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Revista Montepio 29

Published by Plot Content - SA, 2019-01-30 08:35:37

Description: Revista Montepio 29

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montepioInverno'19 // #29 Trimestral €1 CULTURA LAZER A arte da imortalidade O fascínio das Experiências FINANÇAS PESSOAIS gourmet Poupar até ao último cêntimo IGUALDADE DE GÉNERO UMA MULHER PARA A HISTÓRIA Idália Serrão, a primeira administradora da Associação Mutualista Montepio, é ainda a exceção à regra da igualdade de género. Mas por pouco tempo. A chegada de mulheres aos lugares de topo é uma inevitabilidade e dela depende o futuro da economia global. Diretor António Tomás Correia



6 Glocal 34 SUMÁRIOINVERNO2019 Perfil Montepio #29 O mundo em 1840 Kruella d'Enfer 56 OS NOSSOS AS NOSSAS VALORES Aventura EXPERIÊNCIAS 13 Entrevista 7 recantos 48 Boa vida do Gerês Idália Serrão inacessível Experiências gourmet 16 Sociedade 53 Bem-estar Um género de revolução Desporto de coragem 18 Tecnologia 61  Associados O meu carro? Vem do Alexandre Gama futuro e Sara Ferreira 22 E ntrevista 62 Crónica Alfredo Cunha Francisco Moita Flores 26 Educação 37 A NOSSA Finanças ASSOCIAÇÃO Residência universitária pessoais procura-se Poupar até ao 64 Cultura último cêntimo 29 Cultura O amor chegou à cidade A arte da imortalidade 66 Benefícios 36 Crónica Quem poupa já não Adriano Moreira acrescenta uma conta 8 71 Associado Sociedade Paulo Battista Ventos de mudança 72 Associado Pedro Sadio 73 Descontos Para associados A MINHA ECONOMIA 41 Comportamento Geração Z, de zelo 45 Brexit Goodbye, UK I N V E R N O 2 0 1 9 montepio

04 NESTAEDIÇÃO Montepio Idália Serrão Associação Mutualista Administradora da Associação Mutualista #29 série iii Montepio INVERNO 2019 Idália Serrão, a primeira mulher no Conselho de propriedade Administração da AMM, fala de igualdade de género, Montepio Geral – Associação Mutualista das raízes ribatejanas e dos Rua do Ouro, 219-241 desafios que terá pela frente 1100-062 Lisboa no próximo triénio. Tel. 213 249 540 NIPC: 500 766 681 Alfredo Cunha O Gerês secreto Fotógrafo Boa vida diretor As próximas gerações O Parque Nacional António Tomás Correia de portugueses da Peneda-Gerês diretor-adjunto conhecerão os esconde recantos Rita Pinho Branco últimos 50 anos do misteriosos, seu país, em parte, devido ao trabalho inóspitos e quase inacessíveis. A revista coordenação de Alfredo Cunha. O fotógrafo, que Montepio aventurou-se até ao Gerês esteve com Salgueiro Maia no 25 de desconhecido e traz-lhe algumas ideias Direção de Comunicação, Abril, acabou de lançar Retratos, um para desfrutar de uma experiência única. Marketing e Canais livro apoiado pela AMM e no qual se Sempre em segurança e respeitando a reencontra com os homens e mulheres vulnerabilidade desta área protegida. editor e sede de redação que moldaram o país em que vivemos. Pronto para descobrir um mundo novo? Plot - Content Agency Participe na próximaedição desta revista Av. Conselheiro Fernando de Sousa, 19, 6.º, 1070-072 Lisboa Sociedade Economia Futuro Tel. 213 804 010 AMBIENTEDentro de FINANÇAS PESSOAIS BEM-ESTAR  Dos chips diretor de projeto dois anos, os países da A possível subida das implantados no corpo às União Europeia deixarão taxas de juro, que deverá inovações que nos ajudam a João Calado de vender produtos de ocorrer em 2019, terá ultrapassar barreiras físicas, plástico de utilização única. consequências reais nos o ser humano encontra na diretor editorial Conheça os materiais que créditos dos portugueses tecnologia a resposta para a substituirão o plástico e o e, como tal, na sua carteira. evolução da espécie. Quais Nuno Alexandre Silva que mudará, a partir de Conheça-as e prepare-se as repercussões deste salto então, nas nossas vidas. para esse momento. no escuro? editor chefe Aceite o desafio, participe A capa Carlos Martinho na próxima edição e envie-nos as suas Idália Serrão, a primeira mulher editora executiva sugestões e comentários no Conselho de Administração da para revistamontepio@ Associação Mutualista Montepio, está Sara Batista montepio.pt ou, se preferir, habituada a fazer o seu caminho numa para Revista Montepio, sociedade com poucas mulheres em diretora de arte Direção de Comunicação, cargos de topo. O mundo, porém, está Marketing e Canais a mudar. Saiba porque a desigualdade Inês Reis Rua do Carmo, 42, 9.°, de género tem os dias contados. 1200 - 094 Lisboa design Sónia Garcia, Pedro Dias produção e arte final Ana Miranda, Pedro Pinguinha, Nuno Marques colaborações Adriano Moreira, Alexandra Pereira, Ana Catarina André, Ana Sofia Calaça, Francisco Moita Flores, João Valente, Jorge Branco, Maria Pereira, Marisa Vitorino Figueiredo (texto), Alfredo Cunha, Artur, Bruno Barata, Fernando Veludo, Luís Borges, Ricardo Lopes (fotografia), Vera Mota (ilustração) publicidade Isabel Costa (918 708 613) Tel. 213 804 010 | Fax 213 804 011 impressão LiderGraf Sustainable Printing Rua do Galhano, 15 (E N 13), Árvore 4480-089 Vila do Conde Revista trimestral Depósito Legal nº 5673/84 Publicação periódica registada sob o nº 120133 tiragem 467 500 exemplares O MGAM é alheio ao conteúdo da publicidade externa. A sua exatidão e/ou veracidade é da responsabilidade exclusiva dos anunciantes e empresas publicitárias. Idália Serrão, Certificado PEFC administradora da AMM Este produto tem origem em florestas estatuto editorial com gestão florestal sustentável e fontes A Revista Montepio é a publicação que faz a ligação entre o Montepio Geral - Associação Mutualista e os seus controladas associados. Conheça o seu estatuto editorial em montepio.org/vantagens-montepio/publicacoes/revista-montepio/ www.pefc.org PEFC/13-31-011 montepio I N V E R N O 2 0 1 9

EDITORIAL 05 O século das mulheres P ela primeira vez, uma mulher integra o Conse- ciedade. Desafios tão ou mais disruptivos, para as famí- lho de Administração da Associação Mutualis- lias, do que os que levaram Francisco Álvares Botelho a ta Montepio. O pioneirismo de Idália Serrão, fundar, em 1840, o Monte Pio dos Empregados Públicos, mas também a visão da equipa que a acolhe, atual Associação Mutualista Montepio. ultrapassam o simbolismo que lhe queiram dar: a igual- dade de género nas empresas é uma inevitabilidade Da proteção das viúvas e seus filhos às novas roti- que o tempo, mas também as ambições económicas, se nas das famílias, as épocas são diferentes, é certo. Mas encarregarão de ajustar. as metas, ou melhor, as convicções, não se alteraram. Preparar o futuro continua a ser a finalidade máxima da Até 2050 serão criadas 10,5 milhões de vagas de em- sua Associação. Fazendo jus à modernidade e à disrup- prego na União Europeia, com a integração de mais mu- ção que nos permitiram sobreviver à espuma, por vezes lheres em posições de topo: nas empresas e na admi- revolta, de longos 178 anos, antecipamos o futuro e da- nistração pública, nas universidades e nos centros de mos um passo em frente na sua pertinência e reinven- investigação. Áreas até agora vistas como masculinas, ção. Outros – ou melhor, outras – nos seguirão. Qualquer como as novas tecnologias, engenharia ou a matemá- que seja a rota escolhida, a viagem que agora iniciamos tica, partilharão géneros. deixar-nos-á mais próximos das associadas e associa- dos, das suas necessidades e ambições. Três anos que Esta revolução silenciosa, herdeira dos movimentos nos aproximarão das mutualidades europeias e construi- de emancipação social do final do século xix e início do rão uma Associação mais sólida, vanguardista e eficiente. século xx, provocará alterações profundas na nossa so- I N V E R N O 2 0 1 9 montepio

O mundo em 1840GLOCAL06 Associação Mutualista Montepio José Travassos Valdez era o presidente do Conselho de Ministros, D. Maria II a monarca e Portugal vivia o setembrismo. Lá fora, a Nova Zelândia era colonizada pelos ingleses, Charles Wilkes confirmava que a Antártida era um continente e John William Drapes fotografava a lua pela primeira vez. Entre na máquina do tempo e veja como era o mundo no ano da fundação da Associação Mutualista Montepio. Cultura 259,9 km e tecnologia inaugurada a Inglaterra, Estados Unidos, França maior ferrovia e Prússia fervilhavam com ideias. do mundo O belga Antoine Joseph Sax inventava o saxofone e Warren de La Rue criava uma das primeiras lâmpadas do mundo. Em Lisboa, o Conde de Farrobo iluminava o seu palácio com 10 candeeiros a gás, mostrando o seu poder financeiro e antecipando o próprio Estado nesta tecnologia. Antártida FEVEREIRO MARÇO ABRIL MAIO JANEIRO A opera La Fille Alexander Início da O lançamento du Régiment, Wolcott e John construção dos primeiros O norte- de Gaetano Johnson abrem, do Palácio de selos, no -americano Donizetti, estreia em Nova Iorque, Westminster, Reino Unido, Charles Wilkes em Paris o primeiro estúdio em Londres revoluciona confirma que Tropas francesas de fotografia É lançado os serviços de a Antártida é e árabes lutam do mundo o primeiro correios de todo um continente na Batalha de É inaugurada a movimento o mundo O barco Mazagran, atual maior ferrovia abstémio Após o Tratado a vapor Argélia do mundo do mundo, de Waitangi, Lexington (259,9 km), entre Washingtonian a Nova Zelândia incendeia-se Wilmington e Temperance é declarada perto de Nova Weldon, nos Society colónia inglesa Iorque Estados Unidos Warren O Palácio de de La Rue Westminster cria uma começou a ser das primeiras construído lâmpadas do mundo

Viva o progresso! Um país em mudança Da ciência à cultura, da literatura à filosofia, vários foram os progressos Vivia-se um período de turbulência da sociedade no início da década política e mudanças económicas. de 1840. Em Portugal e no resto do Com 3,7 milhões de habitantes, mundo surgiram movimentos que se Portugal tinha uma inflação galopante revoltavam contra o status quo da (13,73%) e uma economia agrícola com sociedade, em busca de uma nova era técnicas de cultivo subdesenvolvidas mais próspera, o que contribuiu para em relação ao resto da Europa. uma sucessão de acontecimentos Os portugueses viviam em sobressalto que permitiram à sociedade registar com as constantes revoltas e guerrilhas importantes avanços. entre absolutistas e liberais. D. Pedro II David Livingstone parte para África JUNHO JULHO AGOSTO SETEMBRO D. Maria II A rainha Realiza-se, D. Pedro II sobe Regista-se o Os exércitos educadora em Londres, ao trono do maior ataque britânico e esteve no a Convenção Brasil índio de otomano lutam poder até Mundial contra Nasce Manuel sempre à então contra a presença novembro a Escravatura de Arriaga, república egípcia em Beirute de 1853 Morre Frederico o primeiro do Texas É fundado o Guilherme III, Presidente da Morre o Derby Arboretum, OUTUBRO imperador República de dramaturgo o primeiro parque da Prússia Portugal alemão Karl público do mundo É fundado Immermann em Lisboa, no dia 4, o Monte Pio dos Claude Monet Empregados Públicos DEZEMBRO Guilherme II torna-se rei da NOVEMBRO Napoleão Holanda Bonaparte Nasce o pintor tem um funeral Os Comanche Fundação do Montepio impressionista de Estado em formaram francês Claude Paris, 19 anos Uma nova um enorme Monet após a sua potência mundial exército a Mouzinho de morte partir das suas Albuquerque O médico e A população norte-americana muitas tribos inicia o restauro explorador aumentou 36% entre 1830 e 1840, e invadiram as do Mosteiro David para 18 milhões. Ainda sem as áreas brancas da Batalha Livingstone fronteiras definidas e longe do do Sudeste parte para \"sonho americano\" de James Adams, do Texas o continente as primeiras sementes da nova africano superpotência foram lançadas: a linha férrea alcançou os 5 600 A Oeste... quilómetros e o número de fábricas A população de algodão ultrapassava já os 1200. norte-americana aumentou 36% na década que culminou em 1840

08 Os nossos Ventos valores de mudança Uma revolução que dura há cem anos. A emancipação feminina é uma das mais belas histórias da humanidade, mas ainda há muito que fazer para alcançar a igualdade de género. Saiba porque será inevitável, até do ponto de vista do crescimento económico, que homens e mulheres partilhem oportunidades. E como mudará a sociedade em função deste novo dado. Texto ANA CATARINA ANDRÉ | ilustração VERA MOTA

AOs nossos valores 09 Igualdade de género QPortugal A na Torres é líder do cluster boards) e iniciativas de promoção das será um europeu de doenças raras mulheres nas suas carreiras, contri- da Pfizer e supervisiona 15 buindo para uma sociedade com mais dos países países a partir dos escritó- igualdade de oportunidades”, resume. da UE mais rios da farmacêutica no Lagoas Park, impactados em Oeiras. Quando concorreu ao lu- Desde que entrou no mercado de gar, no início de 2016, era diretora-geral trabalho, no início da década de 1990, pela da multinacional em Portugal. “Nunca nunca sentiu obstáculos à sua ascen- igualdade considerei sair do país, mas sempre ti- são. “Sempre trabalhei em multina- de género ve curiosidade em experimentar uma cionais que tinham especial atenção função regional”, conta a executiva, que ao tema da diversidade, por entende- até 2030 foi selecionada entre candidatos de to- rem que se trata de uma vantagem do o mundo. No mesmo ano, tornou- competitiva na retenção de talentos.” -se presidente da PWN (Professional Os estudos demonstram, contudo, Women’s Network Lisbon), uma orga- que a história de Ana Torres é pouco nização sem fins lucrativos que incen- comum. De acordo com o boletim es- tiva o progresso profissional femini- tatístico de 2017 da Comissão para a no. “Promovemos vários programas Cidadania e Igualdade de Género (CIG), (leadership, engaging men, women on a presença de mulheres nos conse- lhos de administração das empresas do PSI 20, o índice que agrega as em- presas presentes na bolsa de Lisboa, é de 15,5%. A discrepância no acesso aos cargos de chefia é comum noutros setores, incluindo na administração pública – no Conselho de Estado, por exemplo, a taxa de feminização é de apenas 10%. Outro tema que eviden- cia a atual desigualdade é a diferença

As áreas de taxas de emprego, do PIB, do consumo amamentação”, diz António José Car- 10 tecnologia, e da potencial capacidade de produção, valho, do gabinete de imprensa. “Estas tornando a economia mais competiti- medidas ambicionam dar às mulheres engenharia va”, considera a investigadora Mónica as mesmas oportunidades de serem e matemática Lopes, do Centro de Estudos Sociais da bem-sucedidas na carreira”, finaliza. receberão mais Universidade de Coimbra. mulheres nos A mudança terá de ser transversal próximos anos O que vai mudar nas empresas? às instituições de ensino, dizem os es- pecialistas. Como explica a investiga- Num cenário de maior igualdade, al- dora Mónica Lopes, as universidades gumas das práticas empresariais que são hoje locais onde as mulheres, ape- salarial entre os dois sexos. Segundo a hoje se distinguem pelo cariz ino- sar de constituírem a maioria dos dou- mesma fonte, os homens ganham, em vador tenderão a tornar-se comuns. torados, “estão sub-representadas na média, mais 19% do que as mulheres. Um exemplo: a cadeia de retalho Au- investigação, no topo da carreira aca- A igualdade de género não é ape- chan incentiva a participação de mu- démica e na chefia das instituições”. nas uma questão moral e social, é tam- lheresemfunçõestipicamentemascu- O projeto SUPERA (Supporting the Pro- bém um desafio económico relevante. linas, como nos talhos e nas portarias, motion of Equality in Research and Aca- Se mais mulheres como Ana Torres e favorece a integração de homens em demia), que será implementado em chegarem a cargos de liderança e ace- setores tradicionalmente femininos, SNos próximos 30 anos, derem a setores tradicionalmente do- como a peixaria. “No recrutamento são a igualdade de género criará minados pelo sexo masculino, como formulados anúncios de emprego com 10,5 milhões de novos empregos as tecnologias, a engenharia e a ma- recurso a linguagem neutra e sem ele- para homens e mulheres temática, os ganhos serão enormes. mentos discriminatórios em função do 70% 78% Segundo dados do European Institute género”, afirma Gisela Damásio, téc- for Gender Equality, a igualdade de gé- nica de responsabilidade social, que dos novos postos a 79% nero poderá criar 10,5 milhões de no- garante que a organização tem uma de trabalho serão vos empregos, na União Europeia, até equipa de chefias com 49% de mulhe- Será entre estes 2050, aumentando o PIB europeu per res e um comité de direção com 29% de ocupados por valores o aumento capita entre 6,1% e 9,6% – o equivalente a mulheres. Esta realidade é ainda mais mulheres da taxa de emprego ganhos entre 1,95 e 3,15 triliões de euros. expressiva na direção da empresa de na União Europeia para os cidadãos entre os 20 e os 64 anos A igualdade de género é, assim, um im- cosmética L’Oréal: seis dos 11 quadros perativo para a competitividade econó- são mulheres. mica, esse chavão do qual dependem Algumas organizações, como a governos e empresas. Nestlé, investem no apoio aos filhos. Portugal está no grupo de países on- “A Nestlé Global Maternity Protection de este impacto será significativo: o au- Policy garante a todas as mulheres mentodoPIBpercapitapodechegaraos um mínimo de 14 semanas de pa- 12%. “A utilização plena dos talentos dis- gamento de baixa por mater- poníveis tem reflexos no aumento das nidade e disponibiliza salas de Quem faz o quê em casa? Dar as mesmas homens a desempenhar coordenadora do estudo. trabalho doméstico, que é oportunidades a tarefas domésticas e a “Hoje, as mulheres pesado.” É uma forma de homens e mulheres no cuidar da família – esta trabalham tanto fora de evitar o desgaste de que mundo laboral implica diferença agudiza-se na casa como os homens e muitas mulheres hoje se uma reorganização do rush hour, entre os 30 e depois acumulam essa queixam. “Só assim teremos trabalho doméstico. os 49 anos (10 horas) e carga com o trabalho não pessoas mais felizes e De acordo com o estudo na fase tardia, depois pago.” Num mundo mais equilibradas.” “Igualdade de Género dos 49 anos (16 horas). igualitário, essas tarefas ao Longo da Vida”, da Às mulheres continua a têm de ser divididas Fundação Francisco estar associado o papel entre ambos. “Têm-se Manuel dos Santos, em de cuidar dos filhos e aos feito mais progressos Portugal as mulheres homens o de garantir o na área das licenças passam mais sete horas sustento da família, diz a de paternidade, mas por semana do que os socióloga Anália Torres, é preciso partilhar o montepio I N V E R N O 2 0 1 9

cinco instituições de ensino superior Os nossos valores A 11 europeias, incluindo a Universidade de Coimbra, acelerará uma maior igual- Igualdade de género dade. Foi apresentado em novembro e prevê a criação de hubs de igualdade de P&R União Europeia: qual o impacto género. “Destinam-se à sensibilização, da igualdade de género transferência de conhecimento, iden- Nima Sanandaji, até 2030? tificação de problemas e resistências à Autor do livro mudança e à implementação do plano The Nordic Gender Os 10 países onde os benefícios serão mais para a igualdade de género”, explica Equality Paradox notórios nos próximos 20 anos Mónica Lopes. Estão também previstas Fab Labs. “São plataformas de inovação O que é o paradoxo Portugal que reunirão especialistas interessa- nórdico? Itália dos na mobilização de conhecimentos Ocorre na Suécia, Bélgica e experiências no domínio da igualda- Finlândia, Noruega, Lituânia de de género.” Dinamarca e Islândia, Polónia sociedades mais Rep. Checa O paradoxo nórdico igualitárias, com uma Eslováquia A igualdade de género ainda é uma mi- longa história de direitos Croácia ragem global, mas o papel da mulher das mulheres, mas onde, Bulgária sofreu uma alteração radical no últi- ainda assim, há poucas Grécia mo século. A tarefa, porém, é hercúlea. mulheres a chegar a Veja-se o exemplo dos países nórdicos, lugares de topo. Fonte: European Institute for Gender Equality conhecidos por terem sociedades mais E explica-se pelo tipo igualitárias. Apesar de todas as políti- de estado social nórdico Impacto no PIB per capita cas que dão à mulher um estatuto pri- que, através de um vilegiado para se desenvolver pessoal conjunto de mecanismos, Até 2050, e graças à igualdade de género, o PIB per e profissionalmente, existem poucos acaba por dificultar, capita pode crescer entre 6,1% e 9,6%, o que equivale elementos do sexo feminino a alcan- sem intenção, a um ganho entre 1,95 e 3,15 triliões de euros çar posições de chefia, um fenómeno o progresso feminino. conhecido como paradoxo nórdico. Diz que os estados 2020 Crescimento do PIB per capita Segundo Nima Sanandaji, autor do li- nórdicos estão a 2030 Entre 0,5% e 0,7% vroThe NordicGenderEqualityParadox, impedir as mulheres de 2040 Entre 1,5% e 2,2% as licenças de maternidade longas e chegarem a lugares de 2050 Entre 3,4% e 5,2% a existência de uma rede de suporte topo. Trata-se de uma Entre 6,1% e 9,6% do Estado incentivam as mulheres a escolha das mulheres desinvestirem na carreira. “Isto explica ou é algo imposto? Fonte: European Institute for Gender Equality porque é que os Estados Unidos, que As mulheres optam não têm sistema nacional de licenças por trabalhar em Salário médio Salário médio parentais têm, ainda assim, uma per- áreas ligadas à saúde, do homem da mulher centagem mais elevada de mulheres cuidado dos mais velhos, em posições de liderança do que qual- farmácia e educação. 1207,76 euros 966,85 euros quer país nórdico.” Para Nima Sanan- Antes da preponderância daji, o melhor modelo passa por “dar a do Estado Social, muitas Disparidade salarial eram empresárias em Portugal Nos Estados Unidos, e gestoras no setor país onde não há privado. Quem construiu Fonte: Comissão para a Cidadania um sistema de o Estado Social nórdico e Igualdade de Género optou por transformar licenças parentais, estes setores, onde existem mais muitas mulheres mulheres em trabalhavam, num monopólio público. posições de topo Os principais sindicatos fizeram pressão para a existência de um esquema de salários solidário, em que os indivíduos não eram recompensados pela sua performance mas pelo tempo de permanência. E permitiram a fixação de salários individuais em campos dominados pelos homens. I N V E R N O 2 0 1 9 montepio

A12 homens e mulheres a oportunidade de se questionar muitas vezes se ficariam escolherem livremente no mercado e melhor com os pais?”, considera Va- assim encorajar tanto os que querem nessa Cunha, investigadora do Obser- Mea culpa dar prioridade à carreira como os que vatório das Famílias e das Políticas da tardio dão primazia à vida familiar”. Família, do Instituto de Ciências So- ciais (ICS). “A parentalidade e o acesso Quantas escritoras A igualdade no masculino à vida relacional são aspetos em que dos séculos xvi, xvii Num mundo mais igualitário, os ho- é notória a desigualdade sobre os ho- ou xviii conhece? mens vão deixar de ter medo de serem mens”, afirma, explicando que, apesar Provavelmente gozados se optarem por ficar em casa do aumento de políticas de incentivo à nenhuma, mas o com os filhos ou se escolherem profis- licença parental masculina, as mulhe- problema não é sões associadas ao universo feminino. res continuam a ter uma maior proxi- seu. Durante vários “A ideia é que a liberdade seja real e não midade com os filhos. “É preciso que os séculos, os trabalhos esteja condicionada por conceções so- empregadores percebam que tanto os literários produzidos ciais ligadas ao que é suposto homens e homens como as mulheres podem ter pelas mulheres mulheres fazerem”, diz a investigadora de ser cuidadoresde alguém.” Se o filho foram ignorados Cristina Vieira, da Associação Portu- estiver doente, por exemplo, e tiver de ou esquecidos. guesa de Estudos sobre as Mulheres. ficar em casa uma semana, a mãe pode Para corrigir parte O mesmo tenderá a acontecer com ficar uns dias com ele e o pai os restan- desta história, a a guarda dos filhos, após o divórcio. tes, sugere. Como é que a maioria dos União Europeia vai “Por que é que, depois de uma separa- homens reagirá a este novo cenário? financiar um projeto ção, os filhos ficam com as mães sem Essa é a pergunta do milhão de dólares. que redescobrirá as cartas, poemas, CEO no feminino reflexões e outras obras literárias das O livro Lições de Liderança Mas nem todas tiveram o “Sempre mulheres destas de CEO Portuguesas apoio da família”. Isabel trabalhei em épocas. O projeto reúne as histórias de 10 Canha diz que há um ponto- multinacionais custará 1,5 milhões empresárias, entre as quais -chave: a forma como lidam que tinham de euros e será Ana Torres (Pfizer). “São com o medo de assumir especial atenção desenvolvido pela mulheres com competência desafios. “Não se deixaram ao tema da académica espanhola e talento, claro. E tiveram paralisar pelos seus receios diversidade” Carme Font Paz, mães ou pais fortes que e avançaram. Construíram que analisará lhes disseram que podiam o seu networking e não Ana Torres arquivos, bibliotecas ser iguais aos rapazes ou receiam rodear-se de Líder do cluster europeu de e coleções privadas conseguir tudo aquilo a pessoas que sabem mais doenças raras da Pfizer de toda a Europa que se propusessem”, diz das suas áreas específicas para encontrar Isabel Canha, coautora do que elas próprias, pois obras produzidas da obra em parceria consideram que a força da entre 1500 e 1780. com Maria Serina. “São equipa é superior à soma Uma das mulheres, mulheres com ambição dos talentos individuais. conta a académica, saudável, iniciativa e gosto E têm iniciativa”, conclui já foi descoberta: pelo desafio, perseverança a jornalista. Margaret Cavendish e capacidade de sacrifício (1623-1673), filósofa e uma enorme paixão pelo contemporânea de que fazem. Sofia Tenreiro, Thomas Hobbes e uma das entrevistadas, René Descartes que diz que a decisão mais escreveu um dos importante de carreira é a primeiros textos de escolha do marido. ficção científica, The Blazing World. Nele, fala sobre uma sociedade utópica situada no Polo Norte. Um reconhecimento tardio, mas sempre bem-vindo.

Os nossos valores A 13 Entrevista Idália Serrão Administradora da Associação Mutualista Montepio A AMM tem um papel mobilizador na igualdade de género Idália Serrão inicia em 2019 um dos maiores desafios da sua carreira: integrar a administração da Associação Mutualista Montepio. Conheça as suas ideias para o próximo triénio associativo, mas também um pouco do seu passado enquanto mulher, estudiosa, governante e músico profissional. Texto CARLOS MARTINHO | fotografia BRUNO BARATA maquilhagem SARA CASTRO É a primeira mulher na administração da Associação Mutualista Montepio (AMM) em 178 anos. De que forma a sua visão feminina pode influenciar o próximo mandato? Todos os olhos estarão postos em mim, por isso é uma responsabilidade acrescida. Durante a campanha para as eleições da AMM corremos o país todo, falámos com muitos associados e senti a confiança que as mulheres mutualistas depositam em mim. As mulheres e os ho- mens são iguais na sua maneira de estar: uns são mais pragmáticos, outros mais organizados, outros têm mais competências numa área. É esta complementaridade do trabalho em equipa que pode ser uma mais-valia. Na sua opinião, o que impede que mais mulheres estejam em lugares de topo na economia, política ou sociedade? O que impede? Os homem cederem os seus lugares para que as mulheres possam participar em todas as verten- tes da vida em sociedade. Não me venham dizer que as mulheres não têm tempo ou que as mulheres não estão I N V E R N O 2 0 1 9 montepio

A Os nossos valores Uma S ribatejana Idália Serrão, de 54 anos, 14 Entrevista em Lisboa é a primeira mulher eleita para a administração da disponíveis. Assim que houver dispo- Nos setenta Associação Mutualista nibilidade para partilhar lugares, cer- quilómetros que Montepio tamente que as mulheres participarão separam Lisboa de melhor. A AMM é um bom exemplo. Almoster encontra- Qual o papel das grandes instituições, -se a vida de Idália como a AMM, na integração de mais Serrão. mulheres em lugares de topo? A administradora Tem um papel mobilizador. Olhamos da Associação para a história do mutualismo e vemos Mutualista Montepio como este tem marcado a economia e nasceu na capital a sociedade. Assim se entende o papel portuguesa, mas foi tão importante que a AMM assume na naquela freguesia promoção da igualdade de género. de Santarém que Que mulheres, atuais ou do passado, fez parte do ensino mais admira? básico e passou Maria de Lurdes Pintasilgo foi uma férias. Há oito anos mulher que me marcou e que marca regressou de vez. um pensamento contemporâneo em “Passei parte da Portugal. Pelo lado humanista com minha infância em que abordou as questões sociais mas Almoster. Cresci também pela forma como olhou para lá, corria aquela a economia. Com responsabilidade. charneca toda a pé Alguma vez sentiu que, por ser mu- e de bicicleta”, lher, lhe era difícil atingir um deter- contou à revista minado objetivo, tanto pessoal como Montepio. Em profissional? Lisboa, Idália Sim. No meu primeiro dia como presi- Serrão completou o dente de junta, um senhor que ia limpar resto da formação as bermas da estrada com um corta e entrou, aos 14 balsas disse-me que nunca receberia anos, na Fundação ordens de uma mulher. Senti dificul- Musical dos Amigos dade nesse dia. Como senti dificuldade das Crianças, quando ouvi colegas dizerem, durante instituição que se a elaboração de listas para os diferentes tornou fundamental órgãos políticos, que nunca receberiam na sua paixão pela ordens de uma mulher. Acabei por se- música. Com uma guir o meu caminho, provavelmente à licenciatura em frente de muitos deles. Ciências Sociais – Isso deu-lhe uma fibra especial para Serviço Social, Idália as lutas futuras? Serrão foi ainda Sou uma mulher de fibra e não sou secretária de Estado acomodada. Quando comecei a minha da Reabilitação, atividade política não existiam quotas entre 2005 e e não deixei de ir nas listas e em lugar 2011, e deputada. elegível. Também nunca me resignei. Tomou posse como Sou uma mulher ativa, proativa, não administradora me resigno. Protesto quando tenho da Associação de protestar, principalmente quando Mutualista a 3 de vejo injustiças com as outras pessoas. janeiro de 2019. montepio I N V E R N O 2 0 1 9

Quais serão os grandes desafios da “Sou uma mulher ativa, proativa, não 15 Associação Mutualista Montepio para me resigno. Protesto quando tenho de o próximo triénio? protestar, principalmente quando vejo Continuar a desenvolver a oferta mu- tualista e dar uma resposta às neces- injustiças com as outras pessoas” sidades das famílias. Adaptar-se à no- va legislação, olhar para os estatutos. Porumlado,aformacomosurge.Antes 14 anos e foi uma fase inicial da minha É necessário estabilizar a AMM e dar de existir a Segurança Social a AMM já vida muito importante, ensinou-me a um forte contributo para fortalecer a garantia a proteção social, naquele que saber ouvir, a falar no sítio certo. economia social. Seria excelente se as é o princípio do contrato de seguro. Es- Foi presidente da Junta de Freguesia organizações do setor acompanhas- sa capacidade de proteger quem, em deAlmoster.Estaexperiênciamudou- sem este movimento que está a surgir. diferentes fases das suas vidas, tem es- -a enquanto cidadã? São organizações presentes em todo o sa necessidade, é algo que me impres- Sim,mudou,atéporquesetratadeuma território, interclassistas, intergeracio- siona pela capacidade de antecipação. zonarural,Almoster,onderegresseiem nais, que podem ter mais massa crítica. E que está na base dos pais fundado- definitivo há oito anos. Há coisas que Estaremos a contribuir para criar uma res da AMM. Independentemente de fiz que são extraordinárias. O ver que, sociedade mais justa e mais preparada o nosso Estado ter um compromisso com tão poucos recursos, consegui- para tratar dos nossos pais, avós, mas de proteção social com todos nós, há mos mudar a vida das pessoas. Desde também para proteger os nossos filhos toda a complementaridade da AMM ir desentupir uma manilha, comprar enetos.Quantomaismassacríticahou- que, sem se substituir ao Estado, po- dois sacos de cimento para dar mais ver, melhor preparados estaremos para de dar mais qualidade de vida, mais conforto, na habitação, a um freguês, enfrentar fenómenos como os desafios garantias, mais conforto, trazer mais ou levar aquelas senhoras e senhores a demográficos ou o populismo. bem-estar aos associados. Por outro veremomar,quemuitosnuncatinham Vivemos uma altura muito especial lado, impressiona-me a massa crítica visto. Idosos mas também miúdos de no mundo. que existe: as mulheres e homens, de escola. Lembro-me de ficar impressio- Efetivamente. Precisamos de refor- todas as idades, que lá trabalham. Diria nada quando uma criança, na escola, çar a nossa capacidade de pensar em quequemtrabalhanoGrupoMontepio, desenhou o mar com árvores. Nunca conjunto para sermos mais coesos. quer na AMM quer nas instrumentais, tinha visto o mar. Os grandes desafios da AMM passam tem um olhar diferente sobre o mes- O que faz nos tempos livres? por aí, sem deixar de cumprir aque- mo tipo de serviços. Isso é uma grande Voltei à escola e tenho estudado duran- le que é o seu objetivo maior: servir os mais-valia, vestir a camisola, lutar até te a noite, porque para fazer um douto- associados, criando respostas que vão às últimas consequências. ramento é preciso ler muito e escrever ao encontro das suas necessidades. Frequentou a Escola de Música do muito. Não abdico de limpar as minhas Já sentiu o pulsar do mutualismo. Conservatório Nacional e foi violinis- árvores, de podar. Moro no campo, por O que lhe disseram os associados? taprofissional.Temsaudadesdesses isso há sempre coisas para fazer: tenho É muito interessante. Recebi muitas tempos? patos, galinhas, cães. Há sempre coi- mensagens de pessoas que manifes- Sim, tenho saudades de tocar. E quem sas para arranjar, a horta para fazer e tavam a sua confiança e que faziam não toca duas, três horas por dia, já não cuidar. Nunca tenho falta de atividade. perguntas às quais fui respondendo. toca mais. Se eu pegar no violino e ten- E faço com gosto. Nasci numa casa de O mutualismo é um movimento muito tar tocar algo já nem os meus cães me trabalho, por isso sei fazer as coisas. ativo mas que eu gostaria de ver ainda aturam. Tenho saudades, principal- Quemensagemgostariadedeixaraos mais ativo. Se puder contribuir para is- mente da música de câmara, de tocar associados Montepio? so, será excelente. É essa a minha von- em orquestra, em quartetos, quintetos. Participem, cada vez mais, na vida tade e o meu compromisso. Mantenho hábitos de leitura, e conti- da AMM. Quanto mais participarem, O que mais a impressionou no passa- nuo a ler partituras, que intercalo com maiores e melhores serão os contri- do da AMM? oslivros.Comeceiaestudarmúsicaaos butos que poderemos dar para a for- “As mulheres e os homens são iguais na sua talecer. É muito importante que as maneira de estar: uns são mais pragmáticos, pessoas o percebam e participem. outros mais organizados, outros têm Tudo farei para, também, honrar este mais competências numa área. É esta compromisso. complementaridade do trabalho em equipa que pode ser uma mais-valia” I N V E R N O 2 0 1 9 montepio

A Os nossos valores Portugal é o país da UE com 16 mais mulheres Igualdade de género na ciência. O próximo desafio Um género é integrar estas de revolução profissionais Maria de Belém Roseira, Ana Paula em setores que Harfouche e Isabel Cidrais Guimarães pertencem aos órgãos sociais da Associação empregam Mutualista. Em entrevista à revista Montepio, mais homens falam de igualdade de género e das mudanças na sociedade que daí advirão. QMaria de Belém Roseira, Texto CARLOS MARTINHO | fotografia Bruno Barata Membro do Conselho É umadasmulheresmaisreconhecidas Geral da AMM da sociedade portuguesa e uma figura central da vida política, empresarial e Licenciada em Direito, solidária do país desde meados dos foi Ministra da Saúde e anos 70. Maria de Belém Roseira é também, desde Ministra da Igualdade, janeiro, membro do Conselho Geral da Associação Mutualista Montepio, dando um cunho feminino deputada, vice- a um órgão tradicionalmente masculino. “Em ter- -provedora da Santa mos legais, a questão da igualdade entre homens Casa da Misericórdia e mulheres está resolvida. Mas está longe de ser de Lisboa e presidente conseguida em termos culturais”, explicou a ju- da Assembleia Geral rista à revista Montepio. da OMS. Distinguida A dimensão cultural é, segundo Maria de Be- com a Grã-Cruz da lém Roseira, a questão mais “complexa” e demo- Ordem de Cristo, rada. “É muito difícil lutar contra estereótipos, preconceitos e modelos de organização social foi ainda fundadora que têm milénios de consolidação. Abalar estru- da APAV, membro turas de pensamento e de comportamento tão da representação enraizadas necessita de um trabalho conjunto, portuguesa na multidisciplinar, persistente, coerente e perma- nente”, continua. Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa Há, porém, instituições que lutam contra esta e da União da Europa tendência.Pelaprimeiravez,aAssociação Mutua- Ocidental. lista Montepio tem uma mulher no Conselho de Administração, uma eleição que, segundo Maria de Belém Roseira, poderá ter um “efeito de contá- gio positivo, que decorre da especial visibilidade de fenómenos que não são comuns”. Como alterar esta situação? “Através da criação de um quadro regulatório que vá contrariando o que natural- mente aconteceria”, explica a responsável. montepio I N V E R N O 2 0 1 9

A cartada dos soft skills este paradigma mude rapidamente. A valorização do trabalho intelectual, o 17 Até 2050, avisa a União Europeia, a en- “Há um longo caminho a percorrer até crescente número de mulheres univer- trada de mulheres em setores como a que mulheres e homens tenham as sitárias e a mudança do papel dos ho- tecnologia, engenharia e matemática mesmas oportunidades profissionais”, mens no seio familiar levarão a que as criará 10,5 milhões de novos empregos. revela. O caminho deve ser percorrido quotas mínimas para mulheres sejam “É indispensável que mais mulheres de forma natural e sem “sobressaltos”. abolidas. Até lá, “enquanto mutualistas se sintam atraídas por essas compe- e cidadãos conscientes do caminho a tências”, atira a jurista. Por outro lado, A valorização do percorrer”, deveremos promover e de- cada vez mais se reconhecem as soft trabalho intelectual fender os princípios do mutualismo: skills como fundamentais no trabalho e a mudança do liberdade, igualdade, responsabilidade, do futuro. “E as soft skills são um atri- papel do homem solidariedade, democraticidade e inde- buto das mulheres”, diz. no seio familiar pendência. “Acredito na meritocracia levarão a que as e na ética e, como tal, defendo que a Com a chegada de mais mulhe- quotas mínimas escolha dos membros para os órgãos res aos cargos de topo, como reagirão sejam abolidas sociais ou para outras funções se deve os homens? “Os homens têm vindo nortear pelo mérito e não por questões a adaptar-se à nova organização fa- de género, raça, religião ou orientação miliar e as políticas públicas têm de- sexual”, conclui. sempenhado um papel importante nesse sentido”, admite. “Ainda falta PAna Paula percorrer um longo caminho para que Harfouche, as mulheres consigam exercer o di- reito básico de escolher a vida que Vogal do Conselho querem viver. Temos todos, homens Fiscal da AMM e mulheres, que trabalhar nesse ob- jetivo”, conclui. Doutorada em Ciências Sociais. Mérito e oportunidades É impossível falar de igualdade de gé- Administradora nero sem percebermos o mundo que hospitalar, Auditora nos rodeia e a sua “extraordinária ca- de Defesa Nacional, pacidade evolutiva e adaptativa”. Para Ana Paula Harfouche é este “movimen- Revisora Oficial to renovador” que cria uma realidade de Contas (ROC) dinâmica e desafiante, à qual a AMM assistiu nos últimos 178 anos. “Esta vi- e Professora vência é crescente em termos de novos Universitária. desafios, exigências de bem-estar, de solidariedade, de novas necessidades PIsabel Cidrais e padrões de comportamento influen- Guimarães ciados pelos gostos e preferências dos Vogal do Conselho consumidores”, alerta. Mais do que a Fiscal da AMM igualdade de género, a gestora acredi- ta nas competências, na inteligência É gestora e emocional e na igualdade de oportu- responsável pelo nidades para responder a estes novos Gabinete de desafios. Controlo Interno “A igualdade de oportunidades para o da Associação mesmo saber, competência e talento é Mutualista um verdadeiro desafio neste novo sé- Montepio. culo e terá efeitos significativos sobre o bem-estar e os modos de vida da hu- manidade”, explica. Isabel Cidrais Guimarães, vogal do Conselho Fiscal, não acredita que

A Os nossos valores Se em outubro viajou pe- la CREL, autoestrada da 18 Tecnologia Grande Lisboa, é pro- vável que se tenha cru- O meu carro? zado com os primeiros Vem do futuro três carros sem condutor a circular em Portugal. Desenvolvido pelo pro- Uma estrada repleta de automóveis jeto europeu Autocits, este teste é sem condutores ao volante parece-lhe mais um passo para que, em breve, ficção científica? Pense duas vezes: as estradas europeias recebam car- dentro de 10 anos, os carros autónomos ros totalmente autónomos, sem con- revolucionarão as cidades de todo o dutor. Uma realidade, aliás, já visível mundo. Já encomendou o seu próximo nos Estados Unidos. A 5 de dezem- autómovel ao stand do futuro? bro, a Waymo, empresa que pertence à Alphabet, holding da Google, fez o Texto MARISA VITORINO FIGUEIREDO lançamento do seu veículo autóno- mo ao público – uma espécie de táxi montepio I N V E R N O 2 0 1 9 sem motorista, que pode ser chama- do através de uma app de smartpho- ne. Os carros autónomos individuais, porém, estão à porta. “Acreditamos que, antes de 2025, os carros autónomos andarão nas es- tradas. Mas com um enquadramento Como funciona um carro autónomo? Câmaras são os “olhos” do veículo e captam imagens a 360º em torno deste. São necessárias para captar sinais de trânsito, semáforos e objetos (outros veículos, peões e ciclistas, por exemplo). Sistemas de localização por satélite para geolocalizar o veículo com a maior precisão.

legal que ainda não conhecemos”, “Acreditamos Os nossos valores A 19 afirma Ricardo Tomaz, diretor de que, antes de marketing da SIVA, distribuidora 2025, os carros Tecnologia do grupo Volkswagen. Antes disso, autónomos a marca ambiciona chegar ao car- andarão nas de trânsito, veículos acidentados que ro autónomo em 2021, data idêntica estradas. informam as outras viaturas e alertas à avançada pela Ford e pela BMW. Mas com um automáticos das condições meteoro- enquadramento lógicas. Os carros atuais já são semiau- legal que tónomos. Com sistemas de auxílio ainda não Alerta: acidente ao condutor é possível aproveitar o conhecemos”, “Não sabemos lidar com os acidentes cruise control adaptativo, o estacio- afirma Ricardo que vão acontecer”, começa por des- namento automático ou a travagem Tomaz tacar Gonçalo Correia sobre o inevi- imediata perante a deteção de peões tável tema da segurança. Testes após e ciclistas, por exemplo. “Obviamen- Mas há outro requisito a cumprir: testes, os algoritmos vão aprendendo te que os sistemas já existentes são a comunicação entre veículos e outros com dados reais a reagir e a antecipar muito importantes para reduzir a si- sistemas. “É essencial que o veículo re- em diversos cenários. Quando o con- nistralidade”, frisa João Dias, docente ceba e forneça informação, por razões dutor for oficialmente dispensado do de engenharia mecânica no Instituto de segurança e melhorias no tráfego”, volante, o erro humano – responsável Superior Técnico (IST), lamentando explica Pedro Serra, gestor de projetos por entre 80 a 90% dos acidentes – é que, “em Portugal, as pessoas ainda no IPN – Instituto Pedro Nunes, uma eliminado. Mas isso não significa que não lhes deem a devida importância”. das entidades envolvidas no projeto não exista sinistralidade rodoviária. europeu Autocits, que visa melhorar Se uma máquina falhar, de quem é a O Audi A8 é o exemplo do patamar a interoperabilidade nos autónomos. culpa? Do proprietário que não con- de autonomia já alcançado a nível co- “O conceito e a própria realidade da duz? Da marca automóvel? Da fabri- mercial. O veículo tem capacidade pa- condução autónoma também está li- cante de componentes ou do softwa- ra oferecer sistemas de autonomia gado ao ecossistema envolvente, in- re? São perguntas que ainda não têm nível 3 (ver caixa), embora a legislação fraestruturas e serviços”, frisa, por seu respostas claras. de vários países tenha limitado o po- lado, Carlos Ribas, da Bosch Portugal. tencial do modelo. Para chegar ao ní- O que nos espera o futuro? Carros que Até agora, os veículos da Waymo vel 4 e 5, o desafio das marcas é aper- comunicam diretamente com sinais estiveram envolvidos em cerca de feiçoar estas funções e os algoritmos 30 acidentes de menor importância. que tornam o carro inteligente. Tudo Mas há outras marcas com vítimas a partir do software e da panóplia de mortais. Um carro da Tesla não de- sensores e câmaras instaladas, que tetou corretamente um camião e a são a base do funcionamento do carro autónomo (ver infografia). LIDAR Software sistema de deteção com base na informação de objetos através de dos sensores, câmaras, laser. Funciona como localização e LIDAR, uma espécie de sonar o software prevê os de morcego: através do movimentos de tudo o que reflexo dos lasers em é detetado e determina objetos (e do tempo que o que deve ser feito para a luz leva a voltar), o carro prosseguir em o carro consegue segurança (controlando identificar o que está velocidade, direção à sua volta. e travagem). Sensores servem para detetar o que existe na envolvente do veículo, embora não de forma visual (como as câmaras). Permitem detetar a proximidade do veículo da frente ou o ambiente áudio. I N V E R N O 2 0 1 9 montepio

A Os nossos valores Veículo autónomo 20 Tecnologia em Portugal Se uma máquina universidade de Delft, lembrando co- Portugal assinou falhar, de quem mo a ausência de condutor vai redu- um protocolo com é a culpa? zir os custos operacionais de serviços Espanha para criar tipo Uber nas cidades. corredores rodoviários colisão entre os dois provocou a morte para testes de do condutor que acompanhava o tes- João Dias, do IST, corrobora esta viaturas autónomas te. E a Uber regista a única fatalidade perspetiva. “Os carros autónomos se- (Porto-Vigo e Évora- a envolver um peão: uma ciclista que, rão, por natureza, veículos partilhados -Mérida) a partir de de bicicleta na mão, atravessava a es- e entraremos numa era em que o veí- 2019. Antes disso, é trada fora da passadeira. culo deixará de ser visto como pro- necessário alterar a priedade individual para passar a ser legislação rodoviária Há outras dúvidas. Num cenário um produto de propriedade coletiva.” nacional para que os em que a viatura apenas pode atrope- testes sejam legais. lar um peão ou ir contra uma parede Entretanto, as marcas posicio- A mudança estava para evitar o atropelamento, deverá a nam-se para a guerra de marketing. prevista pelo governo máquina proteger a pessoa que atra- A Volkswagen fala na possibilidade para 2018 mas ainda vessa a estrada ou o seu condutor? de encontrar a 25.ª hora do dia, en- não avançou. Ao nível O software poderá ser programado pa- quanto a Bosch destaca a ausência urbano, Viseu prepara- ra qualquer uma das opções mas, an- de acidentes e de stress. Uma coisa -se para estrear o tes disso, é preciso definir a resposta é certa: com as viaturas autónomas, autocarro autónomo ideal. “As marcas têm de desenvolver o cenário mais provável é que o infer- Viriato em 2019. Mas o e pôr em prática os sistemas tecnoló- no das horas de ponta chegue ao fim. envolvimento do país gicos. O resto cabe à regulação”, argu- Em vez de ficar agarrado ao volante a no carro autónomo menta Ricardo Tomaz. reclamar com o carro da frente, pode não se limita aos ter tempo extra a bordo para ler ou ver testes. A Bosch Cidades do futuro um filme, brincar com as crianças ou Portugal juntou-se à Com os carros autónomos chega tam- adiantar um trabalho urgente. Um ce- Universidade do Minho bém uma nova realidade às cidades. nário que terá certamente impacto no para dinamizar o “Atualmente, as ruas não estão prepa- design dos veículos, nas empresas de programa de inovação radas para a operação em larga escala transportes, no imobiliário, na ocupa- Innovative Car HMI. destes veículos”, explica Gonçalo Cor- ção dos solos e na indústria do entre- Do programa saíram reia. Para que os carros operem sem tenimento. Em todos os momentos 32 patentes e mais de condutor são precisas estradas em da nossa vida. 40 projetos científicos, bom estado e sinalização. assim como uma das tecnologias de O paradigma da mobilidade vai comunicação usadas mudar e todos os cenários são possí- no teste da CREL. veis. Queremos viaturas particulares autónomas a percorrerem as ruas? Os 5 níveis da autonomia “Os países têm de fazer estudos a ní- vel urbano e interurbano para perce- 0 Sem automação 3 Automatização condicional berem o caminho desejado e como O condutor controla todos O sistema pode assumir o alcançar”, avisa Gonçalo Correia. os sistemas do veículo. o controlo total do veículo, em situações específicas, sem A visão de uma mobilidade parti- 1 Assistência ao condutor necessidade de intervenção lhada ganha força nesta era da auto- Há sistemas de assistência do condutor. nomia, como já demonstrou o modelo (como cruise control não de negócio da Waymo. “Os veículos adaptativo), mas que não 4 Alta automatização automáticos podem potenciar bas- permitem o controlo automático Condução autónoma em tante a utilização dos sistemas par- simultâneo da direção e da percursos prédefinidos. tilhados”, confirma o especialista da travagem/aceleração. 5 Automatização total 2 Automatização parcial Sem volante (logo, sem É possível controlar possibilidade de intervenção simultaneamente, de forma humana), condução totalmente automática, a direção e a autónoma em qualquer estrada travagem/aceleração. e ambiente. montepio I N V E R N O 2 0 1 9

As estradas ficarão mais seguras Os nossos valores A 21 com a chegada do carro autónomo? Tecnologia \"Até um carro Gonçalo Correia que se conduz Professor na Universidade de Delft, Holanda, sozinho precisa, e especialista na área do transporte sustentável em situações de necessidade, \"Veremos veículos cada vez mais avançados de um condutor e preparados para as exceções, verdadeiros humano\" intelligent vehicles\" NÃO VÃO SER SEGURAS, P or agora ainda não, mas no próprios problemas de rota, evitam de forma alguma. futuro vamos ter muito menos acidentes e mudam de velocidade, entre Se o próprio ser humano acidentes com a automação. outras ações. Mas, para isso, muitos falha, qualquer coisa O fator humano continua a ser a milhões de quilómetros de teste programada por ele primeira causa de acidentes rodoviários têm de ser feitos com os automóveis. tem ainda maiores (contabilizando tanto o erro do condutor É também preciso resolver a forma probabilidades de falhar. como o erro do peão ou do ciclista). como os veículos se vão articular para Claro que a tecnologia Quase podemos garantir que, numa comunicar com peões ou ciclistas. pode ajudar a diminuir realidade de disseminação dos carros Atualmente, o condutor comunica a sinistralidade – e já automáticos, a segurança vai ser muito com os peões, mesmo sem falar com existe tecnologia capaz superior. Isto porque o erro humano eles. Há um sistema de comunicação de prever um acidente é, realmente, o grande problema. informal que deixa de existir com –, mas não quando se E este vai ser reduzido e, em certas o automóvel automático. Temos trata de uma viatura circunstâncias, eliminado. Veremos algoritmos, no nosso cérebro, que completamente autónoma. veículos cada vez mais avançados resolvem problemas que os carros A importância do condutor e preparados para as exceções, autónomos ainda não estão preparados num automóvel pode verdadeiros intelligent vehicles que para resolver – e que só conseguirão ser comprovada pelos tomam decisões e resolvem os seus fazê-lo com inteligência artificial. sistemas automáticos de mudanças. Na verdade, \"Para obter uma verdadeira segurança, nem os automatismos precisaremos de abdicar da condução\" podem substituir a mão e a sensibilidade do ser João Dias Sem dúvida. Todos os sistemas acidente. Estas situações podem humano. Até um carro Professor de que eliminem ou minimizem ser eliminadas com o carro que se conduz sozinho Engenharia os erros dos condutores são autónomo. À partida, um sistema precisa, em situações Mecânica extremamente decisivos. Ainda autónomo cometerá muito menos de necessidade, de um no Instituto temos um longo caminho para erros do que aqueles que um condutor humano. Será Superior Técnico a evolução da tecnologia, condutor humano tipicamente sempre necessário um ser e especialista sobretudo na deteção correta de comete. Claro que há pessoas humano ao volante. em acidentes todos os pequenos obstáculos, que gostam muito do seu carro e rodoviários mas o automatismo é uma do ato de conduzir – e têm plena Utília Pinto forma de garantir o respeito confiança na sua condução e Instrutora pelas distâncias de segurança na sensação de segurança que de condução e uma resposta a distrações e daí retiram. Mas, provavelmente, situações inesperadas. Devemos daqui a 20 ou 30 anos esta recordar que, hoje em dia, noção estará completamente as distrações são a principal ultrapassada e reconheceremos causa de acidentes, enquanto que, para obter uma verdadeira a velocidade é a principal segurança, precisaremos de causa de morte em contexto de abdicar da condução. I N V E R N O 2 0 1 9 montepio

A Os nossos valores 22 Entrevista Alfredo Cunha Fotógrafo Tenho muitos fantasmas. Vi muitas coisas Folhear Retratos, o último livro de Alfredo Cunha, é reencontrarmo-nos com os homens e mulheres que moldaram o país em que vivemos. Uma lição de história que percorre o arquivo de 50 anos de um dos mais influentes fotógrafos da sua geração. Texto CARLOS MARTINHO | fotografia ARTUR | maquilhagem SARA CASTRO

23 A lfredo Cunha não pára. “Nas minhas as pessoas veem exatamente o que Depois de Retratos, pre- fotografias, a cor quero que elas vejam. Sei que é pre- para mais dois livros: será sempre ruído. tensioso. É uma coisa que se treina e um sobre mulheres e Não há elementos de temos de ser muitos focados no que outro sobre a baixa de distração, focamo- queremos. Lisboa. Rendido a Vila Verde, em Braga, -nos no essencial” Que fotógrafos mais admira? o fotógrafo de 65 anos está numa fase Nota-se uma influência de Henri de recomeço, a viajar pelo seu longo tudo e quando estou com ela já sei que Cartier-Bresson. arquivo. tipo de luz quero fazer. Faço o trabalho O meu favorito é Eugene Smith. Depois de casa. O que muitos fotógrafos de- o James Nachtwey, o Cartier-Bresson No prefácio de Retratos, Ana Sou- cidem no estúdio eu já levo decidido e o João Silva, um dos melhores fo- sa Dias escreve: “Tira poucas foto- quando vou fotografar. tógrafos da atualidade e meu amigo. grafias, em pouco tempo, dá pou- O seu pai é o primeiro retratado do Como foi a sua transição para o di- cas indicações.” Este processo é livro. É uma homenagem ou um agra- gital? Sente que se perdeu alguma absolutamente antagónico do fo- decimento? coisa neste processo? tógrafo tradicional. Isto advém da É uma fotografia simbólica porque Perdeu-se algum romantismo mas experiência? foi feita durante uma lição de retra- ganharam-se muitos fotógrafos. Antes de fotografar uma pessoa infor- to que ele me deu. Ele era o modelo A fotografia saiu a ganhar 10 000%. mo-me sobre quem ela é. Tento saber e eu fotografava-o. Tínhamos uma O digital é a idade adulta da fotografia janela e ele ensinou-me o conceito e é o digital que transporta a fotogra- Making of de uma de fotografar com a luz disponível, fia para o multimédia, para o cinema. foto histórica que ainda hoje utilizo. Há o lado romântico do analógico, mas O preto e branco é uma das suas não tenho nenhuma nostalgia dele Alfredo Cunha encontrou imagens de marca... porque comecei a trabalhar num la- Salgueiro Maia na manhã de (Interrompe) É a minha imagem de boratório aos sete anos e aquilo para 25 Abril de 1974 e nunca mais o marca! mim era passar fins de semana às es- largou. O que aconteceu, afinal, Sem a distração da cor focamo-nos curas a revelar, a trabalhar. antes desta foto histórica? mais nos rostos, na sua expressão. Esta transição desvalorizou o traba- “Este foi o momento em que É esse o objetivo? lho do fotógrafo? conheci o Salgueiro Maia. Estava Focamo-nos no essencial. Nas mi- Não, não. O digital revelou que o rei vai escondido atrás da coluna que nhas fotografias, a cor será sempre nu, que os grandes artistas do analó- abria a cancela de um parque de ruído. Não há elementos de distração. gico, afinal, não eram assim tão bons. estacionamento quando ele olhou Existe um traço de melancolia, qua- O digital é mais democrático que o ana- para mim e perguntou quem eu se tristeza, na sua obra. Foi uma lógico, o que torna a fotografia acessível era e o que estava a fazer. coincidência temporal ou o seu es- a mais gente. E se existem mais fotó- ‘Se for do contra, é aqui, se for a tilo é propositadamente nostálgico? grafos, aparecem melhores fotógrafos. favor, é com os senhores do outro Tive uma infância dura. Comecei a É por isso que hoje temos a melhor ge- lado’, disse. Ficámos amigos e fotografar com sete anos, percebo ração de fotógrafos de Portugal. andei com ele o dia todo. Nesta bem o ponto de vista dos miúdos pe- fotografia ele está a controlar- rante as coisas e nunca perdi esta “O digital é a idade -me. ‘Você já viu o que tenho na perspetiva a fotografar. Detesto fo- adulta da fotografia mão?’ Eu respondi: ‘Só tenho a tógrafos cínicos e experientes, pro- e é o digital que máquina.’ ‘Não tenha medo, não curo sempre que as coisas me sur- transporta a tenha medo’, dizia ele a brincar. preendam. Quando isto não acontece, fotografia para já não as fotografo. o multimédia, Q Alfredo Cunha As suas fotos transportam-nos ime- para o cinema” ganhou notoriedade diatamente para aquele local, para aos 19 anos, quando aquele tempo, olhando nos olhos seguiu Salgueiro Maia daquela pessoa. É esse o objetivo? durante a revolução Sim. Tenho a pretensão de achar que de 25 de Abril de 1974 I N V E R N O 2 0 1 9 montepio

A Os nossos valores O que mudou na sua vida com a mu- Osportuguesesquenasceramdepois 24 Entrevista dança para Vila Verde? de 1970 vão conhecer o Portugal dos Ganhei qualidade de vida e distância seus pais, em parte, devido ao seu tra- do meu trabalho. Ganhei o convívio balho. Acha que fez justiça ao país on- com os meus filhos e com a família, de viveu nos últimos 50 anos? Qual a fotografia mais difícil de fazer? mas produzo e viajo como nunca. Pro- Acho que sim. Orgulho-me de ter ti- Já estive em situações muito com- duzo mais, trabalho mais e tenho uma do consciência do tempo em que vivi. plicadas, tenho muitos fantasmas, vida mais sossegada. Venho a Lisboa E o tempo em que vivi está refletido vi muitas coisas. E houve coisas que e fico doente (risos). nas minhas fotografias. A fotografia me comoveram, outras que me inco- Ficou com uma visão mais bucólica tem a capacidade de parar o tempo, modarameoutrasquenãofuicapazde da vida com a ida para o Minho? de o marcar. fazer. Não consigo definir uma situa- Bucólica não, realista. E fiquei com a De que forma olharíamos hoje para ção. A fotografia deu-me tudo: sempre ideia de que vivo num país de cama- o 25 de Abril e para Salgueiro Maia vivi bem, ganhei razoavelmente e fui das: Lisboa, Porto e a província. Espan- se o Alfredo tivesse adormecido na muito feliz. Mas também vi o pior. ta-me como as pessoas de Lisboa des- madrugada de 25 de Abril em vez de Alguma vez atirou uma fotografia pa- conhecem o interior do país. ir ouvir música com o seu irmão? ra o lixo? Quantas fotografias tira por dia? Riders on the storm, dos Doors (risos). Não... mas não a publico. Refiro-me Não tiro muitas... umas centenas. Não sei. Se calhar outro fotógrafo faria às fotografias que fiz no Iraque ou em Estou sempre a fotografar. Se quiser, as minhas fotos. O que tem de acon- África, com os refugiados. posso fazer um livro sobre Vila Ver- tecer, acontece. Eu consegui fotogra- E para onde vão? de, acho que já fotografei toda a gente. far com a minha perspetiva de miúdo, Para o meu arquivo. Um dia pode ser É engraçado: quando estamos num sí- tinha 19 anos. que alguém as publique. Eu não. tio a fotografar, tornamo-nos invisíveis. Mas que foi a perspetiva que singrou. É filho e neto de fotógrafos, por um la- Mas sou muito discreto e respeitador Foi a perspetiva que evoluiu. Os meus do; e estava no sítio certo à hora certa a fotografar. Não sou intrusivo. colegas deixaram-se cair em mani- no 25 de Abril, por outro. Concorda Se lhe entregar uma foto do início da pulações ideológicas e eu nunca o fiz. queexistempoucosdestinostãobem década de 1970 lembra-se do que fez traçados como o seu? antes ou depois de a tirar? Sim, sim, tinha de ser fotógrafo. Disso não me lembro, mas sei quando Embora eu não quisesse. O meu pai a fiz, onde estava, com que máquina e disse-me que tinha de ser, para ter quase vou ao pormenor de saber com paciência. E tinha razão. que tipo de película e objetiva. Ainda ontem vi uma fotografia que fiz na Ave- nida Grão Vasco, em Benfica (Lisboa), e quase que conseguia ouvir o ambiente. Isso é comum aos fotógrafos. Sim. Quando há o clique, há ali uma captura do tempo. Não é por acaso que os meus livros têm muitas vezes a pa- lavra “tempo”. Porque ele é uma cons- tante da fotografia. “Quando há o clique, há ali uma captura do tempo. Não é por acaso que os meus livros têm muitas vezes a palavra ‘tempo’. Porque ele é uma constante da fotografia”



A Os nossos valores 26 Educação Residência universitária procura-se As universidades do interior acolhem cada vez mais estudantes, mas não há alojamento para todos. Saiba o que instituições como a Associação Mutualista Montepio ou cidades como Vila Real e Faro estão a fazer para combater esta lacuna. Texto ANA SOFIA CALAÇA I fotografia PH PHOTO F azeramigos,descobrirnovos interesses e abrir a mente ao conhecimento ilimitado. Carolina Ferreira, que fre- quenta o primeiro ano do curso de Me- dicina Veterinária na Universidade de R Os quartos estão preparados para oferecer todo o conforto e um bom Évora, ainda está a habituar-se à sua ambiente de estudo nova vida de estudante universitária. Q A Residência para estudantes Montepio U Live situa-se em pleno Mas pode respirar de alívio. Um dos centro histórico da cidade de Évora, na Praça do Giraldo desafios mais difíceis já ficou para trás. a Universidade de Trás-os-Montes e A jovem de Carcavelos, Associada Mon- Alto Douro (UTAD), universidades do Minho e Algarve e os politécnicos de tepio desde os 3 anos, inaugurou a re- Bragança, Tomar e Portalegre recebe- ram mais estudantes. sidência de estudantes da Associação “A abertura da primeira residên- Mutualista Montepio (AMM) na cida- cia em Évora está relacionada com a diversificação e dispersão geográ- de alentejana. Esta infraestrutura vem O silêncio é obrigatório a partir das fica, de modo a abranger territórios fora das grandes cidades”, explica colmatar uma necessidade cada vez 23h. O investimento da Associação a administração da Montepio U Li- ve, projeto que agrega todas as resi- maior da educação universitária em Mutualista Montepio no alojamento dências para estudantes da AMM. Portugal: o alojamento. universitário chega na altura certa. “As instalações são novinhas. Ain- No início do ano letivo, o Ministério da da cheiram a tinta. As condições são Ciência, Tecnologia e Ensino Superior incríveis, têm todo o conforto e espa- (MCTES) retirou vagas nas instituições ço”, revela a jovem de 18 anos. Além da do ensino superior de Lisboa e Porto localização central – situa-se na Praça e distribuiu-as por universidades do do Giraldo, bem no coração de Évora – interior do país. A consequência desta a residência inclui algumas regras que medida foi visível logo nos resultados Carolina considera essenciais para o da primeira fase. Instituições como a sucesso dos estudantes. A principal? Universidade de Évora, mas também montepio I N V E R N O 2 0 1 9

Os nossos valores A 27 Educação As residências Foi para se assumir como uma estão abertas peça fundamental no mundo das residências universitárias que a todos os a AMM decidiu apostar na des- estudantes mas centralização. Depois de Évora, os associados a instituição mutualista estuda al- ternativas em cidades como Braga, Montepio Castelo Branco ou Guarda. No próxi- usufruem de um mo ano letivo, por outro lado, abrirão desconto de 10% novas residências no Porto e em Lis- na mensalidade boa – esta última junta-se às três já existentes: na Avenida 24 de Julho, na Almirante Reis e em Santos, no cen- tro da cidade. As residências estão abertas a todos os estudantes mas os associados Montepio usufruem de um desconto de 10% na mensalidade. Mais estudantes, poucas alternativas Receber mais estudantes é sempre uma boa notícia para as universidades e politécnicos espalhados por todo o país. No entanto, este fenómeno traz um desafio extra para cidades como Braga, Évora, Faro ou Vila Real, capitais de distrito onde a falta de residências I N V E R N O 2 0 1 9 montepio

A Os nossos valores 28 Educação “As instalações são novinhas. Ainda cheiram a tinta. As condições são incríveis, têm todo o conforto e espaço”, afirma Carolina Ferreira jamento universitário. Neste con- P&R texto, acrescenta, surge uma preo- cupação “transversal às cidades António Fontaínhas Fernandes com oferta de ensino superior: a Reitor da Universidade de Trás-os-Montes disponibilização de alojamento e Alto Douro para os alunos oriundos de outros para acolher os caloiros é mais notó- pontos do país”. Quais as Como encara ria. Segundo o MCTES, a Universidade consequências da o aumento do Minho, com 92 novos estudantes, Em Vila Real, cidade que aco- descentralização das rendas do lidera a lista de aumento de entradas lhe a UTAD, as preocupações são da educação alojamento no ensino superior. Seguem-se insti- idênticas. Segundo o reitor da his- superior e como universitário? tuições como a UTAD, com mais 67 tórica universidade transmontana, lidar com o caloiros que no ano anterior, Univer- António Fontaínhas Fernandes, novo fluxo de O alojamento sidade do Algarve (38) ou Évora (28). a falta de alojamento universitário estudantes? representa um dos é cada vez mais um tema das cida- principais encargos Henrique Ascenso Gomes, che- des de média dimensão. A democratização dos estudantes fe de gabinete do presidente da do ensino e assume maior Câmara Municipal de Faro, salienta que E se a redução de vagas nas ins- superior obrigou importância nas a Universidade do Algarve “apresenta tituições de ensino superior de Lis- a uma expansão instituições com índices de crescimento muito interes- boa e Porto permitiu reforçar a pre- territorial, com vista maior número santes”, ultrapassando, pelo quarto ano sença dos estudantes em regiões a aproximar-se dos de estudantes consecutivo, a fasquia dos mil novos com menor procura e pressão de- cidadãos. Com deslocados, como estudantes. mográfica, a verdade é que a ofer- a globalização é o caso da UTAD. ta deficitária coloca um desafio e as flutuações Se quisermos “Estes são os melhores resulta- tremendo às instituições que os da economia, alargar a base dos da nossa academia desde 2010. recebem. “O problema do aloja- a valorização de recrutamento E há muitos anos que a cidade se vem mento assume maior proporção da inovação e de estudantes adaptando a esta realidade”, subli- nos grandes centros urbanos mas das atividades e diversificar a nha o responsável, que admite exis- começa a mostrar fragilidades em intensivas em oferta educativa tirem poucas habitações no merca- cidades de média dimensão, co- conhecimento nas instituições do de arrendamento farense, o que mo Vila Real. Aumentar a oferta levaram a que o de ensino superior se reflete nos preços elevados do alo- de alojamento é determinante pa- ensino superior situadas em regiões ra reduzir os obstáculos de aces- e a investigação de menor pressão so dos jovens ao ensino superior, assumissem um demográfica é mitigar o risco de abandono esco- papel relevante fundamental, no lar por razões económicas e ainda na economia do futuro, dinamizar melhorar as condições de atrativi- território. Esta políticas de ação dade de estudantes estrangeiros”, expansão exige social e aumentar conclui o responsável. das instituições a oferta de novas dinâmicas, residências com quer ao nível do custos inferiores à acolhimento dos média do mercado. estudantes, quer da transferência e valorização do conhecimento de modo a fixar talentos nas regiões. montepio I N V E R N O 2 0 1 9

AOs nossos valores 29 Cultura A arte da imortalidade Este ano um holograma de Amy Winehouse percorrerá as salas de espetáculo de todo o mundo. Em breve, outros a seguirão. Conheça os truques por detrás dos concertos de hologramas e saiba o que músicos, produtores, advogados e fãs pensam desta nova área do show business. Texto CARLOS MARTINHO Q uando, em 1991, Brian May, guitarrista e com- positor dos Queen, escreveu a música The Show Must Go On, (“O espetáculo tem de continuar”, em português), estaria longe de imaginar que, 30 anos depois, muitos dos seus ídolos musicais regressariam aos pal- cos, prolongando no tempo a sua imor- talidade. Roy Orbison e Maria Callas, cujas vozes se apagaram há 31 e 42 anos, respetivamente, são os dois primeiros artistas com a imagem projetada, em holograma, nos palcos mundiais. Amy Winehouse, que morreu em 2011, será a terceira aposta da Base Hologram, empresa norte-americana responsável por dar vida a artistas já desaparecidos. “Os hologramas são o passo natural no entretenimento ao vivo. Existe um interesse cada vez maior na realidade virtual, realidade aumentada e tecno- logia holográfica, por isso decidimos criar algo único, inovador e divertido”, explicou à Revista Montepio Brian Be- cker, chairman e CEO da Base Hologram.

R A voz de Maria Concerto A Base Callas, conhecida por interminável Hologram está La Divina, regressou este a preparar as ano às mais icónicas Durante uma viagem digressões de salas de espetáculos pelo estado do Oregon, 2019 e Portugal do mundo Estados Unidos, um jovem está na lista de casal perde-se e acaba países a visitar Em 2018, os hologramas de Roy Or- por descobrir a cidade bison e Maria Callas chegaram a 44 idílica de Rock and Roll R Roy Orbison foi salas de espetáculos de 11 países. Em Heaven. No entanto, a primeira rock star 2019 estão previstos mais concertos e cedo percebe que Portugal está na lista de países a visi- existem algumas caras imortalizada em tar. “Depende apenas da logística e se conhecidas nas ruas: Jim holograma. Será uma os calendários e rotas da digressão se Morrison, Roy Orbison, enquadram com a programação das Buddy Holly, Janis Joplin, tendência ou uma salas e teatros locais. Queremos levar Elvis ou John Lennon. moda temporária? a música destas superestrelas a todos É assim que começa os locais do globo”, explica, por sua vez, o conto You Know You fato especial. “O duplo trabalha com o Marty Tudor, CEO de produção da em- Got a Hell of a Band, nosso diretor para coreografar as atua- presa norte-americana. adaptado para televisão ções do artista. Pegamos no resultado em 2006, no qual o destas sessões e trabalhamo-lo digital- Como funciona a tecnologia? mestre do fantástico mente, em muitos casos com versões Para começar a trabalhar num hologra- Stephen King monta remasterizadas das canções”, avança ma do artista, a Base Hologram tem de uma teia surrealista que Marty Tudor. obter a autorização da família – ou de culmina num concerto outra entidade – para ceder os direitos interminável. Em 1992, Seguiu-se a recriação digital da fa- de imagem. Segue-se uma panóplia ainda os artistas ce de Amy, um processo pouco com- de fases ligadas à tecnologia de ponta, holográficos eram uma plexo para a tecnologia já existente. áudio e vídeo, que dão vida ao artista. miragem, King abordava “A tecnologia evoluiu tanto que a nos- Para desenvolver o holograma de Amy o fascínio mórbido sa equipa pode, pela primeira vez, re- Winehouse, a Base Hologram contra- da sociedade pelos tirar a voz das gravações e separar tou uma atriz com parecenças físicas artistas desaparecidos as partes orquestrais e até de outros e que, com base em vídeos da cantora, precocemente. cantores que tenham participado na recriou os seus movimentos com um Um fascínio que cresceu canção”, acrescenta Tudor. Na última com a democratização fase, a equipa da Base Hologram ca- montepio I N V E R N O 2 0 1 9 do acesso à Internet e sa o áudio com o digital, com a proje- que levará, em breve, ção de imagens laser e as técnicas CGI à massificação dos (Imagens Geradas por Computador). concertos holográficos. É um processo muito intenso e elabo-

Os nossos valores A 31 Cultura la primeira vez”, explica o CEO da Base Winehouse cederam os direitos de Hologram. A empresa norte-america- imagem destes artistas à Base Ho- na tem uma “relação muito profunda” logram apenas questões financeiras com todos os herdeiros. Marty costuma facilmente contornáveis poderão im- contar, inclusive, a reação emotiva de pedir a realização dos concertos. “Em Alex Orbison quando viu o holograma Portugal existe sempre o pagamento do seu pai pela primeira vez. “Ele está de royalties de licenciamento ao titu- aqui. O meu pai está aqui.” lar dos direitos de autor ou obra mu- sical. Tirando isto, não há obstáculos Mas nem todos são fãs desta tecno- de maior”, explica o jurista. Estes royal- logia. “Não me vejo inclinado para ver ties, na verdade, representam quan- estes concertos”, explica Álvaro Graça, tias muito pequenas tendo em conta que vai regularmente a espetáculos e é o investimento que empresas como a presença habitual em dezenas de fes- tivais de música por ano. “Se nos re- Há público para gressos das bandas estou de pé atrás... os hologramas? neste caso ainda é mais duvidoso.” rado, no qual o computador tem um Se o holograma fizer um dueto duran- No mundo do Graça acredita papel essencial. te uma música, o caso muda de figura. espetáculo a que “no início, “Se for uma homenagem, já será mais palavra final pela curiosidade No dia do espetáculo, um projetor engraçado”, acrescenta. pertence ao e novidade”, 4K com laser superpotente traz ao pú- público. Os os hologramas blico a melhor qualidade de imagem De acordo com José Barreiro, diretor concertos de atraiam “algum da atualidade. A técnica é igual, por do NOS Primavera Sound, os hologra- hologramas não público”. No exemplo, à que colocou a atriz Carrie mas não substituirão os artistas deste fugirão à regra. entanto, talvez Fischer no filme Star Wars. festival. “Estarei sempre aberto à pos- “Será o público o teatro seja sibilidade de utilização de hologramas a decidir se o local mais “O meu pai está aqui” nos concertos de outros artistas mas gosta ou não. apropriado. Em 2012, durante um concerto de como complemento do espetáculo. É mais um “É mais Snoop Dogg e Dr. Dre no festival Coa- Como substituto do artista, não”, reve- tipo de encenado, já dá chella, Estados Unidos, todos ficaram la. “O NOS Primavera Sound tem uma entretenimento”, para outro tipo de boca aberta quando, em palco, apa- questão filosófica que impede um ar- garante José de espetáculo receu um holograma do rapper Tupac, tista em holograma, falecido ou não, de Barreiro. O que não um falecido 16 anos antes. A tecnologia en- atuar”, conclui o responsável. diretor do NOS concerto pop tão utilizada ainda não era holográfica Primavera ou rock. Por mas o concerto chamou à atenção de E é legal? Sound não quer outro lado, Roy vários produtores, sedentos de novida- É inevitável: os concertos de hologra- fazer futurologia Orbison é fácil des para apresentar ao público. Marty mas serão uma realidade em Portu- mas admite que de replicar, mas Tudor era um deles. “Estes espetácu- gal, assim exista interesse das produ- as produtoras outros artistas los preservam o legado destes músicos toras e do público. Segundo Eduardo norte- são mais únicos e dão aos fãs a oportunidade de Simões, diretor jurídico da GDA (Ges- -americanas complicados”, os verem atuar. Para muitos deles, pe- tão dos Direitos dos Artistas), a par- “estão a revela. Nirvana, tir do momento em que os familiares colocar muito Bob Marley, de Roy Orbison, Maria Callas ou Amy dinheiro nesta Elvis, The Doors tecnologia”. “Eu ou Queen “Não me vejo inclinado para ver estes jamais iria a um estão entre concertos. Se for uma homenagem, concerto destes, os nomes que já será mais engraçado” é mórbido. Álvaro acredita Mas o público terem maior Álvaro Graça responderá. probabilidade Melómano Acho que de sucesso será efémero holográfico. e, quando se É uma questão banalizar, não de tempo, antevejo grande provavelmente, sucesso aos até que eles hologramas.” invadam Apesar do os palcos ceticismo, Álvaro nacionais. I N V E R N O 2 0 1 9 montepio

A Os nossos valores O pop rock criou uma enzima para 32 Cultura a longevidade Base Hologram estão a dedicar a esta Vinte álbuns, 1,5 milhões de discos vendidos e nova área de entretenimento. 1750 concertos. Os números dos UHF refletem uma carreira de sucesso mas também a E podemos ter em breve, em palco, o longevidade e criatividade de António Manuel holograma de um músico português já Ribeiro, líder carismático da banda. falecido? “É possível, sim, mas precisa sempre do consentimento da família, fotografia ARTUR independentemente do licenciamen- to”, explica, por sua vez, Lídia Neves, ad- Os UHF são uma das mais importantes conquistado. O que queria, na altura, vogada e agente oficial de propriedade e influentes bandas portuguesas. A que era fazer um novo espetáculo, gravar intelectual da Miranda & Associados. se deve a sua longevidade? um disco, escrever canções que nos “A imagem é o elemento essencial [desta A criação musical tornou-se a minha emocionassem. Isto foi tudo feito passo nova área]. Tudo pode ser contornável, vida e, por enquanto, está inacabada. a passo. menos a imagem”, refere. E ao contrário É um ato contínuo. Não me fecho para Durante esta viagem de 40 anos alguma dos direitos de autor, que podem estar escrever canções nem penso muito nisso, vez pensou deixar a música? distribuídos por diferentes players do mas vou escrevendo canções. Sim. Em 1980, quando me tornei mercado do entretenimento, os direitos Existe a sensação de que as bandas com profissional, as coisas correram muito de imagem transitam para os herdei- mais anos de estrada limitam-se a tocar bem mas mais tarde houve problemas ros do músico. Neste caso, são eles que os êxitos antigos, o que não acontece graves nos UHF, quando a primeira têm a palavra final no regresso aos pal- com os UHF, que sempre escreveram formação se desfez e fui buscar alguns cos. Inclusive, admitem os dois juristas, músicas novas. A renovação etária dos músicos jovens que estavam num se o artista deixar em testamento a von- membros da banda contribuiu para isso? comprimento de onda diferente do meu. tade de não ser retratado após a morte. Nós continuámos a escrever canções Nessa altura pensei fazer outras coisas. “É possível fazer um testamento a re- importantes... há um binómio que define Andei pela política e a política esteve cusar ser holograma, mas na prática é os UHF, além da qualidade do grupo: quase a levar-me. difícil que isso aconteça”, sugere Eduar- as canções que fizemos tornaram- Os primeiros anos foram os mais do Simões. Os herdeiros, também nesta -se hinos das pessoas. Sem canções profícuos dos UHF? situação, podem ter uma palavra final. importantes e sem fãs, sem público, Sempre se fizeram boas coisas. “Os UHF em holograma? Os meus filhos ninguém resiste. É claro que no início do movimento que decidam (risos)”, graceja António Os Rolling Stones foram fundados 16 há sempre um espanto acerca do que Manuel Ribeiro. O vocalista dos UHF anos antes dos UHF. É sinal de que está a acontecer. O álbum À Flor da acertou em cheio. Mesmo que mude ainda existem muitas canções, muitos Pele (1981) é fantástico. O Persona de ideias, dificilmente contrariará a concertos dentro dos UHF? Non Grata (1982) é um disco de rock vontade dos descendentes. São bons exemplos de que a música pop duro, duríssimo, que representa a rock criou uma espécie de enzima para transferência dos UHF da Valentim Valerá mesmo tudo? The Show Must a longevidade. Parece-me que muita de Carvalho para a Rádio Triunfo. Go On, um hino claustrofóbico que fa- desta malta, incluindo nós, tocámos mal Nós exigimos a quebra de contrato, la da vontade de Freddie Mercury em no tempo certo, ou seja, cometemos por isso esse álbum reflete o verão continuar a cantar apesar da luta contra exageros, muitos deles relacionados quente – eu chamo-lhe o PREC dos uma doença incapacitante e terminal, com a descoberta da vida. O camarim, UHF. Mas temos feito discos muito ultrapassou as fronteiras dos Queen. o depois do camarim.... tudo isto são conscientes, muito bem gravados e com É um slogan do mundo do espetá- descobertas e tudo isto foi-me oferecido grandes canções, como o Porquê (2010) culo, uma indústria sempre à procura pela música. e A Minha Geração (2013). São álbuns de inovações capazes de emocionar Muitos dos grandes álbuns da música muito bons, quase perfeitos. uma audiência insaciável e que, em portuguesa foram feitos entre 1978 e Quantas canções compôs até hoje? Portugal, esgota concertos e festivais 1986. As bandas da época sabiam que Tenho 360 canções registadas na em poucas horas. Mas estaremos pre- estavam a criar álbuns históricos? Sociedade Portuguesa de Autores mas parados para invadir a fronteira psico- Nunca pensei que a minha vida musical existem mais. Andarei perto das 400 lógica do ressuscitamento musical? durasse tanto tempo. Tudo isto foi canções. montepio I N V E R N O 2 0 1 9

As canções mais perfeitas são as que P Quarenta anos após 33 surgem de um rasgo de inspiração ou as o lançamento de Cavalos mais trabalhadas? de Corrida, António Acha que Portugal – as instituições, as A inspiração é um estado de espírito Manuel Ribeiro afirma que editoras, os fãs – fizeram jus ao percurso fantástico e as canções perfeitas surgem a história dos UHF ainda de inovação dos UHF? quando tocamos o divino. Não é quando está inacabada Fazem, mas sempre com alguma ressalva. queremos, é quando aparece. É sempre muito difícil ser-se pioneiro As bandas têm prazo de validade, ou Dinossauros e estar-se um bocado à frente. seja, os primeiros trabalhos tendem a da música: A canção Cavalos de Corrida inventa um ser melhores, ou ter mais energia, que os Atuais vs futuros movimento musical e não tenho vergonha últimos? em dizê-lo, porque é verdade. Eu vejo Na música rock, os primeiros trabalhos Fundados em 1978, UHF e Xutos & miúdos de 15 anos a quererem cantar esta podem ser mais crus, mais diretos. Pontapés são os dois dinossauros música. No meu tempo isso não existia, E depois aprendemos o trabalho de estúdio da música portuguesa, bandas eu não queria saber dos cantores do meu e a fazer melhor as coisas. Por vezes que se eternizam em palco. pai, do Mario Lanza, por exemplo. Os fãs colocamos demasiados instrumentos Conheça alguns dos dinossauros estão connosco. numa canção porque achamos que internacionais e as bandas que assim ela fica mais rica e, ao crescermos, poderão sê-lo em breve. percebemos que temos de os tirar. Atuais dinossauros Se calhar o público quer uma coisa mais Rolling Stones (1962) espontânea. Bob Dylan (1965) A certa altura o produtor tem de meter Fleetwood Mac (1967) ordem na casa e saber dizer “não”. Bruce Springsteen (1969) Há uma grande frase do José Manuel Aerosmith (1971) Fortes, um técnico com quem aprendi AC/DC (1973) muito, que diz tudo: “Quando achas que Iron Maiden (1975) falta alguma coisa lá é porque já está lá U2 (1976) alguma coisa a mais.” The Cure (1976) Ainda se sente nervoso antes de entrar Mettallica (1981) em palco? Futuros dinossauros Não. Durante muitos anos, o camarim Radiohead (1985) era uma câmara de terror da Idade Guns N’Roses (1985) Média. Era um momento muito difícil, Pixies (1986) mas depois subia ao palco e aquilo The Smashing Pumpkins (1988) acabava. Se havia um atraso na entrada Nine Inch Nails (1988) era dramático. No primeiro espetáculo Beck (1989) internacional que fizemos, com Pearl Jam (1990) Dr. Feelgood (em 1979, no Dramático Muse (1994) de Cascais), lembro-me de apenas ter Foo Fighters (1994) comido pão seco e água natural. O meu The National (1999) estômago não aguentava mais nada. * ano em que iniciaram a carreira O palco enfeitiça? Sente falta dele quando existe um hiato entre concertos? O palco é uma plataforma curiosa. Enfeitiça, sim. E há momentos em que o público nos conduz. E depois há o vazio, que é o fim do palco. Fechou. Ninguém traz o palco no bolso, nem as palmas. A glória da música é muito efémera, no dia seguinte temos de fazer tudo de novo. Está a comemorar os 40 anos em palco. Não será fácil fazer um alinhamento com base neste período tão vasto. É complicado e haverá sempre alguém a dizer que falta esta ou aquela canção. Isso é normal. Temos 352 canções gravadas e o alinhamento não terá mais de 25, 27 canções, já com o encore incluído. Nem chega aos 10%. Como vê o apoio da Associação Mutualista Montepio à cultura? Finalmente existe uma entidade que tem apoiado a cultura e a música portuguesa nas suas várias vertentes de estilos. Normalmente ninguém nos liga. O facto de a AMM nos ajudar a comemorar os 40 anos enche-nos de uma secreta alegria – podermos participar e ajudar. I N V E R N O 2 0 1 9 montepio

A Os nossos valores 34 Perfil Kruella d’Enfer F rutodeumaincertezana- tural, própria da geração No mundo a que hoje chamamos Y, de Ângela Ângela Ferreira não acer- tou à primeira quando es- Começou nas Artes, passou pelo colheu a área de estudo. Começou Cinema, Vídeo e Multimédia e terminou nas Artes, ainda sem a certeza que o em Design de Ambientes. Voltas e mais seu futuro passaria, necessariamen- voltas para encontrar o mundo que é te, por aí. Experimentou Cinema, em só seu, onde mitos e lendas se juntam e Lisboa, e acabou em Design de Am- criam um universo fantástico. Colorido bientes, nas Caldas da Rainha. Natu- e bonito, no qual Ângela Ferreira se ral de Tondela, distrito de Viseu, não transforma para dar lugar ao seu alter conseguiu evitar o chamamento da ego, Kruella d’Enfer. capital. “Lisboa era, para mim, uma cidade longínqua, que me fascinava Texto SARA BATISTA | fotografia BRUNO BARATA por achar que tinha tudo.” O fascí- nio viria, contudo, a revelar-se uma montepio I N V E R N O 2 0 1 9 experiência menos positiva. A cida- de grande, os amigos de infância em faculdades diferentes e a dificuldade em conhecer novas pessoas levaram Ângela a partir para as Caldas da Rai- nha. “A cidade vivia da Escola Superior de Artes e Design e das pessoas que a frequentavam. Havia uma grande li- berdade artística, muitas exposições, concertos e performances, e isso des- pertou o meu interesse.” Um mundo, até agora completamente desconhe- cido, começava a desvendar-se. A cena artística mais intensa da ci- dade levou-a a descobrir a ilustração, a experimentar o graffiti e um novo al- ter ego. “Quando se começa a pintar, primeiro arranja-se um nome – por- que faz parte da cultura do graffiti – e depois treina-se fazendo tags (assi- natura) e throw ups (vertente mais sim- ples, com uma ou duas cores).” Com a inexperiência de quem está a co-

Q Nas ilustrações de Os nossos valores A 35 Kruella d'Enfer são visiveís as influências Perfil da natureza, tal como nesta “Good to Love”, criada em dezembro de 2017 “Gosto de perceber se de. “Pintar na rua é a maneira mais existe alguma mitologia, fácil de ouvir uma opinião – seja boa lenda ou personagem – ou má.” E durante os vários dias que isso inspira-me a criar pode levar a concluir esta árdua tarefa um conceito” há sempre quem se questione sobre o que ali se está a passar. “Há muitas meçar, a escolha recaiu sobre um no- sobre o tema, a cidade e a cultura que pessoas que não percebem ou que não me “fácil de pintar e reconhecível”. vai pintar. “Gosto de perceber se existe concordam, mas no final gosto de ver O gosto por vilões e filmes de gangsters alguma mitologia, lenda ou persona- que consegui mudar muitas opiniões.” serviram de inspiração para o nome gem característica – isso inspira-me Entre comentários menos positivos pelo qual responde: Kruella d’Enfer. a criar uma história e um conceito pa- e críticas ao destino do orçamento ra as minhas peças.” municipal, há quem assuma aque- Durante dois anos a artista vagueou le trabalho como parte do seu dia por estes universos, entre o graffiti e a O processo é (quase) sempre o mes- a dia e defenda o projeto. O que pro- ilustração, em busca do mundo que é mo. Apesar de cada vez mais digital, va que a street art em Portugal deu, só seu. “Entrei num cowork nas Cal- a jovem ilustradora não dispensa nos últimos anos, um salto gigante. das da Rainha, que me obrigou a es- “as pequenas anotações em papel”. “Lisboa é uma cidade que está com- tar num sítio a trabalhar e que foi útil Uma fonte de inspiração para momen- pletamente pintada, há murais em para começar a conhecer ilustrado- tos escassos em criatividade. “Gosto todo o lado e não se vê isso em mui- res portugueses que já faziam isto há de ter as coisas no papel e de pensar tas cidades”, repara a ilustradora. imenso tempo.” Mas foi a exposição que no futuro posso ir a esses cader- E há de tudo na capital portuguesa. dos artistas brasileiros “Os Gémeos”, nos.” Segue-se a recolha de imagens Desde tours de arte urbana à Under- no Centro Cultural de Belém, em Lis- e referências visuais, mais anotações, dogs Art Store, galeria que faz expo- boa, que marcou o ponto de viragem. composições e esboços, para depois sições e vende os trabalhos dos ar- “Quando entrei ali pensei: ‘Que mundo ir “logo a seguir” construir cenários tistas portugueses, ou até passando é este? Eu quero fazer isto!’” Em 2010, no computador. “Hoje em dia, para pelo departamento de Arte Urba- numa altura em que a street art ain- quase todos os suportes que pinto, na da Câmara Municipal de Lisboa. da estava a dar os primeiros passos faço o projeto no digital.” A tecnologia “Só isso diz muito sobre uma cidade”, em Portugal, a dupla brasileira con- facilita o processo caso seja necessá- comenta Ângela. E enquanto existirem seguiu levar “um pouco de rua para a rio mostrar o projeto a um cliente ou fachadas por pintar, Kruella d’Enfer cá galeria”, mostrando que o graffiti pode projetar o trabalho num mural. Meio estará para deixar a sua marca. conviver com peças mais clássicas. caminho já está. O processo natural Impressora humana Mini Bio Inspirada pela natureza, Ângela já per- Apesar do enorme desafio físico e deu a conta aos livros de botânica e fic- mental, é a pintar murais que Ângela Nome: Ângela Ferreira ção científica que tem na sua biblioteca se sente mais preenchida. “Nem levo Idade: 30 anos pessoal. “Adoro ir buscar referências música. Desligo completamente e a A obra mais importante: aí.” Mas o seu universo é muito mais minha mente fica ali vidrada.” A con- Existence Without a Form complexo. Nos seus trabalhos é visí- centração plena e o modus operandi Uma inspiração: natureza, vel a paixão pelo fantástico e pelo sur- fizeram-na ganhar um novo apelido: botânica, ficção científica realismo, onde sobressaem elemen- “Impressora humana.” Outras paixões: música, moda tos das lendas e mitos da aldeia onde e banda desenhada nasceu. “É uma junção de experiên- É aí que Ângela entra no mundo da cias e de elementos que fazem com Kruella, um lugar onde só ela e as tin- que tenha o meu estilo.” tas têm permissão para estar. É esse mundo que pretende mostrar no seu Se há um briefing específico para o trabalho, um mundo fantástico que trabalho, a tarefa passa por pesquisar não é muito habitual ver numa pare- I N V E R N O 2 0 1 9 montepio

A Os nossos valores ADRIANO MOREIRA 36 Crónica Os pobres morrem mais cedo Foi sobretudo uma evolução do pensamento ocidental que levou à formulação jurídica da Declaração de Direitos Humanos, começando por Jefferson, com a afirmação de que todos os homens nascem iguais e com igual direito à felicidade. Isto em 1776, ficando todavia vigente uma longa teoria de exceções, incluindo nativos, escravos, mulheres, trabalhadores. Oapagamento das exceções começou a ser visível, e que no continente americano, do com inerente violência, na Revolução Francesa de sul ao norte, desmentem as previ- 1789, e depois com as mais dramáticas guerras mun- sões auspiciosas do nosso Abade diais de 1914/1918 e de 1939/1945, esta terminada com Correia da Serra. Uma situação que um projeto de paz e igualdade sustentado por ho- agrava as dificuldades da luta contra mens dotados de santidade, como Mandela e Gandhi. A paz, que a fome no mundo. Esta arena global, finalmente deu origem à Carta da ONU e à Declaração Universal na qual o globalismo transformou os de Direitos Humanos, manteve uma realidade que une o seu tra- Estados, não se traduz apenas nas jeto com o das anteriores, e que é a falta de autenticidade, isto é, variadas quebras de paz, na profun- a falta de coincidência entre o proclamado e o praticado. Quando da falta de autenticidade entre as em 1997 se preparavam celebrações do meio século de vigência Declarações de Direitos e a prática, da Declaração da ONU, uma organização privada chamada Inter- isto é, a falta de autenticidade. Existe -Action Council publicou uma proposta de Declaração Universal outra evidência gritante, a de que os dos Deveres Humanos, acentuando que a “globalização da econo- pobres morrem mais cedo. mia mundial tem uma correspondência nos problemas globais e os problemas globais precisam de soluções globais com base em ideias, valores e normas respeitadas por todas as culturas e sociedades”. Passaram sem aprovação dezenas de anos, até que, em 2018, celebrámos 70 anos de algum avanço, mas infelizmente de perigosíssimas desigualdades. Uma das causas é a incapaci- dade de conseguir uma definição jurídica de governança global, o que impede que o mundo único, isto é, em paz, seja impedido pela guerra em toda a parte, incluindo a capacidade de o fraco atingir o forte, com demonstração inicial na destruição das Torres Gémeas, e a multiplicação das capacidades atómicas conhecidas, pelo que qualquer leviandade, para o que não faltam vocações em exercí- cio, pode levar à própria destruição da Terra. Soma-se a crise de autoridade das instituições supranacionais: mais de metade dos Estados inscritos na ONU não têm sequer capacidade para en- frentar os desafios da natureza – inundações, terramotos, dese- quilíbrios ambientais – e não podem superar os efeitos colaterais da crise económica e financeira global. A quebra progressiva da confiança, sem diferença de áreas culturais, entre populações e governos respetivos, tem um reflexo angustiante no drama das migrações, que transformam o Mediterrâneo num cemitério, montepio I N V E R N O 2 0 1 9

BA minha economia 37 Finanças pessoais A minha Poupar até economia ao último cêntimo Promoções, saldos, cupões, descontos: vale tudo quando o objetivo é poupar. Mas não basta comprar com “desconto”. É preciso confirmar se estamos realmente a comprar ao melhor preço. Saiba como poupar até ao último cêntimo e fique com mais dinheiro na carteira no final do mês. Texto MARIA PEREIRA

B A minha economia 3 dicas para poupar já 38 Finanças pessoais Os portugueses já não Pagar lebre por gato 1 Cartão AMM Repsol sabem viver sem pro- Saber exatamente o preço que paga- Pode começar já a poupar nas moções. Expressões ria por um produto sem promoção é deslocações do dia a dia com como “leve dois, pague fundamental para não ser engana- o Cartão Associação Mutualista um”, “tudo a metade do do. Não basta ver uma placa de des- Montepio Repsol. Este cartão dá-lhe preço” ou “desconto em cartão” en- conto de 20 ou 30% para tomar uma acesso a um desconto de 6 cêntimos traram no nosso vocabulário e vie- decisão, pois muitas vezes os preços por litro de combustível na Rede de ram mudar os hábitos de consumo. são manipulados nas campanhas. Estações de Serviço Repsol e ainda Compra-se em função das promoções permite acumular outros descontos e não das necessidades. Mas se, por Estar atento às e vantagens. um lado, os descontos são oportuni- campanhas e aos dades únicas de poupança, por outro novos folhetos e 2 Cartão Montepio Saúde é preciso evitar cair em armadilhas. comparar todos A saúde representa uma os produtos é a grande fatia no orçamento Há uma década, a época de saldos primeira dica das famílias. Para o ajudar a poupar estava limitada a dois períodos do para agarrar centenas de euros, a sua Associação calendário – início do ano e verão – as melhores dá-lhe acesso ao Cartão Montepio e os descontos de grandes marcas nos oportunidades Saúde, que permite usufruir de supermercados eram uma miragem. vantagens e descontos junto de mais Em 2019 haverá promoções todos os “Eu só saberei se é realmente uma boa de 6 500 entidades que constituem a dias do ano, basta saber como apro- oportunidade se estiver familiarizada Rede de Saúde Montepio. veitá-las. Estar atento às campanhas com os preços originais, para não me e aos novos folhetos e comparar to- deparar com uma especulação de pre- 3 Cartão Associado Montepio dos os produtos é a primeira dica pa- ços que vai criar uma campanha en- Pertencer à maior Associação ra agarrar as melhores oportunida- ganadora”, acrescenta Janine Medei- do país é ter acesso a um des. “O segredo é comparar todos os ra. “A informação é poder. Neste caso, universo de benefícios. Os associados preços em vigor. E só quando encon- poder de escolha”, reconhece, por sua Montepio usufruem de um alargado trar o mais barato é que deve efeti- vez, Daniel Mesquita, autor do blogue leque de vantagens junto de var a compra. Hoje em dia há imen- “O Caça Promoções”. parceiros, que se estendem da esfera sos comparadores de preços, por is- financeira à saúde, passando pela so essa tarefa está mais facilitada”, “Devemos estar sempre atentos cultura, consumo, lazer ou turismo. explica Janine Medeira. às épocas de descontos. Black Friday, Os associados Montepio usufruem saldos de época ou promoções diá- ainda de benefícios nas empresas Para a autora do blogue “Poupadi- rias, devemos ter em conta se, após que constituem o Grupo Montepio. nhos e com Vales”, fazer uma lista é o desconto, o artigo vale mesmo esse outra das formas de se cingir ao ne- preço. Esqueçam as percentagens e cessário e “não se perder em promo- percebam o valor real de um artigo”, ções”. Outro dos truques é ter cuidado acrescenta Daniel. com as armadilhas dos supermerca- dos. “Aqui entra em cena o autocon- O oásis dos detergentes trolo, que é outra das dicas para não Pastilhas para a máquina de lavar, cair em tentações”, explica. Todos os detergentes para a loiça ou amaciado- dias há centenas de produtos com desconto e, por mais baixos que os seus preços sejam, se comprar o que não lhe faz falta vai gastar mais em vez de poupar. montepio I N V E R N O 2 0 1 9

PUB res são alguns dos produtos que estão O paradigma em promoção constante. No entanto, das fraldas muitos fabricantes alteram o tamanho das embalagens para dificultarem Cada caso é um caso, a vida aos consumidores. Como resol- mas se tem um filho ver este problema? Fazer as contas por recém-nascido ou se dose e perceber se estamos mesmo prepara para ser mãe a pagar o preço mais baixo. “As cam- ou pai fique com uma panhas estão cada vez mais intensas. certeza: nos próximos Nos detergentes de loiça e roupa, por três a quatro anos, exemplo, devemos fazer sempre as as fraldas farão contas por dose. Um detergente pode parte da sua lista de estar com 60% de desconto e ter um compras. E se tiver preço de 0,20€ por dose, o que conside- dois filhos pequenos, ro caro. As percentagens de desconto a conta é a dobrar. não são importantes, muitas são fogo Para piorar o cenário de vista”, explica o autor do blogue financeiro para as “O Caça Promoções”. famílias, as fraldas podem absorver uma Os vinhos são outro dos produ- parte importante do tos com promoções constantes e orçamento familiar. grandes percentagens de desconto. Felizmente, todas No entanto, nem sempre um descon- as semanas existem to de 70% representa um bom negó- promoções deste cio para o consumidor. “Quando ve- produto, que podem jo grandes descontos em vinhos fi- chegar, em muitos co sempre um pouco apreensivo. casos, aos 50% de desconto. Planeie Muitos fabricantes as necessidades alteram o tamanho da sua criança, das embalagens compre sempre com para dificultar a vida desconto e invista dos consumidores. cada poupança num Como resolver este produto mutualista. problema? O Montepio Poupança Complementar Jovem, que permite entregas programadas ou periódicas a partir dos 10€, pode ser uma boa opção. O seu filho valorizará a sua estratégia de poupança.

B A minha economia 40 Finanças pessoais Os hipermercados atribuem ao vi- e em agosto começam os saldos de dio e longo prazo. Daniel Mesquita nho um valor inicial que dificilmen- verão. Estes são alguns exemplos deixa alguns exemplos: renegociar te pensaríamos dar por ele”, explica de épocas tradicionalmente marca- o seguro do carro e os tarifários de Daniel. E deixa um exemplo. Um vi- das por campanhas de descontos. telecomunicações, obter cartões de nho cujo preço desce dos 9,99€ para O truque é antecipá-las. fidelização das lojas e estar atento às os 2,99€, num desconto de cerca de promoções, aos folhetos e às acumu- 70%, não vale o preço inicial. “Prefiro “Há efetivamente datas mais favo- lações. Se quer levar a poupança ao comprar um artigo que estava a 2,99€ ráveis, há que estar atento. São datas extremo, não se esqueça de investir e está agora a 2,49€. Normalmente é que não diferem muito de um ano para em lâmpadas LED, reavaliar o IMI ou um vinho excelente e que ficou ain- o outro”, explica a autora do “Poupa- até fazer uma lista mensal de todas da mais barato”, argumenta. Se mes- dinhos e com Vales”. Janine Medei- as despesas e perceber onde está a mo com as promoções os artigos de ra lembra ainda que é possível com- gastar mais dinheiro do que pensava. marca forem caros, muitas vezes os prar mais barato com a utilização de produtos de marca branca são uma cupões. “Nunca existiu tanta oferta, A última dica de Janine Madeira boa alternativa. “Não esqueçam as em termos de cupões, para as lojas ultrapassa as fronteiras da poupança marcas brancas, pois têm um enorme online de roupa, acessórios, calça- física, alastrando-se para toda uma controlo de qualidade e existem arti- do, fitness, comida saudável, joias ou tendência comportamental da so- gos muito bons das várias superfícies artigos de limpeza. E funciona mui- ciedade. “É importante que se perca a comerciais”, conclui o responsável. to bem, as pessoas aderem imenso.” cultura consumista e se deixe de gas- tar o que não se tem. Até porque mui- “Nunca existiu tanta Se já utiliza algumas destas táticas tas vezes é somente por uma questão oferta, em termos de para poupar, pode reforçar a sua es- de aparências”, realça a blogger. Está cupões, para as lojas tratégia com pequenos truques que pronto para começar a poupar? online de roupa, lhe garantirão mais poupanças a mé- acessórios, calçado, fitness, comida QUESTÃO PARA DEBATE saudável, joias ou artigos de limpeza. Oito dicas de poupança que vão E funciona muito mudar a sua vida bem, as pessoas aderem imenso” O NASCIMENTO DE UM FILHO nos media e a desenvolver uma estratégia de conteúdos integrada: Janine Medeira traz despesas extra que rapidamente site, redes sociais, livro e revista. Blogger podem descontrolar-se. Janine Conheça as principais oito dicas de Medeira percebeu-o há seis anos, poupança de Janine Medeira no site Que dia é hoje? quando foi mãe pela primeira vez, de literacia financeira Ei. Siga também O calendário é outro aliado das pou- e procurou nas promoções e vales o Ei no Facebook, em facebook.com/ panças. A Black Friday, que aconte- de desconto algum alívio para as eieducacaoeinformacao. ce um dia depois do Dia de Ação de finanças familiares. Ao perceber que Graças nos Estados Unidos, no final existia, junto dos amigos e familiares, Digitalize este QR Code de novembro, traz descontos signi- uma grande iliteracia ao nível dos com o seu telemóvel ficativos para a maioria das marcas descontos, começou por partilhar as e produtos. No dia 26 de dezembro, dicas no blogue “Poupadinhos e com um dia depois do Natal, arranca mais Vales”. O sucesso do projeto levou um período de grandes promoções; Janine a ser uma presença habitual Visite montepio.org e dê-nos a sua opinião montepio I N V E R N O 2 0 1 9

A minha economia B 41 Comportamento Geração Z, de zelo Não se lembram das Torres Gémeas terem caído nem conheceram o mundo sem Internet. Com os primeiros jovens da geração Z a iniciarem o seu percurso profissional, saiba como este grupo lida com o dinheiro e a poupança. E prepare-se para ser surpreendido. Texto MARIA PEREIRA Échamada a geração canais digitais para tudo. Dentro digital porque nas- de poucos anos deverão ser o gru- ceu num mundo do- po com maior influência no setor minado pelas novas do consumo. Mesmo sem estarem tecnologias. Nasci- em força no mercado laboral, já dos a partir de meados da déca- garantem uma grande influência da de 1990, os jovens da geração Z nos hábitos de consumo dos pais. estão a chegar agora ao mundo do Mas como é que esta nova geração trabalho. Depois dos millennials, vê a poupança? esta é a geração que vai abalar o mundo empresarial tradicional e Inversamente aos millennials, para a qual o digital é a palavra de que revelam pouca apetência para ordem. Mas há um ponto onde é poupar e preferem usar as econo- mais conservadora que as suas mias para viagens ou para mante- antecessoras: na poupança. rem um estilo de vida mais liberal, a geração Z viu os pais atravessa- Mais informados, mais cons- rem a crise financeira. Muitos deles cientes e mais realistas. Assim são assistiram ao drama de um deles os jovens da geração Z. Ao contrá- ficar desempregado ou às maiores rio dos millennials, que viram nas- dificuldades para pagar os emprés- cer a Internet, os centennials não timos contraídos devido à subida conhecem o mundo sem ela. Têm, das taxas de juro a partir de 2007 na maioria dos casos, telemóvel e 2008. Por isso, a poupança é um desde os 10 anos e recorrem aos dos temas em que mantêm uma I N V E R N O 2 0 1 9 montepio

B A minha economia “Sempre tive uma conta poupança. 42 E tenho algum dinheiro guardado Comportamento para quando houver uma emergência ou quando pretender adquirir alguma coisa a longo prazo” Joana Valente Estudante Como as diferentes gerações gerem o seu dinheiro? visão mais conservadora, uma vez que Baby boomers ao contrário dos seus pais reconhecem a importância de acaute- e avós, dão muito menos lar uma situação de emergência ou um Nascida entre 1946 e 1964, importância a comprar casa imprevisto. depois da Segunda Guerra e ao tema da poupança. Mundial, a geração dos A maior parte vive em casas Um conservadorismo digital baby boomers preocupa-se alugadas e usa as suas De acordo com o Goldman Sachs, os com a segurança e, por isso, poupanças para viajar e centennials vão substituir os millen- dá especial importância comprar coisas de que gosta. nials como a geração mais influente. à poupança. Comprar Num frente a frente geracional, o gigante casa própria era a grande Centennials ou de Wall Street diz que, no que concerne prioridade desta geração. geração Z a finanças, as duas gerações são tudo Ao contrário das gerações menos parecidas. “Enquanto os millen- seguintes, os baby boomers Terão nascido a partir de nials são caracterizados como a gera- privilegiavam o emprego para 1995 e até aos primeiros anos ção do ‘segue os teus sonhos a qualquer a vida e têm asseguradas da década de 2000. Com custo’, a geração Z parece muito focada reformas prósperas. uma visão mais pragmática nas consequências financeiras das suas e realista do mundo, os pós- decisões.” Daí que veja a poupança como Geração X -millennials são a primeira algo natural e importante. geração verdadeiramente Chegaram depois dos baby digital. São mais conservadores “Sempre tive uma conta poupan- boomers e incluem-se neste nas finanças, o que pode ça. E tenho algum dinheiro guardado grupo pessoas nascidas a justificar-se, em parte, por para quando houver uma emergência partir de 1965 e até ao final terem assistido de perto aos ou quando pretender adquirir algu- da década de 1970 – há desafios financeiros dos ma coisa a longo prazo”, explica Joana quem considere que podem pais na segunda metade da Valente. Em Bratislava, no programa ir até 1982. A maioria dos X década de 2000. de Erasmus+, Joana está a frequen- tiveram de recorrer ao crédito tar o terceiro ano do curso de Gestão para comprar casa e muitos do ISCTE-IUL. Longe de casa, a jovem estão ainda a suportar este reconhece a importância de poupar. encargo. Foram também “Principalmente agora, que não estou os mais afetados pela crise financeira. montepio I N V E R N O 2 0 1 9 Millennials ou geração Y Os millennials são as pessoas que nasceram a partir do início da década de 1980 e até ao início dos anos 90. São também conhecidos como a geração Y e,

entrar na faculdade, o dinheiro que por BA minha economia 43 vezes recebia era sempre posto de lado para um dia mais tarde gastá-lo em algo Comportamento que quisesse, sem ter de pedir dinheiro aos meus pais. No meu ponto de vista, R Rui Rodrigues tenta ter sempre algum a poupança – ou ter algum dinheiro de dinheiro de parte para imprevistos parte – é essencial. Não só pelo facto de poder comprar algo mais tarde mas tam- POUPANÇA+ NET bém porque pode ser necessário para uma emergência\", refere a estudante. Porque o futuro tem muito de imprevisível, a Associação Equilibrar o orçamento semanal é Mutualista tem uma solução que uma das preocupações de Rui Rodri- recompensa quem faz planos. gues. O estudante de gestão do Institu- A Poupança+ Net está disponível to Politécnico de Bragança considera para todos os associados “bastante importante ter sempre algum Montepio e é uma forma simples dinheiro de lado para certas situações e cómoda de começar a poupar que podem ocorrer no dia a dia”. Ainda para os seus sonhos. Basta assim, para já prefere focar-se no pre- aceder a montepio.org, definir o sente, mas sempre de olho no futuro. montante a aplicar, preencher É assim também com Maria Claudi- os dados e realizar o pagamento no. “Sou uma pessoa que se preocupa através de referência bastante com o futuro. Espero, um dia, multibanco. O melhor? ter uma vida estável financeiramente e Esta solução tem valorização sem ter grandes preocupações”, adianta. garantida e crescente: as suas poupanças começam a valorizar “O dinheiro que Escolhas conscientes 0,95% (TANB) no primeiro e por vezes recebia Enquanto as gerações anteriores não cresce até aos 2,15% (TANB) era sempre posto estavam tão bem informadas ou prepa- no último ano do prazo. de lado para um radas para tomar decisões conscientes, O QUE PRECISA DE SABER dia mais tarde a geração Z opta pelos canais digitais e • Pode começar a poupar a gastá-lo em algo faz uma pesquisa criteriosa antes de es- que quisesse” colher um produto para comprar ou um partir de 150€ restaurante para ir jantar com os ami- • Valorização garantida e Maria Claudino gos. E o dinheiro não é tabu. “O tema é Estudante abordado quando vamos a um restau- crescente rante, café ou festa. Mesmo quando fa- • Prazo de 6 anos a viver em casa, costumo delinear um zemos uma viagem, optamos sempre • Subscrição através de orçamento mensal e, no final do mês, pela escolha com uma melhor relação apontar todas as despesas. Assim tenho preço-qualidade. Entre os meus ami- referência multibanco a noção de quanto gastei e no quê (ali- gos, nunca foi um problema dizer que mentação, viagens e entretenimento).” ‘naquela altura’ é complicado gastar Digitalize este Também Maria Claudino, de 19 anos e mais dinheiro e que preferimos esco- QR Code com no segundo ano de Ciências Farmacêu- lher um local mais em conta”, admite o seu telemóvel ticas da Universidade de Coimbra, argu- Joana Valente. menta que quanto mais cedo se come- çar a poupar, melhor. “Mesmo antes de “Há uma preocupação geral em gas- tar o mínimo possível. Na realidade, todos sabemos que tirar um curso su- perior requer um grande esforço dos pais a nível económico”, acrescenta Maria Claudino. Depois de uma gera- ção mais focada em si própria e nas suas necessidades, começa a emergir a geração digital, uma geração ligada à rede mas também à poupança. I N V E R N O 2 0 1 9 montepio

B A minha economia O dinheiro em papel vai desaparecer? 44 Comportamento \"Deixará de João César das Neves, ser o meio Economista e professor universitário preferencial de pagamentos\" \"É pouco provável que isso venha a acontecer\" EM PORTUGAL, a utilização A ideia de que o dinheiro em papel a dificuldade de falsificação e outras de dinheiro físico continuará vai desaparecer já é antiga mas, propriedades que o tornam uma a ser uma realidade como o teatro, correio, livros excelente moeda e que devem assegurar na próxima década. em papel e tantas outras realidades o seu futuro. Pelo contrário, os meios No entanto, deixará de arcaicas, é pouco provável que isso eletrónicos de pagamento, apesar ser o meio preferencial venha acontecer no futuro previsível. da sua enorme eficácia, permitem de pagamentos, sendo Aliás, a recente crise financeira global uma vigilância e manipulação que os relegado para segundo fez aumentar o uso de dinheiro em papel torna muito perigosos. Certamente os plano pelos meios para níveis nunca vistos. Há hoje mais governos vão tentar impor a extinção digitais. Por um lado, as dinheiro em papel do que alguma vez do papel (já houve várias tentativas) mas transações digitais são mais houve. Também os episódios de taxas os cidadãos devem resistir. convenientes do que andar de juro negativas mostraram o interesse O fascínio da geração Z pela tecnologia com dinheiro no bolso. da especificidade do dinheiro em papel: vai esbater-se quando a realidade Por outro, existem cada sempre garante uma rendibilidade nula. mostrar que muito do sonho vez mais soluções digitais: Além desse elemento financeiro, que maravilhoso é falso. Evidentemente wallets, P2P, pagamentos é decisivo, o papel tem caraterísticas que o uso do dinheiro eletrónico vai via social media ou contas como o anonimato, o uso universal aumentar, mas o futuro será muito mais 100% online. A possibilidade independente de tecnologia, equilibrado do que se diz. de autenticação via dados biométricos torna estas \"A carteira do futuro? O nosso alternativas mais seguras. smartphone\" Para as empresas os pagamentos eletrónicos Sara Midões Basta olhar para o presente A tendência é para crescer. são interessantes pois Head of para adivinhar o que lá vem. O consumidor quer, acima de facilitam a análise de dados e-commerce O e-commerce em Portugal já tudo, segurança e conveniência. de consumo, permitindo da Knot vale 9% do total das transações Soluções como o MBWay personalizar as ofertas. Para de bens físicos, a crescer a dois conjugam estes dois fatores o Estado, as transações dígitos ao ano, e ainda está e por isso o seu crescente digitais ajudam, também, longe da maturação. As marcas sucesso: basta um telemóvel e a combater a economia investem cada vez mais na um pin. E não se pense que a paralela. sofisticação da experiência de desmaterialização do dinheiro Assim, a adoção de meios compra digital e na integração é um exclusivo do e-commerce. de pagamento digitais será do online com as lojas físicas. Os consumidores exigirão a incentivada e continuará Por sua vez, o cliente quer adaptação dos tradicionais a crescer de forma interagir através de vários terminais de pagamento também acelerada. No entanto, pontos de contacto, online e nas lojas físicas. Enquanto o anonimato conferido offline. Além de digital, também não chegam as validações pelo dinheiro físico será o retalho é cada vez mais biométricas, que eventualmente sempre valorizado, o que, mobile, sendo que metade dos substituirão os códigos por SMS, por si só, justificará a sua e-shoppers prefere comprar usaremos o telefone para pagar. continuidade. através do telefone (browser O futuro – que já está aí - é, ou apps). sem dúvida, cashless. Marcos David Bendrao Manager, Digital Services, PwC Portugal montepio I N V E R N O 2 0 1 9

BA minha economia 45 Brexit Goodbye, UK O Reino Unido e a União Europeia têm um “desencontro” marcado para o dia 29 de março de 2019. Com as negociações ainda a decorrer, o Brexit parece inevitável. Especialistas, governos e cidadãos já fazem as contas às consequências. Texto ALEXANDRA PEREIRA 1. Turismo nário que muitos analistas admite que os dois milhões a redução das viagens de dizem ser altamente pro- de turistas britânicos que turismo dos britânicos pa- O turismo será uma das vável. Hotéis, restauran- viajaram para Portugal em ra Portugal parece inevitá- áreas mais impactadas pelo tes e mesmo as viagens de 2016 representaram 21% e vel. Os operadores de turis- Brexit. Há riscos, mas tam- avião ficariam, neste cená- 28% do total de hóspedes e mo daquele país, aliás, já bém oportunidades. Visitar rio, mais baratos. dormidas, respetivamente. deram conta de algum im- o Reino Unido pode mes- Há um reverso da medalha. O elevado poder de compra passe na marcação de via- mo ficar mais barato caso Um estudo encomendado destes viajantes tem sido gens, uma vez que os ingle- a libra continue a desvalori- pela CIP (Confederação muito importante para a ses aguardam os impactos zar (o que tem vindo a acon- Empresarial de Portugal) economia nacional, mas do Brexit na libra. tecer desde 2016), um ce- I N V E R N O 2 0 1 9 montepio

B A minha economia voltam a pagar roaming, (Área Única de Pagamen- bem como os cidadãos co- tos em Euros), um espaço 46 Brexit munitários que se deslo- geográfico que facilita o quem a Inglaterra. A deci- pagamento em euros e em são final, caso não haja um condições idênticas, elimi- acordo, é das operadoras de nando as diferenças entre telecomunicações. operações domésticas e 2 milhões 2. Roaming 3. Bancos transfronteiriças. Este es- quema já abrange vários de turistas Desde 2017 que, com o Uma das maiores incógni- países fora da UE, por isso britânicos fim das taxas de roaming, tas do Brexit é o impacto é provável que o Reino Uni- chegaram os preços das comunica- na área dos serviços finan- do se mantenha um mem- a Portugal ções móveis na União Eu- ceiros. Com os acordos de bro mesmo que o divórcio em 2016, ropeia são iguais aos cobra- manutenção ou saída do seja total. A manutenção representando dos nos países de origem Espaço Económico Euro- no SEPA é importante, por 21% dos de quem viaja. Mas a situa- peu ainda longe de serem exemplo, para se ter aces- hóspedes e 28% ção vai mudar depois de 31 um consenso, muitos so às transferências ban- das dormidas de dezembro de 2020, data bancos já retiraram ativos cárias imediatas. Opera- prevista para terminar o pe- e operações de Londres. ções como depósitos ou levantamento de dinheiro ríodo de transição do Bre- Caso haja um acordo mais também podem ficar mais xit. A não ser que haja algu- soft, o enquadramento jurí- caras entre os bancos in- ma alteração nos próximos dico que existe atualmente gleses e as instituições co- dois anos, os ingleses que na Europa permite a ma- munitárias devido a taxas visitem a União Europeia nutenção do país no SEPA mais elevadas. Principais grupos de serviços de exportação portuguesa para o Reino Unido Fonte: EY-AM&A com base em dados do Eurostat (extração a 23-02-2018) Grupo Exportações Taxa média Peso do Reino Unido de serviços (milhões de crescimento anual nas exportações euros, 2016) totais intra UE (em %, 2010-2016) (em %, 2016) Viagens 2 267 8,60% 22,60% e Turismo Transportes 887 9,80% 22,90% 366 5,30% 14,40% Outros serviços 218 13,70% 23,10% fornecidos 90 7,30% 41,10% 90 3,40% 35,30% por empresas Serviços de telecomunicações, informáticos e de informação Serviços financeiros Serviços pessoais, culturais e recreativos montepio I N V E R N O 2 0 1 9

4. Importações/ exportações As relações comerciais 26% com o Reino Unido nun- ca mais serão as mesmas. de redução potencial Segundo o estudo da CIP, das vendas globais entre as áreas portuguesas de bens portugueses mais afetadas pelas expor- para o Reino Unido tações encontram-se o se- tor automóvel, produtos Os preços terão, assim, ten- peso das compras através 6. Deslocações informáticos, eletrónicos dência a subir e os produtos da Internet nas transações e óticos e o equipamento importados do Reino Unido, feitas pelos portugueses. Com o Brexit, as desloca- elétrico. Este relatório dá como por exemplo o taba- Os e-buyers podem ver ções de e para o Reino Uni- conta de uma redução po- co, podem ficar mais caros. alguns preços descerem do tornar-se-ão mais com- tencial das vendas globais por força da desvaloriza- plicadas. A reintrodução de para o Reino Unido entre 5. Compras ção da libra, mas os direi- fronteiras implica que os os 15 e os 26%, dependen- online tos aduaneiros acrescidos cidadãos passarão mais do da relação comercial de impostos a encomen- tempo em deslocações. estabelecida entre o país e O setor das compras on- das vindas das ilhas britâ- As transportadoras, de mer- o bloco europeu. Paralela- line tem crescido muito nicas nem sempre serão cadorias e passageiros, po- mente, os fluxos de inves- nos últimos anos em to- mais favoráveis para os dem sofrer impactos nega- timento estrangeiro direto do o mundo. Portugal está consumidores. Interessa, tivos à entrada e saída do com origem no Reino Uni- ainda um pouco atrasado, por isso, analisar o pre- canal da Mancha. Segundo do podem cair entre 0,5% mas um estudo dos CTT ço final da compra – com a Bloomberg, o governo bri- e 1,9%. As importações tam- contabiliza em mais de a entrega incluída – antes tânico está em negociações bém ficam em causa. Um 4 mil milhões de euros o de efetuar a transação. com a Bélgica para facilitar relatório da Direção-Geral a criação de um corredor das Atividades Económi- marítimo com ferries que cas (DGAE) de 2017 colo- transportem camiões para cava o Reino Unido no 8.º as ilhas britânicas. Mas pa- lugar entre os fornecedo- ra as empresas da área da res de Portugal, com se- logística esta será uma dor tores como os químicos e de cabeça acrescida, numa automóvel entre os mais altura em que os clientes importantes. Caso o acor- querem produtos cada vez do seja mais radical, dei- mais baratos e com entre- xaria de se aplicar a Pauta gas rápidas. Aduaneira Comum da UE às trocas comerciais, o que pode implicar mais taxas e controlos aduaneiros. Universitários mantêm benefícios (para já) Os estudantes europeus, incluindo os portugueses, vão continuar a ter as mesmas condições de acesso às universidades britânicas depois do Brexit. O ministro da Educação britânico, Damien Hinds, garantiu que os candidatos aos cursos que comecem em setembro de 2019 poderão aceder aos empréstimos que pagam as propinas naquele país, num total de 9 250 libras (cerca de 10 387 euros). Estes benefícios têm sido concedidos aos cidadãos dos 27 países da União Europeia que, assim, têm acesso a licenciaturas e mestrados em condições iguais às de que usufruem os cidadão britânicos. Estas bolsas cobrem 100% das propinas, sendo que os estudantes extracomunitários chegam a pagar 35 mil libras (quase 40 mil euros). No entanto, o prolongamento destes benefícios no futuro ainda é uma incógnita. I N V E R N O 2 0 1 9 montepio

48 Experiências gourmet O que nos une como povo? A cultura, a língua mas também o convívio e a gastronomia. Ao longo do ano, as Experiências Montepio desafiam os amantes da culinária, e da boa vida, a refinarem o palato: o Comboio Presidencial, a descoberta dos segredos da serra da Gardunha ou a masterclass com a Tia Cátia são alguns exemplos. Saiba o que motiva os associados Montepio a participarem nestes convívios. Texto SARA BATISTA

CAs nossas experiências 49 Boa vida As nossas VIAGEM GASTRONÓMICA experiências Desde A Máquina do Tempo, de H. G. FOTO: LUÍS NIZA Wells, a Tardis, de Doctor Who, ou até ao DeLorean de Regresso ao Futuro, a hipótese de viajar no tempo há muito que apaixona o Homem. Embora, até à data, não seja mais do que ficção cientí- fica, a sua possibilidade continua a des- pertar os mais curiosos. Restam-nos, assim, as viagens pela história, de que é exemplo o Comboio Presidencial, que em outubro levou os associados Monte- pio a regressarem ao século xix. Construído em 1890, este veículo serviu a corte do rei D. Luís I enquan- to “Comboio Real” e recebeu convida- dos de honra como a rainha Isabel II e o Papa Paulo VI. No início do século foi re- batizado como “Comboio Presidencial”, tendo transportado os chefes de Estado portugueses até 1970, altura em que foi retirado de circulação. Resgatado do passado, o comboio es- tá de novo em movimento para propor- cionar autênticas viagens ao mundo dos sentidos através das experiências gour- met preparadas pelos chefs convidados. “Adoro comboios e já tinha comentado com o meu marido que gostava de fa- zer esta viagem”, explica a Associada Sónia Silva, uma das participantes na Experiência Montepio. O seu pedido foi uma ordem. “Ele fez-me uma surpre- sa e organizou tudo com a Associação.” Um fim de semana de romance para “comemorar um dia diferente”, explica. Entrar no Comboio Presidencial é transpor uma cápsula do tempo, na qual se viaja através da história numa atmosfera de luxo e conforto. O embar- que para esta experiência única deu-se na icónica Estação de São Bento, no Por- to, onde os associados se reuniram para iniciarem um passeio de outros tempos. “A experiência foi espetacular, foi tudo I N V E R N O 2 0 1 9 montepio

C As nossas experiências 50 Boa vida S Sónia Silva cumpriu o desejo de uma vida com a sua Associação: viajar no Comboio Presidencial “Adoro comboios e já tinha comentado com o meu marido que gostava de fazer esta viagem” Sónia Silva Associada maravilhoso”, conta com entusiasmo FOTOS: LUÍS NIZA Sónia Silva. Enquanto percorriam a linha do Douro, os associados desfru- “É uma experiência que qualquer V Durante o percurso, taram de uma refeição gourmet da au- pessoa devia viver antes de morrer”, os viajantes são toria do chef João Oliveira. “A refeição realça. Uma experiência que ultra- brindados com foi ótima e os vinhos escolhidos pa- passa as fronteiras dos amantes de ra acompanhar eram maravilhosos.” comboios. E para quem ficou com perspetivas únicas do Mas a viagem pelos sentidos não ficou vontade de conhecer as carruagens território português por aqui. Com paragem na magnífica que transportaram ilustres figuras Quinta do Vesúvio, em Vila Nova de da história de Portugal, não desa- V O requinte Presidencial Foz Côa, habitualmente fechada ao nime. A viagem repete-se no pró- é transposto para os público, proporcionou-se o raro pri- ximo verão com a sua Associação. vilégio de caminhar pelo terreno des- Pronto para o embarque? pratos confecionados ta propriedade centenária, adquiri- pelos melhores chefs da em 1989 pela família Symington, produtora de Vinho do Porto desde do mundo 1882. Lá chegados, os associados fo- ram desafiados a provar o néctar dos deuses diretamente das barricas. “São aquelas experiências únicas que vivemos.” De regresso à cidade Invicta, os participantes foram brindados com música ao vivo na carruagem do bar e uma série de ofertas, como Vinho do Porto e “outros produtos requintados”, conta a Associada. montepio I N V E R N O 2 0 1 9


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