CADERNO ATEMPO Nº5 ETERNAS GUARDIÃS DA VIDA José Rocha Andrade 1 1 Mestrado em Design pela Escola de A f igura da mulher está associada ao As imagens aqui selecionadas para esse livro Design/UEMG (2016) com temática sobre início e ao fim da vida. De seu ventre vieram à luz através do acompanhamento Design de Produção (Production Design). materno surge a vida, expelida em um grito do Projeto “Visitas Guiadas ao Cemitério Pós-Graduação latu sensu em Cinema de dor e alívio no momento do parto. Pela do Bonfim”, ação extensionista e de pesqui- pelo Instituto de Educação Continuada ordem natural do tempo, as mães partem sa realizada em parceria com a Fundação de da PUC Minas (2001). Desenho Industrial primeiro que seus amados filhos. Nas famí- Parques Municipais e Zoobotânica, FPMZ, o com habilitação em Programação Visual lias, quase sempre são as mulheres que Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e pela Escola de Design / UEMG (1999). nunca fogem do dever de criar e preservar Artístico, IEPHA e a Universidade do Estado Experiência em Design, com ênfase na as crias até no último momento da vida. de Minas Gerais, UEMG, coordenado pela área da produção audiovisual e da educa- Sujeitas à condição efêmera da existência historiadora e professora Marcelina Almeida ção. Professor da Escola de Design desde humana, o papel de guardiãs da vida esbar- da Escola de Design / UEMG. Realizado o ano 2000. Efetivado por concurso públi- ra numa eternidade que só a morte ofere- desde o ano de 2012, a produção dessas co em 2018. Experiência em produção de ce. Nada mais justo que, na arte cemiterial, imagens iniciou um ano depois e hoje conta vídeo, animação, documentário, vinhetas, sejam elas predominantemente escolhidas com mais de 13.000 arquivos. Resultado do motion design e fotografia. Atua também para representar as estátuas guardiãs que dedo insaciável diante da comodidade tecno- em projetos como produtor de roteiro, ornamentam os túmulos no fim do ciclo da lógica do registro fotográfico digital e, ao diretor de fotografia e editor, designer de vida, com a chegada da morte aos seus entes mesmo tempo, totalmente seduzido e trans- produção, projetos e ensaios fotográficos. paridos. formado pela oratória eloquente, esclarece- Coordena o Centro de Estudos em Design dora e cheia de vida da professora ao séquito da Imagem da Escola de Design/UEMG. 252
CADERNO ATEMPO Nº5 que lhe acompanha em suas visitas guiadas através das visitas guiadas da professora no último domingo de cada mês, quando, Marcelina Almeida. Embora nesses traje- naquele lugar onde se enterram os mortos tos ela não fuja do seu papel e dever, como ela descreve a importante homenagem à historiadora, de realçar que muito do que vida representada na arquitetura e arte ali encanta aos olhos, também projeta valo- tumular ali presentes nesse museu público a res, crenças, estruturas socioeconômicas e céu aberto. ideologias de uma sociedade, que mesmo na hora da morte ainda oportuniza para desta- Para Bastianello (2016) o estudo das dife- car o seu perfil social e político na história rentes manifestações culturais nesses espa- da cidade, não podia relevar em meus regis- ços possibilita resgatar seu inestimável valor tros, como designer de formação, o papel histórico, artístico e patrimonial para a social e político que o design também tem cidade. Em suas visitas guiadas, a professora que cumprir. Acabei utilizando como habeas Marcelina Almeida já desenvolveu diversos corpus uma orientação da própria professo- tipos de roteiros para percorrer o Cemitério ra, aos acompanhantes de suas visitas, que do Bonfim, com trajetos que conduzem tomem cuidado ao fotografar alguns dos pelos túmulos das personalidades ilustres ali túmulos por serem de propriedade parti- enterradas ou pelas obras expostas de gran- cular, mesmo estando em um espaço públi- des mestres da arte cemiterial. Há algum co, evitando registrar em suas imagens os tempo começou a trabalhar com itinerários nomes ou retratos presentes nas sepulturas temáticos, devido ao grande conhecimento para preservar a memória da família. acumulado e à riqueza histórica e arquitetô- nica oferecida por esse espaço aos seus visi- Respeitando essa orientação em seus aspec- tantes interessados por diversos contextos. tos éticos e até mesmo sagrados, cons- truo registros que Bastianello no livro Depois da quebra do paradigma quanto à “A memória retida na pedra” esclarece forma como percebia os cemitérios, igual como “alta arquitetura”, que “baseia-se no ao dos hospitais, onde não gostava nem de serviço contratado a profissionais especia- passar na porta, passei a acompanhar as visi- lizados, nomeadamente os marmoristas, tas buscando também desenvolver roteiros com o fito de edificar túmulos suntuosos” fotográficos através do olhar de um desig- (BASTIANELLO, 2016, p. 26), ornamentan- ner. Roteiros inspirados pela oportunida- do-os com artefatos funerários como está- de que esse arquitetônico museu público tuas, cruzes e outros elementos simbólicos a céu aberto oferece, pelo que Bastianello em seus projetos arquitetônicos. Por isso se (2016) define como um deslocamento espa- justifica em algumas vezes preferir regis- cial através da “invenção de várias formas trar a efemeridade de uma flor que repousa de enfeitar e ritualizar as edificações tumu- sobre a superfície ou jarro, que em sua cor lares e o seu entorno” (2016, p. 22) e uma viva contrasta com as cores sóbrias da maio- percepção de homenagem à vida adquirida ria dos túmulos, personificando em tons a 253
CADERNO graça divina de quando aqueles que estão Estimulado pelo convite de apresentar algu- ATEMPO Nº5 ali enterrados estiveram presentes entre os mas dessas imagens neste livro, dediquei seus. São registros também de várias mani- um bom tempo para a devida catalogação 254 festações religiosas visíveis numa dúbia dos mais de 13.000 arquivos por temáti- harmonia laica, objetos, bonecos e imagens cas de registros. Antes estavam identifica- de santos em menores escalas e de produção dos apenas pelas datas das visitas nas quais artística genuinamente popular, aspectos da foram produzidos. Entre as várias temáticas, preservação, desgaste do tempo e até mesmo uma delas chamou atenção em especial - as da memória e saudade, como ações de estátuas femininas guardiãs e zelosas em depredação ou sumiço de elementos, levados sua representação matriarcal e até patrimo- por àqueles que mesmo da morte aprovei- nial no ciclo da vida e da morte. Algumas tam para nutrir, mesmo que em sacrilégio, o são anjos femininos (deixando para as auto- seu apego a vida. ridades clericais definir se anjo tem ou não sexo?), mulheres carpideiras em sua função Para sustentar quase uma década de acom- de chorar pelo defunto alheio, representa- panhamento das visitas guiadas, foi preci- ção de santas católicas e a própria Maria, so recorrer ao repertório de possibilida- ou, não menos relevante, a representação des de enquadramentos, luzes e recortes da própria mulher em sua essência pelo que a fotografia oferece e em Sudjic, quan- poder do seu ventre capaz de dar luz à vida. do diz que “o design é usado para moldar A decisão estética de abrir mão da multipli- percepções de como os objetos devem ser cidade simbólica da paleta colorida da vida compreendidos” (SUDJIC, 2010, p. 51). E, e optar pelos contrastes do P&B na edição contrariando ou indo além do dito cânone final teve a intenção gráfica de revelar que “a forma e a função”, ainda segundo Sudijc, a poesia da vida nem a morte consegue confeccionar nos registros mensagens que interromper. o design como linguagem consegue carre- gar além das questões óbvias de função e 1h2 finalidade, mesmo que superficialmente sua produção seja “guiada” por conceitos estéti- eR E F E R Ê NC I A S : cos ou arquitetônicos. BASTIANELLO, Elaine Maria Tonini. A memória retida na pedra: a hsitória de Bagé inscrita nos monumentos funerários (1858-1950). Bagé: Ed.do autor, 2016. SUDJIC, Deyan. A linguagem das coisas. [Tradução: Adalgisa Campos da Silva]. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010.
Atafona escola de design / uemg Casa editorial dos novos autores Rua Gonçalves Dias, 1434, Lourdes. Caixa postal 7458. CEP 30.411-972 . CEP 30.140-091. Belo Horizonte, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Minas Gerais, Brasil. W W W.EDITOR A ATA FONA . N ET HTTP://ED.U EMG.BR/ Editado pela Atafona em Dezembro de 2021, o quinto volume do Caderno aTempo, é composto pela família tipográfica Warnock Pro, que foi desenhada por Robert Slimbach (Adobe Fonts) e nesta publicação utilizada para corpo de texto, figuras e legendas. Também, pela fonte Palatino itálica, desenhada por Hermann Zapf (Linotype) para a tradução de textos em yorubá.
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