Sinopsescardíacas (bloqueio de ramo intermitente, pancardite e, talvez, certas formas de miocardiopatia hipertrófica), oculares(por exemplo, conjuntivite e queratite) e neurológicas (parésias e paralisias periféricas dos pares cranianos, mielite,encefalite, meningite crónica e esclerose múltipla – like).Para cada uma destas doenças é necessário conhecer o ciclo de infeção natural, pois, só assim, será possível a reduçãodos riscos para a saúde pública de zoonoses na interface humano-animal-ecossistemas. A gestão e a redução destesriscos deve considerar a complexidade das interações entre os seres humanos, animais, e os vários ambientes emque vivem, exigindo comunicação e colaboração entre os setores responsáveis pela saúde humana, saúde animal eambiente. 51
SinopsesFebres hemorrágicasIsabel AldirO termo febres hemorrágicas é, habitualmente, utilizado para designar um conjunto de zoonoses, causadas por vírusARN pertencentes a quatro famílias distintas, isto é Arenaviridae, Filoviridae, Bunyaviridae e Flaviviridae.O facto de serem vírus ARN, com polimerases com elevadas taxas de erro, confere-lhes uma maior facilidade e rapidezem se adaptarem a mudanças. Daí o seu “sucesso” enquanto doenças emergentes.Família Género Vírus Fonte de InfeçãoFiloviridae FilovírusArenaviridae Arenavírus Ebola, Marburg MorcegosBunyaviridae Nairovírus Lassa Roedores Phlebovírus Arenavírus Novo Mundo RoedoresFlaviviridae Hantavírus Arenavírus Velho Mundo Roedores Flavivírus Crimeia-Congo Carraças Vale do Rift Mosquito Alphavírus Síndrome renal e Roedores pulmonar Mosquito Dengue Mosquito Febre Amarela Carraça Omsk Carraça Floresta Kyasanur Mosquito West Nile Mosquito ChikungunyaEstes vírus vivem em hospedeiros animais ou em artrópodes vetores, sendo o homem infetado acidentalmente. Atransmissão da infeção processa-se através da picada de artrópode infetado, pelos aerossóis gerados dos excretasinfetados dos roedores ou por contacto direto com carcaças de animais infetados. Com exceção das flaviviroses e dafebre do Vale do Rift, todas têm potencial transmissão interhumana.O facto de, embora raras, por estarem associadas a elevada mortalidade, com potencial de transmissão interhumana,e com limitadas opções de tratamento e dificuldades de diagnóstico confere-lhes uma intensa atenção por parte dosmeios de comunicação, sempre que ocorre um caso.Nos últimos anos vários têm sido os casos de epidemias por febres hemorrágicas, como o surto de Dengue verificadoem Cabo Verde, em 2009 ou os mais recentes casos de hantaviroses verificados nos Estados Unidos da América ou defebre hemorrágica por vírus Ebola observados, no Congo, em 2013, e em diversos países de África Ocidental, entre 2014 a2016, e a epidemia de febre amarela em Angola este ano (2016).Apesar de cada uma das doenças, causadas por estes vírus, ter evolução específica, há um conjunto de característicassemelhantes entre elas:1. O período de incubação é, em regra, curto, de poucos dias a três semanas.2. Há uma constelação de manifestações clínicas, variando com a gravidade da situação, mas o sintoma mais frequente é a febre, por vezes elevada, acompanhada por algum grau de manifestação discrásica.3. O envolvimento hepático é frequente, mas, apenas, uma pequena percentagem de doentes com febre do Vale do Rift, febre hemorrágica da Crimeia-Congo, febre de Marburg, febre de Ebola e febre amarela apresentam icterícia e manifestações de insuficiência hepática.52
Sinopses4. As doenças causadas por arenavírus têm um início mais insidioso.5. A trombocitopenia e leucopenia são frequentes (exceto na febre de Lassa e das hantaviroses em que existe leucocitose).6. A terapêutica fundamenta-se em medidas de suporte, exceto no caso de febre de Lassa, em que a instituição de ribavirina contribui para diminuir a letalidade e a contagiosidade.7. As medidas de prevenção fundamentam-se no controlo dos vetores, na utilização de meios de barreira adequados (roupa e calçado apropriados, redes mosquiteiras, repelentes químicos, entre outros) e, no caso da febre amarela, na vacinação, de acordo com o recomendado.Embora a maioria das epidemias se encontrem circunscritas a determinadas zonas geográficas, onde vivem os vetoresresponsáveis pela sua transmissão, existem casos descritos ao longo de todo o globo, dada a extraordinária facilidade erapidez de mobilidade, atualmente, existente.Dado a que, alguns destes vírus apresentam elevada contagiosidade, encontrando-se classificados pelo Centers forDiseases Control (CDC), desde 1999, como agentes da categoria A de Guerra Biológica. Perante uma suspeita ter-se-áque proceder de acordo, com o cuidado de identificar e armazenar, corretamente, todas as amostras [(o sangue é menosinfecioso se aquecido 1 hora a 60ºC o que permite a determinação segura de eletrólitos, glicose, ureia, ou diluído emacido acético a 3% (sendo seguro para determinar leucócitos)], contactar com as autoridades responsáveis e com olaboratório de referência.De entre as febres hemorrágicas, as infeções por Hantavírus e por Dengue têm merecido uma atenção particular, peladispersão geográfica e elevado número de casos. Efetivamente, as hantaviroses são conhecidas, atualmente, em todaa Eurásia e América, e responsáveis por 100.000 a 200.000 casos/ano, com letalidade variável (1-5% na Eurásia e 50%na América). Já o Dengue, é a doença mais frequente transmitida por mosquitos, tendo a sua incidência aumentado 30vezes nos últimos 50 anos. Atualmente, estima-se que cerca de 2,5 biliões de pessoas vivem em áreas onde o Denguepode ser transmitido, registando-se 50 milhões de infeções por ano, das quais 500.000 casos de dengue hemorrágico,resultando em 22.000 mortes.Na clínica diária e perante um doente regressado de uma viagem com febre, a avaliação deve ser focada em doençascom risco de vida, doenças transmissíveis e doenças tratáveis, sendo a história clínica a pérola do diagnóstico,naturalmente reforçada pelo enquadramento epidemiológico respetivo. 53
SinopsesInfeção por VIH (doenças oportunistas)Maria José ManataA infeção por vírus da imunodeficiência humana (VIH) caracteriza-se por um amplo espetro de manifestações clínicas,desde a infeção assintomática até ao estádio de imunossupressão grave, com doenças oportunistas associadas. Areplicação vírica contínua, ao longo do tempo, com declínio progressivo da imunidade celular a que se associa umestado crónico de imunoativação e de inflamação, contribui para o risco do desenvolvimento de doenças oportunistas.Na fase mais avançada da infeção por VIH, designada como síndrome de imunodeficiência adquirida (sida), o sistemaimunitário do hospedeiro perde a capacidade de resposta a infeções e tumores que, raramente, provocam doença emimunocompetentes.A infeção por VIH induz perda progressiva dos linfócitos TCD4+ (reguladores e efetores essenciais da respostaimunitária), o que condiciona a história natural da infeção, caracterizada pela disfunção progressiva do sistemaimunitário até à imunodepressão profunda, que caracteriza a sida.A ação direta de VIH provoca alterações funcionais de, praticamente, todos os componentes do sistema imunitário,com depleção dos linfócitos TCD4+, com ativação crónica generalizada. Estas alterações estão associadas a todasas populações celulares envolvidas na resposta imunitária – linfócitos B, células natural killer (NK), leucócitospolimorfonucleares, monócitos e macrófagos. Os linfócitos T sofrem alterações qualitativas e quantitativas. Assim, odeclínio progressivo do número de linfócitos TCD4+, observado no sangue periférico, acompanha-se da expansão doslinfócitos TCD8+, com inversão da relação TCD4+/TCD8+ e, nas fases tardias, nos gânglios linfáticos.Na história natural da infeção por VIH estão referidas várias fases: a) A fase aguda, que pode ou não ser sintomática eque ocorre 2-3 semanas após o contágio; b) a fase crónica assintomática que se inicia 6-10 semanas após o contágio edura 8-10 anos (esta fase de infeção crónica pode ser sintomática, com evidência de sintomas e sinais da depressão dosistema imunitário, mas sem doenças definidoras de sida); c) a fase de sida, caracterizada por depressão profunda dosistema imunitário e por doenças oportunistas (infeções e tumores).À medida que a infeção progride, os valores da carga vírica aumentam, gradualmente, e o número de linfócitos TCD4+diminui, progressivamente. O início dos sintomas e sinais relacionados com a imunodepressão pode ocorrer em qualquermomento com valores dos linfócitos TCD4+ < 500 células/mm3 e > 200/mm3, mas, ainda, sem doenças oportunistasdefinidoras de sida. Esta fase designa-se de infeção sintomática sem sida ou de complexo relacionado com a sida (CRS).O doente pode referir cansaço não habitual, perda de peso, sudação noturna, anorexia, diarreia, queda de cabelo, peleseca e descamativa, de entre outros sintomas. Manifestações minor de infeção oportunista sem critério de sida podemser observadas, nomeadamente candidose oral e vaginal de repetição, herpes zoster, herpes simples de repetição (oralou genital) ou tricoleucoplasia da língua. Os resultados dos estudos laboratoriais podem ser normais ou podem revelaranemia, neutropenia, trombocitopenia, elevação discreta dos valores das transaminases e da desidrogenase láctica,entre outras. Nesta fase pode-se verificar aumento persistente do volume dos gânglios linfáticos (sem quaisquer outrossintomas ou sinais), locais ou sistémicos, designado por linfadenopatia generalizada persistente.O estádio tardio da infeção caracteriza-se por valores de linfócitos TCD4+ < 200 células/mm3 e pelo desenvolvimentode infeções oportunistas, tumores e complicações neurológicas. Sem terapêutica antirretrovírica (TARV), a sobrevidamédia de um doente com linfócitos TCD4+ < 200/mm3 é de 3,7 anos, o valor médio dos linfócitos TCD4+, no momento daocorrência da primeira doença definidora de sida, é de 60-70 células/mm3 e a sobrevida média, após o primeiro episódiode sida, é de 1,3 anos. A sida caracteriza-se por doenças oportunistas major (infeções e tumores) que definem estaentidade e que surgem, em regra, com linfócitos TCD4+ < 200/mm3. Algumas destas doenças oportunistas, no entanto,podem ser diagnosticadas com valores de linfócitos TCD4+ > 200/mm3, como a tuberculose pulmonar, o sarcoma deKaposi e o linfoma não-Hodgkin.As infeções oportunistas, assim como outras coinfeções, como as sexualmente transmissíveis, podem ter impactonegativo na infeção por VIH, com aumento reversível da carga vírica plasmática, podendo acelerar a sua progressãoe aumentar o risco de transmissão. Antes da era da TARV, as infeções oportunistas eram a principal causa demorbilidade e de mortalidade nos infetados por VIH. No início dos anos 90 do século XX, a quimioprofilaxia das infeções54
Sinopsesoportunistas e as imunizações específicas contribuíram para a melhoria da qualidade de vida e para o aumento dasobrevida dos infetados por VIH. Posteriormente, a expansão na utilização da TARV teve impacto profundo na reduçãoda mortalidade associada às doenças oportunistas nos infetados por VIH. 55
SinopsesInfeção por VIH (doenças não-associadas à sida)Manuela DoroanaNos últimos anos mais de metade das mortes observadas nos infetados por VIH são devidas a comorbilidades nãoinfeciosas, tais como as doenças cardiovasculares, a hipertensão, a diabetes e a insuficiência renal. Por outro lado, tem-se registado um maior número de neoplasias não relacionados com a sida, como por exemplo o tumor do pulmão. Ashepatites têm vindo a emergir como causa importante de morbilidade nos infetados por VIH (VHA, VHB e VHC), peloque devem ser, sistematicamente, rastreadas logo de início e, nalguns casos, anualmente, como para a hepatite C.Os resultados de vários estudos têm demonstrado que várias doenças, mesmo não associadas à sida, são maisfrequentes nos infetados por VIH do que na população em geral. Como exemplos, como referido, a diabetes, ahipertensão, a dislipidemia, as doenças cardiovasculares, as fraturas ósseas e a doença renal têm emergido comocomorbilidades nos infetados por VIH. De salientar que o risco cardiovascular resulta da soma de vários fatores, taiscomo a idade, os hábitos tabágicos, os estilos de vida, a diabetes, a hipertensão, a dislipidemia e a própria obesidade.Por outro lado, a própria terapêutica antirretrovírica (TARV) pode contituir-se como o risco acrescido para estaspatologias – daí a importância primordial da escolha dos antirretrovíricos (ARVs), individualizando-os de acordocom o perfil das doenças, para obstar a um risco acrescido ou, mesmo, a modificá-los. A maioria destas patologias,tais como a diabetes, a hipertensão e a dislipidemia podem ser corrigidas medicamente, mas com a devida cautela,de modo a evitarem-se interações medicamentosas, nomeadamente com os ARVs. Por exemplo, em relação àdislipidemia algumas das estatinas estão contraindicadas, como a simvastatina. Para além desta estratégia, de corrigira dislipidemia, a mudança da TARV pode por si só corrigi-la, por exemplo pela substituição de um inibidor da proteasepor um inibidor da integrase (com melhor perfil lipídico do que outros ARVs). A diabetes, nos infetados por VIH,relaciona-se com a idade (cada vez é maior o número de doentes idosos, devido à longevidade, conseguida com os novosARVs), bem como com o índice de massa corporal (casos de obesidade/lipodistrofia) e, ainda, mesmo com a própriaTARV. Por esta razão, se alguns dos ARVs estiver envolvido no processo há que mudá-lo para outro com menor riscode doença cardiovascular. Por outro lado, a inflamação crónica, associada à infeção por VIH, é, por si só, um fator paramaior risco cardiovascular. A doença renal, nos infetados por VIH, é consequência da própria infeção (HIVAN), emboramais frequente na fase inicial e relacionada com a raça negra e com as outras comorbilidades (por exemplo, diabetes,hipertensão e coinfeção por VHC). O ARV mais relacionado com a insuficiência renal é o tenofovir disoproxil fumarato(TDF). A nova pró-droga do tenofovir, o tenofovir alafenamida fumarato (TAF) apresenta melhor perfil renal e ósseo doque o TDF. Aos infetados por VIH é mandatório o rastreio da doença renal, devendo ser selecionada ou corrigida a TARV,de acordo com o perfil renal. Em relação à doença hepática, para além das coinfeções por vírus da hepatite B (VHB) ouC (VHC), que devem ser convenientemente tratadas, a infeção por VHA pode comportar-se como infeção sexualmentetransmissíveis (IST), que pode ser prevenida (nos não imunizados) com a imunização, em simultâneo com a da infeçãopor VHB. A esteatose hepática não alcoólica tem sido referida como comorbilidade associada a alguns dos ARVs, mas,também, com o aumento da gordura corporal, exuberante nalguns dos doentes. A evolução da esteatose não alcoólicaé idêntica à das hepatites víricas, para a doença hepática crónica, com cirrose e hipertensão portal. A monitorizaçãoda função hepática e, mesmo, a ecografia são importantes para o rastreio da doença hepática e, também, para seexcluir toxicidade hepática aos ARVs. Outras ISTs podem ser acrescentadas a estas comorbilidades, tais como asífilis, a gonorreia, a clamídia e, ainda, as infeções herpéticas e por vírus do papiloma humano. Estes microrganismos,associados às ISTs devem ser rastreados sistematicamente, no início e no seguimento dos infetados por VIH.56
SinopsesInfeção por VIH (terapêutica antirretrovírica)Francisco AntunesOs principais motivos para o início da terapêutica antirretrovírica (TARV) são a redução da morbilidade e da mortalidadeassociadas à infeção por VIH, a recuperação e a preservação da função imunitária, a evitação do efeito nocivo dareplicação de vírus da imunodeficiência humana (VIH) sobre potenciais comorbilidades e a prevenção da transmissão dovírus. No entretanto, é importante avaliar, de forma individual, o momento do início da TARV, com os antirretrovíricos(ARVs) que devem fazer parte do regime inicial, ponderando as vantagens e os inconvenientes de cada uma das opções.A disponibilidade e a motivação do doente são fatores críticos no momento de tomar a decisão de quando começar aTARV.Não existe dúvida alguma sobre a necessidade de tratar todos os doentes com sintomatologia relacionada com ainfeção por VIH, dado que a TARV correlaciona-se com a melhoria da sobrevivência (ACTG 5164). Quanto aos infetadospor VIH assintomáticos, as recomendações têm-se modificado ao longo do tempo em função da evidência disponívele da melhoria da segurança dos ARVs. Em setembro de 2015, o Programa Nacional para a Infeção VIH/SIDA passoua recomendar a disponibilização da TARV para todos os infetados por VIH, independentemente da contagem doslinfócitos TCD4+, em função dos resultados dos estudos HPTN052, START e TEMPRANO. Os resultados destes estudossão favoráveis ao início da TARV, em infetados por VIH, com valores de linfócitos TCD4+ superiores a 500/µL, sem queesta indicação tenha promovido aumento dos efeitos adversos associados à medicação. Como exceção consideram-seos indivíduos que, apesar de infetados por VIH, mantêm a carga vírica indetetável de forma consistente, sem TARV(controladores de elite). Neste caso não existe informação que possa valorizar o benefício da TARV. Para o início daTARV estão disponíveis cerca de 20 ARVs de quatro classes diferentes [nucleosídeos e não-nucleosídeos inibidores datranscriptase reversa (NITR e NNITR), inibidores da protease (IP) e inibidores da integrase (INI)]. Para tal recomenda-sea combinação de três ARVs, que inclua dois NITR associados a um INI ou a um NNITR ou, ainda, a um IP potenciado comritonavir (RTV) ou com cobicistat (COBI).Os dois NITR são considerados a espinha dorsal (backbone) da TARV, sendo a associação de tenofovir – disoproxilfumarato (TDF) e emtricitabina (FTC) ou tenofovir – alafenamida (TAF) a combinação preferida, mas abacavir (ABC)associado a lamivudina (3TC) é uma alternativa aceitável, desde que o HBLA*5701 seja negativo. As combinações TDFou TAF/FTC ou ABC/3TC estão disponíveis em coformulações.Quanto ao 3º agente, no que diz respeito aos NNITR, a combinação rilpivirina (RPV) associada a TDF/FTC é consideradao regime preferencial, tendo a cautela de não se utilizar em indivíduos com carga vírica (ARN-VIH) superior a 100.000cópias/mL. Quanto aos IP, os regimes recomendados incluem darunavir (DRV) ou atazanavir (ATV) potenciados com RTVou COBI, no entanto, dada a necessidade de potenciação desta classe de ARVs, é necessário ter alguma cautela comas interações medicamentosas. No que diz respeito aos INI, o dolutegravir (DTG) associado a TDF/FTC ou coformuladocom ABC/3TC, o raltegravir (RAL) combinado com TDF/FTC e o elvitegravir (EVG) coformulado com COBI/TAF/FTC sãoconsiderados, todos eles, como combinação de preferência para o início da TARV.Com estas combinações consegue-se, às 48 semanas (após o início da TARV), carga vírica (ARN-VIH) inferior a 50cópias/mL em mais de 75% dos casos. Os resultados da TARV inicial dependem da eficácia (potência e durabilidade doefeito dos ARVs), dos efeitos adversos, da incidência das interações medicamentosas e da simplicidade do esquematerapêutico.Os sucessos (redução dos novos casos de sida e de mortes) e as limitações (toxicidade, adesão, interações, conveniência,persistência de VIH nos santuários e emergência de estirpes resistentes) dominam os debates sobre a TARV.A adesão à TARV é influenciada por vários fatores, de entre os quais se destacam a frequência das tomas, o númerode comprimidos, as restrições alimentares, sendo a toxicidade/efeitos colaterais a principal razão da interrupção destaterapêutica.A toxicidade aos ARVs pode-se revelar logo após o início da TARV ou a longo prazo, destacando-se a hipersensibilidade,as perturbações gastrintestinais, hepáticas, pancreáticas, do sistema nervoso central, renais e endócrinas, 57
Sinopseshematológicas, hiperlacticidemia e acidose láctica, dislipidemia, risco de doenças cardiovascular e de redistribuição dagordura corporal.Os resultados do tratamento inicial (em doentes naïve) dependem da eficácia (potência e durabilidade da combinaçãodos ARVs), dos efeitos adversos, da incidência das interações medicamentosas e da simplicidade do esquematerapêutico.58
SinopsesHepatites víricasRosário SerrãoA doença hepática vírica é uma causa importante de morbilidade e mortalidade em todo o mundo. As hepatites víricasestão implicadas na maioria dos casos de cirrose, a nível mundial, e são a segunda causa mais frequente de cirrose emPortugal, depois da de etiologia alcoólica.Múltiplos vírus, de vários tipos, podem provocar inflamação do fígado (hepatite). Cinco agentes víricos estãoidentificados como causadores de hepatite, vírus de hepatite A, B, C, D, e E, sendo um grupo geneticamentediverso, mas todos eles com um tropismo particular para o fígado. A sua agressividade é variável, algumas dasinfeções evoluem, espontaneamente, para a cura e só causam hepatite aguda, cuja severidade vai desde a formade apresentação assintomática até à hepatite fulminante (vírus de hepatite A e E), outros, que têm causado maisproblemas de saúde pública, são vírus B e C, pelo seu comportamento e pela probabilidade de evoluirem para acronicidade. A cirrose e o carcinoma hepatocelular são as complicações mais temidas e responsáveis por cerca de 1,5milhões de mortes anuais, em todo o mundo.Mais recentemente foram descobertos outros vírus – da hepatite G e o TTV –, sendo transmitidos através dastransfusões de sangue ou de derivados, sabendo-se, no entanto, que existem outras formas de transmissão tal como avia percutânea.Outros vírus não-hepatotrópicos, como vírus herpes simplex tipo 1 e 2 (VHS-1 e VHS-2), vírus de Epstein-Barr (VEB) evírus citomegálico (VCM) podem causar hepatite, no quadro de uma infeção sistémica.A hepatite E raramente é descrita na Europa Ocidental e a hepatite D (delta) além de raríssima, só surge, praticamente,em utilizadores de drogas injetáveis e, exclusivamente, associada à hepatite B.As vias de transmissão são diferentes, assim as hepatites A e E são transmitidas pela via designada fecal-oral e ashepatites B, C e D transmitem-se por via parentérica e sexual (hepatite C apenas em 5% dos casos).A única forma, verdadeiramente, eficaz de prevenir as hepatites é através da vacinação, tal disponível para as hepatitesA e B. As formas mais referidas de hepatite, nos últimos tempos, são as hepatites B e C, tendo nos últimos 25 anosassistido-se a numerosos avanços nesta área quer na identificação dos agentes, quer em numerosos métodos dediagnóstico sérico e vírico, que permitem, com mais rigor, definir a história natural das diferentes infeções víricas.No Dia Mundial da Hepatite, celebrado em 28 de julho, a Organização Mundial de Saúde (OMS) destaca a necessidadeurgente dos países reforçarem a ação para prevenir a hepatite vírica e garantir que os infetados sejam diagnosticados etratados. 59
SinopsesHepatite C – tratamentoRui Sarmento e CastroIntroduçãoApós exposição ao vírus da hepatite C (VHC), 70-85% dos doentes ficam infetados cronicamente (ARN-VHC positivoseis meses após o primeiro contacto e anti-VHC presente).Em consequência da infeção crónica, uma parte dos infetados evoluirá para cirrose, doença hepática terminal oucarcinoma hepatocelular (CHC), com graves repercussões individuais e sociais.A cirrose pode ser avaliada através de biopsia hepática ou por métodos não invasivos como a elastografia transitória(Fibroscan), o APRI, o FIB-4, o Fibroteste e outros. Para estadiar a fibrose estão disponíveis várias classificações. O scorede METAVIR (F0 – sem fibrose, até F4 – cirrose) é o mais usado globalmente. A cirrose pode, ainda, classificar-se comocompensada (com ou sem varizes esofágicas) e descompensada (com hemorragia varicosa, ascite, encefalopatia ouicterícia). A avaliação da gravidade da cirrose e da necessidade de transplante podem ser realizadas informaticamentepelo uso das classificações de Child-Pugh ou de MELD, respetivamente.OBJETIVOS DO TRATAMENTOO objetivo primordial do tratamento é a erradicação de VHC para prevenir eventuais complicações diretas da doençahepática – necroinflamação, fibrose avançada ou cirrose ou, ainda, CHC – ou complicações de patologia extra-hepáticaassociadas a VHC.A erradicação é alcançada pela obtenção, após tratamento, de resposta vírica sustentada (RVS) – ARN-VHC negativo às12 (RVS12) ou 24 semanas (RVS24), após o final do tratamento.Para alcançar estes objetivos podem combinar-se fármacos de classes diferentes para atingir vários alvos terapêuticose, assim, aumentar a eficácia e a resistência a eventuais mutações dos vírus.Se, por razões financeiras, for necessário estabelecer prioridades no tratamento devem ser considerados os casos dedoença mais avançada (F3 e F4), coinfetados, com indicação para transplante ou com manifestações extra hepáticas...TRATAMENTOGrandes avanços se registaram, desde 2011, na terapêutica da hepatite C. Até esse ano dispunha-se do interferãopeguilado (INFpeg) e da ribavirina (RBV) e obtinham-se resultados moderados (RVS de 50-60% em monoinfetados ede cerca de 35% em coinfetados), com efeitos adversos e toxicidade muito significativos. As recentes recomendaçõeseuropeias deixaram de incluir o uso de INFpeg e de RBV, como terapêutica da infeção por VHC, sendo utilizados, apenas,em doentes de tratamento mais complexo ou com potencial recidiva.Para o tratamento de VHC usam-se fármacos orais denominados antivíricos de ação direta (AADs) porque vão inibiralvos concretos do genoma do vírus – inibidores da protease (IP) que atuam sobre a região NS3/NS4; inibidores docomplexo de replicação que atuam sobre a região NS5A; inibidores da polimerase que atuam sobre a região NS5B. Parase distinguirem as diferentes classes de fármacos deve-se saber que os IPs têm terminação em previr, os inibidores daNS5A terminam em asvir e os inibidores da polimerase finalizam como buvir.As características destas classes diferem quanto à eficácia, à toxicidade, à suscetibilidade a mutações, às interaçõesentre fármacos e à sua atividade sobre diferentes genótipos de VHC (1 a 7).Estão disponíveis no nosso País, desde 2014, o sofosbuvir (inibidor da polimerase, pangenotípico, elevada eficácia ealta barreira genética), o simeprevir (IP, com boa eficácia para doentes com genótipos 1 e 4) e o daclatasvir (inibidor daNS5A, pangenotípico, com alta/moderada barreir genética). Em 2015, foram licenciados o dasabuvir e combinações desofosbuvir com ledipasvir e de paritaprevir/ritonavir com ombitasvir (com boa atividade para genótipos 1 e 4).60
SinopsesEm 2017, foi disponibilizada a combinação de sofosbuvir e velpatasvir.O velpatasvir é um novo inibidor da NS5A, pangenotípico, que é coformulado com sofosbuvir num comprimido de tomaúnica diária com ou sem alimentos. Esta associação é eficaz em todos os genótipos de VHC (maior dificuldade comdoentes com cirrose descompensada e com genótipo 3). A excreção de velpatasvir faz-se, sobretudo, por via biliar.Também, em 2017, foi introduzida uma coformulação de grazoprevir (IP) e elbasvir (inibidor da NS5A) com indicação paratratamento de infeções por genótipos 1 e 4. Ensaios em populações muito variadas permitiram comprovar a sua mais-valia em doentes naÏve ou experimentados e coinfetados todos portadores do genótipo 1.A associação de vários destes fármacos, em função das características do doente a tratar, tem resultado em taxas deresposta vírica muito elevadas, geralmente > 90%, com regimes de duração de 12 semanas e, em alguns casos maisdifíceis, de 24 semanas.A escolha de um determinado regime tem que ter em consideração vários fatores:— Genótipo e subtipo – o esquema terapêutico tem de ter presente a eficácia do fármaco para o genótipo em questão (por exemplo, simeprevir para genótipo 1 ou 4, daclatasvir é pangenotípico).— Estádio da fibrose – quanto mais grave, é necessária maior eficácia dos AADs e, por vezes, no cirrótico, maior tempo de tratamento e a adição de RBV (os doentes cirróticos são mais difíceis de tratar).— Falência de tratamento anterior – estes doentes obtêm, em geral, piores taxas de resposta.— Presença de comorbilidades que pode influenciar a escolha do regime terapêutico, devido a eventuais problemas de toxicidade ou de interações farmacológicas.— Em doentes com coinfeção por VIH a interação dos antirretrovíricos (ARVs) com os AADs é muito frequente pelo que é necessário adaptar o regime da terapêutica antirretrovírica (TARV).Analisando os resultados de dezenas de ensaios clínicos e, também, de dados da “vida real” pode-se concluir que osdoentes sem tratamento prévio (naïve), com fibrose leve a moderada, com carga vírica relativamente baixa (possíveiscandidatos a tratamento de oito semanas) são os mais fáceis de tratar. Pelo contrário, os doentes que não responderama tratamentos prévios, com cirrose e, sobretudo, se esta está descompensada, são mais difíceis de tratar. Os infetadospor VHC com genótipo 3 têm-se revelado, surpreendentemente, como um grupo com piores resultados.Pelo contrário, os coinfetados VHC-VIH, antes com taxas de resposta baixas (35-40%, globalmente) com INFpeg e RBV,têm alcançado, em ensaios clínicos e na clínica hospitalar, resultados idênticos aos conseguidos em monoinfetados comos mesmos regimes e a mesma duração de tratamento. Neste grupo deve ser dada particular atenção às interaçõesfarmacológicas. Tendo em conta estes resultados os coinfetados deixaram de ser considerados um grupo difícil de tratar.REGIMES PARA TRATAMENTO FUTURO DA HEPATITE C CRÓNICAEm 2017/18 será aprovado um novo inibidor da protease, o voxilaprevir, que, em combinação com sofosbuvir evelpatasvir, em ensaios, mostrou taxas de RVS elevadas.Esta combinação de três fármacos tem muito interesse no retratamento de doentes expostos, previamente, a regimesincluindo inibidores da NS5A ou de outros submetidos a regimes de AADs sem inibidores de NS5A. Em doentes semtratamento prévio esta associação não foi superior a SOF/VEL. A estratégia de atingir três alvos terapêuticos diferentesparece demonstrar que é possível obter taxas mais elevadas de cura em doentes com insucesso a regimes anteriores.Outra associação de novos AADs é constituída pela combinação, num só comprimido, de glecaprevir (IP) e pibrentasvir(inibidor da NS5A). Em ensaios clínicos com inclusão de doentes com e sem cirrose e vários genótipos provou-sea potência e a segurança deste novo regime. Esta combinação demonstrou que é possível tratar em, apenas, oitosemanas doentes sem tratamento prévio com genótipos 1, 2, 4, 5 e 6 e, ainda, coinfetados por VIH. Glecaprevir/pibrentasvir pode, também, ser útil no retratamento de doentes expostos previamente a regimes incluindo os trêsgrupos de AADs e também no tratamento de indivíduos com doença renal avançada. Em doentes com genótipo 3 comcirrose e experimentados as taxas de RVS foram elevadas com tratamento de 16 semanas de duração. 61
SinopsesHepatite B – tratamento e imunizaçãoAna Cláudia MirandaA hepatite B é uma infeção com enorme impacto a nível global, estimando-se que cerca de 30% da população mundialapresente evidência sérica de contacto prévio com o vírus (VHB). Globalmente, estima-se que dois biliões de pessoasestejam infetadas por VHB e que 350 milhões tenham evoluído para infeção crónica. A infeção por VHB causa 786.000mortes anuais e é responsável por 5-10% dos casos de transplante hepático.A prevalência de hepatite B crónica depende da área geográfica, assim como da taxa de vacinação, que pode variardesde valores superiores a 90%, em países ocidentais, a valores rondando 56%, em áreas do sudoeste asiático.O conhecimento mais detalhado sobre a patogénese da doença acrescentou novos conceitos, como a possibilidadede desenvolvimento de infeção oculta, reativação e serorreversão. Estes novos conceitos acrescentaram, por sua vez,uma nova dinâmica e complexidade à monitorização e tratamento dos infetados por VHB. A patogénese da infeção porVHB está, intimamente, relacionada com o seu ciclo de replicação e, em particular, com a forma de cccADN nuclear, queperpetua a infeção da célula hospedeira, impossibilitando a erradicação vírica pela ação dos antivíricos, atualmente,disponíveis. VHB não tem efeito citopático direto, mas promove uma resposta imunomediada que resulta na lesãodas células hepáticas e, se eficaz, no controlo vírico. VHB replica-se nos hepatócitos, produzindo partículas de AgHBs eviriões que, por sua vez, são capturados por células apresentadoras de antigénio. Estas degradam as proteínas víricasem péptidos que estimulam moléculas da classe MHC I e II, promovendo a ativação e a resposta celular, mediada porcélulas TCD4+ e TCD8+. A resposta celular citotóxica específica induz a lise direta dos hepatócitos infetados, assimcomo a libertação de mediadores inflamatórios (INFg e FNTα) que diminuem a replicação vírica. Adultos saudáveis sãocapazes de desenvolver uma resposta imunitária eficaz e produzir anticorpos protetores, o que mais dificilmente sucedeem condições de imunodepressão ou em crianças pela sua imaturidade imunitária.A infeção crónica por VHB apresenta quatro fases sequenciais – imunotolerante, imunoativa, inativa de baixa replicaçãoe de resolução/seroconversão AcHBs. Adicionalmente, consideram-se, ainda, dois outros estádios de infeção, a fasede reativação e de infeção oculta. A replicação vírica intensa, na ausência de resposta necroinflamatória, caracteriza afase imunotolerante. A tentativa do controlo imunitário, na fase imunoativa, diminui a replicação vírica e potencia aatividade inflamatória, traduzida pelo aumento sérico das transaminases. Se esta resposta for eficaz, o doente podeevoluir para a fase inativa, de baixa replicação, com valores normais de transaminases. Em determinadas condições,em particular associadas a infeção por vírus mutantes (pré-core), os doentes apresentam valores flutuantes detransaminases e de ADN VHB plasmático. A imunodepressão intensa e prolongada pode reativar a infeção crónica ouoculta por VHB.Os valores de ADN-VHB plasmático e de transaminases, assim como a avaliação do dano histológico, são determinantespara definir quais os candidatos a tratamento. A persistência de replicação vírica associa-se ao aumento do risco deevolução para formas complicadas de doença – cirrose e carcinoma hepatocelular (CHC). Em doentes não tratados, aincidência cumulativa, aos cinco anos, de desenvolvimento para cirrose varia entre os 8-20%. Fatores como a coinfeçãopor vírus da hepatite C (VHC), hepatite delta (VHD) ou da imunodeficiência humana (VIH) e o álcool acrescem o riscode complicações. Doentes não tratados com doença hepática crónica (DHC) ou cirrose compensada apresentamincidência cumulativa de doença descompensada, aos cinco anos, de cerca de 20%. Por sua vez, doentes cirróticosdescompensados e não tratados apresentam pior prognóstico, com probabilidade de sobrevida, aos cinco anos, deapenas 14-35%.À luz do conhecimento atual e considerando as alternativas terapêutica disponíveis, nem todos os infetados sãocandidatos a tratamento. A sua indicação incide nas fases imunoativa e de reativação, onde acontece maior atividadenecroinflamatória e maior risco de progressão da doença hepática. A avaliação e a monitorização terapêutica têm emconta a resposta bioquímica (normalização das transaminases), sérica (seroconversão AgHBe e AgHBs), histológica(diminuição da atividade necroinflamatória e regressão da fibrose) e vírica (supressão ou controlo da replicação vírica). Otratamento da hepatite B crónica assenta em duas principais alternativas.a) No efeito imunomodulador e antivírico da ação do interferão alfa peguilado (INFpeg).62
Sinopsesb) Em fármacos com ação antivírica direta, que impedem a progressão da replicação de VHB como os análogos nucleós(t)idos inibidores da polimerase de VHB (NUC).A terapêutica com PegINF apresenta, como vantagens, a duração finita, taxas superiores de seroconversão do AgHBee do AgHBs, manutenção de efeito imunomodulador após suspensão do tratamento e ausência de emergência deresistências, porém, associa-se a maior ocorrência de efeitos secundários e está contraindicada em múltiplas situaçõesclínicas. O tratamento com NUCs associa-se a potente atividade antivírica, favorável perfil de tolerabilidade e segurança,mas por tempo indefinido, estando, também, condicionada a sua eficácia pelo risco de emergência de resistências.Reconhecendo as limitações do tratamento da hepatite B crónica torna-se fulcral investir na prevenção da infeção. Aimunoprofilaxia ativa através da administração da vacina é a arma mais eficiente. Estão definidos vários grupos comindicação prioritária para vacinação, tais como recém-nascidos, crianças e adolescentes não vacinados à nascença e,ainda, grupos de alto risco, como de homens que têm sexo com homens, pessoas com múltiplos parceiros sexuais,utilizadores de substâncias ilícitas por via parentérica, doentes em hemodiálise, doentes institucionalizados,profissionais de saúde, doentes com infeção por VIH ou outras infeções sexualmente transmitidas (ISTs), parceirossexuais ou coabitantes de doentes com hepatite B crónica e viajantes para áreas de moderada ou elevada prevalência(>2%).Todavia, 2-7% dos vacinados não desenvolve resposta sérica protetora (< 2UI/mL AcHBs), estando identificadosalguns fatores facilitadores de ausência de resposta, tais como imunodeficiência, baixo peso à nascença, tabagismo,obesidade, sexo masculino, idade superior a 50 anos e a idade à data da primeira vacinação. Estratégias de imunizaçãoadicionais, como a administração de uma dose de reforço, não estão recomendadas em programas de vacinação derotina, em indivíduos com imunidade conservada, sendo contemplada em alguns grupos de risco, como doentes emhemodiálise e, eventualmente, em indivíduos imunodeprimidos.O vasto conhecimento, já adquirido, sobre a infeção por VHB apresenta ainda algumas lacunas que requerem maiorinvestimento. O rastreio e o diagnóstico permanecem como a base do conhecimento epidemiológico, que ditaráestratégias de prevenção e educação, de otimização terapêutica, perspetivando a cura e a erradicação da infeção. 63
SinopsesCoinfeção VIH/hepatitesCristina ValenteA população infetada por VIH está, com frequência, afetada por hepatites víricas crónicas. Cerca de ⅓ dos indivíduostem hepatite C (VHC) ou B (VHB), embora a coinfeção VIH/VHC seja a mais frequente (cerca de 25%). A presença de umou mais vírus acelera a doença hepática, com maior risco de desenvolvimento de cirrose e/ou complicações tais como ocarcinoma hepatocelular (CHC). Cerca de 20% de todas as novas infeções por VHB e de 10% de todas as novas infeçõespor vírus da hepatite A (VHA), nos Estados Unidos da América, ocorre em homens que fazem sexo com homens (HSH).Por outro lado, o número de casos de hepatite C aguda aumentou nos últimos anos nesta população.Em relação à hepatite A, só em 2015, registaram-se 12.527 casos em países europeus e desde aí vários surtos dehepatite A aguda foram identificados, muitos deles em HSH. Em Portugal registaram-se, também, vários casos,principalmente em homens (93%), 57% por transmissão sexual e 42% com a confirmação da estirpe VDR_521_2016.No que diz respeito à hepatite B, na Europa ocidental a prevalência é de 6-9%, sendo mais elevadas em HSH eutilizadores de drogas injetáveis (UDIs). Esta apresenta-se com níveis mais elevados de ADN-VHB, menores taxas deperda de AgHBs e do AgHBe, menor seroconversão “e” e “s” e maior evolução para cronicidade (>20%), especialmenteem indivíduos com maior depleção de linfócitos TCD4+. Em todos os indivíduos, é mandatória a pesquisa do AgHBs,anti-HBc e anti-HBs. Em caso de anti-HBc isolado, em particular naqueles com transaminases elevadas, deve-se testaro ADN-VHB, para identificação de replicação vírica e eventual hepatite B oculta.Os objetivos do tratamento na coinfeção VIH/VHB são os mesmos do da mono-infeção ou seja a supressão mantidada replicação vírica, com o objetivo de redução do risco de progressão da fibrose. No tratamento do coinfetadopor VIH/VHB, o esquema terapêutico deve incluir dois antivíricos com dupla atividade contra VIH e VHB, ou seja otenofovir disoproxil fumarato (TDF) ou o tenofovir alafenamida fumarato (TAF) associado à emtricitabina (FTC) ou àlamivudina (3TC). Nas recomendacoes europeias mais recentes, todo o infetado por VIH/VHB deve iniciar terapêuticaantirretrovírica (TARV), independentemente da contagem dos linfócitos TCD4+ e o TAF deve ser preferido em relaçãoao TDF, em particular nas seguintes condições: a) Mais de 60 anos; b) doença óssea; c) doença renal [com eTFG<60 ml/min, albuminúria >30 mg ou proteinúria moderada, hipofosfatemia (< 2,5 mg/dl) ou em hemodialisados].Preferencialmente, para evitar seleção de mutações de resistência, este não deve ser usado de forma isolada, mas simem combinação com FTC ou 3TC.Todos os indivíduos sem evidência de contacto prévio com VHB devem ser vacinados, apesar da resposta imunitáriapoder ser pobre, naqueles com contagem de linfóticos TCD4+ < 200 céls/mm3. Em coinfetados com cirrose recomenda-se a ecografia e o doseamento da alfa-fetoproteína de 6-6 meses, para rastreio do CHC.Um teste de resistência deve ser proposto na presença de falência vírica ou sempre que haja reaparecimento do ADN-VHB.A síndrome de reconstituição imunitária pode ocorrer, nos primeiros quatro meses, após o início da TARV, em 10-30%dos indivíduos com coinfeção VIH/VHC, em particular naqueles com contagem de linfóticos TCD4+ < 100 céls/mm3, commarcada atividade inflamatória, com agravamento das aminotransferases (ALT), sobretudo em indivíduos com valoreselevados de ADN-VHB e de ALT prévios à TARV. Na presença de cirrose, há risco de descompensação hepática grave.A descontinuação da TARV, por qualquer razão, pode levar, também, à reativação da hepatite B, com elevação dastransaminases, sem tradução clínica, até situações fatais. Se houver necessidade de suspender a TARV, em nenhumacircunstância devem ser retirados os fármacos com atividade anti-VHB, devendo ser mantido, pelo menos, um deles.A presença de vírus delta (VHD), nesta população, é de 15-50%, consoante a área geográfica. A associação VHB/VHDconstitui a forma mais agressiva de hepatite vírica crónica, assumindo evolução mais rápida para cirrose, com elevadastaxas de descompensação hepática, quando associada a VHC e/ou a VIH.A hepatite E (VHE) já é, reconhecidamente, responsável por casos de cirrose em infetados por VIH, por viremiaspersistentes (por incapacidade de eliminação de VHE).64
SinopsesVHC e as suas complicações têm sido, nos últimos anos, uma das causas mais importantes de morbilidade emortalidade nos infetados por VIH. Todos os infetados por VIH devem ser rastreados para o anticorpo para VHC e,se positivo, deve ser determinada a carga vírica (ARN-VHC), para quantificação da atividade vírica, seguindo-se adeterminação do genótipo e a avaliação da fibrose. Estes dados são fundamentais na decisão sobre a terapêutica maisadequada. Todos os coinfetados VIH/VHC são potenciais candidatos ao tratamento da hepatite C crónica. Todos aquelescom ARN-VHC detetável, sem terapêutica prévia (naïves) ou com experiência prévia a tratamentos anteriores e comdoença hepática compensada ou descompensada devem ser tratados. Em indivíduos com práticas com risco acrescidode transmissão de VHC, tais como UDIs, HSH, reclusos, hemodializados e mulheres que queiram engravidar devem teracesso à terapêutica para a infeção crónica por VHC. Pelo contrário, indivíduos com expetativa de sobrevida inferior a umano não são elegíveis para tratamento.Os antivíricos de ação direta (AADs), atuam diretamente nas enzimas de replicação de VHC, nomeadamente inibidoresda protease (NS3/4A), inibidores da polimerase (NS5B) e inibidores do complexo de replicação NS5A. Os resultadosde eficácia são muito semelhantes à dos monoinfetados por VHC, daí que as recomendações sejam idênticas emcoinfetados, exigindo, no entanto, a pesquisa sistemática de potenciais interações medicamentosas entre os AADs eos antirretrovíricos (ARVs). Os inibidores da protease (NS3/4A) disponíveis são o simeprevir (SMP), paritaprevir (PTV)[potenciado com ritonavir(r)], grazoprevir (GZR) [coformulado com elbasvir (EBR)] e mais recentemente disponíveiso glecaprevir (GLE) [coformulado com pibrentasvir (PIB)] e o voxilaprevir (VOX) [coformulado com sofosbuvir (SOF)e velpatasvir (VEL)]. Estes antivíricos são, em geral, metabolizados pelo CYP3A4, daí as inúmeras interaçõesmedicamentosas. Pelo facto de atingirem concentrações elevadas, em caso de doença hepática severa (CHILD C) nãodevem ser usados.Os inibidores do complexo de replicação NS5A incluem o daclatasvir (DCV), o ledipasvir (LDV), o ombitasvir (OBV), o EBR,o VEL e o PIB. O LDV está disponível coformulado com SOF.Dentro dos inibidores da polimerase (NS5B), o SOF é o AAD’s mais potente, com mais elevada barreira genética e comatividade pangenotípica. Cerca de 80% do SOF é excretado pelo rim, razão porque este fármaco não deve ser utilizadoem indivíduos com clearance da creatinina < 30 mL/min. O dasabuvir (DSV) utiliza-se em combinação com o esquemade dose fixa OBV/PTV/r. O SOF, DCV, GLE/PIB e SOF/VEL/VOX são ativos contra todos os genótipos.Todos os estudos têm apontado para o benefício do tratamento da hepatite C e da resposta vírica sustentada (RVS) naprogressão da doença hepática. Atualmente e com os novos AADs, nos diferentes genótipos e com os vários regimes,as taxas de cura ultrapassam 90%. O tratamento precoce da hepatite C, nos infetados por VIH, é crucial, visando umobjetivo triplo, isto é erradicação de VHC e redução da morbilidade e da mortalidade associada ou não ao fígado.Apesar da cura vírica, em caso de indivíduos com doença hepática avançada (F3-F4), deve manter-se a vigilância pararastreio do CHC com ecografia abdominal de 6-6 meses. 65
SinopsesMaláriaCândida AbreuA doença é referida na história da humanidade há mais de 4.000 anos e, provavelmente, nenhuma outra doençainfluenciou de forma tão marcante a população humana. Malária remete ao significado em italiano de “maus ares”,já referida na Grécia quatro séculos AC, tendo sido responsável pelo declínio da população de muitas cidades-estado.Conhecidos eram já os sintomas da doença em escritos chineses de 2.700 AC, contudo e até hoje a doença não foieliminada.De acordo com as estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) (dezembro 2016) cerca de 212 milhões de casosde malária ocorreram em 2015 e deles resultaram 429.000 mortes. Nesse mesmo ano foi estimado que cerca de metadeda população mundial, correspondendo a 91 países no mundo, vivia em zona de transmissão de malária e 90% dos casosno mundo e 92% da mortalidade registam-se em países da África subsariana. Em 2010-2015 a incidência da doençadiminuiu globalmente 21%, e a mortalidade diminuiu 29% em todos os grupos etários e mais ainda (35%) nas criançasabaixo dos cinco anos, em que a mortalidade é maior, correspondendo a mais de 70% dos casos de morte.A doença é causada por um parasita, do género Plasmodium, de que se conhecem cinco espécies a afetar o ser humano– P. falciparum, P. vivax, P. ovale, P. malariae e, mais recentemente, P. knowlesi. Mercê de vários fatores, a infeção porP. falciparum é a mais ameaçadora para a espécie humana. O parasita é transmitido ao ser humano pela fêmea domosquito Anopheles, que pica ao amanhecer e ao anoitecer. O ciclo de vida do parasita é complexo e desenvolve-se noser humano (ciclo hepático e sanguíneo) e no mosquito.Em termos clínicos, a malária é uma doença febril aguda que se comporta de forma diferente no indivíduo não imune,que não teve contacto prévio com o agente infecioso e no indivíduo imune, que vive em zona de endemia de maláriae que teve ao longo da vida vários contactos com o parasita, em que a infeção pode até ser assintomática. No nãoimune os sintomas surgem, habitualmente, aos 10-15 dias após a picada do mosquito infetado, caracterizando-se porfebre, arrepios e cefaleias, o que pode ser confundido com muitas outras patologias. A estimulação do sistema imuneé intensa e a produção de fator de necrose tumoral e citocinas acentuada. Se não tratada precocemente a doençapor P. falciparum (mais raramente por outras espécies) pode progredir para um quadro clínico grave com disfunçãomultiorgânica, com anemia grave, síndrome de stress respiratório do adulto (ARDS), acidose metabólica ou maláriacerebral, que pode conduzir à morte. Por tudo isto nunca é de mais reforçar que é fundamental pensar em maláriaperante uma síndrome febril com epidemiologia sugestiva, possibilitando, assim, um diagnóstico atempado e umtratamento eficaz. As pessoas em maior risco de evoluírem para formas graves da doença são os lactentes e as criançascom menos de cinco anos, grávidas e doentes infetados por VIH, migrantes não imunes, populações móveis e viajantes.Este último grupo de hospedeiros é aquele que, habitualmente, é observado em países não endémicos. As situaçõesgraves são diagnosticadas em cerca de 10% dos casos de malária e têm indicação para serem internadas em Unidadesde Cuidados Intensivos e o suporte respiratório, renal, metabólico e hemodinâmico constitui desafio importante para oinfeciologista/intensivista.A terapêutica combinada baseada em artemisininas (ACT) é de eleição quer para os doentes imunes, quer para osnão imunes. A associação a um fármaco “parceiro” é fundamental para evitar as resistências. A resistência aosantimaláricos foi identificada, pela primeira vez, em 1950-60 com a cloroquina e a sulfadoxina-pirimetamina. Maisrecentemente, a resistência à artemisinina foi reconhecida na região do grande Mekong. Contudo, a doença é curável e,sobretudo, prevenível, o que permite almejar o seu controlo e até eliminação.O controlo da doença tem sido dificultado pela emergência de resistência aos antimaláricos e aos inseticidas,pelos conflitos bélicos e pelos movimentos populacionais massivos, pela dificuldade na obtenção de fundos e pelaincapacidade de manter, no longo-termo, as medidas de prevenção. O objetivo desse controlo é reduzir a transmissãopara um nível em que a malária já não seja um problema de saúde pública. A eliminação é definida como a interrupçãode transmissão local de uma espécie específica de parasita da malária humana, numa área geográfica definida,resultante de atividades deliberadas, sendo necessário manter as medidas para prevenir o restabelecimento detransmissão. A erradicação é a redução permanente para zero da incidência da doença.66
SinopsesO controlo do vetor é a forma mais importante de prevenir e reduzir a transmissão da malária de uma formaglobal – redes mosquiteira tratadas com inseticidas e inseticidas residuais no interior das habitações são medidasfundamentais.Os antimaláricos são, também, um meio de prevenir a malária. Nos viajantes, a quimioprofilaxia que suprime osestádios sanguíneos da infeção por Plasmodium previne a doença. O fármaco a utilizar e as indicações da sua prescriçãosão aspetos fundamentais no aconselhamento ao viajante.A necessidade de continuar a encolher o mapa de malária é indubitável e a meta é ambiciosa. O WHO Global TechnicalStrategy for Malaria 2016-2030 prevê redução de incidência de casos de malária e redução de mortalidade de, pelomenos, 90% pelo ano de 2030. A vacina, ainda não disponível, pode, no entretanto, dar uma ajuda no controlo da maisimportante doença parasitária do mundo. 67
SinopsesFebre e neutropeniaDiana PóvoasOs neutrófilos são essenciais na defesa do hospedeiro contra bactérias, podendo, também, desempenhar um papelimportante na defesa contra outros agentes. Os quatro sinais cardinais de infeção (rubor, edema, calor e dor) estãorelacionados com a interação entre neutrófilos e outras células do sistema imunitário e citocinas.Apesar de não estar, ainda, totalmente caracterizada a heterogeneidade de funções dos neutrófilos, sabe-se que aadequabilidade do pool de reserva medular é o determinante mais importante da predisposição para a infeção noneutropénico. Contudo, uma reserva medular normal não garante proteção total contra a infeção.São vários os mecanismos que podem predispor para a neutropenia – diminuição de produção, aumento de destruiçãoperiférica ou armazenamento periférico. Os fármacos antineoplásicos e a irradiação interferem na quimiotaxia,capacidade fagocítica e de morte intracelular dos granulócitos. A lesão da barreira mucosa, como consequência daquimioterapia e da radioterapia, é, provavelmente, o fenómeno mais significativo e precoce na alteração da capacidadede defesa contra microrganismos infetantes. O processo patobiológico, observado na mucosite, envolve cinco fasessequenciais que se sobrepõem – iniciação, resposta primária, amplificação de sinal, ulceração e cicatrização.Simultaneamente à lesão da barreira mucosa, induzida pela quimioterapia, agentes antimicrobianos, eventualmenteutilizados na profilaxia de infeções (por exemplo, fluoroquinolonas) exercem pressão seletiva, com a emergênciade elementos mais resistentes da flora residente (por exemplo, Streptotoccus viridans, estafilococos, bacilos Gram-negativo e leveduras). Assim, qualquer colonização em mucosa lesada poderá permitir uma translocação bacteriana doaparelho digestivo ou infeção local, com qualquer uma das situações, podendo originar disseminação hematogénica einfeção sistémica. Em apenas 30% dos episódios de neutropenia febril é identificada causa infeciosa.O risco de infeções específicas é influenciado pelo tipo de patologia subjacente e os defeitos de imunidade celular ouhumoral associados. Por exemplo, os doentes com mieloma múltiplo, leucemia linfocítica crónica, esplenectomizadosou com asplenia funcional têm risco aumentado de sépsis por organismos capsulados (Streptococcus pneumoniae,Haemophilus influenzae, Neisseria meningitis e Candida canimorsus), enquanto que doentes com patologia que afeteos linfócitos T têm aumento do risco de infeção por agentes intracelulares (Listeria spp, Salmonella spp, Cryptococcusneoformas e Mycobacterium tuberculosis).O exame objetivo inicial de um doente com neutropenia e febre deverá ser minucioso e repetido diariamente, comparticular atenção para a pele e mucosas, genitais e zona perianal, acessos vasculares e locais de punção recentes.A presença de alguns sinais e sintomas pode dar informação particularmente útil, sendo exemplos a ausência degengivite, assim como a presença de abcesso, que, em regra, indicam uma reserva medular normal. Contrariamente,a presença de úlceras mucosas sugere neutropenia com diminuição da reserva medular, enquanto a presença de dorabdominal deve evocar a possibilidade de ulceração da mucosa intestinal e potencial porta de entrada para bactériasentéricas. O diagnóstico deve contemplar, além de uma avaliação analítica geral, exames culturais, especificamente apronta obtenção de hemoculturas, assim como cultura de outros produtos de acordo com a clínica.Os estudos publicados sobre infeção em doentes oncológicos têm permitido caracterizar a epidemiologia das infeçõesem doentes com neutropenia e febre, havendo evolução na etiologia dos episódios de bacteriemia – até aos anos 80do século passado predominaram os agentes Gram-negativo e a partir de 88 verificou-se aumento na incidência deagentes Gram-positivo, sendo que nos últimos anos ocorreu ressurgimento dos Gram-negativo. Também, os padrões desensibilidade a antimicrobianos têm vindo a ser monitorizados, assistindo-se ao aumento da resistência a antibióticose aumento de bactérias multirresistentes, frequentemente associadas à utilização de antibioterapia profilática. Desalientar que têm vindo a ser assinaladas diferenças na evolução da etiologia e resistência a antimicrobianos entre oscontinentes europeu e americano.O risco de infeção associado à neutropenia é influenciado pela gravidade e duração desta. Na avaliação do risco deinfeção poderá ser útil a utilização de sistemas de classificação. Um modelo muitas vezes utilizado na prática clínica é68
Sinopseso score MASCC. O valor de pontuação máximo, neste sistema, é 26 – uma classificação ≥21 prediz um risco de <5% decomplicações graves e uma baixa mortalidade (<1%) em doentes com neutropenia e febre enquanto que os doentesde alto risco possuem MASCC<21. Todos os doentes de alto risco (seja por classificação MASCC ou por critérios clínicos)deverão ser hospitalizados para antibioterapia empírica endovenosa.Assim, o ponto essencial da intervenção no doente neutropénico com febre é a categorização do risco de infeção,aspeto em que poderá ser útil a utilização de índices de classificação, como o MASCC. A decisão quanto ao tipo deantibioterapia (oral versus intravenosa), local de tratamento (ambulatório versus hospitalar) e a sua duração deveráser orientada pela avaliação clínica, sintomas de infeção local e conhecimento da epidemiologia local, particularmenteos padrões locais e individuais de colonização/infeção bacterianos e resistência aos antimicrobianos. A avaliação dosparâmetros, anteriormente descritos, vai permitir orientar a seleção da antibioterapia empírica. Esta deverá ser ajustadaa dados clínicos, radiológicos ou bacteriológicos. No caso particular de doentes de alto risco, a antibioterapia empíricadeverá ser intravenosa, com cobertura antipseudomónica e outros Gram-negativo. A adição de antibiótico com atividadecontra Gram-positivo deverá ser considerada em situações particulares, particularmente a presença de instabilidadehemodinâmica, pneumonia documentada radiograficamente, isolamento de agente Gram-positivo, com identificação eteste de sensibilidade aos antibióticos em curso, suspeita clínica de infeção relacionada com catéter, infeção da pele oudos tecidos moles, colonização conhecida com Staphylococcus aureus meticilina ou vancomicina resistentes (MRSA ouVRSA) ou Streptococcus pneumoniae resistente à penicilina.A reavaliação deve ter lugar ao 2º-4º dias, após início de antibioterapia empírica, com adequação da estratégia deacordo com os resultados das culturas, o local de infeção, a persistência de febre e os parâmetros de estabilidadeclínica. A modificação da estratégia terapêutica não está aconselhada em caso de febre persistente, desde que severifique estabilidade clínica. Em doentes de baixo risco, clinicamente estáveis, deverá ser avaliada a possibilidade desimplificação terapêutica. Contrariamente, a persistência de febre e a instabilidade clínica devem motivar o aumento doespetro de cobertura antimicrobiana, com inclusão nas hipóteses etiológicas de anaeróbios e de fungos.A duração da antibioterapia deverá ser, rigorosamente, adequada. Em caso de infeção documentada clinica oumicrobiologicamente, a duração de terapêutica antimicrobiana não deverá exceder 10-14 dias, salvo situaçõesparticulares que possam obrigar a cursos terapêuticos mais prolongados. Doentes de baixo risco, sem infeçãodocumentada, poderão manter antibioterapia até que se verifique resolução da febre e/ou da neutropenia, comutilização de antibioterapia por via oral após três dias de apirexia. Contudo, doentes de alto risco, com febre inexplicadasob antibioterapia empírica, poderão necessitar de terapêutica até que se verifique recuperação da contagem dosneutrófilos para >500/mm3, devendo, sempre, ser equacionados outros focos possíveis de infeção.A profilaxia com fluoroquinolonas tem vindo a ser intensamente debatida. Esta intervenção é considerada, em algunscentros, particularmente em doentes com elevado risco de infeção, com neutropenia inferior a 100/mm3 por períodosprolongados. Contudo, esta estratégia não é recomendada em doentes com risco baixo de infeção. 69
SinopsesInfeções em transplantadosAsunción MorenoThe survival benefit of solid organ transplantation (SOT) after propensity score matching is very important (more than2 or 3 times higher than in waiting list). The infections are the cause more frequent of mortality. Chronologically, theycan occur within the first month after SOT (“Early infections”) and after the 6th month (“Late infections”). Bacterialinfections are the most common infections in solid organ transplant recipients, especially during the first month andthey are hospital-acquired (“Nosocomial infections”). During this time period, the incidence rate (calculated by numberof episodes/1000 transplants-day) is around 8.27 while after the 6th months the incidence drops to 0.37.Nosocomial infections cause significant morbidity and are the most common cause of mortality in the earlyperiod of transplantation. These infections are caused by multi-drug-resistant (MDR) microorganisms, mainlyGram-negative Enterobacteriaceae and non-fermentative Gram-negative bacilli but also by Enterococci andStaphylococci. The patients at risk of developing nosocomial bacterial infections are those previously colonizedwith MDR bacteria while they are on the transplant waiting list. Intravascular catheters, the urinary tract, thelungs, and the surgical wounds are the most frequent sources of infection. These microorganisms are: methicillin-resistant Staphylococcus aureus (MRSA), vancomycin-resistant Enterococci (VRE), MDR Gram-negative bacteria,Clostridium difficile, Candida spp. resistant to fluconazol and Aspergillus spp. After the transplantation thesemicroorganisms can cause pneumonia, urinary tract infections (UTI), surgical wound infections or catheter-related infections, etc... being the bacteremia and candidemia the most severe expression of these infections.The majority of MDR infections are acquired during hospitalization. The risk factors for MDR infections causedby extended-spectrum beta-lactamase (ESBL) production and AmpC-producing Gram negative bacilli in renaltransplantation are: double kidney-pancreas transplantation, previous use of antibiotics, post-transplant dialysisrequirement and post-transplant urinary obstruction.Clinical manifestations of these infections vary from absence of symptoms to serious complications such as severesepsis or septic shock. The mortality rate of bacteremia ranges between 3% and 33% in heart transplant, between10% and 27% in hepatic transplant and between 2.5% and 11% in renal transplant patients. Around 15% of bacteremiaepisodes in solid organ transplant recipients develop septic shock resulting in a mortality rate higher than 50%. UTIare frequent in kidney transplant recipients and they usually occur early in the post-transplant period. Acute graftpyelonephritis (AGP) was significantly associated with impaired kidney graft function and graft loss at one year posttransplantation. Recurrent UTI are frequent among kidney recipients. Older age and reoperation increased the risk ofthis complication. However, the most important risk factor for recurrent and relapsing UTI in our cohort was infectionwith MDR pathogens, especially K. pneumoniae, highlighting the relevance of the uropathogenic bacteria rather thanthe anatomic alterations in its development.During the period of maximum immunosuppression (between the 2nd and the 6th month post-transplant), the mostcommon infections are viruses (e.g. cytomegalovirus [CMV]), bacteria (Nocardia spp., Listeria spp.), mycobacteria andfungi (Pneumocystis jirovecii, Aspergillus spp.) Some immunosuppressant drugs can increase the rate of these infections(e.g. rituximab) and others can decrease the rate of viral infection (e.g. sirolimus). In Spain, the incidence of extra-pulmonary and disseminated tuberculosis (TB) was more frequent in SOT recipients than in the general population.TB-related mortality was also higher in SOT recipients than in the general population. However, TB incidence decreasedto 500 episodes per 100,000 patients during the last decade. On the other hand, the invasive fungal infection (IF)incidence in Spain was around 2%, decreasing both candidiasis and aspergillosis. Combined antifungal therapy wasmore effective than monotherapy to treat these IFI.The incidence of late opportunistic infections (after 6th month after SOT) is about 1%. Late infection was related withfemale gender, HCV infection, acute rejection and re-operation. Late infections were an independent risk factor formortality. Hypogammaglobulinemia and pre- and post-transplant lymphopenia are associated with a significant riskfor developing opportunistic infection. The prognostic factors associated with mortality are the bacteremia from thepulmonary source, the septic shock, the decrease in renal function, the administration of inappropriate empiricalantimicrobial therapy and the development of late infections.70
SinopsesPreventive measures for SOT infections are the same as those applied in non-immuno-compromised hospitalizedpatients except in patients at high risk for developing IFI. These patients need antifungal therapy during theirhospitalization. In addition, for preventing some bacterial infections in the early transplant period, patients needvaccinations while on the waiting list according to the current recommendations1.mTOR inhibitors play a complex role in viral replication, viral infection and viral disease in SOT recipients. This roleis clearly favorable in some viral infections such as CMV, polyomavirus and human herpes virus 8 (HHV-8) but it isunknown their role in the recurrence of HCV infection2.Infections developed by SOT HIV-infected recipients during the post-transplant period are similar to those seen in non-HIV-infected recipients, although the incidence rates of tuberculosis and fungal infections seem to be higher. During thepre-transplant period, HIV-infected patients who are being evaluated for SOT should follow the same recommendationsas those used for non-HIV-infected patients in order to prevent infections3. But nevertheless, the mid-term (5 years)survival of liver transplant HIV/HCV-coinfected recipients is lower than that in HCV-monoinfected recipients due tofaster and more severe HCV recurrence. However, the recent introduction of very effective and safe direct antiviralagents (DAA) for treating HCV recurrence after LT can improve the survival of coinfected recipients. Conversely, thesurvival of LT in non–HCV HIV-infected recipients and kidney transplantation in HIV-infected recipients is similar at 5-10years to that seen in HIV-negative recipients.1. Moreno A, Ruiz I. Infeccion nosocomial en el paciente receptor de un trasplante de organo solido o de precursores hematopoyeticos. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2014;32(6):386–395 2. Pascual J, Royuela A, Fernández AM, Herrero I, Delgado JF, Solé A, Guirado L, Serrano T, de la Torre-Cisneros J, Moreno A, Cordero E, Gallego R, Lumbreras C, Aguado JM; Spanish Society of Transplantation Virological and Immune Response Investigation Study Group. Role of mTOR inhibitors for the control of viral infection in solid organ transplant recipients. Transpl Infect Dis. 2016 Sep 7. doi: 10.1111/tid.126013. Miro JM, Agüero F, Duclos-Vallée JC, Mueller NJ, Grossi P, Moreno A; ESCMID Study Group of Infection in Compromised Hosts. Infections in solid organ transplant HIV-infected patients. Clin Microbiol Infect. 2014 Sep;20 Suppl 7:119-30. doi: 10.1111/1469-0691.12754. Review. PMID:25040016 71
SinopsesSépsisJosé Artur PaivaTexto não disponível72
SinopsesInfeções nosocomiaisAntónio SarmentoTexto não disponível 73
SinopsesBioterrorismoSilva GraçaA eventual utilização de agentes biológicos como arma não convencional, capaz de obter supremacia numa contenda,é um assunto que interessa, estrategicamente, os beligerantes desde tempos remotos. Esteve presente, embora deforma rudimentar, na Idade Média, durante a colonização do continente americano e, mais tarde, também, na 1ª GuerraMundial. Apesar do interesse pelas armas biológicas ter recrudescido, de forma significativa, no decorrer da 2ª GuerraMundial, e vários países terem, então, mantido programas de desenvolvimento neste âmbito, houve escassa evidênciada sua utilização neste conflito. No pós-guerra, aqueles programas de investigação mantiveram-se ativos em váriospaíses, de diferentes continentes, sendo orientados para a utilização experimental de diversos patogéneos animais evegetais.Após a Biological and Toxin Weapons Convention (BTWC) ter sido ratificada por 140 países, em 1972, esperava-se quetoda a investigação neste domínio cessasse e fossem destruídos os agentes biológicos considerados armas potenciais.No entanto, cedo surgiram suspeitas que alguns dos países signatários da BTWC não tinham abandonado, totalmente,aqueles programas de investigação e que outros se lhe tinham juntado, com o objetivo de procurarem obter novas emais eficazes armas biológicas. É fácil de entender a razão porque os objetivos daquela Convenção não foram atingidos– as armas biológicas são as que têm melhor relação custo/eficácia, pois sendo acessíveis e/ou pouco onerosas, a suautilização pode ter consequências desastrosas!A evidência da utilização de agentes biológicos de forma intencional e com o objetivo de causar pânico ou dano corporalsurgiu, repetidamente, desde os anos 70 do século passado, em momentos e continentes diferentes, mediante autilização de agentes diversos (por exemplo, Bacillus anthracis e Salmonella spp) ou mesmo toxinas. Designam-se porarmas biológicas os microrganismos ou toxinas capazes de, após libertação deliberada, provocarem morbilidade ouletalidade significativas, e assim afetarem a estabilidade social. Elas são, provavelmente, as armas não convencionaismais temidas no momento atual. Estes agentes biológicos reúnem algumas características que lhes conferem potencialbélico – acessibilidade e produção fácil e pouco onerosa do agente ou da toxina, fácil transporte e disseminação,estabilidade e patogenicidade que tornam possível a sua utilização como agente agressor.Os receios naturais da sua utilização resultam de algumas fragilidades, tais como a dificuldade em detetar os agentesbiológicos utilizados, a provável inadequação de soluções nos domínios da profilaxia e da terapêutica e o seu impacto nasaúde pública.Recentemente, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), de Atlanta (USA) encetou uma investigaçãomais profunda e profícua sobre os agentes biológicos considerados críticos, isto é, aqueles que se forem utilizadosdeliberadamente poderão ser uma ameaça real para as populações, e decidiu agrupá-los em três categorias (A, B eC), não de acordo com a possibilidade de serem utilizados, mas em função das consequências gravosas que o seuuso poderia causar. Na categoria A estão os agentes do carbúnculo, da peste e da tularemia, a toxina botulínica eos vírus da varíola e das febres hemorrágicas (filovírus ou arenavírus), que têm fácil disseminação, exigem esforçosanitário importante e têm grande impacto sanitário. Na categoria B incluem-se agentes com características distintas– alguns são causa de zoonoses (por exemplo, Brucella spp, Coxiella burnetti, Chlamydia psittaci, Burklolderia malleie pseudomallei), outros provocam infeções graves do sistema nervoso central (alfavírus), alguns são toxinas (toxinarícina, toxina de Clostridium perfringens, e enterotoxina B estafilocócica) e outros são microrganismos que, se foremdeliberadamente utilizados, poderão por em causa a segurança hídrica e alimentar (Salmonella spp, Shigella dysenteriae,Escherichia coli 0157:H7, Vibrio cholerae e Cryptosporidium parvum). Neste grupo, a transmissão e a disseminação nãosão tão fáceis, a sua eventual utilização terá maior repercussão na morbilidade do que na mortalidade e, portanto,menor impacto sanitário. Na categoria C incluem-se agentes emergentes, dos quais se conhece pouco da suaepidemiologia e patogenicidade (vírus hanta e nipah) e agentes biológicos que de momento não têm risco bioterroristaclaro (flavivírus, Mycobacterium tuberculosis multirresistente).Uma das ameaças biológicas mais consistentes é a libertação deliberada de B. anthracis, que é uma das mais temidasarmas biológicas, podendo, devido às suas características, ser utilizado por grupos terroristas com poucos recursos. Há74
Sinopsesexperiência recente da sua utilização (em 2001 nos Estados Unidos da América), sendo o mais acessível destes agentesbiológicos e o mais fácil de utilizar (o que poderá acontecer em qualquer lugar e em qualquer momento!). B. anthracisé o agente causal de uma zoonose que pode afetar ovinos, bovinos e caprinos, que os eliminam nas fezes e, assim,persistem no solo rural durante décadas, sob a forma de esporos. A sua disseminação poderá fazer-se por aerossol, comtransmissão aérea ou por contacto. A infeção poderá apresentar-se nas formas cutânea, inalatória e gastrintestinal,tendo estas duas últimas elevada mortalidade. 75
SinopsesImunizaçõesSaraiva da CunhaTodos conhecem o velho aforismo em que se diz que “é preferível prevenir do que remediar”. Quando se refere àprevenção da infeção, há que equacionar se é referente à infeção adquirida na comunidade ou à infeção em cuidados desaúde. Porque a prevenção da infeção se faz de forma diferente quer numa, quer noutra circunstância, considerando-se,apenas, a prevenção da infeção da comunidade.A prevenção da infeção adquirida na comunidade tem sido conseguida, ao longo dos últimos 100 anos, através demedidas que têm pouco em comum com os cuidados de saúde. Por outras palavras, os grandes responsáveis pelamelhoria dos indicadores que hoje se verifica, em muitas doenças infeciosas da comunidade, não são procedimentosmédicos, resultando, sim, da melhoria das condições socioeconómicas, de avanços na área da educação e, também, dainstituição, nas sociedades modernas, de uma cultura de prevenção que, às vezes, chega a ser quase obsessiva. Só emúltima instância sobrevém o papel da medicina, na prevenção das infeções na comunidade.Como puderam os cuidados de saúde contribuir para a prevenção da infeção? Basicamente, com três medidas:a) A imunização ativa, também chamada vacinação (as vacinas tiveram, de facto, um papel marcante).b) A imunização passiva.c) A quimioprofilaxia.No papel de prestadores de cuidados de saúde, pode-se contribuir para a prevenção da infeção, basicamente comestes instrumentos e, eventualmente, pela educação. Mas, na educação, o papel do prestador de cuidados de saúdenão é determinante. Outros atores têm um papel tão importante, ou mais, do que os profissionais de saúde, na suacontribuição para a prevenção da infeção na comunidade.Em suma, é passada em revisão a imunização ativa, que é, como quem diz, a vacinação e a imunização passiva, quetem, progressivamente, perdido um pouco da sua atualidade e da sua importância, com o aparecimento de novasvacinas. Descrevem-se as vacinas incluídas no o Programa Nacional de Vacinação (PNV), as vacinas não incluídas noPNV, mas aconselhadas em determinadas populações, como os viajantes, e, finalmente, a vacinação em circunstânciasparticulares, como as grávidas e os profissionais de saúde.76
SinopsesInfeções em cuidados intensivosJosé Luís BoaventuraExistem três tipos de infeções em cuidados intensivos – infeção grave adquirida na comunidade, infeção associada aoscuidados de saúde e infeção hospitalar ou nosocomial. O maior destaque será dado à infeção nosocomial.A infeção nosocomial tem uma incidência global de 5-10% dos internamentos hospitalares e representa 25% dasadmissões nas Unidades de Cuidados Intensivos (UCI). Destes, 70% é causado por microrganismos resistentes ou mul-tirresistentes aos antimicrobianos (MDR – Multi Drug Resistant).As duas infeções nosocomiais mais preocupantes e de maior morbidade e mortalidade, nas UCI, são a sépsis e a pneu-monia, sobretudo a associada ao ventilador (PAV). Os agentes etiológicos mais comuns, na sépsis nosocomial, sãoStaphylococcus aureus meticilina-sensível (MSSA) e meticilina-resistente (MRSA > 50%), S epidermidis, Streptococcusfaecalis, Pseudomonas aeruginosa, anaeróbios, Candida spp. Outros microrganismos menos frequentes são Corynebac-terium spp, Bacillus spp e Micrococcus spp.As principais portas de entrada são os cateteres vasculares venosos e arteriais, de inserção periférica e central. Os demaior risco de infeção são os cateteres venosos centrais de inserção não periférica (veias subclávia, jugular interna oufemoral), sendo os sinais clínicos de alerta a febre, a instabilidade hemodinâmica, as alterações da consciência e o maufuncionamento do cateter.Um parêntesis com algumas medidas gerais de antibioterapia em UCI, com destaque para o risco de microrganismosresistentes, particularmente os MDR ou XDR (eXtensively Drug Resistant), sendo algumas das chamadas superbacté-rias – MRSA, VISA (S. aureus com resistência intermédia a vancomicina), VRSA (Vancomycin resistant S. aureus), ESBL(Extended Spectrum betalactamases), KPC (Klebsiella pneumoniae carbapenemases), NDM-1 (New Delhi metalobetalac-tamases) e Acinetobacter baumannii que pode ser pan-resistente (PDR – Pan Drug Resistant).Como o diagnóstico definitivo da infeção nosocomial por cateter intravascular é microbiológico, o tratamento é, de iní-cio, empírico, com vancomicina e, em alternativa, daptomicina ou linezolida. Se houver risco de enterobactereáceas, pro-dutoras ou não de ESBL, e de P. aeruginosa, associar ceftriaxona ou carbapeneme.No que se refere à Pneumonia Nosocomial (PN), com importância quantitativa (segunda causa de infeção hospitalarem muitos países) e qualitativa (provoca maior morbilidade e mortalidade), a par da sépsis, predominam os agentesGram-negativo aeróbios (que correspondem a 60-65% do total) e de entre os Gram-positivo (47%), destaca-se S aureus(15-20%). Na PAV acrescenta-se a eventual presença de P aeruginosa, A baumannii e Stenotrophomonas maltophilia. Asvias para a colonização e posterior infeção da árvore traqueobrônquica, na PN, são a aspiração dos microrganismos daorofaringe (a mais frequente), a inalação de aerossóis contaminados, a hematogénea e a translocação dos agentes pa-togénicos do tubo digestivo. Os fatores predisponentes da PN incluem os relacionados com o doente (idade avançada,doenças concomitantes e imunodepressão), os relacionados com a promoção da colonização da orofaringe e/ou do estô-mago por microrganismos (antibioterapia prévia, coma, doença pulmonar obstrutiva cronica e internamento em UCI) eaqueles relacionados com as situações que facilitam a aspiração ou o refluxo (intubações mesogástrica e endotraqueal,decúbito supino) e, ainda, os relacionados com a ventiloterapia.O diagnóstico de PN baseia-se em critérios clínicos e microbiológicos, sendo a semiologia pouco esclarecedora. Os pon-tos-chave assentam na presença de febre, secreções brônquicas purulentas, leucocitose ou leucopenia, imagem radio-lógica de novo ou progressiva e a relação PaO2/FiO2 (< 240 sem ARDS – Acute Respiratory Distress Syndrome). Para me-lhor caracterização deve-se utilizar o Clinical Pulmonar Infection Score (CPIS). Uma pontuação superior a seis é de grandeprobabilidade de diagnóstico de PN.O diagnóstico microbiológico assenta no isolamento do agente nas secreções brônquicas, de preferência no lavado bron-coalveolar (LBA) e/ou com cateter duplamente protegido (CDP). A hemocultura contribui para o diagnóstico em cerca de15% dos casos. Apesar destes procedimentos, cerca de metade dos casos fica sem diagnóstico etiológico. O tratamentoda PN é, quase sempre, empírico, e deverá ser precoce e abrangendo todas as possibilidades etiológicas mais prováveis,após as colheitas necessárias à ulterior identificação do agente. Os esquemas terapêuticos mais consensuais são adap-tados a diferentes situações clinico-epidemiológicas. 77
SinopsesEm termos práticos, é possível definir quatro grupos de PN, baseados nos dados clínico-epidemiológicos (sendo impor-tante o conhecimento da flora bacteriana habitual no centro hospitalar, na enfermaria ou na UCI), no tempo de interna-mento e na existência ou não de antibioterapia prévia. Assim, há que considerar as pneumonias nosocomiais de inícioprecoce (> 72 horas e <5 dias de internamento), onde, ainda, pode predominar a flora da comunidade (enterobactereá-ceas, H influenzae, S aureus, S pneumoniae, Legionella spp., Moraxella catahrralis e, menos vezes, P aeruginosa). Se apneumonia ocorrer tardiamente (> 5 dias), P. aeruginosa é mais frequente e H. influenzae é menos comum, a menos queo doente tenha feito antibioterapia prévia, em domicílio ou já em meio hospitalar.A PAV (apos ≥ 48 horas do inicio da ventilação mecânica), terceiro grupo de PN, depende dos fatores relacionados como doente (quebra de barreiras), com a aparelhagem (contaminação) e com os trabalhadores de saúde (manipulação dosdoentes e dos aparelhos), estando disponível um algoritmo da estratégia de diagnóstico e terapêutica na PAV. Os agen-tes mais comuns, nesta situação particular, são, na fase precoce (<5 dias), enterobactereáceas, H. influenzae, MRSA e,numa fase tardia (>5 dias), acrescentam-se P aeruginosa, Acinetobacter spp (baumannii ou calcoaceticcus), Legionellaspp, S maltophilia. Na PN associada ao grande imunodeprimido (doente neutropénico, hemato-oncológico ou com infe-ção por VIH), além dos agentes microbianos considerados há que acrescentar os fungos Candida spp, Aspergillus spp, deentre outros.A duração da terapêutica deve ser a estritamente necessária. A tendência atual é para tratamentos não superiores a7-10 dias, excetuando-se alguns microrganismos específicos, como, por exemplo MRSA, P aeruginosa, A baumannii,podendo, nestes casos, atingir 2-3 semanas, no máximo. As desvantagens da longa duração são manifestas, tais comomaior alteração do ecossistema (com eventual aumento das resistências), maior toxicidade e custos mais elevados. Aúnica desvantagem será a tendência para um maior número de recaídas.Quanto à prevenção da infeção em UCI, as recomendações devem seguir a regra dos quatro P – devem ser Plausíveis, noaspeto microbiológico, Práticas (facilmente exequíveis), Politicamente aceitáveis (a questão económica) e garantir que oPessoal as vai cumprir. As medidas gerais incluem lavagem cuidadosa das mãos, sempre que se manipula cada doente,alimentação correta dos doentes, minimização da flora bacteriana endógena, minimização das manobras invasivas, emtermos de quantidade e duração, e manejo “asséptico”.No cateterismo vascular, a prevenção depende da educação e treino do profissional de saúde, da localização e tipo docatéter, da vigilância do local de inserção, da higiene das mãos, da assepsia rigorosa na inserção e nos cuidados pos-teriores, da sua substituição e recolocação noutro local, quando há sinais de infeção, e na sua retirada o mais precocepossível.No que se refere à PN, as medidas gerais de prevenção incluem cabeceira da cama a 30o, mudanças periódicas de decú-bito, levante precoce e cinesiterapia. As medidas especificas podem ser relacionadas com o ventilador, com o controlo dainfeção e com a abordagem do doente. As primeiras incluem a desinfeção e esterilização dos circuitos, a mudança nãoregular das tubagens (apenas quando há sinais de conspurcação) e a mudança do filtro e do humidificador (48 horas). Ocontrolo da infeção faz-se através da lavagem das mãos, do uso de luvas esterilizadas (por exemplo na aspiração orofa-ríngea e traqueobrônquica), do isolamento de doentes com infeção por MRSA e Gram-negativo multirresistentes e navacinação contra a gripe do pessoal da UCI. As medidas relacionadas com a abordagem do doente devem contemplar oinício precoce da alimentação entérica, a atenção ao posicionamento da sonda nasogástrica, a aspiração em drenagemlivre, se houver estase, e evitar a supersedacão. Como medidas adicionais estão a alimentação entérica em perfusãocontínua, com sonda de orifícios pequenos e colocada no duodeno ou jejuno, bem como a profilaxia da gastrite e úlcerasde stresse, esta última não isenta de riscos.A ainda controversa descontaminação seletiva do intestino tem as seguintes desvantagens – seleciona estirpes resis-tentes, tem eficácia discutível pois abrange mal os Gram-positivo e Pseudomonas e apresenta uma relação deficientede custo-efetividade, uma vez que não reduz a incidência de pneumonia nosocomial, a mortalidade global, o tempo deinternamento e o tempo de ventilação.78
SinopsesInfeção cirúrgica e profilaxia antimicrobianaÁlvaro Ayres PereiraA infeção do local cirúrgico (ILC) é aquela que ocorre até 30 dias do período pós-operatório, ou até um ano (três meses)se for implantado qualquer corpo estranho. A ILC classifica-se em superficial, profunda e de órgão/espaço, sendo umadas infeções nosocomiais mais frequentes e está dependente do risco de contaminação do local cirúrgico: a) Limpa; b)limpa/contaminada; c) contaminada e d) suja.Os fatores de risco relacionados com a ILC são a preparação antisséptica inadequada, a colocação de próteses/implantes, a duração da cirurgia, tricotomia, hipotermia, a presença de comorbidades e colonização com microrganismosmultirresistentes.A prevenção da ILC não se extingue na profilaxia antimicrobiana, devemos intervir antes, durante e depois da cirurgia,além da obediência a princípios gerais, de acordo com normas vigentes (estrutura do bloco operatório e sistemas deaquecimento, ventilação e ar condicionado, protocolos de limpeza, desinfeção e esterilização e cumprimento do projeto“Cirurgia Segura, Salva Vidas”).PERÍODO PRÉ-OPERATÓRIO1. A preparação do doente inclui as seguintes etapas: a) Identificação e tratamento de todas as infeções e minimização dos fatores de risco; b) minimização do período de internamento pré-operatório; c) higiene da cavidade oral e banho pré-operatório com antissépticos, evitando a tricotomia (efetuar só quando estritamente necessário, na área menos extensa possível, imediatamente antes da cirurgia e com máquina elétrica).2. Equipa cirúrgica: a) Os profissionais que entrem não devem usar adornos e devem manter as unhas curtas e limpas; b) devem utilizar vestuário e calçado apropriados, touca e máscara e nunca sair com eles do bloco operatório; c) devem efetuar a desinfeção cirúrgica das mãos, calçar luvas estéreis (2 pares) e depois de vestir a bata.3. Profilaxia antibiótica – aplica-se sobretudo às cirurgias limpas ou limpas-contaminadas e diminui em cerca de 50% o risco de infeção do local cirúrgico. Esta profilaxia deve obedecer a alguns princípios gerais: a) Deve ter em conta o tipo de intervenção, o alvo bacteriano, a flora endógena do doente e a ecologia local. b) Não substitui as boas práticas e não abrange as infeções já estabelecidas. c) A sua indicação deve ser proposta e assinalada quando da consulta pré-operatória. d) A administração deve preceder o início da intervenção entre 30-60 minutos e deve terminar quando da incisão da pele. e) A dose inicial deve ser o dobro da dose usual. f) É recomendada a administração de uma dose única, podendo ser repetida durante a intervenção (após duas vezes a semivida do antimicrobiano) e raramente estendida às 24 horas (cirurgia cardiotorácica, vascular, maxilofacial ou ortopédica). g) No obeso (índice de massa corporal > 35 Kg/m2) a dose de ß-lactâmicos pode ser o dobro da habitual. h) A cefazolina e a cefoxitina cobrem a maior parte das situações e devem estar reservadas para este fim. i) As alterações aos protocolos devem ser, devidamente, justificadas e registadas no processo clínico: ● Os doentes colonizados por bactérias multirresistentes (por exemplo, MRSA a que se associa vancomicina) ● Se já sob terapêutica antimicrobiana com espetro de ação apropriado para profilaxia da ILC, associar uma dose extra, nos 60 minutos antes da incisão cirúrgica. ● Em caso de história de alergia à penicilina com baixo risco de anafilaxia podem prescrever-se cefalosporinas, mas se o risco é elevado optar por vancomicina ou clindamicina ± gentamicina ± metronidazol. 79
SinopsesPERÍODO INTRA-OPERATÓRIO a) As portas do bloco operatório devem permanecer fechadas e o número de pessoas, no seu interior, deve ser reduzido ao mínimo indispensável. Nas cirurgias com colocação de próteses deve-se minimizar o tempo de exposição ao ar. b) Administração de oxigénio suplementar durante todo o período peri-operatório, até, pelo menos, duas horas após cirurgia. c) A normotermia (35,5 ºC) deve ser mantida durante o período peri-operatório. d) As glicemias devem ser < 200 mg/dl, durante a cirurgia. e) O equipamento e as soluções estéreis devem ser preparadas, imediatamente, antes da sua utilização. f) As batas e os campos utilizados devem ser uma barreira microbiológica eficaz, mesmo quando molhados e a técnica asséptica deve ser respeitada. g) A área cirúrgica deve ser desinfetada com soluto antisséptico de base alcoólica recomendado, com cobertura suficientemente extensa para permitir o alargamento da incisão ou a colocação de drenos, devendo aguardar-se a secagem completa do antisséptico (não forçar a secagem).PERÍODO PÓS-OPERATÓRIOA incisão deve ser protegida, não removendo o penso antes das 48 horas, a não ser que seja necessário (por exemplo,penso repassado). Quando for necessário mudar o penso, utilizar técnica asséptica, limpando com soluto estéril (porexemplo, soro fisiológico) as feridas fechadas e as abertas que cicatrizam por segunda intenção, removendo todos osrestos de matéria orgânica.VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICAPelo menos em relação às cirurgias mais frequentes e com maior risco de infeção, devem ser monitorizados osprocessos de prevenção da ILC e as respetivas taxas de infeção, com a divulgação dos respetivos resultados.80
SinopsesExposição ocupacional e não ocupacionalTeresa MartinsProfilaxia Pós-Exposição OcupacionalA profilaxia pós-exposição ocupacional (PPEO) pode ser definida como exposição potencial a material infecioso (sangue,tecidos ou fluidos corporais específicos, equipamentos ou superfícies ambientais contaminadas), que ocorre nosprofissionais de uma unidade de saúde, envolvidos direta ou indiretamente com doentes, através de lesão percutânea oucontacto de mucosas ou pele não intacta com sangue, tecidos ou outros fluidos potencialmente infeciosos.Consideram-se fluídos infetantes, além do sangue e outros visivelmente com sangue, o sémen e as secreções vaginais(implicados na transmissão de VIH mas não na transmissão ocupacional). LCR, líquido sinovial, pleural, peritonealpericárdico e amniótico são, também, considerados potencialmente infeciosos – risco de transmissão desconhecido.Fluídos não infetantes – fezes, secreções nasais, saliva, expetoração, suor, lágrimas, urina, vómitos não sãoconsiderados, potencialmente, infeciosos, excepto se visivelmente com sangue (risco de transmissão de VIH destesfluídos é baixo), pelo que não está recomendada PPE.A pele intacta é uma barreira eficaz contra infeção por VIH e a contaminação desta com sangue ou outros fluidospotencialmente contaminados não é considerada exposição e não necessita de PPE.No que respeito ao risco de transmissão ocupacional: a) Risco médio após exposição percutânea – 1 em 300 (0,3%);b) risco médio após exposição mucosa – 9 em 10.000 (0,09%). Ainda menor após exposição de pele não intacta (pelegretada, com dermatite, abrasão ou ferida aberta) em que o risco teórico é de 1 em 1.000 (0,01%).Face a um acidente ou risco de exposição ocupacional deve ser recolhida informação confidencial quanto às característicasda exposição – pormenores do procedimento que estava a ser executado, bem como detalhes relativos à fonte.A maioria das exposições ocupacionais a VIH não determina transmissão, pelo que se deve balancear o risco detoxicidades potenciais.O início da PPE deve ser precoce (ideal nas 1as duas horas e nunca depois das 72 horas). Após 36 horas, o benefício édiminuído.A PPE deve ser durar quatro semanas, sendo os efeitos adversos aos antirretrovíricos (ARVs) muito pouco frequentes.Na exposição a vírus conhecido ou suspeito de resistente, devem ser selecionados ARVs para as quais o vírus sejaimprovavelmente resistente (se não há informação disponível, iniciar PPE e alterar depois). Não está recomendado testede resistência da fonte no momento de exposição.É muito difícil elaborar recomendações no âmbito da PPE, uma vez que existe pouco fundamento científico. As normasexistentes são opiniões de peritos e dados da experimentação animal.Uma vez que os novos ARVs não foram testados, no que respeita á eficácia para PPE especificamente, os regimesdevem incluir os agentes que têm provado ser mais potentes e melhor tolerados em doentes com infeção por VIH.Regimes recomendados – TDF/FTC – 300mg/200mg 1x/dia + RAL – 400mg 2x/dia ou TDF/FTC – 300mg/200mg 1x/dia + DTG – 50mg/dia ou TDF/FTC – 300mg/200mg 1x/dia + DRV – 800mg/dia / RTV – 100mg/dia ou TDF/FTC –300mg/200mg 1x/dia + ATV – 300 mg/dia / RTV – 100mg/dia. Para grávidas TDF/FTC – 300mg/200mg 1x/dia + RAL– 400mg 2x/dia ou TDF/FTC – 300mg/200mg 1x/dia + LPV/RTV.ARVs a evitar: ABC – reações de hipersensibilidade graves (5-8%); NVP – toxicidade hepática e síndrome de Stevens –Johnson; EFV – toxicidade para o SNC; MVC – não recomendado no momento atual. 81
SinopsesA vigilância do profissional após exposição ocupacional, deve ser feita através de consulta e análises (hemograma,plaquetas, glicose, urémia, creatinina, SGO, SGP, fosfatase alcalina, gama glutamil transpeptidase, serologia para VIH-1e VIH-2), sendo a primeira consulta, seguida por uma à semana 2, 4 ou 6 e 16.A monitorização laboratorial deve ser à semana 0, 2, 4 ou 6, sendo a serologia para VIH-1 e VIH-2 à semana 0, 4 e 16.Profilaxia Pós-Exposição Não Ocupacional (PPE)A exposição não ocupacional corresponde a todos os incidentes esporádicos e acidentais em que ocorreu contactodireto de mucosas, percutâneo ou intravenoso, com sangue ou outro líquido biológico (por exemplo, sémen e secreçõesvaginais) que possam conduzir a risco de transmissão de VIH.Estes incidentes não incluem os que ocorrem com profissionais de saúde em ambiente profissional.Fluídos potencialmente infetantes – sangue, sémen, secreções vaginais e rectais, leite materno ou fluídoscontaminados com sangue visível.Avaliação após potencial exposição – determinação do status de VIH do indivíduo, potencialmente, exposto; momentoe características da exposição; status de VIH da fonte; probabilidade de doenças concomitantes com outros agentesinfeciosos (clamídia, sífilis, gonorreia, VHB e VHC); eventual contraceção de emergência.Risco de transmissão não ocupacional (sexual) depende do tipo de exposição, isto é:A penetração anal recetiva tem o risco de 0,1 - 3%, sendo o tipo de exposição com maior risco;Penetração vaginal recetiva tem risco de 0,1 - 0,2%A penetração vaginal insertiva tem risco de 0,03 - 0,09%Na penetração anal insertiva o risco é de 0,06%O sexo oral recetivo tem risco de 0 - 0,04%.Constitui risco substancial na exposição a VIH, as mucosas (por exemplo, vaginal, retal, ocular e oral) ou exposição depele lesada ou contacto percutâneo com sangue, sémen, secreções vaginais, rectais, leite materno ou qualquer fluidocom sangue, quando a fonte é VIH positiva. Ocorre risco negligenciável sempre que haja exposição de mucosas ou pelelesada ou intacta ou contacto percutâneo com urina, secreções nasais, saliva, suor e lágrimas não contaminadas comsangue, independentemente da fonte ser VIH conhecida ou suspeita de o ser.Indicações para quimioprofilaxia segundo tipo de exposição e status do parceiro sexual – embora a profilaxia deva serdecidida caso a caso e de acordo com o risco e o tipo de prática sexual, de um modo geral recomenda-se a sua utilizaçãoquando se trata de parceiro VIH positivo. Deve ser proposta quando a serologia é desconhecida na fonte, em populaçõescom alta prevalência da infeção. De um modo geral em populações de baixa prevalência para a infeção por VIH deve ser,apenas, considerada a profilaxia no sexo anal recetivo.Indicações para quimioprofilaxia segundo tipo de exposição (não sexual) – esta está dependente do tipo de exposiçãoquer se trate de partilha de seringa ou agulha, agulha em contentor na comunidade, salpico de sémen no olho emordedura humana, por exemplo. Em qualquer dos casos deve-se ter em conta o resultado de uma história bemcolhida, para uma melhor decisão.Regimes preferenciais: TDF/FTC – 300mg/200mg 1x/dia + RAL – 400mg 2x/dia ou TDF/FTC – 300mg/200mg 1x/dia+ DTG – 50mg/dia ou TDF/FTC – 300mg/200mg 1x/dia + DRV – 800 mg 1x/dia + RTV – 100mg 1x/dia ou EVG/COBI/TDF /FTC – 150mg/150mg/300mg/200mg 1x/dia ou o mesmo esquema que o utilizado pela fonte, com carga víricasuprimida ou uso de dados de resistência da fonte, para orientação do regime a instituir.A vigilância após exposição – aplicam-se as mesmas regras e tempos da PPEO.82
SinopsesA imagiologia no estudo das doenças infeciosasNuno Carrilho RibeiroOs métodos de imagem disponíveis, atualmente, são muitas vezes decisivos na deteção de alterações patológicas e naorientação do diagnóstico da sua causa, tais como:1. Radiologia convencional – múltiplos exames com recurso a radiação X e adaptados ao órgão/patologia em estudo, simples ou com contraste e angiografia de diagnóstico e terapêutica.2. Ecografia – técnicas de diagnóstico que recorrem aos ultra-sons, considerados inócuos nas condições habituais de utilização.3. Medicina nuclear – múltiplas técnicas de diagnóstico, com recurso a isótopos radioativos. Em Portugal é uma especialidade médica separada da Radiologia e noutros países é uma subespecialidade. Neste contexto, tem particular, interesse a cintigrafia e a PET-TC.4. Tomografia computorizada (TC) – recorre a radiação X para obter imagens de “fatias” do corpo humano, com utilização cada vez mais vulgarizada e com os inerentes riscos da irradiação dos doentes.5. Ressonância magnética (RM) – técnica mais sofisticada da Radiologia, que recorre a potentes campos magnéticos e emissões de radiofrequência, para obter informação sobre as estruturas do corpo.Embora as alterações morfológicas encontradas sejam, em regra, inespecíficas, são fundamentais na triagem doscasos mais graves, permitindo afirmar a presença de patologia quando esta está em dúvida e ajudam ao diagnósticodefinitivo.Em relação às doenças infeciosas, a Radiologia tem, muitas vezes, um papel importante ao afirmar lesões que reforçame orientam o algoritmo diagnóstico. Por outro lado, permite eliminar diagnósticos diferenciais decisivos.Assim, são referidas algumas das patologias infeciosas ao alcance dos métodos de imagem, se não possibilitando o seudiagnóstico, pelo menos permitindo a sua deteção e orientando o diagnóstico.1. Sistema Nervoso Central (a RM é, em regra, mais informativa que a TC) a) Encéfalo - Abcesso piogénico – diagnóstico frequente, com origem por contiguidade (seios peri-nasais e ouvido) ou hematogénica. - Tuberculose – revelando-se, em regra, com sinais de meningite, mas podendo provocar lesões ocupando espaço ou vasculares. - Encefalite herpética – hipodensidade do lobo temporal. - Toxoplasmose – a principal causa de alterações cerebrais na infeção por vírus da imunodeficiência humana (VIH). - Criptococose – rara, associada, também, à infeção por VIH. - Neurocisticercose – em relação com áreas endémicas. - Leucoencefalopatia multifocal progressiva – relativamente comum na síndrome de imunodeficiência adquirida (sida). b) Coluna - Espondilodiscite – pode ter uma evolução indolente e tardar o diagnóstico. - Abcesso epidural – associado, em regra, a discite, mas com um quadro mais intenso, podendo evoluir rapidamente para quadros paréticos.2. Tórax (a base é o radiograma do Tórax, sendo a TC muito importante para melhor esclarecimento em alguns casos) a) Pneumopatias bacterianas - Pneumonia – lesão, em geral, única, alveolar e periférica. 83
Sinopses - Broncopneumonia – lesões múltiplas em lobos diferentes. - Êmbolos sépticos – opacidades nodulares bilaterais. b) Tuberculose (expressão radiológica muito variada) - Primo-infeção – (predomina o atingimento ganglionar). - Tuberculose pós-primária – condensações alveolares (em geral com cavitação), disseminação hematogénica (miliar), disseminação broncogénica, podendo surgir, apenas, como derrame pleural. c) Infeções fúngicas (por exemplo, aspergilose e pneumocistose) d) Infeções víricas e Mycoplasma3. Abdómen (a ecografia é, em regra, a técnica de imagem de 1ª linha, a TC é, muitas vezes, importante e a RM, poucas vezes é decisiva) a) Abcessos hepáticos – diagnóstico diferencial com lesões necróticas não infeciosas - Piogénico - Amebiano - Micobacterianos e fúngicos b) Quisto hidático – aspetos morfológicos muito variados, evoluindo de quisto puro para lesões sólidas e para lesões de parede calcificada c) Hepatites agudas víricas – alterações inespecíficas, com interesse sobretudo para excluir outras etiologias e complicações d) Abcessos esplénicos – sépsis, micobacterioses e pneumocistose e) Pielonefrite aguda – a ecografia é fundamental na deteção de complicações e a TC é muito mais sensível no diagnóstico f) Cistite/prostatite – em regra, sem alterações radiológicas g) Doença inflamatória pélvica – diagnóstico diferencial extenso h) Tubo digestivo – colite pseudomembranosa e ileocolite84
SinopsesInfeções sexualmente transmitidasCândida FernandesAs infeções sexualmente transmitidas (ISTs) são causa importante de morbilidade e mortalidade, com particularrepercussão na saúde materno-infantil. Podem ser causadas por bactérias, vírus, ectoparasitas, protozoários ou fungos.Das ISTs que cursam com ulceração genital, o herpes genital é o mais frequente. O herpes genital é uma doença crónica,recorrente e provocada por vírus herpes simplex (VHS), manifestando-se pelo aparecimento de pequenas lesõeseritematosas vermelhas na área genito-anal e sobre as quais surgem pequenas vesículas que rompem, originandoúlceras que se cobrem de crostas, acompanhadas de sensação de queimadura, ardência ou picada. Uma a duas semanasdepois desaparecem espontaneamente sem deixar cicatriz. Evolui por surtos sendo o intervalo entre eles variável.Transmite-se por contacto sexual com as lesões presentes na pele e/ou mucosas. No entanto, VHS pode ser transmitidomesmo quando as lesões não estão presentes.A sífilis é causada por Treponema pallidum. Clinicamente, divide-se em quatro fases – primária, secundária, latente etardia. A transmissão pode ocorrer durante as duas primeiras fases, que duram, geralmente, 1-2 anos (sífilis recente ouprecoce). Nas fases tardias (> 2 anos de duração), a sífilis embora não seja contagiosa, pode causar problemas de saúdegraves, com envolvimento do coração ou do sistema nervoso central.● Sífilis primária – o acidente primário é uma úlcera não dolorosa que pode surgir de 10 dias a três meses após o contacto e que cicatriza em semanas, mesmo sem tratamento.● Sífilis secundária – 3-6 semanas depois da úlcera surgem lesões cutâneas, quase sempre com envolvimento palmo- plantar, febre, fadiga, queda de cabelo, rouquidão e adenomegalias generalizadas.● Sífilis latente – esta fase é assintomática e não contagiosa se a doença tiver mais de um ano de duração.● Sífilis tardia – cerca de ⅓ dos indivíduos com sífilis secundária, não tratada, podem desenvolver complicações – cardiovasculares, neurológicas ou oculares, por exemplo.As ISTs que cursam com uretrite/cervicite são, na maioria dos casos, causadas por Neisseria gonorrhoeae ou Chlamydiatrachomatis. A gonorreia, causada por N. gonorrhoeae, é responsável, no homem, por uretrite – corrimento uretralpurulento e sensação de dor ou ardor ao urinar – e na mulher pode ser assintomática ou com cervicite – corrimento vaginalmucopurulento e dor ou ardor ao urinar. De igual modo, pode ser uma causa de proctite e faringite em ambos os sexos.A infeção genital por C. trachomatis tem maior prevalência nos adolescentes e adultos jovens. No homem, pode serassintomática ou surgir uretrite ligeira – corrimento mucoso pouco abundante, sensação de ardor ao urinar – e namulher é, na maioria dos casos, assintomática ou com queixas inespecíficas – ardor ou corrimento vaginal, dor ou ardorao urinar. Sendo a infeção, na grande maioria das mulheres, assintomática, há maior risco de complicações da doençainflamatória pélvica, com infertilidade e gravidez ectópica.Vírus do papiloma humano (VPH) tem capacidade de infetar a pele e algumas mucosas, podendo originar oaparecimento de lesões designadas de verrugas. Quando se localizam nos órgãos genitais, são designadas decondilomas acuminados ou verrugas anogenitais. Atualmente, a infeção por VPH é a IST mais frequente. Calcula-se que 10-20% da população, sexualmente ativa, possa ser portadora de VPH mas, apenas, 1% revelendo-se comcondilomas. A maioria das infeções por VPH é transitória, conhecendo-se mais de 100 subtipos diferentes do vírus. Cadasubtipo localiza-se numa área diferente do organismo, podendo provocar lesões – nas mãos, nos pés e nos genitais. Odiagnóstico desta infeção tem especial importância na mulher, devido à possibilidade de associação de VPH a doençamaligna do colo do útero, estando, também, associada ao cancro anal em ambos os sexos. Por regra, é impossível saberquando a infeção por VPH começou, dado que, muitas vezes, ela é transitória. Apenas um pequeno número de mulherescom infeção por VPH está em risco de ter alterações na citologia do colo (Papanicolau) ou de vir a desenvolver cancro docolo do útero. O tratamento das verrugas baseia-se na destruição das lesões.O condiloma acuminado manifesta-se por pequenas formações em crista de galo, que crescem e confluem, originandopequenas “amoras” ou massas de maiores dimensões, com aspeto de couve-flor, localizando-se na área genital ouperianal, em ambos os sexos. Mesmo com o tratamento adequado, as lesões podem recidivar, o que sucede em 60-80% 85
Sinopsesdos casos. Os condilomas podem regredir, espontaneamente, e reaparecem, meses ou anos mais tarde, mesmo semhaver novo contágio. Estão disponíveis vacinas para VPH, recomendadas a raparigas e rapazes dos 9-26 anos, aprovadaspara a prevenção do cancro do colo do útero, cancro anal e condilomas acuminados (embora no Plano Nacional deVacinação só estejam contempladas as raparigas).86
SinopsesPrevenção das Doenças Infeciosas do viajanteJorge AtouguiaUma viagem seja ela de trabalho ou de lazer, de aventura ou de relax, radical ou cosmopolita, acarreta sempre (muitos)riscos e (poucos) problemas. Para minimizar esses riscos e erradicar os problemas é fundamental recorrer a umaconsulta de viagem com antecedência suficiente, antes da partida. Essa consulta pode ser a diferença entre umas fériasbem passadas e um pesadelo com cenário tropical.VacinasPodem ser essenciais para quem visita países em vias de desenvolvimento, com clima diferente daquele em queo viajante vive e com condições higieno-sanitárias deficientes, servindo de proteção contra as seguintes doençasinfeciosas provocadas por vírus e bactérias – febre amarela, meningite meningocócica, tétano, difteria, poliomielite,hepatites A e B, febre tifóide, cólera, raiva, gripe, encefalite japonesa e encefalite europeia por carraça. Vacinas obrigatórias – vacina da febre amarela é obrigatória em vários países da África Ocidental, Central e Oriental, América Central e do Sul. Na Ásia, a doença não existe. A vacina deve ser administrada até 10 dias antes da partida e é vitalícia. A vacina da meningite meningocócica é obrigatória para os visitantes de Meca. Esta vacina está, de igual modo, recomendada aos viajantes que se desloquem a alguns países africanos onde a doença tem surtos epidémicos sazonais, entre janeiro e maio. A vacina deve ser administrada até 10 dias antes da partida e é válida por dois anos. As recomendações em relação às restantes vacinas estão dependentes das imunizações anteriores e dos respetivos períodos de validade, do risco relativo nos locais de destino e das atividades que vão ser desenvolvidas pelo viajante.Picadas de insetosA juntar à imunização atempada e anterior à partida, a proteção individual contra as picadas de insetos é,extremamente, importante não só no caso da malária, mas, também, na prevenção de outras doenças transmitidas porvetores, nomeadamente dengue e outras arboviroses, filarioses, encefalite japonesa, de entre outras.As medidas de proteção incluem o uso de redes mosquiteiras – impregnadas com inseticida, de preferência – nacama, nas janelas e nas portas, inseticidas de ambiente, repelentes de insetos de aplicação tópica e uso de vestuárioapropriado, que deixe poucas zonas do corpo expostas. Associando a imunização a estas medidas torna-se mais fácilevitar as doenças que estes insetos transmitem: ● Mosquitos – malária, febre amarela, dengue e outras arboviroses e, ainda, filariose linfática. ● Moscas – tripanossomose humana africana (doença do sono), leishmaniose, bartonelose, oncocercose e loíase. ● Pulgas – peste e riquetsioses. ● Carraças – riquetsioses, borrelioses, arboviroses, febre Q, tularemia e babesiose. Profilaxia da malária – viajante que se desloca para áreas endémicas de malária, uma doença potencialmente fatal, sobretudo na primeira infeção, obriga a que o médico forneça uma informação cuidada durante a consulta, e pode ter indicação para se instituir profilaxia medicamentosa (mefloquina, doxiciclina ou atovaquona + proguanil) ou para transportar, permanentemente, tratamento de reserva, de preferência, com uma combinação de antimaláricos contendo artemisinina.Doenças infeciosas transmitidas pela água e por alimentosEstas doenças infeciosas são contraídas através da ingestão de alimentos contendo microrganismos patogénicos. As zonasdo mundo que disponham de saneamento básico deficiente são aquelas onde o risco é mais elevado. As canalizações da águapodem ser contaminadas com material fecal, por problemas da infraestrutura das redes de água e de esgotos.Nesta transmissão podem estar, de igual modo, envolvidos agentes infeciosos transportados de material fecal doambiente para os alimentos, através das mãos ou de insetos alados. Também, estão incluídos nos riscos de doenças,a partir de alimentos contaminados, os agentes infeciosos que se encontram em determinados suportes orgânicos 87
Sinopses(plantas) ou hospedeiros intermediários (por exemplo, bovinos e suinos) e que infetam o homem, acidentalmente,quando este os inclui na sua alimentação. As principais doenças que podem afetar o viajante através de água ealimentos contaminados são: ● Por bactérias e vírus – diarreia do viajante, salmoneloses, shigelloses, hepatites A e E, poliomielite, cólera, brucelose e tuberculose. ● Por protozoários – amebíase, giardíase, toxoplasmose, isosporiose e criptosporidiose. ● Por helmintas – ascaríase, enterobíase, teníases, cisticercose, hidatidose, toxocaríase, triquinose, dracunculíase, fasciolíase, paragonimíase, clonorquíase, angiostrongiloidíase, de entre outras.A prevenção destas doenças inclui as imunizações contra hepatite A, rotavírus, febre tifóide e poliomielite e, ainda, aadoção de regras de consumo de água e na escolha e confeção de alimentos. Hábitos alimentares - a diarreia é o problema de saúde que mais afeta aqueles que viajam e isso deve-se à ingestão de água e/ou alimentos que podem conter vírus ou bactérias, ou somente devido à mudança dos hábitos alimentares. Assim, é importante seguir alguns procedimentos: ● Beber apenas água fervida ou engarrafada industrialmente. ● Consumir alimentos devidamente cozinhados e imediatamente após a sua confeção (as refeições enlatadas são uma boa opção também). ● Evitar alimentos crus ou previamente confecionados. ● Evitar os gelados artesanais. ● Evitar o leite, o iogurte e o queijo que não sejam pasteurizados ou fervidos.Infeções sexualmente transmitidas (ISTs)O risco de o viajante contrair uma IST pode ser elevado, em função das suas atitudes e comportamentos, mesmo comas numerosas campanhas de informação existentes. Os riscos são altos e a proteção através do uso de preservativo é,sempre, essencial.88
SinopsesFebre e síndrome febril indeterminadaIsabel AldirA definição clássica de síndroma febril indeterminada (SFI), estabelecida em 1961 por Petersdorf e Beeson, aplica-seperante a existência de febre >38,3ºC (em várias determinações), com duração de, pelo menos, três semanas e semdiagnóstico estabelecido, após uma semana de estudo em internamento.Esta definição foi, largamente, utilizada no sentido de permitir comparar diferentes estudos, realizados em diferen-tes populações de doentes, épocas e locais geográficos.Devido a alterações na prática clínica e à emergência de novas circunstâncias, esta definição foi adaptada no sentidode não ser incluído o critério de internamento (o estudo etiológico mais exigente é hoje passível de ser realizadoem ambulatório, na larga maioria das situações). Simultaneamente, foram consideradas entidades específicas, emque o tempo de duração para se considerar a SFI não necessita de ser tão prolongado e individualizaram-se as SFIsassociadas a cuidados de saúde, à presença de neutropenia e à infeção por vírus da imunodeficiência humana (VIH).Mas a duração ou a intensidade da febre não são as únicas características a ser considerados na SFI. Assim, devemser incluídos os seguintes aspetos: ● História clínica com exame objetivo ● Hemograma completo, incluindo contagem diferencial e plaquetária ● Avaliação bioquímica básica de rotina, incluindo hepática e, se alterada, as serologias das hepatites A, B e C ● Avaliação da urina, incluindo exame microscópico e cultural ● Culturas de sangue (três, com colheitas de diferentes locais e com um intervalo de, pelo menos, várias horas entre cada colheita) ● Radiografia de tórax ● Outros exames, de acordo com algum sinal ou sintoma orientadorEm termos etiológicos, e de forma consistente ao longo de décadas, a maioria dos casos de SFI enquadra-se em trêscategorias gerais de doença: a) Infeções b) Neoplasias c) ConetivitesOs avanços científicos e tecnológicos permitiram, numa fase inicial, acelerar e aumentar o número de casos em quese conseguiu o diagnóstico definitivo. Efetivamente, a proporção de SFI não diagnosticada caiu de mais de 75% nadécada de 1930 para menos de 10% na década de 1950. Desde então, a fração de SFI em que não se chegou ao diag-nóstico definitivo (etiológico) aumentou constantemente.No diagnóstico, o aspeto mais importante é a história cuidadosa e a reavaliação frequente do doente.A colheita de dados anamnésicos não deve esquecer as viagens, ainda que não recentes e a destinos consideradosnão exóticos, o contato com animais (domésticos ou selvagens), a presença de comorbilidades, a história medica-mentosa e estilos de vida, bem como condições habitacionais e contato com outros doentes.Hoje, a facilidade das deslocações pode confrontar com doenças geograficamente mais restritas, com as quaisnão se está familiarizado, tais como a malária, leishmaniose, filariose, esquistossomose, dengue, doença por vírusChikungunya ou vírus Zika, babesiose, ehrlichiosis, entre outras entidades. No entanto, e apesar da grande varieda-de de doenças exóticas, as infeções mais comuns, relacionadas com a SFI, continuam a ser a tuberculose, a febretifóide, o abcesso amebiano e a malária.Há que ter presente que a SFI é mais vezes causada por uma apresentação atípica de uma entidade comum do queuma apresentação comum de uma doença rara. 89
SinopsesDeterminadas características dos doentes podem influenciar as respetivas etiologias, sendo exemplos a idade, a in-feção por VIH (em que a etiologia reflete comummente o grau de imunossupressão), a neutropenia (com a possibili-dade maior de se estar perante bacteriemias e infeções fúngicas) e a possibilidade do quadro febril estar associadosa cuidados de saúde (com agentes microbianos habituais e com distintos perfis de sensibilidade aos antimicrobia-nos).Se a história clínica ou o exame objetivo e os resultados dos exames complementares iniciais indiciarem uma possí-vel causa, os estudos subsequentes devem ser orientados para a etiologia suspeita.O recurso a provas terapêuticas, nomeadamente com antimicrobianos ou corticóides, raramente permite estabe-lecer o diagnóstico definitivo, podendo ser um fator de maior confundimento, pelo que o seu uso deve ser muitojudicioso. Efetivamente, o rendimento dos resultados dos estudos microbiológicos pode ficar comprometido e, poroutro lado, o início dos antimicrobianos pode melhorar, mas não resolver um processo infecioso, como o do abscessooculto, com eventual indicação para drenagem adjuvante.Já uma prova terapêutica com corticóides não deve substituir as biopsias relevantes para estabelecer o diagnósticode uma doença do conectivo. Por outro lado, a apirexia conseguida com a administração de anti-inflamatórios nãoesteróides e, em particular, de naproxeno, classicamente utilizados para reforçar a hipótese de febre de naturezaneoplásica (especialmente associada a linfomas), não é suficientemente específica, do ponto de vista individual.De 9-51% dos casos não se consegue chegar ao diagnóstico etiológico, mas por regra o prognóstico é favorável. Nassituações em que se chega ao diagnóstico, o prognóstico está dependente deste.90
SinopsesDoenças infeciosas em utilizadores de drogas injetadasFrancisco AntunesAproximadamente 5% da população mundial (200 milhões de pessoas) usa drogas ilícitas e cerca de 16 milhõesde pessoas, com idades compreendidas entre os 15 e 64 anos, são Injetoras de drogas regularmente. A taxa damortalidade em utilizadores de drogas injetáveis (UDIs), com menos de 30 anos de idade, é 10 vezes superior à dapopulação em geral. Se bem que esta taxa de mortalidade esteja, principalmente, relacionada com a overdose, asinfeções têm, também, um papel relevante nos UDIs. As condições sociais de muitos dos UDIs, alguns sem abrigo,com higiene pessoal muito deficiente e malnutridos predispõe para o risco aumentado de tuberculose, de infeções pormicrorganismos comensais e, ainda, para a redução dos mecanismos imunitários de defesa.Para além destas razões, outras práticas, únicas em UDIs (por exemplo, mastigar as cápsulas ou comprimidos e lamberas agulhas antes de se injetarem), aumentam o risco de infeções causadas pela flora da cavidade oral (estreptococosou anaeróbios). Ainda, outras práticas, como a mistura de heroína com cocaína (speedball) ou a aspiração repetida depequenas quantidades de sangue, antes da injeção completa do conteúdo da seringa (booting), aumentam o risco deinfeção e predispõem para a necrose dos tecidos, com formação de abcessos.Os UDIs tendem a experimentar substâncias diversas, cada uma delas com complicações próprias – por exemplo, ametamfetamina pode estar associada à partilha de seringas e ao risco aumentado para a infeção por VIH e outrassubstâncias para a púrpura trombocitopénica trombótica e para a ulceração da pele e, ainda, infeções dos tecidos moles.Por outro lado, o risco de contaminação das drogas ilícitas, da inadequada limpeza da parafernália utilizada para seinjetarem e a partilha do equipamento, para além do contacto próximo entre os UDIs são fatores que facilitam atransmissão das infeções. Além do mais, a frequência das infeções aumenta com o número de injeções por dia.A inclusão e retenção a programas de tratamento do abuso de substâncias e de troca de seringas reduz a mortalidadede 3-6 vezes, respetivamente, quando em comparação com aqueles que não estão envolvidos nestes programas.As infeções nos UDIs não são, apenas, um problema para esta população, dado que, em muitos casos, se pode propagarao resto da população (por exemplo, VIH, hepatite B e C e MRSA).O esforço para reduzir as infeções em UDIs requer estratégias múltiplas, mas começa pelo conhecimento das razõesque levam ao abuso de substâncias. A estratégia para diminuir as infeções nos UDIs devem incluir intervenções parareduzir os comportamentos de risco, bem como para redução do risco de infeção, tais como são os programas de trocade seringas, com fácil acesso a kits descartáveis nas farmácias. Por outro lado, tornando o programa de substituição(metadona ou outros opiáceos) mais acessível pode contribuir para a melhoria do estado de saúde dos UDIs, paradiminuição da utilização de substâncias ilícitas e para a atividade ilegal. Quando com sucesso, estes programasprevinem a propagação da infeção por VIH e de outros agentes transmitidos pelo sangue, bem como reduzem o riscodas infeções dos tecidos moles.As infeções de maior risco para os UDIs do que para a população em geral são: a) Localizadas à pele e tecidos moles,sendo os abcessos as mais frequentes; b) localizadas ao osso (principalmente, coluna vertebral) e às articulações (maisfrequente a do joelho); c) endocardite infeciosa; d) tromboflebite séptica e aneurisma micótico; e) pneumonia e emboliapulmonar séptica; f) tuberculose pulmonar; g) hepatites (principalmente, a hepatite C); h) abcesso esplénico; i) abcessocerebral, meningite, encefalopatia e hemorragia por rotura de aneurisma micótico; j) endoftalmite; l) infeção por VIH; m)infeções sexualmente transmissíveis; n) tétano e botulismo.Nos UDIs os agentes mais frequentes das infeções bacterianas são os Gram positivo (principalmente, Staphylococcusaureus – MRSA e Streptococcus spp). 91
SinopsesMicrobioma humanoFrancisco GuarnerFossils and geochemical markers of biologic activity indicate that microbial organisms inhabited the oceans in Archeantimes, and that Cyanobacterium resembling cells were the origin of free oxygen gas in the atmosphere. Bacteria havebeen on Earth for 3.5 billion years, appearing approximately 1 billion years after the Earth’s crust was formed. Animalsappeared in the microbial world very much later than bacteria, during the Cambrian period about 600 million years ago,and co-evolved in association with microbial communities. Permanent associations that evolve over long periods oftime are grouped under the term ‘symbiosis’, and the microbial partners are called ‘symbionts’. Such associations areusually mutualistic, i.e. beneficial for all partners, host and microbes. Animals provide habitat and nutrients whereasmicrobes contribute to their body functions.The term microbiota refers to the collection of microbial communities colonizing a particular ecological niche, and themicrobiome is the collective genome of the microbial symbionts in a given host. Microbial colonizers of the gut are notcasual bystanders, or potential invaders when immunity fails to keep them away. Gut microbial communities constitutean important functional part of animals. This was clearly proven some decades ago by experiments using axenic (germ-free) rodents and birds.Animals bred under germ-free conditions have extraordinary nutritional requirements and are highly susceptible toinfections. Organ weights (heart, lung, and liver), cardiac output, intestinal wall thickness, gastrointestinal motility,serum gamma-globulin levels, lymph nodes, among other characteristics, are all reduced or atrophic in germ-freeanimals. Germ-free mice have hyperactive, impulsive behavior when compared with mice with a conventional gutmicrobiota. Reconstitution of germ-free animals with a fecal microbiota restores most of these deficiencies, suggestingthat gut microbes provide important and specific tasks for host’s homeostasis. Moreover, fecal transplants can transferdisease phenotypes such as obesity, insulin resistance, intestinal inflammation, and anxiety in rodent models. Thus,microbial colonization of animals is critical for nutrition, body growth, induction and regulation of immunity, endocrinehomeostasis, maturation of the central nervous system and even, behavior. The main functions of the gut microbiotaare ascribed into three categories, i.e. metabolic, protective and trophic functions.Metabolic functions consist of the fermentation of non-digestible dietary substrates and endogenous mucus. Genediversity among the microbial community provides a variety of enzymes and biochemical pathways that are distinctfrom the host’s own constitutive resources. Fermentation of complex carbohydrates is a major source of energy inthe colon for microbial growth and produces short chain fatty acids that are utilized by the host. These biochemicalconversions result in salvage of dietary energy, and favor the absorption of ions (Ca, Mg, Fe) in the cecum. Colonicmicroorganisms also play a role in amino acid and vitamin synthesis.Protective functions of gut microbiota are defined by the barrier effect that prevents invasion by pathogens. Residentbacteria represent a resistance factor to colonization by exogenous microbes or opportunistic bacteria that are presentin the gut, but their growth is restricted. The equilibrium between species of resident bacteria provides stability in themicrobial population, but antibiotics can disrupt the balance (for instance, overgrowth of toxigenic Clostridium difficile).Trophic functions provide a variety of effects on both the gastrointestinal tract (epithelial cell proliferation anddifferentiation, intestinal motor activity, neuro-endocrine pathways of gut origin) and beyond (induction andhomeostatic regulation of the immune system, maturation of distant organs including the central nervous system).The ability of the gut microbiota to communicate with the brain and thus influence behavior is emerging as an excitingconcept.The human gastrointestinal tract houses around forty trillions of microbial cells, most of them belonging to the domainBacteria. Large-scale research projects have aimed at deciphering the structure and function of the human microbiota,namely the NIH’s Human Microbiome Projects and the European MetaHIT project. Thanks to the advances in sequencingtechnologies as well as in the bioinformatic tools needed to analyze massive amounts of data, those projects as well asother research initiatives are providing a deeper insight on the microbial communities that inhabit the human body, andallow the identification of changes that are associated with disease states.92
SinopsesOnly 7 to 9 of the 55 phyla of the domain Bacteria are detected in fecal or mucosal samples from the human gut.Around 90% of all taxa belong to two phyla: Bacteroidetes and Firmicutes. Other phyla that have been consistentlyfound in the human distal gut are Proteobacteria, Actinobacteria, Fusobacteria, and Verrucomicrobia. Bacteroides,Faecalibacterium and Bifidobacterium are the most abundant genera in fecal samples, but their relative proportion ishighly variable across individuals. Only very few species of Archea (mostly Methanobrevibacter smithii) have been found.Bacterial composition in the lumen varies from cecum to rectum, while the community of mucosa-associated bacteria ishighly stable from terminal ileum to rectum in a given individual. Factors such as diet, drug intake, travelling or colonictransit time, have an impact on microbial composition of fecal samples over time in a unique host. Intra-individualfluctuations in the composition of the microbiota can be remarkable, but the microbial ecosystem tends to returnto their typical compositional pattern. Most strains are resident for decades in a given individual. Microbial diversitychanges with age, increasing from infancy to adulthood and decreasing during elderly, particularly in centenarianindividuals. There are striking differences in composition and diversity between westernized and non-westernizedpopulations. The fecal microbiota of adults is less diverse in metropolitan areas of North America than in rural non-westernized populations of South America.Diet is a key element for the symbiotic relationship between gut microbes and the host. Foods deliver numeroussubstrates for microbial metabolism and may influence the structure and composition of the microbial community indifferent ways. The presence of stable gut microbial communities may be linked to long-term dietary patterns. Dietswith high proportion of vegetables are usually associated with gene richness and high species diversity in the gutmicrobiota.Loss of species diversity and gene richness is commonly reported in individuals affected by chronic non-communicablediseases of increasing incidence in modern society, including metabolic, inflammatory and neoplastic disorders.Whether such microbial changes are cause or consequence of the underlying disorders is still unresolved. Bi-directionalinfluences between host and microbiota have been proven, and some dysbiotic changes are likely to play a role inthe origin of disease. While there is epidemiological evidence to support this concept, cohort studies and targetedintervention trials aiming at restoring the ecosystem (microbiota transplantation, antibiotics, diet) are needed for abetter understanding of the role of gut microbes in clinical conditions.Key messages: Developing and maintaining gut microbiota diversity is a novel clinical target for health promotion anddisease prevention. Functional foods and microbiota transplantation are the principal tools for improving host-microbialsymbiosis. 93
SinopsesNovas estratégias do diagnóstico laboratorial emParasitologiaOlga MatosNão obstante o crescente conhecimento científico e o desenvolvimento tecnológico observados nas últimas décadas, asdoenças parasitárias constituem, ainda, um importante problema de saúde pública. Nos países em desenvolvimento,onde as condições de saneamento básico e de higiene pessoal são precárias e o nível socio-económico é baixo, asdoenças parasitárias e, particularmente, as parasitoses intestinais são, ainda, muito frequentes, principalmente napopulação pediátrica, nas grávidas e nos doentes com a síndroma de imunodeficiência adquirida (sida). Mas, também,nas regiões industrializadas, como nos Estados Unidos da América e na Europa, são diagnosticadas estas doençasda pobreza, negligenciadas e emergentes. Assim, o conhecimento dos parasitas patogénicos para o Homem e dassíndromas por eles provocadas é fundamental no maneio dos doentes.Atualmente, o diagnóstico das infeções parasitárias depende de vários métodos laboratoriais, para além da históriaclínica e do quadro clínico. Os testes de rotina utilizados para o diagnóstico de muitas doenças parasitárias mudarampouco desde o desenvolvimento do microscópio, no século XV. Além disso, a maioria dos testes não consegue distinguirentre infeções passadas, latentes, agudas e reativadas e não são úteis para a avaliação da resposta à terapêutica oupara a determinação do prognóstico da doença.Os desenvolvimentos recentes de novas ferramentas de diagnóstico, no entanto, têm vindo a abrir novos caminhospara a melhoria na deteção dos parasitas e no diagnóstico etiológico das doenças parasitárias. Em primeiro lugar,surgiram várias técnicas serológicas que são, altamente, específicas e sensíveis e se tornaram valiosos instrumentosde diagnóstico, como os testes imunoenzimáticos Falcon ELISA (FAST-ELISA), Dot-ELISA, sistema rápido de deteçãode antigénios (RDTS) e sistema de imunoprecipitação com luciferase (LIPS). Em segundo lugar, os métodos debase molecular, tais como a reação em cadeia da polimerase (PCR) e PCR quantitativa em tempo real (RT-qPCR), aamplificação isotérmica mediada por ciclo (LAMP) e Luminex, as quais têm demonstrado potencial relevante para o usono diagnóstico de doenças parasitárias, com maior especificidade e sensibilidade do que as técnicas serológicas. Emterceiro lugar, há que considerar a tecnologia de proteómica, introduzida para a descoberta de biomarcadores, usandotecidos ou fluidos biológicos do hospedeiro infetado. Atualmente, numerosos biomarcadores são utilizados com finsde diagnóstico e, para além disto, estratificam e prognosticam. Em quarto lugar, desenvolvimentos muito recentesem nanotecnologia tornam possível a sua utilização a dois níveis, isto é de diagnóstico e de tratamento de algumaspatologias. As nanopartículas fluorescentes são tão sensíveis que, mesmo, uma única nanopartícula, revestida porbiomarcadores específicos de uma determinada doença, é capaz de emitir um sinal suficientemente forte para sercapturado, permitindo a identificação precoce dessa doença. Neste contexto, sistemas de diagnóstico baseados emnanotecnologia estão a emergir, como uma intervenção promissora para contornar as limitações das outras técnicas,abrindo a hipótese de novos desenvolvimentos nesta área.A maioria das parasitoses são causadas por protozoários, cujas técnicas de diagnóstico/identificação laboratorial sãolaboriosas, pouco sensíveis e requerem técnicos qualificados e experientes. O diagnóstico laboratorial pretende-seprecoce, rápido e preciso, como medida de controlo – prevenção da propagação dos agentes – das doenças parasitárias.94
SinopsesDoenças infeciosas emergentes e reemergentesFernando MaltezAs doenças infeciosas emergentes são devidas a agentes Infeciosos recentemente identificados e, previamente,desconhecidos, que põem problemas de saúde pública a nível local ou global. As doenças infeciosas reemergentes sãoas que resultam da reaparição e expansão de infeções já conhecidas, mas cuja incidência tinha baixado ao ponto de nãoserem consideradas um problema de saúde pública.Vários fatores favorecem a emergência e a reemergência de doenças infeciosas. A Organização Mundial de Saúde(OMS) identificou como mais importantes o impacto ecológico das atividades humanas (como o reflorestamento e aurbanização, que aproximam reservatórios e vetores do homem), os fatores demográficos (movimentos populacionaisdevido a guerras civis ou a desastres naturais), o fenómeno da adaptação microbiológica, os hábitos sociais, sexuais edo comportamento (adições ou o sexo não protegido) e a globalização das viagens, do comércio (alimentos e animais)e do turismo. Os meios de comunicação rápidos permitiram a eclosão, a qualquer momento e em qualquer país, dedoenças que, habitualmente, estão circunscritas a determinadas zonas do globo e um dos exemplos mais recentes foi oda pandemia por vírus influenza A (H1N1), em 2009.Vive-se, por isso, uma época, em que a taxa de descoberta de novos agentes e doenças infeciosas não tem precedentes(mais de 50 nos últimos 30 anos), muitas vezes, atravessando a barreira da espécie, saltando do reservatório animal parao homem quer direta, quer indiretamente e responsáveis por epidemias ou pandemias graves. Nas últimas décadas umgrande número de infeções víricas emergiu, algumas, globalmente, como as pandemias por Severe Acute RespiratorySyndrome (SARS) e, por influenza A (H1N1), outras em regiões ou locais onde não tinham sido previamente identificadas(vírus do Nilo Ocidental e hantavírus), ao mesmo tempo que patologias preexistentes, de grande prevalência global,adquiriram apresentações novas (como é o caso da tuberculose multirresistente e extensivamente resistente).As doenças infeciosas emergentes e remergentes têm várias características, que as distinguem de todas as outrasdoenças. A maioria é causada por um único agente, cuja identificação pode apontar o caminho para o seu controlo geral(medidas sanitárias, desinfeção química e controlo do vector), mas, também, para medidas específicas (vacinação,antivíricos ou antimicrobianos). Podem ser imprevisíveis e com potencial para um efeito global explosivo, veja-se o queaconteceu com a epidemia por vírus Zika. Algumas são transmissíveis, uma característica única entre as doenças dohomem, mas com mecanismos bem percebidos (pela água ou pelo ar) e, em geral, susceptíveis a intervenções médicase de saúde pública. Porque os microrganismos infeciosos são evolutivamente dinâmicos, a lista de doenças que causamestá em crecimento constante e, uma vez que os novos agentes infeciosos emergentes não surgem espontaneamente,devem vir de qualquer outro lugar, habitualmente, de infeções nos animais, como ocorreu com a infeção por VIH, com aSíndrome Respiratória do Médio Oriente (MERS-CoV) ou com a SARS. De facto, muitas infeções no homem parecem terum padrão evolutivo, às vezes durante centenas de anos, emergindo e causando epidemias ou pandemias, adaptando-se instavelmente às populações humanas, ressurgindo periodicamente e, eventualmente, tornando-se endémicas compotencial para futuras epidemias. O melhor exemplo foi-nos dado pela doença por vírus Ébola.Quando em 06 de dezembro de 2013 um rapaz de dois anos na região de Guéckédou na Guiné-Conakri adoeceu, ninguémsabia, que ele assinalava o início da maior e mais complexa epidemia de Ébola que o Mundo alguma vez vira. Em 13 demarço de 2014 a OMS era notificada e em 08 de agosto declarava-a uma emergência de saúde pública de preocupaçãointernacional. Em resultado de grande densidade e mobilidade populacionais, de costumes locais, de sistemas desaúde disfuncionais e de esforços de controlo insuficientes e atrasados, a epidemia não parou de crescer desde então.Transmissível de forma perturbadora pelos fluidos corporais e não se dispondo de uma vacina ou de uma cura expandiu-se de forma assustadora pela África Ocidental, envolvendo áreas rurais, centros urbanos e capitais, causando elevadonúmero de vítimas, medo e estigma. Em 07 de outubro de 2015 e provenientes de seis países daquela região, admitiam-se 28.421 casos, 11.297 mortes e 881 profissionais de saúde afetados, dos quais 513 falecidos, sendo maior que todas asepidemias prévias combinadas, que nunca se tinham afastado da África Central e Oriental.Durante dois anos, a doença por vírus Ébola representou uma ameaça séria para os países industrializados,despoletando a procura acelerada de vacinas, de meios de diagnóstico mais rápidos e de medicamentos eficazes,mobilizando o apoio de outros países, assustando políticos, temendo-se que não fosse possível controlá-la. 95
SinopsesLocalmente, ficou endémica, tornou-se reservatório para futuras epidemias, causou rotura social e, desintegrou ossistemas de saúde, que se tornaram não funcionais e permeáveis a mais doenças infeciosas, em países que lutavampara recuperar de anos de guerra. A epidemia de doença por vírus Ébola foi uma emergência de saúde pública, mas,também, uma emergência económica e humanitária que lembrou, uma vez mais, a importância de melhorar as medidasde proteção da saúde global.A experiência diz e as estatísticas da OMS confirmam que não há vitória final sobre a infeção e quando se elimina umproblema logo de seguida surge outro. As infeções emergem a todo o momento e as já existentes reemergem em novoshabitats, sendo a sua prevenção, vigilância e controlo, um grande desafio de saúde pública.96
Search