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Verão'19 // #31 Trimestral €1 LAZER Por que não conseguimos parar de correr? TECNOLOGIA O estranho mundo da realidade virtual ROSALIA VARGAS A SENHORA CIÊNCIA VIVA Passa os dias no Pavilhão do Conhecimento, fervilha em ideias para novas exposições e emociona-se quando cientistas lhe dizem: “Eu fui Ciência Viva”. Saiba por que Rosalia Vargas, nome maior da Ciência em Portugal, não tem planos para parar. Diretor António Tomás Correia



6 Glocal 36 SUMÁRIOVERÃO2019 Perfil 10 imigrantes Miguel Raposo Montepio #31 que mudaram Portugal 56 AS NOSSAS OS NOSSOS EXPERIÊNCIAS VALORES D esporto 51  B oa vida 15 Demografia Desporto em nome próprio Tocar as estrelas Velho mundo, novas minorias 40 59 Crónica Poupança 19 Entrevista A (não) Francisco Moita Flores mudança da Rosalia Vargas hora afetará a 60 Corrida 24 Entretenimento sua carteira? Montepio Por que não O estranho mundo conseguimos parar da realidade virtual de correr? 27 Crónica 64 Associados A driano Moreira Jardim dos sentidos 28 Empreendedorismo A NOSSA ASSOCIAÇÃO Segunda oportunidade 66 Parceiros 32 Tecnologia Montepio Assistentes virtuais Vamos divertir-nos em família? 8 70 Notícias Imigração Bem-vindos à nova terra Frota Solidária das oportunidades 71 Associado Romeu Bettencourt 72 Associado António Melo A MINHA ECONOMIA 44 Finanças pessoais Como ser freelancer a tempo inteiro? 47 F inanças pessoais 10 dicas para poupar no regresso das férias V E R Ã O 2 0 1 9 montepio

04 NESTAEDIÇÃO Montepio Costanza Ventura Associação Mutualista Empresária italiana #31 série iii Chegou antes do boom da imigração italiana, abraçou VERÃO 2019 a cultura portuguesa como sua e dinamizou um dos bairros propriedade mais tradicionais de Lisboa. Costanza Ventura Montepio Geral – Associação Mutualista é a cara de uma nova geração Rua do Ouro, 219-241 de imigrantes que trazem 1100-062 Lisboa ideias diferentes, criam Tel. 213 249 540 empregos e desfrutam a cada NIPC: 500 766 681 minuto do sonho português. diretor Miguel Raposo Vasco Pedro Ator Empreendedor António Tomás Correia diretor-adjunto Filho de dois grandes O sucesso inequívoco Rita Pinho Branco atores, Miguel da Unbabel, startup Raposo terá a sua portuguesa de coordenação prova de fogo em sistemas de tradução Chicago, icónica peça que marca o artificial, não esconde as dificuldades Direção de Comunicação, arranque da nova temporada do Teatro vividas por Vasco Pedro, o seu fundador, Marketing e Canais da Trindade. Neste perfil contamos-lhe com as três startups que a antecederam. como o miúdo tímido que cresceu nos Saiba como este e outros profissionais editor e sede de redação teatros se transforma em palco, perante aprenderam com os erros e por que centenas de pessoas. razão, em Portugal, poucos assumem Plot - Content Agency falhar. Av. Conselheiro Fernando de Sousa, 19, 6.º, 1070-072 Lisboa Participe na próximaedição desta revista Tel. 213 804 010 Futuro Economia Lazer diretor de projeto TALENTOSPequeno em FINANÇAS PESSOAIS AVENTURAA Estrada João Calado tamanho mas rico em Falar sobre dinheiro Nacional 2, que liga Chaves iniciativas culturais é sensível para os a Faro, é um fenómeno de diretor editorial e artísticas, Portugal casais que iniciam um popularidade. Conheça é um viveiro de criatividade. relacionamento. Saiba os encantos da route 66 Nuno Alexandre Silva Quais os talentos da nova que perguntas fazer à sua portuguesa e saiba quais geração de criadores, as cara-metade para que, no os melhores parceiros editor chefe suas influências e propostas futuro, este tema não seja Montepio para poupar para o futuro? motivo de discórdia. ao longo da viagem. Carlos Martinho Aceite o desafio, participe A capa editora executiva na próxima edição e envie-nos as suas Vinte anos após o lançamento do Ciência Sara Batista sugestões e comentários Viva, projeto que revolucionou a cultura para revistamontepio@ científica em Portugal, Rosalia Vargas diretora de arte montepio.pt ou, se preferir, explica o que mudou na mentalidade das para Revista Montepio, famílias e projetou os próximos anos Inês Reis Direção de Comunicação, de um programa que está presente, como Marketing e Canais poucos, na vida de miúdos e graúdos design Rua do Carmo, 42, 9.°, de todo o país. 1200 - 094 Lisboa Pedro Dias produção e arte final Ana Miranda, Pedro Pinguinha, Nuno Marques colaborações Adriano Moreira, Ana Catarina André, Filipe Paiva Cardoso, Francisco Moita Flores, João Valente, Maria Pereira, Rafael Afonso, Rita Vaz da Silva (texto), Artur, Bruno Barata, Daniel Azevedo, Fernando Veludo, Matilde Cunha (fotografia), Vera Mota (ilustração) publicidade Ramimo Mayet (969 135 032) Tel. 211 963 729 | Fax 211 963 729 impressão LiderGraf Sustainable Printing Rua do Galhano, 15 (E N 13), Árvore 4480-089 Vila do Conde Revista trimestral Depósito Legal nº 5673/84 Publicação periódica registada sob o nº 120133 tiragem 466 900 exemplares O MGAM é alheio ao conteúdo da publicidade externa. A sua exatidão e/ou veracidade é da responsabilidade exclusiva dos anunciantes e empresas publicitárias. estatuto editorial Certificado PEFC A Revista Montepio é a publicação que faz a ligação entre o Montepio Geral - Associação Mutualista e os seus Este produto tem associados. Conheça o seu estatuto editorial em montepio.org/vantagens-montepio/publicacoes/revista-montepio/ origem em florestas com gestão florestal sustentável e fontes controladas www.pefc.org PEFC/13-31-011 montepio V E R Ã O 2 0 1 9

EDITORIAL 05 Os desafios do sonho português Em 2018, mais de 480 mil imigrantes residiam contornando um problema crónico da nossa História, em Portugal. Trata-se do valor mais alto des- deveremos, por outro, garantir que o que existe de mais de que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras genuíno no nosso país, a portugalidade, não se esbate (SEF) monitoriza estes movimentos popula- numa Torre de Babel indiferenciada. cionais (1976) e é uma excelente notícia para o futuro de Portugal. Por três motivos. Em primeiro lugar, a imigra- Não basta receber cidadãos como Costanza Ventu- ção está mais qualificada, o que robustece a economia ra, Jérôme Borme ou Celia Fernandez-Selma, cuja his- portuguesa. Em segundo, existem mais bebés a nascer tória lhe contamos nesta edição. É preciso integrá-los em solo português, o que rejuvenesce uma sociedade neste caldeirão de influências que dão forma à cultura envelhecida. Por fim, o multiculturalismo torna-nos um portuguesa. país mais rico, tolerante e diverso. Sabemos que, nesta nova fase da sociedade portu- Há muito que sabemos que o país tem condições pri- guesa, a Associação Mutualista Montepio tem um papel vilegiadas para atrair as famílias e talentos estrangei- crucial na garantia de um equilíbrio entre estes dois de- ros, cidadãos que se apaixonam pelas nossas cidades safios. Pela dimensão, relevância, abrangência nacio- e serras, praias e vilas, que vivem intensamente as nos- nal e permanente estratégia de inclusão, por um lado, sas tradições, respiram a nossa cultura e contribuem e pelo apoio que, altruisticamente, proporciona à língua para uma sociedade mais aberta. e cultura portuguesas e aos artistas que as fazem brilhar. Outros desafios, porém, agora começam. Se, por um Os imigrantes são imprescindíveis para transformar lado, é imperativo aproveitar este fluxo de criativida- a sociedade portuguesa. E o sonho português que, em de, produtividade e empreendedorismo estrangeiros, troca, lhes proporcionamos, é a justa recompensa por projeto de tamanha magnitude. V E R Ã O 2 0 1 9 montepio

06 GLOCAL 10 Em diferentes imigrantes 6. épocas da História, cidadãos estrangeiros que mudaram estabeleceram-se em Portugal e ajudaram Portugal a mudar, com a sua inteligência, talento e 4. astúcia, o tecido social, 3. económico e cultural do nosso país. De que forma estas personalidades influenciaram e inspiraram as gentes do seu tempo e que herança deixaram para as gerações futuras? 1. Shintaro Yokochi 1. PROFESSOR DE NATAÇÃO (JAPÃO) Chegou a Portugal em 1958 e esteve na génese da expansão da natação. Yokochi trouxe espírito de sacrifício, qualidade técnica e profissionalismo aos nadadores portugueses. Hoje, a natação é a segunda modalidade com mais praticantes a seguir ao futebol – 65 499 nadadores em 2017. INFLUÊNCIA Económica Cultural/Lazer Social Artística 2. Michel Giacometti 2. 5. ETNOMUSICÓLOGO (FRANÇA) 4. Antenor Patiño 5. Garrett McNamara Entre 1960 e 1983, o fundador EMPRESÁRIO (BOLÍVIA) SURFISTA (ESTADOS UNIDOS) dos Arquivos Sonoros Em 2011, a vila da Nazaré ganhou Portugueses lançou 24 discos Nos anos 1950 e 1960, atores dimensão mundial com uma onda com gravações de canções de Hollywood, membros da gigante surfada pelo norte- recolhidas em todo o país. realeza e executivos da alta -americano. McNamara tornou-se Do seu espólio fazem ainda finança reuniam-se regularmente um porta-voz privilegiado para o parte 528 bobines e 3353 na propriedade do magnata país, partilhando-o com as centenas fonogramas. A memória de um boliviano, em Cascais. Numa era de milhares de fãs que o seguem. país que já não existe. pré-redes sociais e campanhas de marketing, Antenor Patiño levou INFLUÊNCIA INFLUÊNCIA o nome de Portugal aos quatro Económica Económica cantos do mundo. Cultural/Lazer Cultural/Lazer Social Social INFLUÊNCIA Artística Artística Económica Cultural/Lazer 3. Shegundo Galarza Social Artística MÚSICO (ESPANHA) Com 40 discos gravados e 200 programas da RTP no currículo, o maestro espanhol foi fundamental na criação e divulgação da música portuguesa - e dos seus talentos - a partir dos anos 50 do século passado. INFLUÊNCIA Económica Cultural/Lazer Social Artística

6. Kiyoshi Kobayashi 8. Nicolau de Chanterene 9. Nicolau Nasoni 10. Peter Bearsley MÉDICO E PROFESSOR ESCULTOR (FRANÇA) ARQUITETO (ITÁLIA) EMPRESÁRIO (INGLATERRA) O escultor francês radicou-se em DE JUDO (JAPÃO) Portugal em 1517 e trabalhou nos No início do século XVIII, o Filho de um dos primeiros mais importantes monumentos da arquiteto italiano trouxe novas comerciantes britânicos do Considerado o “pai” do judo nação: mosteiro dos Jerónimos ideias e inspirações artísticas Porto, Peter Bearsley teve a português, Kobayashi chegou a (Lisboa), mosteiro de Santa Cruz para Portugal. Das mais de 30 visão de se deslocar ao Douro Portugal em 1958 para desenvolver (Coimbra) e Palácio da Pena obras que deixou no nosso país, para negociar diretamente a modalidade. O projeto, que (Sintra). Uma herança que é hoje quase todas na região norte, com os produtores, evitando deveria durar dois anos, prolongou- visitada por milhões de turistas a Torre dos Clérigos é a mais intermediários. Este passo foi -se por outros 45 e deu vários frutos: por ano. notável. Monumento Nacional fundamental para desenvolver o judo perdeu o carácter elitista, desde 1910, a obra de inspiração a indústria vitícola do Douro massificou-se e é hoje uma das INFLUÊNCIA barroca é um dos cartões e expandir um setor que, só poucas modalidades portuguesas Económica de visita da cidade do Porto. em 2018, faturou 806 milhões com medalhas nos Jogos Olímpicos. Cultural/Lazer de euros em exportações. Social INFLUÊNCIA INFLUÊNCIA Artística Económica INFLUÊNCIA Económica Cultural/Lazer Económica Cultural/Lazer 10. Social Cultural/Lazer Social Artística Social Artística Artística Nacionalidade dos imigrantes em Portugal (2017 vs 2018) 8. Brasil 105 423 (+23,4%) Cabo Verde 34 633 (-0,9%) 7. Roménia 30 908 (-0,5%) Ucrânia 29 212 (-10%) 7. Calouste Gulbenkian Reino Unido 26 445 (+17,9%) China 25 357 (+9,3%) EMPRESÁRIO (ARMÉNIA) França 19 771 (+29,1%) A Fundação Gulbenkian, criada a Itália 18 862 (+45,9%) partir do seu testamento, é uma das Angola 18 382 (+9,1%) principais instituições portuguesas, Guiné-Bissau 16 186 (+6,5%) impactando a vida artística, cultural e científica do país. Em 2018, 9. 385 606 a fundação apoiou estas áreas em 62 milhões de euros. Um número 44,3% novos imigrantes em Portugal sem paralelo em Portugal. nos últimos 30 anos, INFLUÊNCIA dos imigrantes residem um aumento de 407,2% Económica no distrito de Lisboa Cultural/Lazer Evolução da população estrangeira em Portugal Social 1 5EM Artística CADA 1980 1990 2000 2010 2018 imigrantes são 50 750 107 767 207 587 445 262 480 300 brasileiros Pedidos de nacionalidade 32 349 33 901 35 416 37 262 41 324

Q Costanza Ventura e a família trocaram Roma por Lisboa em 2012. O filho mais novo já nasceu em Portugal

AOs nossos valores 09 Imigração Bem-vindos à nova terra das oportunidades Nos últimos anos, milhares de imigrantes qualificados chegaram a Portugal à procura de um país seguro, benefícios fiscais atraentes e qualidade de vida. Tudo isto a três horas de avião das principais capitais europeias. Saiba por que razão a imigração é uma boa notícia para Portugal e de que forma os estrangeiros qualificados estão a mudar, através da sua cultura e experiência de vida, a sociedade portuguesa. Texto CARLOS MARTINHO fotografia ARTUR | BRUNO BARATA | FERNANDO VELUDO Os nossos Aesquina da Rua de São segundo o Serviço de Estrangeiros valores Bento com a Rua Nova da e Fronteiras (SEF) – mas uma cida- Piedade, em Lisboa, tem de com qualidade de vida e calma. sotaque italiano. Em meia Desde então, tudo mudou. Lisboa dúzia de metros, os moradores e tu- tornou-se cosmopolita, o perfil dos ristas podem encontrar a gelataria imigrantes está mais qualificado e Nannarella, a pizzaria La Pizza di a comunidade italiana em Portugal Nanna e o café Baretto, um triângu- expandiu-se para os 18 862 cidadãos lo transalpino que saiu do plano de (dados de 2018). “Lisboa era uma al- negócios de Costanza Ventura, em- deia, hoje é uma cidade”, exemplifi- presária de 44 anos que trocou Roma ca Costanza. por Lisboa em 2012. À boleia dos benefícios fiscais “Em Itália fala-se muito de Portu- mas também de fatores ligados à se- gal, diz-se que é um país onde se vive gurança e qualidade de vida, multi- bem. Há muitos italianos loucos por plicam-se os europeus qualificados virem para cá”, conta. que chegam a Portugal – ingleses, franceses, italianos, espanhóis, sue- Em 2012, Costanza chegou em cos ou noruegueses. Vêm estudar, contraciclo. Milhares de portugue- investigar, trabalhar ou gozar a refor- ses qualificados partiam para outros ma. Trazem os filhos e aconselham destinos europeus e a crise preocu- os amigos a virem para Lisboa, Porto, pava os que ficaram. A empresária, o Braga, Algarve, Setúbal ou Coimbra. marido e os dois filhos encontraram uma comunidade italiana pequena “Esta imigração tem-se intensifi- – 5 222 pessoas a residir em Portu- cado devido ao espaço Schengen. Há gal, num total de 417 042 imigrantes, mais gente a circular e os europeus V E R Ã O 2 0 1 9 montepio

A Os nossos valores europeus e não só, e este fenómeno mos um país muito litoralizado, pelo vai manter-se durante vários anos”, que a vinda de pessoas para o interior 10 Imigração revela Jorge Malheiros, professor e seria a melhor notícia que podería- investigador do Centro de Estudos mos ter”, avança Jorge Peixoto. vão procurando outros locais para Geográficos do Instituto de Geografia Em Braga, o Laboratório Inter- viver, estudar e reformar-se”, avança e Ordenamento do Território da Uni- nacional Ibérico de Nanotecnologia João Peixoto, professor de Demogra- versidade de Lisboa. É difícil, para já, emprega mais de 200 investigado- fia e Sociologia no Instituto Superior perceber o que acontecerá nas pró- res de 30 nacionalidades. Um deles é de Economia e Gestão (ISEG). O fe- ximas duas décadas. No entanto, o Jérôme Borme, que chegou à Cidade nómeno não é novo, ainda que hoje facto de Portugal ter uma economia dos Arcebispos em 2011 para inves- seja “mais visível”. E é uma excelen- “atreita a crises, com muitas osci- tigar as aplicações do grafeno nos te notícia para o país. “Já tivemos a lações”, impactará a vinda de imi- diagnósticos médicos. “Os talentos experiência de viver numa socieda- grantes qualificados. Todos são ne- estrangeiros trazem novos métodos de fechada e não temos saudades. cessários e é certo que a sua vinda de trabalho, participam no recruta- Existe uma sociedade cosmopolita provocará alterações na sociedade. mento ao mais alto nível para o en- em algumas partes de Portugal e a “Trazem mais competências, mas sino universitário e criam condições abertura fez-nos bem. Criou novos também produtividade e inovação. para melhorar a formação dos jovens empregos e originou mudanças po- É muito positivo para a economia e o desempenho das empresas”, sitivas na economia”, explica. mas também para a cultura e evo- Todos são bem-vindos lução da sociedade portuguesa. Há O número de Os números não enganam. Em 2018, maior diversidade religiosa, por estrangeiros a segundo dados do SEF, o número de exemplo, e isso leva-nos a aceitar residir em Portugal imigrantes da Alemanha, Bélgica, Es- melhor a diferença, os outros”, con- aumentou 13,9% panha, França, Holanda, Itália, Rei- tinua Jorge Malheiros. Lisboa e Porto em 2018, para os no Unido e Suécia atingiu os 109 366 lideram as preferências dos imigran- 480 300 cidadãos. cidadãos – mais 23% que em 2017. tes qualificados, mas o aumento de É o valor mais Ainda assim, o pico da imigração estrangeiros a residir em Portugal alto desde que há estará longe. “Portugal vai necessi- sente-se noutros locais. registos tar de mais imigrantes qualificados, “Lisboa e Porto começam a estar saturadas, com o espaço lotado. Te- População estrangeira a residir Novos residentes estrangeiros em Portugal vs residentes totais* 1980 50 750 Variação dos Total residentes: comunidade 2017 vs 2018 1990 107 767 + 2 469 Alemanha 12 817 2000 207 587 + 868 Bélgica 4 147 + 2 899 Espanha 14 066 2010 445 262 + 5 306 França 19 771 2016 397 731 + 1 477 Holanda 8 984 2017 421 711 + 6 989 Itália 18 862 + 5 079 Reino Unido 26 445 2018 480 300 + 924 Suécia 4 274 Fonte: SEFSTAT *só países da União Europeia Fonte: SEFSTAT (2018) montepio V E R Ã O 2 0 1 9

Os nossos valores A 11 Imigração A piccola Italia de São Bento, Lisboa Quem vem para Portugal? Costanza Ventura Existem cinco tipos de imigrantes 44 anos, empresária italiana qualificados a chegar todos os anos a Portugal, de acordo com F oi um amigo local onde nasceu confessa. o professor e investigador Jorge da família que a gelataria Nannarella. O sucesso da Nannarella Malheiros. Conheça-os aqui. sugeriu Lisboa “Neste bairro encontrei – que em 2016 chegou ao a Costanza Ventura. pessoas educadas, exclusivo supermercado 1 PROFISSIONAIS DE TOPO A empresária italiana, gentis, que dão atenção El Corte Inglés – deu OU INTERMÉDIOS há muito cansada de às crianças e aos mais fôlego financeiro para “Estão ligados a multinacionais viver em Roma, aceitou o velhos. E um ritmo de vida investir na pizzaria La e muitos vêm das áreas repto e chegou a Portugal muito mais calmo Pizza di Nanna e no da tecnologia, de países como com os dois filhos e o e com muitas atividades café Baretto, situado no Estados Unidos ou Brasil.” marido. “Encontrámos culturais e desportivas”, Mercado de São Bento. uma cidade pouco realça. Nem tudo foram Ao todo, os negócios 2 INVESTIGADORES cuidada, com os prédios rosas. O primeiro impacto de Costanza Ventura “São europeus, sobretudo desvalorizados, mas as foi “pouco aberto, com empregam já 30 pessoas italianos, com bolsas de ruas limpas”, recorda. expressões sérias” que de várias nacionalidades. investigação para várias áreas Os Ventura perceberam contrastavam com o Uma piccola Italia junto científicas, da biotecnologia a ausência de gelatarias sorriso fácil de Costanza. à rua de São Bento que às áreas sociais.” em Lisboa, estudaram o A paixão portuguesa pela chegou para ficar. negócio ainda em Itália língua italiana ajudou a “Os meus filhos sentem- 3 ESTUDANTES DE e, já em solo português, contornar a desconfiança -se portugueses. O mais DOUTORAMENTO OU candidataram-se a uma e a integração da novo, que já nasceu cá, é PÓS-DOUTORAMENTO “Ficam linha de financiamento família Ventura foi quase 100% português. Os dois entre três a seis anos em Portugal. para empreendedores. perfeita. “Inscrevi os meus mais velhos são italianos, Por vezes, fixam-se por cá.” Com um empréstimo de filhos na escola pública e mas não querem sair 50 mil euros em mãos, comecei logo a trabalhar daqui. Aliás, eles falam 4 INVESTIDORES instalaram-se perto da no bairro. Ando muito a italiano fluente, mas “Este é o grupo dos vistos Assembleia da República, pé e libertei-me do carro. escrevem mal”, remata. Gold, dos refugiados fiscais, a poucos metros do Estou muito integrada”, dos acordos de dupla tributação e residentes não habituais. São artistas, profissionais liberais, gestores financeiros. Investem no setor imobiliário e trazem a família. Há ainda quem tenha negócios noutros países e faça esta gestão a partir de Portugal.” 5 REFORMADOS “Também são qualificados. Alguns vão regressar no final do período dos benefícios fiscais, mas outros manter-se-ão por cá.” V E R Ã O 2 0 1 9 montepio

A Os nossos valores 12 Imigração refere. Os seus efeitos na economia Os impactos da são considerados portugueses – exce- também são positivos. “São jovens imigração são to se o declararem especificamente. formados nos seus países de origem e vêm para Portugal contribuir para sentidos a vários Estados Unidos da Europa os impostos e para a Segurança So- níveis – das Num mundo globalizado, são os eu- cial, na idade em que menos gastam ropeus próximos que têm, por outro com a saúde”, reforça. ofertas culturais lado, “desafios de imigração melho- à metodologia res”, como lhe chama Jorge Malheiros. Do ponto de vista social, os imi- A língua, a cultura e a gastronomia são grantes altamente qualificados tra- de trabalho, mas pontos de união entre povos separa- zem “a mais-valia de um olhar novo também nos níveis dos por poucas centenas de quilóme- sobre a cultura portuguesa”, sem, no tros. “A União Europeia facilita a troca entanto, influenciarem “mudanças de natalidade e o processo de integração”, assegu- drásticas”. “As tradições não devem ra o investigador. A espanhola Celia sofrer alterações. Mas podem bene- mais baixa da União Europeia e muito Fernandez-Sesma, há dois anos em ficiar de uma maior divulgação junto abaixo do nível mínimo de renovação Portugal, garante sentir-se integrada deste público”, continua. Se as tradi- da população, que é de 2,1. Se a imigra- “quase desde o início”, mas ganhou ções atraem a comunidade imigrante ção, e não apenas a qualificada, tem outra confiança quando começou a – basta olhar para festas como o San- impacto nos níveis de natalidade, ter dominar a língua e a conhecer melhor to António ou o São João –, as raízes um filho em Portugal reforça a ligação a sociedade portuguesa. culturais destes têm o mesmo efei- dos estrangeiros com o país. É essa a to nos portugueses. “Os imigrantes opinião de Costanza Ventura, que as- Apesar de ter vindo para Portu- ajudam a mudar as ofertas culturais. segura que o filho mais novo, nascido gal à boleia da LLYC, a empresa es- Há restaurantes japoneses, músicos em Lisboa, se sente 100% português. panhola que a desafiou a mudar de brasileiros, terapias orientais. São No início dos anos 60 nasciam, em país, Celia vê-se a ficar “de forma in- mudanças aceleradas pela imigra- Portugal, mais de 200 mil crianças, definida” em Portugal. “Coimbra po- ção”, reforça Jorge Malheiros. um número que caiu para os 80 ou deria ser uma opção se tivesse que 90 mil nos nossos dias. “Nunca tive- Bebés precisam-se mos tão pouca gente a nascer. E tudo Portugal é um país envelhecido e onde o que possa inverter este movimento nascem poucos bebés. Em 2017, se- é bem-vindo”, recorda João Peixoto. gundo o Eurostat, o nosso país apre- Os políticos concordam. Desde o ano sentou uma taxa de fecundidade de passado que os filhos de estrangeiros 1,38 nascimentos por mulher, a sexta que residam em Portugal há dois anos O apelido como ascensão social Diz-me como te o faziam”, explica Carlos tradição de acumular chamas, dir-te-ei se Bobone, proprietário nomes”. Se no século és importante. Em da Livraria Bizantina xix muitos portugueses Portugal, o apelido é e autor do livro Os adotaram apelidos mais do que uma simples Apelidos Portugueses. de personalidades identificação da pessoa. Há outra explicação. importantes “Portugal sempre teve A partir do século como Bismark, uma estrutura social xvii, muitos morgados aportuguesando o nome, complexa. Nos séculos queriam conservar os hoje é improvável que passados colocava-se apelidos dos familiares, isso aconteça. “É um os apelidos das pessoas acumulando-os. sinal de ascensão social, poderosas, vice-reis Com o aumento da por isso os próprios ou governadores, para imigração, é “muito não vão gostar de procurarem a sua provável” que os filhos aportuguesar o nome. proteção. Mas também de cidadãos portugueses Pelo contrário, vão os criados e os escravos e estrangeiros “sigam a salientá-lo”, conclui. montepio V E R Ã O 2 0 1 9

Braga das Nações 13 Jérôme Borme 41 anos, Investigador no Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL) escolher uma cidade para viver que R Desde 2016 que J érôme Borme tinha contratos de trabalho não fosse Lisboa”, adianta. Jérôme Borme acabado de tirar em universidades ou é investigador no um doutoramento centros de investigação”, Num cenário de mobilidade Laboratório Ibérico quando, em 2006, refere. O sentimento de acrescida, como é o caso da euro- Internacional de chegou a Portugal. segurança, os preços peia, os movimentos migratórios Nanotecnologia, A “alta reputação” do acessíveis, a relação fácil são mais curtos. “Hoje a imigração em Braga INESC-NM, o grupo de com os portugueses, o é um processo fragmentado, as pes- investigação que aceitou clima ameno, a natureza soas podem vir para Portugal, estar recebê-lo, falou mais ainda preservada e alguns anos e ir embora”, adianta alto que a ausência “um certo avanço na Jorge Malheiros. Se Costanza, Jérô- de informação sobre o administração eletrónica me e Celia admitem ficar por muitos país que o acolheu. e na relação com o anos, outros imigrantes deixarão o “Não tinha qualquer cidadão” são alguns país assim que os benefícios fiscais opinião sobre Portugal dos trunfos que o país terminarem. O papel de Portugal é fora do campo da apresenta à comunidade retê-los através da ligação emocio- investigação”, confessa. imigrante. “No meu caso, nal, da qualidade de vida, do clima Ainda assim, a primeira a distância entre França ou da gastronomia. Outro dos desa- impressão foi “muito e Portugal não é grande. fios será manter a autenticidade no positiva”. “As pessoas Estou tão próximo da meio de tantas influências de fora. foram acolhedoras, minha cidade como O que não deixa de ser irónico: os e as culturas francesa alguns membros da imigrantes valorizam o status quo e portuguesa têm uma minha família que vivem que, ano após ano, estão a ajudar a forte compatibilidade.” em França, mas em transformar. “Quando cheguei, Lis- A integração na regiões afastadas.” boa era uma cidade autêntica, com sociedade portuguesa Pelas ruas de Braga, vida de bairro. Tenho medo que isto foi imediata e Jérôme admite, sente-se um acabe. Por um lado, é bom ser dinâ- admite que rapidamente “aumento notável da formou o seu círculo de população estrangeira”, amigos. “Acompanho as fruto do crescimento notícias, eventos culturais “expressivo do INL”. e o debate público “Os mais representados como qualquer cidadão entre os recém-chegados português”, explica. europeus são os Nos últimos anos, espanhóis e os italianos, Jérôme trocou Lisboa seguidos dos alemães por Braga e juntou- e dos franceses. Todos -se à Torre de Babel elogiam a qualidade que é o Laboratório de vida em Portugal.” Ibérico Internacional Conhecedor do litoral de Nanotecnologia centro português, do (INL), centro que reúne interior norte e da ilha duas centenas de da Madeira, Jérôme investigadores, na sua destaca as cidades maioria estrangeiros. portuguesas com O tempo é repartido entre património edificado, os amigos portugueses como Évora e Melgaço, e a comunidade de e adora subir até universitários de várias ao Parque Nacional nacionalidades. “Não da Peneda-Gerês tenho preferência por e às aldeias do Alto nacionalidades”, frisa. Minho para fazer Natural do sul de França, caminhadas. “Gosto Jérôme gostaria de da paz do planalto ficar “muitos anos” povoado de cavalos em Portugal. “Penso selvagens, as bermas que os investigadores convidativas do rio que saem de Portugal Homem, as cascatas só o fazem pela e as lagoas esverdeadas dificuldade de conseguir do rio Fafião”, conclui. V E R Ã O 2 0 1 9 montepio

A Os nossos valores À procura de qualidade de vida 14 Imigração Celia Fernandez-Sesma 29 anos, consultora de comunicação Desde o ano R A consultora de H á dois anos ser transportada passado que comunicação Celia que Celia para a Lisboa de Fernandez-Sesma sente-se Fernandez- 2009, há apenas os filhos de completamente integrada em -Sesma sobe até uma década, estrangeiros Portugal e não tem uma data ao quinto andar não reconheceria há dois anos em para deixar o país do escritório da a Avenida da Portugal são consultora de Liberdade, onde considerados um parceiro dinamarquês que faz comunicação trabalha, e o seu portugueses entregas ao domicílio com veículos LLYC, na Avenida eixo envolvente: a limpos, tem sensibilidade ambien- da Liberdade, Baixa, o Chiado, mica, por outro, pode perder-se esta tal”, afirma. Na baixa da cidade, as em Lisboa, e o Marquês de autenticidade. E este processo está tascas típicas transformaram-se em contempla uma Pombal ou até o a decorrer de forma muito rápida”, restaurantes vegan, em gelatarias ou cidade cada vez Saldanha. Apesar refere Costanza Ventura. A balan- lojas gourmet. É a resposta dos em- mais poliglota e da renovação ça não fica quieta. Se, por um lado, presários à mudança dos estilos de cosmopolita. diária da cidade, o preço da habitação continua ina- vida, muitos deles influenciados pela Aos 29 anos, Celia acredita tingível para o cidadão comum, a grande comunidade de imigrantes a jovem que a qualidade verdade é que a renovação de uma que vive e trabalha nesta zona. espanhola não se de vida de Lisboa cidade como Lisboa também se faz arrepende de ter em relação às às custas da criatividade. De pessoas “Espero que os portugueses não trocado Madrid congéneres como Costanza, que inovam no servi- percam este comboio. Que invis- pela capital estrangeiras ço, trazem novas ideias e contribuem tam, inovem em todo o país. Temos portuguesa, continua bem para o bem-estar da cidade. “Tenho um país seguro, qualidade de vida. ainda que os vincada. “O ritmo Temos de aproveitar as oportunida- primeiros tempos é menos frenético des de negócio”, conclui a empresá- não tenham sido e consigo desligar ria italiana. fáceis. “Os dois da vida intensa grandes desafios do dia a dia com iniciais foram maior facilidade”, a língua, tendo argumenta. em conta que A consultora de trabalho no setor comunicação da comunicação, chegou a Portugal e encontrar após ter sido uma casa para desafiada pela arrendar e ajustar- LLYC, juntando- -me a preços mais -se à grande altos do que o comunidade previsto”, explica. de imigrantes Ainda assim, e qualificados depois de uma que, durante adaptação inicial, um período de a integração está tempo, reforça concluída. “Sinto- os escritórios das -me integrada multinacionais. quase desde o “Gosto de morar início mas com cá e estou maior confiança satisfeita com a desde há um vida que construí. ano devido ao Não tenho filhos, domínio da língua mas não teria e por saber melhor problemas que como funciona crescessem a sociedade integrados portuguesa”, na sociedade reconhece. portuguesa”, Se Celia pudesse conclui. montepio V E R Ã O 2 0 1 9

Velho A 15 mundo, novas minorias Em 2045, e pela primeira vez desde a fundação dos Estados Unidos, a população branca representará menos de 50% do país. Não é caso único. Em todo o mundo, a demografia ajusta-se à economia, alterando a balança étnica e “racial”. O que acontecerá quando as atuais minorias deixarem de o ser? Texto RITA VA Z DA SILVA “D e onde és?” Cris- As histórias das minorias, e dos ci- Mas algo está a mudar. As complexas tina Roldão, so- dadãos que delas fazem parte, re- migrações das últimas décadas estão cióloga, investi- petem-se por todo o mundo: menos a “cozinhar” uma sociedade multirra- gadora e ativista oportunidades de acesso ao mercado cial, multiétnica e multicultural, um pelos direitos das de trabalho, à educação ou habita- melting pot, como lhe chamam os an- comunidades negras e afrodescen- ção digna. Discriminação e racismo. glo-saxónicos, que colocará novos de- dentes, costuma lembrar que, devido à cor da sua pele, é sistematicamen- te confrontada com esta pergunta, mesmo depois de responder que nas- ceu em Oeiras. “Muitas das pessoas negras que vivem em Portugal nas- ceram em Portugal, não vieram de África. Este é um debate que falta fa- zer na sociedade. Temos portugueses negros, ciganos e asiáticos. Não pode- mos continuar a denominar os negros como descendentes de imigrantes porque isso é colocá-los fora do corpo da Nação. Os ciganos estão cá há 500 anos e são sistematicamente tratados como estranhos, o que mostra que o tempo que se está num país não é sinónimo de que as pessoas passem a ser entendidas como fazendo parte [de uma comunidade]”, explica. V E R Ã O 2 0 1 9 montepio

A Os nossos valores 16 Demografia As complexas Como Toronto R Cristina Roldão alerta para migrações das combate a a necessidade de a sociedade últimas décadas discriminação debater a questão das comunidades estão a gerar Com mais de 200 grupos uma sociedade étnicos e 50% de cidadãos de origem estrangeira, a cidade multirracial e de Toronto, no Canadá, multiétnica que desenvolve várias estratégias colocará novos de inclusão das minorias, programas ligados ao acesso desafios ao mercado de trabalho que têm motivado elogios por safios às sociedades e mudará o status parte de organizações como quo do elevador social. Veja-se o caso as Nações Unidas. dos Estados Unidos, onde a população Estes projetos favorecem branca já é uma minoria numérica em o networking entre membros cinco Estados – Havai, Nevada, Cali- da comunidade e os fórnia, Novo México e Texas – e em 50 projetos de mentorship, áreas metropolitanas. As projeções do nos quais profissionais Gabinete de Censos dos EUA (USCB) já estabelecidos, muitos sugerem mesmo uma transição de- deles imigrantes de outras mográfica inédita em meados deste décadas, acolhem os novos século: a população branca passará talentos e integram-nos na de 90%, em 1950, para menos de me- vida social, cultural tade da população total, algures entre e económica da cidade. 2040 e 2060. O saldo negativo entre Com 2,5 milhões de mortes e nascimentos registado na habitantes, a cidade procura população branca (em todo o mundo nos imigrantes o talento ocidental a taxa de natalidade dos po- e energia necessários para vos de etnia branca está em declínio) se transformar num dos e o aumento dos fluxos migratórios principais centros financeiros são outros fatores que contribuem do mundo, seguindo os para esta mudança demográfica que passos de Nova Iorque (EUA) alterará radicalmente o tecido político- ou Londres (Inglaterra). -social norte-americano: a nação que Quem sabe se esta estratégia se orgulha de ser fundada por imigran- nos oferece um caminho tes cumpre o seu desígnio e torna-se para resolvermos os nossos um mosaico de minorias. próprios desafios de inclusão das minorias? A uma escala distinta e a um ritmo mais lento, as sociedades europeias, “Tendo em conta a tendência atual, Unido, a população branca passará a inclusive a portuguesa, também es- as populações europeias vão tornar- ser uma minoria em 2066. tão a tornar-se mais multiétnicas, -se etnicamente mais diversas, colo- multirraciais e multiculturais. cando-se a possibilidade dos grupos Portugal também começa a tornar- étnicos que hoje em dia são maiori- -se um pouco mais diverso, ainda que Um estudo do Observatório das tários virem a perder o seu estatuto a um ritmo muito menor. O relatório Migrações da Universidade de Oxford de maioria numérica em alguns paí- estatístico anual do Observatório da concluiu, em 2013, que a “imigração ses.” David Coleman, coordenador do Migração, publicado em dezembro é o fator principal de mudança de- estudo, acredita que, mantendo-se a de 2018, mostra que há em Portugal mográfica nos países desenvolvidos”. atual tendência migratória no Reino cada vez mais casamentos mistos –­ entre portugueses e estrangeiros – montepio V E R Ã O 2 0 1 9

ou apenas entre estrangeiros. Do to- Minorias: o que vai mudar nos Censos 2021? 17 tal de casamentos em Portugal, em 2017, 14% são uniões mistas, das quais Investigadores, representantes de imigrantes, afrodescendentes 85% entre portugueses e cidadãos de e da população cigana avaliaram, durante ano e meio, o interesse de incluir fora da União Europeia, o retrato de nos próximos Censos uma pergunta sobre origem e pertença “étnico-racial”. um país que, a passo lento, muda do Quatro elementos votaram contra, nove a favor. Conheça os argumentos ponto de vista social, mas também dos dois lados. económico e demográfico: a popu- lação imigrante contribui positiva- A FAVOR CONTRA mente para o saldo demográfico, com 10% dos nascimentos em Portugal. Cristina Roldão Almerindo Lima Se juntarmos a estes números a cer- Socióloga e investigadora Representante das comunidades teza de que, nos próximos anos, mais no CIES-IUL ciganas estrangeiros – qualificados e não qua- lificados – entrarão em Portugal, é ga- “Se entendermos o racismo como “Não precisamos dos dados rantido que as minorias sê-lo-ão cada um fenómeno estrutural precisamos dos Censos para acabar com a vez menos em Portugal. da recolha de dados como os discriminação contra a comunidade Censos, porque permite a análise cigana. Na opinião da comunidade Um Censos para a História dos processos que estão por trás não vai alterar nada, só vai dar Na Europa, o debate sobre as minorias das desigualdades ‘étnico-raciais’. autoridade a quem quiser para continua a ser tabu. O Reino Unido, Esta recolha não é inconstitucional marcar pessoas. A nossa luta é a Itália e a Eslovénia são os únicos paí- porque a própria Constituição diferente da comunidade africana, ses europeus que fazem a recolha de diz que se pode fazer mediante que quer políticas de integração dados estatísticos com base na cor da autorização. Claro que deve ser muito positiva na tradição americana, por pele, etnia ou “raça”, apesar de tanto a bem pensada: a resposta deve ser exemplo com quotas de acesso à União Europeia como a ONU o reco- voluntária, serão as pessoas que se universidade. Mas o Estado português mendarem. Em Portugal, a mudança vão autoidentificar, deve ter opção de quer continuar a tratar a nossa poderá estar para breve. O próximo Re- origem mista e a possibilidade de se comunidade como imigrantes quando censeamento Geral à População (Cen- escrever as classificações nas quais nós somos cidadãos portugueses sos 2021) poderá incluir, pela primeira se identificam e a salvaguarda do desde 1822 e como tal queremos ser vez, uma pergunta facultativa sobre a anonimato.” encarados.” pertença “étnico-racial”. “Há quem a considere indispensável porque aju- uma leitura xenófoba ou que se vão gem os países de língua oficial portu- daria a criar políticas de integração, queixar de uma perda de identidade”, guesa (PALOP). O novo milénio trouxe promover uma distribuição mais equi- afirma Isabel Carvalhais. Mas os pró- para Portugal milhares de brasilei- tativa de recursos ou atribuir quotas de prios representantes das minorias têm ros, moldavos, ucranianos, romenos acesso às universidades, como acon- opiniões opostas. “Ao colocarmos esta e, mais recentemente, indianos, pa- tece nos EUA e no Brasil. Há, porém, questão nos Censos estamos a cate- quistaneses e nepaleses. “Caminha- quem diga que pode dar azo a discri- gorizar pessoas num momento em mos para uma maior diversidade de minações”, explica Isabel Carvalhais, que a extrema-direita está a ganhar nacionalidades em Portugal”, elucida professora e investigadora do Centro terreno na Europa. Estes dados vão Catarina Oliveira, socióloga e diretora de Investigação em Ciência Política da ser públicos e são perigosos nas mãos do Observatório das Migrações (OM). Universidade do Minho. erradas”, explica Almerindo Lima, re- “A diversidade pode ser muita coisa, presentante da comunidade cigana. depende do que colocamos na equa- O tema é tão sensível que levou à Cristina Roldão, por seu lado, acredita ção. Mas se quisermos falar de diver- criação de um grupo de trabalho com que esta recolha de informação pode sidade ‘étnico-racial’ em concreto não especialistas e representantes de vá- ajudar as minorias no processo de in- podemos fazer um retrato, nem pro- rias minorias, que, ainda assim, deci- clusão na sociedade, expondo as suas jeções, porque não temos números”, diu favoravelmente pela inclusão da dificuldades “no acesso ao emprego, continua. questão – a decisão final cabe ao Insti- saúde e escolaridade” mas aferindo tuto Nacional de Estatística (ver caixa). também “qual a taxa de desemprego Sabe-se, ainda assim, que apenas [dentro da comunidade], as profissões 4% da população residente em Portu- “A ideia é louvável porque quer dar e onde habitam”. gal é imigrante. “Depois há toda uma voz aos grupos com menos expressão, população de descendentes, alguns mas os dados podem ser desvirtuados Inclusão em vez de integração que já foram imigrantes mas que já e aproveitados por grupos que vão ter Até ao final da década de 1990, a imi- não têm nacionalidade estrangeira, gração para Portugal tinha como ori- outros nascidos em Portugal, que não conseguimos monitorizar quanto à V E R Ã O 2 0 1 9 montepio

A Os nossos valores 18 Demografia Apenas 4% da população em Portugal é imigrante. Depois há toda uma população de descendentes sua composição e integração”, adian- país da União Europeia em relação a R O representante das ta Catarina Oliveira. Trata-se de uma políticas sociais dirigidas aos ciga- comunidades ciganas população minoritária vulnerável ao nos. “Em Portugal há um grupo de ci- defende que a integração desemprego e à pobreza. Mais de me- ganos que trabalha nesta área [Grupo não é a fórmula certa, tade destes cidadãos tem trabalhos Consultivo para a Integração das Co- mas sim a inclusão não-qualificados e contratos precá- munidades Ciganas] e que consegue rios, auferindo salários inferiores facilmente falar com o Presidente da minorias mais representativas – ne- aos dos trabalhadores portugueses. República, trabalhar com ministros. gros, ciganos e imigrantes – estão em Os estrangeiros não qualificados têm O que tem de mudar é a educação do desvantagem. A sub-representação ainda maior probabilidade de vive- povo português em relação às comu- chega ao poder político e económi- rem em alojamentos sobrelotados e nidades ciganas e às imigrantes.” co e nem a Europa escapa: segundo maior dificuldade em comprar ou ar- dados da Rede Europeia contra o Ra- rendar casa do que a população nati- O representante da comunidade cismo, apenas 5% dos eurodeputados va, segundo o mais recente relatório cigana defende que a integração não tem uma origem étnica e “racial” não- da OM. é a fórmula certa, mas sim a inclusão. -europeia, metade da percentagem da “A integração implica que eu abando- população considerada minoria nos “As desigualdades ‘étnico-raciais’ ne as minhas bases culturais e não o países da União Europeia. É também [em Portugal] são uma realidade que quero fazer. Eu sou um português ci- por aqui que terá de acontecer a mu- ultrapassa a intenção das pessoas. gano e quero ser incluído como sou”, dança. Em último caso, a demografia O racismo é estrutural e praticamen- diz Almerindo Lima. Não é apenas encarregar-se-á de o fazer. te invisível na forma como opera”, no acesso ao mercado de trabalho, explica a socióloga Cristina Roldão. na educação ou habitação que as As queixas da investigadora são par- tilhadas por Almerindo Lima, repre- sentante da comunidade cigana. “É muito difícil, para um cigano, sair das barracas e da habitação social. No meu caso, mesmo com alguma formação académica, tive muita di- ficuldade em alugar casa porque as pessoas veem-nos com um rótulo.” Com 60 mil pessoas, a comunida- de cigana portuguesa é uma das mi- norias mais representativas do país. Apesar das desigualdades sistémicas e do problema histórico-social que perpetua os mitos sobre os ciganos, Lima afirma que Portugal é o melhor montepio V E R Ã O 2 0 1 9

19 Rosalia Vargas Duas décadas após ter Presidente da Agência Ciência Viva abraçado o desafio de uma vida, Rosalia Vargas A falta de não tem planos para parar. cultura científica Passa os dias no Pavilhão do fica-nos cara Conhecimento, fervilha em ideias para novas exposições e estrutura a expansão do projeto Ciência Viva. Uma vida ligada à ciência e que a ciência faz questão de retribuir. Texto CARLOS MARTINHO fotografia ARTUR

A Os nossos valores 20 Entrevista P O robô Viva recebe, com boas-vindas, os visitantes do Pavilhão do Conhecimento Campeão M aisde11milhõesdepessoas para os mais novos – são espaços pa- de bilheteiras visitaram os centros Ciên- ra todos, como a ciência é para todos. cia Viva nos últimos 20 anos, Temos assistido a uma melhoria nas Mais de 11 milhões de a prova de que a cultura científica es- visitas ao Pavilhão do Conhecimen- pessoas visitaram os tá finalmente enraizada na sociedade to, aos outros centros Ciência Viva e centros Ciência Viva desde portuguesa. aos museus em geral. Já não são só o lançamento do projeto, visitas escolares, mas lugares onde em 1999. Um número já de OPavilhãodoConhecimento- Centro as famílias vão aos fins de semana e si impressionante mas que Ciência Viva celebra20anosem2019. levam os filhos. ganha outra relevância O que mudou na ciência, em Portugal, A democratização dos centros Ciên- quando visto à dimensão desde então? cia Viva veio através dessa ligação nacional: sete milhões Mudou muita coisa e o Pavilhão do familiar? de visitantes nos centros Conhecimento tem acompanhado a Tem a ver com atitude e a capacidade espalhados por todo mudança que a ciência e tecnologia dos museus e centros tornarem os seus o país. “Os pais, avós, têm tido na sociedade portuguesa. espaços mais comunicativos. Não bas- padrinhos e amigos estão A ciência desenvolve-se tanto mais ta abrir as portas. É preciso programar, cada vez mais despertos quanto a sociedade estiver desperta caso contrário torna-se um sítio me- para levarem as crianças a e acompanhar essa mudança. Os ci- nos estimulante, interessante e atual. estes espaços, sobretudo dadãos devem estar envolvidos com A programação anual do Pavilhão do Co- ao fim de semana, e a cultura científica, perceber o que a nhecimento responde aos temas mais com elas visitarem os ciência representa nas suas vidas e importantes da atualidade, seja saúde, museus de uma maneira como contribui para o bem-estar na economia, ligação entre a arte e a ciên- diferente, interativa e sociedade. Quanto mais os cidadãos cia, que deve ser cada vez mais estimu- com muita curiosidade estiverem cientes desta importância, lada. Hoje o conhecimento é muito plu- e criatividade”, revela mais cooperam e exigem que as polí- ral, integrador e desafiante e aprende-se Rosalia Vargas. Com 4,5 ticas científicas correspondam a um em muitos lugares. milhões de visitantes em real envolvimento da sociedade. O programa do Pavilhão do Conhe- 20 anos, o Pavilhão do As pessoas já têm essa mentalidade cimento adapta-se aos temas da Conhecimento é o pilar científica? atualidade... de um projeto que vê o A intervenção da educação científi- Sim, ainda recentemente abordámos apoio das empresas, entre ca na sociedade foi feita de uma ma- a importância do conhecimento ao li- as quais a Associação neira muito plural. Temos 20 centros Mutualista Montepio, Ciência Viva, espaços de divulgação como fundamental para de cultura científica, lugares onde se a promoção das suas desperta a curiosidade. E não apenas atividades. “Este apoio representa o olhar que a empresa tem sobre a cultura e a educação, e o valor que dá a estes registos”, continua a responsável. Através desta parceria, os associados Montepio beneficiam de 10% de desconto na compra do cartão dos Circuitos Ciência Viva. Aceda a montepio.org para descobrir todos os descontos mutualistas na rede Ciência Viva.

dar com medicamentos, cosméticos Os nossos valores A 21 ou produtos alimentares. As escolhas que fazemos, os custos, os nutrientes. Entrevista A falta de cultura científica fica-nos mais cara. Devemos debater estes te- R Rosalia Vargas está no Privilegiamos mas, que fazem parte da atualidade. Fa- projeto desde o seu lançamento, a interatividade. lamos também da inteligência artificial em 1999. Hoje, estrutura a Não aquilo em que ou do melhoramento humano – falar sua expansão nacional e se toca, mas no que sobre isto é um desafio enorme, porque internacional nos toca. É essa o ser humano é hoje muito mais capaz a diferença de passar barreiras do que era há algu- mas décadas. do país com um olhar inovador para os vossos programas, tomará melho- Numa era em que os mais jovens usam produtos como o sal, vinho, as cerejas, res decisões na vida? muito a tecnologia, como é que um a água e outros. É uma nova rede inte- Sem dúvida. Trabalhamos muito com a centro de tecnologia os pode colocar grada com a rede Ciência Viva e na qual comunicação de ciência e há uma ética a pensar? estamos a trabalhar com autarquias, nela. Há cada vez mais uma tendência Privilegiamos a interatividade. Não universidades e institutos politécnicos para acrescentar à ciência dimensões aquilo em que se toca, mas no que nos de vários pontos do país. Zonas onde como a criatividade, o humanismo, toca. É essa a diferença. Queremos que deve existir maior atratividade de pú- a ética e a inovação. São estas dimen- os mais jovens aprendam pela pesquisa, blicos e de jovens, ofertas diferenciadas sões que se juntam às clássicas: as ma- pela pergunta. de iniciativas. temáticas, engenharias, ciências. Tem Que novidades estão na calha? Integra o projeto desde o início. Em de se alargar a estes patamares mais Continuar a fazer exposições é um que momento sentiu que teria esta valorativos. A escola deve fazer essa grande desafio. Nos últimos anos te- relevância? integração de valores. mos aprendido a trabalhar em con- É inevitável recordar o dia da abertura Daqui a 10 ou 15 anos Portugal terá sórcios internacionais e fizemos ex- do Pavilhão do Conhecimento ao pú- um grande cientista que começou a posições que estão hoje pelo mundo. blico. Abrimos com várias exposições, interessar-se pelo conhecimento no Essa é uma parte da nossa economia. algumas ainda cá estão, e lembro-me Pavilhão do Conhecimento? Os centros Ciência Viva devem ser de ter a noção de que havia muito para Eles já andam por aí. É comum ir a con- olhados como agentes inovadores e fazer e que isto era muito grande. Ago- ferências, nacionais ou internacionais, geradores de valor. Atualmente, o Pavi- ra acho o pavilhão muito pequenino, e ver levantar-se um braço a dizer: “Eu lhão do Conhecimento tem duas gran- queríamos mais espaço. Precisamos fui Ciência Viva”. É muito interessante des exposições em itinerância – Viral, de crescer e é um desafio saber para e motivador. que está no norte de França, e a expo- onde. Talvez a grande nave do pavilhão É o melhor momento do projeto? sição Era Uma Vez a Ciência, que está possa ser dividida em dois ou três an- São momentos que nos animam muito, em Espanha. Já estamos posicionados dares – o arquiteto João Luís Carrilho porque queremos tocar as pessoas. Sig- no mercado internacional. da Graça já garantiu a disponibilidade nifica que a Ciência Viva é um movimen- Recebem exposições de outros países? de intervir no edifício dessa forma. Mas to social pela ciência e está enraizado Sim, estamos a posicionar-nos cada outra forma de crescer é fazê-lo em con- na sociedade. vez mais num patamar de parcerias e junto com a rede de centros Ciência Viva aprendizagem conjunta. Neste momen- em todo o país. É sempre melhor quan- to estamos a trabalhar numa nova expo- do crescemos com outros. sição, que estará pronta em outubro de Uma criança que pense de forma 2020, sobre a água no Planeta e que foca científica, que tenha contacto com a escassez deste bem precioso. O Pavilhão do Conhecimento é um dos equipamentos públicos que melhor promove a descentralização... [Interrompe] É bom ouvir isso. Eu acho que sim, pela rede que está no país mas também devido a outro novo projeto que estamos a criar, as quintas Ciência Viva. É um projeto que nos vai transpor- tar para zonas ainda mais interiores V E R Ã O 2 0 1 9 montepio





A Os nossos valores 24 Entretenimento O estranho mundo da realidade virtual Nos próximos anos, a evolução da tecnologia chegará ao sítio mais complexo e remoto da nossa existência, o cérebro. Da saúde ao bem-estar, do entretenimento aos tempos livres, saiba como a evolução da tecnologia vai dividir a nossa vida em duas: a real e a virtual. Texto ANA CATARINA ANDRÉ E stou de mochila às costas numa “Avance”, diz-me o sala aparentemente vazia, pronta guia. “Desculpe, mas a descobrir um mundo de baleias não consigo. Tenho voadoras e aves exóticas. Coloco os medo de alturas.” óculos, com headphones e micro- Durante minutos, fone incorporados, e sigo as indicações do fun- acredito estar à beira cionário da Zero Latency, empresa tecnológica de um abismo. que proporciona experiências de entretenimento associadas à realidade virtual. “Vê um círculo ali ao fundo? Caminhe até lá”, sugere o emprega- do. Olho para a esquerda e, de facto, no espaço sem janelas onde há poucos segundos não havia nada, encontro um acesso circular para o Engi- neerium, o jogo que escolhi. A transição é quase imediata e leva-me para uma espécie de filme de animação repleto de cor e movimento. Ao meu redor, num cenário azul que me lembra o mar, revelam peixes e aves que emitem sons seme- lhantes aos da natureza. montepio V E R Ã O 2 0 1 9

Percorro a plataforma flutuante on- dos 15 minutos em que o desafio se Os nossos valores A 25 de me encontro – composta por mo- prolonga, aparecerão outras escadas, saicos de lego – e avisto outras seme- algumas até mais desafiantes, mas já Entretenimento lhantes à minha volta. O funcionário não surtirão o mesmo efeito em mim. explica-me através dos auscultadores A noção de realidade desvanecera- mais espaço nas nossas sociedades, que, para poder avançar para o nível -se. Dulce Ramos, diretora do único com especial enfoque no entreteni- seguinte, tenho de pisar uns quadra- centro da Zero Latency em Portugal, mento. No primeiro trimestre de 2019, dos com luz. Nos primeiros minutos explicar-me-á mais tarde que “a rea- o número global de vendas deste tipo tudo parece simples – infantil até. lidade virtual de free-roam [modali- de aparelhos chegou aos 1,3 milhões, Nada que não soubesse quando esco- dade em que os jogadores podem ex- um aumento de 27,2% por comparação lhi este jogo, o único da Zero Latency plorar o meio ambiente] permite que ao período homólogo de 2018. As pre- que não implica o uso de armas e que até oito pessoas explorem mundos visões apontam para que a tendência é recomendado para os mais novos. virtuais como se faz na vida real”. Nes- de crescimento se mantenha, com o O desafio, porém, tornar-se-á mais tes jogos, “o nosso corpo controla e a mercado de realidade virtual a atingir difícil quando, ao cimo de uma plata- mente acredita que é real”. Segundo 98,4 milhões de vendas em 2023, em forma, me deparo com umas escadas Ana Paula Cláudio, professora da Fa- todo o mundo. que parecem conduzir ao precipício. culdade de Ciências da Universidade “Avance”, diz-me o guia. “Desculpe, de Lisboa, é o cérebro que interpreta “Tradicionalmente, quando uma mas não consigo. Tenho medo de al- as imagens virtuais como se fossem pessoa jogava, dialogava com a máqui- turas”, sublinho. Começo a transpirar reais. Daí que algumas pessoas so- na, quer fosse pelo uso de comandos e, durante alguns minutos, acredito fram de enjoos quando utilizam equi- ou de teclados, quer fosse pelo feedba- estar à beira de um abismo. Ele insis- pamentos imersivos. “Este descon- ck que recebia através do ecrã. Com a te. Digo-lhe de novo que não. “Feche forto ocorre porque, ao movimentar realidade virtual pretende eliminar- os olhos e avance”, sugere. “À medida a cabeça, a imagem do mundo virtual -se estes interfaces para que o sujeito que for dando passos, a escada ficará não é atualizada à mesma velocidade entenda como realidade aquilo que o mais direita”, garante. Respiro, fecho os que seria a do mundo real”, completa jogo lhe dá”, considera Rui Craveirinha, olhos e de repente lembro-me que, na a especialista. professor na Universidade de Coim- verdade, estou numa sala de 225 m2, em bra. Um dia, este será o meio de entre- perfeita segurança e sem desníveis. Um mundo de possibilidades tenimento da sala de estar, mas não O jogo estava verdadeiramente a enga- Nos últimos anos, o desenvolvimento sabemos exatamente quando. “Não nar o meu cérebro, percebo. da realidade virtual e da realidade au- é por acaso que o Facebook comprou mentada (imagens digitais sobrepos- uma empresa de capacetes de reali- Com mais tranquilidade, continuo tas às reais) tem conquistado cada vez dade virtual. É um sinal dos tempos”, a caminhar. Mais à frente, e ao longo lembra. “Com a realidade virtual A crescente confluência entre mun- pretende-se eliminar interfaces dos que colocam o utilizador no centro como os comandos, teclados e da experiência, fazendo-o participar feedback através do ecrã para que em novos cenários, não se cingirá ape- o sujeito entenda como realidade nas aos jogos. “A partir do momento aquilo que o jogo lhe dá” em que é possível ter vários jogadores ou intervenientes online em simultâ- Rui Craveirinha neo, interagindo dentro de um mesmo Professor da Universidade de Coimbra mundo virtual, o limite é a imaginação dos criadores”, diz Beatriz Carmo, pro- fessora de Engenharia Informática da Faculdade de Ciências da Universida- de de Lisboa. O teatro imersivo, por exemplo, é uma das áreas onde esta transfor- mação começa a ser visível. Com o aparecimento de companhias como a britânica Punchdrunk, o público pas- sou a poder sentir-se verdadeiramen- te envolvido pela ficção, como se dela V E R Ã O 2 0 1 9 montepio

A Os nossos valores afirmando que por razões económi- A generalização cas os jogos tendem a ser apenas pa- da realidade 26 ra uma pessoa. virtual levar- -nos-á a Entretenimento Per si, a realidade virtual não é negativa, sublinha a investigadora passarmosfizesse parte. Mas as possibilidades Augusta Gaspar. “Torna-se um pro- não ficam por aqui. “A realidade vir- blema quando é usada para fugir à vi- menos tempo a tual pode levar-nos, com custos muito da real em vez de ser uma ferramenta conversar, a jogar baixos comparativamente com qual- de informação ou entretenimento.” com outros, quer viagem, a ecossistemas distan- E explica: “Os mundos virtuais, sejam a frequentar tes, a sociedades muito inacessíveis, jogos ou sites na Internet, tendem a aos grandes museus do mundo. Abre ser procurados por fornecerem uma a casa de amigos portas sem precedentes ao conheci- dimensão do bem-estar psicológico, e familiares mento”, considera Augusta Gaspar, que é a hedonia, mas deixam de fora professora da Faculdade de Ciências outra que é a eudaimonia [bem-estar Humanas da Universidade Católica, e que resulta da busca dos nossos ob- Com a generalização destes dispo- que tem feito investigação sobre rea- jetivos, das pessoas significativas, sitivos, tenderemos a passar menos lidade virtual com as colegas Beatriz do significado da vida]. Ao deixar-se tempo a conversar, a jogar com ou- Carmo e Ana Paula Cláudio. levar só pela hedonia, a pessoa vive tros, a frequentar a casa de amigos Fuga à realidade? o presente, o prazer imediato, e é por e familiares, tornando os tempos de isso que os mundos virtuais são tão lazer cada vez mais individualizados Com o aumento do número de utili- poderosos, deixando do lado de fora e centrados nos gostos de cada um. zadores de dispositivos de realidade os problemas, os constrangimentos Saberemos fazê-lo com peso e me- virtual e de realidade aumentada, e as inibições que as pessoas têm no dida? O equilíbrio está nas mãos de poderá haver menos socialização. mundo real.” cada pessoa, garante Augusta Gaspar. “Até hoje, praticamente todas as fon- tes de entretenimento tinham uma componente social, fosse ver um fil- me, jogar ou até partilhar mensagens e fotografias nas redes sociais. Com a realidade virtual existe um risco de isolamento”, diz Rui Craveirinha, Tratar fobias, aprender a pilotar e não só Além de entreter as de comercialização do indivíduo”. Graças massas, a realidade de roupa ou à realidade virtual virtual é utilizada maquilhagem, é possível adaptar em situações de nos quais os clientes a intensidade e o tipo treino por futuros podem experimentar de estímulo a cada pilotos que estão a virtualmente os pessoa. aprender a manobrar produtos, e no campo “As possibilidades um avião ou a terapêutico, para são infinitas. Posso comandar um navio, tratar, por exemplo, começar por expor por futuros médicos o medo de alturas. a pessoa a uma que aperfeiçoam Classicamente, aranha pequeníssima um procedimento explica a professora [se for essa a sua cirúrgico ou por Augusta Gaspar, fobia] até chegar técnicos que estão a a psicoterapia a uma tarântula, testar equipamentos recorria à memória, ajustando a sua de monotorização de à visualização do reação até estar centrais nucleares. estímulo fóbico capacitada para Mas não só: esta “para gerar situações reencontrar uma tecnologia tem sido de exposição em que aranha real”, aplicada na área do se procurava regular conclui a professora marketing, em sites a resposta emocional e investigadora. montepio V E R Ã O 2 0 1 9

ADRIANO MOREIRA Os nossos valores A 27 Terrorismo Crónica e religiões Um dos sinais mais evidentes da injustiça da desordem mundial que se agrava diariamente é que a maioria da população mundial não tem qualquer intervenção ou conhecimento da estrutura dos múltiplos poderes – políticos e não-políticos, conhecidos ou desconhecidos –, pretendendo seguir uma ética e legalidade, ou sem elas, que lhes regula a maneira de viver – e, muito frequentemente, a de morrer. B asta recordar que mais de metade dos países filiados cristãos, que acompanharam a pas- na ONU não têm sequer capacidade, como os factos sada ocidentalização do mundo, pelo e manifestações crescentes de jovens nem sequer método colonial, memória presente chegados à maioridade política evidenciam, para res- nos conflitos em que se evidenciam ponder aos desafios da natureza e à indiferença ma- ideologicamente os emergentes, por nifesta de governos que se dispensam arbitrariamente de cumprir vezes aproveitando as leviandades go- tratados assumidos, sem qualquer respeito pelas consequências vernamentais de que avisou Bismark. para os desfavorecidos. Cresce, por isso, a proliferação raivosa de Faz falta uma Declaração Universal crimes contra a humanidade, com uma conotação religiosa, como de Deveres que equilibre a Declara- aconteceu recentemente, atingindo as três principais confissões. ção de Direitos dos Cidadãos, mas a Não faltam nunca as habituais, e apropriadas, declarações de con- revisão das competências da justiça dolências pelas vítimas das agressões, e de solidariedade com as fa- penal internacional parece exigível mílias das vítimas e governos do povo afetado, enviadas pelos mais pelas circunstâncias, assim como não variados Estados e pelas organizações estruturantes da governança contrariar tais competências, como global disponível. É todavia necessário ultrapassar uma situação em recentemente aconteceu, com a para- que tendemos para serem mais numerosas as condolências do que lisação da intervenção do Tribunal Pe- as intervenções que travem esta degradação da segurança mundial, nal Internacional pela recusa política já não sequer pelas guerras que ao Padre António Vieira inspiraram de cooperação de governos obrigados avisar que nem Deus nos altares está seguro, mas agora interven- pelo tratado que o instituiu. ções do fraco contra o forte, como demonstrou a destruição das Torres Gémeas de Nova Iorque, tragédia que levou um comentador americano a proclamar que “era tarde para os homens e cedo para Deus”. Mas não é cedo para o Conselho de Segurança da ONU intervir, quando são atos de Estados ou contra Estados que estão envolvidos, pela leviandade das ações ou pela displicência do comportamento, na crescente multiplicação da mortandade de inocentes. A série de ataques religiosos que angustiam os povos já inclina para a opinião de que pode vir a estar em curso uma guerra de religiões. Parece antes que não pode ser abandonada a doutrinação, por exemplo de Hans Kung, a favor da cooperação já sonhada pelo notável secretário-geral da ONU que foi Hammarskjöld, ou por João Paulo II. Ao contrário, cresce a procura de objetivos políticos, fanatizando os agentes para aceitarem o sacrifício da vida pela assegurada salvação. A interven- ção dos EUA no sério problema de Jerusalém, por exemplo, anima o método, mas sobretudo a doutrinação e ação contra os valores V E R Ã O 2 0 1 9 montepio

A Os nossos valores 28 Empreendedorismo Segunda oportunidade Arriscaram e falharam. Tentaram de novo. Um músico e dois empresários contam como criaram projetos de sucesso à segunda, terceira ou quarta tentativas e que lições podemos tirar da sua experiência de vida. Texto ANA CATARINA ANDRÉ Em 2012, Sónia Teles Fer- conta. Para Sónia Teles Fernandes, uma nandes estava desempre- cultura que não lida bem com os erros, gada e cansada de ouvir nem está interessada em aprender com empreendedores a falarem estes, só perde. “As crianças que não de sucesso sem referirem aprendem que falhar faz parte tornam- as dificuldades e os problemas ao longo -se adultos imaturos e infelizes. As em- do percurso. Desta frustração, tantas ve- presas tornam-se mais fracas quando zes alimentada pela imprensa, surgiu a não sabem olhar para trás e tirar uma ideia de criar o primeiro evento português lição disso.” É olhando para o que correu dedicado ao falhanço: o World Failurists menos bem, diz, que se vão construindo Congress. Nesta conferência, profissio- novas oportunidades, em muitos casos nais de várias áreas saem da sua zona com mais potencial. de conforto para falarem das suas his- tórias de falhanços e as oportunidades No que toca a segundas oportunida- que daí surgiram. Sónia não esperava, des, todas as histórias são diferentes. contudo, encontrar tanta resistência. Leia, nas próximas páginas, três rela- “Em Portugal, ao contrário de países co- tos na primeira pessoa sobre como a mo os Estados Unidos, em que isso é va- perseverança, mas também o risco, lorizado, ninguém gosta de admitir que os levaram ao sucesso. falhou. Quando falava em aprender com os erros, as pessoas olhavam para mim O Sonho Americano de Henry Ford como se fosse louca”, conta. Foram precisas três Company e que viria de ser uma das figuras Ao organizar o evento, que teve seis empresas para Henry a dar lugar à Cadillac, históricas que personifica edições, percebeu que as marcas não Ford revolucionar a o magnata saiu de o Sonho Americano – queriam associar-se ao tema. E à séti- indústria automóvel. forma abrupta. Quando falhar é apenas um passo ma edição, sobre desporto, ela própria A primeira, Detroit finalmente se juntou a para o sucesso – a falhou. “Convidei atletas como a Vanessa Automobile Company, Alexander Malcomson história de Ford ajudou Fernandes, Naide Gomes e Jorge Pina, produziu automóveis caros para lançar a Ford Motor empreendedores como mas como o parceiro institucional do e de baixa qualidade, Company, o sucesso Bill Gates e Steve Jobs evento não fez promoção, cancelei tu- exatamente o contrário da apareceu. Em 1908, o ou criativos como do. Não estava confortável com a ideia visão do engenheiro norte- lançamento do modelo Walt Disney, J.K. Rowling, de ter apenas 40 a 50 pessoas a assis- -americano. O seu T tornou o automóvel Stephen King, Jay-Z tirem, quando o espaço dava para 500”, destino? A falência. um elemento central das ou Steven Spielberg a não Na segunda, a que famílias e Henry Ford desistirem ao primeiro chamou Henry Ford uma celebridade. Além imprevisto. montepio V E R Ã O 2 0 1 9

“O que me dá prazer 29 é a criação, a sensação de ter uma página em branco por preencher” Vasco Pedro Empresário, 42 anos O ESPÍRITO criando transparência empreendedor entre todos; ter uma de Vasco Pedro visão clara e coerente surgiu na infância do rumo a tomar (não – vendia cartões de podia estar sempre Natal aos vizinhos a mudar) e arranjar –, prolongou-se na financiamento”, adolescência, quando sublinha. O mais arranjou o primeiro importante, acrescenta, emprego em part- é estar rodeado das -time, e cimentou-se pessoas certas. Nos quando fez um estágio primeiros seis meses da na Google, em 2007. Unbabel, empresa que “Percebi que a hipótese hoje dirige e que fundou de ter impacto naquela em 2013 com mais organização era muito quatro pessoas (Hugo pequena. A solução Silva, João Graça, era ter o meu próprio Bruno Silva e Sofia negócio”, recorda. Pessanha), ninguém Em quatro anos, recebeu salário. Nessa de 2009 a 2013, o altura, Vasco já tinha empreendedor criou quatro filhas. “Costumo três empresas. dizer, a brincar, que é “A primeira startup, uma filha por startup”, Bueda, morreu por afirma. “Foram tempos falta da equipa certa. duros. Houve alturas A segunda, Dezine, não em que não sabia funcionou porque não se teríamos dinheiro tínhamos um modelo para pagar a renda, de negócio viável; e a mas acreditava que terceira falhou por falta as coisas iam correr de confiança entre as bem.” A ideia era criar pessoas da equipa”, uma plataforma que assume. Mesmo assim, ajudasse as empresas nunca desistiu. a comunicarem no “O que me dá prazer é mercado internacional, a criação, a sensação aliando a inteligência de ter uma página em artificial, pós-edição branco por preencher.” humana e tradução A sua motivação é a automática. Seis anos curiosidade e a procura depois, a Unbabel tem de novas experiências. escritórios em Lisboa, “Nunca estou satisfeito. Nova Iorque, São Inquietação, uma Francisco e Los Angeles canção de José Mário e trabalha com 28 Branco, espelha muito línguas diferentes, bem isto.” o que implica ter 130 mil Quando decidiu tradutores em mais de tentar pela quarta 100 países. “Em 2020 vez, conhecia bem os queremos abrir espaços pontos em que não na Alemanha, França e podia falhar de novo. países nórdicos. À Ásia “Tinha de manter uma queremos chegar até equipa forte e coesa, 2021”, conclui. V E R Ã O 2 0 1 9 montepio

A Os nossos valores 30 Empreendedorismo FOTOGRAFIA @VITORINO CORAGEM “Aprendi muita coisa nesses anos. A mais importante? É fundamental cumprir horários, o que nas bandas mais pequenas nem sempre acontece” Tó Trips Músico, 53 anos A os 35 anos, Tó Trips da tarde no Chiado, contas ao fim do mês”. tornar músico a tempo inteiro. – hoje conhecido por exemplo.” Essa fase Por prazer, começou a gravar “Sempre nos preocupámos como membro dos coincidiu também com o fim alguns temas sozinho. Um em ter na nossa identidade Dead Combo – tinha uma dos Lulu Blind, banda da dia, depois de assistir a um alguma coisa de português.” vida confortável, fruto de qual fazia parte desde 1990 concerto, encontrou-se com Esse terá sido um dos fatores uma carreira na publicidade. e que terminou “por falta de Pedro Gonçalves, com quem de sucesso. “A participação “Ganhava bem e até havia organização”. viria a formar os Dead Combo. [em 2012] no programa No a hipótese de me tornar “Lembro-me de ter lido “Fomos a pé do Campo das Reservations, de Anthony sócio da agência”, conta. uma entrevista com o Pedro Cebolas para o Bairro Alto Bourdain [chef e apresentador Ainda assim, não se sentia Gonçalves, dos Heróis do [em Lisboa], e contei-lhe que norte-americano], também realizado. “Acordava e sentia- Mar, em que ele dizia que as o Henrique Amaro [conhecido fez com que mais pessoas nos -me triste porque tinha de ir pessoas devem tentar fazer locutor de rádio] me tinha ouvissem.” Um sucesso que trabalhar. Para mim sempre foi aquilo de que gostam. convidado para gravar uma não teria sido possível sem importante estar bem e feliz.” E pensei: por que não tentar?” cena baseada nos Verdes os Lulu Blind. “Aprendi muita Decidiu então despedir-se e Até então, Tó Trips nunca tinha Anos [de Carlos Paredes] e coisa nesses anos. A mais procurar novos rumos. “Senti pensado viver da música. perguntei-lhe se ele não queria importante? É fundamental uma liberdade incrível. Durante Tinha ganho algum dinheiro pôr ali o contrabaixo”, recorda. cumprir horários, o que nas 11 anos não soube o que era com os Lulu Blind, mas nada Nascia assim a banda que bandas mais pequenas nem poder beber um copo às cinco que lhe permitisse “pagar as lhe deu oportunidade de se sempre acontece.” montepio V E R Ã O 2 0 1 9

Os nossos valores A 31 “Costumo dizer que Empreendedorismo esse foi o MBA que fiz. Aprendi muito com os erros” João Paiva Mendes Empresário, 37 anos J oão Paiva com os mesmos amigos Mendes tinha 24 [da Universidade Nova anos quando, de Lisboa] com quem com mais três amigos, tinha tentado criar a decidiu fundar primeira startup, para uma empresa de trazermos isso para carregadores portáteis Portugal.” para telemóvel. A ideia foi para a frente “A ideia era instalar com um empréstimo uma rede em cafés avalizado pelos pais, e outras superfícies mas para o seu sucesso comerciais, foi fundamental a sustentando-a com experiência anterior. publicidade”, conta. “Era fundamental Com a ideia na definir quem mandava. cabeça viajou até à No projeto anterior, as China, para comprar decisões demoravam equipamento, e tentou muito tempo a ser exportar a tecnologia tomadas porque para Portugal. todos tínhamos de as “Há 13 anos era difícil aprovar.” Ainda assim, arranjar financiamento. os dois primeiros anos Andámos algum da GoCar Tours foram tempo num limbo: difíceis. “Não tínhamos fazíamos testes, dinheiro para salários, apresentações, mas mas acabámos por não avançávamos”, conseguir equilibrar recorda. “Para ter as contas ao fim desse os equipamentos tempo”, recorda. era preciso dinheiro, O esforço resultou e a mas não tínhamos empresa foi inaugurada capacidade para em junho de 2008. Com investir 200 mil euros.” o tempo, João Paiva Durante um ano, Mendes e os outros procuraram arranjar sócios (Euclides Major, parceiros. Sem sucesso. Ricardo Vilares e Leonel “A Vodafone achou Soares) perceberam a ideia boa, mas o que tinham de alargar a produto não estava oferta para os segways certificado. Costumo e tuk-tuks e assim dizer que este foi o MBA surgiu a Boost Tourism, que fiz. Aprendi muito que hoje opera com com os erros”, diz. 12 marcas. A empresa Com o falhanço acabaria por se do projeto, João não expandir para cidades desistiu de ter um como o Porto e Madrid, negócio. “Numa viagem disponibilizando a São Francisco [nos atualmente no seu Estados Unidos] vi uns catálogo 65 carrinhos amarelos experiências a cerca para turistas e falei de 600 mil clientes. FOTOGRAFIA VICTOR MACHADO/BLUEPEACH V E R Ã O 2 0 1 9 montepio

A Os nossos valores ASVSIIRSTTUEANITSES 32 Tecnologia Dr. Jekyll ou Mr. Hyde Assistentes virtuais como o Amazon Echo e o Google Home querem mudar a nossa vida. Por um lado, assumem-se como os nossos melhores amigos: poupam-nos tempo, resolvem-nos problemas e facilitam o dia a dia. Por outro, podem estar a reunir e a ceder dados sobre tudo o que fazemos e a gravar o que se passa dentro das nossas casas. Afinal, esta tecnologia representa uma revolução ou não passa de um presente envenenado? Texto JOÃO VALENTE “PAI, A BRANCA DE NEVE tem dores AS VANTAGENS EM TER uma assis- musculares?” Quando uma filha nos faz tente virtual como a Amazon Alexa ou a esta pergunta, dou graças por ter uma as- OK Google são evidentes. Se antes não sistente virtual em casa. Responder com um “não precisava de sujar os dedos para fazer o jantar (bas- sei” soaria a falhanço. Era como se deixasse de par- tava-me pedir para mo entregarem em casa), ago- tilhar o mundo de imaginação em que vive uma ra nem preciso de os cansar a fazer swipe no tele- criança de cinco anos. A solução passaria por fazer móvel. Digo alto o que quero e a Alexa trata do resto. montepio V E R Ã O 2 0 1 9

AOs nossos valores 33 Tecnologia Vieram para simplificar a nossa vida e estão a revolucionar o modo como gerimos o nosso dia a dia a pergunta à Alexa, o nome da assistente virtual Mas isso será uma coisa boa? Um dia percebe- do Amazon Echo, e esperar que ela nos dê a solução. rei que a minha família deixou de ir ao nosso restau- A Alexa (para já) não fala português e, por isso, seria rante favorito. Deixámos de saber as novidades do necessária uma tradução. Mas a resposta não tarda- menu ou que o empregado que nos atendia vai ser ria. “A Branca de Neve é uma pessoa como qualquer pai. Há meses li um artigo no Journal of Consumer outra e por isso também tem dores musculares. Behaviour argumentando que o medo potencia o co- Se quiser atenuá-las poderá comer uma banana, ri- mércio online. Os autores deste estudo demonstra- ca em magnésio. Mas, sobretudo, deverá evitar co- vam que, após um ataque terrorista, as pessoas evi- mer maçãs.” A referência à maçã seria meramente tam fazer compras fora de casa. Felizmente nunca informativa ou haveria ali uma ponta de sarcasmo? passei por uma tragédia destas, mas estarei a edu- car os meus filhos para viverem numa sociedade A verdade é que a Alexa, tal como a OK Google, em que o contacto olhos nos olhos será desvalori- o nome da assistente virtual do Google Home, não zado até se tornar irrelevante? Passámos a viver em tem rosto. Nem sentido de humor. É um conjun- casa, a receber comida em casa, a ter o cinema em to imenso e sofisticado de zeros e uns, humaniza- casa, a pedir à Alexa e à OK Google para marcar uma do para facilitar a intromissão na vida quotidiana consulta no dentista ou a ida do carro à oficina sem e cujo objetivo é simplificar a nossa vida. precisar de falar com mais ninguém. “Tudo o que permite uma ligação mais humana É claro que o meu principal problema com as as- e prática com os computadores, é bom. Alguém que sistentes virtuais não é esse. É a falta de privacidade. não saiba mexer num computador vai conseguir fa- Afinal, sou como todas as outras pessoas: declaro lar com uma destas colunas e isso é democratizar que li as condições do serviço e que estou de acor- a tecnologia”, argumenta Manuel Pestana Macha- do com elas. Mas, na verdade, estou a mentir. Não do, jornalista que, durante uma semana em março li a incessante mancha de palavras que me puse- de 2018, testou os prós e contras de possuir um as- ram à frente. Confiei. E agora desconfio. Porque há sistente virtual. A inclusão é outro dos pontos fortes uma entidade que pode estar a compilar os meus do gadget, de acordo com Miguel Albano, diretor da hábitos: a que horas me levanto, lavo os dentes, saio SolidGround e especialista em digital. “É mais fácil de casa e para casa volto. E quais são os hábitos dos para um sénior ditar ordens ou fazer pedidos a uma meus filhos, qual é o número do cartão de crédito e o máquina do que usar um teclado ou um rato.” código do alarme. E que posso estar a ser gravado 24 horas por dia. “Isso já pode acontecer com o micro- Uma assistente virtual é como um automóvel. fone de um telemóvel”, garante o jornalista Manuel Não preciso dele para ir de Lisboa a Oeiras. Mas se Pestana Machado. Apesar disso, desconfio que um for de carro, em vez de ir a pé, poupo imenso tem- supercomputador saiba que filme vou ver amanhã po. A Alexa e a Ok Google estão sempre prontas a ser- ou para onde vou de férias quando eu próprio ainda vir-nos. Peço que toquem a banda sonora do filme não tomei essa decisão. E temo que um hacker con- Blade Runner enquanto faço o inventário da despen- siga aceder à minha assistente virtual. Ficaria com sa e dito a lista de compras para a semana seguin- te. Chegará o dia em que me farão as compras on- V E R Ã O 2 0 1 9 montepio

A Os nossos valores acesso aos meus contactos, calendário, núme- ros de identificação, fotografias, passwords ou loca- 34 Tecnologia lizações. “Se não sabemos exatamente o que fazem com os nossos dados quem a eles acede legitima- A utilização das mente, imagine-se quando falamos de quem a eles assistentes virtuais acede ilegitimamente”, avisa Rui Barreira, advogado pode ser potenciada e especialista em RGPD (Regulamento Geral sobre a pelo sentimento de Proteção de Dados). medo ou insegurança Pensando bem, o meu problema não é com a line, perguntando-me, no final, qual será a me- Amazon Echo ou a Google Home. O meu proble- lhor hora para a entrega. Para já, e porque muitas ma não é com a tecnologia. Como sempre acon- das suas funções ainda não estão disponíveis em tece, o meu problema é com o uso que as pessoas Portugal, limitam-se a enviar-me a lista por email. fazem da tecnologia. Manuel Pestana Machado começa as suas ma- nhãs a dizer “Good morning, Alexa” e a coluna res- ponde-lhe, indicando o estado do tempo e as notí- cias do Wall Street Journal, Bloomberg, CNN e CNET. A ideia de ter uma voz simpática a avisar-me que, por causa do trânsito de fim do dia, nunca chegarei a tempo a um jantar, agrada-me. E em vez de res- mungar um “eu bem avisei, mas contigo é sempre a mesma coisa”, pergunta se quero enviar um SMS a justificar-me. Quando me relembra da peça de tea- tro da escola ou que está na hora de fazer uma nova contribuição para uma solução de poupança, está a tornar-se parte da família. E permite-me mostrá-la como se mostra um cão a dar a pata. Orgulhoso de ter um aparelho que é ra- ro, mas que, no futuro, estará em todas as outras ca- sas. Nesse momento sentir-me-ei vingado daquelas vezes que fui a casa de um amigo e ele tinha um co- mando à distância para a televisão. Eu que, durante muito tempo, tive de me levantar do sofá para car- regar nos botões sempre que quis mudar de canal. O que é um assistente virtual? Parece uma coluna de som poderosa e respondem como Ainda que não tenham portátil, mas é bem mais se estivesse uma pessoa do entrado oficialmente em complexo e consegue decifrar outro lado. Estes dispositivos Portugal, apesar de poderem os pedidos que lhe ditamos: representam um passo decisivo ser adquiridos no estrangeiro saber o estado do tempo, na implementação da Internet e utilizados no nosso país, do trânsito e as principais das Coisas (IoT, na sigla anglo- os assistentes virtuais irão notícias, ouvir uma música -saxónica). revolucionar a forma como específica ou recordar-nos E se, até agora, a Internet ligou gerimos o nosso dia a dia. a nossa agenda. Os dois pessoas (os emails e as redes Um dia, eles levantarão principais assistentes virtuais sociais são o exemplo mais os estores de casa na hora do mercado – Alexa, que evidente), o passo seguinte, de acordar, recordar-nos- “vive” dentro do Amazon que a tecnologia 5G vai -ão da comida em falta no Echo, e OK Google, que faz potenciar, acrescentará os frigorífico e, em última análise, o mesmo no Google Home – eletrodomésticos, gadgets encomendarão os produtos têm uma inteligência artificial e outros objetos a este universo. online sem nos perguntarem. montepio V E R Ã O 2 0 1 9

Os assistentes virtuais vão facilitar a nossa Os nossos valores A 35 vida ou são um atentado à nossa privacidade? Tecnologia Rui Barreira Advogado e especialista em RGPD \"Mais importante que impedir a recolha de Andrea Santos dados, é garantir que esses dados nunca são usados contra a nossa vontade\" Property manager S abemos que, hoje, as empresas Com este tipo de assistentes virtuais \"Preocupa- tecnológicas recebem dados põe-se a mesma questão. -me o carácter sobre a nossa vida a cada Só representam um atentado à nossa intrusivo instante. Sabem quando fazemos um vida privada se tiverem acesso, do mundo levantamento no multibanco, quando recolherem ou partilharem dados sem virtual\" utilizamos a Via Verde ou quando a nossa aprovação e se nos impedirem ligamos o telemóvel e que serviços de aceder a esses mesmo dados. A IDEIA DE TER UM procuramos. No entanto, como A publicação do RGPD ajuda a impedir ASSISTENTE VIRTUAL a obtenção desses dados foi alvo de abusos. A nossa vida privada não tem entusiasma e assusta-me ao uma aprovação prévia do utilizador, isso a proteção que tinha no passado mesmo tempo. Acredito que é aceitável. Podemos discutir se temos e o legislador tem de se ir adaptando seja uma vantagem para noção daquilo com que concordamos a estas novas realidades. Por isso quem tem pouco tempo e quando subscrevemos um serviço mesmo, e assumindo uma perspetiva precisa de uma resposta como o Gmail, por exemplo. Mas, realista, defendo que, mais importante rápida para uma necessidade a partir do momento em que se aceita que impedir a recolha de dados, ou dúvida. Além disso, será um serviço, as regras tornam-se claras é garantir que esses dados nunca uma mais-valia para os para todos. são usados contra a nossa vontade. deficientes visuais, que terão a vida facilitada numa série \"Não creio que surjam questões de de aspectos. Por outro lado, ataques à privacidade maiores que hoje\" sinto falta do lado humano nestas interações. Se o meu Miguel Albano É preciso alguma precaução como podemos aproveitar esta pedido for mais complexo do Diretor quando usamos a palavra tecnologia no Serviço Nacional que uma pergunta simples, da SolidGround “revolução”, mas o conceito de Saúde, por exemplo. tenho dúvidas que a resposta de assistentes virtuais, se Não me parece que surjam de um assistente deste tipo não é uma revolução, para lá questões de ataque à seja suficiente. De qualquer caminha. Usar a voz em vez privacidade maiores do que as maneira, defendo que a de os dedos para comunicar que já existem hoje. Houve um tecnologia nos dê sistemas com a tecnologia é uma caso de bancos em Inglaterra que facilitem o dia a dia, alteração muito grande. A voz que admitiam a identificação desde que não eliminem é mais intuitiva, mais direta. por voz para entrar na conta totalmente a intervenção Ainda estamos num ponto da pessoal e reportaram-se humana. Preocupa-me curva em que os assistentes situações de usurpação de a falta de privacidade virtuais parecem um aparelho identidade e de apropriação e o carácter intrusivo deste engraçado mas com utilidade de dinheiro. Tiveram de dar mundo virtual, mas isso já limitada. No entanto, o futuro dois passos atrás e alterar acontece com os telemóveis. vai disseminar esta tecnologia essa aplicação. Mas isso são Se falar de um tema no e torná-la standard. As problemas que vão surgir e Messenger e Whatsapp ou aplicações são inúmeras e serão resolvidos, haja ou não fizer uma pesquisa rápida, tenho curiosidade em saber assistentes virtuais. a publicidade que me aparece de seguida remete para essa conversa ou busca. Na verdade, já me sinto de alguma forma “vigiada” por esta espécie de big brother global. Por isso, tudo o que fomente ainda mais este tipo de controlo da nossa vida deve ser visto com muita cautela. V E R Ã O 2 0 1 9 montepio

Miguel Raposo Baseado numa história verídica Cresceu pelos teatros, mas sempre fugiu dos palcos. Aos 33 anos, Miguel Raposo é uma das grandes promessas da arte cénica em Portugal e a prova de que o destino pode levar até o mais tímido de nós a representar frente a centenas de pessoas. Texto SARA BATISTA | fotografia ARTUR montepio V E R Ã O 2 0 1 9

Os nossos valores A 37 Perfil M iguelRaposonun- “Sou intérprete de ca quis ser ator e, uma ideia, mas em criança, fugia sempre à luz das até dos teatros de minhas capacidades, escola. De perso- para tentar falar com nalidade tímida, a notoriedade e a fa- o máximo de verdade ma não o fascinavam. Pelo contrário, possível” faziam-no acreditar que “aquilo não era para ele”. Desde cedo habituado “à O primeiro fascínio vida de artista”, Miguel andava sem- Como muitos atores em início de car- pre com os pais, Maria João Abreu e reira, jovens com a irreverência típica José Raposo. “Cresci nos teatros e tive de quem está a dar os primeiros pas- oportunidade de acompanhar muitos sos no mundo das artes, Miguel criou, processos, com pessoas e encenado- com os colegas de curso, uma com- res diferentes, enquanto me sentava panhia de teatro. O nome – “Há que e adormecia nas cadeiras da plateia.” dizê-lo” – não deixava dúvidas quan- Afinal, a veia artística esteve sempre to ao objetivo: espetáculos em espa- latente, apenas não o sabia. “Quando ços alternativos e à bilheteira. Foi com tive de escolher um caminho para o Rir tendo Consciência da Tragédia que ensino superior percebi que não ha- Miguel teve uma dupla descoberta: a via mais nada que me visse a fazer.” genialidade de Mário Cesariny e o fas- Escolheu ir para o Conservatório, mas cínio pelo palco. “Foi maravilhoso, a ainda faltava a confirmação de um ta- Casa Conveniente [em Lisboa] era um lento em crescimento: as provas de espaço sui generis, mas com uma for- entrada na conceituada escola artísti- ça incrível porque permitia uma gran- ca. “Elas decidiram por mim”, recorda. de intimidade – estávamos a dois pal- Antes do teste final, passou pelo crivo mos dos espectadores.” O que para dos pais. “Mostrei-lhes o monólogo uma pessoa tímida pode ser, no míni- que ia apresentar e eles ficaram bo- mo, assustador, acabou por dar-lhe a quiabertos, até choraram.” Este apoio força necessária para se transformar deu-lhe a confiança que nunca tinha em palco. “Aquilo passa a ser outro sí- tido e ajudou a selar a entrada no Con- tio e torna-se a coisa mais importante servatório Nacional. que tenho de fazer, não há obstáculos.” Nem sempre foi assim. Miguel teve de Mini Bio aprender a lidar com a sua personali- dade introvertida, sobretudo no Con- Profissão: ator servatório. “Mostrar os trabalhos aos Músico: voz e guitarra dos professores era sempre terrível, dava- Bom Marido -me vómitos.” Porém, como se entras- Autores preferidos: se em modo de missão, Miguel era in- António José Forte, Herberto Hélder, suflado por uma vontade que lhe dava Mário Cesariny superpoderes para esquecer o medo. Hobbies: música, cozinha e dança Gostava de interpretar: A teoria do ser Uma Faca nos Dentes, de António José Miguel não acredita na história do per- Forte sonagem. Defende, antes, que os ato- res trabalham com aquilo que têm. V E R Ã O 2 0 1 9 montepio

38 P&R “Quanto mais honestos formos e as- A nova vida do Trindade Diogo Infante sumirmos que a personagem vai ser sempre uma visão do que somos, Depois de um ano ímpar, resultado do projeto Diretor artístico Teatro mais facilmente estamos longe de re- de regeneração de Diogo Infante e do apoio da Trindade/Inatel presentar.” Isto porque, explica, o seu da Associação Mutualista Montepio, o Teatro desejo não é representar. É ser. “Sou da Trindade apresenta-se mais ambicioso que Defende que tem intérprete de uma ideia, mas sempre nunca. Chicago é a primeira peça da temporada de haver bom teatro à luz das minhas capacidades, para de 2019/2020 e promete conquistar o público para que haja bom tentar falar com o máximo de verda- português. público. O que de possível.” Por isso, aproveita as via- pode ser feito nesse gens de metro para estudar diferentes Em 2018, mais de loucos anos 20 e que sentido? perfis de comportamento: “Vou deli- 140 mil espectadores conta a história de duas As artes performativas ciado a observar as pessoas e a ima- passaram por uma das rivais de vaudeville, não são ciências ginar os seus pensamentos.” Nesta ta- salas mais icónicas acusadas de assassínio. exatas e não nos é refa, a cada peça, a cada personagem, de Lisboa: o Teatro da “A atualidade do texto possível garantir um o ator reinventa-se, transforma-se. Trindade. Um resultado é gritante, assim como sucesso, mas podemos Aliás, a procura passa mesmo por ex- que deu o alento há o cinismo e o humor minimizar os riscos perimentar registos diferentes. “Acho muito procurado por negro a que recorre”, procurando ter os maravilhoso poder aprender a fazer quem vive a arte de explica Diogo Infante. melhores intérpretes e coisas que me são mais distantes.” representar. “Registámos Uma peça ambiciosa condições de trabalho Telenovelas, séries, teatro e cinema. um crescimento de 30% e exigente, tanto a possíveis. Se o público Aos 33 anos, Miguel já fez “um pouco e conseguimos afirmar a nível musical como sair da sala com a de tudo”. Embora o cinema e televisão importância do Trindade de interpretação, que sensação de mais- sejam “artes maravilhosas”, é o teatro no panorama cultural da requereu um processo -valia, temos sérias que faz o seu coração bater mais de- capital”, afirma Diogo de audições a nível probabilidades de pressa e é com agrado que assiste ao Infante, responsável pelo nacional. “Concorreram que volte, e voltará seu reerguer. “Estou com muita espe- projeto de regeneração mais de 400 pessoas, mais confiante e mais rança. Acredito que vamos voltar a ga- do espaço. O esforço das quais selecionámos exigente. Um bom nhar casas cheias e a poder fazer es- da equipa, as peças e 80.” Perante a dimensão teatro é aquele que petáculos mais longos.” A primeira os atores escolhidos, desta peça, a expetativa comunica em todas prova entra em cena já em setembro, somados à aposta e de Diogo Infante é as frentes, que me faz no Teatro da Trindade, com a peça apoio de parceiros como ultrapassar a marca sentir vivo e especial. Chicago. “Um espetáculo de uma sim- a Associação Mutualista dos 40 mil espectadores Qual a importância plicidade mordaz”, no qual Miguel Ra- Montepio, ditaram o conseguidos com dos apoios à poso tem a oportunidade de partilhar sucesso. Depois desta Cabaret, musical que cultura por parte um dos seus outros prazeres: a dança. conquista, a temporada encenou há 10 anos. de instituições 2019/2020 apresenta- Ao longo do ano, o como a Associação -se ambiciosa. Segundo público poderá assistir Mutualista Diogo Infante, os a outros clássicos Montepio? próximos meses levarão intemporais: Ricardo III, Ao investir em projetos “ainda mais longe os de William Shakespeare, desta natureza, eixos de ação” deste peça em que Diogo a Associação projeto artístico, com Infante voltará a pisar o Mutualista Montepio “espetáculos de longa palco como ator, Amante, não só reconhece duração”. A promessa de Harold Pinter. Uma a importância da começa a ser cumprida temporada para todos os nossa arte, da com o icónico musical gostos e feitios, onde o nossa missão, como Chicago, passado nos difícil será escolher. distingue a qualidade e a abrangência dos nossos espetáculos. O apoio que recebemos permite- -nos sermos mais ambiciosos, tanto na execução dos projetos como na divulgação dos nossos conteúdos, para chegar a mais gente e atrair mais públicos. montepio V E R Ã O 2 0 1 9



40 A (não) mudança da hora afetará A minha a sua carteira? economia Em 1916, a decisão de atrasar e adiantar a hora todos os anos tinha como objetivo gastar menos energia. Mais de cem anos depois, a maioria dos cidadãos europeus quer acabar com esta tradição que, dizem, altera os seus padrões de sono. Como será a nossa vida – e a nossa carteira – se a hora permanecer igual todo o ano? Texto MARIA PEREIRA

F oiduranteaPrimeiraGuerra têm concluído que a hora de verão leva a A minha economia B 41 Mundial que se introduziu o poupanças energéticas substanciais em hábito de mudar a hora duas alguns contextos. Em 2013, um operador Poupança vezes por ano, com o objetivo da rede de transporte energética italiana de poupar carvão – a chamada Hora de Ve- estimou em 90 milhões de euros a pou- “A melhor solução rão (HdV), ou Daylight Saving Time (DST), pança dos cidadãos daquele país com a para a hora legal em inglês, nasceu com essa premissa. mudança de hora, o equivalente ao con- do país é a que Mais de um século depois, a medida e o sumo de energia de 180 mil casas. atualmente existe. seu propósito mantêm-se: maximizar a Porém, poderia utilização da luz do dia e, assim, poupar No puzzle dos diversos fusos horários, ser ainda melhor na fatura da energia. Porém, a mudança Portugal não pode queixar-se. Ricardo se a transição de hora nunca foi consensual. No verão Cardoso Reis, do grupo de comunica- em outubro de 2018, uma consulta pública da União ção de ciência do Instituto de Astrofísica (saída da hora de Europeia junto dos cidadãos concluiu que e Ciências do Espaço (IA) acredita que, verão) regredisse as alterações de humor e cansaço nos para países a latitudes médias, como o para finais de dias seguintes à mudança horária não nosso, “há um benefício em manter a setembro, como compensam os benefícios de poupança. mudança”. Em países a latitudes mais a se fazia até Não obstante o carácter informal da con- norte, por outro lado, essa mudança faz 1995 nos países sulta,os resultados serviram debase pa- pouco sentido. “Num país como a Finlân- do continente ra uma votação no Parlamento Europeu dia, que no verão tem zonas com 20 ho- europeu” que confirmou o fim da mudança de hora ras de sol e no inverno seis horas de luz nos países-membros da UE já em 2021. do dia, a mudança não traz benefícios. Rui Agostinho E ainda causa o transtorno associado de Diretor do Observatório Apesar da decisão, a abolição da mu- terem de adaptar-se a uma hora diferen- Astronómico de Lisboa (OAL) dança horária na UE ainda está longe de te a cada seis meses”, realça. Face a estas ser uma realidade – e pode avançar ape- especificidades, Ricardo Cardoso Pires Novas rotinas, nas para alguns países, o que criaria uma defende que“a mudança de hora não de- mais despesas? disparidade temporal nunca antes vista, via ser uma decisão a nível europeu, mas desregulando o mercado interno e tendo sim a nível nacional”. A abolição da mudança da consequências ainda imprevisíveis para a hora significaria rotinas diárias nossa carteira. Um dos países que torce o Ainda que as implicações sejam li- diferentes e adaptadas às novas nariz à medida é, precisamente, Portugal. mitadas a nível financeiro, é certo que as horas de nascer e pôr-do- nossas rotinas mudarão caso o Executivo -sol. Muitas destas alterações “A melhor solução para a hora legal do português siga a decisão da Comissão de ainda são uma incógnita, país é a que atualmente existe. Porém, abolir a mudança de hora a partir de 2021. mas as famílias podem contar poderia ser ainda melhor se a transição “Acabar com a oscilação entre horários com alterações na circulação em outubro (saída da hora de verão) re- tem aparentemente um impacto positivo rodoviária e filas de trânsito gredisse para finais de setembro, como na saúde, mesmo que pequeno”, conside- habituais, nas atividades de lazer se fazia até 1995 na Europa”, explica Rui ra Pedro Miranda, professor catedrático pós-laborais ou escolares e nas Agostinho, diretor do Observatório Astro- de Meteorologia na Faculdade de Ciên- viagens pela Europa. Segundo um nómico de Lisboa (OAL), entidade respon- cias da Universidade de Lisboa (FCUL). estudo da Faculdade de Economia sável pela hora legal em Portugal e que, “Tendo desaparecido a razão principal da da Universidade de Gdansk, em agosto de 2018, a pedido do governo, introdução da mudança – a economia de na Polónia, apresentado em elaborou um documento que defende a energia – porquê manter um sistema de janeiro no Parlamento Europeu, manutenção da mudança de hora. Além horários oscilantes?”, questiona. a possibilidade de vários fusos de ser o regime que, de acordo com o as- horários dentro da União Europeia trónomo, melhor se adapta a Portugal, Europa a dois tempos? trará preocupações para as esta tradição traz algumas poupanças O impacto da abolição da mudança de transportadoras de mercadorias energéticas, ainda que essa já não seja a hora nas principais indústrias europeias rodoviárias e indústria da principal prioridade do sistema. “O valor foi considerado irrelevante ou apenas par- aviação – o que pode implicar de poupança é, em média, inferior a 1%”, cialmente positivo. A grande preocupação reencaminhamento dos custos nota Rui Agostinho. centra-se na existência de vários fusos para os consumidores. Ainda horários dentro da UE o que, a acontecer, assim, esta é uma situação Se o valor não é alto, a verdade é que o causará uma descoordenação que pode que ainda está longe de ser horário de verão está em “harmonia com custarlargosmilhõesdeeuros.E mesmo conhecida. a política de conservação de energia dos que para Portugal faça sentido manter o Estados-membrosdaUE”. Váriosestudos V E R Ã O 2 0 1 9 montepio

horário atual, há que ter em conta outros O dilema dos “O menos mau seria fusos horários manter o nosso 42 fatores. Atualmente, Portugal mantém horário o mais Em Kashgar, na fronteira uma diferença de uma hora com a maio- oeste da China, o pôr-do- próximo possível da ria dos países europeus, inclusive de Es- -sol ocorre à meia-noite. hora solar, ou seja, panha, uma das nossas principais parcei- Esta curiosidade tem manter o horário ras comerciais. Contudo, se o nosso país como pano de fundo de inverno” continuar a mudar os ponteiros do reló- o fuso horário chinês, gio de seis em seis meses e a Europa não, que segue as horas de Ricardo Cardoso Pires a confusão aumentará, o que pode preju- Pequim, a capital do país. Grupo de comunicação de ciência dicar as relações económicas. É por isso Este exemplo demonstra que Pedro Miranda considera a decisão o imbróglio que o tema do Instituto de Astrofísica e do governo “pouco sensata”. provoca a nível mundial: Ciências do Espaço (IA) na Rússia, por exemplo, “[A decisão] não tem fundamentação existem 11 fusos horários nascer ainda mais cedo, perto das 5h, e a científica minimamente consensual no diferentes. Se não existe pôr-se perto das 21h”, argumenta Ricardo que se refere ao impacto na qualidade de um consenso global em Cardoso Pires. Oresponsável do IA man- vida das pessoas. Por outro lado, parece relação ao fuso horário, tém-se em sintonia com Rui Agostinho. No ignorar um facto óbvio: dessincronizar a maioria das nações relatório que o diretor do OAL escreveu a tí- Portugal da Europa tem certamente um mantém-no durante todo tulo pessoal, conclui que a manutenção da custo económico e social relevante. Ima- o ano – ao contrário de hora de inverno tem impactos negativos, ginemos a confusão nos aeroportos ou na Portugal e dos restantes mas a hora de verão teria ainda mais. “O comunicação internacional em reuniões países da UE. Aproveitar sol nasceria entre as 7h45 e as 9h durante à distância com Skype”, alerta. da melhor forma possível cinco meses do ano, de outubro a março; a luz do sol, poupar mas sempre depois das 8h de novembro Com um novo fuso horário europeu, energia, manter-se em a fevereiro, inclusive”, explica. “Manter o muitas das multinacionias presentes linha com outras regiões horário de verão seria errado a vários ní- em Portugal teriam de reajustar horá- ou simplesmente garantir veis. Para começar, ficaríamos mais des- rios e comportamentos para se alinharem um melhor ambiente de fasados da hora solar, mas o mais grave No limite, a diferença horária poderia con- negócios são alguns dos seria o amanhecer dos dias de inverno”, dicionar a fixação de capital estrangeiro no argumentos que os países concorda Ricardo Cardoso Reis. O espe- país, o que motivaria uma consequência utilizam para justificar cialista lembra que Portugal já testou es- negativa, e indireta, para a nossa economia. o seu fuso horário. E nem te horário entre 1992 e 1996, juntando-se todos são uniformes: em ao fuso horário do resto da Europa (CET), Hora de verão ou de inverno? países como Afeganistão, com o sol a nascer perto das 9h. “Ou se- Se o governo reconsiderar a decisão e Irão ou Índia existem ja, à hora em que a maioria da população avançar para uma hora única, outra ques- locais com meia hora ativa está a acordar. Assim, dirigíamo-nos tão se levanta: qual o horário ideal? “O me- de diferença horária; para o trabalho e para a escola ainda de nos mau seria manter o nosso horário o no Nepal, a diferença noite.” Em causa estaria a produtividade mais próximo possível da hora solar, ou para os outros países da população mas também as eventuais seja, manter o horário de inverno. Desta situa-se em 45 minutos. disrupçõesdetrânsito.Já PedroMiranda maneira, o amanhecer dos dias de inverno Há ainda países que, para reconhece que “o horário de verão é mais seria por volta das 8h, tal como acontece dinamizarem a economia, interessante porque levantamo-nos a tem- agora, enquanto no verão teríamos o sol a mudam radicalmente po de ir trabalhar ou estudar, e não com o o horário. A Samoa, sol. Ou seja, aproveitamos mal o início da Menos de 1% pequena ilha da Oceânia, manhã, mas usamos bem o fim da tarde”. saltou do dia 29 para 31 É o valor médio de poupança de dezembro em 2011. Mais do que a fatura energética, esta energética, em Portugal, com O objetivo? Ficar perto do é uma questão de rotinas. E prepare-se: o modelo atual de fuso horário. fuso horário da Austrália, qualquer que seja a decisão do governo, o China e Nova Zelândia e mais provável é que a sua vida mude um reforçar os negócios com bocadinho – e mesmo que a carteira so- estes parceiros. breviva intacta, a verdade é que, de uma maneira ou de outra, qualquer alteração NOVA IORQUE LISBOA PEQUIM MOSCOVO a este status quo vai impactar indireta- mente com as suas finanças. montepio V E R Ã O 2 0 1 9

Manter a hora de verão todo o ano pode afetar BA minha economia 43 o rendimento das pessoas e o sucesso escolar? Poupança \"O despertar Ricardo Cardoso Reis aconteceria com Grupo de comunicação de ciência do Instituto de Astrofísica as estrelas ainda e Ciências do Espaço (IA) no céu\" \"A iluminação do sol é extremamente USAR A HORA UTC+1 importante para acertar e regular o nosso durante o ano inteiro cria, relógio biológico\" no verão, uma situação que agrada a muitas S em sombra de dúvida. horário de verão durante o inverno, os pessoas, pois equivale à A iluminação do sol é condutores a caminho do emprego e as nossa hora de verão atual. extremamente importante crianças a começar a escola estariam Mas não no inverno – e para acertar e regular o nosso ciclo ainda meio adormecidos, sofreriam de poucos pensam nisso. circadiano, isto é, o nosso relógio falta de atenção, o que poderia causar As principais consequências biológico. Sem a luz do sol para um aumento de acidentes rodoviários nefastas estão na parte suprimir a produção de melatonina e sérios problemas de aprendizagem, matinal. O acréscimo de a maioria dos portugueses passaria porque o corpo ainda pede repouso. uma hora à hora legal a estar desregulado, da mesma forma É verdade que é possível sobreviver padrão levaria a que o que um trabalhador por turnos – a estas com este tipo de desfasamento, mas nascer do sol acontecesse horas o nosso cérebro ainda não está isto traz claros problemas para a saúde, perto ou depois das 8h totalmente acordado. A manter-se o em especial para as crianças. entre meados de outubro e meados de março. Isto \"Os horários escolares portugueses implica que as grandes estão, provavelmente, errados e os movimentações em jovens entram muito cedo na escola\" massa, para os trabalhos ou escola, seriam Pedro Miranda O rendimento escolar é falta de instalações) que já essencialmente realizadas realmente um problema não é necessário. Por outro com pouca luz, difusa, Investigador a considerar, apesar de lado, resulta da necessidade no céu. O despertar da e professor depender de muitos outros de entregar os miúdos na população aconteceria catedrático fatores. É uma área em que escola antes de os pais irem com as estrelas ainda no de meteorologia não sou especialista, mas para o trabalho. Para as céu durante 40% do ano. na Faculdade tenho opinião. Os horários idades mais autónomas, onde de Ciências escolares portugueses estão, as aprendizagens são mais Rui Agostinho da Universidade provavelmente, errados e os exigentes, talvez se devesse Diretor de Lisboa jovens estão demasiado tempo rever os horários com início do Observatório na escola, entrando muito depois das 9h, reduzindo o Astronómico cedo. Em parte, ainda é uma número total de horas. Este de Lisboa (OAL) consequência do sistema de sim é um assunto a merecer dois turnos (em que alguns um estudo científico e uma alunos tinham aulas de manhã comparação com países de e outros de tarde, devido à referência. V E R Ã O 2 0 1 9 montepio

B A minha economia 44 Finanças pessoais Como ser freelancer a tempo inteiro? Muitos profissionais veem o trabalho freelance como o El Dorado do mercado laboral. Mas esta ideia está longe de ser uma realidade, pelo menos em Portugal. Ser freelancer exige resiliência, paciência e muita capacidade de gestão financeira. Saiba como é possível equilibrar a carteira mesmo quando o orçamento é irregular. Texto FILIPE PAIVA CARDOSO | fotografia ARTUR S e há tempo para a família, P Miguel Aragão, os clientes ou encomendas de 41 anos, não abundam. Se há clien- tes e encomendas, pode não é publicitário haver tempo para a família. Apesar do freelancer. crescimento da Gig Economy – econo- mia flexível que procura freelancerspa- Se, por um lado, ra funções qualificadas – o trabalho sem esta opção de patrões ou colegas fixos continua a ser um desafio financeiro para milhares de carreira lhe permite profissionais portugueses. A gestão da passar mais tempo liquidez, entre recebimentos voláteis e contas fixas, é possivelmente um dos com a família, maiores desafios que enfrenta um free- o copywriter admite lancer, um cenário que o empurra para um universo mais complexo que o do ter uma ânsia trabalhador por conta própria. Mais permanente em cedo ou mais tarde, o caráter solitário angariar clientes e desta escolha levará os profissionais trabalhos montepio V E R Ã O 2 0 1 9

550 mil a acumularem competências de secre- local, ainda que alguns impliquem cus- 45 taria, direção financeira, contabilidade, tos para se estar registado. Sites como Número de angariação de clientes ou cobrança de Upwork, Veedeeo.Guru ou Zaask per- trabalhadores dívidas. A intermitência dos trabalhos mitem-lhe criar um perfil e promover e pagamentos, a incerteza do rendi- os seus serviços e áreas de especializa- freelancers mento, o aumento de intermediários ção. Se procura entrar na Gig Economy, em Portugal e um regime fiscal pesado e longe de este é um bom ponto de partida para no final de 2017, de oferecer níveis de proteção social co- ganhar novos clientes ou projetos espo- acordo com o INE. muns a outro tipo de trabalhadores rádicos. No caso do Upwork, contudo, É o equivalente a são apenas algumas das dificuldades não é certo que o site o aceite: o seu per- 16% da população sentidas pelos freelancers. É aqui que fil será avaliado e só depois conhecerá o empregada entra outra competência imprescindí- veredicto. Apesar de parecer uma des- vel: a de psicólogo, essencial para gerir vantagem, esta acaba por ser uma ex- a sua própria ansiedade. celente forma de saber se tem um per- fil forte. Ao ser validado pela Upwork, “Muitas vezes é mais uma questão poderá usá-lo noutros sites. Por fim, e de estar sujeito ao que aparece, sem caso queira oferecer serviços a clientes grande poder de escolha. Até porque internacionais, será importante ter não chovem ofertas de trabalho a toda uma conta PayPal ou Revolut. a hora na minha área e neste merca- do”, confessa Miguel Aragão, 41 anos e MONTEPIO quatro como copywriter de publicida- PROTEÇÃO 5 EM 5 de em regime freelance. Diferentes ciclos de vida necessitam Em Portugal, o trabalho freelan- de abordagens financeiras flexíveis ce ainda está longe da dimensão de e de longo prazo. Porque a vida países como Estados Unidos, Ingla- dá muitas voltas, a modalidade terra ou Índia. De acordo com um Proteção 5 em 5 ajuda-o a proteger- levantamento do Instituto Nacional -se da incerteza do amanhã ou das de Estatística (INE), no final de 2017 despesas inesperadas. Trata-se de Portugal contava com mais de 790 uma proteção sólida que lhe entrega mil trabalhadores por conta própria, um capital a cada cinco anos para dos quais 550 mil eram trabalha- realizar os seus objetivos, por um dores freelancers, ou seja, perto de lado, e garantir uma almofada de 16% da população empregada. É um segurança para a sua família, por valor que está por dentro da média da outro. O Proteção 5 em 5 garante União Europeia, mas aquém dos Es- o recebimento de um capital de tados Unidos (35%). 5 em 5 anos, durante um prazo de 10, 15 ou 20 anos, mediante Um dos principais desafios é a an- três planos diferentes e com capital gariação de trabalhos – são estes que e quotas crescentes até 5%. lhes garantirão um rendimento se- manal ou mensal indispensável para O QUE PRECISA DE SABER fazerem face às despesas regulares. E se um freelancer em início de carrei- • P razos de 10, 15 ou 20 anos ra tenderá a aceitar todos os trabalhos (montantes mínimos de 500€, 750€ que lhe surgem, a experiência será fun- ou 1000€, respetivamente) damental para separar o trigo do joio. Existem várias aplicações e sites de- • Flexibilidade ao longo do tempo dicados a freelancers a nível global ou Digitalize este QR Code com o seu telemóvel As 3 áreas-chave para os freelancers em Portugal 1 Trabalhos criativos 2Escrita 3Desenvolvimento e multimédia e traduções de software e tecnologia Fonte: Online Labor Index (julho 2019) V E R Ã O 2 0 1 9 montepio

B A minha economia bre a que horas o pode concretizar, o P&R trabalho freelance é uma vantagem. 46 “Temos mais tempo para a vida fami- Matilde Cunha Fotógrafa freelancer Finanças pessoais liar, quanto mais não seja nos inter- valos dos trabalhos”, garante Miguel “É uma questão de Aragão. O freelancer garante outra Matilde Cunha dos pagamentos, estar sujeito ao que vantagem dos trabalhos pontuais: nasceu em mas há aparece, sem grande o foco. Estar numa equipa e integrado 1996, no Porto, precauções poder de escolha. Até numa estrutura pode, muitas vezes, e frequentou a que podemos porque não chovem ser um contra. Mais distrações, mais Escola Artística tomar quanto ofertas de trabalho interrupções, mais “conversa de es- Soares dos a isso, como critório”. Um freelancer vive desligado Reis, onde se por exemplo na minha área\" da realidade de quem o contrata, para especializou o pagamento o bem e para o mal. “Acabamos por em fotografia, adiantado, seja formação que por inteiro ou estar sempre mais focados no traba- aprofundou no metade. IADE e no Ar.Co. O regime fiscal Miguel Aragão lho, porque não temos a bagagem da Vive e trabalha é convidativo a Publicitário freelancer empresa em questão e a carga, positi- no Porto, sendo trabalhar como freelancer independente? va ou negativa, que lhe está associa- na área É vantajoso audiovisual há para o da.” Isto acontece mesmo quando as três anos, “entre freelancer? a fotografia e, Uma carreira, vários mitos encomendas implicam passar uma esporadicamente, Depende do temporada na empresa – sejam três o vídeo”. caso e de como Quais os a pessoa se gere Existem diversos mitos associados dias, sejam três meses. principais financeiramente. desafios Contudo, nos aos freelancers. Um deles é a facilida- Qualquer que seja a área de ativi- financeiros de últimos tempos trabalhar como tem havido de de gerir horários ou de os adaptar à dade, parece inevitável que a Gig Eco- freelancer? melhorias no sistema vida pessoal. “Organizar o trabalho em nomy veio para ficar. Segundo um es- O maior desafio financeiro e tem- é em termos de -se tornado mais torno da vida familiar, para um traba- tudo publicado pela Upwork no final de organização. vantajoso. Ser organizado Diz-se que lhador freelancer, também não é fácil”, 2018, 51% dos freelancers norte-ame- e estar a par de a grande toda a legislação vantagem de esclarece Miguel Aragão. ricanos não se veem a voltar para um relativa a ser freelancer trabalhadores é organizar O dia a dia assenta num equilíbrio trabalho tradicional. Um estudo global independentes trabalho à é fundamental. volta da vida difícil e precário: se os horários são le- da consultora Delloite, por outro la- Como gerir pessoal e não o orçamento o oposto. Esta ves, não existe uma encomenda digna do, revelou que 63% dos profissionais mensal com ideia coincide a incerteza com a sua desse nome e, logo, nenhum paga- encara a possibilidade de se tornar associada a experiência? pagamentos, mento à vista. Existindo essa enco- freelancer. Apesar dos contras desta valores, Coincide oportunidades? totalmente, menda, os horários alargam-se. Mas decisão, os prós começam a ganhar ainda que muitas As incertezas de vezes haja datas nem tudo são más notícias. Se existir terreno e até as empresas acompa- oportunidades fixas a que e datas de não podemos um equilíbrio no fluxo de trabalhos nham de perto esta tendência. Con- pagamento são escapar. o mais Ainda assim e recebimentos, possibilitando ao seguirá a nossa carteira sobreviver à complicado. compensa, pois, Quanto às se soubermos profissional o poder de escolha so- incerteza desta revolução? oportunidades, organizar bem é um risco que o nosso QUESTÃO PARA DEBATE tomamos e é tempo, temos bom assegurar oportunidade Vai trabalhar em casa? Siga estas dicas. vários clientes para concretizar com trabalhos tudo o que TRABALHAR A PARTIR DE CASA, literacia financeira da Associação Mutualista fixos por mês. queremos fora da Montepio, ajuda-o a evitar que tal aconteça. Porém, é sempre vida profissional, o local onde está habituado a descansar Siga também o Ei no Facebook, em imprevisível. o que é ou divertir-se, é um dos principais facebook.com/eieducacaoeinformacao. Não temos muita imprescindível desafios dos freelancers. Para que a sua proteção no que para o meu bem- produtividade não sofra um revés que torne Digitalize este QR Code toca à incerteza -estar emocional. a sua vida ainda mais confusa, estabeleça com o seu telemóvel algumas regras e siga-as ao limite. Para os freelancers, todos os minutos contam e um trabalho entregue fora de prazo pode ser o último. Este artigo do Ei, o site de Visite montepio.org e dê-nos a sua opinião montepio V E R Ã O 2 0 1 8

BA minha economia 47 Finanças pessoais 10 dicas para poupar no regresso das férias Setembro é o mês do regresso às rotinas. Depois das merecidas férias do verão, a rentrée implica gastos adicionais. Se tem filhos, pagar o material escolar ou mudar o guarda-roupa são as prioridades. Mas há outras despesas sazonais, como renovar a fidelização no ginásio. Quaisquer que sejam as suas necessidades, conheça algumas dicas para reduzir os gastos na rentrée. Texto MARIA PEREIRA O regresso às aulas, o regres- so ao trabalho, o regresso ao ginásio. Tudo acontece em setembro. Depois dos meses quen- tes do verão, trocam-se as toalhas de praia pela lancheira e pela mochila do ginásio. E os gastos são mais que muitos. Por isso, aproveite a rentrée para um detox financeiro. 1. Reutilize o material escolar Setembro é o mês do regresso às aulas. Comprar o material escolar, escolher a mochila para o novo ano ou encadernar os livros são hábitos que marcam qualquer início de ano letivo. Mas não é preciso renovar todo o material para que o arranque das aulas tenha o mesmo entusiasmo.

B A minha economia 48 Finanças pessoais Tente consciencializar o seu filho para R As Residências Montepio U a necessidade de reciclar. Se o estojo e Live garantem alojamento em a mochila do ano anterior ainda estão ambiente familiar nos centros de em boas condições, porque não reuti- Lisboa e Évora. Os associados lizá-los? O mesmo se aplica a todos os Montepio beneficiam de 10% de outros materiais. Faça o inventário do que tem em casa e do que efetivamen- desconto na mensalidade te precisa de comprar. E espere pelas promoções. Quase todas as grandes superfícies fazem campanhas de “re- gresso às aulas” dias antes do início do ano letivo. Se o estojo e a 2. Candidate o seu ano implica roupa nova. Aproveite a mochila do ano época de promoções para comprar anterior ainda estão filho às residências roupa e acessórios para a estação se- em boas condições, Montepio U Live guinte, evitando ter de comprar tudo por que não ao preço normal. reutilizar? O alojamento universitário é uma das Faça o inventário fatias do orçamento mensal das fa- 4. Encha o depósito do que tem em mílias com filhos no ensino superior. casa e do que Os pais que candidatarem os seus com desconto efetivamente filhos ao Montepio U Live, projeto de precisa de comprar residências para estudantes da Asso- Pequenas rotinas geram grandes pou- ciação Mutualista Montepio, podem panças. Os associados Montepio usu- garantir alojamento de qualidade no fruem de descontos mais vantajosos centro de Lisboa, Évora e Porto a um nas estações de serviço Repsol. Além preço médio inferior a 400€ men- do habitual desconto de 6 cêntimos por sais. Este valor já inclui o acesso à litro, o Cartão Associação Mutualista cozinha e zona de estar, lavandaria, Montepio Repsol permite-lhe poupar limpeza das áreas comuns e Internet, até 12 cêntimos por litro em combustí- num total de 200 quartos disponíveis. vel. Se costuma conduzir até 15 mil km Os associados Montepio beneficiam por ano, saiba que poderá poupar 100 ainda de 10% do valor da mensalidade. euros em combustível. Se ainda não 3. Pense a longo prazo no vestuário O fim das férias é também a altura para preparar o roupeiro para a che- gada do outono. A roupa leve começa, gradualmente, a ser substituída por outra um pouco mais quente. Mesmo que tenha muita roupa de reserva há sempre uma ou outra peça que é pre- ciso comprar. Se tiver filhos, sabe que a roupa lhes foge a cada mês que pas- sa. Neste caso, muitas vezes um novo

utiliza este cartão, aproveite o mês de setembro – e as mudanças a este as- sociadas – para começar a fazê-lo. Os números falam por si: desde 2010, os associados Montepio já pouparam 40 milhões de euros com o Cartão Asso- ciação Mutualista Montepio. 5. Reveja os seus seguros Os seguros levam uma parte impor- 255€ tante do orçamento familiar. Rene- gociá-los é, por isso, essencial para É o valor que conseguirá diminuir estes custos. É o caso do juntar no final de um seguro do carro, o multirriscos ou ano se beber menos um o seguro de vida. Comece por anali- café por dia e poupar o sar as condições das suas apólices equivalente ao dinheiro e garanta que não há dupla cobertu- que teria gasto ra de seguros. Feito este levantamen- to, contacte um mediador de seguro 6. Poupe um café para se inteirar das condições que lhe oferecem. A partir daí já tem va- por dia lores concretos para começar a ne- gociar com os mediadores. Fazer este exercício anualmente pode ajudá-lo a poupar somas interessantes. O Cartão Associação Poupar é a melhor forma de se po- Mutualista sicionar perante os desafios ines- Montepio Repsol perados. Por mais pequeno que se- permite-lhe poupar ja o valor, se poupar um pouco por até 12 cêntimos dia vai conseguir um valor interes- por litro em sante no final do ano. Imagine que combustível bebe quatro cafés por dia. Se tomar menos um por dia e poupar o equi- valente ao dinheiro que teria gas- to conseguirá juntar 255 euros ao longo de um ano. Se preferir, pode fixar um valor de poupança men- sal. O importante é que se mante- nha fiel ao objetivo, por menor que seja a poupança. 7. Junte os ginásios da família Terminadas as férias, é altura de voltar às aulas do ginásio. Antes de retomar o seu contrato certifique- -se de que está a pagar o menor va- lor possível. Se vários membros da sua família frequentarem o giná- sio pode equacionar juntarem-se

B A minha economia 50 Finanças pessoais todos no mesmo local: muitos têm Prepare, na 10. O desporto ideal uma oferta familiar com um preço véspera, a reduzido. Por outro lado, se está can- marmita para o ao preço certo sado do ginásio ou não consegue ir trabalho. Além todas as semanas, é melhor pensar de garantir uma Com o início das aulas arrancam tam- num plano B. Ou passa realmente refeição saudável, bém as atividades de lazer. Escolher a ir às aulas, ou cancele a adesão e está a poupar o desporto certo para o seu filho não pratique desportos ao ar livre, como significativamente é fácil, sobretudo quando estas ativi- correr ou andar de bicicleta. dades representam um esforço finan- ceiro mensal. Os associados Monte- 8. Utilize o Cartão pio beneficiam de descontos muito apelativos num vasto leque de par- de Associado ceiros ligados ao desporto e bem-es- tar: aulas de natação, andebol, fute- Os associados Montepio beneficiam bol, ténis, surf e ioga. Existem ainda de milhares de descontos em parcei- vários ginásios que disponibilizam ros de diversas áreas: cultura, saúde, modalidades desportivas com des- consumo, lazer, bem-estar e turismo. contos muito atrativos. Aceda ao site Para usufruir destes benefícios bas- montepio.org para descobrir todos os ta apresentar o Cartão de Associado parceiros Montepio ligados ao des- e começar imediatamente a poupar. porto e bem-estar e de que forma po- Muitas famílias marcam para se- de começar a poupar num dos meses tembro algumas das consultas de mais dispendiosos do ano. rotina dos mais jovens, a tempo de estes entrarem para a escola. O Car- 9. Leve almoço tão Montepio Saúde, gratuito para os associados Montepio, garante-lhe um de casa desconto médio de 35% em mais de 6 500 unidades de saúde de norte a sul do país, incluindo na CUF, HPA Saúde e toda a rede Advancecare. R Utilize o Cartão de Há cada vez mais pessoas a optarem R Os associados Associado e o Cartão por levar a marmita para o trabalho. Montepio beneficiam Montepio Saúde e comece Além de garantirem refeições mais imediatamente a poupar, saudáveis, podem ainda gerar eco- de descontos muito através dos milhares de nomias mensais significativas. E nem apelativos num descontos em parceiros de sequer precisa de um esforço adicio- vasto leque de nal. Basta que, na véspera, confecione diversas áreas o jantar já a pensar na refeição do dia parceiros ligados seguinte. Além do almoço, pode levar ao desporto e consigo também snacks preparados para o lanche da manhã ou da tarde. bem-estar: aulas de Levar um iogurte ou uma peça de fruta natação, andebol, de casa pode poupar-lhe muitos euros futebol, ténis, surf ao final do mês. e ioga montepio V E R Ã O 2 0 1 9


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