Vivências da gestão escolar desafios e oportunidades 1
2
1
Produção de Texto: Kátia Camargo Coordenação Editorial: Rita Silva Planejamento Gráfico e Diagramação: Mariana Rodrigues e Filipe Miranda Colaboração: Carolina Baldin Meira, Cristiane Annunciato Stefanelli, Leila Branco e Simone Barbosa dos Santos Revisão de Texto: Sâmia Rios Realização: Fundação Educar Sobre a Fundação Educar A Fundação Educar é o investimento social da Companhia DPaschoal e atua com educação para a cidadania, protagonista e plural como estratégia de transformação social e econômica. Seus projetos se organizam nos eixos “Educar Para o Protagonismo”, “Educar Para Ler”, “Educar Para Empreender”, “Cooperar com o Social” e “SER Educar” e visam garantir que as pessoas se reconheçam como protagonistas de suas vidas e de suas comunidades, desenvolvam habilidades e sejam verdadeiras agentes de mudança para um futuro melhor. Para conhecer mais sobre a Fundação, acesse: fundacaoeducar.org.br
Vivências da gestão escolar desafios e oportunidades
Desafios 1. Garantir ensino de qualidade para todos com Flávia Martins Guimarães .... pág. 9 2. Para novos resultados é preciso fazer algo diferente: inclusão e acesso aos recursos tecnológicos com Sônia Aparecida Nogueira .... pág. 15 3. Enxergar além das dificuldades de aprendizagem: dilemas da juventude com Magda Aparecida Teodosio Ribeiro .... pág. 23 4. Como despertar o interesse do aluno pela escola? com Rejane Reis Campos .... pág. 31 5. Como conseguir recursos para reformas físicas da escola? com Silvania José Borges de Camargo .... pág. 39 6. Como conquistar a confiança para a participação das famílias? com Maria Inês Faria Ribeiro .... pág. 47 7. Gestão de conflitos por meio do resgate da identidade da escola com Silvania José Borges de Camargo .... pág. 55 8. Protagonismo estudantil: uma escola de todos, com todos e para todos! com Aziz Julio Sales Ramos .... pág. 63 9. Inclusão: um potencial adormecido por muitos anos com Filipe Ventosa de Toledo Mello .... pág. 69
apresentação O campo da Educação é vasto, diverso e complexo. As organiza- ções sociais que trabalham na área têm atuações bem distintas, do atendimento direto à comunidade escolar – crianças, jovens, educadores, familiares – ao advocacy e à busca coletiva por leis e políticas públicas que garantam uma educação de qualidade para todos. Em um cenário que já apresentava desafios há anos, desde 2020 a Educação tem sido ainda mais colocada à prova pela pande- mia de Covid-19, o que torna urgente e necessária a prática de competências como resiliência, cooperação, responsabilidade, empatia, entre outras habilidades socioemocionais. O trabalho da Fundação Educar, em parceria e contato direto com a comunidade escolar, fomentando a reflexão constante sobre a prática pedagógica e as relações educadoras, é anterior a esse contexto. Desde 2016, realizamos a Formação de Educa- dores, projeto que nasce de uma parceria com as Diretorias de Ensino Regional Leste e Oeste de Campinas-SP e Secretaria Mu- nicipal de Educação de Campinas. Nesses espaços, com base nos resultados positivos apresenta- dos ao longo dos nossos mais de 30 anos de atuação com ado- lescentes, fomos convidados a compartilhar nossa experiência e inspirar mais educadores a aplicar práticas que estimulam o protagonismo juvenil. 6
Foi em uma dessas formações – com a turma de 2017 da Men- toria em Protagonismo Juvenil – que ganhou forma um desejo coletivo: vamos falar sobre os principais desafios e “soluções” da gestão escolar? Observe que o termo “soluções” aparece aqui entre aspas, por não se referir a “fórmulas mágicas” ou respos- tas fechadas. São, antes de tudo, experiências vivas do chão da escola, depoimentos reais e casos práticos compartilhados por gestores e educadores das redes de ensino estadual e municipal. Esses educadores participaram da nossa formação e, ao longo de quatro encontros, solicitamos algumas atividades de campo. A última atividade foi justamente que cada um dos educadores, conversando com suas respectivas equipes escolares, identifi- casse tais desafios e respectivas soluções da gestão escolar. No último encontro da formação, alguns deles compartilharam es- ses conhecimentos e elegeram as opções mais relevantes. Esse processo revelou um conjunto bem interessante de relatos, que resolvemos organizar nesta publicação, junto a outros de- poimentos de parceiros do projeto que não estavam na forma- ção, mas foram lembrados por gestores, que elegeram os desa- fios em função de suas experiências. Nosso objetivo é dar visibilidade para o que a própria gestão es- colar e educadores consideram mais desafiador, apontar solu- ções que foram implementadas com sucesso, possibilitar a troca de experiência prática entre equipes escolares e, assim, garantir que esses aprendizados circulem e sejam aproveitados por mais pessoas. Esperamos que essa leitura seja uma fonte de inspiração para você! Fundação Educar 7
“O professor forma-se através da sua própria prática com os outros, transforma-se com os outros, a profissão de professor não é um ato solitário, tem que ser um ato solidário.” José Pacheco 8
desafio 1 GARANTIR ENSINO DE QUALIDADE PARA TODOS Escola: E.M.E.F. Dr. Lourenço Bellochio (Jardim Boa Esperança, Campinas-SP) Gestora: Flávia Martins Guimarães é pedagoga, socioterapeuta e mestre em desenvolvimento sustentável e qualidade de vida. É também orientadora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Campinas e atua na Assessoria de Educação e Cidadania. Essa educadora incansável acredita no conceito de “árvore do saber”, que, para ela, fica plantada no centro das reuniões pedagógicas. Mas, o que seria isso? Segundo ela, é sentar-se à sombra da árvore das sabedorias múltiplas e buscar aquilo que não se sabe. Diz respeito a reconhecer a sua não sa- bedoria e se dedicar à busca e integração de novos conhecimen- tos e saberes. A pedagoga faz questão de ressaltar que, para dar conta da tarefa da escola, é preciso aprender com a sabedoria e a experiência de outros atores e campos científicos, compondo conhecimento. 9
Como lidar com crianças e adolescentes que enfrentam difi- culdades no aprendizado e nas relações sociais? Nos últimos anos, tem aumentado o número de crianças e adolescentes que chegam na escola com comportamentos atípicos, associados a sintomas psiquiátricos, que sequer compõem as tipologias de necessidades atendidas na educação especial. Dentro desses casos que foram fonte de estudo nas reuniões pe- dagógicas, a orientadora pedagógica Flávia Martins Guimarães destaca os estudos de caso da E.M.E.F. Dr. Lourenço Bellochio e de outra unidade escolar que trabalha com estudantes sob tutela do Estado, por meio do acolhimento institucional, e estudantes que desfrutam da convivência familiar. As principais diferenças entre essas duas escolas eram a localização territorial e o tipo de responsável legal das crianças. Em comum, ambas as escolas contavam com prédio pequeno, poucas salas de aula, quadra para atividade física, facilidade de trânsito entre os espaços e um refeitório bem organizado. Além disso, as equipes gestoras são completas, apesar de diferirem no modo de gerenciar o trabalho e no nível de integração. O núme- ro de alunos das escolas variava entre 350 e 400 matriculados, dentre eles 4 a 5 estudantes com características atípicas. Os questionamentos e desafios nessas duas escolas eram: Como esses estudantes aprendem? Como fazê-los aderir às atividades de sala de aula? Como criar conexão com esses alunos? Como conter as alterações de humor e as reações impulsivas? Como professores e equipe escolar tratariam disso? Vale ressaltar que os profissionais da área de educação geral- mente não estudam as diferentes disfunções encontradas dentro do ambiente escolar, e que a escola é um microcosmo do macro- cosmo. Portanto, nesse espaço encontram-se todos os perfis de 10
pessoas, todas as capacidades, todas as diferenças de comporta- mento e todas as formas de aquisição de aprendizagem ou não aprendizagem. Solução: Espaço do mestre-aprendiz – reunião pedagógica com foco na formação continuada dos educadores O começo da solução nasceu dentro do ambiente da reunião pe- dagógica, que trouxe como foco a formação continuada dos edu- cadores. “Os estudos de casos reais, as partilhas de fatos dos co- tidianos por quem os vive iam trazendo informações, mostrando os sentimentos, pensamentos e desejos desses alunos que esta- vam em profundo sofrimento”, lembra a pedagoga. Flávia destaca ainda que, em alguns momentos, contaram com a presença de colegas da área da saúde e assistência social. “Em cada caso aprendemos um pouco das características associa- das às patologias citadas como hipóteses diagnósticas, e tam- bém mapeamos, por observação e prática, as possibilidades de desenvolvimento cognitivo, as estratégias de socialização, os re- cursos didáticos”, comenta. Ela relembra que a professora de Educação Especial também teve um importante papel ao apoiar os estudantes, professores e partilhar seus experimentos de interação pedagógica. Outro des- taque fica para o cuidador de uma estudante, que trouxe a arte como recurso de conexão com ela e descobriu o caminho de en- sino-aprendizagem de que ela precisava. Dentro dos encontros das reuniões pedagógicas iam surgindo diferentes caminhos de possíveis soluções. 11
Integração e interação com outros alunos Os alunos que não se enquadravam no perfil atípico também foram envolvidos nas soluções. Eram eles que partilhavam do enredo vivido pelo colega de comportamento atípico. “Esses alunos vivenciaram diretamente a desconstrução do valor das regras disciplinares, pois o colega as quebrava sem sofrer tanta penalidade quanto os demais. Vale lembrar que, muitas vezes, esses alunos chamados de atípicos não ficam na sala, não fazem as tarefas, quebram coisas, gritam do nada, desafiam a ordem. Cadê o castigo?, era uma das perguntas dos colegas estudantes”, explica Flávia. O mesmo fenômeno puxa outro tema de estudo: a disciplina dos alunos é efeito de regras externas, combinados coletivos ou motivação interna? Como garantir que o tratamento disciplinar dado aos alunos, com base no princípio da equidade, não gere sentimento de injustiça e desordem? “A conclusão a que che- gamos é de que dialogar francamente com os colegas de turma sobre cada aluno atípico e as estratégias que a escola usará para garantir seu direito de inserção escolar faz com que muitos co- operem para o sucesso deste propósito. Certamente ocorreram muitos conflitos, mas dar entendimento do motivo pelo qual um aluno está como está favorece a convivência e o ensino”, lembra Flávia. Muito aprendizado e troca de saberes Essa junção de conhecimentos traçados durante as reuniões pe- dagógicas fez com que o grupo de educadores aprendesse a re- conhecer os sentimentos de impotência, incômodo, frustração no trabalho, mas também de coragem, resiliência, superação. “Foi preciso lançar mão de criatividade, parcerias. Foi preciso questionar leis e paradigmas formulados sem considerar o pro- 12
cesso de aprendizagem dos indivíduos de mentes sofridas e in- quietas. Mas valeu muito a pena!”, diz. Por fim, ela questiona: “Como atender aos novos chamados da educação formal, inclusiva e para todos, sem nos tornarmos aprendizes, investigadores, sem formação?” As respostas vieram das trocas de informações e conhecimentos obtidos durante as reuniões pedagógicas. Por fim, Flávia faz questão de destacar que as reuniões pedagó- gicas servem para aprender e humanizar o universo do trabalha- dor da educação. “Se reconhecer inacabado é virtude de quem atua em prol da educação de qualidade. No nosso caso, que somos servidores públicos, a responsabilidade se amplia ainda mais, pois cremos que a escola é uma força motriz de transfor- mações positivas para a vida de quem a acessa”, finaliza. 13
“Há um tipo de inteligência criadora. Ela inventa o novo e introduz no mundo algo que não existia. Quem inventa não pode ter medo de errar, pois vai se meter em terras desconhecidas, ainda não mapeadas. Há um rompimento com velhas rotinas, o abandono de maneiras de fazer e pensar que a tradição cristaliza.” Rubem Alves
desafio 2 PARA NOVOS RESULTADOS É PRECISO FAZER ALGO DIFERENTE: INCLUSÃO E ACESSO AOS RECURSOS TECNOLÓGICOS Escola: E. E. Prof. José Vilagelin Neto (Jardim Proença, Campinas-SP) Gestora: Sônia Aparecida Nogueira aprendeu desde muito cedo a lidar com números e a fazer contas ajudando sua mãe na venda de produtos de artesanato. Do aprendizado valioso em casa veio a decisão de fazer Licenciatura em Matemática, e assim descobriu seu prazer por ensinar a disciplina para crianças e adolescentes. Tempos depois fez pós-graduação em Gestão Educacional no Ensino Superior. Lecionou em Guaxupé, Minas Gerais, passou por Osasco, em São Paulo, e hoje atua como docente de Mate- mática e Física do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio na E. E. Prof. José Vilagelin Neto, em Campinas. Por onde passou, seu olhar foi sempre o de ensinar a ciência exata por meio do vínculo e do envolvimento humano com os alunos, buscando meios, recursos e metodologias diferentes para despertar o inte- resse e o aprendizado da Matemática. 15
“Essa matéria é muito difícil, professora”, “Eu odeio Matemá- tica”, “Não consigo entender esse exercício”, “Os alunos têm muita dificuldade em Matemática”. Esses comentários geral- mente são recorrentes para quem leciona a disciplina, que é considerada, pela maioria dos alunos, como a mais “temida” e difícil de todas da grade curricular. E como mudar e quebrar esses rótulos quando a defasagem do aprendizado também é confirmada pelo baixo Índice de De- senvolvimento da Educação Básica (Ideb) da escola? Foi essa a experiência de transformação vivenciada pelos alunos da E. E. Prof. José Vilagelin Neto, em Campinas. Uma experiência bem-sucedida da professora Sônia Nogueira na escola de Osasco em que era docente, com o uso da plataforma de educação digital QMágico para o ensino de Matemática, fez a edu- cadora recém-chegada na E. E. Prof. José Vilagelin Neto se empe- nhar em conseguir meios e recursos para implantar o projeto na unidade de ensino campineira. O que era uma vontade se tornou realidade com a mobilização da direção da escola, dos professores e a parceria com fundações que acreditam na educação. Na escola, o QMágico recebeu o nome de “Matemágica”, e o la- boratório com 33 computadores se transformou na extensão das aulas. Lá, com muito trabalho e dedicação, a mágica realmente aconteceu! O projeto despertou o interesse e o gosto pela dis- ciplina entre os alunos, motivou estudantes a serem monitores para ajudar outros colegas nas aulas laboratoriais, e os resulta- dos apareceram nas avaliações. “Os alunos se empolgaram com a iniciativa. Sentiam-se capazes de aprender, e a Matemática passou a ser vista de uma maneira diferente, mais leve. Um pro- cesso que ajudou no desenvolvimento de cada um deles e foi uma experiência para nós, professores, de que inovar é possível e proporciona novos aprendizados”, conta Sônia. 16
Solução: A mágica está em inovar a maneira de ensinar Não é novidade que um dos grandes desafios na Educação Bási- ca é o ensino de Matemática, disciplina que enfrenta alto índice de dificuldade na aprendizagem. Em 2017, somente 4% dos es- tudantes que cursavam o último ano do Ensino Médio haviam aprendido o que era esperado em Matemática nesta faixa etá- ria, ou seja, 96% apresentavam déficit de aprendizagem. Esse re- sultado preocupante foi apresentado na análise do Todos Pela Educação, feita com base nos dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), do Ministério da Educação (MEC). Nesse cenário, tem sido cada vez mais necessário inovar o ensino, estimular os alunos e permitir que o raciocínio seja construído de maneira dinâmica, interessante, e não apenas como uma aprendizagem mecânica. Essa realidade não era di- ferente na E. E. Prof. José Vilagelin Neto, em Campinas, quan- do a professora Sônia passou a integrar a equipe de docentes da unidade de ensino. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em Matemática estava insatisfatório, o que moti- vou a educadora a propor mudanças no método do ensino para ir além das aulas convencionais. No livro Pedagogia dos sonhos possíveis (2001), Paulo Freire diz: “Faço questão de ir me tornando um homem do meu tempo. Como indivíduo, recuso o computador porque acredito muito na minha mão. Mas como educador, acho que o computador, o vídeo, tudo isso é muito importante”. E foi a tecnologia que fez o conhecimento em Matemática desses alunos começar a percor- rer novos caminhos, cheios de possibilidades. “Percebi uma oportunidade que ia ao encontro dessa necessidade e sugeri a implantação do QMágico, uma plataforma de educação digital de Matemática voltada para alunos de Ensino Fundamen- 17
tal e Ensino Médio, que conheci em Osasco”, explica Sônia. Na época, quando era professora, a experiência do uso da plataforma foi muito produtiva e contribuiu para resgatar as dificuldades dos alunos e reforçar os exercícios aplicados em sala de aula. A falta de recursos para montar um laboratório de informáti- ca e os custos mensais da plataforma e serviço de conexão de internet não foram motivos para desanimar ou fazer Sônia e a direção da E. E. Prof. José Vilagelin Neto desistirem da inicia- tiva. O primeiro passo foi expor a ideia para a organização do Comitê para Democratização da Informática (CPDI). O esforço de algumas tentativas de conversas valeu a pena! Além do CPDI, a causa foi abraçada também pela Fundação Educar DPaschoal e a JPMorgan Chase Foundation; assim, o projeto foi viabilizado pela união de forças entre as fundações e a comunidade escolar. “Matemágica” transforma o jeito de olhar e aprender Matemática Seguindo a Teoria de Aprendizagem de Vygotsky, destacada no livro Pensamento e Linguagem (2005), “a motivação se dá por in- fluência do meio social”, portanto, estímulo não faltou para que a plataforma digital fosse muito bem recebida pelos professo- res, os alunos e suas famílias. O envolvimento com os alunos do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio foi primordial para o sucesso da iniciativa. Desde o início, cada etapa do projeto foi compartilhada com eles. Os estudantes acompanharam e se em- polgaram com a montagem do laboratório de informática, que recebeu 33 computadores, e foram eles os responsáveis pela es- colha do nome do projeto: “Matemágica”. “O nosso objetivo foi fazer com que aprendessem de forma mais fácil e pudessem despertar interesse e gosto pela Matemática. A plataforma on-line trouxe a possibilidade de o professor incluir 18
exercícios ou utilizar os já existentes na biblioteca, além de reu- nir videoaulas, textos, jogos e lição de casa. Tudo feito pela in- ternet, com conteúdo que pode ser acessado de qualquer lugar”, explica Sônia. Cerca de 300 alunos do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio passaram a contar com a plataforma digital nas aulas de Matemá- tica. “Os conceitos teóricos eram explicados em sala, e as ativida- des e exercícios eles faziam no laboratório de informática. Em to- das as aulas eles queriam e pediam que fôssemos ao laboratório. Quanto mais se motivavam, mais aprendiam”, lembra Sônia. De acordo com Sônia, com o “Matemágica”, os alunos aprendem de maneira individual e autônoma; eles mesmos são responsá- veis por avaliar o quanto sabem da matéria e, ao fazer os exercí- cios, conseguem um retorno imediato do seu desempenho por meio de gráficos. Com isso, é possível definir planos de estudo personalizados para cada estudante, respeitando seu desenvol- vimento escolar e mantendo o interesse em vencer os desafios ao identificar quais exercícios oferecem maior facilidade de re- solução e quais apresentam maior grau de dificuldade. “A vantagem de trabalhar nesse projeto é ir ao encontro do mun- do virtual que o aluno está vivenciando no momento, e entender como melhorar cada vez mais o aprendizado com recursos tec- nológicos distintos de uma sala de aula convencional”, destaca a professora. Nos resultados não há magia; há trabalho e dedicação A E. E. Prof. José Vilagelin Neto foi a primeira a receber esse mé- todo on-line de ensino em Campinas. Os resultados foram muito motivadores: antes da aplicação do projeto “Matemágica”, a pro- 19
va inicial da disciplina para as turmas do 7º ao 9º ano do Ensino Fundamental teve média de acerto de 63,75%. Já na prova final, após um ano de implantação do projeto, a média foi de 84,5%, ou seja, um crescimento médio de 20,75% no rendimento das tur- mas participantes. A conquista evidenciou benefícios importantes que o méto- do trouxe para a comunidade escolar. Segundo Sônia, o proje- to proporcionou para a escola a vivência do ensino híbrido de Matemática, com explicações em sala de aula e exercícios resol- vidos no laboratório de informática. Também potencializou os benefícios da tecnologia aplicada à educação, acelerou o apren- dizado dos alunos, proporcionando aos professores maior inte- ração com cada aluno, e permitiu ao aluno gerenciar seu próprio aprendizado, resgatando a indispensável vontade de aprender e melhorando seu rendimento gradativamente, de uma forma au- tônoma e construtiva. O “Matemágica” também impulsionou o protagonismo juvenil. Durante a implantação, cerca de 20 alunos de diferentes idades e séries montaram um grupo de monitoria, responsável por apoiar o projeto “Matemágica” no contraturno de suas aulas regulares. “Eles se dedicaram muito e foram um grande apoio aos profes- sores”, destaca a professora, explicando que os estudantes se di- vidiam e davam suporte na inclusão de exercícios dados pelos professores e no envio dos relatórios de desempenho gerados pela plataforma, além de auxiliar os colegas durante as ativida- des no laboratório de informática. “Com uma experiência tão positiva e inovadora, pudemos con- firmar a importância de aliar a escola convencional aos recursos tecnológicos existentes, transformando o ensino e estimulando o aprendizado por meio de uma linguagem atrativa aos jovens”, completa Sônia. 20
“Quando os jovens convivem com a diversidade, tornam-se adultos mais tolerantes e sabem resolver conflitos sem violência. Este é o oitavo saber para o século XXI: criar no estudante uma mentalidade internacional. Ver o outro como sendo da mesma espécie é um estado superior de humanização. Se eu sei que o meu próximo é igual a mim, eu não o mato, não o destruo, não deixo que seja pobre, não deixo que tenha fome. Por isso existem as sete aprendizagens básicas para a convivência social. Elas são para todos os dias, para toda a vida.” Bernardo Toro 22
desafio 3 ENXERGAR ALÉM DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: DILEMAS DA JUVENTUDE Escola: E.M.E.F./E.J.A. Padre Leão Vallerié (Campo Grande, Campinas-SP) Gestora: Magda Aparecida Teodosio Ribeiro é graduada em Ciências Sociais e Geografia, pós-graduada em Educação de Jo- vens e Adultos, professora de Geografia na rede municipal de Campinas (Ensino Fundamental e EJA) e na rede estadual (Ensi- no Fundamental e Ensino Médio). Com sua motivação constan- te por encontrar caminhos para mudar a realidade dos que estão à sua volta e lhe pedem ajuda e apoio, a educadora atualmente coordena dois projetos na rede municipal (“Desafios: Encontros e Caminhos nos percursos educacionais” e “#papodemenina”). 23
A palavra adolescência vem do latim adolescere, que signifi- ca “crescer”, e é definida como o período de passagem entre a infância e a idade adulta, no qual há muitas transformações físicas e psicológicas. É nesse período que os jovens vão refletir e amadurecer ideias e comportamentos. Por isso, é uma fase que necessita de muita atenção, principalmente quando se trata de conflitos e decisões, valores e necessidades. E, nesse processo psicológico, diferentes características são gera- das, conforme o ambiente social, econômico e cultural em que o adolescente vive. As questões e os problemas pessoais e emocio- nais afetam diretamente no desenvolvimento acadêmico desses jovens. Quando esse período se associa a uma realidade de falta de estrutura familiar, conflitos, carência emocional e financeira e outras situações enfrentadas por jovens de regiões de vulnera- bilidade, como os alunos da E.M.E.F./E.J.A. Padre Leão Vallerié, da região do Campo Grande, periferia da cidade de Campinas, a unidade escolar torna-se a principal rede de apoio para esses alunos. Fazer a diferença na vida desses jovens foi o que a professora de Geografia Magda Aparecida Teodosio Ribeiro, junto com a equi- pe pedagógica da escola, decidiu colocar em prática, e a relação professor-aluno se transformou em uma relação de troca, convi- vência e respeito pelo que sentem, pensam e desejam. Uma rela- ção de apoio em seu desenvolvimento escolar, no seu despertar para um novo olhar sobre o presente e possibilidades de futuro. Solução: Olho no olho, pronto para ouvir e acolher os alunos A E.M.E.F./E.J.A. Padre Leão Vallerié localiza-se na região do Campo Grande, periferia da cidade de Campinas. Possui um corpo docente de 47 professores e, aproximadamente, 930 alu- 24
nos, distribuídos entre o Ensino Fundamental e a Educação de Jovens e Adultos. Por morarem nos vários bairros periféricos que circundam a unidade escolar, os alunos estão, consequentemen- te, afastados dos espaços de lazer oferecidos pelo município. Por isso, eles encontram na unidade escolar uma possibilidade de manter suas relações interpessoais na busca por momentos de entretenimento e lazer, o que retrata a precariedade da estrutura social da comunidade. Aliado a essa carência, os alunos revelam nas suas atitudes os dilemas da adolescência e juventude: falta de concentração, de- sinteresse pela aula, pensamentos negativos, automutilação, di- ficuldade de relacionamento com seus pares, pais ou responsá- veis (adultos), sofrendo com suas dores, medos e inseguranças. Gritam, agridem, choram, demonstram carência afetiva, insta- bilidade emocional, desengajamento moral e a necessidade de serem atendidos nas suas intensas vontades, de serem vistos e ouvidos, sem jamais perceberem suas verdadeiras premências. Toda essa efervescência acontece na escola, permeando o ensi- no-aprendizagem, objetivo primordial da escolarização neces- sária na fase em que se encontram. “Nesse panorama, precisa- mos, enquanto professores, gestores, educadores e pessoas que percebem o outro, despertar um olhar mais cuidadoso, acolhe- dor, compreensivo com esses jovens que não sabem ainda iden- tificar o que está acontecendo nessa fase de suas vidas. Eles se perdem nesse movimento dinâmico entre o que querem e o que lhes é oferecido, desconsiderando, inevitavelmente, o que preci- sam”, explica Magda Aparecida Teodosio Ribeiro. Desses incômodos vivenciados diariamente na sala de aula com os alunos e incentivada pela coordenação da escola, Magda deci- diu estudar, preparar-se e então desenvolveu o projeto “Desafios: Encontros e Caminhos nos percursos educacionais”, implantado 25
na E.M.E.F./E.J.A. Padre Leão Vallerié em 2013. Seu objetivo é a preparação do jovem adolescente para escrever a sua própria história, investindo nela para que sua vida tenha significado e entenda que os obstáculos existem para serem removidos, com resiliência, inteligência, trabalho e respeito. “O intuito é ofere- cer a eles instrumentos para realizarem projetos, incentivá-los a estudar continuamente, a fazer sempre o melhor para alcançar seus objetivos, respeitando o próximo, sendo generoso com to- dos, mas principalmente com eles mesmos”, destaca a coorde- nadora. A cada novo ano, o projeto foi expandindo seu engajamento e sua participação, e assim tornou-se referência na comunidade escolar. “A percepção, a presença, o diálogo e a nossa atitude passaram a transmitir ao aluno amparo, proteção e auxílio. Esses encontros nos possibilitam vários caminhos, que podem levar à aceitação e à valorização do próprio pensar e agir do jovem, dan- do início ao projeto de realização do seu sonho”, conta Magda. Passo a passo: da preparação à prática Tudo começou em 2012, quando a coordenação da escola con- versou com a professora Magda sobre os conflitos e problemas pessoais e emocionais dos alunos, como isso interferia no de- senvolvimento e na aprendizagem dessas crianças e jovens e de que maneira poderiam pensar em um projeto para ser implan- tado na escola com a finalidade de ajudar os alunos em suas difi- culdades. “Antes de apresentar qualquer projeto, decidi estudar. Participei de vários cursos e palestras na área de desenvolvi- mento humano, relações interpessoais, violência na escola, de- sobediência, depressão, suicídio, entre outros temas, para então ter subsídios e começar a desenvolver um projeto que pudesse atender às necessidades da nossa escola”, conta Magda. 26
Seu esforço valeu a pena! Em 2013, foi inserido no Projeto Polí- tico Pedagógico (PPP) da escola o “Desafios: Encontros e Cami- nhos nos percursos educacionais”. Nesse primeiro ano, o objetivo foi formar um grupo de professores do Ensino Fundamental (do 6º ao 9º ano), coordenados pela professora Magda, para juntos desenvolverem uma metodologia, além de práticas e parcerias para atender aos alunos. No ano seguinte, o projeto, já formatado, foi implementado junto aos alunos. A metodologia foi apresentada a todos os professo- res da escola, com o intuito de que contribuíssem, identificando os alunos que demonstravam dificuldades de aprendizagem, de comportamento e de socialização para serem encaminhados ao projeto. E assim começaram os primeiros atendimentos com o grupo de professores do “Desafios: Encontros e Caminhos nos percursos educacionais”, e esses atendimentos não pararam mais. “Nas nossas práticas, há um chamado para o diálogo, são feitas vá- rias perguntas com o intuito de sensibilizá-los e chegarmos ao real problema. Após percebermos as dificuldades, realizamos algumas atividades individuais ou coletivas, como oficinas e di- nâmicas, que, consequentemente, levam o aluno a ultrapassar o limite do medo, da insegurança e do receio em falar sobre a questão a ser trabalhada. Aos poucos, ele vai se soltando e deixa clara a necessidade de ser ouvido, de ter voz, de desabafar, de se expressar e de ser tratado como adolescente, nem criança, nem adulto. Apesar da pressão sufocante e repressora que a socieda- de exerce, ele pode contar com o apoio confiável do professor, que o faz entender e acreditar na possibilidade de se apropriar do seu lugar e da sua vida. Caso a situação em que se encontre não esteja satisfatória, o aluno terá autonomia para buscar ou- tras alternativas para viver e conviver melhor”, destaca Magda. 27
Os atendimentos são feitos por um dos professores do grupo de docentes da escola que compõem o projeto, no contraturno das aulas regulares, e, para cada necessidade, as dinâmicas e ofici- nas podem mudar. Todo ano, os dois primeiros meses são para o ajuste da equipe. Caso um professor mude de escola, um novo docente entra para o projeto, e todos fazem uma reciclagem das práticas e da metodologia antes do início dos atendimentos. “Não basta simplesmente acreditar na potencialidade dos ado- lescentes e jovens; precisamos ajudá-los a trabalhar a ansiedade tão peculiar do ser humano diante do novo. Ganhar sua confian- ça, estabelecer relações de troca, aprender a olhar nos olhos”, completa Magda. O projeto também conta com profissionais parceiros. Quando há um problema com um aluno que precise de acompanhamento profissional, como médico ou psicólogo, um parceiro é acionado para garantir o atendimento adequado para o jovem. Em 2020, com a pandemia e as aulas remotas, não foi possível manter o projeto nos mesmos moldes dos anos anteriores, mas a conexão entre os professores e os alunos permaneceu, mesmo à distância. “Eles sabem que podem contar conosco em seus di- lemas, já conhecem quais são os professores que fazem parte do projeto e nos procuraram sempre que precisavam. Os aplicativos de mensagens e ligações por celular foram nossos meios para continuar, de alguma forma, dando suporte aos nossos alunos”, diz Magda. Expansão do projeto atende toda a comunidade escolar De 2013 em diante, o projeto “Desafios: Encontros e Caminhos nos percursos educacionais” expandiu a cada ano. Diferente- mente do início da implantação, quando os alunos eram enca- 28
minhados pelos professores, muitos deles passaram a procurar os professores para dialogar sobre os seus conflitos. “A confiança foi estabelecida! Para ter essa conexão, precisamos nos despir das crenças e estar presentes como escolha humana de atenção e responsabilidade pelo outro, pois ele passa por fragilidades e vulnerabilidades que comprometerão o seu desenvolvimento psicológico, social e pessoal”, conta Magda. Desde a implantação, a equipe de professores participantes do projeto vem aumentando, e os atendimentos são feitos no con- traturno de aulas dos educadores. Novos grupos de alunos tam- bém puderam ter acesso aos atendimentos; foram encaminha- dos desde alunos do primeiro ano do Ensino Fundamental até os que estão cursando a Educação de Jovens e Adultos (EJA). A direção da escola, os funcionários e toda a equipe pedagógica também passaram pela formação do projeto, para entender o objetivo, como funciona e poder ter um olhar mais atento e com mais empatia pelos alunos. “Eu acredito que sempre há uma causa para uma determinada atitude, e compreender essa causa é ouvir o que o aluno não consegue falar ou se expressar”, defen- de a coordenadora do projeto. De 2013 a 2019, foram feitos mais de mil atendimentos. “Temos alunos que passaram pelo projeto mais de uma vez, em momen- tos diferentes de sua vida, e mostram que nosso trabalho está valendo a pena, está fazendo a diferença em sua vida. Essa é uma grande oportunidade de a gente calibrar nosso olhar, porque nem sempre o que a gente vê é o que acontece de fato, e estar disponível e presente para o aluno, ouvi-lo, nos ajuda a enxergar além do que os nossos olhos estão vendo. E os alunos sentem-se motivados, porque aquilo os afeta, transforma suas vidas”, com- partilha Magda. 29
“A escola precisa ser reencantada, encontrar motivos para que o aluno vá para os bancos escolares com satisfação, alegria. Existem escolas esperançosas, com gente animada, mas existe um mal-estar geral na maioria delas. Não acredito que isso seja trágico. Essa insatisfação deve ser aproveitada para se dar um salto. Se o mal-estar for trabalhado, ele permite um avanço. Se for aceito como uma fatalidade, ele torna a escola um peso morto na história, que arrasta as pessoas e as impede de sonhar, pensar e criar.” Moacir Gadotti 30
desafio 4 COMO DESPERTAR O INTERESSE DO ALUNO PELA ESCOLA? Escola: E. E. Prof. Luiz Gonzaga Horta Lisboa (Jardim Miriam, Campinas-SP) Gestora: Rejane Reis Campos é pedagoga, formada pela PUC- -Campinas. Sua dedicação e amor pela educação vem de mui- tos anos. Hoje, ela é diretora da E. E. Prof. Luiz Gonzaga Horta Lisboa, mas seu amor pela educação soma vários anos como professora dos anos iniciais e 20 anos como diretora de escola na Diretoria de Ensino Campinas-Leste. 31
Qualquer profissional da educação, professor ou gestor já deve ter enfrentado o fato muito comum do desinteresse do aluno pela escola. Muitas vezes, confrontados com esse fato, tentam buscar formas de responder à pergunta: como despertar o interesse? Muitas pesquisas apontam fatores que influenciam nesse cená- rio, como o avanço tecnológico, a distância entre a teoria e a prá- tica, o desenvolvimento da autonomia, fatores cognitivos, méto- dos educacionais, problemas familiares e evasão escolar. Diante desse cenário, como promover um plano de ação peda- gógica para aumentar a qualidade de ensino e, consequente- mente, o interesse do aluno pela escola? Foi com esse questio- namento em mente que Rejane Reis Campos assumiu a direção da E. E. Prof. Luiz Gonzaga Horta Lisboa, no Jardim Miriam, em Campinas-SP, em 2018. Para ela, as respostas dessa pergunta estavam embasadas em so- luções que passavam pelo acolhimento, o respeito, a responsabi- lidade, o sentimento de pertencimento e o diálogo. E foi com es- sas bases que ela buscou esforços para a melhoria das aulas, dos aspectos físicos do ambiente escolar e ações permanentes para o fortalecimento do vínculo entre escola, família e comunidade. Solução: Um olhar integrativo para a educação A E. E. Prof. Luiz Gonzaga Horta Lisboa está localizada na Rua Ângelo Esteves, que fica em uma região mais afastada do centro de Campinas. O bairro Jardim Miriam é novo, cercado de sítios e fazendas. Na unidade escolar há 500 alunos matriculados no En- sino Fundamental, incluindo os anos iniciais e finais. A diretora da unidade, Rejane Reis Campos, conta com uma equipe de dois vice-diretores, dois coordenadores e 35 docentes. 32
Quando assumiu a direção da escola, em 2018, Rejane, com sua ex- periência de mais de 20 anos em gestão escolar, focou sua atenção em quais eram as dificuldades, dentro e fora da sala de aula, que contribuíam para que o aluno não tivesse interesse pela aprendiza- gem e pela escola. “Não existe uma solução pronta, e nem sempre uma decisão tomada com um aluno atende a necessidade de ou- tro. É preciso estar atento e olhar as particularidades de cada aluno. Por isso, o assunto deve estar presente no dia a dia, para manter o ciclo de tomada de ações, avaliação de resultados, aprendizagens e, assim, decidir por novas estratégias, de acordo com as necessi- dades. Dessa forma, ampliamos nosso olhar para todos os aspec- tos que conectem com o aluno, desde a sala de aula, a relação pro- fessor-aluno, a metodologia de ensino, a estrutura física da escola e a participação das famílias durante o ano letivo”, explica Rejane. Para a diretora, a mudança curricular é um fator fundamental para garantir o interesse do aluno, e, para isso, a E. E. Prof. Luiz Gonzaga Horta Lisboa procura analisar seu Projeto Político Pe- dagógico, observando as avaliações internas e externas, a forma e a didática dos professores, sua atuação na gestão de sala de aula, bem como o ensino que está sendo oferecido aos alunos. “Dessas reflexões surgem as ações que podem transformar e estimular o interesse das crianças pelo aprender”, destaca a gestora. Estar presente para atrair o envolvimento do aluno Entre as ações implementadas, o destaque é a reunião semanal da equipe gestora. O encontro tem o intuito de avaliar a rotina desenvolvida pelos docentes em sala de aula, de modo a melho- rar a qualidade de ensino da escola. “Nessas reuniões, a coorde- nação pedagógica planeja as atividades que facilitam a inclusão de alunos com dificuldades cognitivas, trocam-se experiências, avaliam-se os resultados e buscam-se novos métodos de ensino para transformar a aprendizagem”, explica Rejane. 33
Outra providência foi em relação ao tempo ocioso do aluno quan- do um professor faltava. A decisão foi, com o apoio dos demais docentes, ministrar aulas de temas diversificados nesses perío- dos, ocupando o tempo dos alunos e, com isso, manter a rotina da escola para eles. Ainda na sala da aula, a proposta foi ampliar o uso de métodos que estimulem o protagonismo e a autonomia dos alunos por meio de atividades como rodas de conversa, se- minários, debates. “Esse estímulo abre espaço para o aluno se ex- pressar, poder falar sem julgamentos e aprender a ouvir e respei- tar as opiniões diferentes. Assim, contribui para o seu interesse pela aula e pela escola”, comenta. Vale destacar o trabalho interdisciplinar com a professora intér- prete de Libras e a de Artes. Elas organizaram um coral utilizan- do a linguagem de Libras, que contou com a participação de 30 alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental. A comunicação pela linguagem de sinais está presente entre as crianças por conta de uma aluna com deficiência auditiva que estuda na E. E. Prof. Luiz Gonzaga Horta Lisboa desde o 1o ano do Ensino Fundamen- tal. A convivência estimulou a aprendizagem, a turma passou a se comunicar com a aluna com mais facilidade e a língua de sinais passou a fazer parte da vida deles. Com a formação do coral, os alunos da escola tiveram a oportunidade de incluir a aprendiza- gem de Libras. Ambiente limpo, acolhedor, organizado e agradável Outro fator observado para estimular o interesse do aluno na aprendizagem é o cuidado com a estrutura física da escola. O espaço escolar como um todo deve ser atraente, de modo que o aluno sinta vontade de frequentá-lo. “Nossa preocupação é sem- pre manter os ambientes limpos, agradáveis, com cores e condi- ções que possam dar vida ao espaço. No segundo semestre de 2018, por exemplo, a equipe gestora e um funcionário fizeram 34
um mutirão de limpeza para restaurar os sanitários com reves- timentos decorativos, e os alunos adoraram. Quando tudo está organizado e limpo, eles ajudam a manter o ambiente limpo e se tornam responsáveis e cuidadosos com a escola; com isso, au- menta a sensação de pertencimento e o cuidado com a escola”, observa Rejane. Visitas domiciliares A falta de interesse do aluno pode resultar na evasão escolar, e essa é uma preocupação constante do gestor. A estratégia da E. E. Prof. Luiz Gonzaga Horta Lisboa é manter registros e ano- tações, a fim de acompanhar a frequência do aluno. “Nosso trabalho envolve observar seu comportamento, nível de apren- dizagem e contato com a família, para entender a causa de sua ausência”, diz a diretora. Quando não conseguem contato com a família, uma alternativa adotada pela escola é a visita domiciliar, para entender as suas dificuldades e dar o suporte necessário para que o aluno vol- te para a escola. “Participamos das reuniões intersetoriais, que envolvem outros órgãos públicos, como o Conselho Tutelar e o Posto de Saúde, o que nos permite ter um olhar mais abrangen- te para essas famílias e encaminhá-las para ajudas profissionais, quando necessário”, destaca Rejane. Em 2020, a pandemia deu luz às dificuldades dos alunos e das famílias para o acompanhamento das aulas de forma remota, principalmente na utilização e disponibilidade da tecnologia para os estudos. Para combater a evasão escolar e o desinteresse do aluno, as visitas domiciliares foram uma das estratégias mais necessárias, fornecendo apoio e estímulo aos alunos. “Também fizemos plantões na escola para ensinarmos os pais a utilizar os aplicativos no celular, para que pudessem tirar as dúvidas dos 35
alunos. Estar presente e ao lado dos alunos e das famílias foi es- sencial para enfrentarmos juntos esse ano atípico”, compartilha. A escola é de todos! Em relação a todos os esforços para aumentar o interesse do alu- no pela escola, é válido afirmar que manter o aluno no espaço é de extrema importância e fundamental para despertar o senso de pertencimento, uma vez que a comunidade precisa fazer par- te da vivência escolar. “Acredito, ainda, na educação voltada para valores e baseada em princípios democráticos. Para isso, a ges- tão precisa ser dinâmica e ativa”, conta Rejane. Neste sentido, a responsabilidade de um diretor de escola, segundo sua vivência escolar e experiência como gestora, corresponde a um processo e não se limita a uma meta a ser atingida. A articulação e a mobi- lização da comunidade promovem organização, crescimento e transformação da realidade. 36
“A educação é um processo social, é desenvolvimento. Não é a preparação para a vida, é a própria vida.” John Dewey 38
desafio 5 COMO CONSEGUIR RECURSOS PARA REFORMAS FÍSICAS DA ESCOLA? Escola: E. E. Dr. Thomás Alves (Sousas, Campinas-SP) Gestora: Silvania José Borges de Camargo é educadora físi- ca, especialista em atividade física e qualidade de vida. Depois de atuar como professora, teve o seu novo desafio em 2018, na Secretaria do Estado de São Paulo, como diretora de escola, e acredita que as melhores práticas e os melhores resultados são conquistados por meio do diálogo entre educadores, alunos e fa- mílias. A escuta ativa, entendendo de que a comunidade escolar precisa, o engajamento da equipe e dos alunos são elementos que, juntos, transformam a realidade e alcançam novos patama- res de aprendizagem. 39
Uma escola prestes a completar 100 anos de história, com uma trajetória entrelaçada com o próprio desenvolvimento do charmoso distrito de Sousas, em Campinas, mas que já exibia marcas visíveis do tempo. Localizada na região central, no coração pulsante do distrito, a escola está próxima ao posto de saúde, à subprefeitura e a comércios que hoje são adminis- trados, muitas vezes, por ex-alunos, que carregam o carinho e o reconhecimento da importância dessa unidade escolar. A E. E. Dr. Thomás Alves é imponente, com três grandes prédios: dois nas laterais, para acolher cerca de 700 alunos, desde os anos iniciais do Ensino Fundamental até o EJA – Educação de Jovens e Adultos; e um prédio central, que acomoda funcionários e do- centes, uma equipe dedicada e comprometida que tem em co- mum a paixão pela escola em que trabalha. Ao assumir a direção da escola, em 2018, Silvania José Borges de Camargo se encantou com o lugar e com a comunidade. Sua escuta ativa e o engajamento de toda a equipe foram essenciais no início do trabalho para traçar quais seriam as prioridades da escola, e todos os pedidos estavam direcionados para a organi- zação do ambiente e as reformas estruturais. Considerada pela comunidade como um patrimônio do distrito, as marcas do tempo estavam visíveis nos prédios, e várias refor- mas eram necessárias, desde a organização dos espaços e a reci- clagem de materiais até a aquisição de novas carteiras, consertos de banheiros, portas, caixas de força, pintura e um novo paisa- gismo para o local. Mas como conseguir recursos financeiros para providenciar os reparos? Silvania sabia que, sozinha, não faria nada, então deci- diu “arregaçar as mangas” e mobilizar a comunidade. 40
Solução: Quando o propósito mobiliza uma rede de parceiros e transforma a realidade O que significa mobilizar? Mobilizar: palavra que nos provoca, impulsiona para a ação, mudança, transformação, revitalização. Pela definição, já é possível imaginar o que foi feito na E. E. Dr. Thomás Alves no ano de seu centenário. De acordo com Silvania, sua primeira providência foi investir na organização do ambiente, após ouvir com atenção os represen- tantes da comunidade escolar: professores, funcionários, grêmio estudantil e famílias. “Alguns dos pedidos foram organização imediata das entradas de alunos, mais segurança, mais funcio- nários, intervalos com horários distintos, ocupação das salas e separação dos ambientes por etapas – anos iniciais, finais, Ensino Médio, EJA –, além da criação de espaços de interação de acor- do com as faixas etárias. Fomos colocando em ordem todas essas demandas”, explica. A segunda providência da diretora foi investigar os recursos dis- poníveis: espaços, materiais, pessoas, como cada um poderia contribuir, participar da mudança, quais parceiros no entorno da escola poderiam ajudar, quais verbas e recursos financeiros po- deriam ser disponibilizados. Com o mapeamento em mãos, era a hora de buscar apoio com parceiros na revitalização da escola. Comerciantes, profissionais liberais, OSCs, subprefeitura, imprensa, foram muitos os que contribuíram para que a E. E. Dr. Thomás Alves comemorasse seus 100 anos renovada. Parceiros do bem O local de reuniões mensais do Conselho de Segurança do dis- 41
trito é o anfiteatro da escola. Foi nessas reuniões que Silvania decidiu compartilhar o projeto. “Após a acolhida aos participan- tes, que são pessoas conhecidas no distrito e se interessam não só pela segurança da região, mas conversam sobre melhorias em outros aspectos, percebi ser essa a oportunidade de me aproxi- mar e colocar em pauta as necessidades da escola. Esses momen- tos foram muito produtivos; a subprefeitura, que já colaborava, atendeu nossas necessidades de forma permanente na limpeza dos matos, no interior e no entorno da escola, ajudando em ou- tras necessidades também, quando possível”, comenta. A visita de uma jornalista de um periódico local para uma entre- vista, com o objetivo de apresentar Silvania como a nova gesto- ra da escola, rendeu grandes conquistas. A jornalista entrou em contato com um paisagista conhecido no distrito, que, por sua vez, doou para a escola o projeto paisagístico, mudas de plantas, além de disponibilizar funcionários para a realização do trabalho. Para marcar o centenário, um concurso interno foi realizado, por meio da iniciativa da professora de Artes junto a alunos e repre- sentantes gremistas, para a escolha de um novo logotipo que re- presentasse os 100 anos da escola. “Com os trabalhos inscritos e a eleição, o logotipo vencedor foi usado na estampa dos uniformes escolares e está na fachada frontal, junto ao letreiro do nome E. E. Dr. Thomás Alves. Foi realmente um marco na vida dos estudan- tes”, diz a diretora. A pintura geral da escola iniciou-se em julho de 2018, durante as férias, e foi uma ação que envolveu uma rede de voluntários. A compra das tintas foi possível por meio da colaboração de dois ex-alunos e parceiros da escola, um assessor de vereador e um proprietário de um restaurante local. “Para a mão na massa, a escola contou com a colaboração de alu- 42
nos do 9º ano, do Ensino Médio e do professor Coutinho, de Geo- grafia, que se propuseram a ajudar durante as férias. As equipes foram divididas e pintaram banheiros, áreas internas, biblioteca e laboratório. Foi muito interessante essa troca de experiências com os alunos, que, além de ficarem empolgados em contribuir, passaram a ser os guardiões dos espaços, incentivando os outros colegas a manter limpos e organizados os ambientes revitalizados da escola”, destaca Silvania. O laboratório de Ciências e a biblioteca também foram reforma- dos, além de nova pintura, organização dos espaços, mobiliários necessários e reciclagem e compra de novos livros. Vale destacar também que um novo espaço foi projetado: uma sala de vídeo para enriquecer a aprendizagem das aulas. “A cada nova mudan- ça, a cada inovação, os alunos, suas famílias, a equipe docente e os funcionários comemoravam as conquistas, e percebíamos a mudança de comportamento nas relações pessoais, com mais alegria e leveza”, completa. Parcerias para a saúde e o bem-estar dos alunos Ao mesmo tempo que as reformas prosseguiam a todo vapor, outras parcerias eram fortalecidas. Um desses apoios que a es- cola recebe vem da equipe do Posto de Saúde, que fica ao lado da escola. Os profissionais desenvolvem projetos e ações com o foco na saúde integral dos jovens, entre eles, campanha de higie- ne bucal, palestras sobre orientação sexual, além de realizarem o acompanhamento do processo de vacinas de todas as turmas de anos iniciais, finais, Ensino Médio e EJA. “Vale destacar também o trabalho da Intersetorial local, excelen- tes parceiros, além do Conselho Tutelar, dos professores media- dores e coordenadores de escola que participam das reuniões mensais, nas quais estudam os casos dos alunos com maiores 43
dificuldades de aprendizagem, com históricos de vida que neces- sitam de assistência, pois estão expostos a carências de todos os tipos, buscando soluções coletivas para a melhoria da aprendiza- gem e das condições de vida desses estudantes”, completa. Ambiente renovado influencia na aprendizagem escolar Silvania esteve como diretora da escola no período de janeiro a julho de 2018, e seu trabalho de melhorias na escola continuou com o vice-diretor. “Costumo pensar no tempo, na quantidade e na qualidade. Com o que vivi como gestora da E. E. Dr. Thomás Alves, acredito que em pouco tempo construímos muito, e que os resultados refletem não somente em um melhor ambiente, mas também na melhoria do aprendizado dos alunos. Iniciamos uma mudança significativa, sensibilizamos todos os envolvidos e tive- mos a grata continuação desse trabalho pelas mãos do vice-dire- tor, que se mantém até os dias de hoje na unidade escolar, e pelo grupo de professores”, lembra. No fim de 2018, no evento do centenário da escola e inauguração oficial das reformas, Silvania estava entre os convidados e pôde comemorar com toda a equipe, alunos e parceiros os momentos e os desafios vencidos ao longo do intenso período de sete meses de gestão. “Carrego em meu coração todos os momentos maravi- lhosos que pude vivenciar ao lado de uma comunidade acolhe- dora, envolvente, apaixonante!”, completa Silvania, com a certeza de que foi um período curto, porém repleto de esperança, união, cooperação, parcerias e vontade de mudar, recomeçar, inovar. 44
“Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre.” Paulo Freire 46
desafio 6 COMO CONQUISTAR A CONFIANÇA PARA A PARTICIPAÇÃO DAS FAMÍLIAS? Escola: E. E. Prof. Ary Monteiro Galvão (Jardim Eulina, Campinas-SP) Gestora: Maria Inês Faria Ribeiro é diretora de escola, pedagoga, especialista em gestão escolar e em liderança comunitária. Uma educadora apaixonada por seu ofício e que não mede esforços para encontrar caminhos que possam ampliar o desenvolvimen- to e a aprendizagem das crianças. 47
A comunidade da E. E. Prof. Ary Monteiro Galvão, localiza- da no Jardim Eulina, em Campinas, tem uma característica muito especial: cerca de 10% de seus alunos são de famílias nômades – também conhecidas como ciganos. Além de se- guirem uma cultura com crenças e tradições próprias, parte dessa comunidade vive sem residência fixa, viaja por longos períodos a trabalho e, nessa jornada, leva toda a família, dei- xando os filhos afastados do ambiente escolar. Nesse contexto, a escola e a aprendizagem dos filhos não são prioridades para essas famílias. Mesmo que tenham suas re- sidências fixas e mantenham os filhos matriculados em uma unidade escolar, durante os períodos de viagens, as crianças se ausentam da escola. Com isso, boa parte delas não acom- panha a programação de aulas ou não completa a realização de todas as atividades, sofrendo uma defasagem escolar. Esse cenário é muito preocupante do ponto de vista acadêmico e trouxe um grande desafio para a educadora Maria Inês Faria Ribeiro ao assumir a direção da escola, em 2018: como lidar com a situação familiar, o rendimento escolar e a frequência desses alunos cujas famílias não têm a escola como uma prio- ridade? Maria Inês faz questão de ressaltar que o trabalho não foi fácil, mas com estratégias de empatia e envolvimento com as famí- lias, além de muito respeito à cultura nômade, a direção, os professores, os alunos e os pais criaram, juntos, soluções para esse desafio. No decorrer do ano, uma nova perspectiva foi al- cançada, com o reconhecimento dos pais e, principalmente, a oportunidade de proporcionar a esses alunos uma nova rotina escolar, com melhor rendimento e aprendizagem. 48
Search