pentagrama Lectorium Rosicrucianum podemos explorar o que ainda não existe? quem conhece a si mesmo é iluminado infinitamente próximo limites saudáveis – uma história atemporal sete vales mantao ll a redescoberta da gnosis lV 2015 4número
Edição Revista Bimestral da EscolaRozekruis Pers Internacional da Rosacruz ÁureaRedação FinalPeter Huijs Lectorium RosicrucianumRedação A revista pentagrama dirige a atenção de seus lei-Kees Bode, Wendelijn van den Brul, Arwen Gerrits, tores para o desenvolvimento da humanidade nestaHugo van Hooreweeghe, Peter Huijs, Hans Peter nova era que se inicia.Knevel, Frans Spakman, Anneke Stokman-Griever, O pentagrama tem sido, através dos tempos, oGerreke Uljée, Lex van den Brul símbolo do homem renascido, do novo homem. Ele é também o símbolo do Universo e de seu eternoDiagramação vir-a-ser, por meio do qual o plano de Deus se ma-Studio Ivar Hamelink nifesta. Entretanto, um símbolo somente tem valor quando se torna realidade. O homem que realizaSecretaria o pentagrama em seu microcosmo, em seu próprioKees Bode, Gerreke Uljée pequeno mundo, está no caminho da transfiguração. A revista pentagrama convida o leitor a operar essaRedação revolução espiritual em seu próprio interior.PentagramMaartensdijkseweg 1NL-3723 MC Bilthoven, Países Baixose-mail: [email protected]ção brasileiraPentagrama Publicaçõeswww.pentagrama.org.brPublicação digitalAcesso gratuitoResponsável pela Edição BrasileiraAdriana PonteCoordenação, tradução e revisãoAdriana Ponte, Emanuel Saraiva, Leonel Oliveira, RossanaCilento, Amana da Matta, Helena Schaffne, José de Jesus,Marcia Moraes, Mariana Cunha, Marlene Tuacek, MercêsRocha, Rafael Albert, Sérgio Oliveira, Adèle Abdalla,Ellika Trindade, Fernando Leite, João Batista Ponte, LinoMeyer, Luis Alfredo Pinheiro, Marcílio Mendonça, SimoneOliveira e Urs SchmidDiagramação, capa e interiorNina RibeiroLectorium RosicrucianumSede no BrasilRua Sebastião Carneiro, 215, São Paulo - SPTel. & fax: (11) [email protected] em PortugalPraça Anónio Sardinha, 3A (Penha de França)1170-022 [email protected] [email protected] revista Pentagrama é publicada seis vezes por ano emalemão, inglês, espanhol, francês, húngaro, holandês epor tuguês.Ela é publicada apenas quatro vezes por ano em búlgaro,finlandês, grego, italiano, polonês, russo, eslovaco, suecoe tcheco.© Stichting Rozekruis PersProibida qualquer reprodução semautorização prévia por escritoISSN 1677-2253 tijd voor leven 2
ano 37 2015 número 4O número de poetas, pensadores e mensageiros que Capa: Crianças riem em um campo de calêndula,nos indicam o caminho sétuplo é impressionante. em Panskura, Bengala Ocidental, Índia.Aqueles que sacrificam todo o seu ser para seguir esse © Sudipto Danscaminho e perseveram constituem, de fato, um grupoexcepcional. quem conhece a si mesmoSeguir esse processo sétuplo conduz, invariavelmente, à é iluminadoparticipação na corrente formada pelos guias do cami- o auxílio da corrente universalnho, ou seja: aqueles que o trilharam e se tornaram seus j. van rijckenborgh 2guardiões. E todos dizem, absolutamente todos, que o imagens do mundocaminho é sétuplo. a viagem através dos sete valesO candidato que efetua o primeiro passo com serie- 12, 18-19, 27, 34, 35, 36, capa trêsdade dá um passo para fora do tempo. Ele adquire uma infinitamente próximocompreensão própria do Ser atemporal, do que está em desprenda-se de si mesmo e tudoseu interior e também à sua volta. Uma alegria imensa se abrirá 6inunda e aquece seu coração e dissolve o que estava limites saudáveiscristalizado. uma história atemporal 14Ao mesmo tempo, será necessário enfrentar muitas di- ampliar fronteiras, abolir limites 20ficuldades, de sete tonalidades diferentes, que apenas se a viagem de mantao IIresolverão quando ele fizer um apelo ao poder criador c.m. christian 24do coração. O coração, que também é sétuplo, deverá podemos explorar o que ainda não sempre e cada vez mais romper todas as barreiras que existe? 28vão se apresentando. a redescoberta da gnosis lVO passaporte para transpor cada barreira é o amor g.r.s. mead, o primeiro gnóstico universal. O amor universal é o único visto eternamente moderno 30válido, pois não está ligado às fronteiras do espaço e dotempo. Efetivamente, o que é universal envolve a tudo a viagem através dos sete vales 1 1e a todos. No universal, fora do tempo, os outros e nóssomos Um. Para compreender esse processo plenamen-te e nos integrarmos a ele, precisamos de verdadeiracompreensão. E assim perceberemos que o último passoé também o primeiro.
O AUXÍLIO DA CORRENTE UNIVERSALquem conhece a simesmo é iluminadoUm amigo ou um parente, por exemplo, saberá nos dizer muito claramente como somos – etambém quem somos. Eles fazem isso com tanta clareza que até acabamos acreditando. Afinalessas pessoas, que estão próximas de nós, não se baseiam em fatos? Elas teriam alguma razãopara apresentar as coisas de forma diferente? No entanto, vocês sabiam que muitas vezes, emmatéria de autoconhecimento, nos vemos conduzidos por pistas falsas? Esposa, marido, irmãosou irmãs, colegas, todos dizem:“Você é assim”... e acabamos acreditando! E é assim que vamosajustando nossa vida, nosso estado de ser, baseados em conclusões de outras pessoas! E acaba-mos pensando que estamos muito adiantados em nosso processo de autoconhecimento!J. van RijckenborghSe vocês forem suficientemente objetivos, mas raramente realistas. “Como isso acontece?”, reconhecerão que, de tempos em tempos, vocês poderiam perguntar. são vítimas dessa situação. Temos a prova Simplesmente porque o ser humano não possuiclássica de que Jesus, o Senhor, e tantos outros nenhum órgão sensorial, nenhum poder inte-obreiros e seus sublimes servidores não puderam rior, para perceber a si mesmo objetivamentefazer nada em seu próprio contexto, em seu em seus fatos e gestos. Além disso, ele tambémpróprio país, em relação a seus próprios parentes não é capaz de observar as suas emoções interi-e amigos. ores que o impulsionam a agir desta ou daquelaPensem na frase histórica: “Será que pode vir maneira. E percebe menos ainda as motiva-alguma coisa de bom de Nazaré? – Nada! Nós ções de natureza astral que se encontram nossabemos disso muito bem!” Pode ser que co- bastidores. O livro das causas e efeitos, o livronhecer os homens seja útil, e julgar os outros do carma pessoal, é geralmente um livro herme-pode ser importante para vocês; mas há muito ticamente fechado no que diz respeito à nossamais erros e mal entendidos do que julgamentos própria vida.corretos nesse caminho! Quem compreende isso O mesmo acontece com o ocultista – por maise ousa reconhecer esse fato sabe também que que ele diga que está profundamente informadoainda está em total escuridão sobre o autoco- sobre seu próprio estado cármico. A Escola danhecimento. Quanto a esse ponto, os seres hu- Rosacruz Áurea atual rejeita o ocultismo porquemanos são demasiado otimistas ou pessimistas, ele oferece um método que permite às pessoas2 Pentagrama 4/2015
Jan van Rijckenborgh e Catharose de Petri são os fundadoresda Escola Espiritual da Rosacruz Áurea. Nessa escola elesexplicaram aos alunos a senda da libertação da alma de váriasmaneiras, utilizando-se muitas vezes de textos originais dadoutrina universal, tendo sido um exemplo para os alunos, poisalém de estudar seriamente a senda, realizaram-na em suas vidas.se aprofundarem no mistério da existência por em quarto lugar: no final da jornada através dameio da consciência-eu. Isso é possível somente matéria, adentrar na nova vida, na vida eterna.até certo ponto. O resultado é sempre umaconsciência-eu dura como pedra e uma existên- Querem estudar essa fórmula e depois tentarcia totalmente fundida com a esfera refletora e aplicá-la e saborear seus frutos? É uma fórmulapresa a ela. que vem do antigo passado e traz a glória da verdade infalível.A FÓRMULA DO SEGREDO Em relação à salva- Um questionamento surge: “Como chegaremosção eterna, à vida real e verdadeira, essa ciência ao autoconhecimento a fim de participar da ilu-oculta nada pode fazer pelo ser humano. minação?” E “O que vem a ser a iluminação?”Trata-se de aprender a conhecer um segredo – e Para propor essas perguntas precisamos estara fórmula desse segredo é: enriquecidos de certas experiências e termosem primeiro lugar: conhecer a si mesmo e, as- bebido do cálice amargo da dor. Afinal, é graçassim, participar da iluminação; à experiência que surgem as indagações noem segundo lugar: vencer a si mesmo e, assim, coração do ser humano: “Qual é o objetivo detornar-se todo poderoso; minha vida? O que é o ser humano, na reali-em terceiro lugar: implementar uma nova ener- dade? A que ele está destinado?”gia e, assim, desenvolver o poder mágico da Quando fazemos todas essas perguntas, masvontade; não intelectualmente e sim porque para nós a viagem através dos sete vales 3
Podemos considerar que a personalidade é apenas a metade dacriação, pois ela constitui a base para o surgimento do novohomemessas questões são de fato problemas interiores, O AUTOCONHECIMENTO E Oquando essas indagações surgem das profunde-zas de nosso ser, isso quer dizer que a tendência CONHECIMENTO DE DEUS Assim que o alunoà busca está surgindo de forma espontânea em compreende – e se ele for movido por umanós. É uma inclinação que, desde o começo de necessidade vital – um ponto latente de suanossa busca, sentimos como necessidade vital, personalidade desperta, se abre e floresce: a rosacomo “ser ou não ser”. É então que o ensina- do coração. E, do interior dessa rosa, fala umamento universal se abre inteiro diante de nós voz: a voz da chama monádica, essa parte do sere percebemos todo o plano de Deus para o humano superior que, por meio da alma, devemundo e a humanidade. ligar-se ao homem inferior, para que então, porPara o aluno, essa busca se torna cada vez mais meio desse processo, o homem inferior possa sefácil. A literatura da Escola da Rosacruz transformar completamente e transfigurar-se.Áurea se coloca inteiramente à sua disposição e Quando esse plano se torna claro no interior doele a estuda porque se sente impulsionado por aluno e se abre, ele compreende diferentementeuma necessidade vital. Observem que o con- do modo intelectual; quando ele vive e cresceceito estudar a que nos referimos tem uma base interiormente no plano que Deus formou paracompletamente diferente do estudo comum. O ele, então, ao mesmo tempo, ocorre a ilumina-aluno estuda e quer saber, e faz isso porque se ção. Isso é o autoconhecimento, o conhecimentosente impulsionado por essa necessidade vital. de Deus, o conhecimento da frase: “O reino deEntão ele descobre que a consciência-eu con- Deus está em vós”.siste em uma atividade motriz cujo papel é, na Iluminação é isso. E é no interior dessa ilumina-melhor das hipóteses, manter a personalidade ção e por meio dela que o homem empreende oviva; que a personalidade é apenas a metade da caminho da vitória: a vitória sobre si mesmo. µcriação, pois constitui a base para o surgimentodo novo homem. Enfim: ele enxerga que a vidada personalidade, tal como a percebe atual-mente, não é uma vida digna do estado de serhumano, mas uma existência puramente animal.4 Pentagrama 4/2015
IMAGENS DO MUNDOA V IA G E M AT RAV É S D O S S ET E VA L E SFarid ud-Din Attar, um poeta sufi do século XII, representou a viagem espiritual para a verdade na formade sete vales. Cada um dos vales é tanto uma meta quanto uma possível cilada e, em cada um deles,deparamo-nos com sinais que indicam o caminho pelos campos e montanhas até o próximo vale.A poupa é o pássaro que descreve os sete vales, representados de forma esquemática como: Primeiro vale,Talab Vale da busca: a busca perseverante movida pelo coração e pela graça Segundo vale, Ischc Vale do amor: ser consumido pelo fogo do amor Terceiro vale, Ma’rifat Vale do conhecimento: estar atento ao próprio coração Quarto vale, Istigna Vale do desapego: libertar-se do medo e do desejo Quinto vale,Tauhid Vale da unidade: libertar-se da dualidade e do eu Sexto vale, Hairat Vale da perplexidade: atravessar o deserto bravio de dor, tristeza, perda, ruína Sétimo vale, Facr-fanaVale da carência e da realização, unidade (“fana”): carência espiritual e destruiçãoPara poder sair de um vale é preciso descartar uma parte da “bagagem” que trazemos conosco.Temosde largar um a um os nossos condicionamentos. O processo de desfazer-nos dos condicionamentosleva-nos a um novo modo de vida, que traz a liberdade para cada vez mais perto. Precisamos de duaspernas para a viagem: uma delas é nossa orientação para a eternidade; a outra é a persistência paraatingir a meta. Porém, no caminho, é preciso constantemente prestar contas de nossos motivos paragarantir que não estamos simplesmente inflando nosso ego. Para isso, devemos querer saber a verdadee estar dispostos a sacrificar todas as opiniões que tínhamos até então a respeito de nós mesmos.O leitor encontra impressões sobre os sete vales nas páginas 12, 18, 19, 27, 34, 35, 36 e no verso daúltima capa. a viagem através dos sete vales 5
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infinitamente próximo a viagem através dos sete vales 7
Há vinte e cinco séculos o sábio Lao Tsé afirmava: “Quem conhece os outrosé perspicaz; quem conhece a si mesmo é iluminado”. O filósofo Carl GustavJung, há sessenta anos, queixou-se de que “é mais fácil alcançar o planeta Marteque penetrar em si mesmo”. Sempre estivemos focados na ideia de conhecero ser. Ora, certamente trata-se de uma forma de conhecimento que não étão fácil de adquirir, ainda que se trate de si mesmo. Neste artigo, vamos nosbasear em várias citações, todas elas destinadas a nos fazer aceder a esseautoconhecimento.Refletir sobre si é algo precioso, e o auto- com tal convicção e segurança que só podemos conhecimento é indispensável para viver acreditar. com os outros. Além do mais, ele é umanecessidade vital para quem quer seguir a senda DEFICIÊNCIA PARA OBSERVAR A SI MESMOespiritual libertadora. Os sábios da Antiguidade jáconcordavam sobre isso. O que não significa que A que devemos isso? Jan van Rijckenborgh efosse algo fácil de conseguir. Um ser ativo pode, Catharose de Petri dizem o seguinte: “Simples-em certos momentos, mostrar-se so- mente porque o ser humano não possui nenhumnhador. Alguém que é ansioso em determinada órgão dos sentidos, nenhuma faculdade interiorsituação pode manifestar admirável coragem em para ter uma percepção objetiva de si mesmo emoutra. Embora às vezes gostemos de frequentar seu comportamento e gestos; e porque ele tam-o mundo, acontece também de sermos vistos pouco é capaz de observar as emoções interiorescomo solitários. O que é certo a nosso respeito que o levam a agir desta ou daquela maneira;é que somos mutáveis, cheios de contradições, a e muito menos os impulsos de natureza astralponto de nos surpreendermos repetidamente. Por que se encontram em segundo plano. O livrooutro lado, para nós é bem mais fácil observar os das causas e efeitos, o livro do carma pessoal,outros em suas ações e gestos e julgá-los do que no mais das vezes, permanece hermeticamenteobservar a nós mesmos. Geralmente, em maté- fechado no tocante à sua própria vida”.ria de conhecimento elementar de si mesmo, as Portanto, é compreensível que sejamos reduzidospessoas fiam-se instintivamente no que os outros a nos fiar nos outros ou em meios exteriores.dizem. Sua esposa, seu marido, um irmão, uma Entretanto, é indispensável voltarmo-nos para nósirmã ou amigos, todos bem-intencionados, dirão mesmos a fim de chegar a um vivo e autênticoexatamente como ou quem somos. E o fazem conhecimento de nossa pessoa. Mikhail Naimy não deixa dúvidas sobre isso: “Se, pois, vosso8 Pentagrama 4/2015
Rompei os selos de vosso próprio ser, e todas as coisasperderão os seusmundo é um enigma indecifrável, é porque vós um chefe, a poupa. Esse pássaro ensina-lhes que amesmos sois enigmas indecifráveis. Se vosso falar morada do Soberano fica muito distante e que iré uma confusão deplorável, é porque vós sois até lá é algo perigoso. Podemos ver esses pássarosessa confusão deplorável. Deixai as coisas como como os seres humanos – ou suas característicaselas são e não vos esforceis para modificá-las, – em busca de seu Senhor, de sua origem. Noporque elas parecem ser o que parecem devido início, os pássaros parecem todos muito entusi-a parecerdes ser o que pareceis. Elas não veem asmados e desejam apenas chegar até Simurgh.nem falam se vós não lhes emprestardes vista e Mas, progressivamente, eles renunciam e essefala. Se elas vos falam asperamente, atentai uni- objetivo, evocando todo tipo de desculpas. Ocamente para vossa língua. Se vos parecem feias, pardal não quer fazer essa viagem. Muito se-examinai em primeiro e último lugar vosso olho. dentária, a coruja reluta em deixar seu ninho. ONão peçais às coisas que deixem cair seus véus. rouxinol é um poeta que adora cantar e que nãoDesvelai a vós mesmos, e as coisas vos serão quer abandonar sua bem-amada, a rosa, tão beladesveladas. Não peçais às coisas que rompam e atraente. “Sou louco por ela”, diz ele, “a pontoseus selos. Rompei os selos de vosso próprio ser, de esquecer de minha própria existência; só a elae todas as coisas perderão os seus […] Se tendes vejo e a suas lindas pétalas corais. Essa viagempensamentos que aferroam, perfuram ou dilace- excede minhas forças. O amor da rosa me é su-ram, sabei que o único responsável por provê-los ficiente. Como poderia eu passar uma noite semde ferrão, presas e garras é vosso eu dentro de esse amor que me encanta?”vós […] Se existem urzes espinhosas em vosso A coruja reage vivamente quanto a isso: “Rouxi-coração, foi unicamente o eu em vós que lá as nol, o exterior das coisas o embriaga. Pare de lhearraigou […] Se houver elementais malignos em dar tanta importância. O amor da rosa é cheiovosso universo, podeis estar certos de que so- de espinhos; a rosa subjugou você e o tem sobmente vosso eu foi quem os criou”. seu poder. Por mais bela que ela seja, sua beleza é efêmera.Você deveria se envergonhar; trabalheA CONFERÊNCIA DOS PÁSSAROS Inúmeros são os mais e deixe a rosa. Ela não estará aí para sorrircontos e mitos que simbolicamente descrevem para você na próxima primavera. Ela ri de vocêa penosa busca do homem por si mesmo, por e depois desaparece”. Outro pássaro, uma rolinhaseu verdadeiro Ser. Um deles é A conferência dos amorosa, inventa todo tipo de razões para nãopássaros, também traduzido como A língua dos partir. “Grande poupa1 , o amor me acorrentou epássaros, de Farid ud-Din Attar, poeta do século já não posso me mover. O amor roubou minhaXII. Essa história relata como todos os pássaros razão, meu coração, até mesmo minha alma. Semdo mundo se reúnem um dia para partir em amor, vivo um inferno. Como partir em viagembusca de seu soberano, Simurgh. Eles escolhem se sou prisioneira do sangue de meu bem-ama- infinitamente próximo 9
do? Não consigo me separar de sua linda cabeça. querem percorrer o caminho espiritual e que, de-Minha dor é tal que ultrapassei a fé e a incre- finitivamente, se deixam reter, por exemplo peladulidade. Meu bem-amado é meu ídolo, mesmo covardia, por apego exagerado, pela preguiça,que eu definhe de tristeza. Mesmo que o amor pela hipocrisia, pelos bens terrestres. A poupa nosnão me traga senão tormentos, sem meu bem- estimula a conhecer nossa realidade e descobrir-amado estou perdida, aniquilada. É isso que sou. nosso destino interior. Finalmente, um impor-Diga-me o que devo fazer”. tante grupo de pássaros alça voo para ir em busca de seu Soberano. É uma expedição amarga,A poupa responde: “Você é prisioneira das belas na qual as privações são, para muitos, uma duraaparências e do amor superficial, ou seja, dos prova. Os peregrinos devem sobrevoar sete vales.desejos da carne.Volte seu amor ao que é per- O poeta persa lhes dá respectivamente o nomefeito, busque o mundo jamais visto da verdadeira de vale da busca, do amor, do conhecimento, dobeleza. Quando o último véu é retirado, todo o desapego, da unidade, da perplexidade e, por fim,brilho e a beleza terrestre se volatilizam. Os que da carência espiritual. Os pássaros que pude-amam as aparências são inimigos de si mesmos. ram suportar tudo isso alcançaram o objetivoOs que, ao contrário, durante a espera, ligam-se que haviam determinado. Apenas trinta pássarosao Amigo, invisível e ausente, são integrados no se apresentaram à porta do palácio do grandepuro Amor infinito e eternal”. É evidente que Soberano. Lá, o sol celeste começa a irradiaras admoestações da poupa se dirigem aos que sobre eles e – esclarece o poeta – algo incrível10 Pentagrama 4/2015
Os trinta pássaros viram seus próprios rostos refletidos norosto do Soberano celeste Simurghacontece. “Os trinta pássaros viram seus próprios por exemplo, esquece totalmente sua sensação derostos refletidos no rosto do Soberano celeste fome ou sua preocupação com segurança quandoSimurgh. Estupefatos, eles se perguntaram se está no cio. A segunda explicação de Jung dizseriam mesmo eles ou se haviam se tornado seu respeito à dificuldade do homem de alcançarsoberano. Depois eles olharam uns para os outros seu ser essencial devido à sua consciência-eue... oh maravilha! Os trinta pássaros se revelaram dominante, que obstaculiza as mensagens vindasser um único Simurgh! Lançando a seguir um do núcleo interior. O esforço por alcançar semfurtivo olhar sobre si e sobre seu soberano, eles suposições um conhecimento de seu próprio sertiveram de se convencer: na verdade, o Senhor e e de suas relações com o mundo e no mundo,eles eram Um. O Soberano, então, dirigiu-se aos o esforço por ser verdadeiro e autêntico, dãotrinta: “Integrem-se em minha alegria e minha à pessoa a possibilidade de chegar a uma totalmagnificência e reencontrem-se unidos a mim”. conversão interior. Ela compreende que já nãoEntão, os pássaros fundiram-se em Simurgh pela pode se esconder atrás dos outros, dos parentes,eternidade; e a sombra foi reabsorvida pelo sol. dos educadores. A caminho de suas profundezasJá não havia nem viajante, nem caminho, nem interiores, o homem deve fazer calar todas asguia. Ao descobrir seu Senhor, eles descobriram vozes de terceiros, mas também as suas próprias,a si mesmos e também seu Ser divino. inclusive suas motivações, se não forem puras. Somente então seu ser pode se abrir ao conheci-Essa história de Farid ud-Din Attar esclarece que mento do coração, à Gnosis, conforme diziam oso homem não alcança o verdadeiro autoconheci- rosa-cruzes clássicos do século XII.mento quando se atém a medos e preocupações,a prazeres e paixões bem como a ideais próprios O HOMEM PRIMEVO QUEVOCÊ É Quem está con-deste mundo. O rouxinol e a rolinha desse conto scientemente em harmonia com o chamado inte-persa exprimem bem nossa dificuldade em nos rior da Gnosis percorre um caminho interior dedistanciar dos atrativos exteriores. experiências sob a proteção e na força da Gnosis. Quanto mais o homem se abre a esse chamado,CALAR TODAS ASVOZES EXTERIORES C.G. Jung tanto mais ele adquire esse autoconhecimentotambém tratou desse assunto. Ele dá duas ex- que mudará totalmente sua vida e seu ser. Eleplicações para o fato de o homem perder con- experimenta que nele há ainda um poder, talveztato rapidamente com seu núcleo essencial. A restrito, mas em todo caso importante, de natu-primeira é que esse instintivo desejo louco ou reza divina. Esse princípio divino, esse núcleo derepresentação no plano emocional fazem-no luz está frequentemente latente, entretanto umfacilmente perder o equilíbrio. Para explicar, Jung chamado insistente emana dele. Em quem o es-refere-se ao mundo animal. Um cervo macho, cuta, uma lembrança do homem primordial pode infinitamente próximo 11
se manifestar, uma pré-lembrança de sua origem \"Homem, conhece-te a ti mesmo\". É esse ho-e da missão que consiste em se tornar um ser mem que Lao Tsé tem em mente quando diz:abençoado por Deus, um filho da Gnosis. Jan van \"Quem conhece a si mesmo é iluminado\".µRijckenborgh diz: “Desenvolve-se uma nova vidade sentimentos, uma nova necessidade vital, isto Fonte:é, um intenso desejo de compreender a finali- Attar, Farid ud-Din. A conferência dos pássarosdade de sua vida e o plano que está em sua base. Huijs, Peter. Volmaakt Licht (A luz perfeita)À medida que ele penetra nesse plano, que seus Rijckenborgh, J. van e Petri Catharose de, A Gnosis chinesadesejos e seu coração se alimentam dele, que esse Naimy, Mikhail. O Livro de Mirdadcoração é, portanto, iluminado pela grandiosa luz Zegveld,André. Een plaats om te wonen - over spiritualiteit enda Gnosis, o coração se abre a essa maravilhosa menswording (Um lugar para morar – sobre espiritualidade erealização. A rosa desabrocha, e o homem supe- encarnação)rior, que, como microcosmo, envolve o aluno,lhe fala. O candidato entra assim no que deno- 1 Poupa: ave (Upupa epops) coraciiforme, migratória, encontrada naminamos, e que muitos antigos denominavam, o Europa,África e Ásia, de plumagem rosada, asas e cauda com bandasperíodo de iluminação mística, a fase de alegria pretas e brancas, bico longo, curvo e pontiagudo e cabeça com umada ligação do toque com o plano. Nesse primeiro grande crista de penas.e novo estado de ser em pleno desabrochar podesurgir uma orientação de vida completamentediferente, portanto, uma faculdade totalmentenova.Tudo aquilo que era considerado muitoimportante torna-se insignificante, torna-se nadaà luz do novo dia. Surge, então, uma nova capa-cidade moral-racional. Racional porque, atravésdessa mudança, o santuário da cabeça e, a seguir,o santuário do coração, irão cumprir suas verda-deiras funções. Cabeça e coração, coração e ca-beça cooperam num estado de ser moral-racionaliluminado”.12 Pentagrama 4/2015
IMAGENS DO MUNDO O primeiro vale,Talab O vale da busca: a busca perseverante, movida pelo coração e pela graça O primeiro vale é o vale da pesquisa. É realmente a primeira iniciação e um passo rumo ao desconhecido. Estamos em busca de Deus, da verdade, da paz, de nós mesmos ou o que quer que seja, e estamos cheios de sincero entusiasmo. O que nos impulsiona a essa busca são o “intelecto” ou o “anseio”, mas ambos são incapazes de encontrar o verdadeiro objetivo. No entanto, são eles que iniciam nossa pesquisa. Nesse vale é o “eu” quem conduz a procura.Achamos que sabemos quem é esse “eu”, mas a pesquisa é direcionada para algo completamente diferente dele.A maioria daspessoas permanece longos anos nesse vale: muitas vezes até mesmo a vida inteira. Elas vagueiam de um lado para outro, de um mestre para outro, ou de uma doutrina para outra, ficando, assim, presas nas armadilhas de sua própria pesquisa. Alguns estão satisfeitos e se contentam com sua existência nessevale, acreditando ser essa satisfação um salvo conduto para sua iluminação. Um ou outro acabará talvezdescobrindo algo que produza uma experiência profunda, ou será marcado pela experiência do amor - em seu interior. imagens do mundo 13
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limites saudáveisTrês homens idosos chegam penosamente ao fim de sua escalada – não por causada altura da montanha, mas sim pelo estado deplorável do caminho que estãoseguindo. Seus pés escorregam e suas mãos mal encontram onde se agarrar.UMA HISTÓRIA ATEMPORALHaviam partido há muito tempo, mas já importante. Tão logo se aproximam, os não sabiam de onde. Seus trajes datavam outros dois companheiros são, por sua vez, de uma época muito longínqua, quando como subjugados por aquela luz. Com vozas pessoas usavam longas vestes e chapéus rouca, que nem sempre era inteligível, o maisestranhos. Dois deles tinham longos cabelos idoso diz vagarosamente: “É ali que eu gostariabrancos e barba, e o terceiro nunca usara barba de estar”. O homem imberbe e calvo sorri semem sua vida. nada dizer. Ele tem a impressão de que aquele brilho ora se aproxima ora se distancia. Grave eEles já não sabiam de onde vinham. A única coi- silencioso, o terceiro observa a luz sem se deixarsa certa é que tinham desejado partir para longe distrair.– ou o que isso pudesse significar.Vivenciaram Apesar do cansaço, os três se levantam e iniciammuitas aventuras, experimentaram todo tipo a descida. A atração exercida sobre eles porde sentimentos, querelas e também momentos aquela luz era tão forte que pareciam impulsio-inesquecíveis, acessos de pânico e de intensas nados por asas. O primeiro homem, com olharemoções; mas estavam sempre juntos! Eram radiante, voou em direção a uma cidade. A luzamigos, mas estranhamente mantinham distân- o preenchera com um amor intenso, fazendo-ocia um do outro, e não se ajudavam durante a sentir-se “uno” com a natureza. Todos os ho-escalada. O passado parecia dizer que isso não mens eram seus irmãos. Seu amor não conheciaera necessário. fronteiras. Fixou residência nessa cidade e amava a todos. O que quer que fizessem ou disses-Chegando ao topo da montanha, o mais velho sem, ele a todos amava e tudo perdoava. Sedos três consegue alçar-se a um pequeno platô. alguém lhe fizesse algum mal, ele lhe “dava aComo de costume, olha para todos os lados outra face”. E embora alguns zombassem deleantes de cair por terra, suspirando. Nesse mo- – e grande era o número dos que assim pro-mento, uma luminosidade estranha, vinda de cediam – ele lhes desejava o melhor. Amava amuito longe, chama sua atenção e o toca pro- Deus acima de tudo e orava com frequência. Aofundamente. ladrão, oferecia ainda mais dinheiro. Para ele, eraApós lançar um olhar furtivo para os outros dois muito difícil deixar de abraçar todas as pessoascompanheiros, ele se senta e observa aquela luz que cruzassem seu caminho.oscilante, que parecia estar viva. Em seu íntimo Com frequência, acontecia de voltar-se paraele imagina tratar-se de alguma coisa muito uma pessoa, olhá-la nos olhos e, com palavras calorosas, testemunhar-lhe seu amor. A prin-Rembrandt van Rijn, Os três escribas. 1628 cípio, as pessoas, surpreendidas, o achavam deRijksmuseum, Amsterdã fato simpático e reagiam positivamente. Mas limites saudáveis 15
Eles buscavam a luz e ela se pôs a planar docemente acimadeles. “Somente a luz é sem limites...”logo suas demonstrações de afeto começaram a seus sábios conselhos até mesmo àqueles queirritá-las. apenas passavam por ali. Suas palavras revelavam“Deve ser maluco”, pensavam. E o fato de já profunda sabedoria, e as pessoas o considera-não darem a mesma acolhida às provas de seu vam muito inteligente. Contudo, com o tempo,amor causava-lhe infinita dor. “Onde está o acabaram achando-o importuno; assim, desdeerro?” – perguntava desesperado. Afinal, o que então, ele passou a falar para o vazio. Estavahá de mais importante que o amor? convicto de que dizia a verdade, porém era mal compreendido. Apesar de seus esforços, as pes-O segundo dos três voou até uma montanha. Ali soas permaneciam fechadas, e isso o enchia dedescobriu uma gruta e nela fez um templo para amargura. Por fim, já ninguém lhe dava ouvidos;a luz. Seus pensamentos estavam totalmente então, desesperado, exclamou: “O que devo fa-absorvidos pelo encontro com a luz; e ali adqui- zer? Recebi o dom da sabedoria e distribuo esseriu imensa sabedoria. Era generoso com todas tesouro a todos, mas ninguém o quer. O queas pessoas que viessem vê-lo, e prodigalizava fazer com esta sabedoria?”16 Pentagrama 4/2015
Três homens idosos. © Bob Masse,Poster (arte fotográfica)Salt Spring Island, BC, CanadáO terceiro tinha alçado voo para um país em precisam ter limites. Foi ao encontro dessesque os homens se encontravam na miséria. As limites que vocês foram quando se separaram.terras nada produziam, as doenças imperavam, Eles são saudáveis. Reflitam sobre o significadoninguém sabia ler nem escrever e ninguém tinha de um limite: cada criação significa um limite.a menor ideia de propor mudanças saudáveis. Quando tudo é branco, nada se distingue. CoisasDurante o voo, o mais velho sentiu crescer e homens não são todos idênticos, emboradentro de si uma força imensa. Era ali que ele juntos constituam uma unidade. A orelha servepoderia usá-la. Entregou-se ao trabalho sem para ouvirmos, e os pés para nos mantermosnunca experimentar a mínima limitação. Come- em pé. É necessário que assim seja, apesar deçou a trabalhar a terra nos campos, a enterrar as pertencerem ao mesmo corpo. Nem tudo é bomsementes, a regar e depois colher. de se fazer. Bom é o que pode ser feito. NemTratava as feridas e distribuía remédios. Ensinava todos os alimentos são saudáveis, pois o que éas crianças e auxiliava a quem batesse à sua agradável ao corpo não é necessariamente bomporta. Admiradas, as pessoas logo cedo punham- para a alma. O discernimento é um dos mais-se em fila para manifestar seus desejos. O velho formidáveis poderes humanos.Vocês fizeramnão parava de prestar ajuda e socorro, até que bem em não se deixarem elevar pela luz, poisisso acabou por esgotá-lo. Mas tão logo parou do contrário seriam queimados”.de ajudar, os problemas se tornaram mais graves. Lá em cima, a luz desapareceu, deixando umAssim, teve de retomar o trabalho e continuá- rastro atrás de si. Os três homens o seguiram e-lo a todo custo. Os parasitas e os aproveitado- finalmente reencontraram a luz em uma clareirares começaram, então, a abusar dele. Ao tomar rodeada de altas árvores, no centro de uma flo-consciência disso, ele se abateu. Mal teve força resta. Não havia nenhuma trilha que conduzissepara ainda dizer: “Somente fiz o bem, trabalhei àquele lugar. Os três conversaram por um longo,duro e não vejo nenhuma melhora! O que devo longo tempo, talvez durante anos. Conversaramfazer?” como jamais haviam feito e compreenderam mais do que até então haviam compreendido noNesse momento, excitados, os três homens decorrer de sua longa vida: tratava-se de amorperderam o rastro um do outro. Isso os deixou desprovido de sabedoria, de sabedoria despro-tremendamente espantados. Ficaram alarmados vida de ações e de auxílio que ainda não podequando notaram que suas asas tinham desapare- ser recebido. Falaram ainda sobre muitas outrascido. coisas, e, enquanto trocavam ideias, apareceram-Então foram tomados pelo desespero. Buscaram -lhes novas asas. Dessa vez, tratava-se de asasa luz, e ela se pôs a planar docemente acima poderosíssimas, que conciliam amor, sabedoria edeles, dizendo: “Somente a luz é sem limites. ação, na doçura, na paciência e na unidade.Sozinhos nada podem fazer, e, além disso, vocês E a luz se fez. µ limites saudáveis 17
IMAGENS DO MUNDO Segundo vale, Ischc O vale do amor: ser consumido pelo fogo do amor Aqui entramos no vale do amor, onde experimentamos algo além de nosso ser “eu”, o que quebra o sentimento de isolamento e solidão de nossa pesquisa anterior. Deparamo-nos com um mestre, um grupo, um conceito de Deus ou algo pelo qual nos apaixonamos.Talvez estejamos percebendo, pelaprimeira vez em nossas vidas, o que é o amor; e essa experiência é tão significativa que mantemos essa ligação para o resto de nossas vidas.18 pentagrama 4/2015
A V IA G E M AT RAV É S D O S S ET E VA L E S Pensamos ter finalmente chegado ao nosso objetivo. Finalmente encontramos o “amor”. É umaexperiência grandiosa, mas é, ao mesmo tempo, uma armadilha perigosa da qual só conseguimos nos libertar depois de muito esforço. Somente quando percebermos que o amor não é suficiente e queessa “experiência maravilhosa” não é o objetivo final conseguiremos entrar no próximo vale: o vale do conhecimento. imagens do mundo 19
ampliar fronteiras,abolir limites No livro The googlization of everyting (A googlização de tudo) um americano, professor deComunicações, afirma que pensamos com muita leviandade sobre nosso procedimentona busca de dados na Internet e sobre os hits (número de informações como resultado)que nos são apresentados.Será que podemos ignorar com tanta facilidade os interesses comerciais de quem veiculaanúncios nas ferramentas de busca? Isso sem pensar no fato de que uma ferramenta deAMPLIAR OU REDUZIR LIMITES Atualmen- O QUE FAZER AGORA? Quando isso vai parar? te, vemos que a pressão para demarca- Quando vamos deixar de rodar como hamsters ção de nossos limites está se deslocando nessa roda que mais parece uma armadilha?do âmbito coletivo para o pessoal e individual. Talvez quando formos forçados a fazer isso sim-Com a transposição de interesses grupais para plesmente porque já não conseguimos acompa-pessoais, agora as escolhas são muito mais de- nhá-la e, assim, tivermos de nos desconectar. Játerminadas pela autonomia e autorresponsabili- vemos isso ocorrer com os mais idosos, que sedade. Assim, vemos que o internauta ocidental sentem excluídos e inúteis nesse mundo fe-dá cada vez menos importância aos grandes bril. Como se, em seus anos de juventude, nãopoderes religiosos e políticos. Em suma: com a tivessem participado dessa construção da qualsupressão dos limites coletivos, aproximamo-nos hoje tiramos proveito! Geralmente são gruposdos limites dos anseios, expectativas e compor- de excluídos, migrantes, assalariados com baixotamentos pessoais. Por isso, seremos avaliados poder aquisitivo deixados à margem por nossapor aquilo que fizemos ou tivemos de fazer, ao sociedade. Mais cedo ou mais tarde receberemospasso que, no passado, o significado de nossas a conta dessa exclusão!ações geralmente era captado pelo sentimentode grupo. Então, seria melhor fugir do mundo civilizado? Desse mundo da “meritocracia” no qual só me-Por outro lado, somos cada vez mais limitados recemos, consumimos ou nos comunicamos napor estruturas anônimas intocáveis que assumi- medida de nossa eficiência? Onde o indivíduoram o poder em nosso mundo globalizado. é um “perdedor” quando não consegue ser umOnipresentes, os interesses financeiros tornaram- “ganhador”? Muitos já estão começando a esca--se extremamente poderosos. Tudo é concebido par, por exemplo, desligando-se do Facebook oude acordo com modelos de desempenho volta- dando as costas a toda essa agitação em tornodos à publicidade e ao lucro, a serviço de em- do dinheiro. Foi o que aconteceu ao cineasta Edpresas tão poderosas quanto invisíveis, às quais é Wardle, que divulgou seu documentário Sozi-quase impossível se opor. Um sentimento de im- nho na selva pela revista National Geographicpotência toma conta do indivíduo, pois ele per- (Geografia Nacional). Ele tentou sobrevivercebe que, sem consideração à sua pessoa, tudo é sozinho por três meses no território canadensedeterminado de maneira pouco transparente e, de Yukon sem qualquer contato humano. Oassim, ele acha que não tem outra escolha a não homem suportou seu isolamento por apenasser acompanhar a massa, passivamente. 15 dias! Não conseguiu ficar falando somente consigo mesmo por mais tempo. Por fim, Wardle20 Pentagrama 4/2015
busca tem por missão o “livre acesso a todas as informações disponíveis”. Fascinadospor tudo o que é colocado à nossa disposição, somos pressionados, no verdadeiro sen-tido da palavra, através de uma espécie de funil, na direção de anúncios pelos quais nãoestávamos procurando. E ainda nem estamos falando sobre a credibilidade, a exatidão e aintegridade de tudo o que a Internet nos proporciona.teve de restabelecer contato com seus compa- dimensão vertical, a realidade transcendente, quenheiros que, felizmente, haviam permanecido a está além dos limites de nosso alcance pessoal,seu alcance nas proximidades. até mesmo além do contato entre humanos animados pelas mesmas intenções e de tudoPor trás de toda essa “tentativa de fuga” oculta- sobre o que eles concordam nessa interação-se, provavelmente, um impulso religioso de superficial. Trata-se de algo que entra em con-religare – ligar de novo. Quando expandimos tato conosco, como seres humanos, e fala sobreos limites para um campo que não podemos o que nós, individualmente ou em grupo, jáperceber diretamente com nossos sentidos, para não temos controle. Já não se trata de “eu” ouum tema sobre o qual não temos comprovações “você”. É algo além dos limites entre “eu” esubstanciais ou sobre o qual as pessoas não têm “você”. É nesse espaço que nós nos perdemosa mesma opinião, nenhum consenso será pos- de nós mesmos.sível. Simplificando: trata-se do que chamamos Enfim: trata-se da superação de todos os limitessimplesmente de “conceito abstrato de Deus”, estabelecidos! De descobrir que Deus, comoembora, na interação superficial com nosso se- Aquele que é totalmente diferente, o Outro, nãomelhante, neguemos sua existência. está fora (naquele mundo externo que preten-O resultado substancial de tudo isso é que, para demos sondar até o infinito), mas também nãoas grandes questões subjetivas, não encontrare- está em nós (em nosso espaço psíquico inesgo-mos no Google uma resposta apropriada. Afinal, tável) e nem no espaço intermediário entre astrata-se muito mais de uma realidade interior pessoas. Porém, o conceito de verticalidade quevivenciada profundamente do que um simples buscamos ultrapassa e transcende todos os limi-conhecimento superficial. Será que nos questio- tes humanos. Na verdade, esse conceito passounamos a respeito da natureza dessa experiência, muito tempo preso a esses limites. Nós o nega-do desejo de estabelecer essa re-ligação, esse mos ou reprimimos com todo tipo de justifica-contato? Contato que, seja da maneira como for tivas, com motivos pessoais ou interesses grupais– tangível ou intangível – é uma interface entre muitas vezes contidos em programas equivoca-os participantes que sabem alcançar esse nível e dos ou dogmas desgastados. No entanto, perse-compreendê-lo? verantemente, com amor e paciência, ele conti- nua sempre presente em nossas vidas, até termosEm algum ponto de nossa extensa viagem de a capacidade de reagir, no importante momentopesquisa na rede universal, perdemos a palavra- em que conseguimos sintonizar nossos pensa--chave mais importante – a compreensão de mentos com ele, assumindo um princípio detudo o que está fora da horizontalidade: a responsabilidade. É o princípio de uma forma ampliar fronteiras, abolir limites 21
Amplie seus limites. Perceba que o único e infinito Criador, oOutro, somente se desvelará no espaço exterior queexploramos até os limites extremos quando for reconhecido,bem vivo, em nosso interior, no espaço inesgotável de nossaprofundeza espiritualde pensar verdadeiramente renovadora e cria- a coragem de observar estas questões vitais: Otiva, que ultrapassa os limites da racionalidade e que está acontecendo comigo? Quais são asde nossa percepção sensorial, partindo de uma consequências de minha atitude de vida e quecoerência primordial entre o coração e a ca- importância elas têm para mim?beça. É um saber intuitivo e inovador. Para isso, Tudo isso não seria algo que eu mesmo devo as-precisamos deixar de nos esconder debaixo no sumir, deixando de me sujeitar a coaches e gurus,excesso de sabedoria aparente – como sempre pessoas que apenas podem me sugerir como mefizemos – e então observar o novo início, para posicionar na agitação de minha vida profissio-permanecermos fiéis a esse conceito. É preciso nal, social e particular? Melhor admitir que, emter coragem baseada na autorresponsabilidade: algum ponto de minha busca, que durou a vida22 Pentagrama 4/2015
inteira, fiquei encalhado. E que já não posso vão, pois todas as ampliações de fronteiras ter-fazer o que quer que seja senão me perguntar: renas contribuíram para que eu me confrontasseO que me ocupou tanto, todo esse tempo, para com meus próprios limites terrenos. Existiriaeu não conseguir ouvir minha própria voz inte- outro meio de eu enxergar que o Outro, o Deusrior? Como fiquei tão desatento a mim mesmo em mim, estava tentando ampliar meus própriosenquanto a resposta estava na minha frente ou limites? Ele sempre esteve tão próximo e amo-até mesmo ecoava dentro de mim? roso! Afinal, Ele não conhece limites, pois é o Amor Ilimitado e quer me incluir em uma novaAMPLIAR FRONTEIRAS,ABOLIR LIMITES Mesmo rede de comunicação, que me proporcionará umassim, todo esse esforço infrutífero não foi em conhecimento ilimitado, inesgotável e infinito.µ ampliar fronteiras, abolir limites 23
a viagem de mantao IIC.M. ChristianDepois de caminhar muito por um vasto e continuamos nossa viagem para o Oriente. país, vimos um rochedo alto e solitário à Pouco depois, alcançamos altas montanhas, com nossa frente. A seus pés estava uma mu- desfiladeiros íngremes, cachoeiras e numero-lher centenária, sentada à sombra, perto de uma sas cavernas. Nós as escalamos, atravessandolímpida fonte prateada. Eu a saudei silenciosa- caminhos difíceis e esquecidos, até alcançarmosmente, com reverência. Seu olhar atento me uma cavidade, onde paramos para descansar àfixou. Logo ela fez aparecer um cálice, encheu-o sombra, exaustos e fracos. Então ouvimos umacom água da fonte e disse: voz estranha e lamentosa, vinda do fundo da“Quem atingir o fundo deve se elevar ao alto. cavidade. Mas estávamos cansados demais paraQuem se crê elevado deve se curvar para baixo. procurar de onde ela poderia ter vindo. ÍamosQuem está suspenso à roda torna-se prisioneiro descansar quando surgiu de um salto um peque-do tempo. no gnomo que saiu do mato com rosto sombrio.Quem tenta chegar ao centro encontra a eterni- Furtivamente, ele ia reunindo, em um grandedade”. jarro, joias e antigas moedas de ouro que tirou de um esconderijo na rocha. Com muito esfor-Então ela me estendeu o cálice, dizendo: ço, puxou o jarro e o arrastou até um arbusto.“Agora beba, querido, esvazie-o completamente. “Posso ajudá-lo?”, gritei. Imediatamente oBeba. E que a água da vida o santifique! homenzinho disse com raiva: “Só ladrõezinhosApague toda ilusão. vêm aqui roubar meus pertences! Ande! Dê oSacie toda sede. fora daqui! Senão, vai conhecer a força de meuAbra caminho para a Luz! punho!”.Volte à sua pátria original: siga em direção a “Calma!”, respondi. “Seu ouro não nos interes-Deus!” sa! Ele é muito duro para nós e não tem brilho.“Obrigado”, respondi. E bebi profundamente Estamos em busca de um tesouro muito maior,da água da fonte milagrosa, que imediatamente que para você nada representa”.refrescou meu coração, reanimou meus pensa- Então, o gnomo coçou a orelha e deu dois pas-mentos e fortaleceu meu corpo cansado. Meu sos em nossa direção. Seus olhos brilhavam decompanheiro de viagem também saciou sua cobiça. “Estão falando da Pedra dos Sábios? Essasede. “Guarde o cálice!” disse a senhora. “E eu conheço bem”.cuide bem dele. Use-o para saciar-se quando “Por ouvir dizer, todo mundo a conhece bem”,sentir sede de um desejo puro: é desse anseio respondi, rindo. “Mas quem quer realmenteque você tirará sua força. Mantenha sempre sua encontrá-la precisa abandonar todo o ouro ecoragem e agora vá, com a bênção de Deus.” poder que possui.”Cheio de gratidão e alegria, aceitei o presente Então o gnomo esticou e encolheu seus braços24 Pentagrama 4/2015
e pernas e, em um tom de desprezo, exclamou: desapareceu nos arbustos, muito irritado, piso-“Tudo isso é uma grande bobagem! Não acre- teando o chão com seus cascos brancos. Ao verdito em uma só palavra!” seus pés de cabra, suspeitei o que estava acon-De repente, ouviram-se os gemidos novamente. tecendo na caverna. E um profundo sentimentoComecei a refletir e chamei: “Ei, gnomo! Diga- de piedade me conduziu até o interior da gruta.-me uma coisa. Que são esses gemidos vindos Estava tão escuro lá dentro que eu não podiada caverna?” ver quase nada. Pareceu-me distinguir, no brilho“Que você tem a ver com isso?” replicou ele, tremulante das brasas profundamente enterradas“e mesmo que se tratasse de cem mil almas, na caverna, uma grande rede em que milharesisso não lhe diria respeito!” Assim falando, ele de pássaros estavam lamentavelmente enredados. a viagem de mantao ll 25
Obedecendo minha voz interior, busquei am- que ela esperava? Eu não podia! No entanto,paro no cálice e, para minha grande alegria, nele meu anseio me fez vencer essa prova e, numainda encontrei algumas gotas, que deixei escor- ato puro, quebrar o feitiço da grande Mulherrerem naquele inferno ardente. Depois disso, da Fornalha. De repente, me lembrei de meufui embora com meu burrinho. Durante muito cálice! Timidamente, o fiz surgir e comecei atempo soaram em nossos ouvidos murmúrios, cantar baixinho para mim mesmo:gemidos e ruídos agitados. Quando chegamos “Ó Tu, fonte da verdade,ao topo da montanha, ouvimos, vindos de nu- rio da vida, fonte de amor,vens cinzentas cheias de fumaça, batidas selva- vinho que faz milagres!gens de asas e gritos ardentes de uma infinidade Quem anseia por ti,de pássaros, negros como carvão. As pobres al- quem vive contigo, não implora em vão!mas foram libertadas daquela rede infernal! Será Quebra o poder do velho fogo e encheque agora elas iriam escolher o céu? o cálice com Tua força!” E assim cantei, com todo o meu coração.Muitos dias haviam se passado desde que come- Quando a noite caiu, o cálice estava cheio até açáramos a subida, guiados pelo sol, pela lua e as boca. Fui embora, para derramar a água da vidaestrelas. Subíamos cada vez mais alto nas mon- por todo o país. E por onde as gotas iam caindotanhas, de onde, cinza e enevoado, estendia-se na areia tudo germinava e crescia. Mas aconte-amplamente o horizonte. Finalmente, chegamos ceu algo ainda mais incrível: meu canto rompeua uma planície que parecia interminável, cinza, o feitiço da Mulher da Fornalha e ela se arre-nua e deserta. O sol, irritado, ali derramava seu pendeu! Das pedras, começaram a escorrer lá-fogo. Não havia plantas, animais ou homens. grimas, que primeiro se reuniram em pequenosApenas uma larga vala, sinistra e desértica, córregos e depois em riachos. Até o céu formouatravessava uma imensa faixa de areia. Inúmeros nuvens e derramou seu pranto.esqueletos lá estavam espalhados. Pareciam ser O milagre tinha se tornado realidade! A valade peixes e animais marinhos e brilhavam ao se encheu. O riacho virou um rio que alegroucalor do meio-dia. o país e por toda parte brotava uma vida nova.Foi então que, na lama solidificada, encontra- Mas onde foi parar a criança? Nós a procuramosmos um velho barco. Eu não podia acreditar por muito tempo, meu amigo cinzento e eu, masem meus olhos quando lá avistei, sentada, uma não a reencontramos. Mas, perto do velho barco,frágil, delicada e confiante criaturinha. De mãos havia nascido uma flor com sete pétalas, clara eabertas, ela me dirigiu a palavra, olhando-me pura como a neve, perfumada e aveludada. Eranos olhos: seu vestígio...“É realmente muito bom você ter vindo! A Colhi a flor e agora levo-a em meu peito paragrande Mulher da Fornalha bebeu todo nosso sempre, como um segredo. µrio e queimou nosso país! Só eu sobrevivi eestou esperando um milagre.Você pode me Continua na próxima ediçãoajudar?”Esse ser de olhar límpido e fala clara que nos * A história da viagem de Mantao é uma adaptação em prosa do livrorecebeu naquele lugar seria uma criança, umavisão de sonho, uma quimera, um extraterrestre? Die Reise des Mantao - Ein Perlenlied der Gegenwart, (A história deEu não sabia. Quem poderia realizar o milagre Mantao, a Canção da Pérola da atualidade) de C.M. Christian, direitos reservados para a Editora Rosacruz alemã, 199426 Pentagrama 4/2015
IMAGENS DO MUNDO Terceiro vale, Ma’rifat O vale do conhecimento: estar atento ao próprio coração Diz-se que algumas pessoas estão destinadas a conhecer Deus e algumas estão destinadas a conhecer Deus e seus caminhos. Quem realmente quer dedicar-se a servir primeiro tem de conhecer os caminhos de Deus, isto é, as leis divinas do universo. Devemos reconhecer quemsomos e o que temos de fazer aqui. Precisamos desse conhecimento para nos ajudar mutuamente e a todo o planeta. Adentramos no vale do conhecimento quando nos damos conta de quenada sabemos. Nesse vale existe o perigo de tentarmos explicar a situação intelectualmente, mas nosso intelecto só pode viver em um mundo de comparações. O verdadeiro conhecimento está além das comparações. Ele não pode ser aprendido em livros e não consiste só de informações suplementares. Chegamos à dimensão do verdadeiro conhecimento quando deixamos de lado nosso intelecto e nos abrimos para a verdade. imagens do mundo 27
podemos explorar oque ainda não existe?Cada vez mais limitados pelo espaço e tempo e presos à inércia da matéria,comunicamo-nos, em tempo real, via skype, facebook ou twiter, na esperançade, pelo menos, responder ao nosso profundo anseio de já não seguir o longoe cansativo caminho da natureza, e sim o cintilante caminho das estrelas.Épossível explorar o que ainda não existe? Seria possível ampliar as promessas de nossaépoca para além de todos os limitesatuais? Nossa mais elevada poten-cialidade não é precisamente a derenascer em um novo campo devida? Então já não seríamos mortais,porém ”recém-nascidos” segundo aordem original.Será que temos consciência de nosencontrarmos em status nascendi (umestado nascente), em um estadopré-natal embrionário, nós e todosos cidadãos do mundo, deste mundoque tem tanta dificuldade para aban-donar todos os clichês,as ideias ultrapassadas e que, porisso, sofre as dores do parto?Enquanto a nova terra nasce diantede nossos olhos, podemos desde jálhe dar as boas-vindas! Na qualidadede habitantes da fronteira, encon-tramo-nos na linha divisória entre oantigo e o novo tempo, de onde po-demos divisar um universo comple-tamente diferente, original. Trata-seainda de uma imagem vaga, poucodefinida, como projetada sobre umespelho embaçado.Apesar de tudo, em breve... seremosos exploradores que vão à frente: osbatedores que seguem o rastro, ospioneiros!28 Pentagrama 4/2015
Assim como toda flor fenece e toda mocidadedá lugar à velhice e a vida floresce em todas as idades,Também florescem no tempo certoToda sabedoria e toda virtudee podem não durar para sempre.O coração tem de estar pronto, a cada chamado da vida,Para despedidas e recomeços,Com coragem e sem lamentar-se,Para criar novos laços com outros corações.Em todos os começos reside uma força mágicaQue nos protege e nos ajuda a viver.Deveríamos, alegres, passar de um espaço a outroSem nos apegarmos a nenhum como se fosse nossa pátria.O Espírito do Mundo não nos quer cativos e limitados:Quer nos elevar ao máximo, de degrau em degrau.Mal nos habituamos a um novo estilo de vidaSomos ameaçados pela acomodação.Só quem se dispõe a abandoná-la e seguir em frentepode escapar à rotina paralisante.É bem possível que a hora da morte aindaNos envie, jovens, para novos espaçosPara nós, o chamado da vida não tem fim...Então, coração, despede-te e salva-te!Hermann Hesse podemos seguir o rastro do que ainda não existe? 29
a redescoberta da gnosis lVQuando o livro Ecos da Gnosis foi publicado em holandês, realizou-se uma pa-lestra pública, em 6 de novembro de 2013, na livraria Pentagrama de Haarlem,na Holanda, com o título: “Por que George R.S. Mead pode ser chamado o pri-meiro gnóstico moderno?”. A seguir, exporemos a quarta parte dessa palestra,que traça a história da redescoberta da Gnosis.Para o secretário da filial germano-húngara Mas, voltando a Mead, precisamos nos indagar: da Sociedade Teosófica, Rudolf Steiner, a como devemos situar o ex-secretário de H.P. “descoberta” do jovem Krishnamurti, tido Blavatsky em meio a todos esses acontecimentoscomo a reencarnação de Buda e os fatos ocorri- tempestuosos? Não é incrível que em nenhumdos no Acampamento das Estrelas na província de momento ele tenha se deixado influenciar pelasOmmen, na Holanda constituíram uma ruptura: intrigas, mantendo-se sempre à distância? Ele per-ele e um grande grupo se desligaram. manecia afastado das preocupações administrativasSteiner considerou o drama da salvação cristã um e dos aspectos organizacionais.ponto central de sua Ciência Espiritual. Em sua Como uma testemunha privilegiada, ele devecronologia esotérica, concluiu que toda a sabedo- ter observado de perto tudo o que estava sendoria oriental havia migrado para o Ocidente. Para tramado, mas ficava nos bastidores e não se faziaele, a fixação com o Oriente era uma regressão. notar. Mesmo na sucessão de H.P. Blavatsky eEle queria continuar construindo solidamente sua durante a disputa entre Annie Besant e WilliamAntroposofia com base nos mistérios da Rosa- Quan Judge pela administração, Mead não tomouCruz. Entretanto, em sua senda de iniciação partido.interna, ficou parado no meio do caminho para Entretanto, é preciso deixar claro que ele nãoevitar a perda de grande parte de antropósofos, pensava muito sobre isso, porque Judge já contavapois convencera apenas metade deles ao demar- com o favorecimento dos mahatmas.car o caminho iniciático, quando muitos estavam Em sua monumental biografia, Sylvia Cranston,distraídos com inúmeras questões triviais. que dá muita atenção a toda essa questão de su-Isso lhe causou grande sofrimento, mas talvez cessão, concede poucas frases ao secretário de H.P.tenha sido um erro persistir em acreditar, como Blavatsky, como se seu papel fosse ínfimo. E, noos teósofos, em um caminho de experiências entanto, foi justamente Mead quem fez a oraçãoprogressivo que seguisse as linhas de desenvolvi- no serviço fúnebre de Blavatsky, e isso, segundo amento da evolução cósmica. E mais: nesse ponto versão oficial, em razão da ausência de Annie Be-ele não seguiu a tendência dos gnósticos e neo- sant. Em uma súmula de jornal, Cranston retomaplatônicos – até se opunha a eles. Estava mais de somente a menção de que “um jovem de traçosacordo com a linha do teólogo eclesiástico Tomás refinados surgiu e teceu um discurso impressio-de Aquino e bebia da fonte de Aristóteles. Para nante”, mas ela não menciona nada desse discursoeles, era muito importante estar em relação com de adeus tão memorável. Podemos supor queo mundo, e isso parecia fazer falta ao estado de ela ficou desapontada por ver um jovem ser tãounidade mística. Hoje, fala-se que está na hora de alheio a toda espécie de culto à personalidade daessas duas correntes caminharem juntas: a Gnosis falecida. Para ele, o que importava era o espíritomoderna pode demonstrar uma nova abertura. que está por detrás da aparência humana, para30 Pentagrama 4/2015
GEORGE STOWE MEAD, O PRIMEIRO GNÓSTICO MODERNOalém da qual o trabalho segue sem desconti- verso Leadbeater, que, depois de um escândalo, jánuidade. havia sido excluído da Sociedade Teosófica. DesdeCitemos Mead: “É verdade que a pessoa que então, ele ficou convencido de que era precisoconhecíamos sob o nome de H.P. Blavatsky já não guardar distância do que considerava experiên-se encontra ao nosso lado, mas também é verdade cias ocultistas promovidas na casa de Leadbeater.que esta grande e nobre individualidade ainda Um grupo de setecentos membros decidiu deixarestá e estará sempre viva – esta grande alma que a Sociedade Teosófica com ele, mesmo que emnos ensinou a viver de maneira íntegra e desinte- 1907 ele ainda tenha sido convidado para a pre-ressada.”¹ sidência da filial europeia.Bem mais tarde, quando havia deixado a socieda- Isso foi em 1909, e, para Steiner, já estava clarode há tempos, afirmou mais explicitamente ainda que ele não poderia permanecer na Sociedadeque a Teosofia não devia sua existência ou seu Teosófica, apesar de saber que isso seria neces-desaparecimento à pessoa de H.P. Blavatsky: “Os sário até 1913. Pelo que me disseram, os doisfundamentos da Teosofia ainda são e serão sempre certamente devem ter se encontrado por ocasiãobem sólidos pela simples razão de que são abso- do Terceiro Congresso da filial europeia da Socie-lutamente independentes de Blavatsky. Essa é a dade Teosófica, que aconteceu em 1906, em Paris,Teosofia que nos interessa e que se mantém como em uma reunião onde Mead participou comoum rochedo imutável, dispensando-nos força e orador – pelo menos de acordo com o relato feitosustentação, uma inesgotável fonte de estudos, por Steiner.a mais nobre de todas as missões e o mais pro- Ao deixar a Sociedade Teosófica, Mead preferiucurado de todos os caminhos em que podemos não se opor abertamente a ela, nem formar umcolocar nossos pés.”² novo grupo dissidente. Ele não fez alarde nemAté o fim ele continuou testemunhando seu re- caluniou ninguém. Dedicou-se a montar um novoconhecimento por Helena Blavatsky, por ter sido projeto, com total discrição.ela quem o colocou no caminho espiritual. Esse projeto dizia respeito ao jornal The Quest (AEvidentemente, Mead enxergava muito além. Em Busca), cujo objetivo era a busca das fontes domeio a todas essas turbulências, sua salvação foi esoterismo ocidental. Mead dedicou a ele toda ater dado atenção total ao modo como poderia sua energia durante trinta anos de sua vida, e comcolaborar com o trabalho teosófico, principalmen- que entusiasmo! Cada número continha um artigote em termos de pesquisa – o que não significa de sua autoria e um fórum para colaborações dasque tenha deixado de olhar o que estava à sua mais eminentes personalidades da época. Entre osvolta. Com certeza não foi isso o que aconteceu, colaboradores estavam G.I. Gurdjieff, o poeta Ezraprincipalmente quando Annie Besant escolheu Pound, o historiador Arthur Waite (já citado nestecomo dirigente e homem de confiança o contro- artigo e conhecido por sua obra histórica sobre a redescoberta da gnosis iv 31
Depois de ter seafastado de Gurdjieff,Ouspensky realizoumuitas palestras, nodecorrer dos anos1920 -1930, na casade George Mead,que também serviade escritório para ojornal The Quest (ABusca) G.I. Gurdjieffos rosa-cruzes clássicos), Jessie Weston, famoso quando descobrimos que ela é, para nós, o iníciopor seu estudo a respeito do Graal, o romancista e o fim de todas as coisas. Ela não somente nosGustav Meyrinck, o poeta indiano Rabindranath leva à superfície das coisas como também às suasTagore, o poeta irlandês W.B.Yeats e Evelyn Un- profundezas; não nos leva na direção da morte,derhill, que publicou um estudo fundamental e mas da vida; não ao que é de ordem temporal,sempre muito apreciado sobre a mística. mas rumo à eternidade. Quaisquer que sejam asTambém sabe-se que Ouspensky, aluno de pistas de pesquisa empregadas, qualquer que sejaGurdjieff, utilizava salas do The Quest para suas o número de degraus pelos quais devemos pas-palestras. Não por acaso um dos primeiros li- sar ao longo de inúmeras sendas nas quais o quevros de Ouspensky tem o título de Fragmentos parece ser limitado sempre se revela um vir a ser,de um ensinamento desconhecido, inspirado no título o resultado final jamais é atingido, pois sempredo primeiro livro de Mead, Fragmentos de uma fé haverá algo mais, algo maior ou completamenteesquecida. Posteriormente, o livro de Ouspensky diferente que o produz, ou a soma de cada umafoi editado com o título Em busca do miraculoso. A das séries.”³própria Quest Society também organizava coló- De fato: com seu jornal, Mead continuou o tra-quios muito concorridos. Eles foram os precurso- balho que havia iniciado como teósofo. Sempreres das conferências Eranos, que passaram a acon- se manteve alinhado com os primeiros tempos datecer em Ascona, na casa da teósofa holandesa Sociedade Teosófica. Essa linha, apresentada noOlga Fröbe-Kapteyn. programa inicial da Sociedade, dizia que, por meioQuando falava sobre The Quest, Mead era sem- do estudo é possível conciliar as sabedorias orien-pre lírico, considerando uma busca que o levava tal e ocidental e evidenciar a convergência delascada vez mais longe. “Essa busca somente tem fim em nível mais profundo.32 Pentagrama 4/2015
P.D. Ouspensky obreiro infatigável. Poderíamos dizer que ele estava predestinado a realizar essa tarefa.No fundo, com base em sua experiência pessoal Depois de completar seus estudos clássicos emde que o impulso libertador dos primeiros tempos Cambridge e de um pós-doutorado em orien-se tornara inoperante no movimento teosófico, talismo em Oxford, Mead estava em seu ápice,Mead decidiu seguir seu próprio caminho em ma- totalmente preparado para dar conta da filosofiatéria de estudos. A consciência de que outra tarefa perene – a sabedoria eterna, transmitida desdeo aguardava obrigou-o a libertar-se de todos os o início dos tempos. Ele jamais trabalhou emlaços inadequados. Ele se sentia chamado a res- detrimento da objetividade e de uma argumen-ponder a uma missão bem superior, que dizia res- tação científica, apesar de sua evidente simpatiapeito à mais elevada verdade. Essa missão consistia pelos gnósticos, cujas visões descrevia com grandeem tornar mais acessíveis as fontes do esoterismo devoção e profundo respeito. Ele sempre saiu emocidental e fornecer um conhecimento correto sua defesa, contra as acusações dos Pais dacom relação à origem e à essência do cristianismo. Igreja, como Irineu,Tertuliano, Hipólito e Epifâ- nio. Quanto a Irineu e suas acusações contra osMead dedicou todas as suas forças a esse trabalho carpocracianos (seguidores do gnóstico Carpó-de construção de uma estrutura subjacente: um crates, no século II), ele afirmou: “A estupideztrabalho extremamente apropriado para esse do bispo de Lyon é o resultado de suas pressu- posições totalmente falsas, enquanto até para um noviço que estuda o gnosticismo as coisas são claras como o dia”.4 Com seu jeito humilde e pessoal, ele escreveu uma obra considerável que diz muito a seu res- peito: muito mais do que seus raros dados biográ- ficos. Ele começou essa obra no tempo em que era secretário de H.P. Blavatsky e continuou a escrevê-la depois que ela morreu, quando preci- sou responder pela publicação de diversas obras, como A Chave da Teosofia e A Voz do Silêncio.µ Continua na próxima edição NOTAS 1. cit. Introduction to G.R.S. Mead and the Gnostic Quest (Introdução G.R.S. Mead e a busca do Santo Graal), de Claire e Nicholas Goodrick- Clarke, p. 3 2. G.R.S. Mead, Concerning H.P.B. (referente a H.P.B.), in:The Theoso- phical Review, 1904, p. 141-144 3. cit. G.R.S. Mead and the Gnosis, de R. Gilbert, in: G.R.S. Mead, Echos from the Gnosis (G.R.S. Mead, Ecos da Gnosis), p. xix 4. G.R.S. Mead, Fragmentos, p. 282 a redescoberta da gnosis iv 33
IMAGENS DO MUNDO O quarto vale, Istigna O vale do desapego: libertar-se do medo e do desejo À medida que abandonamos todas as nossas convicções, acessamos o vale do desapego. No entanto, entrar é sem dúvida o passo mais difícil de todos. Ele exige que estejamos dispostos a deixar para trás todos os conhecimentos e experiências que nos levaram até esse ponto. Estamos sós para ir aoencontro do desconhecido. Essa fase fornece um número incontável de mudanças extraordinárias, pois o fato de nos deixarmos levar pelos desejos e velhos conceitos aniquila a força de coesão. O vale dodesapego representa um vácuo para nós: lá já não existem indicações nem pontos de apoio. É nele que nasce a mudança.As coisas com que estávamos comprometidos há anos se dissolvem, desaparecem. Mas acontece que nos sentimos muito sozinhos, até mesmo abandonados. Esta é a armadilha: o fosso onde corremos o risco de cair durante nossa travessia nesse vale. Sentimos uma sensação deabandono porque o “dois” avança em direção ao “Um”, para que a separação entre “meu eu” e “minha experiência” se dissolva. Em outras palavras, a experiência deixa cada vez menos lugar para o eu. Pode acontecer que nos sintamos tão perdidos a ponto de voltar ao primeiro vale, onde poderemos, então, tomar outro rumo. Por outro lado, se estamos construindo com base na perseverança, conseguiremos atravessar esse vale e passar para o próximo, que é o vale da unidade.34 Pentagrama 4/2015
A V IA G E M AT RAV É S D O S S ET E VA L E S O quinto vale,Tauhid O vale da unidade: libertar-se da dualidade e do eu Somente entraremos no vale da unidade quando tudo com que nos identificávamos tiver sidodissolvido. Depois do vale do desapego, entramos em um mundo que está despertando. Nossos olhos recobram a visão e percebemos a unidade doTodo. Para onde quer que nos voltemos, só existe o Ser único. Nesse vale, estamos com o pé bem na terra. Sobre isso, Rumi disse:“Eu sei que os doismundos são Um”. Nesse vale da unidade não há nenhuma separação real entre o interior e o exterior: percebemos que tudo surge no momento presente. imagens do mundo 35
IMAGENS DO MUNDO O sexto vale, Hairat O vale da perplexidade: atravessar o deserto bravio da dor, tristeza, perda, ruína Tudo o que precede nos conduz à descoberta do vale da perplexidade.Vemos todas as coisas como elas são. Somos capazes de ver até mesmo a causa de fundo de todas as causas. E mais: vemos que qualquer causa contém em si seu efeito e que todo efeito é causa da consequência. A causa da árvore é o fruto; o fruto contém potencialmente a semente para uma outra geração. É dito que o homem perfeito é a causa de todo o conjunto da criação. Nesse vale da perplexidade, vemos as coisas em seu vir a ser. Aprendemos que, neste mundo da relatividade, não há criação, mas apenas o vir a ser. Aqui, o essencial é glorificarmos a Deus. Somos advertidos de que, ao vivenciar Deus como o que está acima de tudo, esquecemos de que Deus está em tudo, em toda parte e sempre. Aqui, corremos o risco de perder o controle de nossa vida diária. Por essa razão, precisamos seguir sérias regras de conduta de uma escola, de um instrutor ou de um guia, pois a próxima etapa nos colocará sobre o fio da navalha. Não podemos perder de vista nossas responsabilidades terrenas. Ao atravessar esse vale da perplexidade glorificando a Deus em sua criação, finalmente alcançaremos o sétimo vale, o vale da realização divina.36 Pentagrama 4/2015
A V IA G E M AT RAV É S D O S S ET E VA L E S O sétimo vale, Facr-fana O vale da carência e destruição (“fana”): a unidadeQuando chegamos a esse ponto, estamos conscientes da nossa unidade com Deus. Percebemosque sempre fomos Um com Ele, e que a aparente separação entre nós e o absoluto era apenasuma ilusão. Aqui, todo ato é um ato de Deus, todo ser é um ser divino. Superamos a experiência do limite e da separatividade: a gota é novamente absorvida pelo oceano – ou, melhor ainda: o oceano está na gota.Todas as ilusões se foram, já não há nada que não seja Deus. Somente permanece a Luz da pura Inteligência. O verdadeiro gnóstico acaba de nascer. imagens do mundo 37
Podemos explorar o que ainda não existe?Afinal, o mais elevado poder do homem não écompreender que ele pode renascer em novascircunstâncias através da vontade, do desejo, doesforço e da graça? Dessa maneira, já não somos sereshumanos mortais, mas, homens em vias de nascer,para utilizar a linguagem poética de Hermann Hesse:É bem possível que a hora da morte aindaNos envie, jovens, para novos espaçosPara nós, o chamado da vida não tem fim...Então, coração, despede-te e salva-te!
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