capturing the images, it’s the moment when he also through cities abroad, among them, Berlin, London, analyzes, selects and organizes the images he considers Paris, Budapest, Rome, Venice, Florence, Madrid, New satisfactory and discards those that don’t please him. York, Istanbul, Varanasi, Lisbon. Without abandoning painting, the artist transforms photography into the focus The fact that he cannot check that which he has cap- of his production. He also intensifies from that starting tured often makes the images generated by this photogra- point the development of videos, which many times result pher/artist rather bold, with odd crops and framings. The from discoveries he makes in his wanderings. Orlando da capixaba artist records both the contemplative expression Rosa Farya acts as a kind of contemporary flanêur search- of the public before the works of art, and the look of in- ing for and finding, with a trained and sensitive eye, un- difference on the same spectators. Sometimes he stays a usual places and aspects of the world that go unnoticed long time wandering through the same exhibition space by the majority of passers-by, and then pointing his digital to record the visitors’ attitude before the works of art; camera towards them. to take by surprise faces and eyes full of curiosity or day- dreaming; oriental tourists with exhausted faces, keeping The result of such dislocations is an immense im- a fixed look without knowing where to; to show such cul- agistic collection, revealing very particular and unusual tural marathon racers enjoying the rare and precious mo- views of the landscape, the architecture, the daily lives of ments inside the museums to take a rest, clutching their passers-by in big cities. He is mostly interested in people’s souvenir bags near them, more worried about taking off looks, this being one of the reasons that drive him to an their uncomfortable shoes than appreciating the works actual chase, discreetly pointing towards them his digital before their eyes and for which they don’t seem to show camera hidden underneath his clothes. the slightest interest. To Rosa Farya, “the photographic However, the capixaba artist’s preference falls upon snapshots and unusual scenes that take place indoors, sometimes inside the best known museums and art gal- leries in Brazil and abroad. As in the majority of cases the XVII @landovix

image works under the system of the impression and the legacy it is possible to identify specific moments in which state of things, but also of the world affairs that are mate- he acts as a documentary filmmaker, recording different rially necessary to it, and constitute its inscribable mate- times, actions and peculiarities unveiled in the same geo- rial”, a reference that I also borrow from Rouillé. graphic or social space. But, the photographer/artist’s greatest purpose is to dismantle the limits of materials The persistence on such a theme that observes the and processes inserting photographic elements in artistic behavior of the visiting public to museums and art galler- works and pictorial values in photographs: the enlarging ies attests to the experienced artist’s interest in revitalizing of certain sculptural or painting details and fragments; and updating emblematic aspects of his painting. He juxta- the introduction of crops and framings; the selection and poses fragments of differentiated photographic images or recording of color nuances he goes on unveiling in the en- enlarges the photographs, transforming them into panels vironments through which he wanders. exhibited in a way that is similar to paintings. Photogra- phy becomes, thus, a means of generating and transform- As he directs his camera to the works of art inside mu- ing artistic values and of revealing the artist’s action in seums, Orlando da Rosa Farya produces estrangements the world, in a culture centered no longer on the “purity that puzzle the interlocutors. He brings into the photos of myth”, but that it is open “to otherness, to difference, to certain icons of universal painting elements that are alien consensus”. to them, such as the odd head and parts of the clothes of an anonymous visitor, whose color shade coincides Through keen observation, he discloses inside the or comes close to the colors predominating in the paint- cultural institutions numberless possibilities to record dai- ings. That insertion is carefully and cunningly thought by ly life, finding the “private in the universal”, “the extraor- the photographer, in a way as to make it convincing and dinary in the ordinary”, and “the new in the déjà vu”. That confuse the unaware public. The latter, as they position seems to be a form of resisting the triviality of the mass themselves before the enlarged photographs, not rarely communications media, both as revealed by his large pho- in a scale similar to or larger than that of the recorded tographic collection and confirmed by some of his state- paintings, feel disconcerted and not knowing whether ments. His practice and attitudes confirm that, for current they are before the work of art, which they know to some photographer artists, creating no longer producing, but extent, or before another work made by the artist. Among rather choosing or simply framing and dislocating things the many works recorded by him, attention is called to and materials, something which is absolutely contrary to the fresh gaze he casts upon the painting by Manet, Le the traditional status and function of painting, as Duch- déjeuner sur l´herbe (1863), that was presented in the Sa- amp had already proclaimed. lon des Refusés, but that ironically ended up incorporated to the Musée d’Orsey (Paris) collection. The capixaba artist subverts photography’s mimetic logic dismantling the concept of truth. He takes advantage Besides confronting the social concepts enforced at of blurred or out-of-focus images, blindly obtained stains, that time, the theme of that painting doesn’t fail to reflect with the purpose of disturbing, of disrupting visual habits a new attitude toward modern life and a certain narcis- and polarizing the gaze. He doesn’t overlook certain inco- sism of the French belle époque bourgeoisie. Beyond the herencies or unforeseeable things in the capture of light theme, the painting’s author, Eduard Manet, resorted to and other artifices that surprise and instigate the gaze. He an academic formulation as if he were trying to persuade breaks away from both the traditional pictorial logic and the the public that art is – and cannot be anything beyond – sharpness and transparence of the documentary praxis. an exact reproduction of nature. The painting provoked a However, in Orlando da Rosa Farya’s photographic XVIII @landovix

true scandal when it was exhibited for the first time, as it ment in the composition; it also counter opposes the rosy showed a curious confabulation between two elegantly shades that are spread through the painting and through dressed gentlemen and a naked female figure, seated on the naked body that faces it. Besides that, the intensity the grass in the woods, in a process in which the bodies of the green of his shirt seems to illuminate or enhance were practically tangled or touching each other. As he the lowered shades of the bluish greens that cover the photographed that painting, which shows a snack in open surface of the painting. The photographer artist’s attitude air, probably after a bath in a creek located right above of literally inserting in the painting a false or inferior char- the figures, the capixaba artist’s intention is not restricted acter transforms the image into a kind of photomontage to being ironic about the trivial taste of the current public and confirms that photography remains an act of choice for that painting which inherited classical tradition. He as- and, above all, a framing and a process of juxtaposing, to serts that such painting called his attention much more for which I’ve made reference before. the number of persons that position themselves before it every day, bringing to the scope of photography other is- And to assure us that it is not a copy or a duplicate of sues such as the insertion of spectators of his time. He Manet’s painting, but a parody or another formulation ar- records a middle-aged bald man contemplating the paint- ticulated by himself, Orlando da Rosa Farya enlarges that ing. As he is standing with his back to the observer, the photographic image without respecting the original pro- man does not notice the photographer’s action, who is portions and dimensions. That 19th century painting is positioned behind him. The latter waits for the exact mo- around 210 cm x 264 cm, while the laser-printed enlarged ment to start the camera, making the head of the intruder photograph measures 4.00 m x 3.00 m, therefore disre- literally enter the pictorial space, as if it were part of it. specting and usurping the painting’s original dimensions. He clearly makes a sequence of shots until he frames such This way, he produces an image that allows him to discuss head, in a way that it will coincide with and fully obstruct the notion of original and copy, showing the power of the the figure that in the painting is positioned behind it: the fake, the transformation of the actual space into a kind body of the man in a dark suit, who appears reclined in of virtual space, not by an electronic product, but by an the painting with a cane in his hand. Whereas in the paint- addition, by the presence of a foreign body. Such body ing, such man is placed facing a couple (she is naked and crosses the space of the painting, is devoured by the pho- he is elegantly dressed), in a way as to seem to be talk- tograph and establishes a process in which manual work ing to the couple. However, instead of addressing him, has been totally eliminated. he has his gaze directed outside the painting, towards the observer. Taking advantage of such a particularity, Showing those painting or sculpture photographic in Orlando Farya’s photograph the anonymous intruder panels in places other than museums or art galleries, takes over the role of the couple’s interlocutor. In such where such works belong, the artist further removes process, the attention is called by the play on gaze, for it is them from their habitat and their intimacy and inserts exactly that individual that the characters in the painting them into new contexts, thus altering their sense or their seem to be addressing, which provokes the establishment meaning. among them of an atmosphere of mutual estrangement or questioning. And curiously, it is the round bald head of In other cases, the capixaba artist counterpoints the inquisitor, enveloped in a brilliant rose-colored light, a new color plan to the color of a geographic plan in a that attracts the attention and creates a paradoxical ele- particular abstract painting. Such interference does not result from the manual use of paint and brushes, but XIX from a super position or photographic framing of parts of a subject’s clothes who is positioned before it, the color @landovix

shades of which may be close to that of the painting. In and the architecture that denounce the artist’s look: he another extreme, when he records the landscape of plac- transforms a window into a geometric plane; he cuts out es through which he wanders, the human figure assumes stains or surfaces to focus on the texture or the unique- a tiny proportion before some elements he wishes to en- ness of the color, with the purpose of referencing or es- hance. tablishing analogies with painting. This travelling-photographer moves uncompromis- He wants the spectator to cast a critical or instigat- ingly around the world recording in the streets, squares ing eye upon his images, but he also wants to warn them and building façades, signs of abandonment, mischarac- that photography may not be a perfectly sincere medium terization and degradation of the cities. He also points out and so one must not entirely believe the images one sees. the presence of art in the urban space, with focus on graf- fiti, street art, monuments, museum programming, and Finally, I’d like to point out that Orlando da Rosa Far- the public entering the exhibition spaces of cultural insti- ia’s interest in acting preferably inside museums greatly tutions. But that doesn’t stop Rosa Farya from furtively reasserts the aforementioned issue of otherness, cer- penetrating the interior of some homes, assuming the tainly because it is in such institutions that currently one attitude of a voyeur recording the unusual aspect of the best observes, “the process of globalization, which ac- environment or decoration in images in which the human celerates and generalizes exchanges; the favoring of en- being is absent. In other cases, he wanders through the counters and the intensification of contacts; the breaking space of the great metropolis, quietly mingling with the up of geographic limits and the disappearance of differ- crowd to record groups of youths, giving prominence to ences; the reconfiguration of borders and the demolition their spontaneous gestures and easy-going attitude. of totalitarianisms; flexibility, nomadism, and crossbreed- ing become the rule of the present and exclusions are re- He places under light and in dialogue a universe of moved; and it is there that everything is transformed into impressions and perceptions, establishing a kind of me- art, and in another place announcing the end of an era diation or alteration between my place and the other’s and the coming of a new age.” place, the private and the universal, the popular and the erudite, high and low culture. He wanders around the Almerinda Lopes world without much hurry and as if he had never been [Historian, art researcher and professor of Esthetics there, even though the space is familiar to him. With keen & History of Art, Center of Arts, Universidade Federal do perception and a lot of determination, the photographer Espírito Santo. Currently holds a scholarship for Research chooses, selects and records the visibility aspects that are Productivity, CNPq.] unseen to the common eye. XX Orlando da Rosa Farya proposes a principle of dra- matic art, a game in which the imitations, nature, art, and @landovix the individuals he records in the streets or in the subway trains seem to be devoid of sense and of their daily lives, to render multiple references. He intriguingly inverts cer- tain roles or actions making unusual store mannequins seem sometimes more human than some individuals he goes on recording in photos around the world. With fram- ings and crops, he focuses on aspects of the landscape

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Terra Santa, Pará, 45 Cairo, 46-47 Vitória, 48 Vila Velha, 49 Vitória, 50 Terra Santa, Pará, 51 Milagres, Bahia, 52-53 Quixaba, Milagres, 54 Quixaba, Milagres, 55 Istambul, 56 Cairo, 57 @landovix

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