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Revista Pentagrama 2013-4

Published by Pentagrama Publicações, 2016-06-13 20:43:47

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pentagramaLectorium Rosicrucianum Tao, a grande força do centro A água tão fraca Impressões de luz Uma abertura coletiva é possível As cores da palavra O peso das palavras A força do silêncioloJohannMichaelHahn 2013 4número

Editores responsáveisJ.R. Ritman, T. van RooijEditor sêniorA.H.v.d. BrulLinha editorialP. HuisImagem Revista Bimestral da Escola Interna-W.v.d. Brul cional da Rosacruz ÁureaRedatoresK. Bode, W.v.d. Brul, A. Gerrits, Lectorium RosicrucianumH. v. Hooreweeghe, H.P. Knevel, F.Spakman, A. Stokman-Griever, G. Uljée A revista Pentagrama dirige a atenção de seus lei- tores para o desenvolvimento da humanidade nestaSecretaria nova era que se inicia.K. Bode, G. Uljée O pentagrama tem sido, através dos tempos, o sím- bolo do homem renascido, do novo homem. Ele éRedação também o símbolo do Universo e de seu eterno de-Pentagram vir, por meio do qual o plano de Deus se manifesta.Maartensdijkseweg 1 Entretanto, um símbolo somente tem valor quandoNL-3723 MC Bilthoven, Países Baixos se torna realidade. O homem que realiza o penta-e-mail: info@rozekruispers.com grama em seu microcosmo, em seu próprio pequeno mundo, está no caminho da transfiguração.Edição brasileira A revista Pentagrama convida o leitor a operar essaPentagrama Publicações revolução espiritual em seu próprio interior.www.pentagrama.org.brAdministração, assinaturas e vendasPentagrama PublicaçõesC.Postal 39 13.240-000 Jarinu, SPlivros@pentagrama.org.brassinaturas@pentagrama.org.brAssinatura anual: R$ 80,00Número avulso: R$ 16,00Números de anos anteriores R$ 8,00Responsável pela Edição BrasileiraM.D.E. de OliveiraCoordenação, tradução e revisãoJ.C. de Lima, N. Soliz, J.Jesus, S.P. Cachemaille, M.M.R.Leite, L.M. Tuacek, L.A.Nepomuceno, M.B.P. Timóteo,M.V. Mesquita de Sousa, M.R.M.Moraes, M.L.B. da Mota,R.D. Luz, F. Luz, R.J. Araújo, U.B.Schmid, J.A.ReisDiagramação, capa e interiorD.B. Santos NevesLectorium RosicrucianumSede no BrasilRua Sebastião Carneiro, 215, São Paulo - SPTel. & fax: (11) 3208-8682www.rosacruzaurea.org.brinfo@rosacruzaurea.org.brSede em PortugalTravessa das Pedras Negras, 1, 1º, Lisboawww.rosacruzlectorium.orgescola@rosacruzaurea.org© Stichting Rozekruis PersProibida qualquer reprodução semautorização prévia por escritoISSN 1677-2253 tijd voor leven 4

pentagrama ano 35 2013 número 4Inalienável Logos – uma edição sobre o tema das palavras, do verbo e da linguagem.Isso não nos pode ser tirado:ler e, sem fôlego, virar a página, o centro contém todas as imagensmuito distantes da vida comum. tao, a grande força do centro 2Os que leem podem ser solitários. a água tão fraca 8Eles já o eram desde a juventude. ritmo 11, 34, 35, 38 impressões de luz 12Um mundo lhes acena, grande, um sondar em sete fasesatemporal, eternamente presente,aonde nós, os pequenos, podemos ir; uma abertura coletiva ésomente ele não nos rejeita. possível 17 as cores do verbo 24Um poema de Ida Gerhardt (1905-1997) a força do silêncio 28 frases remendadas 33 o peso das palavras 36 um exemplo fascinante do século das luzes a visão central de johann michael hahn 39 11

O CENTRO CONTÉM TODAS AS IMAGENSTao, a grande força J. van Rijckenborghdo centroAs atividades visíveis do grande Te resultam das emanações do Tao. Esta é a natu-reza do Tao. Em sua criação, o Tao é vago e confuso. Quão confuso! Quão vago!No entanto, o centro contém todas as imagens. Oh! Quão vago, quão confuso!No entanto, no centro está o ser espiritual. Este ser é muito real e detém o tes-temunho infalível. Desde tempos imemoriais seu nome permanece imperecível.Ele dá existência à verdadeira criação.Como sei que todos os nascimentos têm sua origem nele? Através do próprio Tao.As atividades visíveis do grande Te de percorrer a senda, como resultado da apli- resultam das emanações do Tao. Esses cação da tríplice prática gnóstica; de efeitos efeitos constituem a natureza do Tao. que, por conseguinte, não devem, de formaPara os seres humanos nascidos da natureza, alguma, ser vagos, pois resultam das emana-para todos que já de antemão pertencem ao ções, dos influxos do Tao.“cemitério”, Tao, em sua criação, é extre- O Tao é o Um divino, o Absoluto, ele é o pró-mamente vago e confuso. Mais vago e mais prio “Isso”. Não seria esta definição, no entan-confuso é impossível. Isso é uma coisa ine- to, bem vaga? Não necessariamente. Por trêsvitável no campo de vida separado da Mãe razões. A primeira é que essas emanações sãoprimordial. Contudo, o centro contém todas a natureza do Tao; a segunda, é que o Tao seas imagens da criação do Tao. Certos auto- situa “no centro”; e a terceira é que esse centrores traduzem a expressão o grande Te como “a traz em si “todas as imagens”. Tentaremos vosgrande virtude”. Embora o Te, com certeza, explicar isso. Em toda a manifestação divina,seja uma grande virtude, é melhor traduzi-lo em todo o espaço da criação, o Tao – o Umcomo “a senda da libertação” e “o resultado divino – mantém-se “no centro”. Nesse inson-obtido ao percorrer a senda da libertação”. Na dável espaço existem campos de natureza astralnatureza da morte existem coisas que pode- muito diferentes uns dos outros. A respeito des-mos qualificar de virtuosas e boas, porém a sa diversidade compreendida numa unidade po-virtude e o bem desta natureza jamais são de-se dizer que o “Tao está no centro”. Vistoperfeitos. Eles não têm nenhum vínculo com isoladamente, isso é muito importante e recon-o bem único de que fala Hermes Trismegisto. fortante; mas é muito mais importante verificarÉ por essa razão que o capítulo 21 do Tao Te que dessa força divina “no centro” provêmKing fala de atividades visíveis como resultado emanações, influxos, irradiações e atividades.2 pentagrama 4/2013

Jan van Rijckenborgh e Catharose de Petri, fundadoresda Escola Espiritual da Rosacruz Áurea, descreviame explicavam para alunos e interessados, muitas vezescom base em textos originais da Doutrina Universal,o caminho que leva à libertação da alma, do qualderam testemunho em sua vida. Símbolo da “Força do Tao”. Quem vence outros homens é forte, mas quem vence a si mesmo é onipotente. Tao, a grande força do centro 3

Essas emanações preenchem, com sua majesta- “Assim como é em cima, assim é embaixo.”de, todo o insondável espaço. E isso se torna de Compreendei este adágio hermético. O Taocapital importância quando descobrimos que também está presente no microcosmo e, alémas miríades de sistemas estelares que englobam disso, “no centro”, no centro que correspondeos sistemas zodiacais que englobam os sistemas ao coração físico! E nesse “centro” podemossolares, que, por sua vez, englobam os corpos claramente distinguir suas emanações.planetários, possuem todos em seu centro, emsentido literal, o Tao. Assim, indicamo-vos, embora de forma umCada planeta, cada sol, cada sistema é en- tanto breve, a natureza do Tao. O Tao estávolvido e penetrado pela essência do Tao, presente em todas as partes e em cada umessência essa que forma um núcleo no centro de nós “no centro absoluto”. Eis aí o grandedesses corpos e sistemas celestes. Portanto, o milagre do Tao. Essa grande força vivente eplaneta em que vivemos traz o Tao em seu divina fala, vive e irradia no coração de tudo ecoração no sentido mais absoluto. É por isso de todos. Essa é a natureza prodigiosa do Tao,que se diz que o Espírito de Cristo reside no o atributo de Deus. Podereis, então, perguntar:estrato central de nosso planeta. Também por “Por que a voz do Tao é tão vaga em mim?isso deve-se fazer uma clara distinção entre Por que ela me lança na confusão?” É porque oo Espírito planetário e o Logos planetário. O Tao, embora esteja em vós, não é vosso. O TaoEspírito planetário é a expressão do aspecto não encarnou em vós, ele não faz parte da vidadialético, o portador da imagem da natureza proveniente da matéria, enquanto que vossada morte em escala planetária. existência particular, vossa personalidade, pos-Reconhecendo a terra como o planeta em que sui uma consciência própria, uma voz própria.habitamos, poderíamos compará-la à perso- Sois de natureza diferente, e a natureza divinanalidade do homem. Já o Logos planetário apenas produz em vós uma irradiação, umaé a existência e a presença do Tao. Ele é a voz. É o Verbo que era no princípio. Quandoexistência da verdadeira terra nascida de Deus um homem se limita apenas ao que pertence aoque podemos comparar ao microcosmo. É o nascimento natural, quando aí encontra espa-céu-terra evocado no Apocalipse, um planeta ço suficiente, quando aí se deixa absorver portotalmente diferente deste que conhecemos e, completo, quando ele sequer sabe algo acercano entanto, muito próximo de nós. E é mais da possibilidade de outra natureza, cuja vozsurpreendente ainda verificarmos que o Tao ressoa em si, então é lógico que não compreen-não só está presente no coração de cada cos- da essa voz e que ela só traga confusão.mo e de cada macrocosmo, mas também no Quando um homem conhece a presença dacoração do microcosmo. outra natureza, mas não se aproxima dela4 pentagrama 4/2013

Por que a voz do Tao é tão vaga em mim?Por que ela me lança na confusão?positivamente devido ao seu comportamento, ser debilitado a fim de dar lugar à naturezaalém de confusão, ele só sente algo extrema- divina, para que, um dia, a entidade libertamente vago. Então a Luz, o Verbo, brilha nas possa dizer: “O Pai e eu somos um”. Falamo-trevas, mas as trevas não podem ou não que- vos aqui de coisas que já conheceis há muitorem compreendê-la. Percebeis quão concreto tempo, mas achamos interessante torná-las vi-é o prólogo do Evangelho de João? Se desejais ventes para vós neste momento. Acaso tendesvos libertar dessa confusão e transformar essa consciência de que o Senhor do Universo en-indefinição numa clara luz, jamais vos esque- contra-se, agora mesmo, em vosso centro, noçais de que em toda a onimanifestação exis- “estábulo” de vosso ser dialético, no centrotem duas naturezas: a natureza absoluta, que do templo, no centro de vosso microcosmo?é o Tao, e uma natureza em devir que não é, No passado, sem dúvida vos perdestes, sobou ainda não é o Tao. Por conseguinte, com vários aspectos, no erro e na confusão. Então,relação ao vosso microcosmo, existem duas compreendereis agora as palavras de Lao Tsé:vidas: a natureza divina e a natureza em de- No entanto, o centro contém todas as imagens. Novir, cujo desenvolvimento estagnou eventual- centro está o ser espiritual. Este ser é muito real emente em sua subida – como a vossa – e daí detém o testemunho infalível.mesmo é arrastada para trás e deve retornarao ponto de partida: é a roda do nascimento e Será possível exprimir-se mais concretamen-da morte. Observai bem que, se existem duas te do que a linguagem sagrada de Lao Tsé?naturezas, existem também dois estados de Do coração do Tao flui a essência espiritualconsciência, separados um do outro: o estado divina, a Voz de Deus, o Verbo divino. Essade consciência da natureza em devir e o da Voz, esse Verbo, engloba o plano inteiro. Osnatureza absoluta; a consciência da perso- caracteres desse Verbo divino consistem emnalidade e a consciência do microcosmo. O representações e impressões muito concretas.estado de consciência inferior deve dar lugar Do princípio central do microcosmo, da rosaao outro ou fundir-se nele. É principalmente do coração, emana uma força-luz irradiante,a consciência do ser da natureza estagnada, uma força-luz que traz em si e consigo vá-da natureza que se tornou má, que deve ficar rias séries de imagens da grande realidade,atenta a isso. O estado dessa consciência deve imagens essas que deverão ser realizadas no Tao, a grande força do centro 5

O renascimento tem sua origem no Tao, no Tao que estáem vosso centro, que vos dá a força e pode ser compreendidoatravés de seu poder criador de imagens.homem e pelo homem. Pensai no rádio e na e assimilar. Cada homem que, dessa forma,televisão. Esse exemplo banal pode vos mos- se aproxima verdadeiramente do “Senhor notrar claramente que formidáveis séries de sons Centro” participa da universalidade mundiale de representações provêm do coração do de Deus. Unicamente o conhecimento assimTao e podem ser percebidos pelo homem, se assimilado constitui um testemunho infalível.o instrumento que é seu sistema for capacita- É por isso que Lao Tsé afirma no capítulo 20:do para tanto. Essa linguagem representativa Abandona os estudos, e a inquietação se afastará dedirige-se a vós a cada instante, chega até vós ti. Apenas o conhecimento de Deus em suasa cada instante, partindo de vosso centro. A aplicações práticas é útil ao mundo e à huma-linguagem divina que fala em nós é igual à nidade e serve ao plano. Compreendeis agoraque fala em vós. Dispomos assim de um meio por que insistimos para que façais todo o pos-de comparação, de percepção. sível, a fim de que o ser espiritual que habita em vós fale, e que o testemunho infalível seO Logos planetário nos fala nessa mesma ilumine? Um testemunho imperecível de tem-linguagem divina. Lembrai: não se trata do pos imemoriais que permanecerá para sem-Espírito planetário. Resumindo, essas pa- pre. Uma força que pode gerar a verdadeiralavras e essa linguagem chegam a nós de criação. Uma criação que se realiza perfeita-inúmeras direções. Essas palavras contêm um mente segundo leis científicas. Um processoconhecimento altamente real. Elas detêm o que o candidato à ciência sagrada pode seguirtestemunho infalível, afirma Lao Tsé, refe- passo a passo, pois o nascimento completo, orindo-se a toda a gênese do Universo, ao que renascimento, tem sua origem no Tao, no Taoela deve ser, em que ela está errada e como que está em vosso centro, que vos dá a forçaela pode, novamente, ser corrigida em sua e pode ser compreendido através de seu podertotalidade. Todo problema que submeteis ao criador de imagens. µtribunal interior do microcosmo, do cosmoe do macrocosmo vos é retransmitido em re-presentações multidimensionais, transmutadonuma imagem que podeis ver, compreender6 pentagrama 4/2013

Quando o yin receptivo está completo, em seu centro surge o germe do yang. Quando o yang ativo está com- pleto, saindo da sua profundeza, forma-se o yin.Tao, a grande força do centro 7

a água tão fracaO que aconteceria se o homem fosse privado das palavras?Dispomos de palavras, de uma língua falada e escrita e deoutros meios de comunicação, tais como linguagem corporal,música e arte visual. Mas o que aconteceria se o homemfosse privado de todas essas formas de linguagem?Mediante a linguagem colocamos nosso codificada ou pensamento em ordem, nos comu- um jargão podem nicamos, nos explicamos aos outros incluir ou excluire também os ajudamos. Pela comparação, grupos e indivíduos.a dualidade “você e eu”, ganhamos expe- Assim, podemos restringirriência; expressar um pensamento significa as palavras de nossa língua me-tornar-se consciente. A linguagem funda- diante interpretações mais ou menosmentada sobre a dualidade oferece-nos a pré-estabelecidas. Então, a linguagem indivi-oportunidade de crescer. Se privássemos o dualiza-se e perde sua universalidade. Pode-homem da linguagem, essa aprendizagem mos, por exemplo, observar como os jovensresultante da interação com o outro também preservam e afirmam sua própria identidadedesapareceria? Extrapolemos ainda mais essa precisamente na e por meio da linguagem.reflexão: os sentidos também desapareceriam, Outro aspecto desse tópico revela a extremaassim como nossa consciência? O que resta- dificuldade de se conceber algo realmenteria, então? novo. Muitos de nós não somos prisioneirosPara nos comunicar, usamos a linguagem e dos grilhões de um mundo de ideias defini-as palavras, a fim de transmitir informações. das? Todos não dependem, na verdade, desseUma ressonância magnética mostraria, neste campo coletivo e individual?caso, quais áreas do cérebro estariam ativas. Uma criação completamente nova auxiliadaAs palavras são portadoras de informação por um princípio criador formador da falae, portanto, logicamente subordinadas à e da linguagem só poderia proceder de umlinguagem. fator externo ao mundo dos nossos pensa-A linguagem é o princípio de comunicaçãoe as palavras constituem a forma, o vetor deuma idéia, de um significado. Precisamosde palavras para expressar-nos de maneiradiferenciada. Se as nuances são sutis, com-preensão intuitiva e interpretação intervêm, evamos além das palavras.Além disso, há muitas áreas de linguagem,convenções comuns e condicionamentos dosquais, muitas vezes, nem temos consciên-cia, pois esses códigos tornaram-se parteintegrante de nós mesmos. Uma linguagem8 pentagrama 4/2013

mentos. enquanto, basicamente, trata-se exatamente Algo assim do oposto. Na verdade, qualquer desenvol- existe de fato vimento intelectual só mostra sua casca, que e poderia ser esconde um núcleo mais profundo, e é por traduzido? Onde isso que cada denominação específica (no está a origem da ideia sentido espiritual) é sempre uma hipótese. que tenta tomar forma? Que [...] O ‘forte’ deve aprender a entender que mundo de ideias e pensamentos nos abas- nada é tão forte quanto a água fraca que setece e nos abriga? Existe outro mundo? A adapta e assume qualquer forma, e os ‘se-palavra às vezes é vista como fundamental, dutores’ devem aceitar a sua linguagem. [...]como um arquétipo, e a linguagem que usa Quem recua diante disso pode deixar estepalavras para expressar essa ideia faz que ela pequeno livro de lado; ele não tem nada aviva. A linguagem é discurso ou o discurso é lhe dizer. [...] Mas se se trata de uma rea-linguagem? O meio é a fala ou a linguagem? lidade que não conhecemos, o que faze-As palavras de nossa escrita parecem ser mos, então de nossa capacidade de pensarelementos específicos de comunicação. No concretamente?”entanto, confrontado com a escrita ideográ- Estamos acostumados a analisar, dissecar afica chinesa, menos definida para o homem semente, mas podemos, assim, encontrar aocidental, C. van Dijk, escreve na introdução árvore? C. van Dijk não optou nem por umaàs suas paráfrases do Tao Te King: “O modo tradução nem por uma comparação das tra-ocidental de pensar compara quase toda a duções existentes desses “generosos” carac-sabedoria oriental a hipóteses incontroláveis, teres chineses, mas por uma transposição em paráfrases, pois tudo depende da capacidade da consciência individual. É por isso que ele fala de um “poema meditado do chinês origi- nal”. Ele nos apresenta uma “transposição de ideias intelectuais e de concepções atuais” e dá conselhos para meditar sobre os textos em vez de analisá-los. Ele diz que “o pensamen- to espiritual, ou melhor, a sabedoria, precisa de um fluxo, de um canal”. “A palavra nem sempre é o que ouvimos, entretanto o Tao é invencível, ele se adapta e se ajusta a tudo”. Há outra realidade para a água tão fraca 9

O caminho diário não é o Caminho dos caminhos.A vida não é senão o que o homem faz dela.O que a realidade é, é o que queremos que a realidade seja.Aquele que é humilde – esse já está desperto nas alturas.além das línguas conhecidas e traduções, com assim. Imagens de momentos de silênciotodas as suas consequências inerentes. Além transformam lentamente a pedra, quais gotasda realidade de nosso eu ensurdecedor, existe de água que caem sem parar. Estamos acostu-o eu interior silencioso. mados, com nosso pensamento e nossa sensi-Como podemos nos deixar penetrar pela bilidade, a armazenar tudo para, em seguida,inspiração pura e abstrata da vida universal? explorar esse conjunto de conhecimentos,Por mais abstrata que seja, a vida universal mas o que a linguagem interna nos pede étudo move e inspira, embora seja ela mesma que a interpretemos, que a traduzamos dire-a causa desconhecida, localizada fora de tudo tamente em ação, que a vivamos.o que se move. É nesse movimento perpétuo Não se pode reter a vida; ela flui. Quem seriada criação que o autor do movimento torna- capaz de capturar e reter a água de um cór-se manifesto. Daí esta oração dos rosa-cru- rego? A todo momento e em um fluxo cons-zes: “Com seu dedo, Deus traçou os sinais da tante, a vida se renova. Receber, viver, dar eNatureza, e ninguém é capaz de decifrá-los receber de novo, e assim tudo renovar.sem antes ter aprendido em sua escola”. Se, confiantes, nos rendemos a essa ininter-Essa aprendizagem continua até que expe- rupta corrente de verdade e vida, nada querimentemos que nós mesmos somos dessa recebemos poderá se tornar letra morta, ne-natureza e que no fundo de nosso ser está nhuma imagem será estéril, pois tudo de queimpressa a marca do dedo de Deus. Quando, precisamos está presente a cada momento.dessa forma, percebermos que as palavras e a Continuamente compartilhamos, relaciona-vida se mesclam, que somos simultaneamente mo-nos. Isso é o Tao, naturalmente. E esta-alvo e flecha, então compreenderemos intuiti- mos em contato com o mundo e nos comuni-vamente, levados pela corrente da inspiração. camos, se necessário com palavras. µImagens extremamente nítidas podem surgirem nós. Imagens que, entretanto, ultrapassamnosso entendimento. Imagens muito fugazes,totalmente de acordo com nosso estado mo-mentâneo, apresentam-se à nossa consciência,a fim de que sua sabedoria e força possamtransformar nosso ser. No começo, a pala-vra parece desaparecer, morrer em nós. Issoporque queremos captá-la com a cristalizadacapacidade de compreender de nossa velhaconsciência. Mas isso não pode continuar10 pentagrama 4/2013

riTMO A vida acontece em ritmos. Esse jogo ao mesmo tempo arriscado e magistral vai e vem,no bater rítmico de nosso coração – no equilíbrio acrobático do ser, como o artista francês Léger sabe exprimir em suas pinturas. “Música e ritmo encontram seu caminho até nasdimensões mais secretas da alma”, assim escreveu Platão no século IV a.C., e Quintiliano completou cinco séculos mais tarde: “Muitos dos antigos denominaram o ritmo o principio masculino e a melodia, o feminino”. ritmo 11

impressões de luzUm cientista entusiasta escreve no último ano letivo emseu blog: “A luz, na realidade, é encontrada e empregadaem todo lugar – e, aparentemente, também é passívelde múltiplas interpretações”.Essa descoberta já não trará o prêmio sem risco de colisão. Uma joaninha pode Nobel a nosso jovem cientista depois empreender uma caminhada sobre a nossa que Einstein o obteve por seu trabalho pele sem que a percebamos. O desenvolvi-sobre o efeito fotoelétrico. Todavia, nos- mento de nosso paladar é tal que a médiaso diligente estudante teria eventualmente dos frequentadores de restaurantes prefere irconseguido evidenciar um lado ainda desco- a um local mais conhecido por suas grandesnhecido da luz. Mas ele ainda não chegou a porções do que por seus ingredientes refina-tanto. Imaginem o quanto ele está concen- dos. Nossos olhos constituem efetivamentetrado nos diversos efeitos e empregos da luz uma exceção – e isso, em contrapartida, temnatural como subproduto de uma fonte de a ver com a sensibilidade do ser humano àcalor como a do sol radiante, do fogo acon- luz. Nossos olhos conseguem enxergar niti-chegante de uma lareira, de uma vela quei- damente tanto bem de perto como à distân-mando com calma ou do fio incandescente cia, e conseguem uma boa adaptação tantode tungstênio da lâmpada de seu escritório. em dia ensolarado de verão como em noiteA luz também constitui a base da cadeia escura. Além disso, conseguimos perceberalimentar. Através da fotossíntese os organis- um largo espectro de cores. Como criaturasmos vegetais, desde unicelulares até árvores de orientação visual, usualmente percebemosgigantescas, podem crescer e florescer. Esses melhor o que vemos com os próprios olhos.organismos formam então a fonte de alimen- Aliás, também na linguagem corrente apare-tos para animais que se consomem mutua- ce nossa preferência por luz e pela faculdademente. Segue-se então o restante da cadeia: visual. Em relação a isso, nossa linguagemdesde os tipos que comem de tudo até os metafórica é especialmente colorida. Às ve-que comem unicamente carne. Contudo, zes, apenas cobramos ânimo ao ver uma luzsem luz não seria possível todo o circuito de no fim do túnel. De fato, pois por trás dasdevorar e ser devorado. nuvens brilha o sol. Nossa fisionomia acla-Em comparação com os órgãos dos sentidos ra-se, começamos a irradiar, e o sol se erguede outros mamíferos, os do ser humano são de novo em nossa morada. Depois da obscurainsignificantes: um elefante consegue detec- Idade Média, surgiu a luz da Renascença.tar água a uma distância de dezenas de qui- Então, uma vez mais vimos a luz, deixandolômetros, os seres humanos não conseguem de errar em tenebrosa ignorância. Por meionem mesmo à distância de um metro. Um da luz verificamos que o mundo é fenomê-morcego pode empregar o eco de seu próprio nico. Nessa mesma luz, somos percebidos eruído, inaudível para a maioria dos homens, observados pelos outros. Fazemos tudo parapara voar à noite através de uma floresta perceber nosso ambiente da maneira correta.12 pentagrama 4/2013

impressões de luz 13

Ela é tão ilimitada que o ser humano, como criatura naturalsensível à luz, não tem consciência delaQuando necessário, utilizamos binócu- à qual poderíamos aludir cautelosamentelos. Quando ficamos mais velhos, os óculos como a Luz. Os antigos costumavam falarde leitura. Quando já não enxergamos tão da luz supranatural. É a luz a que se referebem, podemos fazer uma cirurgia a laser. o Evangelho quando diz que Deus é Luz ePor outro lado, nosso médico também gos- não há nele treva alguma – ou a Luz brilhataria de ver com os próprios olhos o que nos nas trevas, mas as trevas não a compreen-falta. Por isso, faz radiografias ou ressonância deram – a Luz que era “no princípio”, antesmagnética para investigar sinais ocultos de ainda de se poder falar de sol, lua e estrelas,doença. Nesse plano sutil fica evidente que assim como lemos no Gênesis. O indício daluz é uma forma de radiação – benfazeja, outra espécie de luz – impalpável, indire-mas, às vezes, também prejudicial. Radiações ta – é conversão, transformação. Uma formaem um tumor canceroso também pode dani- bem diferente de fotossíntese! Ela transformaficar tecido sadio. Aliás, radiação em demasia primeiro o homem adormecido em homemnão é bom mesmo, pois causa alterações em desperto, assim como, de manhã, a clara luznosso material genético, o que pode acarretar solar nos acorda. Em seguida nos transformacâncer. Se a luz é de natureza monocromáti- em um ser humano com um interior vivo –ca, ou seja, com apenas um comprimento de uma alma viva – e, por fim, em um homemonda, ela produz pouca interferência. A luz divino. Com certeza nos deparamos aquide um laser, por exemplo, é fortemente coe- com outro significado de luz, uma dimensãorente e focalizada e, tanto quanto possível, é bem diferente daquela indicada por nossouma luz “simples”, embora seus efeitos sejam cientista. Essa Luz, composta de diferentesmuito mais potentes. Os campos de aplicação comprimentos de onda, realiza com suasda luz – ainda estamos falando apenas so- atividades e efeitos muito mais do que, abre o efeito grosseiro, material e terreno da princípio, poderíamos supor. Daí resulta que,luz natural – são múltiplos e extremamente sobretudo em sua ação, ela escapa inteira-impressionantes. mente à percepção sensorial comum – por mais que queiramos abarcá-la e compreen-A LUZ DA SUPRANATUREZA Até agora nada dê-la. Ela é tão ilimitada que o ser humano,mencionamos sobre outros efeitos da luz, como criatura natural sensível à luz, não14 pentagrama 4/2013

tem consciência dela. Um pressuposto para seu interior, na esperança de, ali, reconhecerele tomar consciência da luz é, sem dúvida, a Luz. Então surge crise, caos ou desesperoa possibilidade que ela tem de penetrá-lo sombrio. No entanto, essa é a única possi-profundamente até iluminar-lhe o âmago do bilidade de a Luz irromper em algum lugar,ser. Isso é possível se ele sabe como abrir-se criar uma brecha através da qual ela possapara ela. encontrá-lo, a possibilidade de “trazer à vidaPouco a pouco, esse ser humano passa a uma Luz diferente”. Poderíamos dizer entãoapreender e experimentar mais daquela Luz. que esse nadir, esse primeiro sinal da Luz,Sempre que ele não se deixa enredar por é ao mesmo tempo o símbolo para sua novatoda espécie de antagonismo, ocorre uma vida. A partir desse momento, já não seráabertura maior, e o conhecimento de primei- apenas a luz terrena que continuará a auxiliá-ra mão, como um reflexo da Luz, é alcan- ‑lo. Esta jamais pode fornecer a energia vitalçado. Com isso, seu coração é iluminado e, necessária para o crescente anseio de seu co-dessa forma, ele adquire o “conhecimento ração. A luz da natureza extinguiu-se na es-do coração”. Por mais que tenha buscado, curidão da “noite da alma”, como disse Joãoessa Luz divina não pode ser encontrada no da Cruz. Contudo, a noite desemboca no diamundo perceptível pelos sentidos, porém ele em que a Luz do Espírito, a Luz das Luzes,a conhece com o coração. Por muito tempo, nasce para sempre. Como em um relâmpagoele não sabia que essa fonte de Luz estava fica claro: “Eis aqui vos digo um mistério:“mais próxima do que mãos e pés”, podendo [...] nem todos dormiremos, mas todos sere-apenas ser encontrada dentro do próprio ser. mos transformados num momento [...]” µA LUZ QUE TRANSFORMA Já não o satisfaz aluz que brilha sobre o que lhe parecia im-portante no mundo, porque ela lança sobrea verdade um brilho falso, deturpado, po-luído. Parece-lhe, então, que a luz naturalintensa diminui em seu interior. Ele passa acontar apenas consigo mesmo e dá início àsua autoprovação, em uma região que parecetotalmente tenebrosa e sem perspectiva. Aluz da lâmpada em seu caminho extinguiu-se; agora já não há luz lá fora, e ele já nãopode fazer outra coisa senão orientar-se para impressões de luz 15

UMA EXPLORAÇÃO EM SETE FASESA luz interior. Sanjay Punekar, India. www.artmajeur.com16 pentagrama 4/2013

uma aberturacoletiva é possível“[O esoterista] pode se reconhecer como tal, caso se sinta amadurecido pelo ‘impulsoespiritual da reminiscência’, isto é, caso sinta uma ligação inicial subconsciente com o rei-no de Luz perdido, a reminiscência de uma filiação rompida. Tal estado ocasiona interesseirreprimível pelo mundo oculto e desperta a pesquisa apaixonada de um estado original,perdido na noite dos tempos.” Jan van Rijckenborgh, Dei gloria intactaAcompreensão voltada para o outro é mundial engendraria tolerância e respeito. aprofundada pela mudança de pontos Mas depois as forças reacionárias ressurgiram de vista relativos aos diferentes iti- e tentaram manter ou restabelecer as antigasnerários, métodos e visões do mundo; assim estruturas de poder.podem-se descobrir outras facetas da verdade Ora, aí também se encontra o sinal anuncia-e os caminhos que levam a ela. dor de uma nova fase. A observação ensinaNumerosos movimentos espirituais estão em que assim que as possibilidades presentes emmarcha. A influência de Aquário provoca a determinada época tornam-se inúteis, a situa-necessidade de se comunicar e de permutar ção atinge um paroxismo, como se o homemde maneira totalmente nova. devesse, pela experiência decorrente, tomarO período que abordamos nos ensina, de um consciência de seu erro. Se a oportunidademodo que acreditaríamos impossível anterior- não é rapidamente agarrada, o movimentomente, a que ponto estamos ligados uns aos inverte-se e engendra um retorno ao passado,outros. pois o tempo não interrompe seu curso.Levando em conta a tomada de consciência “De lá atravessou o Mar Mediterrâneo, atédessa ligação, cada um pode trabalhar segun- chegar a Fez, cidade que os árabes lhe haviamdo o caminho escolhido, sabendo-se totalmen- indicado. É uma verdadeira vergonha parate apoiado e compreendido na coletividade. nós que sábios que vivem tão longe uns dosUma porta se abre para a humanidade. Um outros não somente estejam unidos entre si,vento novo sopra no mundo. Isso diz respeito mas também contrários a toda polêmica e dis-a todas as instituições ou organizações, sejam postos a revelar seus segredos, em total con-elas políticas, econômicas ou religiosas. fiança. Anualmente, os árabes e os africanosA Terra e seus reinos naturais sofrem a mes- se reúnem e se consultam mutuamente sobrema influência. A humanidade, entretanto, as artes para saber se alguma coisa melhor foiestá apenas parcialmente preparada para essas descoberta ou se seus conceitos foram supe-circunstâncias. Somente os que compreendem rados pela experiência. Desse modo, a cadaa linguagem de Aquário e agem em conformi- ano algo novo se apresenta para melhorar adade com ela abrem caminho para essa grande Matemática, a Física e a Magia, pois nisso osmudança. Hoje, falar de aspectos positivos de habitantes de Fez são muito avançados. Danossa época parece, para muitos, absurdo, de- mesma forma, na Alemanha não faltam atual-vido à intensificação dos conflitos no mundo. mente eruditos, magos, cabalistas, médicos eDuas décadas atrás, entretanto, imediatamen- filósofos, mas eles deveriam ser mais caridososte após o término da “Guerra Fria”, nas- e a maioria não deveria querer devorar o pastoceu a esperança que essa nova configuração sozinha. Em Fez, ele travou conhecimento uma abertura coletiva é possível 17

O impulso rosa-cruz da época estava destinado a abrir ocaminho para uma evolução positiva do mundo ocidentalcom os que chamamos comumente de habi- rosa-cruzes do início do século XVII.tantes originais, os quais lhe revelaram muitos Esse manuscrito apareceu há quase 400 anos,de seus segredos, do mesmo modo que nós, em 1614. A Europa estava numa encruzilha-os alemães, poderíamos reunir muito do que da. Duas possibilidades se lhe apresentavam,é nosso se uma unidade semelhante reinasse mas a balança inclinou-se para o lado dasentre nós e se aspirássemos à pesquisa com amargas experiências: a Guerra dos Trintatoda a sinceridade. Quanto aos habitantes de Anos, durante a qual as lutas religiosas e po-Fez, ele reconheceu muitas vezes que a magia líticas devastaram a Europa.deles não era totalmente pura e que sua cabala A Fama Fraternitatis refaz o itinerário dehavia sido corrompida por sua religião. Apesar Christian Rosenkreuz em busca de fontes dedisso, soube fazer excelente uso dela e desco- sabedoria no seio de culturas do perímetrobriu um fundamento ainda melhor para sua fé, mediterrâneo. Se tal viagem aconteceu real-pois esta agora concordava com a harmonia do mente ou se se trata de um conto alegóricomundo inteiro, encarnada de modo maravi- é algo de pouca importância; os cientistas,lhoso em todos os tempos.” além disso, estão divididos quanto a esse fato.Fama Fraternitatis A intenção desse relato era convocar a uma reforma geral as ciências, a arte e a religião.DE FEZ AO MARROCOS Em nós, algo busca se Essa viagem de Christian Rosenkreuz olibertar. Toda luta exterior é apenas o sinal conduziu ao Oriente Próximo e ao Orientetangível de uma agitação interior e a manifes- Médio. Ele foi guiado, por uma mão invisí-tação de um estado que ignora o medo, mes- vel, para os elevados lugares onde a sabedoriamo que ele venha. Poderíamos mencionar cer- e o conhecimento do mundo visível podiamtos desenvolvimentos positivos que ilustrariam ser estudados.essa manifestação de uma mudança do mundo. Seu caminhar o levou, via Chipre, a Damcar,Mas essa tentativa correria o risco de se pro- pequena cidade da península arábica; depois,var superficial, portanto pouco satisfatória. passando pelo Mar Mediterrâneo, a Fez, ondeAlgumas pessoas poderiam atribuir as rea- ele encontrou grandes mestres sufis; por fim,lidades equivocadas ao acaso ou a circuns- após uma estadia na Espanha, ele voltou paratâncias favoráveis. Parece-nos também im- a Alemanha, levando consigo conhecimen-portante tentar obsevar os acontecimentos tos e possibilidades científicas e espirituaiscom base em um plano superior para trazer essenciais. No decurso de sua passagem pelaà luz o significado e o objetivo do caminho Europa, ele ofereceu a síntese de seus tesou-da humanidade. É conveniente evocar aqui ros espirituais às grandes figuras de seu tem-a Fama Fraternitatis, um dos três manifestos po, mas elas a rejeitaram, pressentindo que18 pentagrama 4/2013

o caminho ofertado era pouco convencional nosso guia dava à antiga Universidade umae que suas posições dominantes, baseadas importância especial. Pela porta gradeada deem seus conhecimentos, desapareceriam. O um edifício centenário, percebemos a praçaimpulso rosa-cruz da época estava destinado principal; ela nos pareceu bem pequena, en-a abrir o caminho para uma evolução po- tretanto bem animada.sitiva do mundo ocidental. Muitos dos que O acesso ao campus da Universidade nãopossuíam nobreza interior poderiam, assim, era, salvo exceções, autorizado aos turistas.encontrar o caminho para o homem superior. Nosso folheto evocava a história desse edifí-Nessa época, a Europa foi colocada diante do cio, hoje muito dilapidado. A Universidadedesafio mundial e histórico de acompanhar a de Fez, fundada em 859, é a mais antiga dohumanidade durante os séculos que se segui- mundo. Hoje seu nome é Al-Quaraouiyine.riam. Ela saberia fecundar o mundo com seus Ao mesmo tempo escola corânica e mesquita,tesouros nos domínios da arte, das ciências ela desempenhou, na Idade Média, um papele da espiritualidade, uma espiritualidade importante nas relações culturais e univer-tingida do amor que reconheceria a origem sitárias entre o mundo islâmico e a Europa.comum de todos os povos, respeitaria todas Prestamos muita atenção quando nosso guiaas culturas e tradições religiosas. contou como, desde a Antiguidade, ela vela-O mundo realmente tomou essa direção, mas a va para que fossem ensinadas aos estudantesque preço... O pensamento voltado para o as- primeiro as leis espirituais subjacentes às leispecto material prevaleceu, bem como seus efei- exteriores. Somente depois lhes era permitidotos: a colonização do mundo seguia de mãos estudar outras matérias.dadas com a opressão, a pilhagem e a ruína. Até 1957, tratava-se apenas de ciências naturais.Há aproximadamente quinze anos fiz uma Como era sábio esse método que propiciava aoviagem ao Marrocos em companhia de meu estudante uma reflexão ética e moral! Assim,esposo. Nosso maior desejo era visitar Fez, dotado de uma bússola interior, ele podiaàs margens do Saara. Esperávamos descobrir colocar o conhecimento científico a serviçoa razão de a Fama Fraternitatis mencionar essa do povo. Nossa impressão foi de que o geniuscidade onde Christian Rosenkreuz havia loci, o espírito, a atmosfera desse lugar, conti-permanecido durante dois anos. Tivemos nuava a testemunhar da grande sabedoria dosa sorte de ser acompanhados por um ve- tempos antigos. Parece que em Fez queimalho guia experiente. A visita à velha cidade um fogo espiritual, o mesmo que Christiancausou em nós o efeito de uma viagem no Rosenkreuz acendeu mais tarde no coração datempo. As impressões foram surpreendentes. Europa, em segredo, depois que sua tentativaVerificamos, para nossa grande alegria, que de fazê-lo abertamente fracassou. uma abertura coletiva é possível 19

FRACTAIS, AUTOSSIMILARIDADE, UNICIDADE Os manifestos rosa-cruzes tentaram criarOs impulsos dados por Christian Rosenkreuz uma abertura espiritual graças à qual o ho-são revolucionários no sentido de que im- mem, pensador independente e livre de todaplicam uma visão em que a metade desco- autoridade, podia tomar consciência de suanhecida do mundo, o invisível, e a estrutura origem e de seu destino de modo direto. Emdivina espiritual do ser humano revestem-se nossa época, semelhantes impulsos manifes-da mais alta importância. Esse ponto de vista tam-se cada vez mais claramente.corresponde às ciências naturais e às inten- Albert Einstein dizia: “O ser humano é umações primeiras dos verdadeiros ensinamentos parte do que chamamos Universo, uma partecristãos. A Rosa-Cruz, de fato, considera o limitada pelo tempo e espaço. Ele se vê, comhomem um mundo em miniatura, um mi- seus pensamentos e sentimentos, como sepa-crocosmo, a ideia na base da unicidade do rado dos outros – um tipo de ilusão de ópticahomem, do cosmo e do macrocosmo. de sua consciência. Essa ilusão constitui umaA ciência fala da autossimilaridade de certas prisão que nos limita a nossos desejos pes-estruturas, chamadas fractais1: a estrutura de soais e simpatias em vista das pessoas quetodo sistema é idêntica à estrutura do que nos são caras. Cabe a nós libertar-nos dessaa precede ou a segue, e assim por diante, prisão”. Essa afirmação apresenta uma visãodo maior ao menor... Podemos deduzir a moderna da caverna de Platão. Voltarmo-nosexistência de uma similaridade na relação dentro de nossa caverna, retirar a “ilusão deentre o homem, o cosmo, o sistema solar e óptica” da consciência para vivenciar direta-os universos mais vastos, tanto no que con- mente as leis divinas – observadas, até então,cerne ao aspecto material quanto ao da alma mediante seus efeitos sobre a matéria – é ae do espiritual. Poucos homens têm acesso à etapa que o homem deve vencer tanto em suavisão interior do espiritual, do imortal. Para realidade individual como coletiva. Os ho-a maioria, a única norma é frequentemente a mens estão cada vez mais conscientes disso.aparência física, e sua dissolução pela morteconsterna-os. A CADA UM SEU CUME A humanidade experi-O Evangelho de Tomé descreve esse “alcan- menta atualmente uma aceleração do tempo.çar o horizonte” com as palavras de Jesus: E, embora seja um sentimento subjetivo, o“Que aquele que busca não cesse de buscar fato é que nosso planeta, com tudo que neleaté que encontre; e quando tiver encontra- existe, sofre uma aceleração de seu níveldo, será perturbado, e estando perturbado, vibratório. Um tipo de energia mais elevada,f icará maravilhado e reinará sobre o Todo”. um tipo particular de éter – chamado quinto(Cf. logion 2) éter – traz em si um fogo espiritual que se20 pentagrama 4/2013

Não é verdade que muitos dentre nós pensam que asatuais situações pessoal e social de fato não durariamainda por muito tempo?derrama em nossa atmosfera e se transmite a UM AMIGO, UM AMPARO Há muito tempoquem o inspira. As vibrações mais elevadas ouvi uma história – de Auroville, na Índia,são capazes de desenvolver a alma superior. creio eu – que ilustra a maneira como acede-Muitos são os que esperam uma iluminação mos a esse nível mais elevado. “Um homem,pessoal, prometida, aliás, por uma literatura mergulhado no sono, sonha com uma magni-abundante. Entretanto, a iluminação não se fica paisagem repleta de flores e árvores frutí-refere a nosso ser terrestre; algo muito dife- feras. Ele nutre-se de seus frutos, o perfumerente é tocado: o princípio divino no micro- de suas flores embriaga-o. Quando acorda,cosmo, a essência imortal. ele percebe que está, de fato, no deserto. AAs energias espirituais tornadas atmosféricas areia a seu redor estende-se até o horizonte.desmascaram e fazem esmorecer o orgulho Ele está só e não há ninguém ao longe, nemda autoconsciência. Não é verdade que mui- mesmo um camelo para levá-lo para outrotos dentre nós pensam que as atuais situações lugar. Ele está petrificado de medo. Estápessoal e social de fato não durariam ainda claro para ele que deve sair de lá imediata-por muito tempo? Percebemos que falta algo mente. Ele está calçando suas sandálias paraessencial. E experimentamos essa falta mesmo partir quando, de repente, perto dele, alguémquando temos aspirações espirituais. também calça as sandálias. E esse “outro” lheAlcançamos o cume da cultura da persona- diz: “Veja, eu já estava com você. Eu estareilidade, no qual não há lugar para o outro: com você e serei depois de você. De agoracada um vive em seu próprio cume. O que em diante, eu o acompanho até o fim doshá, porém, entre nós? Cada vez mais senti- tempos. Siga-me”.mos o nada, o vazio. Cada um é colocado à No momento psicológico oportuno, fre-prova por aquilo que atrai. As consequências quentemente em situações de crise, quan-são situações de crise e uma perda de refe- do, desamparado, seu ser silencia, o homemrência. Mas se essa situação não pode perdu- torna-se consciente do companheiro divinorar, que fazer, então? Alcançaremos um nível interior, o amigo, o amparo. Ele adquire umamais elevado? Aproveitaremos as oportuni- consciência completamente diferente. Cadadades que nossa época nos oferece? Cada um ser humano vive essa experiência uma vez napode se perguntar: “Serei apenas a imagem vida. Quando é literalmente cercada, prova-percebida até agora? Ou serei outra coisa, no da, sua consciência comum, em seu desejomais profundo de mim mesmo?” Quem se de autoconservação, subtrai-se momentanea-pergunta isso seriamente perceberá que, de mente à situação vivenciada. Por um curtofato, no interior de seu ser, há um nível mais instante, ele olha além da barreira, além doelevado. muro. Mas os hábitos o dominam novamente uma abertura coletiva é possível 21

De suas cápsulas espaciais, os cosmonautas perguntaram-semais de uma vez qual a razão da existência de fronteiras emnosso belo planeta azul e por que as pessoas fazem a guerrae impedem a abertura para um nível superior planeta. A germinação de tal fruto necessita,do pensamento, da vida e do ser. entretanto, de um tempo bem longo. DepoisSomos seres duais: mortais segundo o estado vem o tempo em que, em cada microcosmo,biológico, imortais em virtude do núcleo di- desperta e fala a voz divina. O campo de ir-vino interior. É por isso que duas vozes falam radiação que emana dos seres espirituais sobreem nós. O homem interior quer voltar à sua nossa Terra estimula esse processo.origem; o homem exterior, a consciência in- De suas cápsulas espaciais, os cosmonau-dividual, busca realizar-se na matéria. Assim, tas perguntaram-se mais de uma vez qual aacorrentamos o divino, presente em nós, à razão da existência de fronteiras em nossomatéria; isso, até o momento psicológico em belo planeta azul e por que as pessoas fazemque percebemos a voz do Deus interior. a guerra. É nossa consciência egocêntrica queO outro estado de ser não pode ser tocado se deixa levar à guerra. Uma guerra não tempelo mundo dual exterior, embora também início apenas no momento em que as armaspossa manifestar-se no espaço. Devido à sua começam a se fazer ouvir; ela se enraízanatureza vibratória elevada, temos, entretan- previamente em nosso espírito. Se a huma-to, o hábito de situá-lo longe de nós. nidade constitui um só corpo, esse fenôme- no equivale a células individuais que já nãoO ESPÍRITO, O AMOR, CRISTO Experimentamos cumprem sua função a serviço do organismona vida um abismo que separa nossa atual como um todo. Elas lutam entre si. Comoexistência da vida eterna pura, ilimitada. totalidade, é evidente que estamos profunda-É para construir uma ponte que surgem os mente doentes.grandes enviados e os mestres da humanidade. Chamamos as energias do mundo espiritual deCada religião traz o germe da transformação forças crísticas. Elas desejam transformar-nos ede uma existência temporária em existência purificar-nos, banir a luta entre as polaridadesimortal. O processo de mudança mostra o ca- de nosso ser e renovar nossa alma. Elas queremminho não apenas para nosso próprio coração libertar em nós o homem imortal, o gêmeo di-espiritual, mas também para “o coração do vino, do ciclo sem fim das encarnações do mi-mundo”, o centro da “terra santa”. A Terra crocosmo; elas fazem nosso coração espiritualtambém possui um aspecto divino, espiritual, vibrar e geram uma fé que não conhecíamosligado ao aspecto espiritual do sol. O pro- antes. Trata-se de um conhecimento interior ecesso humano de mudança conduz, portanto, de uma força capaz de mover montanhas, ouaos domínios espirituais da Terra e do siste- seja, nossos obstáculos interiores.ma solar. Quem segue esse caminho religa O conto sobre o nascimento de Jesus, oas energias desses domínios à vida de nosso Senhor, há dois mil anos, não deve ser22 pentagrama 4/2013

considerado sob o ângulo histórico, pois esse nova consciência, a humanidade, o planeta enão é seu verdadeiro sentido. seus reinos naturais.Esse fato aconteceu muitas vezes e é a emana- O Bhagavad Gîta cita a respeito do Único, queção dos domínios invisíveis, de outra dimen- vive em tudo e em todos os seres e religiões:são. Os acontecimentos universais são sempre “Em todas as coisas eu sou eu mesmo, de mimconcebidos numa atmosfera anímica pura, na nasceu o universo inteiro, ele é a revelaçãoqual o homem pode purificar seu coração e de meu ser”. Encontramo-nos, como partici-seu pensar. O espírito, o amor, Cristo, o outro pantes, no seio de diferentes escolas. A hu-celeste nele, pode transformá-lo estrutural- manidade necessita de diversos trabalhadores.mente, átomo por átomo, célula por célula. Todos nós somos necessários. Nosso trabalho éO corpo visível da personalidade é revestido, acompanhado das mais ricas bênçãos se é ani-assim, por uma nova corporeidade. mado por aquele que está encerrado no mais profundo de nós. Nele, nós somos Um. µO SERVIÇO AO OUTRO Mediante a energiade Cristo, os rosa-cruzes gnósticos transmu- 1 Fractal é uma figura geométrica composta de partes mais ou menostam, no seio de seu ser, o impuro em ouro similares à figura original. Os fractais podem incluir uma quantidadedo espírito. Seu verdadeiro segredo não é inifinita de detalhes e os motivos repetem-se em escalas cada vez me-outro senão a transfiguração da alma e do nores.A geometria fractal complementa a geometria clássica em suascorpo. Inúmeras entidades cuidam de man- aplicações científicas, tecnológicas e informáticas.ter em equilíbrio os reinos da natureza paraque nosso planeta e toda a vida que há nelepossam continuar a prosperar. No momentoatual, numerosos movimentos globais tentammudar o mundo, excluir a combatividade, aguerra e a violência.Uma consciência de grupo mais elevada de-senvolve-se na humanidade; é uma primeiraresposta aos impulsos da energia cósmica deCristo. Muitos jovens descobrem que têm umaparte de responsabilidade quanto à sorte dahumanidade. Eles sentem-se intimamente liga-dos, mesmo que não se conheçam. Eles podemsentir algo da dor que o outro, em algumaparte do mundo, sente. Eles compreendem quea riqueza dos países ocidentais não se man-tém, em grande parte, senão em detrimentode outros. Se queremos fazer justiça à vida,devemos considerar a base espiritual de nossomundo. Temos a possibilidade de mergulharna corrente que nasce do absoluto e dirige-seaos nossos países. Numerosos são os seres que,em nossa época, têm a capacidade de utilizara energia cósmica de Cristo para despertar suaalma imortal. O caminho mais curto nessesentido consiste em servir, inflamados de uma uma abertura coletiva é possível 23

as cores da palavraEm todos os tempos houve reflexão sobre a palavra e seu uso. “Aquele que sabe nãofala; aquele que fala não sabe”, observou o sábio chinês Lao Tsé no século 6 a.C.Seis séculos depois, Paulo escreveu sobre a palavra, com a mesma ênfase, na Epístolaaos Hebreus (4:12): “Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante doque espada alguma de dois gumes, e penetra até a divisão da alma e do espírito, e dasjuntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração”.Qualquer que seja a língua falada, por A palavra é uma espada de dois gumes, meio da palavra a intenção torna-se com um gume curador e outro divisor. clara. O que alguém sonha, o quesente, o que é realmente – tudo isso revela- Às vezes é uma linha de união;se por intermédio da palavra. A palavra não outras vezes, uma linha de separação,é apenas um som ou um símbolo escrito. Ela ou uma mistura de mel e colocíntida.é também uma força que o homem tem paraexpressar-se, comunicar-se, para pensar e, Minhas palavras espargem flores a caminho do amado,dessa maneira, dar vida aos acontecimentos. ou semeiam ódio, como incêndio devastador.Assim sendo, é o instrumento mais poderoso Com palavras, canto.de que dispõe o ser humano. É um instru- Com palavras, lamento meu sofrer.mento mágico! Com palavras, rezo. Com palavras, procuro briga.A PALAVRA LIVRE Como seríamos pobres se Com palavras, esvazio o coração perante ti, Senhor.não dispuséssemos do dom da palavra! Em seu Com palavras, afasto-me de ti.famoso livro 1984, George Orwell demonstra Com palavras, presto meu testemunho de ti e contra ti.como o abuso da linguagem pode ser destru- Se me fosse possível o silêncio absoluto,tivo e desumano. Ele descreve uma sociedade eu o preferiria às palavras.opressiva, na qual as autoridades exercem opoder absoluto. Um dos meios a que recorrem Ou será que assim quisestes, ó Deus, que eu viva indecisoé a linguagem. Uma reforma total do idioma entre a linguagem que não sacia a minha sede– chamada “novilíngua” – destrói a educação e um silêncio impossível para mim?e a cultura da época atual. A velha linguagem– chamada “anticlíngua” – é destruída, ao se- (Extraído de Solilóquio ao pôr do sol, Mikhail Naimy)rem eliminadas todas as palavras “supérfluas”,usadas pelas pessoas para expressar matizes conquistas religiosas e culturais apenas podemsutis. Assim, o vocabulário foi reduzido con- ser expressas por meio dos variados matizessideravelmente, e muitas palavras deixaram de de um idioma. Na novilíngua, por exemplo, jáexistir. Termos com conotação desagradável, não existe a palavra “claro”, que agora passoucomo “campo de trabalhos forçados”, foram a chamar-se “inescuro”. Foram banidos dosubstituídos por expressões mais suaves como idioma todos os termos que pudessem levar as“campo da alegria”. pessoas a refletir, palavras tais como: honra,Se alguém diz algo em novilíngua, o re-sultado é triste e monótono. Isso porque as24 pentagrama 4/2013

justiça, moral, democracia, ciência e religião. refletir sobre Deus, o céu e o além, porqueAssim, desapareceu qualquer estímulo à refle- essas palavras também foram eliminadas.xão, e os seres humanos tornaram-se instru- O livro de Orwell, naturalmente, é apenasmentos submissos nas mãos dos detentores do uma ficção. Mas o que dizer do empobre-poder. Sem a capacidade de usar uma lingua- cimento da linguagem praticada no coti-gem própria, pessoal, eles já não conseguem diano? Basta pensar nas expressões usadas as cores da palavra 25

“Todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém nãotropeça em palavra, esse é homem perfeito, e capazde refrear também todo o corpo. Ora, se pomos freiosna boca dos cavalos, para que nos obedeçam, entãoconseguimos dirigir todo o seu corpo. Vede também osnavios que, embora tão grandes e levados por impetuososventos, com um pequenino leme se voltam para ondequer o impulso do timoneiro. Assim também a língua é umpequeno membro, e se gaba de grandes coisas. Vede quãogrande bosque um tão pequeno fogo incendeia. A línguatambém é um fogo; sim, a língua, qual mundo de iniquida- pronunciada. As restantes só nublam a mente, entopem o ouvido, irritam a língua e tam-de, colocada entre os nossos membros, contamina todo bém cegam o coração. Como é difícil dizer a palavra que realmente deve ser dita! Emo corpo, e inflama o curso da natureza, sendo por sua vez cada mil palavras escritas, pode ser que haja uma, somente uma, que, em verdade, neces-inflamada pelo inferno.”  (Tiago 3:2–6) sita ser escrita. As restantes são tinta e papel desperdiçados e minutos aos quais se deu pésdiariamente nos modernos meios de comuni- de chumbo em vez de asas de luz. Como écação, principalmente em e-mails, SMS e no difícil, oh, como é difícil escrever a palavraTwitter. Não é um fato que o avanço dos no- que precisa verdadeiramente ser escrita!”vos meios tornou mais raros ainda uma con- O uso desatento de palavras desnecessáriasversa pessoal e o encontro de um ser humano também pode causar sofrimento. Há palavrascom outro? capazes de causar um sofrimento inimagi-A cinzenta monotonia linguística de 1984 nável a outrem, palavras que podem levar aconscientiza-nos de que podemos trazer uma grande maldade e até mesmo as que sãomuitas cores à nossa vida, graças ao dom da apropriadas para atiçar uma guerra! A Bíbliapalavra. chama a nossa atenção para os efeitos nega-“Ano de fartura, ano de amargura” – diz um tivos que palavras ditas inconscientemente àsditado popular. Isso é válido principalmente vezes podem ter.para o uso da palavra. Pesquisas revelaram Quando tentamos deter nossa própria elo-que a mulher utiliza, por dia, cerca de 30 mil quência, abre-se, aos poucos, um caminho depalavras e o homem, 25 mil! Diante destes contemplação interior. Quando nos distan-números surpreendentes, cabe perguntar se ciamos disso, algo novo nos é revelado, umatudo o que é dito diariamente corresponde nova palavra, algo que vem de dentro... Sim,ao seu propósito. Quem ouve regularmente o ponto do toque está no imo, no mais pro-essas conversas intermináveis à sua volta – os fundo do ser. Uma reflexão sobre a palavratelefonemas que involuntariamente presencia- “interior” nos leva ao impressionante iníciomos nos transportes públicos, por exemplo – do Evangelho de João (1:1–4): “No princípiosabe o que responder a essa pergunta. era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e oMuitas palavras de que nos valemos são su- Verbo era Deus. Ele estava no princípio compérfluas. A esse respeito, Mikhaïl Naimy nos Deus. Todas as coisas foram feitas por ele,dá o seguinte conselho em O livro de Mirdad: e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele“Evitai o demasiado falar. Em cada mil pa- estava a vida, e a vida era a luz dos homens”.lavras pronunciadas, pode ser que haja uma,somente uma, que, em verdade, necessita ser26 pentagrama 4/2013

João nos apresenta o “Verbo” em seu aspecto O mundo desvenda-se em imagensfundamental: é o pensamento divino criador, para quem entendedo qual surgiram todas as coisas. A palavra é, o sentido da linguagem.portanto, a expressão do pensamento divino O mundo revela-se como serem relação à criação do homem. Com base a quem ouvenesse pensamento se desenvolveu o homem a alma da linguagem.original em sua majestade espiritual, de O mundo presenteiaquem pôde ser dito: Deus criou o homem à com a força da sabedoriasua imagem e semelhança. Aqui retomamos a quem experimentaas palavras de Paulo, citadas no início: “Por- o espírito da linguagem.que a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais A linguagem confere seu próprio poderpenetrante do que espada alguma de dois a quem pode amá-la.gumes...” Elas nos indicam que a palavra é Assim,mais poderosa do que a espada, porque traz a quero voltar coração e mentevida, enquanto a espada traz a morte. ao espíritoA força mágica da palavra também transpa- e à alma da palavra,rece no conhecido Salmo 33: “Porque falou, pois somente no amor a elae foi feito; mandou, e logo apareceu”. Des- irei sentir-me completo.tas palavras pode-se concluir o seguinte: apalavra é a força criadora mais poderosa do (Um aforismo de Rudolf Steiner)Universo, após o próprio Deus. Nós, sereshumanos do século 21, somos muito diferen- a escutar atentamente. E, desse modo, otes. A imagem da ideia original parece morta buscador ouve e percebe a verdade em si eem nós, e a verdadeira vida, calada. E, no ao seu redor. Por intermédio da verdade, eleentanto, essa palavra, o pensamento original certamente encontra a força para colocar-sedo verdadeiro homem, ainda está em nós! a caminho da origem divina, da qual tudo surgiu, ele inclusive. No silêncio, na con-A PALAVRA COMO CHAMADO A palavra, templação, abre-se espaço para o outro emde fato, pode voltar a falar em nós! A fim seu coração, onde poderá nascer a palavra dode tornar possível a ressurreição do homem início, a verdadeira palavra.original, a força da palavra vem até nós Voltemos à lição de Lao Tsé: “Aquele quesob a forma de um chamado. Dessa pala- sabe não fala; aquele que fala não sabe”. Avra emanam a força e a magia. Ela chama, poderosa palavra criadora do Universo não édesperta, ela encoraja à busca, ao silêncio, uma fórmula mágica! Ela somente poderá ser empregada após correta preparação interior. É o que podemos ler numa passagem do Evan- gelho Aquariano, de Levi Dowling, cap. 130, vers. 8, na qual os discípulos de Jesus procu- ram curar uma criança enferma, sem obter êxito. Ao perguntarem a Jesus a razão de seu fracasso, este lhes responde: “A palavra, sem espírito, não passa de fala vazia”. Quando a palavra é despojada de força espiritual, sua aplicação é inútil. µ as cores da palavra 27

a força do silêncioAs considerações seguintes sobre o silêncio não se limitarão à simples ausênciade ruído ou sua eliminação. Na verdade, o homem pode libertar-se do efeitoconstrangedor que o fluxo constante de palavras em sua mente exerce sobreele. O ser que alcançou o repouso do coração chega a um conhecimento pro-fundo, muito especial, de natureza incomum, que o torna capaz de uma novacompreensão do homem e seu mundo.Em nossa época, o silêncio tornou-se um recebê-la, o buscador precisa ter recupera- raro estado de ser. A vida nos impulsio- do o silêncio da alma – ou seja, precisa estar na a seguir um ritmo frenético, pois há preparado para compreender, ouvir e recebersempre um trabalho intenso a ser realizado interiormente. É por isso que Pimandro, a vozou uma porção de coisas interessantes a serem do silêncio, começa seus ensinamentos com asexperimentadas... Que significado tem o si- palavras: “E agora, fica silencioso, ó Hermeslêncio em nossa vida? O conceito de silêncio Trismegisto, e lembra-te bem daquilo que teestá presente em todos os textos que versam irei transmitir”. Quando o homem herméti-sobre sabedoria. Inúmeros poetas, pensadores co chega ao ponto de abrir o coração para oe filósofos falam dele em suas obras. Isso nos silêncio, descobre novamente, em seu própriomostra que o silêncio tem um significado pro- interior, oculto há muito tempo, o segredo dafundo, que traz à nossa vida algo de essencial. verdadeira vida.O que vem a ser o verdadeiro silêncio? Elenão é o simples cessar dos ruídos e de outros O REDESCOBRIMENTO DA ALMA Em um dossons. Trata-se de um estado arraigado nas pro- livros mais antigos que versam sobre a sabe-fundezas do ser humano: o silêncio da alma. doria, lemos: “Vê a vida que tudo preenche,É um espaço, um momento, uma dimensão. profundamente oculta em segredo. Quem podeNesse espaço, podemos reencontrar nosso ver- compreender esse segredo? Quem pode son-dadeiro ser. É por essa razão que o silêncio e a dá-lo? Em que língua pode ser expressa suaenergia que o acompanha têm para nós, seres essência? Ninguém jamais o viu. Somente ahumanos, significado tão especial. alma pode compreender o segredo – quando aEm um verso do poeta e filósofo persa, Rumi audição e a visão naturais forem imobilizadas”.(1207–1273), está escrito: “O sábio e eu sem- Essas belas palavras do Bhagavad Gîta, joia dapre conversamos em segredo. Uma vez lhe sabedoria indiana, desvelam-nos um fragmen-pedi: ‘Ensina-me os segredos do mundo’. E ele to do segredo da verdadeira vida. Trata-se darespondeu: ‘Mantém silêncio e deixa que ele redescoberta da alma capaz de ouvir a vozdesvele os segredos do mundo para ti’.” do silêncio. Essa alma divina é uma dimensãoOs mais profundos segredos do mundo e do oculta em nosso imo. Ela corresponde a umser humano estão ocultos no silêncio... E aí nível espiritual que o homem possuía em suapermanecem pelo tempo necessário até que o origem, do qual tomava parte totalmente e aohomem possa empreender sua busca, procu- qual deverá retornar. É o verdadeiro sentidorando alcançar os seus mistérios. Hermes é um de sua vida e também sua missão.buscador como esse. Ele busca essa verdade, Essa alma original, pura, está sempre presentea sabedoria inigualável. Mas, antes de poder no ser humano como um princípio espiritual28 pentagrama 4/2013

Quem compreende a linguagem silenciosa das palavras em um muro em Myanmar? Qual é a mensagem?Foto © Michel Landais a força do silêncio 29

Quem conhece a sabedoriapermanece no repouso eternosuperior. No entanto, está adormecida dentro pelo instinto de autoconservação. Então, essedele, afastada, oculta. Ela tornou-se imper- princípio espiritual pode voltar a respirar, e,ceptível porque o homem vive ligado aos daí por diante, a ressonância torna-se possí-sentidos físicos, direcionado exclusivamente vel. O ponto de partida, a base para alcançarpor eles, e ocupa-se constantemente com o a percepção interior, essa resposta, consiste namundo exterior. criação de um espaço vazio dentro de nós – eApesar disso, mesmo neste mundo tão alie- esse espaço nasce do silêncio – o silêncio des-nado, barulhento, tenso e perturbado, uma crito por Lao Tsé:energia espiritual renovadora, superior, pro- “Se o coração permanentemente ‘não é’, se elevinda das profundezas do ser, ainda irradia permanece livre de todos os desejos e interes-continuamente. ses terrenos, é possível contemplar o mistério da essência espiritual do Tao.”O SOM PRIMORDIAL É a luz, a vibração, o Algo se eleva do mais profundo do coração pu-som nascido do silêncio do eterno. Esse som rificado e penetra, por assim dizer, na consciên-primordial gera a luz e a vida. Ele envia ao cia. Desse modo, quando a voz interior ocultamundo suas vibrações, um chamado a procura em nós recomeça a falar, cria determinado mo-de ressonância na alma humana adormecida. vimento e nos perturba. É algo muito insistente,Essa força espiritual do cosmo tenta entrar em algo que nos adverte, chama e faz sair em buscacontato com o núcleo espiritual do homem. do segredo de nossa existência. Começamos aSomente quando o silêncio chega a penetrar indagar: “O que estou fazendo neste mundo?no coração do ser humano pode acontecer Para onde a vida está me levando? Quem souuma resposta provinda do núcleo divino, loca- eu? O que significa minha transitoriedade elizado no coração. A palavra resonare em latim onde posso encontrar algo permanente? Será quesignifica: ressoar, reverberar, repercutir. O existe algo de eterno no ser humano? Será quedespertar do princípio espiritual oculto, ador- existe em mim um ser verdadeiro, espiritual,mecido dentro de nós, apenas pode acontecer que pode harmonizar-se completamente commediante esse tornar-se silencioso. Isso signi- um nível de vida que desconhece guerra, culpafica dissolver, cessar as paixões desencadea- e todas as limitações e imperfeições terrestres?das por desejos, pensamentos egocêntricos e Como posso encontrar isso?”30 pentagrama 4/2013

Quando surgem essas indagações, é sinal de para si mesmo. Ele mesmo precisa tornar-se umque o ser humano chegou a um ponto em que receptáculo onde possa acontecer essa mudançanada neste mundo o satisfaz: nem fatos, nem e renovação. E esse espaço é o silêncio!experiências, nem conhecimento algum. En-tão, essa pessoa busca um sentido, um signifi- PURIFICAR O ESPELHO DO CORAÇÃO A energiacado para a vida. que emana do silêncio nos permite purificar o espelho do coração. A partir desse momento, oALCANÇAR O SILÊNCIO DOS SENTIDOS Nes- coração, já liberto de qualquer desejo ou egoís-se estado, a pessoa começa a afastar-se das mo, passa a refletir o Outro – o verdadeiro seraparências e a buscar a causa de todas as humano em nós. Alguém poderia dizer: “Tudocausas. Ela deseja obter sabedoria – não o isso é muito bonito: anseio pela paz, esforço-conhecimento em sentido mundano, porém a me por encontrar o silêncio, desejo obter averdadeira sabedoria, a Gnosis. No Livro 12 energia capaz de deter o giro dos meus pen-do Corpus Hermeticum, Hermes Trismegisto samentos e sentimentos... mas não consigo!”diz: “Silenciemos diante do Senhor, para que No livro A Voz do Silêncio, de H. P. Blavatsky,possamos verdadeiramente escutar, para que podemos ler: “Antes que a alma possa ouvir,possamos verdadeiramente compreender”. a imagem (o homem) tem de se tornar surdaO estado silencioso é assim descrito por Lao aos rugidos como aos segredos, aos gritos dosTsé: “Quem atinge a vacuidade suprema man- elefantes em fúria como ao sussurro prateadotém uma quietude eterna [...] Ele permanece do pirilampo de ouro. Antes que a alma pos-em perfeita quietude, enquanto se processam a sa compreender e recordar, ela deve primeiroabertura e o fechamento das portas”. unir-se ao Falador Silencioso, como a formaO repouso decorrente do silêncio, do apazigua- que é dada ao barro se uniu primeiro ao espí-mento dos sentidos e da descoberta do espaço rito do escultor. Porque então a alma ouvirá einterior, revela então ao homem que a existên- poderá recordar-se. E então ao ouvido interiorcia terrestre não é a verdadeira vida, segundo a falará a Voz do Silêncio”. Aqui encontramosvontade divina. Ele observa que o mundo gira novamente referência à alma: ela ouvirá, ela seem círculo vicioso, com eternas repetições. E recordará, ela compreenderá no momento emele aí não poderá encontrar verdadeira satisfa- que se unir ao Falador Silencioso. O Faladorção para sua vida. Então, procura um meio de Silencioso é o som sem som, o eterno chamadosair dessa camisa de força sufocante, decorrente proveniente da causa primeva do ser. A almade sua existência limitada e egocêntrica. O ser pode percebê-lo no silêncio – no espaço quehumano buscador, anelando seu ser verdadeiro, liberamos em nós mesmos. É desse espaço quelogo percebe ser necessário criar um espaço nascem clareza e profunda compreensão. a força do silêncio 31

COMPREENSÃO Começamos a compreender TRANSFORMAÇÃO O coração torna-se um lugarnosso próprio funcionamento. Começamos a maravilhoso, um lugar de repouso e harmo-reconhecer o mundo, tal como ele se mani- nia, quando nosso pensamento e nossa atitudefesta tendo o Espírito como pano de fundo, de vida se sintonizam com ele. Nossa audiçãoqual é sua verdadeira missão e finalidade. interior, nossa alma original, pode novamenteVemos, também, que nosso ser interior não assimilar todas as vibrações, todos os sons dapertence aos limites deste mundo. Ele per- voz interior renascida. Então, o silêncio inte-tence ao universal, ao oceano do ser. Quan- rior do coração torna-se a ponte para o silênciodo surge essa compreensão, o ser humano da eternidade. Nosso ser mergulha na fonte damuda o centro de gravidade da vida. Tri- vida eterna: “Vê! tornaste-te a luz, tornaste-te olhando o caminho do silêncio, ele reencontra som, és o teu Mestre e o teu Deus. Tu próprioo verdadeiro eixo no coração. O que deter- és o objeto da tua busca: a voz sem falha, quemina sua vida já não é o mundo da anima- ressoa através de eternidades, isenta de mudan-ção, da atração, nem o mundo da repulsão e ça, isenta de pecado, os sete sons em um, a Vozda guerra. Seu objetivo interior passa a ser do Silêncio”. (H.P. Blavatsky, A Voz do Silêncio).outra ordem de vida, muito diferente, espiri- Aquele que começa a escutar o som interior setual e perfeita. tornará silencioso. Ele encontrará o silêncio,Sobre esse assunto, J. van Rijckenborgh diz: e o escutará e obedecerá – o que significa:“Aqui nos é mostrado que existe um pode- cumprir a lei interior que vibra dentro de nós,roso segredo de vida, um mistério ligado ao seres humanos.coração, que pode e deverá ser resolvido por Em um poema intitulado Eternidade, Manfredvós mesmos. Esse segredo é: Como deslocar Kyber escreveu:o centro de gravidade de vossa vida, a raiz Cada vez, sempre novamente,de vossa existência, das profundezas da terra retornas ao seio cambiante da terrapara a terra original do Logos? E vós já o até aprenderes a ler na Luzsabeis: é o segredo do coração”. que viver e morrer são uma só coisa,Será que podemos ter acesso a esse segredo, e que o tempo é atemporal.observá-lo, analisá-lo e elevá-lo à claridadede uma nova consciência? Sim. Desde que Até que a corrente laboriosa das coisasentremos no silêncio, abramos esse espaço in- tome forma em ti,terior e nos entreguemos confiantes à energia como círculos que repousam.que essa nova consciência traz consigo. So- A vontade do mundo repousa, então, em tua vontade.mente então terá início em nós um processo O silêncio está em ti:que conduzirá a um novo desenvolvimento. o silêncio e a eternidade. µ32 pentagrama 4/2013

frases remendadasQuem redige textos regularmente com Glifos maias certeza já passou por esta situação: tem-se determinada noção na cabeça e O resultado é uma frase desastrada, de di-uma ideia aproximada da próxima frase, algu- fícil compreensão por sua construção com-mas palavras importantes, com predominância plexa e linguagem tortuosa. E pode piorarde verbos e substantivos. Então, começa-se a ainda mais, se a frase remendada toma umaescrever. Mas os pensamentos avançam sorra- direção absolutamente distinta da intençãoteiramente, e uma dessas palavras importantes original.aparece de repente no papel, embora talvez Até mesmo em histórias pessoais ocorremainda nem seja sua vez na estrutura da frase. frases remendadas. Uma palavra ou açãoE então acontece algo singular: começa-se incorreta no momento errado podem tra-a ajustar o resto da frase à palavra escrita zer consequências e gerar problemas com osantes. Com remendos verbais, tenta-se salvar quais se tem de lidar por longo tempo. Noo que ainda pode ser salvo para, de algum pior dos casos, elas podem atrapalhar todamodo, introduzir ainda nessa frase o curso de uma vida. E história atrai história…pensamentos intencionado. Um escritor inteligente é capaz de apagar suas frases remendadas e, assim, relatar a his- tória recente de sua vida. µ frases remendadas 33

r i tmo A vida tem seu próprio ritmo, e cada um de nós tem o seu. Os dois devem harmonizar-se para que se cumpra o que devemos realizar e, ao cuidar da prosperidade do todo, colhamos bem-aventurança e serenidade. Victoria Moran34 pentagrama 4/2013

r i tmo “O surgimento do amor na tua vida, na noite do teu coração, é o despontar em ti de uma nova aurora. O anonimato torna-se intimidade e o medo, coragem. Tua vida até então instável é de agora em diante levada em ritmo de bondade e encantamento; teu ser outrora ferido, despedaçado, harmoniza-se ao ritmo delicado do ser. O surgimento do amor na tua vida é como um renascimento, um novo início.” John O’Donohue ritmo 35

o peso das palavrasO gelo revela algo muito especial: sua estrutura cristalina édeterminada pela qualidade vibratória da água no momento emque ela se transforma em gelo. Seria possível fazer uma analo-gia entre esse fenômeno e os seres humanos?Masaru Emoto, um cientista japonês, Na numerologia cabalística, cada palavra e surpreendeu o mundo com suas ex- caractere são relacionados a um número. O nú- periências utilizando a água. Em uma mero refere-se ao significado oculto na palavra.dessas experiências, Emoto etiquetou peque- Ele não vai mudar de sentido se for pronuncia-nos frascos contendo amostras de água e as do com uma intenção diferente. Então, vamoscongelou. Depois, fotografou os cristais que distinguir apenas entre o significado da palavrase formaram. As fotografias mostraram uma e o significado da intenção. Cada um de nósclara relação entre o grau de beleza das estru- certamente já experimentou os efeitos dramá-turas cristalinas e o significado das palavras ticos das palavras. Uma pequena palavra podenas etiquetas. Posteriormente, a análise de magicamente trazer um sorriso ao nosso rosto. Esuas características revelou que a água tende a um comentário banal a respeito da aparênca deconservar informações intangíveis. Nesse nível alguém pode levar esta pessoa a sentir-se mal.das experiências, o elemento mais importante, Às vezes uma palavra ou frase, de repente,ou seja, o poder das palavras, foi deixado um impulsiona-nos a um grande salto para fren-pouco de lado. te. Desse ponto de vista não há muito a dizerA pergunta então é a seguinte: as diferenças sobre o poder das palavras. Em cada um de nósprovêm somente da intenção que acompanha a deveria haver um guardião capaz de dominar apalavra, ou é a própria palavra que transforma língua, colocando-nos em estado de alerta antesa água? (E isso também se relaciona com a água de falarmos ou chamando nossa atenção quantoem nossos próprios corpos). Ou as diferenças à maneira como nos expressamos. Quem estáse explicam tanto pela intenção quanto pela atento ao que diz e ao modo como fala assume aprópria palavra? Algumas observações destacam responsabilidade por suas palavras. Impulsionadoo impacto real de uma palavra, independen- pela boa intenção de fazê-lo, contribui para ate da intenção que a acompanha. Uma pessoa felicidade dos que o cercam.sensível pode, mesmo sem ser religiosa, sentir Por influenciarem pessoas e situações, as pala-o impacto negativo quando confrontada com vras podem ser usadas para manipular. É óbviouma blasfêmia, mesmo quando o emissor alega que tal atitude produz resultados desastrosos, enão ter uma intenção particular. Em tais casos, não apenas na pessoa que é alvo dessas palavras.poderia tratar-se de simples autossugestão. Consideremos o caso de uma pessoa que, porNo entanto, em Psicologia é usado o conceito suas palavras, se esforça para ajudar a elevar osde “duplo-vínculo”, como por exemplo nas outros, sem ferir ninguém.frases “seja espontâneo” ou “você deve amar”. Suponhamos que, ao longo do dia e duranteUma palavra pode, de fato, distintamente, lite- o tempo todo, ela seja capaz de conservar suaralmente, possuir um valor intrínseco. maneira de se exprimir e que cuide para que36 pentagrama 4/2013

a “emissão” seja continuamente justificada. Escultura de Bernard Pécout no centro de conferên-A recepção de suas palavras seria automatica- cias La Licorne, em Gignac, França. © Michel Landaismente boa?Já vimos que a palavra dispõe de uma carga Babel. O primeiro passo consiste em instalar umaemocional. Nos experimentos de Emoto sobre a sentinela ao lado de nosso modo de expressão eágua, a palavra “amor” produz um belo cristal. das possíveis consequências de nossas palavras.Mas o mesmo termo utilizado no estrito con- Poderemos sentir como nossas palavras são aco-texto de relações físicas adquire para o ouvinte lhidas pelos outros, e interiormente descobrire-um significado que se instala automaticamente. mos o que nós mesmos fazemos delas.A palavra “Deus”, por exemplo, faz surgir na Podemos observar os danos causados por pala-maioria das pessoas uma série de imagens. No vras desnecessárias, supérfluas, como elas matamentanto, o significado puro da palavra mui- não apenas o tempo, mas também aspectos datas vezes já não é reconhecível. À menção da alma, e como uma utilização superficial podepalavra Deus, o disco começa a girar e já não enfraquecê-las completamente.é possível retirar a agulha do sulco. Se usarmos Por fim, tornados sábios por meio desta aná-outra expressão, por exemplo, Luz ou Criador, lise, poderemos compreender Lao Tsé: “Sedeevitando associações determinadas pelos hábi- prudentes. Usai as palavras com respeito”. Essatos, o resultado poderá ser renovador. O disco palavra é suficiente para a renovação de umapara de girar e o ouvinte tem a oportunidade história que não contém nem uma palavra ade apreender o conceito de Deus de maneira mais nem uma palavra a menos. µtotalmente nova.Suponhamos que essa nova forma de perceberas coisas tenha sua origem no próprio pensadore seja enraizada nele livre de condicionamentostransmitidos por educadores, governo ou qual-quer outra entidade; então, ele poderá libertar anoção de “Deus” de tudo o que a ela foi ligadoe perceber seu verdadeiro significado. Além dis-so, se ele pronunciar a palavra “Deus” com todoo seu ser, então, uma energia muito especialacompanhará a sua expressão. Muitos sabem,pois fizeram essa experiência.Quem assim fala, usa a linguagem do períodoque precedeu a confusão babilônica, uma lingua-gem simples, a linguagem da unidade, que evitaqualquer equívoco, engano ou distorção, e nãoprecisa ser simplificada, analisada ou distorcida.Quem assim se expressa, de maneira simples everdadeira, não cairá na armadilha de acreditarque sua forma natural um dia se tornará perfeita.Ele compreende o uso indevido da inteligência demuitos que ainda querem construir uma torre de o peso das palavras 37

r i tmo Faça sempre o que é justo. O resto pouco importa. Frio ou morno. Cansado ou disposto. Desprezado ou honrado. Morrendo... ou ocupado com alguma tarefa. Porque morrer é também uma de nossas tarefas na vida. Faça o que deve ser feito. Dirija seu olhar para dentro. Não deixe escapar o real valor das coisas. Mais um pouco de tempo e tudo que existe será transformado. Tudo se dissolve como fumaça, partindo do princípio de que tudo está destinado a se fundir no “um” ou a explodir em milhares de fragmentos... Pratique cada ação desinteressadamente, guardando sempre Deus em você. Somente aí estão a alegria e osilêncio... Quando os acontecimentos o chocam, o que inevitavelmente acontece, volte sempre seu olhar para você mesmo e guarde, sempre que possível, o seu ritmo. Se puder fazer isso sempre, você guardará a sua harmonia.” Marco Aurélio, Meditações38 pentagrama 4/2013

UM EXEMPLO FASCINANTE DA ÉPOCA DO ILUMINISMOa contemplação centralde johann michael hahnA história da humanidade está repleta de exemplos do que se costuma chamar deiluminação. Naturalmente a mais conhecida é a iluminação de Buda sob a árvore bodhi,na Índia. No século passado, Jiddhu Krishnamurti também vivenciou sua iluminaçãosob uma árvore, embora na América do Norte. Bem mais impetuosa foi a iluminaçãodo apóstolo Paulo, que acabou sendo derrubado do cavalo! A iluminação de Hahn, porele chamada de contemplação central, aconteceu em plena luz do dia, ao regressar dalavoura onde trabalhava como camponês.B em mais tranquila ela aconteceu para A Baviera era o centro de atividade de Karl von J. Anker Larsen, um escritor do século Eckartshausen, com quem Hahn tinha muito em XX. Ele não estava sob uma árvore, mas comum, no aspecto espiritual, embora não hajasentado comodamente numa poltrona de jardim, indícios de se conhecerem. Na França surgiuquando a luz se revelou, dentro e fora dele, em Louis-Claude de Saint Martin (1743–1803),toda a sua onipresença. Muito tempo antes, no enfaticamente inspirado por Boehme. Em suma:“ano do Senhor 1600”, Jacob Boehme, místi- um período bastante movimentado, também noco do século XVI, meditava, concentrado no aspecto espiritual.reflexo de uma vasilha de estanho, quando de Johann Michael Hahn viveu de 1758 a 1819.repente a luz lhe revelou o segredo do Univer- Tendo perdido a mãe aos quatro anos, sofreuso, o que o motivou a escrever o livro A aurora maus-tratos por parte da madrasta. Paralelamen-nascente. Johann Michael Hahn, um profeta ilu- te ao trabalho como camponês nas terras do pai,minado, era originário da região situada entre a exercia o ofício de relojoeiro, típico da região daFloresta Negra e a Suábia, e as cidades de Calw Floresta Negra. Como tinham pouco o que fa-e Tübingen. Ao que tudo indica, parece haver zer durante os meses de inverno, muitas famíliasuma atmosfera especial nessa região no que diz de agricultores passaram a fabricar relógios cuco.respeito à inspiração religiosa, pois ali atuaram Na sexta-feira santa de 1774, Hahn teve umavárias personalidades proeminentes, entre elas experiência espiritual especial ao cantar a cançãoTobias Hess e Johann Valentin Andreæ, os ini- religiosa “Aquele na cruz é o meu amor”. Aciadores dos manifestos rosa-cruzes. partir de então, passou a ler a Bíblia com afinco.O alemão Hahn viveu no período do Ilumi- Isso levantou uma série de dúvidas que culmi-nismo; uma era de grandes nomes, tais como navam nas perguntas: Quem e o quê é Deus?Goethe e Schiller, bem como o jovem Mozart. Quem criou este mundo e como o fez? a contemplação centralde johann michael hahn 39

O pequeno todo do ser humano submerge no arquétipo e vê,na verdade, com os olhos de Deus a plenitude infinita, a causade todas as coisas, seu início e seu fimNo verão de 1777, teve a sua primeira “contem- manteve-se afastado de tudo de 1789 a 1794.plação central”. Ela consistiu em uma ilumina- Com a morte do pai nesse ano, mudou-se paração de três horas de duração, durante a qual a Sindlingen, perto de Herrenberg, onde ficou sobluz recaiu sobre todas as suas perguntas e ele a proteção da duquesa Francisca von Hohenheim.encontrou as respostas. A expressão contempla- Ela mandou construir para Hahn uma grandeção central equivale realmente a contemplar o casa, onde ele pudesse realizar suas reuniõescentro. Trata-se de uma visão a partir do centro com os amigos pietistas. Entrementes, ele haviado nosso ser, o ânimo, a habitação de Deus em tomado conhecimento dos escritos de Jacobnós. Desde esse dia, Hahn passou a frequentar Boehme e outros místicos e poetas, como poras reuniões dos pietistas no seu vilarejo, Altdorf. exemplo Jung-Stilling e Tomás de Kempis.Isso, contudo, resultou em conflito com o pai. Johann Michael Hahn descobriu várias analogiasTodavia, eles reconciliaram-se após alguns anos. entre Boehme, seu irmão em espírito dois sé-Johan Michael ganhou seu próprio quarto, onde culos mais velho, e ele próprio. Ambos tiverampodia dedicar-se em paz a seus estudos bíblicos. origem humilde, vivenciaram revelações e expe-Em 1783 a luz tocou-o novamente, experiência riências interiores semelhantes e compartilhavamessa que se estendeu por sete semanas. Foi quan- o mesmo ponto de vista sobre a Bíblia. Ambosdo, claramente iluminado a partir de dentro, em enfrentaram a resistência da hierarquia da Igrejaplena consciência dos sentidos, a terra trans- e foram protegidos pela nobreza.formou-se para ele em céu. Ele descreveu essa Enquanto o poeta Hölderlin definhava em suaexperiência dizendo que pôde ver – a partir do torre em Tübingen, Beethoven enfrentava difi-“interior” da cruz de Cristo – todo o plano de culdades para compor a Sinfonia Eroica em Vie-Deus. E esse conhecimento de Deus, ao mesmo na, e Napoleão, em seu expansionismo, atraves-tempo, levou-o ao autoconhecimento. sava o território alemão com seu exército, HahnAos poucos, começou a falar sobre suas expe- percorria as regiões de Baden e Württenberg,riências religiosas durante as reuniões pietistas, discursando nas cidades. Seus adeptos, com oinicialmente em Altdorf, onde nascera, mas logo tempo, chegaram a 10.000. Além disso, redigiutambém em outras aldeias e cidades das imedia- inúmeros comentários sobre a Bíblia e cartasções. Também começou a escrever sobre suas encorajadoras a correligionários e buscadores darevelações, o que o levou a um conflito com a verdade. Escreveu grande quantidade de poemashierarquia eclesiástica de seu tempo – como tam- e compôs canções.bém acontecera a Jacob Boehme. A perseguição O mais importante para Hahn era que se en-que sofria, por parte de um pastor, agravou-se tendesse a Bíblia de forma espiritual, e semprecom o tempo e acabou prejudicando sua reputa- se aplicasse na vida cotidiana o que havia sidoção em uma ampla região, de forma que Hahn entendido. Ele distanciou-se muito de qualquer40 pentagrama 4/2013

dogmatismo da Igreja. Por ser um orador de Johann Michael Hahn viveu de 1758 a 1819grande talento, era procurado por grupos quehaviam deixado a Igreja, como os pietistas, a perturbado e adulterado; perde-se então a rela-irmandade Herrnhuter e outros separatistas. Logo ção direta e ininterrupta com a fonte primordial.seus adeptos começaram a chegar de todo o ter- E assim como a incansável pesquisa, a busca doritório de Baden e Württenberg. Muitos sentiam- homem sensato é condição prévia para que elese atraídos por sua rejeição aos dogmas e por seu possa experimentar a relação direta com Deus;engajamento sobretudo em prol da liberdade de a contemplação central também é uma dádiva,consciência. Hahn achava não haver nada mais um dom, mas que não está no poder de quem anobre para seres racionais do que essa liberdade. recebe, nem à sua disposição”.Johann Michael também ensinava o respeito e a Hahn diz que ele próprio não pode lidar comveneração por toda a criação, ou seja, também ela como quer; certa vez ele vê muito, outra vezpelos animais e plantas. Ele não falava somente menos, de forma a entender que ele próprio nãosobre a Bíblia, como também sobre “o livro da é nada e apenas lhe cabe esperar pelo que lhe éconsciência” e “o livro da natureza”, no qual to- presenteado. Além disso – ele observa – é jus-das as forças divinas se revelam. Sua ampla visão tamente um sinal de ter sido chamado, quandonão o impediu de continuar fiel à Igreja Protes- quem foi tocado pela luz se rebela contra o cha-tante, assim como Jacob Boehme, a seu tempo, mado. Todavia, depois de proferir a oração “nãotambém permaneceu na sua igreja, apesar das se faça a minha vontade, mas a tua”, essa pessoainjúrias que teve de suportar da parte desta. No saberá que está firmemente protegida e as portascaso de Hahn, elas não foram tão graves. Antes do inferno já não poderão subjugá-la. É claro quede apresentar alguns exemplos de sua doutrina, o ensinamento de Johan Michael Hahn não édeixemos que o próprio Hahn se manifeste sobre uma sabedoria que se encontra em livros, ou umaa contemplação central: “Essa contemplação das filosofia artificial, composta de pensamentos bemprofundezas ocultas da sabedoria, do solo mater- fundamentados, senão até geniais; pelo contrário,no original... não pode ser um exame isolado defora para dentro, devendo ser descrito como o atode contemplar, mergulhado em si mesmo, a partirdo centro de todos os seres e da vida; o pequenotodo do ser humano submerge no arquétipo e vê,na verdade, com os olhos de Deus a plenitudeinfinita, a causa de todas as coisas, seu início eseu fim. Isso é o que se entende por conhecimen-to desde o início”. Segundo Hahn, desse modo acontemplação central pode constituir a passagemda relação mediata para a relação imediata (e,portanto, direta) com Deus.Prosseguimos com suas palavras: “Quem, con-tudo, fez a experiência de que a alma somentepode encontrar seu verdadeiro destino em Deusdeve evitar depender das criaturas terrestres(do que é terrestre), do contrário o fluxo será a contemplação centralde johann michael hahn 41

ela é um testemunho vivo das próprias vivências, luta quando a alma busca a Deus com cuidado etransmitido de maneira simples e direta aos que o escolhe livremente. No entanto, é justamentese interessam pelo assunto. por essas oposições em seu ser que o ser humanoO que Hahn tem a dizer a um homem “pruden- consegue crescer. Com base na experiência viva,te”, como ele costumava dizer? Quem, a partir por meio dessa resistência, ele aprende a conhecerdo centro de seu ser, contempla o mundo divino as diferentes forças de Deus e as forças contráriasestá claramente imbuído de que o reino de do mal. Graças ao conhecimento correto e, porDeus, o princípio espiritual, está no interior do conseguinte, à decisão correta, ele ganha forçapróprio homem. Ele expõe a questão da seguinte nessa luta. Em outras palavras: na força de Cristo,maneira: em Cristo, Deus concluiu tudo; agora é que tudo enfrentou, nós também poderemosa vez de o ser humano suportar tudo novamen- enfrentar as dificuldades e chegar à superação.te em si próprio e realizá-lo. O cristão precisa No ânimo do homem os dois princípios – luz e“igualar-se a Deus”, isto é, tornar-se, pela graça, trevas – se confrontam. Adão e Cristo são a per-um “pequeno Deus e Cristo”. No início, essa sonificação dos arquétipos desses dois princípios,realização processa-se no homem somente a par- e ambos querem obter poder sobre nossa alma. Otir do núcleo espiritual. Hahn refere-se à semen- que importa, em todas as tentações, é permanecerte que deve amadurecer até tornar-se um fruto. na luz, não largar a mão de Cristo, e voltar-seAssim, abrem-se muitas possibilidades para a boa constantemente para a força da graça”.vontade e a liberdade do homem, mas… tão certo O próprio Hahn sabia ser preciso um esforçoquanto sem “ela”, sem a força-luz, nada podemos contínuo na persecução do seu objetivo e admitefazer, ela também não consegue fazer nada sem ter falhado muitas vezes. Seu lamento, porque osnós! É preciso querermos e participarmos em to- avanços são muito lentos no caminho, faz-nos en-dos os aspectos, pois a luz jamais nos obrigará. tender que o ideal da perfeição não lhe dava tré-Involuntariamente acabamos pensando nas pa- gua. Ao mesmo tempo, constituía um incentivo àlavras dos rosa-cruzes: Jesus mihi omnia – Jesus é humildade e a esforçar-se mais ainda. “Quanto atudo para mim, sendo que “Jesus” deve ser en- isso, até mesmo o melhor cristão é sempre apenastendido como uma atmosfera de pura radiação-al- um aluno.” E infelizmente – diz Hahn – acon-ma, como força de graça. Sobre o processo que se tece muitas vezes que, depois de termos visto odesencadeia, Hahn diz o seguinte: “A experiência Altíssimo uma vez, em nosso entusiasmo tende-prova e ensina que sempre tem início uma grande mos a querer conservar essa pérola e acabamos42 pentagrama 4/2013

As cinco personalidades mais influentes do pietismoalemão. Da direita para a esquerda: Michael Hahn(1758–1819), Immanuel Gottlieb Kolb (1784–1859),Johann Martin Schaeffer (1763–1851), Anton Egeler(1770–1850) e Johannes Schnaitmann (1767–1847).À frente há uma cadeira vazia. Para isso, há duasinterpretações: Alguns vêm essa imagem como umsilencioso convite para o observador ingressar nessairmandade; outros explicam a cadeira vazia comosímbolo da presença de Deus.tornando-nos precipitados, imprudentes, ansiosos perfeição na expectativa de que as crianças see voluntariosos. Então desce sobre nós “a noite da tornarão como a mãe, porque ela quer assim eescuridão”. A luz do dia nos é tomada por tempo também prometeu solenemente. Mais tarde seindeterminado. Isso nos lembra João na cruz, verificará se as decisões que o ser humano tomacom sua “escura noite da alma”. nesse processo incentivaram ou impediram o seuHahn deixa bem claro que o renascimento não amadurecimento. Para Hahn, o homem podeinclui nenhum aspecto da nossa forma exterior meditar; essa introspecção ou meditação nãode manifestação. Do mesmo modo, também não é mais do que voltar-se para a cruz interna dasão corrigidas ações errôneas da pessoa. Não é alma, onde é sacrificado e aniquilado tudo oassim que funciona! O ser humano será funda- que é da natureza e poderia apegar-se à alma.mentalmente diferente; no velho corpo segundo Quanto mais extinguir-se e morrer a sua na-a natureza se desenvolve o novo e verdadeiro tureza terrestre, o seu homem exterior, tantocorpo espiritual. Dele brotarão, um dia, os frutos maior será a renovação do homem interior; econsonantes com o novo estado. Assim como tanto maior será a sua participação na naturezaherdamos de Adão (o homem segundo a nature- divina – segundo Hahn.za) o princípio dos contrários, da injustiça e deestarmos fora da luz, pela fé poderemos receber o A CONCLUSÃO DE HAHN PARA O MUNDOprincípio da justiça divina. E nesse novo princípio E A HUMANIDADE Um dia, Deus haverá de– que ele denomina Cristo – a justiça divino-espi- superar o caos de todo o cosmo. Essa certe-ritual manifesta-se como moral espiritual. za de Hahn baseia-se na experiência de queO ser humano no qual surgiu o “espírito do Es- Deus superou a ira nele, no microcosmo.pírito” possui uma vida espiritual e pode herdar Tanto no grande como no pequeno, irá ma-o reino de Deus. A “semente do Espírito”, que nifestar-se, no final, o corpo espiritualizadocontém o germe da divindade e quer brotar para que ele chama de “corporeidade espiritual”.a perfeição, impele o homem renascido nessa Também em relação à história, ao transcursodireção. Hahn verifica ainda que um verdadeiro do tempo e da eternidade, Johann Michaelcristão ama toda a verdade e deseja atrair toda a procura impor seu “pensamento holístico”. Aatmosfera da pura radiação-alma – que é Jesus. perfeição do mundo será alcançada em uma sequência de eras. Elas realizam em âmbitoSenhor, a ti quero render-me, macrocósmico o mesmo processo que ocorreToma todo o meu eu, no indivíduo em nível de microcosmo. DoSenão não poderei viver eternamente, trono de Deus e do Cordeiro flui a corren-Absorve-me todo em ti. te da vida, em cujas margens há árvores daHahn baseia sua coragem de falar sobre a vida carregadas de frutos da vida. Com esses a contemplação centralde johann michael hahn 43

alimentos será alcançada a cura dos que ainda metade da Terra em tempos vindouros. Con-estão distantes. tudo, finalmente até mesmo Satanás e os queE os reis-sacerdotes sempre irão disseminar caíram com ele irão retornar, ao compreendertodos os remédios e recursos da graça, tudo que não podem separar-se de Deus. Ele de-o que eleva e ensina, encoraja e alegra. Eles nomina esse processo todo de “apocatástase”transmitirão e incentivarão os conhecimentos (termo cunhado por Orígenes de Alexandriade Deus e Jesus, multiplicando a bem-aven- para designar a restauração final da unidade deturança. E tentarão reconstruir tudo o mais todas as coisas com Deus). Chama a atenção orápido possível, a fim de se tornarem iguais à fato de o túmulo de Johann Michael Hahn teressência de Jesus, do divino. Em suma, todos os a mesma inscrição que consta do túmulo de Ja-que crescerem e atingirem a perfeição, graças cob Boehme, isto é, o famoso texto rosa-cruz:à ajuda desses reis-sacerdotes, isto é, recupera- “Nascido de Deus, morto em Jesus, selado (re-rem a magnificência perdida por Adão, por eles nascido) pelo Espírito Santo”. Como sabemos,serão conduzidos à “cidade de Deus”, para o as cidades de Calw e Tübingen, região ondeagrado de Deus e do Cordeiro. transcorreu a vida extraordinária de Hahn, fo-A bênção de Deus aniquilará a maldição e se ram importantes centros na ativa vida espiritualestenderá por todo o cosmo. Três coisas são no- dos rosa-cruzes do século XVI.táveis em Hahn: seu conceito de Deus, sua visão Portanto, não resta dúvida de que Johann Mi-da Bíblia e sua compaixão com a humanidade chael Hahn, em sua essência, foi um verdadeiroque se desviou do caminho. Para este iluminado, rosa-cruz, principalmente depois de se ler o quetoda a criação depende da força ígnea masculina está gravado no lado direito de sua lápide:de Deus, mas nem tudo carrega em si também ocaráter feminino da luz. Minha cabana de andarilho aqui jaz,Contudo, porque em Deus esses dois aspectos uma casa celestial agora tenho.estão unidos, e somente há verdadeira vida Enfim parti do meio de vós,onde a dualidade puder realizar-se na unidade, findou minha peregrinação!Deus não descansará enquanto essa harmonia Na tumba nada há de me corroer,não for alcançada em toda parte. Afinal, o pois encontrei a vida ao morrer,Universo inteiro foi criado na luz e a força de e ressuscitarei em corpo espiritual.Deus jamais pode dissipar-se em nada. Onde Igual a Jesus serei,Deus destrói o mal que surgiu, também seus dele aqui jamais me apartei;causadores ofuscados são redimidos da situação isso ainda havereis de ver.que eles próprios criaram.Cristo, que é luz, energia espiritual como causa Quebrada está a minha cabana,e ponto central de todo o ser, conduzirá tudo senão aqui ela não estaria enterrada.e todos novamente a si. Hahn nos diz, contu- Deus me concedeudo, que enquanto muitas pessoas são atraídas receber o que pedi.pelo bem, outras temporariamente ainda são Agora que chegou a hora,atraídas pelo mal, isto é, ou atraídas magnetica- nem a morte nem o inferno me detêm.mente para a terra purificada ou para o mar de Por mim não deveis entristecer-vos;chamas. O assim chamado “mar de chamas”, vinde, segui-me, meus queridos,segundo Hahn, pode cobrir completamente a e terminai na fé vosso percurso! µ44 pentagrama 4/2013

Há um marco miliário no caminho da vida A jornada te exauriu?que nos leva a outro começo; Teu fardo te parece demasiado?onde uma vista mais luminosa se descortina, Lutas batalhas penosas,onde as nuvens ficam mais leves e se desfazem… pelejando contra um destino hostil?Há um ponto em cada estrada O marco miliário de uma mudança decisivaonde os sulcos se transformam em caminhos suaves; pode estar a alguns passos depois da curva.o lugar que marca um novo início, Coragem!… Este pode ser o lugare a esperança de dias mais serenos onde as alegrias voltam e os problemas terminam Texto em um marco milhário australiano

“Deste o início o Logos é. Ele é ordem, harmo- lnia, repouso e equilíbrio. O Logos está perto deDeus, sim, Deus mesmo é a ordem equilibradado que é. Desde o início, o Logos é inteiramen-te semelhante a Deus; tudo que existe foi cria-do por ele. Fora do Logos nada do que existepoderia existir.”Essas palavras maravilhosas e consoladorasdirigem o homem que eleva seu pensamentoalém das limitações e contradições. Seus esfor-ços lhe permitem reconhecer sua ligação como criador único e infinito. Sua contemplação,em profunda reflexão, permite-lhe compreen-der, no desenvolvimento incessante do que égrande e do que é pequeno, a correlação entre ocosmo, Deus, e o microcosmo, o homem.Mediante sua atividade, ele experimenta queesse relógio cósmico é um serviço contínuoem favor do outro. Assim, mediante o serviço,ele se junta aos sublimes. Ele sabe que o Verbo(Logos) está em tudo e que tudo está no Verbo.R$ 16,00