www.revistasophia.com.br ANO 5 Nº 17 R$ 9,00
Luciana Seabra rapaz que disse: Um dia, resolveu fazer um ce- Quem foi que te mitério para os amigos. Plantava árvores com os nomes dos que fa- deu licença para leciam. Uma pitangueira, uma jabo- ticabeira... As árvores que os ami- entrar no meu gos gostavam. Um que era muito alto ganhou uma paineira. Certa coração? Eu res- vez, um deles viajava de ônibus no Triângulo Mineiro, quando o veí- pondi: Eu nun- culo se chocou contra um cami- nhão. Ferido, achando que ia mor- ca entrei no seu rer, começou a rezar, agradecendo a Deus pela vida maravilhosa que coração. Eu en- teve. De repente, no meio da reza, pensou: mas eu não disse ao Rubem trei no meu co- a árvore que eu quero que plante para mim! O homem não morreu e ração e o seu es- logo avisou que queria uma árvore rara, uma paineira branca. Rubem tava lá dentro. Deus, de vez em quando, me castiga e tira a poe- é Rubem Alves. Um homem que faz O que acontece sia. Eu olho para uma pedra e vejo uma pedra. da vida, poesia. com a poesia? A Escritor, filósofo, educador, psi- palavra poética canalista... Rubem Alves encantou a platéia que assistiu à sua palestra faz vibrar algo na 25ª Feira do Livro de Brasília. Deveria falar sobre uma de suas em mim e eu percebo que aquela de ver as coisas belas. E eles tor- últimas obras, Reencantando o mundo pela leitura e pela escrita. palavra que ele disse é também pa- nam aquelas coisas belas visíveis. Acabou deixando o livro um pou- co de lado, para divagar em ques- lavra minha. Nós dois participamos A sonata de César Frank é bonita tões abstratas, como o belo e o amor, e concretas, como o conteú- daquilo. É como aquela situação em porque está escrita dentro de mim, do ensinado nas escolas brasileiras. Rubem Alves evoca filósofos e es- que dizemos: eu poderia ter escri- então eu me reconheço nela. Todos critores antigos e modernos em ex- plicações simples e agradáveis para to esse poema. É fantástico esse nós temos uma comunhão de bele- as coisas do mundo. Veja, a seguir, alguns trechos da palestra do escri- poder de, através da arte, se en- za adormecida. E quando sentimos tor. contrar no outro. a beleza, despertamos para ela. Linguagem poética O belo Amor A escritora Adélia Prado diz: Deus, de vez em quando, me cas- Eu não escuto música quando Vocês que são apaixonados sa- tiga e tira a poesia. Eu olho para estou trabalhando, porque ela tem bem que vocês não amam essas uma pedra e vejo uma pedra. O um poder tão forte que eu paro de pessoas. Tanto que não amam, que que caracteriza a linguagem poéti- pensar. Um dia eu rompi esse cos- às vezes em uma coisa muito sim- ca é que quando você olha para tume e coloquei um CD de um com- ples o amor desaparece. Quem fala alguma coisa vê algo além. Uma vez positor que eu adoro, o César isso é Roland Barthes. As pessoas eu estava em Juiz de Fora, fazen- Frank. De repente, eu descobri que são como um lago no qual nada do uma palestra, e encontrei um estava chorando. Assumi minhas um peixe encantado. Nós gostamos funções de filósofo e disse: Por que do lago porque nele nada um pei- você está chorando? Eu respondi: xe. Eu não posso pegar o peixe. Eu Por causa da beleza. Mas o que é posso ter o lago. Às vezes acontece a beleza? Perturbado por essa per- de vocês amarem uma pessoa e, de gunta, eu me lembrei de Platão. repente, enjoarem dela. Naquele Quando ele não tinha resposta, in- momento, vocês não estão vendo ventava histórias. Ele contava um o peixe encantado. Um tempo de- mito de que, antes de nascermos, pois, você vê o peixe e volta a amar. nós contemplamos todas as coisas A pessoa é acidental. O que é fan- belas do universo. Ao nascermos, tástico é aquele objeto misterioso nós nos esquecemos. As coisas be- que foge sempre. las ficam em estado de torpor. En- tão, por que eu achei a música bo- Casamento nita? Se Platão estiver certo, aquela sonata já estava escrita dentro de Certa vez eu estava atendendo mim. O que o César Frank fez não um marido que brigava muito com foi compor a sonata. Os artistas são a mulher. E disse a ele: Quando anjos que têm o privilégio divino escrevi um texto em 1981 que fala- va sobre professores e educadores, eu dizia que os professores podem SOPHIA JAN-MAR/2007 19
ciente e superconsciente. O cons- consciência universal. O subcons- matéria: inércia (tamas), paixão (ra- ciente é o nível onde a pessoa ciente é guiado pelos instintos; o jas) e tranqüilidade (sattva). A pre- toma decisões, faz escolhas e jul- consciente, pela razão; o super- ponderância de um sobre os outros gamentos. Abaixo do consciente consciente, pela intuição. O ego afeta a mente. Tamas afeta a mente está o subconsciente, oculto, mas opera somente no nível conscien- de maneira profunda; rajas, com exercendo influência sobre o te. No subconsciente ele não se agitação; sattva proporciona esta- consciente. manifesta, e no superconsciente ele bilidade à mente. Tamas causa a desaparece. não-percepção da realidade; rajas, Acima do consciente há o su- uma percepção distorcida; sattva perconsciente, onde a consciência A mente está sujeita aos três confere clareza de percepção. individual entra em contato com a gunas, ou às três modificações da Centros de consciência O impulso bási- O Vedanta fala de seis centros mos sobrepujar a mente cedendo minho da subju- co da consciên- sutis de consciência, localizados ao aos seus desejos. Algumas pessoas gação, e depen- cia individual é longo da coluna vertebral e conhe- tentam sobrepujar a inquietação da de mais do po- em direção à cidos como chakras. Eles ficam na mente punindo-a. Outros tentam es- der da vontade. unidade com a base da coluna, no umbigo, no co- capar da inquietação mudando de consciência uni- ração, na garganta e no espaço en- ambiente, mas logo descobrem que tre as sobrancelhas. são perseguidos pela inquietude. A u t o - r e - versal; o fluxo Isso porque, aonde quer que for- Quando a mente está centrada mos, levaremos a mente. gulação a natural da mente nos três chakras inferiores, só se preocupa em comer, dormir e sa- A maneira de domar a mente ir- auto-regulação é cosmocêntrico. tisfazer os prazeres físicos. Quando requieta é enfrentá-la. Esse enfren- envolve a concen- se eleva ao quarto centro, faz um tamento tem quatro aspectos: auto- esforço rumo ao espiritual. Elevan- aceitação, autocontrole, auto-regu- tração da men- do-se ainda mais, eventualmente lação e moderação. consegue ir além do sexto centro e te e a meditação sobre um objeto funde-se à consciência universal. Auto-aceitação é o reco- simples, chamado de Ideal Escolhi- O impulso básico da consciên- nhecimento de que o problema da cia individual é em direção à uni- inquietação é uma criação nossa, e do. A meditação culmina na absor- dade com a consciência universal; que nós mesmos temos que sobre- o fluxo natural da mente é cosmo- pujá-lo. Não há como nos esquivar ção no Ideal Escolhido, que é a meta cêntrico. Mas esse fluxo, obstruído a essa responsabilidade. pelo ego, projeta-se em ondas de de toda prática reguladora. emoções e impulsos negativos, Autocontrole as quatro sen- como luxúria, raiva e ciúme. Inca- Moderação O esforço de mu- paz de tornar-se cosmocêntrica, a das da ioga mostram quatro manei- mente torna-se egocêntrica. ras de atingir o controle da mente: dar os hábitos fracassa quando é pe- persuasão, purificação, erradicação queno e casual; mas, quando é in- As impurezas da mente são de- e subjugação. O autocontrole pode tenso demais, pode causar danos à pósitos sutis do viver indulgente ser atingido seguindo um dos qua- mente. Por isso, o Bhagavad Gita do passado. Não são simplesmen- tro caminhos ou uma combinação aconselha moderação em todos os te pensamentos impuros. Devido deles. A senda do conhecimento, ou assuntos. A ioga não é para aquele à repetição, os pensamentos im- jnana yoga, enfatiza o caminho da que come demais nem para aquele puros tornaram-se hábitos persis- persuasão, e depende grandemen- que dorme de menos. Mas é efici- tentes, fincando raízes na quími- te da razão. A senda da devoção, ente para aquele que é moderado ca do corpo. Esses hábitos são ou bhakti yoga, advoga o caminho na alimentação e na recreação, no chamados de samscaras. Eles não da purificação; confia em dirigir a trabalho, no sono e na vigília. podem ser superados pela análi- mente ao Divino. A senda da ação se intelectual. O tempo também abnegada, ou karma yoga, prega a Nenhuma tarefa é mais urgente não consegue apagá-los. erradicação do ego. A senda da me- do que obter domínio sobre a men- ditação, ou raja yoga, enfatiza o ca- te, sobrepujando a inquietação. Ne- A falsa psicologia diz que pode- nhum sacrifício é demais para atin- gir essa meta. Nenhum esforço nes- se empreendimento é perdido ou desperdiçado. Mas o sucesso no au- todomínio só vem para aqueles que o almejam, que o praticam e que per- severam na prática. SOPHIA JAN-MAR/2007 37
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