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papel leopHardo

Published by coletivomarianas, 2020-05-28 18:03:27

Description: Autora: Andréia Carvalho Gavita. Adaptação eletrônica da edição impressa publicada em 2016 por Marianas Edições em parceria com Bolsa Nacional do Livro. Diagramação da autora.

Keywords: marianas edições,coletivo marianas

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papel leopHardo Andréia Carvalho Gavita

Sobre a autora: Andréia Carvalho Gavita. Poeta paranaense. Trabalha no Departamento de Ciências Florestais da UFPR, cursa Gestão Ambiental, é mediadora no Coletivo Marianas e participa da edição da revista Zunái. Participa de diversas antologias e é autora dos livros A cortesã do infinito transparente (Lumme, 2011), Camafeu escarlate (Lumme, 2012), Grimório de Gavita (Lumme, 2014), papel leopHardo (Marianas Edições, 2016), Panfletos de Pavônia (Leonella Editorial, 2017), Cílios prostíbulos (Patuá, 2018) e Neônia (ARC Edições, 2019). Sobre a versão digital: Diagramação da autora. Adaptação eletrônica da edição impressa publicada em 2016 por Marianas Edições em parceria com Bolsa Nacional do Livro. Imagem da capa: Animals - feline from Histoire de l’art égyptien (1878) by Émile Prisse d’Avennes. Original from The New York Public Library. Digitally enhanced by rawpixel.

papel leopHardo Andréia Carvalho Gavita versão digital 2020

gigante azul 6 kari’boca 7 da tumba ao útero 8 aforismos de papeis pardos 9 fogo portátil 10 lilith límbica 12 panfletos de pavonia 13 gargulísis, gargulótus 14 a pérola por dentro 15 amazona flácida 17 quando os chacras ovulam 18 Atrás de cada olho esterilizado 19 clair de lune 20 o sorriso alérgico de Lili(th) 21 Cinemascope 22 faquiresa, sativa 24 maria da pena 25 moça com coleira fidalga no ateliê das frutas de cera 26 partos que me partem 27 funeral da rainha com escafandro 28 La Stravaganza 29 Niké 30 cheopis 32 incompleta hélix 33 fome de gaia 34 Ossos do ofídio 36 morteiro 37 lupa lúdica no fôlego das lascas 38 retrato de balística 39 farmacopeia 40 a proeminência laríngea das araucárias 42 Strigiforme 43 12 apostas 44 Pisaura mirabilis 46 lobos, temporais 47

exócrino 48 a tumba constelada 49 História Universal 50 Pyrosis 51 Belle D`Opium 52 é dos pequenos o reino dos céus 54 nanosfera 55 noosfera 56 Prana Parda 57 pseudo-haicai radioativo com 4 pa(u)tas 58 quatro miragens para a “poza azul” 60 arauto 61 quarentena para Murilo Mendes 62 quimera na quinta avenida 63 augusto entre anjos 64 lapis armenus 65 Pursuit 66 Pensamento rei 67 Sete-Estrelo 68 Nem Mata Hari, Nem MaraGata 70 o êxtase do santo leitor 72 manuscritos de cadeira elétrica 73 falanges do Livro dos Mortos Vermelhos 74 a madona de safira fria 75 cartas de simbiose 76 sinto-me branco no mar 77 o outro paciente inglês 78 stellaria, a pedra das estrelas 79 sonambulismo no helesponto 80 moira mínima 81 17 horas para a caravana dos espíritos afinados 82 Conduta Psíquica do Livro dos Mortos Vermelhos 83 cambiantes escorpiões, flores 84 Necessaire de Pavonia 86

6 perde-se em mil réplicas imperfeitas de si gigante azul e. ornato explode (há muitas moradas e mórulas na casa da mãe) saciada, múltipla cortiços, acrílico e aventurina cafeína febril penetrando a vértebra ritual de missa rubiácea a fêmea com garras esclarecidas pela avenida de couro falso em mimesis de sfumato alfa minotaura, maquiada nude sibilando - a escuridão me pertence - pressionada pelo sol, o pai magma: phallus dei o salto furando o sistema sensorial de anãs-brancas (tambor de bruxas, o tímpano) a escória celeste enfim liberta em brotoejas que erupcionam escamas na benção eólica do deserto de sua casca nada mais luminoso e marcial que seu reflexo gastrópodo possuindo manequins plásticos no vitríolo pegajoso das vitrines

7 kari’boca o oceano lambe-se como um gato do mato meus ossos de navio trocam a floresta por um espelho mercante mil indígenas assoviam dentro das vértebras evangelizadas finjo-me especiaria de pó finíssimo estátua de colorau o canto tribal das ondas aprende o idioma dos marinheiros deixo que me cortem a língua de pajé cauterizo o choro titânico nas águas falantes que cobriam a terra antes dos mapas a maré vermelha bebe meu nome

8 suaviza-me a marca destas expressões da tumba ao útero de florestas & furnas & lagoas os uivos que soam (fauna, flora & febre) em sinos & gemidos na fabulosa nostalgia a terra me lembra de um astucioso artesão a pele de todos os bichos com vértebras com que me aqueci fantasiando o calor esta oficina diabólica é espelhada um prisma químico do músculo liso pelos azulejos anestesiados no metabolismo das dedaleiras com olhos de vidro deixo-me moldar com olhos de botão junto com todos com olhos nos pratos os bichos & ervas & germes que me retornarão o lobo-guará quelícera de submundos olfato dourado um célebre sem crias seu canto tribal dentro das unhas sem carmas sem conhecimento e gônadas um ciclope rosnando pelo celibato de gaia a coruja branca enfeitiçada de premonições expulso & acolhido, viajante sua previdência noturna pelo arvoredo da respiração o gato-mourisco na sola dos pés roendo pedregulhos e mastros malabaristas na terra onde estamos lacrados todos alados féretros as peles e os ossos em simétrica convulsão migratória na fornalha dos primeiros dias no assopro de vitrais pela catedral transpirada

9 aforismos de papeis pardos para cruzar em um microssegundo a idade média até a do ouro é preciso a marcha ondulada, o couro transparente, os olhos de todos os bichos no ventre felígneo o fósforo branco dos ossos em avalanche somática a ira de uma pena supersônica no alfabeto do radar fulgurito de boitatá no invólucro do papel leopardo: virá, virá

10 fogo portátil no pulgueiro da noite névoa nórdica nuage de poussière passeia com sua piteira prateada em saltos insalubres pela ceia dulcífera-encefálica dos cômodos de Komodo minha dama-dragão com cabelos de neblina & vísceras vespertinas pita pitonisa, pita pervertida com uma subversiva dose de nicotina fio de náilon sobre o nilo tremo dentro do algodão pela primeira vez perfumado ela me chama a brasa bétula esbugalhada pelos dedos de lótus os olhos de cócoras na placenta da escuridão belos como a lua de liz do fim dos túneis mas resisto, santelmo um terror antigo de crateras na língua chamuscada um bálsamo de belzebu no enxame do palato abstinente

11 enquanto seco as unhas de boneca-porcelana tentam derrubar a esfinge eu, índio extinto pinto a garra de branco o branco do nilo com patinhas de papiro

12 lilith límbica lampedusa lisa feito vulva de drusa lapidada por mil línguas atávicas age como relâmpago ceifado sobre o relógio estrategicamente perfumada com apenas duas gotas de pequena vagem em olfato de morteiro no ventre com clorofórmio ocultos estigmas pela anágua de feno um rodopio de forragem na hora magnética Anthoxanthum odoratum a terra sonora suga o satélite morto: seu feto regurgitado e o expediente nunca se atrasa nem a náusea

13 panfletos de pavonia meus cabelos eram vermelhos contavam carneiros sombrios pastos, morangos, abetos & cílios agora são azuis e dormem abertos em istmos austeros flagelos flamingos

14 gargulísis, gargulótus vomitando arco-íris de oxumaré vejo a moça aluada um espólio com asas de isopor o semblante sórdido embotado no açúcar rosa das sapatilhas de degas sonhando a bailarina retratada ave em cofre de mogno em teu ventre alquímico a moça bailará “mosca iluminada” víbora de danças exóticas como uma besta nuclear assim a vejo no fundo do pote colorido descalça e macrophylla freira desabitada e sem dedos enfaixados

15 a pérola por dentro olhos renascentes nas palavras Artemisia Andromeda Aurora Adorada dama reclinada na relva embalada pelos monstros que nunca serão seus retina de via-láctea é toda abalone a messalina lebre do mar a palma untada com óleos de lava untando o amaldiçoado espartilho da perfeição quando liberta o casulo da asa pode ser toda raiz fasciculada, embrenhada toda terra de cova toda enxofre toda cobre rainha do mundo inferior sem voos que a convençam a nascer o que não é

16 não sabem o que vejo de minha sacada, além do nascer piromaníaco não sabem o que ouço de meu balcão de trabalho, além do cuco doentio não me peçam condolências nem aura rosada de silêncios além da política, shiva a serpentina compreensão bárbara e defensiva doce é não agonizar placidamente com as gengivas enferrujadas em um sorriso harmônico e covarde equilibristas são todos bêbados e tediosos

17 amazona flácida meu unicórnio: faço o que quiser com ele. eu o planto na dicção dos lamentos faço de suas patas delicadas meu órgão de barbárie pisoteando o pasto como um bode expiatório eu o lembro nos tios, os 3 eu o lembro no pai, o primeiro no doentio noel, no albino professor de linguística e no frade das primeiras descobertas escatológicas, nos ameaçando com a torre dos sinos penso-o em são sebastião pingando suas cachoeiras corpóreas no mar de dedaleiras todos ósseos e escapando pela fronte dos moluscos e, rainha de uma noite fálica flecha de pequenas alturas com a agulha de morfina no eixo da musculatura lisa enfio o chifre da iluminura no coração dos reis não é o amigo imaginário que me incita é o diabo o pobre-diabo sem crina, sem cauda sem caduceu apenas um crime ereto na projeção do crânio partido cavalgando a mágica proibida de um bestiário empoeirado

18 quando os chacras ovulam um sangue de dragonídeo pelas especiarias de minhas convulsões derrama, derrama o leite d`ouro na pupila do leopardo cerejas pulsam a noite pela babilônia das bocas abertas todas centáureas sobre nós cristais de rio pústulas de diamante em bósforos e em astreias apiedo-me dos seres que não conseguem nos ver as ciclopeias de franjas curtas e saias alongadas como belladonas e damas-da-noite no cabaret da alma dos garotos despetalados andando seminus na água gelada de um lago que dorme puro e casto ao teu lado (o sombreado)

Atrás de cada olho 19 esterilizado hormônios em êxtase de ocasos, o corpo lúteo rendado digo-vos: o aplauso do cosmos para o velório das teias arrebenta o tímpano do manto niquelado em overdose lunar e canta: o manso salvador não nascerá os folículos, as púrpuras constelações, humano despedem-se do respeitável público de meu parto eloquente antes púlpito ele sibila cobra as trompas são serpentes criptonita enjoadas do éden adeus  loucas de lua e hóstias cruas no silvo do espelho pituitário: a partenogênese da virgem circense volátil e viril quem disse que o anjo estrógeno ainda será o rei paterno? nesta roda de nascimentos eunucos seus olhos de anunciação são terríveis conta-gotas uma nuvem de gafanhotos anticolisão quantos ovos carbonizados serão ainda necessários para que o sol descanse andrógino e sem coroa no império dos venenos luteinizantes?

20 clair de lune as letras mais femininas foram talhadas pelo homem pré-micênico preso dentro do labirinto que ele mesmo levantou no levante lento do sílex afiado sobre a pedra tumular onde via a carne contraditória de uma deusa opulenta & insensível metáfora de um anjo assexuado, porém fértil como um rio que apenas exige oferendas pelas suas curvas mas a água-cobra será favorável mapear seus cruzeiros dandinar os engrimanços com os dardos & esgrimas das lamparinas hipnóticas (nano-garras dentro das lantejoulas) fazê-la astarte de terracota em dicionário sumério súmula e pústula de um escriba astronauta para aplacar a mutante ofensa das iconografias mórbidas & mudas a mulher-cria e se move pelas criaturas cheias & minguantes

21 o sorriso alérgico de Lili(th) se me ofertam lírios mostro os dentes de urtiga lírios são parnasianos e psicóticos e babam demais são camisas-de-força na saliva oscilatória da contração dos vales flores de martírio na mucosa de fórceps com hálito inseticida em defesa, iluminista androceu no reduto do pólen, me perpetuo emanação do terrível cosmos florata sorridente urtiga, urtiga, teu rosto não se turva no giro demente do sol teu rosto é um mocho de vestes metálicas sondando a fria goela da lua espinhenta sou teu trêmulo aprendiz, embora dandelion a melancolia universal não nos cai bem quando chora cintilada escapo, liricamente em naipes de espadas, os lírios: pisoteados. 

22 Cinemascope infibulada noite áspera, noite gloriosa incrustada em caveira anticartesiana a moça ciclopeia ateia-se ao livro de cauda longa sereia esquecida num canto de outubro permuta o júbilo rutilante de erógena com a sexualidade calada dos alfabetos nadificada no gozo do mundo ansiolítico sob a mira do abajur depravado demaquila-se em curvos espelhos os dedos de harpia imponente seduzem-se em letras tóricas sem abandonar os cílios selados absurdamente vaidosos rubricados por lápis lazúli masturba-se, poemática. em auto odisseia.

23 Augusto dos Anjos diz: “Toma um fósforo, acende teu cigarro”. A medalha de Maria Bueno repousa sobre a última carteira de cigarro. Se penso em tocá-la, olha-me de dentro das rosas e diz: nefelibata. Vai, a quimera dorme naquele morro verde-piscina, onde mergulha os dedos esmaltados, cheios de fumaça. Estes brilhantes e estas cobras que tens tatuados na pele cantam como sinos nascentes dentro da neblina. No profundo da terra, todos os versos são íntimos, e respondem os teus poemas, pois também são feitos de minerais (como os bichos e as plantas e os lanches). Minérios sidéreos: os donos das ruas todas que pisas com tua penumbra de caça e caçador. Bebe teu licor. Viaja com amigos. Comparece em todas as festas para que os coquetéis e as cornucópias reconheçam teu nome. O tempo é labareda embriagada no teatro dos signos. Breve. Não te esqueças. Paulo diz que somos filhos ávidos de vênus, a nebulosa, abandonados em um planetinha purpurinado no abysmo do cosmos. Esta analogia será assistida e ele te sonda e nunca te esquecerás. Não temas o anonimato, ele te espera, sabendo tudo de ti. Sorria, mesmo enquanto imaginar que não está sendo filmado. Pois assim o és, eternamente: vislumbrado.

24 faquiresa, sativa dia pós dia a idade me dissolve das trevas - súcubo do sol frestas vírgulas - rugas confusas - fuste funesto o umbigo doloroso - rosna onde ater-se - ateu luminoso rejuvenesce em falência múltipla - sombrio que sonda o faminto e a crepuscular

25 maria da pena ela rogou ao mar o touro branco como a neve a cor de seu desmaio pelas fracas porcelanas um troféu de reinado para lembrar aos homens que costurava ilhas dispersas e domava com rigor e charme caótico os olhos náufragos sobre sua pele coletora quando surge na avenida willendorf maquiada de ocre vermelho vestida com couro curtido desafia a vênus anadiômene e sussurram mitologias: cuidado, a minotaura.

26 moça com coleira fidalga no ateliê das frutas de cera cavaleiro da rosa, dama do terreiro debaixo de suas asas de lona o visgo de um pesqueiro losna brava, melissa rasteira acima de suas pragas e gosmas a vítima sereia leguminosa, levítica cabreira pata de bode, forcado & rústica escumadeira dizem-te concha, joia rara, perfídia & ligeira mas és uma lágrima de bivalve magma trepadeira enrosco-me em teu pescoço de cisne ou ganso feio sou osso, colostro amuleto tosco sobrevivente de tiroteio

27 partos que me partem bebês azuis em mãos rosadas não há verso abstrato que os contenha na melancolia das mães enrolada como se pingente no cordão umbilical ato-me sem eletrochoques na folha-ponto da sutura cor de ocaso é plácida toda placenta na pena dos tinteiros não ouso mergulhar na memória escrita de seus úteros mas elas me chamam as mães ancestrais da nevrose pelos berçários suas mãos rosadas submergem em brasa no quadrante clínico de um sol paciente

28 moça luminescente, ostra dormente funeral da rainha com escafandro repousando entre corais não sente, não mente manhã cerzida, revolta de crânios o jardim de velas em síncope seu corpo sempre porto de partitura nunca teve amor que não fosse ardem gerânios réquiem de lavas destinado aos abissais verbetes ante cicutas ereto pela isquemia de ardente fábula o espírito da colmeia polifônica, estrábica desmaia súdito na vaia verde marinha grávida das mulheres trágicas na praia oposta morta d´água impressa sereia na omoplata o homem de palha inflama seu mel sanitário queimando com dedos de cinerário versículos lentos para a dodecafônica finada amada sonatas para satanás concertos para covens sete anjos em staccato nada desperta o lunático desdém do corpo império sedado no pórtico

La Stravaganza 29 a cabeça das valquírias em apoteose eu, de infinitos pés lacrados, andante centopeia fabulosa pelo fermento proibido de flores com meus dedos de polifemo na modéstia dos mosteiros estivador papoulas pedintes na opulência velada eis-me furna de teu devaneio das fechaduras trono de tua austeridade suplicantes preces de pergaminho eis-me postulado danificado por gota de láudano em tuas pústulas ou lástima de prostituta eram-me fogueira fria na trilha sagrada que não me permanecia pouco a pata da raposa na fétida claridade máscara de minha peste campestre dos obituários sempre viva, sempre ao leste eis-me foxglove de qualquer nome que não dissesse o meu nada de ti em mim na rosa murcha de meu antúrio prepotente que não sejam campânulas de convento barroco na sinapse das suculentas e antigas glórias da manhã abandonado no esqueleto empalhado la madre maestra que não me detia da ópera mesmo que grito que sangra tua iluminura aviso, castigo, caridade ou embuste de erva taberneira medieval mestra de púrpuras digitais nem morta castrati a mulher de luvas paralisa-me a fumaça jovem no calor da pedra ancora-me a alma casa de minha rocha

30 Niké anticapitalista & anticapitu esmalta as unhas com a tinta de um olho grego enquanto a roseta chia silêncio petrolífero no museu britânico influenciada por europeias e americanas mantém as cutículas, poupando as córneas das poucas moedas sem euros e sem heróis a neblina tropical afoga-se sob o removedor há um giro roda da fortuna no etéreo fútil o vapor inflamável do alquimista disfarça a pele curtida de apostas terroristas & atletas espalmam articulados um hino de curto-circuito no calcanhar marmóreo de um deus olímpico como percorrer a vaidosa distância entre as mãos de gatilho e os pés de um mito falido?

31 cansam-me os obituários. são como peixes na porta. golpes na aorta. doe o sangue divino. não desperdice o poder da argumentação. morre o garoto pobre. morre o filho do político. morrem palestinos & africanos. mas nascem milhares de doentes & saudáveis a cada segundo. brotam pelos mapas como flores culinárias. há de se celebrar o batismo da medicina comestível. no calendário das transfusões os dias são sempre iguais. para negros & brancos, bichas & bichos, crentes & ateus. todos pálidos & assexuados. contaminados de deus. no hemocentro / circo elástico / vai o palhaço / roupa branca com narinas / de borboleta / seguindo automático / as pegadas do coelho / radioativo / no ninho / metálico / da criança eterna. sente as pegadas? que me importa se sua cesta pascoalina está cheia de lamentações injustiçadas? pinte ovos à maneira antiga: tatue a tua cor (qualquer uma) na casca insípida. nem toda arte cromática te livrará do discurso derramado em vão. o helesponto sibila. é um hospital iluminado na ceia dos benditos. somos todos filhos de um ser sem óvulo fertilizado. é o que dizem. mas você não precisa acreditar. é poeta. é ator. é músico. é apenas um perfil na rede social. imunizado. feliz páscoa. 

32 cheopis matricária real na autópsia dos dias santos (todos) a moça suástica não esconde a máscara de camazuleno camaleônica em pegadas de caduceu desfila pelo xadrez dos cancros im-pacientes (um napoleão marchando inócuo em corredores de hospital) com bolsos vazios (longe da peste) o cordão nervoso aporta na ilha dos piratas seus roedores em fila indiana saltam aromáticos (especiarias anestésicas, sorrisos espasmódicos) mas há uma mentira silábica no furo do longo casaco branco: se imploram ópios, concede, pensando em chávenas solares de camomila entornadas (que poderiam sepultar todos os morgues, caso não gritassem tanto pelas argamassas narcóticas de morfeu) 

33 incompleta hélix na semiosfera da mandrágora óptica intaglio a natimorfa sonolenta antífona sóbria sardônica a polegada de um escárnio que nos adorna encarno-a em jaspe de camafeu e pelo escarro escancarado renasce pastora morna nematoda helicoidada na testa de androceus

34 fome de gaia as larvas são astutas diz o córrego na caverna voa por dentro de sua arcada a noite mastigada válido é o desconto para torres de algodão doce torrões para animais de circo valendo mais que uma dracena imortal os cupons são passaportes para este céu escurecido diamantes para lúcifer o senhor dourado proibido como uma tarja preta bocejando calórico

35 cabeça de fósforo fustigada. e toda anatomia de um dragão desenhada sobre as cabeças. um dragão de fumaça destilando lirismo lúdico sobre a rua são francisco. e em minha anatomia toda, agora controlada por miligramas de um antigo ritual alcaloide. não pensei na falta da brasa. pensei na máscara de gás entornada sobre os livros. queria que estivesse na mochila. fácil de usar. tão fácil quanto minhas máscaras cirúrgicas. escrevo com luvas de látex. porque o mundo é perigoso e viciante. para driblar o calendário da morte, quantas máscaras ainda terei de invocar?

36 Ossos do ofídio De arrudas o cabaré A duna de escamas: Cripta maré Oxum-oxum-oxum Javeh * Na medula todo sigilo Que possas vocalizar Vem egun, vem exu Vem tu Vem espinho, frio, cio Falange de ogum Tudo em mim É só um É só um Hino de olorum * Quanto mais magia Mais relva contorce Fogo de santeria Meu terceiro nome Canto caboclo Atabaque mouro Maçã, ave, louro Crepitam em meu altar Pitonisa: Eclode, eclode.  

37 morteiro martelando moscas & morfinas as moças do malleus maleficarum mudas, morses em celas criogênicas nem todas são fetiches da divindade com vestes brancas moem a lua os cadinhos relincham nos corredores o trote anestésico de pégasus

38 (todos os julgamentos são febre & farpa) lupa lúdica no fôlego das lascas anêmona, anêmona cantamos seus nomes clepsidra, clepsidra água-viva teu símbolo sésseis e peciolados movente {as libélulas lupinas desfilam pelos braços poliglotas pela memória marinha} (abraçamos a bússola da medusa) (e a fotografia de duas sereias descansa na carcaça pétrea (death metal & dragonfly) de um extinto dragão) (há navios em todos os relógios. cabeças de fósforo na orla. orbes de cegonhas famintas) celenterados & celacantos os cisnes nos hemisférios entes de sonhos, falanges & bandagens no bruxismo da noite perolada quando a mandíbula solar mastiga a hóstia seca dos poetas (nossas testas - árduas - atravessam o rio do esquecimento) pensaria batismo mas é sondagem de fibrilações ^^^^tremor de hemácias oceânicas^^^ (no mar morto dorme uma cidade castigada)

39 retrato de balística há uma árvore muito fina no colo das pérolas. o fruto magmático afluente pelas especiarias radioativas. (opalina, a corda marinha no tímpano) (tão longe do oceano o navio-pai da memória) (pisoteio no ponto propulsor. ébano e neblina. seriam centauros, as bestas na ebulição de minhas cordas vocais fasciculadas. mas são flechas na duna vaporosa. ativando faces em camafeus.) aquela moça no intrincado lunar murmurando água cantante para a histeria do espelho. eflúvio de som, os testes nucleares cintilam a geologia dos eunucos cinéticos. a moça tem escravos musicais. é um antiquário seu gesto de pendurar a coleção de conchas pelas orelhas sangradas. explosivos dispersam os pingentes de seu colar. a coleira nos escombros da radiação perfura os olhos dos pássaros. castrados, cantam mais apurados para a escória do mar cintilante. dentro das ostras, proclama-se o mistério: ela abre o porta-joias. ele lustra, pela milésima vez, a caixa de projéteis.há uma árvore muito fina no colo das pérolas. a herança da guerra, a biografia. (estudo o movimento de corpos lançados ao ar livre)

40 farmacopeia carentes de leite, corredeira de albatroz um anel de pescador carimbando receituários na alma dos marinheiros e a mão litúrgica de látex nau de enguia no lastro líquido da nuvem medicinal nutre-se de seiva ensanguentada

41 jung chicoteia a paciente. e dela, em cristais subterrâneos, flutuam ao ar os conceitos de uma tolerante idolatria aos símbolos. a nuvem ornamentada, a linguagem ritualística. portanto não tema o “agente dificultador da objetividade discursiva”. são cápsulas, comprimidos, desenhos sugestivos em bulas. tratam do incêndio aturado pelos decibéis inaudíveis no forno antigo dos alquimistas. ardem como receitas médicas psicografadas. indecifráveis até que se umedeçam e amoleçam na saliva. engula. agirão no estômago. os ácidos internos saberão o que fazer com esta língua que te cospe.

42 a proeminência laríngea das araucárias enquanto contabilizam as estacas que articulo ao redor de minha fortaleza muscular rezam a lenda matemática ofuscante: - é assim que a conta faz - é com pingo cínico o sóbrio “i” - é com cinta liga a curva cobreada dos termostatos mas eu não sondo nada que se cumpra gado marcado no rebanho angustifoliado “poematic” ereta, a maçã fronteira não soma o algarismo algoz da fruta física antibíblica com ares de “falo satíricon” oscilando lastro entre o microscópio e a luneta meu cercado de Ló multiplica os peixes de único pão-de-leite quente minha casa favelada em quantum é um verso atômico livre imparcelado favo priapo espasmo no contido pomo de adão

Strigiforme 43 para Alexandra Kollontai sou teu carvoeiro exausto, mãe de Misha tenho uma fábrica agora, mãe de Misha minando ponteiros pela cromatografia opero um imenso canhão de laser dos vegetais e me sinto bem: na colmeia sou formiga mocho na floresta, com olhos de besouro com salário de caçador no jato preciso da luz na selva do solo de pelos eriçados cremando a fogueira vermelha gráficos furo o escuro, fio de magma cuspo labaredas e as engulo sou tua dama-dragão, mãe de Misha analiso açúcares, mas os evito no estômago operário nem o sal salpico pela cozinha o cozinheiro o faz por mim magista que é com o esmalte riscado respiro o álcool isopropílico mergulhando na poça catapulta as peças dos dedos automáticos ressuscitando em anéis de parafuso minha ourivesaria minha mobília de fina decoração ventríloqua na vitrine

44 12 apostas brilha na topografia o amor cortês de sua folha gênesis getsêmani apenas gêiseres que nada me escrevem de flandres o coringa lapidário um sopro de magdala nas amígdalas da expressão humana sob frequência limpa nem a polissemia de uma boa samaritana mensagem, sufrágio perfuraria meu sermão sobre as montanhas sem papiro pilhas e pilhas contrabandeadas sem zibelina de percepções com mirtilo vaporado as pescas e os caminhos sobre águas pantanosas, os liquores de meus desa-fetos testimonios vertidos em antíteses de amoníaco tão lacrimosos quanto o sumo de lacraias lisas drenadas pela sola das alpargatas de um indigente curandeiro enquanto bifurcam-se, guardo milhas aéreas sondando como a rapina a urna funerária do poeta

45 cordata massiva. a via dos fármacos ensinara- lhe a diplomacia. no quadro negro: a paisagem de entranhas saudáveis. e a úlcera paciente, minúscula calmaria: armadilha de meditação. o buraco negro na constelação da virgem: pirilampedusa.

46 entendo sua máscara de predador Pisaura mirabilis abelha na rede, marinheira junto de suas juras poéticas mulheres de sisal trança em dor de trigos mergulho na mentira dos milagres na paleta dos quartos escuros: mas não acredito nem sempre a água é líquida nunca seriam feridas, aparições na carta das marés para a máscara feia do desconhecido no sena como um chamador de tubarões ancestralizado pela diálise da ponte o desconhecido devaneia: nem sempre a água é líquida nem sempre as mulheres são mais que cartas deixava-se aquífero com o recorte do chapéu em tanatose na beira do poço cósmico a colmeia da boca adoecida de inseticidas a baleia do ventre com arpão de vilarejo faminto plagiava a moça morta imune à dor dos outros que eram dedos cortados pela realidade frente a relíquia da posteridade? assim que pula mil poemas de imobilidade tônica imortalizam sua face tocada de fios súbita de farpas quando o leio

lobos, temporais 47 tentam me ensinar a correta minha memória de escamas leitura do tarô arrasta a ilha de líricos hipocampos tentam me sabotar férteis a astrologia interior caídos socam-me um deus esquecidos & siderais ensanguentado e plácido na embolia gasosa dos cardumes mas o meu altar é a costa litorânea pela pestana de uma catadora de pérolas encarando as folhas, os arcanos e o falso planetário como crosta cuspida pelo oceano em colapso de alga e lava como um cristo andrógino e criogênico na periculosidade das iguarias marinhas levito a cachalote leviatã afundando a nadadeira no corpo sábio do miserável plâncton que a tudo dissolve que a tudo crê em minha roda da fortuna quem substancia o barulho dos peixes alimentando-se no leite profundo é a mãe d’água luminescente, o pai estrela de cinco pontas, a irmandade irisada em meu cordão umbilical

48 eu fui sua moça com anel de pedrarias exócrino transgênicas deitei as mãos precárias sobre o livro segurando a mão dos cordeiros de um valete destituído e não amorteci em berço principados são todos precipitados (sonâmbulos não sonham o leite hemorrágico) de âmbar um garoto cinerário enrolava nossas veias sepultados, livros. nos cabelos de um tornado seletivo (o andrógino se parte com olhos de jaspe, amendoados de asas em bio-tônicas convulsões) em íbis martelando eclipses não era mais azul, aquele que caminhava dentro, como um carneiro sobre o recorte silábico da montanha poderia ser o aviso de um apocalipse ou alguma era de águas radioativas com peixes sadios ou escamas de milagres industrializados mas era apenas mais um filho de deus e não me dizia irmã me chamando moça, ágata rosa ou roxa e seus olhos raiados de branco e vermelho cantavam uma despedida às portas de um comboio enferrujado e me fui através dele empalada no despertar desesperado quando os trilhos sôfregos e automatizados rasgam o útero da estrada metálica parindo violetas sirenas trans violadas

49 a tumba constelada e depois se entortam pelos bueiros da cidade, a letargia dos códigos sucumbe sagrada espalhando aos fossos infernais em alguma região onde o silêncio seria todos os segredos celestes sequestrados das torres soterrado com o adágio aos quartos sonâmbulos de marfim: meus missais, cornijas, fustes, consolo glandular, meus broquéis, quanto do hemisfério boreal levaria? meus cadáveres delicados, a quantos ainda cantaria o verso na lápide? sempre em festa profana coveiros do firmamento, choupana invernal, de prismas. silvo do poente, ostentem minha cintura com ornamentos polinizados e um esmalte rosa como a fibra da aurora matizando os ossos choro de vértices pela permanência de nossa memória honrarei teus nomes pela gravidez perpétua da metempsicose a noite irmã, madressilva madrecita, é o vestido de negro cetim suspenso, adorno ilusório para as notas ciganas que sopram o sono vermelho dos gatos pelos tetos, aquelas árias que primeiro sobem a alturas de nimbos

50 (só nos sabe o sonho no funeral dos anjos) História Universal Para não definhar O zumbido de seringas na temperatura das de ancestralidade aquática, leituras respiro, São linhas e ramagens gelatinosas da árvore enquanto as sondas refletem no vácuo cardíaco meu rosto de embrião Uma sequoia dentro de raios e homens de lettras e sciencias obscuras Meu jardim químico, luto alfabetizado, tremendo ao batismo do relento continua soberano precipitado sob o suor Meu dicionário simbolista em gênese sacramental dos salgueiros convulsiva em sadismo sonoro Minha labuta, minha obsessão, minha próxima de fármaco cinza parada Seta, o dia imperativo incita o choque à infantaria de bonecos de gelo e chumbo, abecedários Quem sabe em um sabá de lentes luzindo talvez aumentasse o facho incendiário do anel de jaspe sanguíneo que jaz supremo e cinéreo na sodoma dos crânios mais iluminados Sigo a ostensiva, código contagioso, e me aqueço astro virótico Apenas mais um capítulo sobrevivente no exército de répteis que nasceram com o mundo As artérias que me ofertam me descrevem da água para a terra Um ícone caminhando sobre a tensão superficial Sempre o ácido acetilsalicílico e o sêmen de deus nos corredores berçários liquefeitos incinerando o juízo supremo que não nos cabe


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