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Caderno Decurso

Published by maruziadultra, 2020-06-18 21:23:59

Description: Experimento realizado no mestrado em Artes Visuais da USP. 2012.

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Caderno Decurso



Caderno Decurso



Maruzia Dultra Caderno Decurso São Paulo, 2012



história infinita







Despertei e já não sentia os limites de meu corpo. Não havia oo aivah um derramamento contorno, não conseguia tocar a fronteira de meu começo, nemmen ,oç de meu fim. Estava derramada: espalhada na cama, nas paredes ––sedera podia ser os lençóis e não podia. Continuava pensando, ainda sabiaaibas ad meu nome e quaisquer resquícios de memória que davam algumaamugla segurança. Lembrava de outras pessoas, de afetos, lembrava de mim.is ed a Mas saber tudo isso não diminuía a paisagem que custava a imaginar:ranigami os órgãos estariam soltos, mergulhados em que, sobrevivendo como??omoc o O temor dessas imagens-possibilidades só não se agigantava porqueeuqrop toda tentativa era de me restituir em pele – como constituiria meuues airi corpo, não fosse ela? Porém, naquele átimo-derrame, não cabiaaibac o espaço para problematização: o que queria apenas era voltar a ser-me.es-res a Haveria outra forma, além desta? O infinitivo puro arremessava para outro lado, o fora: Ser..reS :arof

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Ser o que? Não sabia. Desejava somente o que era antes: dez dedinhos embaixo, cinco de cada lado, sensores intradérmicos viabilizando a propriocepção, polegares opositores, curvas digitais bem definidas, o tato mais uma vez, o corpo provendo a forma. Era isso. Não suportaria ser toda força, não era sustentável. um despencamento um desmonte um despejo Forar-se daquele jeito não seria possível, não por muito tempo. Como tinha apego à película que sempre havia estado ali, delimitando (e nem se dera conta). Discreta, cor-de-pele, quase invisível, embora fosse ela toda superfície de visibilidade. Uma imagem tátil, corpoimagem – que forjava o perene, apesar de ser tão-somente mudança.





O vislumbre estava anotado. quis escrever, e não tinha como (pois me obriguei a viajar sem cadernos para constranger o aparecimento de ideias).  se tivesse ali uma caneta, poderia escrever na pele, clichê do livro de cabeceira. mas não tinha e veio a vontade: organizar as células de maneira que, com elas, escrevesse os pensamentos. Mas aquele derramar tinha sido o contrário: desforma. Nem caderno, nem corpo. Estava como falha entre o contorno e o entorno, diluída entre todas as possibilidades que eles se podiam. Não sobrou o que rachar e escorria... Uma página molhada que, de tão aguada, já não se reconhecia além da água. Mas se queria. Poder estar novamente naquilo que chamava de seu – meu corpo. Um esposar-me.

(E se não houvesse bloco de notas?) Que fosse possível alinhá-las para formar letras; das letras, palavras; conjugar verbos, formular frases, períodos, ideias. Que a escrita dispensasse o lugar fixo e corresse como sangue, umidificasse as mucosas, cedesse às enzimas e labilidades hormonais. Que as celulazinhas permitissem um ordenar outro de inscrição do vivo. nem uma brecha nem uma fresta era a quebra









Num outro mundo, eu sou uma dançarina e dançar é tudo que meu corpo pode É o que basta ao mundo, a todos os outros mundos Eu não quis a dança, mas ela sempre me quer (eu não quis o corpo, mas ele sempre) o corpo sempre sempre - como o nunca nunca, de nosso verbo nuncar

Ser o que? Qualquer coisa, Outrar. Eu outro, tu outras, ele outra, nós outramos, vós outrais, eles outram. Por que a resistência a esse lugar que não conhecia? Por que não o conhecia? Não se conhecia nele, poderia escoar... Mas e se deixasse? Era esse o risco: do Mesmo não voltar mais, nem em dose mínima que fosse, como a receita prescrevia. Como continuar depois do desencontro – o corpo não mais coincidindo com o Mesmo, o corpo sendo Outro? Um apartar. limite tênue que separa a construção do desmoronamento



entre fugaces muertes sin memoria y a tantos otros otros grasos ceros costrudos que me opan mientras sigo y me sigo y me recontrasigo de un extremo a otro estero aridandantemente sin estar ya conmigo ni ser un otro outro





O preto no branco, O pente na pele: Pássaro espalmado No céu quase branco. Em meio do pente, A concha bivalve Num mar de escarlata. Concha, rosa ou tâmara? No escuro recesso, As fontes da vida A sangrar inúteis Por duas feridas. Tudo bem oculto Sob as aparências Da água-forte simples: De face, de flanco, O preto no branco.

una apariencia de la ausencia una entelequia inexistente las trenzas náyades de Ofelia o sólo un trozo ultraporoso de realidad indubitable una despótica materia el paraíso hecho carne una perdiz a la crema

“ No processo de construção das personagens, cada ator recebeu uma ação. O meu verbo e, com isso, meu objetivo, era: desaparecer.

“uma coisa vazia, sem fundamento nem na nossa natureza nem nas nossas necessidades “era uma ideia, uma pura ideia “uma figurinha de biscuit, que se esfacelou em inúmeros fragmentos, quase sem ruído ”







Fui convocada a “ter corpo”, ser um. Nem lembrava mais como era (e como evitava): o quanto ficou soterrado enquanto fingia existir sem ele. Mas ele nunca desgrudou. Sua companhia imposta sempre foi única: incontornável, intransferível, intransponível. (Pelo menos era o que achava). Apenas no sono vislumbrava algum respiro. (Mas também não era).

Nunca estive sem ele. Estava apenas esquecido, deixado de lado – embora ele nunca tenha sido menos que o centro: de onde vejo, transpiro, respiro, de onde ouço. Como a tela: o onde da imagem. Onde penso. Onde existo. Onde sou. Onde estou. Corpo diário.





Me estrechaba entre sus brazos chatos y se adhería a mi cuerpo, con una violenta viscosidad de molusco. Una secreción pegajosa me iba envolviendo, poco a poco, hasta lograr inmovilizarme. De cada uno de sus poros surgía una especie de uña que me perforaba la epidermis. Sus senos comenzaban a hervir. Una exudación fosforescente le iluminaba el cuello, las caderas; hasta que su sexo —lleno de espinas y de tentáculos— se incrustaba en mi sexo, precipitándome en una serie de espasmos exasperantes. Era inútil que le escupiese en los párpados, en las concavidades de la nariz. Era inútil que le gritara mi odio y mi desprecio. Hasta que la última gota de esperma no se me desprendía de la nuca, para perforarme el espinazo como una gota de lacre derretido, sus encías continuaban sorbiendo mi desesperación; y antes de abandonarme me dejaba sus millones de uñas hundidas en la carne y no tenía otro remedio que pasarme la noche arrancándomelas con unas pinzas, para poder echarme una gota de yodo en cada una de las heridas... ¡Bonita fiesta la de ser un durmiente que usufructúa de la predilección de los súcubos!





desautoria ossos, essa coisa dura onde a carne se gruda, se monta e me atrai estranhamente, pendurando-me móvel no mundo corpo do corpo do corpo que já é outra coisa nessa presença precária, a um só tempo plúmbea e impalpável Imprimir a geografia do corpo. Sem fim, sem objetivo, Sem que isso represente um naufrágio trabalho do pensamento que é o trabalho que se faz numa carreira acadêmica Água fria dá contorno ao corpo que produz o seu calor. escápulas se juntam, corpo perde peso, Uma trajetória, uma linha que costura, um caminho que se abre Pedaços, pedras, caminhos caminham em mim Ao traçar um caminho me deparo com uma história de vida. Um susto que é susto chega sem avisar. Desmonta. Derruba as miçangas no chão. As células têm que se organizar. O corpo não para. Linha de produção aguda. Outras possibilidades podem existir, mas não existem. Não querer mais aquele contorno, não querer contorno algum.Troca de ares, de sangue, de pele.Tanto.Tudo. Nada. Eu nado. Na imensidão, um oceano deságua e jorrrrra. Onde estão minhas plaquetas para conter este fluxo que vaza? Disseram-me, aconselharam, estava escrito, mas sem grito

Desfaço das peças que dediquei tanto a unir um homem que se torna mar inteiro assim que some dos seus olhos Quem diz formas de vida, diz vida Feminilidades adormecidas no limbo, aquém e além dos gêneros, encruzilhando os mundos, erguem-se de suas covas aquáticas e falam a virgindade originária: jogo sutil de distâncias e ressonâncias, de celibatos e contaminações - É chegada a hora do infanticídio da criança não-nascida. modos “menores” de viver que habitam nossos modos maiores Duvidem da polêmica feminista. Assassinou-se o instante, o agora que agora já foi, e foi, e novamente foi. No velório do instante, não haverá caixão para tanto piscar de olhos. Costurem as vaginas, até que as crianças voltem a nascer pelas órbitas. alguma coisa vibrando no vazio. aprendendo a ser contemporâneo... A humilhação de quem, por um momento, duvidou desta realidade. a capitalização disto tudo. uma trama subterrânea de passagens Nosso desafio é seguir o nosso desassossego. Secretaria do Estado de Confinamento. esta é uma luta por outras formas de lutar. delírio da afirmação. um êxodo. formigas contrabandistas. de re-existência? Estender a mão é mais do que pedir, é quase tocar. Algo como uma constelação

Se em algum mundo eu sou uma dançarina, meu corpo dança no caos que me causa, cais de mim, espera o levante tsunâmico, sem fugir, para dançar sobre ele... exulta de um mundo a outro, experimenta tantos outros todos sin mí ni yo al después sin bis y sin después

kartágrafo

Não está mais entre nós (nunca esteve), mas atendo a seu pedido. Quase como um pedido meu, pois achar que te digo algo resguarda-me certa doçura, o que pouco venho experimentando ultimamente. Sonhei com a objetualidade das horas – o que isso quer dizer? Para mim, também é uma pergunta. E uma frase incessante: “As horas são objeto”. Eu caminhava, queria voltar para casa, e ela não largava meu silêncio: “As horas são objeto, as horas são objeto”. Consegui finalmente chegar: despertei. Quis não esquecer o mantra; anotá-lo para voltar nele, tentar entender o que queria dizer, o que dizia. Nunca o fiz. Eis que, numa madrugada, enquanto tocava as inaproximáveis paragens dos súcubos, entendi que as horas eram objetos moldáveis. Achei que entendi – e não criei caso. O mesmo desapego não se apresenta, no entanto, quando o assunto é outro; mas este tema fica para uma próxima vez.

P.S. Tenho uma pequena novidade fora de lugar: tenho dormido nu, o que tem me dado certo prazer e a companhia do meu próprio corpo, na falta de outro. O sono tem sido melhor.

o carteiro virou carta (e o escritor, livro)

Ele adormece. Sobre os travesseiros – testemunhas fiéis daquela “coisa”– ele sonha. Foi a máquina fazedora de cartas que lhe acordou o filme.Ao onirismo do cinema, os sonhos respondem com cenas prontas para a impressão. Reporta-os compulsivamente, com a mesma urgência do respiro, contra a deserção tão própria do sonhado. Ele desperta. Em suas mãos, encontra páginas-tela: diários de uma vida que não se coube – cartas dentro de sonhos dentro de vidas dentro de cartas... Dentro fora (ele nunca esteve). Não é a vida que contém a página, mas o contrário. Dos subterfúgios imaginados, outra mise-in-céne: o sonho não é menos substrato que seu próprio resultado. Uma existência como matéria fílmica. Leitores-espectadores transitam; aguardam a sessão; tentam reconhecer, em vão.A película está esgarçada; sobraram grãos, mas até eles estão milimetricamente aos pedaços. E fogem.

Quantas vidas cabem em uma vida?


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