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What's love baby don't hurt me

Published by raphaela.ikeuchi, 2020-06-20 18:57:53

Description: Zine experimental feita na tentativa de juntar escritos variados sob a mesma temática ridícula do amor. What's love baby don't hurt me inspirada pela famosa música homônima. Selo Gatotem de zines, 2019.

Keywords: zine,poesia,poema,amor

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What’s love Baby don’t hurt me Raphaela Ikeuchi



What’s love Baby don’t hurt me Raphaela Ikeuchi



What is love Oh baby, don't hurt me Don't hurt me no more

SERAFIM Hoje eu olhei pro céu, O céu olhou pra mim. Eu, parada, ao léu Esperando no jardim O meu Serafim Mas ele não veio Eu também não fui. Ficamos assim Eu e o Serafim Só no devaneio.

INCERTEZA É esse teu olhar de profundeza incerta e de profunda incerteza que quando foca em mim me deixa cheia de dúvidas.



A borboleta Uma borboleta carregando um vendaval nas asas pousou um dia no teu ombro desnudo para melhor apreciar as flores desabrochadas do teu jardim. Flores de cores muito quentes, em brasa, prontas para provocar um incêndio agudo assim como os teus lábios pintados de carmim. A borboleta, hipnotizada, de asas trêmulas, titubeou. Deveria ou não deveria? Não deveria, mas foi E voou até as flores.



É tarde. O quarto possui uma atmosfera pesada, quente, abafada. Estou sentada na beirada da cama bagunçada há vários dias. Ainda não tive coragem de arrumá-la, porque o meu desejo era reter um pouco mais de você, do seu aroma, dos seus movimentos impressos nos lençóis.

OFURÔ Abri a torneira de água quente e deixei o fio d’água caindo dentro da banheira continuamente. Água quente, muito quente, pelando. Me despi e abri uma lata de cerveja Kirin. Pisquei duas ou três vezes, re- spirei fundo, brindei a mim mesma e tomei um gole de cerveja. A água continuava caindo continuamente. Sai de dentro do banheiro minúsculo e me observei diante do espel- ho grudado na porta do armário. Eu estava completamente nua. Diante do meu próprio reflexo, bebi mais alguns goles da lata de cer- veja que eu tinha em mãos. O reflexo repetia os meus gestos. Tinha uma expressão neutra na face e os ombros estavam um pouco caídos para frente. Me endireitei e ele simultaneamente se pôs a se endireitar também. A água continuava caindo, enchendo pouco a pouco a ban heira retangular e branca, na verdade cor creme, por causa da luz am- arelada. O que é que o meu próprio reflexo poderia estar pensando naquele momento? Não sei. Levou a lata aos lábios e bebeu mais alguns goles de cerveja. Quando a banheira estava quase cheia, fechei a torneira e pus o pé esquerdo na água para testar a sua temperatura. Ainda estava muito quente, a ponto de queimar a pele. Então fiquei esperando do lado de fora enquanto pensava na vida. Lembrei que havia alguns sais de banho guardados e então os despejei na água quente. Ao entrar em contato com a água, os sais faziam um barulho assim tssssss. Ob- servei a efervescência dos sais em contato com o líquido e por um momento pensei em mergulhar na água de cabeça, no entanto, não havia profundidade suficiente para tal ação. Aguardei mais alguns minutos. Só entrei na banheira quando a temperatura da água já estava mais tolerável ao contato da pele. Fui me afundando dentro da água aos poucos. Primeiro os pés, depois as pernas até chegar ao joelho, e do joelho para as coxas, até chegar às nádegas, e depois até o meio das

costas, e depois até os seios e depois até os ombros. Fechei os olhos e suspirei fundo. E relaxei. Fazia muito tempo que não me sentia tão relaxada assim. Parecia mesmo que eu ia derreter. Tomei os últimos goles da primeira lata de cerveja e abri a segunda. Era a combinação perfeita: ofurô mais cerveja. Também poderia ser a combinação mais perigosa, já que eu tenho tendência a ter pressão baixa e a água quente faz a gente suar muito e cerveja também ajuda a desidratar o corpo. Mas, bem, se eu desmaiasse e morresse afogada desse jeito não seria de todo mal. Ao menos, eu estaria contente e re- laxada antes da minha morte. Obviamente, não morri. Pois, afinal, vaso ruim não quebra. Contin- uei firme e forte imersa na água quente e fiquei fantasiando impossib- ilidades. A cerveja gelada ajudava a manter um certo equilíbrio dentro da banheira. Com os braços apoiados nas bordas da banheira, fiquei olhando para o teto por algum tempo. Só assim mesmo pra gente esquecer um pouco dos problemas e chateações da vida. Pensei em escrever algo, qualquer coisa, mas não havia papel e caneta por perto e, de qualquer forma, minhas mãos estavam muito molhadas para performar este ato. Então só fiquei parada e olhando para cima, pensando na morte da bezerra ou em eventos passados. Pouco a pouco senti a minha pressão baixar, mas eu estava segura de que não desmaiaria, ou pelo menos assim eu pensava. Pouco a pouco também fui esvaziando a minha segunda lata de cerveja en- quanto maquinava mil planos para a próxima semana — não segui nenhum desses planos todavia. De repente, me lembrei das mãos dela e… bem, do que elas poderiam fazer comigo. Por que justamente me lembrei das mãos dela? Aquelas mãos, ah bem… elas poderiam fazer tudo. Ah, sim. Me lembrei delas porque em um determinado momento eu olhava para as minhas próprias mãos, o que então me fez pensar nessas outras mãos de longos e finos dedos. Por um momento… fechei os olhos por mais de vinte segundos. Dei uma pescada e sem querer bati com a minha

testa na borda da banheira. Arregalei os olhos assustada. De repente, você estava bem ali diante de mim, também nua e imersa na água quente, as nossas pernas entrelaçadas. Você sorriu. E eu devo ter feito a cara mais engraçada do mundo, tamanho o meu susto. Pisquei mais algumas vezes para ver se não era apenas coisa da minha imaginação. Mas não era. Então você se levantou um pouco e ergueu o corpo em minha di- reção. Apoiou-se em mim, uma mão em cada ombro meu, aproximan- do o seu rosto do meu. Seu olhar estava travado em mim e eu não con- seguia pensar em mais nada. Mas, mas… de onde você tinha vindo? Surgido? Eu só podia mesmo estar delirando, e no entanto, ali estava você comigo. Quando percebi, seus lábios já tocavam os meus, e a sua língua já brincava com a minha e você já pressionava a sua coxa direita entre as minhas pernas… E… delírio, delírio… De repente, seus dedos já me penetravam. Começaram assim tími- dos, lentamente até pouco a pouco ganharem força e velocidade. E a sua língua já passeava entre os meus ouvidos, pescoço e seios. Eu estava literalmente molhada e suava nas têmporas. Eu queria dizer algo, precisava dizer algo, mas não conseguia pensar em mais nada. Estava completamente possuída.

Uma andorinha só não faz verão? Enquanto bebo meu chá de jasmin, Penso em vocês e em mim E de como surgiu no céu uma nova constelação. Três estrelas em sintonia e integração. A princípio, sobre a mesa de café da tarde Havia apenas duas xícaras e uma chaleira, Mas pouco a pouco e sem alarde Acrescentou-se uma terceira. No porta-retrato também notou-se a diferença. Mais alguém chegou, pediu licença E se acomodou no centro da fotografia Formando uma composição em simetria. Andorinha, andorinha, o verão está chegando? Sim, está chegando, pois não estou sozinha. Da varanda entra uma fresca brisa, E ela muito calmamente nos avisa Soprando boas novas em nossos ouvidos Sobre sonhos e desejos a serem vividos. Na sala, um incenso indiano vai queimando Soltando o seu perfume e nos lembrando De que a vida corre tão velozmente e, De que é necessário gozar do presente. Na cozinha, num cesto sobre o balcão, As frutas anunciam coloridas que estão maduras





E que querem demonstrar toda a sua doçura. Por isso, é bom degustá-las com atenção. Um trio de andorinhas se reúne na sacada E cantarolam ao pôr-do-sol enamoradas. Agora o sol está se pondo meio sonolento E deixando cair sobre tudo sua luz alaranjada. E sorrisos e olhares trocam-se a contento E a hora é mesmo mágica e encantada. Piscamos então e o sol já se foi completamente. Na estante, os livros permanecem quietos, Meio tímidos a princípio, assim como a gente, Apenas aguardando serem abertos e Folheados, e lidos, e compreendidos. Primeiro, aprecia-se um pouco o mistério. Depois, desvenda-se aquilo que está escondido Entrelinhas, mas sem pressa e sem levar tão a sério. As andorinhas voam em círculos um pouquinho. Depois voltam à árvore que abriga o seu ninho. Acendemos as luzes e preparamos uma leve ceia, Nada assim muito elaborado e ambicioso, Mas algo nutritivo, saudável e delicioso E que deixe a barriga cheia (mas não muito, senão dá pesadelos). E, não nos esqueçamos, um pouco de vinho Para acompanhar a saborosa refeição. Mas só um pouquinho, bem pouquinho

É o que basta para fazer bem ao coração. Talvez mais alguns goles da bebida Entre risadaria e conversas efusivas. Deixando as ideias mais e mais expressivas. Um pouco a mais não faz mal, é a vida! Chega então a noite alta e também chega a hora Das três estrelas brilharem na amplidão do céu. (...) Na manhã seguinte, as andorinhas acordam E voam para longe, misturando-se ao alvorecer. Sobre o balcão da cozinha americana, Três xícaras estão cheias de café quente. Bebo um pouco, olho pra gente E penso em como será o resto da semana.





Queria saber de você notícias suas No entanto, olho para o telefone e ele continua mudo. Ainda imagino você caminhando por estas ruas, Dobrando cada esquina com suas mãos dentro dos bolsos do so- bretudo, E escondendo metade do seu rosto atrás do cachecol, Enquanto esperava com certa impaciência abrir o farol. E eu sabia bem o motivo de sua pressa, Pois você nunca foi de quebrar nenhuma promessa. Toda vez, bem quando o minuto virava a hora, A campainha tocava e lá estava a senhora. E, como um gato vadio, sem cerimônia entrava, Pedindo um fósforo para acender o seu cigarro E ia fumar na varanda enquanto eu esperava Do lado de dentro, à espera de algum causo seu bizarro. Então quando você terminava de fumar, Voltava, esfregando as mãos, para dentro da sala E eu já estava pronta, sempre pronta pra te amar.

Mas um dia você se foi de mala e cuia Navegar em outro mar E me deixou à deriva, a ver navios.

MEIA LUA Há no céu uma meia lua E há estes olhos que a veem E há apenas eu - ninguém mais vem - Solitária em meio ao mar noturno. Carregando esta dor que tanto se insinua Enquanto espero pela lua cheia Pela qual a alma tanto anseia





Se eu fumasse e tivesse por perto um maço de cigarros, hoje, agora neste momento, eu pegaria um, e o acenderia, e o fumaria, e tossiria feito uma desgraçada e pensaria não, não pode ser. Mas não há cigarro nenhum — pra minha sorte ou azar. Só há frio e uma solidão impertinente me rodeando. Minhas mãos estão geladas, e o meu quarto está gelado, e o mundo todo parece estar congelando. Noite nublada. Garoa fina. Nariz con- gestionado. Garganta áspera. Antes eu até gostava do inverno, mas hoje em dia já não gosto mais tanto. Esse tempo doido só me faz ficar doente e se tenho os pés gela- dos, já não consigo dormir. Tenho que usar dois pares de meia, e mesmo assim às vezes não é o suficiente. Tento escrever um poema, mas meus dedos travam ao tentar datilografar qualquer coisa. Minha mente também é só fumaça. Agora, agora tudo o que eu mais desejo é chocolate e uma compan- hia quente que me acalente e ajude a afastar esse frio de mim. Depois, quero estar debaixo das cobertas e dormir tranquila e sonhar com o verão distante.





VERÃO DE NOVO Não há lugar algum, Nenhum lugar pra ir. É apenas um dia qualquer, E o rio continua a fluir. As nuvens aparecem, Condensam-se, Depois desaparecem. Ainda não está claro Mas está vindo. As folhas das árvores Sussurram entre a brisa E as cigarras sibilam. É o verão que elas trazem. É verão. É verão de novo. Tudo é sublime e não há mais arrependimentos, nem dor. Está tudo bem.




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