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Anais do IHMT

Published by isa.alves, 2015-11-04 11:25:29

Description: Anais do IHMT, Edição Comemorativa do 2º Congresso Nacional de Medicina Tropical, 2013

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ISSN 0303-7762 Anais2º Congresso Nacional de Medicina Tropical UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA INSTITUTO DE HIGIENE E MEDICINA TROPICAL Vol. 12, 2013, 1-112; ISSN 0303-7762



ISSN 0303-7762 Anais2º Congresso Nacional de Medicina Tropical UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA INSTITUTO DE HIGIENE E MEDICINA TROPICAL Vol. 12, 2013, 1-112; ISSN 0303-7762

Ficha técnicaAnais do Instituto de Higiene e Medicina Tropical2º Congresso Nacional de MedicinaTropicalCoordenaçãoBiblioteca do Instituto de Higiene e Medicina TropicalGabinete dos AnaisDesign Gráfico e paginação2aocubo.ptEdiçãoTiragem: 150 exemplaresISSN 0303 - 7762(C) UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOAInstituto de Higiene e Medicina TropicalRua da Junqueira, nº 1001349-008 Lisboa - PORTUGAL+351213 652 600 (geral)+351 213 632 105E-mail: [email protected]ágina web: www.ihmt.unl.ptComposiçao e impressão-serviços gráficosGráfica99Rua da Academia das Ciências, 7 - Anexo1200-003 Lisboa - PORTUGAL+351 213 472 153+351 213 429 137DistribuiçãoInstituto de Higiene e Medicina TropicalRua Junqueira, nº 1001349-008 Lisboa - PORTUGAL

Sumário Sessão Solene4 - Mensagem de abertura do 2º Congresso Nacional de MedicinaTropical Paulo Ferrinho7 - Saudação da Fiocruz NísiaTrindade Lima9 - Como superar as novas doenças tropicais? Carlos H. N. Costa Editorial11 - A lusofonia e a irmandade dos povos na língua CláudioTadeu Daniel-Ribeiro Artigos Originais13 - Contribuições para a História da MedicinaTropical nos séculos XIX e XX: um olhar retrospectivo Isabel Amaral, Maria Paula Diogo, Jaime Larry Benchimol e Magali Romero Sá29 - A Missão do Sono entre a História e a AntropologiaVisual Luis Manuel Neves Costa41 - Análise genética de estirpes de Schistosoma mansoni sensíveis e resistentes a praziquantel por rapd-pcr Tiago Mendes, Manuela Calado, Isabel Clemente, Silvana Belo eAnaAfonso46 - Uma nova ameaça à nossa porta: consequências da dispersão do vírus da dengue num mundo em constante mudança Ricardo Manuel Soares Parreira, Jorge Luís Marques da Silva deAtouguia e CarlaAlexandra Sousa52 - Alimentação artificial de Rhipicephalus microplus: avaliação do efeito de anticorpos policlonais Sandra Antunes, Joana Lérias, Octávio Merino,Virgílio do Rosário, José de la Fuente eAna Domingos60 - Plantas medicinais tropicais e mediterrânicas com propriedades biocidas para o controlo de insetos vetores Diara Kady Rocha, Olívia Cruz de Matos, Cristina Moiteiro, Marilene Djata Cabral e MariaTeresa Novo66 - Das Américas para o mundo: o desafio da globalização da doença de Chagas Ana Rita Ferrão, Marcelo Sousa Silva, JorgeAtouguia e Jorge Seixas71 - Emergências médicas em Medicina doViajante Nuno Marques, Cândida Abreu, João Costa Ribeiro, Jorge Seixas e JorgeAtouguia76 - Da gestão estratégica do sistema de saúde português à avaliação do seu desempenho – um percurso em construção Paulo Ferrinho, Jorge Simões, José Pereira Miguel,André Beja, Maria Cortes e Zulmira Hartz Mesas Redondas-Cooperação Internacional88 - Os mercados da saúde e sua regulação em África: reflexões do 2º Congresso Nacional de MedicinaTropical, Lisboa 2013 Giuliano Russo91 - Segurança alimentar e nutrição infantil: reflexões do 2º Congresso Nacional de MedicinaTropical, Lisboa 2013 Sónia Centeno Lima, Luís Pereira da Silva e Manuel Correia A Comunicação e os Media94 - Como colocar as doenças tropicais na agenda mediática Isa Alves V Mostra Museológica do IHMT99 - O 1º Congresso Nacional de MedicinaTropical (Lisboa, 1952) e a “Missão Civilizadora” de Portugal no Mundo Isabel Amaral, Luís Costa, João Duarte, José Luís Doria e Rita Lobo Normas de publicação111 - Informações aos autores

Sessão SoleneMensagem de aberturado 2º Congresso Nacional de MedicinaTropicalPaulo FerrinhoDiretor do Instituto de Higiene e Medicina TropicalSenhoras e senhores 110 anos do Instituto de Higiene e Medicina Tropical.A todos as boas vindas a esta Sessão Solene de Abertura do 2º Inicialmente com um estatuto colonial, a medicina tropicalCongresso Nacional de Medicina Tropical. tem vindo a assumir cada vez mais uma dimensão global. Empurradas no século XX para as regiões limitadas pelosSenhor Presidente do Conselho Geral da Universi- Trópicos de Capricórnio e de Câncer, as doenças chamadasdade Nova de Lisboa, Professor Doutor Eduardo de de tropicais têm vindo a reconquistar cada vez mais espaçoArantes e Oliveira e membros do seu Conselho em áreas anteriormente consideradas livres destes flagelos.Senhor Vice-Reitor, Professor Doutor Miguel Cor- Esta evolução está associada às alterações climáticas, à mobi-reia em representação do Magnífico Reitor, Profes- lidade populacional mas, acima de tudo, à pobreza.sor Doutor António Rendas e distintos membros da Pelo seu mandato, o Instituto organiza este 2º Congresso naequipa reitoral expetativa de que se discuta o que de melhor se faz em Por-Senhor Professor Doutor João Pereira e outros diri- tugal, nos países lusófonos e pelos nossos parceiros científi-gentes das Unidades Orgânicas da Nova cos, em relação aos temas identificados para debate.Agradeço a vossa presença que aproveito para reiterar que A vossa presença ilustre, como instituições ativas na investi-o projeto Científico do IHMT é o projeto da Nova, da nos- gação dos problemas que afligem os trópicos ou como movi-sa Universidade, que tem assumido contornos estratégicos mentos associativos de quem o faz, dão nobreza e relevânciabem definidos sob a liderança do nosso Reitor, a quem saúdo a este Congresso.igualmente como tendo sido o primeiro Diretor que assumiu Endereçamos uma palavra amiga e solidária à Fundaçãoo IHMT como um projeto Académico, faz este ano 30 anos. Oswaldo Cruz. De pequenos passos de investigadores que se foram juntando para o aprofundamento de temas comuns,Aos distintos membros desta mesa de abertura ende- nasceu uma relação forte, estável, institucional, que tornareço os meus agradecimentos pela vossa presença a Fiocruz no principal parceiro científico do IHMT, numaSe há uma palavra que vos une a todos é a palavra Tropical. perspetiva cada vez mais multilateral, inicialmente sob a li-E com este 2º Congresso Nacional de Medicina Tropical, derança do Professor Paulo Buss e, mais recentemente, dopretendemos contribuir para o reforço da medicina tropical Professor Doutor Paulo Gadelha, aqui representado pela suacomo tema científico e área de ação profissional, de inter- Vice-Presidente, Professora Doutora Nísia Lima. Peço-lhevenção pedagógica e de esclarecimento da opinião pública. que transmita ao seu Presidente os nossos mais calorososO primeiro Congresso reuniu-se em Lisboa de 24 a 29 de cumprimentos académicos.Abril de 1952, ao mesmo tempo que se comemorava o cin- Com o Instituto de Investigação Científica Tropical, que co-quentenário do então chamado Instituto de Medicina Tropi- memora os seus 130 anos neste mesmo mês de Abril, esta-cal. Este segundo congresso encerra as comemorações dos mos a redescobrir o que nos une, a testar até onde podemos ir em parceria. Agradeço ao Professor Doutor Jorge Braga de Macedo pela sua visão, que o tornou no principal obreiro desta reaproximação. A Drª Inger Scheel traz até nós a Federação Europeia das Sociedades de Medicina Tropical a que retornámos no ano 4

Anais do IHMTpassado. O número crescente de sociedades aderentes à Fe- Aos docentes, investigadores, alunos e demais cola-deração transmite confiança que a medicina tropical como boradores do IHMTárea de atividade científica tem na Europa uma dinâmica Agradeço-vos pelo vosso empenho e tenho a certeza queprópria dos grandes desafios científicos e sociais. se juntam a mim a saudar as muitas entidades hoje aquiOs Professores Doutores Carlos Costa eTéophile Josenando presentes.representam a mais antiga e a mais recente Sociedade de Me- Sem elas os nossos recursos seriam insuficientes e o nossodicina Tropical lusófonas: a Brasileira e a Angolana. Ambas alcance seria limitado. Com elas foi-nos possível organizartêm acarinhado as parcerias científicas que se têm vindo a este Congresso Nacional que é a afirmação de uma Missãoestabelecer entre os nossos países e a encorajar o fortale- institucional que nos coloca em toda a lusofonia, em todoscimento da medicina tropical como especialidade médica. os Continentes.Em Portugal, a chama da medicina tropical tem sido mantida O Corpo Diplomático tem sido uma fonte constante denão só pelo IHMT mas também pelo Colégio da Especiali- encorajamento das parcerias exigidas pelas nossas ativida-dade de Medicina Tropical na Ordem dos Médicos e, mais des. Daí o deixar-lhes um cumprimento de especial agra-recentemente, pela Associação para o Desenvolvimento da decimento.Medicina Tropical. Temos connosco dirigentes académicos de todos os paísesNo Colégio da Especialidade, a minha especialidade, o Pro- lusófonos, em particular do Centro de Educação Médica defessor Doutor José Lopes Martins tem sido a força que man- Luanda e de 6 faculdades de medicina de Angola e Moçam-tém viva e renascida a medicina tropical como especialidade bique: uma delas, em Maputo, com fortes laços ao IHMT,médica, sempre numa parceria franca e amiga com o nosso comemora este ano o seu cinquentenário. Para ela os nossosInstituto. parabéns.A Associação para o Desenvolvimento da Medicina Tropical Estão connosco também os dirigentes de todos os Institutosfoi criada por um grupo de Professores do IHMT, liderados Nacionais de Saúde Publica dos estados membros da CPLP.pelo nosso Diretor de então Professor Doutor Jorge Torgal. A rede de Institutos, no âmbito do Plano Estratégico de Co-Mais recentemente, sob a liderança da Professora Doutora operação em Saúde da CPLP, tem o potencial para se tornarZulmira Hartz, assumiu o seu lugar na sociedade portuguesa um elemento estruturante da cooperação multilateral entree nas federações europeias e internacionais, como sociedade os nossos países. A presença dos seus dirigentes é uma indi-científica de medicina tropical e principal promotora do nos- cação da sua vontade que tal aconteça.so museu de medicina tropical. Sem o Serviço Nacional de Saúde português, aqui repre- sentado pelo Diretor Geral de Saúde, Professor Fran-Doutor Luís Sambo, foi há menos de 6 meses que a comu- cisco George, por dirigentes do Instituto Nacional denidade da Universidade Nova de Lisboa se reuniu, em sessão Saúde e de hospitais do SNS que nos patrocinam, como ospública, para o acolher como Doutor Honoris Causa, por Centros Hospitalares de Lisboa Central e Norte, semproposta do Instituto de Higiene e Medicina Tropical. o apoio deste SNS dizia eu, a nossa capacidade de interven-O seu percurso como cidadão, como médico, como político, ção estaria muito diminuída. Agradeço-vos a cumplicidadecomo investigador e como dirigente da Organização Mun- amiga.dial da Saúde tem tocado diretamente a vida de milhões de À Drª Paula Barros peço que transmita à Presidente, Pro-pessoas. Honra-nos a sua presença para nos explicar o seu fessora Doutora Ana Paula Laborinho que aqui representa,trabalho em África e nos identificar os caminhos que pode- que partilhamos com Camões Instituto da Cooperaçãomos trilhar para partilhar dos seus esforços. e da Língua, a defesa da língua Portuguesa como instru- mento de trabalho e como um importante alicerce da nossaSenhor Presidente do Conselho do Instituto de Hi- internacionalização.giene e Medicina Tropical, Embaixador António Contamos neste Congresso com a presença de palestrantesDias e outros membros do Conselho, de pelo menos 20 nacionalidades. Ao adotar como língua deSenhora Presidente do Conselho Consultivo do trabalho a língua portuguesa, este Congresso é uma reafir-IHMT, Drª Maria de Belém Roseira e membros do mação da nossa Língua como instrumentos válido de comu-Conselho Consultivo, nicação científica.Professores Doutores Luís Ferraz de Oliveira e Jorge Comunicação essa que tem com um dos seus mais distin-Torgal, meus antecessores na Direção do Instituto, tos representantes um clínico que, faz 450 anos em Abril deEstimados membros do Grupo Técnico de Apoio ao 2013, publicou em língua portuguesa os inovadores ColóquiosGabinete de Cooperação e Relações Externas, dos Simples e Drogas da Índia. Refiro-me a Garcia da Orta, queÀ Curadoria do nosso Museu, nos une a Castelo de Vide que, pela sua Camara Municipal, tem mantido connosco uma colaboração franca e amigo. Temos ainda que reconhecer o apoio e a amizade da Fun- 5

Sessão Solenedação para a Ciência e Tecnologia, das Fundações a impactos bibliométricos, mas na sociedade.A inovação nãoCalouste Gulbenkian, Oriente e Friedrich Ebert se mede por mais conhecimento refletido em publicaçõese das empresas que desde sempre nos apoiam: Pfizer, científicas de grande impacto. Mede-se, acima de tudo, peloMerckSharp&Dhome, GlaxoSmith and Kline, Sanofi, De- impacto desse conhecimento no progresso das sociedades efiante, Novartis, FHC Farmacêutica, Standard Diagnostics, na qualidade de vida de todas as pessoas, traduzindo um im-Holley-Cotec e Quinta de Cabriz . perativo de equidade.Todos nos honram com o vosso apoio e presença. Queremos, não só, como diz o nosso lema, “mais saúde nos Trópicos”, mas também mais prosperidade e equidade. OEstimados participantes Instituto deve contribuir para essa agenda e pedimos-vos,O Instituto de Higiene e Medicina Tropical é uma Institui- como cientistas, professores, cidadãos, políticos, empresá-ção centenária, impar na academia portuguesa.Vocacionado rios, administradores e profissionais de saúde que nos aju-inicialmente para o estudo, ensino e clínica das doenças tro- dem a encontrar esse caminho como garante da nossa per-picais, evoluiu recentemente para uma abordagem integrada manente relevância.que vai desde o nível molecular aos sistemas globais de saú-de, adotando, sem abandonar a sua vocação tropical, um for- Quero terminar com uma palavra aos nossos ex-te empenho na resolução de problemas de saúde que, em to- -alunos e relembrando um dos nossos mais ilustres,dos os continentes, afligem os mais pobres e os excluídos. que faleceu há alguns dias: Carlos Graça, de SãoNo seu ciclo colonial de 72 anos, o Instituto e os seus pro- Tomé e Príncipe.fissionais estiveram na linha da frente da investigação das Em 1996, depois de ter servido o seu país como co-Fun-grandes endemias tropicais, abrangendo a doença do sono, dador do Movimento de Libertação de STP, e como depu-o paludismo, a bilharziose, as leishmanioses, estudos sobre tado, ministro da saúde e dos assuntos sociais, ministro davetores e outras doenças endémicas nos trópicos, como as informação, ministro dos desportos, ministro dos negóciosavitaminoses e a peste. Estas linhas de trabalho continuam estrangeiros e primeiro-ministro, exila-se em Lisboa. Nasatuais, reforçadas por linhas de investigação sobre tuberculo- suas próprias palavras “os quatro anos de autoexílio não fo-se, diversas viroses mais prevalentes nos trópicos, saúde dos ram só de ócio: aproveitei para testar o meu vigor memori-viajantes e de populações migrantes e sistemas de serviços zante e efetuei uma pós-graduação em Saúde Internacional.de saúde, frequentemente no âmbito de redes e projetos em Consolou-me o fato de rivalizar com médicos mais jovens,parceria, que reforçam a nossa cariz internacional. nomeadamente no módulo “Saúde Comunitária e Desenvol-A orientação para o reforço de sistemas de saúde, através vimento” em que, com 18 valores, fui o melhor, fazendo-medo seu trabalho de assessoria técnica a Ministérios da Saú- lembrar (aos 67 anos) o meu exame de física médica no 1ºde, em Portugal e outros países, inclusive Cabo Verde, que ano de medicina (aos 19 anos …) em que obtive a mesmasaúdo na pessoa do seu Diretor Nacional, Dr António Pedro nota”. Ao reler ontem esta referência ao IHMT na sua au-Delgado, foi reconhecida pela OMS, quando nos atribuiu em tobiografia de 2011, senti-me sancionado na nossa decisãoNovembro de 2011, o estatuto de Centro Colaborador para de, durante este primeiro dia do Congresso, estrearmos aPolíticas e Planeamento da Força de Trabalho em Saúde. Associação de Ex-alunos do IHMT. Convido-vos a participarUma Missão tão abrangente e ambiciosa como a nossa requer nessa inauguração.uma grande sensibilidade e abertura aos ventos que vão so- Dedico este congresso a todos os nossos ex-alunos que,prando na sociedade. como Carlos Graça, conseguem sonhar e continuam a lutarSão iniciativas como este Congresso que nos ajudam a reno- por um mundo melhor para todos. Essa é também a nossavar a nossa agenda, a amplificar a nossa capacidade de refle- luta: a ciência é a nossa arma.xão sobre o que fazemos, como fazemos, com quem fazemos Bons trabalhose com que impacto. E quando falo de impacto não me refiro 6

Sessão Solene Anais do IHMTSaudação da FiocruzNísia Trindade LimaVice-Presidente da Fundação Oswaldo CruzTrago uma saudação especial de Paulo Gadelha, presidente É o que vemos nos Anais da Edição Comemorativa dos 110da Fiocruz.Agradecemos muitíssimo pela honra de estarmos anos do IHMT e nos diferentes temas que estruturam esteaqui representados como instituição partícipe de um con- evento: trópicos e medicina; conceitos e história; doenças dagresso com a expressão científica deste evento. Desneces- pobreza, negligenciadas e emergentes; vetores e hospedeirossário acentuar a sua relevância para a cooperação entre ins- intermediários; saúde dos viajantes e migrantes; atores e ins-tituições e pesquisadores de diferentes países, dedicados às tituições de saúde e ensino e demais atividades pedagógicas.ciências biomédicas e à saúde pública, à medicina tropical e Ressalta-se, em linhas gerais, a importância da categoria tró-a discutir e criar novos entendimentos para a saúde global. pico nas nações de colonização europeia e portuguesa, emMuitos são os laços de cooperação existentes entre nossas particular na África, na Ásia e na América.instituições e esperamos que sejam cada vez mais estreitos Este foi o tópico abordado no curso organizado por Isabel– nos campos do ensino, da pesquisa e da difusão científica Amaral e que contou com as presenças de Maria Paula Dio-e na abordagem das políticas públicas em saúde. Uma di- go da Universidade Nova de Lisboa e de meus colegas deferença de dois anos separa a criação da Fiocruz do IHMT, instituição e também de grupo de pesquisa – Magali Rome-nossa instituição anfitriã, que em 2012 completou 110 anos. ro Sá e Jaime Benchimol. Um dos temas centrais consistiuCriadas nos anos iniciais do século XX, elas expressam em nas expedições científicas e sua importância na tradição dasuas trajetórias muito da história das ciências biomédicas e medicina tropical. Historiografia recente vem acentuandoda saúde pública em seus países. Em ambas a medicina tro- inclusive a importância desse campo de estudos para a aná-pical assumiu papel de relevo na discussão sobre as políticas lise das relações entre os impérios e as colônias, as imagenspúblicas em saúde e nas bases científicas para sua concepção e preconceitos sobre os trópicos, caracterizando um campoe implementação. Comemorar, como sabemos significa lem- de conhecimentos e práticas na qual se torna difícil dissociarbrar juntos e é uma via de aproximação entre memória e ciência e política.história. No caso do Brasil, conforme demonstraram estudos de Si-Falar sobre a história da medicina tropical é também falar em mone Kropf2, o desenvolvimento da medicina tropical teveum sentido bem amplo sobre a história de nossos países. A um incremento notável a partir das viagens científicas do Ins-amplitude de temas e perspectivas pode ser entendida como tituto Oswaldo Cruz e, em particular, daquela na qual ocor-decorrência de afinidade eletiva entre conhecimento pró- reu a descoberta da doença de Chagas. A medicina tropicalprio à medicina tropical e correntes de pensamento político esteve associada não a um projeto colonial ou imperialista,e social. A busca de conhecimentos advindos da geografia, mas à fronteira interna, aos esforços de modernização e deda cultura e da história, fundamentais para a compreensão construção de um projeto nacional, no qual os conhecimen-da incidência de determinadas doenças e sua distribuiçãono tempo e no espaço, favoreceram perspectiva mais ampla 1 Para uma discussão mais ampla sobre o tema ver Lima, Nísia Trindade. Um sertãosobre as populações com que os médicos, investigadores e chamado Brasil. São Paulo, Editora Hucitec, 2 edição revista e ampliada, 2013 eadministradores estabeleceram contato, muitas vezes como Uma brasiliana médica: o Brasil Central na expedição científica de Arthur Neivaefeito não antecipado de suas atividades.1 e Belisário Penna e na viagem ao Tocantins de Julio Paternostro. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, 16 (supl.1): 229-248, 2009. 2 KROPF, Simone Petraglia. Doença de Chagas, doença do Brasil: ciência, saúde e nação, 1909-1962. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009a. E ainda Carlos Chagas e os debates e controvérsias sobre a doença do Brasil (1909-1923). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, 16 (Suplemento 01): 205-227, 2009b. 7

Sessão Solenetos científicos e, em particular os referidos à saúde pública, Ainda que este fórum se apresente como um congresso na-desempenharam importante papel. Tal projeto pressupôs cional, em uma alusão ao 2 Congresso Nacional de Medicinaa aliança entre o laboratório e o trabalho de campo; o Tropical, realizado em 1952, ele é de fato um Congressoencontro da microbiologia com o estudo in loco dos ve- Internacional, basta que vejamos seus convidados de diferen-tores de doenças que passavam a ser designadas doenças tes países aqui presentes e os temas deste congresso revelamtropicais. a dimensão internacional idealizada por seus organizadores,Como um dos resultados da grande angular utilizada nas mas sobretudo a perspectiva internacional, ou como temospesquisas de medicina tropical, temos o inventário rea- nos referido da saúde global.lizado pelas expedições científicas, não apenas das con- Assim, ao lado da troca de investigações e achados favoreci-dições sanitárias em sentido estrito, mas das relações de dos por eventos desta qualidade, gostaria de saudar as pos-trabalho, das condições de vida e das relações de poder. sibilidades de cooperação e de estabelecimento de agendasNo Brasil o termo trópico foi de uso corrente na medi- compartilhadas. Este ano de 2013 que marca o final das co-cina, de que é exemplar a Escola Tropicalista Bahia, refe- memorações dos 110 anos do IHMT e os 113 anos da Fun-rência pela qual ficou conhecida importante corrente de dação Oswaldo Cruz, será no Brasil o momento de refle-pensamento médico surgida na Bahia, em fins do século xão e debate sobre os 25 anos do Sistema Único de Saúde,XIX. Esteve também em foco no campo cultural, como se instituído pela Constituição que estabeleceu as bases para apode constatar no modernismo brasileiro, na sociologia redemocratização do país. Pretendemos que seja um ano dede Gilberto Freyre e no movimento tropicalista na música proposição de pesquisas e agendas públicas em torno da ci-popular brasileira. O que vemos no Brasil, guardadas as ência, tecnologia, saúde, justiça e equidade, uma agenda na-diferenças, pode ser estendido a vários outros países e, turalmente não restrita à sociedade brasileira. Este é, a nossoem particular, os de língua portuguesa em África, confor- ver, um debate de caráter global para o qual convidamos ame podemos ter uma pequena mostra ao vermos a exposi- todos os presentes.ção do acervo do IHMT: um acervo que não se restringe à Creio ser este convite a melhor saudação de abertura ahistória da medicina e da saúde pública, mas é um acervo todos os que se dedicam à pesquisa em medicina tropi-de história social, em particular sobre a África de coloni- cal.zação portuguesa. 8

Sessão Solene Anais do IHMTComo superar as novas doenças tropicais?Carlos H. N. CostaUniversidade Federal do PiauíEx-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina TropicalAs doenças tropicais têm sido tradicionalmente identifica- rurais enquanto novos problemas surgiam nas cidades dosdas como doenças exóticas, rurais. As doenças parasitárias trópicos. As vacinas constituíram-se no ganho científicoe as doenças transmitidas por vetores nos trópicos fazem de mais dramático efeito, como foi o caso da interrupçãoparte deste imaginário, delineado pelos britânicos na vira- da transmissão da varíola e da poliomielite e a vacina parada do século XIX para o século XX, no auge do colonialis- febre amarela. A agricultura extensiva para plantios co-mo. O fato determinante foi a criação da London School merciais também reduziu a transmissão de várias doençasof Tropical Medicine por Patrick Manson. A partir deste parasitárias, como a doença de Chagas e a malária, ao re-momento, numerosos institutos foram criados entre os co- alizar modificações das paisagens naturais, que levaram aolonizadores, entre eles, em Portugal, a Escola de Medicina desaparecimento dos ecótopos naturais de vários agentesTropical, que deu origem ao Instituto de Medicina Tropical e vetores. Talvez a mais dramática mudança nos trópicos,de Lisboa. A essência da Medicina Tropical era o domínio mesmo maior que o fim da colonização e do apartheid dedos trópicos, seja através da proteção à saúde dos colonos raças ou castas, tenha sido a diáspora do campo para as ci-e das tropas de ocupação. Nestas circunstâncias, as grandes dades. Este fenômeno mundial, mais acelerado na Américae decisivas descobertas foram e têm sido feitas pelas na- Latina, a ponto de apenas 15% de sua população ainda viverções desenvolvidas, ex-colonizadoras, embora importantes no campo, foi disparado por dois fenômenos: o mais fácildescobertas tenham também sido feitas por cientistas dos acesso a bens como a assistência à saúde e às oportunidadespaíses tropicais. de educação e trabalho nas cidades, e, principalmente, aoDoenças como a malária, a doença do sono, a febre ama- prejuízo da agricultura familiar iniciado pelo baixos preçosrela, a esquistossomose e outras verminoses tornaram-se dos produtos alimentares gerados pela revolução verde,o paradigma. A elas, agregaram-se doenças não infecciosas mais precoce nos países ricos, e ao forte subsídio à agricul-como a desnutrição e os acidentes ofídicos. As origens co- tura nestes países.muns a estas doenças podem ser resumidas na palavra “eco- O resultado deste processo foi a migração maciça para as-eco”, para denominar a influência do ecossistema determi- cidades tropicais, onde não havia oferta de trabalho e nãonado pelo clima e da economia determinada pelas relações houve planejamento urbano adequado, o que induziu a for-políticas internas e globais, com as altas temperaturas e a mação das favelas. Seguramente, as favelas se constituempobreza, como as causas últimas das doenças tropicais. em um dos maiores desafios para o futuro dos trópicos.Entretanto, passados mais de um século, o mundo mudou Estas aglomerações humanas ocupam geralmente os pioresmuito e mudaram o perfil das doenças tropicais. Os avanços locais do território peri-urbano tais como encostas, pân-na medicina e na saúde pública tiveram impacto na redução tanos e locais contaminados. São abandonas pelos Estadosda transmissão, da morbidade e da mortalidade de muitas e, em conseqüência direta do abandono, muitas tornam-sedestas doenças, apesar da pobreza e de maus governos, que vítimas dos senhores dos crimes e das drogas, gerando vio-limitaram aplicação plena dos avanços científicos nos tró- lência, medo e, provavelmente, doença mentais. Esta novapicos. Estas mudanças levaram a modificações importante paisagem, densa e intensa, torna-se um ambiente propícionas doenças tropicais, com redução da incidência nas áreas à emergência de doenças infecciosas urbanas como a den- gue, o calazar, a leptospirose, a tuberculose e a sida. Hoje 9

Sessão Solenecerca de 50% das populações urbanas tropicais moram em Para que os trópicos possam, eles próprios, controlar as do-favelas. A isto, se alia a tragédia dos acidentes de trânsito enças tropicais sem dependerem da ajuda dos países ricos,nos trópicos, particularmente de motocicletas, produzidos será necessária geração de riqueza e de boas públicas. Para tal,pela cultura de ausência da regra das leis e de estados fracos entretanto, será fundamental o combate ao maior problemae corruptos. político dos trópicos, que são as oligarquias. Estas estruturasAssim, após um século, emergiram novas doenças tropi- de Estado, alimentadas durante a guerra fria por ambas oscais, agora de causas não necessariamente infecciosas, mas oponentes, os capitalistas e os socialistas, são auto-sustentá-de origem no sistema urbano, onde surgem as doenças de veis, dificílimas de serem erradicadas e representam o maiorcausa externa como elemento dominante; por exemplo, obstáculo para políticas públicas eficientes e para o desenvol-estima-se que em 2030 os acidentes de trânsito matarão vimento econômico. Assim, para que haja recursos e que elesmais que a sida, sendo a maioria das mortes por acidentes sejam aplicados efetivamente para aqueles que deles mais ne-de motocicletas. Estes ambientes insalubres dominarão o cessitam, os mais expostos às velhas e às novas doenças tropi-mundo caso a diáspora do campo não cesse e as opor- cais, a democracia plena, de fato, no seu sentido político maistunidades de trabalho não surjam nas cidades tropicais, original, deverá ser o maior instrumento para que os povosparticularmente nas grandes populações da África e do tropicais, de forma altiva e independente, possam superar osSul da Ásia. Para tal, são necessárias mudanças profundas maiores desafios dos trópicos, onde é seu lugar no mundo.nos trópicos. 22 de setembro de 2013 10

Editorial Anais do IHMTA lusofonia e a irmandade dos povos na línguaThe lusophony and the people brotherhood in the languageCláudio Tadeu Daniel-RibeiroPresidente da Federação Internacional de Medicina TropicalMédico, Doutor em Biologia Humana,Membro Titular da Academia Nacional de Medicina (Brasil)e Pesquisador Titular e Professor de Imunologiae Malariologia do Centro de Pesquisa, Diagnóstico e Treinamento em Malária de Instituto Oswaldo Cruz, [email protected] o Professor Paulo Ferrinho para, na qualidade cializar-me em Medicina Tropical e cursar meu Doutoradode Presidente da Federação Internacional de Medicina Tro- em Imunologia, que me dei verdadeiramente conta que umpical (IFTM), cumprir a honrosa tarefa de escrever o Edito- negro era um Africano e um amarelo um Asiático. Confessorial para este número dos Anais do Instituto de Higiene e que até então, vendo-os todos convivendo e falando a mesmaMedicinaTropical da Universidade nova de Lisboa (IHMT/ língua em meu País, cuja nacionalidade é atribuída aos queUNL), dedicado ao 2º Congresso Nacional de MedicinaTro- nascem em seu solo, nunca havia atentado para esse “deta-pical. Deu-me somente uma instrução: - Faça-o em portu- lhe”. À essa lição se acrescentou uma outra, talvez mais im-guês. Aceitei a empreitada e o desafio, enaltecido e ditoso portante, “aprendida” primeiro também em França e depoispela escolha de meu nome, e honrado e encantado pela oca- por influência de ações deflagradas por amigos portuguesessião oportuna e coincidente. compromissados com a integração em Rede de cientistas lu-Oportuna, pela própria natureza das funções da IFTM que sófonos empenhados no estudo da malária : “a identificaçãoincluem a promoção da interação entre profissionais na área de um “irmão” naquele com quem posso falar em portuguêsem diferentes Países e o estímulo à criação de Sociedades em qualquer lugar do planeta”. Poder falar sobre nosso temaNacionais de MedicinaTropical onde elas ainda inexistem ou de estudo e preocupação em encontros científicos interna-deixaram de existir. Coincidente, por ter logrado a presença cionais organizados em Lisboa, Luanda ou Rio de Janeirode três lusófonos entre os membros da Diretoria e da Di- com Açorienses, Angolanos, Brasileiros, Cabo-Verdianos,retoria Expandida com as quais trabalharei no meu manda- Moçambicanos, Portugueses e outros em uma mesma línguato de quatro anos, não obstante meu compromisso de nele tem sido um dos mais agradáveis exercícios desses últimoscontemplar representantes dos cinco continentes. Apreciei, anos. Devo tal experiência aos Portugueses, como Virgílioportanto, a coincidência do chamamento para produzir esse do Rosário, Maria do Rosário Martins e Paulo Ferrinho, emEditorial ao mesmo tempo em que celebrava a presença de quem percebo tais compromisso e motivação. Da mesmaum português (Virgílio do Rosário) na Diretoria Expandida, forma julgo que meu País deve a integração de etnias que vi-um Angolano (Filomeno Fortes) na Secretaria Geral e um vencia cotidianamente, com a mestiçagem que nos torna umBrasileiro (eu mesmo) na Presidência da IFTM. Uma tal par- povo melhor a cada dia sob os pontos de vista genético e cul-ceria nos facilitará promover o fortalecimento de Redes Lu- tural, à visão integradora, pelas motivações que fossem, dossófonas de Investigação, como a Rides-Malária, que tenho o primeiros portugueses que chegaram ao Brasil em 1500 eprazer de integrar há vários anos, ou de outras atividades de aqui viveram, primeiro no Brasil Colônia, pelos mais de 300fomento ao ensino de pós-graduação de forma inclusiva com anos seguintes, e no Império e República livres até hoje.os Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOPs), como O IHMT, fundado na Lisboa de 1902, como “Escola de Me-as que minha casa mãe, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), dicina Tropical Portuguesa” juntamente com o Hospital Co-mantém com o igualmente centenário IHMT. lonial, valorizava o conhecimento especializado no âmbitoO Brasil é um País plural em muitos sentidos, inclusive o da das Doenças Tropicais como resultado da preocupação dasconstituição de seu povo de tão variadas etnias, de tal forma autoridades sanitárias do País com as patologias dominantesque pode surpreender a alguns tomar ciência de meu relato na época em territórios colonizados por Portugal, ameaçade que foi só ao me mudar, aos 25 anos, para Paris para espe- real para os colonizadores, a medicina correspondendo a 11

Editorialfator crucial ao sucesso de colonização (Braga, A., Amaral, I., mesa Presidida por Carlos Henrique Nery Costa (PresidenteDuarte, JC., Seixas, J., Doria, JL., Castro, R., Guerra, R. & Lobo, R. da SBMT) e por mim mesmo, focou “A Medicina TropicalPortugal no mundo: o 1o Congresso Nacional de Medicina Tropical, dentro e fora dos Trópicos” com falas de CHN Costa, Jong-1952.Abril/2013V Mostra Museológica do IHMT). -Yil Chai (Tesoureiro da IFTM, Coréia do Sul) e minha. DosOnze anos depois da criação do IHMT em Lisboa acontecia o outros Eventos previstos, todos em inglês, três já ocorre-I Congresso Internacional de Medicina Tropical em Londres ram: um em Perth, Austrália, com uma mesa redonda sobre(1913). Um outro Congresso Internacional, especificamen- “Zoonoses Parasitárias e Medicina Tropical”, na “24a Confe-te dedicado à Malária, surgia em 1925 em Roma, e os 2os rência Internacional da Associação Mundial para o Avanço dade Medicina Tropical e de Malária ocorriam no Cairo e em parasitologia Veterinária” (WAAVP, 25-29/8/2013), com aAlger, em 1928 e 1930, respectivamente. Mas foi em 1938, presença de Santiago Mas-Coma, Vice-Presidente da IFTM;em Amsterdam, que os dois congressos se fundiram e passa- um segundo em Copenhagen, Dinamarca, com a mesa re-ram a ocorrer com o nome e sigla atuais (Congresso Inter- donda intitulada “Medicina Tropical e Saúde Global: comonacional de Medicina Tropical e Malária, ICTMM). Foi em caminhar lado a lado”, sob a minha Presidência e de Frances-Amsterdam também1, durante a realização do XII ICTMM, co Castelli (Itália) no “8o Congresso Europeu de Medicinaexatos 50 anos depois, que surgia a IFTM com o objetivo Tropical e Saúde Internacional” (ECTMIH, 9-13/8/2013)primordial de garantir a itinerância e qualidade dos Congres- e o terceiro também sob minha presidência e de Ric Pricesos Internacionais nos cinco Continentes. (Austrália). Uma última mesa ainda advirá: “A patogenia daEm 1952, por ocasião do cinquentenário da medicina tropi- malária vivax”, em Washington, Estados Unidos, durante ocal portuguesa, realizava-se o I Congresso Nacional de Me- “62o Encontro da Sociedade Americana de MedicinaTropicaldicina Tropical. Foi preciso esperar 61 anos até que o IHMT, e Higiene” (ASTMH, 13-17/11/2013). Uma última mesasob a Direção de Paulo Ferrinho, fizesse renascer em 20- advirá: “O paradigma se desvia para a Eliminação das Do-23 de abril deste ano, no mesmo IHMT em Lisboa, o Con- enças Parasitárias” no “Encontro Internacional Conjunto degresso, organizando sua 2a Edição que, incluindo o encontro MedicinaTropical de 2013” (JITMM 2013, 11-13/12/2013)pré-congresso, cursos e oficinas, acolheu 118 palestrantes e em Bangkok,Tailândia com a presença de membros da Presi-cerca de 300 inscritos. Não se prevê a necessidade de nova dência – IFTM (Srsin Khusmit,Tailândia; S Mas-Coma e J-Yreanimação “ressuscitatória” uma vez que a 3a Edição já foi Chai); e da Direção Expandida da IFTM (Shigeyuki Kano,marcada para 2016! Japão e Xiao-Nong Zhou, China) entre outros.Também neste 2013, ano da celebração do centenário da É lugar comum a idéia de que vivemos um mundo global comCriação do I Congresso Internacional de Medicina Tropical, comportamentos estereotipados em tornos de smartphonesa IFTM decidiu criar Eventos alusivos à data em Congressos (dos quais os jovens não conseguem mais se libertar) eNacionais ou Regionais nos Países com Sociedades Federa- instrumentos de comunicação virtual, tão eficientes quantodas. invasivos (dos quais os profissionais não podem mais abrirO primeiro deles ocorreu justamente no II Congresso mão).Constatar que nesse mundo,em que as ciências tambémPortuguês de Medicina Tropical. Uma mesa prevista pasteurizaram a língua e as formas de comunicação, ainda separa ser presidida por mim e meu colega Filomeno Fortes pode encontrar focos de ânimo, patriotismo e resistência,(Secretário Geral da IFTM) ocorreu sob sua competente empenhados com a defesa da noção da identidade dentrobatuta em minha ausência (por motivo de força maior). O da diversidade dos povos e buscando, sem nenhum elitismotema escolhido foi “Controle da Malária em África” com os ou xenofobia, criar foros para a identificação, manutenção epalestrantes Stephane Duparc (Suíça), Sylvie Manguin (Fran- reforço de processos e fatores de integração e fraternidadeça), Mavy Hernandez (Cuba), Katrina Lee (Coréia do Sul) e entre nossos semelhantes, enche-me de alegria e esperança.Claude Fourant (França). O segundo evento foi em Luanda, Vida longa aos Anais do Instituto de Higiene e MedicinaAngola, em 13/6/2013, sob a forma das “Jornadas Cientí- Tropical!ficas sobre Doenças Tropicais e Grandes Endemias”, presidi-das por Filomeno Fortes, constando de três sessões (Desa- 1 A Holanda (1938 e 1988) e o Brasil (1963 e 2012) foram até agora os doisfios da Medicina Tropical, Doenças Tropicais Negligenciadas únicos Países a albergar por duas vezes um Congresso Internacional dee Grandes Endemias), às quais tive a honra de comparecer e Medicina Tropical (na realidade, um ICTM e um ICTMM em cada País).participar. O terceiro Evento foi, também coincidentemen- Portugal acolheu e realizou em Lisboa o VI ICTMM em 1958.te, igualmente em português e ocorreu em Campo Gran-de, MS, Brasil durante a Realização do “49o Congresso daSociedade Brasileira de Medicina Tropical” (SBMT). Uma 12

Artigo Original Anais do IHMTContribuições para a História da MedicinaTropical nosséculos XIX e XX: um olhar retrospectivoContributions to the History of Tropical Medicine in XIXth and XXth centuries: a retrospective lookIsabel AmaralProfessora Auxiliar, Departamento de Ciências Sociais Aplicadase Centro Interuniversitário de História das Ciências e da TecnologiaFaculdade de Ciências e Tecnologia, [email protected] Paula DiogoProfessora Catedrática, Departamento de Ciências Sociais Aplicadase Centro Interuniversitário de História das Ciências e da TecnologiaFaculdade de Ciências e Tecnologia, [email protected] Larry BenchimolHistoriador e investigador titular, Casa de Oswaldo CruzFundação Oswaldo [email protected] Romero SáInvestigadora Titular, Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo [email protected] AbstractO presente trabalho resulta das contribuições de vários investigadores que cola- This joined paper is the outcome of the 1st edition of a short course inboraram na primeira edição de um “mini-curso” de História da MedicinaTropi- History of Tropical Medicine that was held at the Institute of Hygienecal, realizado no Instituto de Higiene e MedicinaTropical, emAbril de 2013, por and Tropical Medicine in April 2013, during the 2nd National Congressocasião da realização do 2º Congresso Nacional de MedicinaTropical. of Tropical Medicine.Numa perspectiva de análise retrospectiva sobre o percurso da medicina tropi- This course hosts a set of entangled agendas, which covers differentcal, nascida na confluência de um conjunto de agendas que envolvem a história geographical and thematic areas along the 19th and the 20th centu-dos diferentes espaços geográficos - os trópicos e a medicina - serão abordados ries. In this framework, three main topics are approached: the roletrês segmentos de análise colocando em destaque: o papel da medicina para a of medicine in the building of empires, the history of Portugueseconstrução do espaço colonial nos séculos XIX e XX, a história da medicina tro- tropical medicine between 1902 and 1972, and the history of tropicalpical portuguesa entre 1902 e 1972, e a história da medicina tropical no Brasil, medicine in Brazil, until the first decades of the twentieth century.até às primeiras décadas do século XX. Pretende-se assim fazer uma reflexão so- We aim at discussing several questions relating to the production andbre várias questões relativas à produção e disseminação das novas teorias médicas dissemination of new medical theories that emerged in Europe fromsurgidas na Europa a partir de meados do século XIX, no âmbito da teoria pas- the mid-nineteenth century onwards, within the scope of Pasteurianteuriana e da medicina tropical mansoniana, no contexto e para a construção dos theory and mansonian tropical medicine, and in the context of theimperialismos europeu e norte-americano. Nesse sentido focar-se-ão algumas construction of European and North-American imperialisms. Wequestões fundamentais, como sejam: a relação entre as várias áreas disciplinares focus on a set of issues deemed as critical: the relationship amongdo ponto de vista cognitivo (bacteriologia, parasitologia, entomologia, ecolo- disciplines (bacteriology, parasitology, entomology, ecology), the in-gia), os processos de institucionalização de um novo campo de conhecimento, a stitutionalization of new fields of knowledge, the association betweenassociação entre a medicina e os interesses e projetos imperialistas, bem como o medicine and imperialism, and the impact the new knowledge on theimpacto, nas ações de saúde pública, dos novos conhecimentos acerca das causas causes and means of transmission of tropical diseases had on publice meios de transmissão das doenças tropicais. health policies.Este mini-curso, de carácter experimental, visa dar a conhecer a ideia de criação We hope to turn this exploratory mini-course into a broader one thatde um curso mais amplo, dirigido a todos os alunos de história das ciências da will be able to engage students from different disciplines, as well assaúde e áreas afins,com interesse preferencial pelas doenças tropicais,a quem in- the lay public, interested on the history of tropical diseases as a meanteressará porventura projectar o futuro, com o olhar no presente, e aprendendo to understand nowadays research in this area.com o legado histórico do passado.Palavras Chave: Key Words:História da Medicina Tropical, Séculos XIX e XX, Escolas de Medicina History of Tropical Medicine, 19th and 20th Centuries, Schools of Tropi-Tropical, Portugal, Império, Brasil, Identidade. cal Medicine, Portugal, Empire, Brazil, Identity. 13

Artigo Original1. Medicina e Império regime de concorrência, num equilíbrio sempre ameaçado porO presente texto pretende introduzir o tema deste pequeno fricções), na dimensão da longa duração braudeliana (a longue-du-curso num contexto teórico mais vasto que, seguindo as gran- rée da École dos Annales) [4] e de macro-escala. O sistema-mundodes tendências internacionais, reconhece o importante papel da refere-se, portanto, à divisão inter-regional e transnacional dociência, tecnologia e medicina na construção da Europa colonial trabalho, que divide o mundo em países centrais, países semi-dos séculos XIX e XX. -periféricos e países da periferia. Os países centrais acumulamO nosso objectivo é propor-vos, por um lado, olhar para a apro- o expertise e o capital, enquanto as semiperiferias e as periferias,priação dos territórios imperiais através de uma lente focada com índices de competências inferiores, se baseiam no trabalhona ciência, na tecnologia e na medicina, e, por outro, perceber intensivo e extracção de matérias-primas, o que reforça cons-como é que este tipo de saberes e práticas foram reutilizados nas tantemente o domínio dos países do núcleo. Numa outra pers-metrópoles, num processo dual de europeização do mundo e pectiva, mas focando o mesmo problema de uma hierarquia deprovincialização da Europa [1, 2]. organização mundial, a teoria da dependência2 analisa o mesmoO ponto de partida é o reconhecimento de que a Europa tem problema, mas centrando-se nos estados nação.Ambos estes mo-uma estrutura técnico-científica, que faz parte integrante da delos se relacionam profundamente com o modelo difusionistasua própria identidade. Essa visão de mundo baseada na trilogia de George Basalla [5], em que a ciência e a tecnologia europeiasciência-tecnologia-progresso surgiu no Renascimento e incorpo- alastram progressivamente do(s) centro(s) para as periferias, al-rou definitivamente o DNA do pensamento europeu no século cançando nestas, num último estádio, uma eventual autonomia.XVIII, no período do Iluminismo, construindo uma visão de um Hoje a tese de Bassala é largamente questionada por alternativasmundo quantitativo e quantificável, compreendido e dominado muito estimulantes, como o conceito de apropriação, que intro-através de fórmulas matemáticas.As palavras,mesmo que apócri- duz uma dinâmica que vai muito além da noção de alastramentofas, atribuídas a Laplace quando apresentou o Traité du Mécanique progressivo [6,7], as contribuições conceptuais e metodológicasCéleste (1799-1825) a Napoleão e foi por ele questionado sobre dos Subaltern Studies3, dos Postcolonial Studies4 e da New Imperialo não ter referido Deus na sua argumentação, são bem exem- History [8], com noções como contact zone, go-betweens e interna-plificativas da mundividência das Luzes: “Je n’avais pas besoin de tional junctions and sites [9, 10, 11], e a noção de creole technologycette hypothèse-là.” Mais tarde, a propósito do comentário de [12]5.Lagrange a estas palavras, Laplace reforça a sua visão de uma ci- Com o comércio de longa distância, o colonialismo, o imperia-ência de predição:“Cette hypothèse, Sire, explique en effet tout, lismo e o início da globalização, surgiu um novo significado paramais ne permet de prédire rien. En tant que savant, je me dois de o conceito de Europa que passa a espelhar-se fora do seu espaçovous fournir des travaux permettant des prédictions”1. geográfico tradicional e a percepcionar-se como uma categoriaEsta omnipresença da ciência e da tecnologia na matriz cogniti- eminentemente civilizacional. No seu cerne estão a ciência, ava e operativa é evidente, em primeiro lugar, dentro do próprio tecnologia e a medicina, usadas para observar, explicar, avaliarespaço europeu e, posteriormente, nos contactos estabelecidos e dominar a natureza. O mundo deixa de ser, definitivamente,com o resto do mundo.A própria definição da Europa incorpora um lugar governado pela vontade de Deus, para se tornar umaestes elementos. O termo “Europa” foi cunhado pelo historiador máquina hierarquizada e matematizada, organizada e governadagrego clássico Heródoto como uma referência geográfica para pelos homens. O argumento filosófico de Laplace ganha, no sé-definir uma das três partes do mundo (as outros eram a Ásia e a culo XIX, um novo significado, pleno de materialidade.Líbia/África); o seu uso na Idade Média incorporou uma dimen- Assim, o contacto europeu com o “outro”, ou seja a delimitaçãosão religiosa, a das terras da cristandade, em parte definida por das fronteiras da Europa, que, durante séculos, fora construídocontraste com o império islâmico, então a maior ameaça exte- em torno do conceito de cristandade, passa a ser mediado pelarior. O século XV refez o conceito de Europa a partir dos novos racionalidade tecnocientífica.estados-nação.A outrora Europa feudal fechada abriu-se ao exte- A Europa começou por se fechar sobre si própria, na Idade Mé-rior e projectou-se para a expansão ultramarina. dia, como defesa face ao inimigo islâmico; o movimento dasA descoberta da “fronteira marítima” modificou profundamente cruzadas, nos séculos XII e XIII, resultou da vontade de reporo lugar da Europa no mundo, tanto em termos reais, como na a cidade santa de Jerusalém em mãos cristãs; a partir do séculopercepção que os europeus tinham de si próprios, colocando- XV, a expansão dos vários países europeus, primeiro Portugal-a no centro de uma nova grelha civilizacional, com o resto do e Espanha e, mais tarde, França, Inglaterra e Holanda, integra-mundo hierarquicamente num plano inferior.Trata-se, verdadei- va a clara dimensão missionária de trazer para a fé cristã todosramente, da construção de uma nova episteme que se pretende os que nela não se integravam. Esta agenda de cristianizaçãoplanetária. do “outro” teve, claro, gradações diferentes que resultaram,Em termos teóricos, esta nova fase é particularmente bem anali- essencialmente, do grau de estruturação formal das religiõessada no plano económico com o célebre modelo da teoria mun- autóctones, sendo mais eficaz em populações com crenças for-do de Immanuel Wallerstein [3], que se baseia no conceito de malmente mais rarefeitas, como os índios do Brasil ou as tribossistema global (um mundo articulado por trocas económicas em da África negra. Contudo, independentemente da sua eficácia, a definição dos contornos identitários europeus fez-se, até ao 14

Anais do IHMTséculo XVIII, numa base de quase exclusividade religiosa. lo, que implica, seja por imposição, difusão ou apropriação, umaÉ o Iluminismo que introduz no mapa genético europeu um assimilação de uma cultura exterior que se considera superior,novo elemento de reconhecimento identitário: a ciência e a téc- civilizando o indígena e convertendo-o num cidadão europeu.nica. Esta nova matriz começa por exercer-se no espaço da pró- Tal como acontecera durante o período inicial da expansão eu-pria tradição europeia, confrontando o espaço do iluminismo do ropeia, o efeito da missão civilizadora varia na sua geometria ecentro da Europa com as regiões periféricas do Sul e do Este, eficácia em função das características das culturas autóctones. Noonde a razão, a ciência e a tecnologia tardavam a chegar.A linha Japão da dinastia Meiji a apropriação da tecnologia europeia foidivisória opunha a anterior medida religiosa cristã à nova religião um movimento liderado pelo próprio estado que apresentou estada ciência e da técnica. É neste sentido que as viagens de intelec- absorção das competências técnicas europeias como uma formatuais ingleses, alemães e franceses a países como a Espanha, Por- de sustentar um futuro domínio japonês na Ásia. No caso da Ín-tugal ou Hungria são descritas como confrontos entre o mundo dia, e apesar da forte integração de largas comunidades de técni-civilizado e territórios exóticos ainda presos no obscurantismo cos indianos no processo de construção de infra-estruturas [15],religioso. Voltaire não deixa dúvidas quando, ao aproximar-se bem como da comunidade médica no processo de substituiçãode Espanha, descreve as terras de domínio da Inquisição, onde o da medicina tradicional, o processo de imposição da mundivi-cheiro bárbaro das fogueiras a arder nos autos-de-fé teimava em dência europeia de modernidade tecnocientífica e médica geroufazer-se, ainda, sentir [13]. um fortíssimo antagonismo [16]. No Norte de África, os váriosFora da Europa, o encontro com o “outro”, com o “selvagem”, poderes locais opuseram-se militarmente, e em casos pontuaiscom o “bárbaro”, passa a reger-se, também, pela lógica do Ilumi- com sucesso, à “invasão” europeia.nismo. A medida civilizacional transfere-se da esfera do sagrado Quando olhamos para a África Negra, a situação é totalmentepara o mundo profano e material da ciência e da técnica. O mis- diferente. A multiplicidade de grupos e culturas por um lado,sionário é substituído, primeiro pelo explorador e, depois, no sé- e, por outro, na perspectiva europeia, o seu baixo índice técni-culo XIX, pelo engenheiro e pelo médico. Os relatos das viagens co, levou a um clima quase sempre de imposição desregulada dade exploração, embora possam incluir passagens de deslumbra- cultura europeia, caracterizado pela exibição da sua superiorida-mento perante a flora, a fauna, as doenças e os grupos humanos de técnica.Trata-se de um espaço de exótico, de barbárie, quedesconhecidos, são, antes de tudo, descrições precisas das zonas justificava os famosos jardins zoológicos humanos e a presençaexploradas. A ideia romântica do explorador como aventureiro de indígenas africanos em exposições coloniais europeias [17].intrépido pertence muito mais a Hollywood do que à realidade Civilizar os nativos, torná-los aptos para se transformarem emhistórica: embora, naturalmente, nele houvesse uma parcela de cidadãos europeizados, era a base da componente ideológicacoragem para afrontar o desconhecido, o explorador do século da missão civilizadora; em termos operativos, o comboioXVIII é, essencialmente, um anotador do que vê: espaços, gen- assumiu-se como a peça fundamental na construção destates, plantas e animais.Investigar e inventariar é o centro das missões realizadas às ter- 1 Esta troca de palavra entre Laplace, Napoleão e Lagrange, bem como osras longínquas dos impérios europeus, em África, na Ásia e na termos exactos eventualmente usados é hoje debatida. Contudo, mesmoAmérica, embora, paradoxalmente, o explorador fosse, frequen- que a consideremos apócrifa, o facto de ter sido atribuída a Laplace dátemente, assaltado pelo êxtase perante as paisagens avassaladoras conta do esprit du temps sobre esta matéria.ou a miríade de cores e sons dos animais e das plantas [14]. Esta 2 A “dependence theory” defende que a assimetria na distribuição de rique-fina fronteira entre a visão do sublime6 e a capacidade de des- za mundial é perpetuada pelo próprio sistema mundial, não tendo, pois,crever de forma objectiva as novas experiências, conjuntamente todas as sociedades as mesmas possibilidades de desenvolvimento. Cf. oscom o facto da ordenação da realidade ser sempre feita de um artigos seminais de 1949 da chamada tese Prebisch–Singer (PST): Hansponto de vista necessariamente eurocêntrico, fazem da viagem Singer, Post-War Relations between Under-developed and Industrializedde exploração um verdadeiro laboratório de reflexão sobre o Countries, Nova Iorque: United Nations, 1949; Raúl Prebisch, El desar-papel da viagem na formação dos corpos cognitivos científico, rollo económico de la América Latina y algunos de sus principales proble-tecnológico e médico. mas, Santiago de Chile: Comisión Económica para América Latina, 1949.No século XIX, sob o signo da Revolução Industrial, surgem no- 3 Os Subaltern Studies têm como líder Ranajit Guha mas incluem uma lon-vos valores, emanados da lógica e ética capitalistas e do conceito ga lista de nomes como, por exemplo, David Arnold. Propõem uma análisesaint-simoniano de progresso baseado no triângulo ciência-tec- baseada no conceito de Antonio Gramsci’s de “subalterno.”nologia-progresso. 4 Os Postcolonial Studies centram-se na construção das identidades pós-Nos territórios coloniais, a relação com o “outro”, bem como -colonais. Alguns dos investigadores mais representativos são: Frantz Fa-a exploração dos recursos à luz de uma lógica imperial euro- non (colonialismo como fonte d evidência física e mental), Edward Saïdpeia, torna-se claramente tecnocientífica. A mission civilizatrice (o conceito de orientalismo e as representações estereotipadas dos nãotem como elemento axial a integração dos povos colonizados, o ocidentais pelos ocidentais) e Dipesh Chakrabarty (conceito de provincia-“outro”, na matriz civilizacional europeia, organizada em torno lização da Europa, a que já nos referimos).dos saberes e das práticas de ciência da tecnologia e da medicina. 5 Exemplo de reapreciação crítica deste modelo e de exploração de alterna-Trata-se de um poderoso mecanismo de dominação e de contro- tivas historiográficas é o volume temático ‘Nature and Empire’, Osiris 15, ed. Roy MacLeod (2005). 6 Usamos aqui o conceito de sublime no sentido clássico do termo, tal como é definido por Edmund Burke em A Philosophical enquiry into the ori- gins of our ideas of the sublime and the beautiful (1758) (e retomado por Kant, Diderot e os românticos), significando um fenómeno maravilhoso, surpreendente, inspirador, capaz de “lift up the soul”. Quando aplicado à natureza pressupõe uma paisagem cuja imponência ultrapassa a capaci- dade humana de intervenção e motiva, por tal, simultaneamente, o medo e o fascínio. Quando do terramoto de 1755, em Lisboa, a fúria das forças sísmicas foi descrita, precisamente, como sublime. 15

Artigo Originaldominação pelo deslumbramento, pelo espanto, pelo chamado Franceses planeiam a linha transariana, Cecil Rhodes o caminho-efeito de technodazzling. -de-ferro do Cairo ao Cabo, os Portugueses a ligação férrea entreClaro que a noção de superioridade técnica por parte da Europa a costa de Angola e a de Moçambique, os Holandeses lançam onão é exclusiva dos séculos XVIII e XX, mas é nesta altura que se projecto da primeira linha de comboio asiática, na ilha de Java. Oreconhece como o elemento axial do imperialismo europeu. Em- comboio ocupa as terras ultramarinas, actuando como elementobora por detrás dos missionários do século XVI e XVII estivessem fundamental de domínio no terreno, de estruturação das zonassoldados com armas de fogo de eficácia indisputável, embora por económicas, de afirmação do triunfo da Europa no mundo, im-detrás do ímpeto religioso estivessem interesses económicos, o pondo noções de tempo e espaço completamente novas, indis-que identificava a condição de “europeu” era a cultura cristã. O pensáveis aos regimes económico e de trabalho capitalista (a exis-que o século XVIII introduz é uma reorganização hierárquica dos tência de horários a cumprir, a normalização).espaços definidores da identidade europeia face ao não europeu, Finalmente, a medicina exercida nos trópicos pelos médicos na-trazendo para o centro a superioridade técnica e científica, nesta vais assume-se como indispensável aos impérios [20] na medidaúltima incluindo-se, com forte ênfase, a medicina. Este tipo de em que lhe competia uma prática experimental e científica ca-análise, que traz para a ribalta o papel da ciência, medicina e tec- paz de tornar colonizável um território inóspito e recheado denologia como elementos centrais da definição e organização dos doenças devastadoras para os europeus e para colonos [21,22].Aimpérios, é cristalizada na obra de Daniel Headrick [18]. quinina tem, neste contexto, um papel fundamental e o seu usoEm finais do século XVIII e princípio do XIX, nas expedições que por homens como Livingstone, Morton e Stanley, a que nos refe-preparavam as grandes intervenções técnicas de infra-estruturas rimos acima, particularmente com as famosas “pílulas Livingsto-no terreno, as armas continuavam a ter um papel fundamental. ne” (quinina, calomel [cloreto de mercúrio], ruibarbo e resina deFrançois le Vaillant, um francês educado nas Índias Holandesas e jalapa) é um exemplo do uso desta substância como profilaxia (65especialmente interessado em ornitologia, descreve, no seu con- centigramas) e remédio para a malária (200 centigramas). Aliás,tacto com os célebres e temidos Cafres,o efeito de maravilhamen- Livingstone, quando na última expedição foi roubado e perdeuto causado pelos seus fuzis e pistolas. Segundo Heinrich Barth, na as suas pílulas, escreveu no diário “Sinto-me como se me tivesseobra Travels and Discoveries in North and Central Africa [19], Mungo sido dada a pena de morte” [23]. O uso da quinina foi claramen-Park,o explorador escocês,era conhecido entre as tribos autócto- te fundamental para o domínio dos territórios, pelos exércitos enes do Niger, pela sua ferocidade e uso indiscriminado das armas, pelos engenheiros e técnicos europeus.A taxa de mortes – de fe-como táwakast, ou seja animal feroz, denominação que os nativos bres e de gastroenterites – baixou tremendamente com o uso daestendiam a todos os europeus. Henry Morton Stanley, o explo- quinina. Se usarmos como exemplo duas expedições do exércitorador britânico que se encontrou, perto do lagoTanganhica, com inglês no mesmo território – o reino deAsante (Gana),a primeirao famoso médico, missionário e explorador David Livingstone, em 1824-27 e a segunda em 1873-74, ou seja, antes e depois dosaudando-o com a célebre frase“Doctor Livingstone,I presume?”, uso da quinina, a taxa de mortalidade nas tropas baixou para umusava massivamente as suas armas contra as populações nativas. sexto.Nas disputas entre as potências europeias e potências locais no Sem uma higienização do território do ponto de vista da saúdeNorte de África e na Ásia, foi indubitavelmente a superioridade pública, a colonização teria sido impraticável [24].É neste contex-do armamento que decidiu a vitória. Contudo, e apesar das armas to que a medicina tropical, como nova área de especialização noserem fundamentais para o estabelecimento de um domínio ini- seio da medicina generalista,se afirmará como crucial no controlocial, a ocupação efectiva dos espaços imperiais, particularmente efectivo das colónias pela minimização dos riscos de contracção derelevante no contexto de forte concorrência económica consubs- doenças desconhecidas na Europa e que vitimavam em larga escalatanciada na agenda da Conferência de Berlim (1885), exigia uma os colonizadores. Doenças como a cólera, malária, febre tifóide eestratégia de longo termo, que passava pela domesticação efectiva amarela, tinham de ser controladas para permitir a ocupação dosdos territórios, nomeadamente através do estabelecimento de territórios imperiais e o sucesso do seu controle foi crítico paracomunicações e de grupos de colonos, o que pressupunha uma a hierarquização das potências imperais. Por exemplo o domínioacção coordenada de conhecimento científico, domínio técnico e inglês no Sudão foi tanto o resultado da estratégia militar, comointervenção médica. da eficácia dos comboios e dos medicamentes dos engenheiros eO conhecimento dos terrenos, das suas fauna e flora, tornam-se médicos britânicos. O facto dos exércitos franceses, por razões decruciais para o desenvolvimento da agricultura colonial, simul- economia, usarem uma dosagem de cerca de 1/3 ou mesmo 1/4taneamente um elemento fundamental nos planos económico, da dos ingleses, foi fundamental para a vitória britânica, com mapolítico e civilizacional.A exploração dos recursos naturais autóc- taxa de mortes muitíssimo mais baixa.A aliança ciência, tecnolo-tones, mas também a introdução, primeiro experimental, depois, gia e medicina assume-se, pois, como eixo orientador do progres-em muitos casos, definitiva, de plantas de outras regiões, torna so das ciências médicas na metrópole e nas colónias, centrado noos territórios coloniais verdadeiros laboratórios de investigação. intercâmbio de conhecimentos e práticas entre as duas realidadesPor outro lado, a construção de caminhos-de-ferro, de portos e estruturais.de telégrafos são as âncoras das estratégias imperiais europeias O ideário da missão civilizadora é, contudo, um ideário de duas fa-na área da circulação de mercadorias, pessoas e informação: os ces: a “domesticação” do mundo, a sua europeização, é, também, 16

Anais do IHMTum processo de globalização da própria Europa, em que esta é nial surgiu também como única alternativa de trabalho possívelconfrontada com as dificuldades de impôr/transferir/adaptar a para cientistas, engenheiros e médicos, considerados, por razõessua racionalidade e as suas práticas científicas e tecnológicas em políticas, indesejáveis.terrenos hostis, bem diferentes dos idealizados pelas retóricas Por parte das populações que sofreram o impacto do imperialis-coloniais grandiloquentes das diversas políticas metropolitanas. mo europeu, e particularmente das suas dimensões científicas,Joseph Conrad, em Heart of Darkness7, dá-nos a perfeita metáfora técnicas e médicas, a passividade nunca foi uma opção. Entre asdesse afastamento, na imagem de Marlow, rio acima, em busca de reacções extremas de recusa liminar da matriz tecno-científicaKurz, internando-se num território que lhe é desconhecido, na europeia e a sua total adopção, há uma larguíssima faixa de hi-geografia e nos valores civilizacionais.A mesma imagem se pode bridização, que se estende desde as tecnologias crioulas de Davidencontrar em DavidArnold, em Colonizing the Body [25], na análi- Edgerton [30] até às “camadas” de resistência, participação e apro-se da relação entre a “medicina científica” e das práticas e crenças priação da medicina europeia de DavidArnold [31].indígenas. É precisamente nesta miscigenação, nesta apropriação criativa eNeste contexto, a questão do ensino é particularmente sensível, biunívoca, que as abordagens mais recentes sobre a ciência, tec-tendo sido objecto de fortíssimos debates na Europa. Uma vez nologia e medicina coloniais se têm, como já vimos, centrado,mais, e, como acima já referimos, de acordo com a hierarquia va- destacando as múltiplas formas usadas para construir e fazer cir-lorativa vigente das capacidades das civilizações não ocidentais em cular conhecimentos e práticas entre diferentes grupos e regiões.apreenderem a matriz tecno-científica europeia, as opções face, Apesar de adoptarmos uma perspectiva que considera importantepor exemplo ao Raj e à África Negra eram completamente dife- a ideia de co-construção do conhecimento, em particular quandorentes:no primeiro caso a formação de elites locais ao nível médio se trata de ciência, tecnologia e medicina coloniais e imperiais,e superior, em paralelo com uma formação generalizada de nível acreditamos que alguns destes estudos têm desenhado uma ima-básico,é fortemente encorajada;já no caso africano,quer ingleses, gem demasiado idílica, quase romanceada, das relações entre vi-quer franceses,quer portugueses,são claramente favoráveis a uma sões de mundo distintas, ofuscando a tensão presente nas negocia-educação elementar, eminentemente prática. ções e as diversas agências subjacentes às relações de europeus eOs territórios coloniais funcionam, também, face às metrópoles, não-europeus, num jogo em que as respectivas elites definem ascomo espaços de circulação de conhecimentos especializados, la- suas próprias estratégias de aquisição e consolidação do poder.boratórios de ensaio de novas práticas e mercados de trabalho, É importante não perder de vista que o mundo colonial estrutura-tanto na ciência, como na tecnologia e na medicina. Muitas expe- -se de acordo com as lógicas de dominação e integração do mun-riências pioneiras são feitas em territórios ultramarinos, desde os do colonizado na estrutura ocidental, isto é, através da imposiçãoprimeiros bombardeamentos aéreos, em 1911, perto deTripoli, da episteme europeia. Embora esses vectores de dominação apre-até trabalhos nas áreas da agricultura e da construção de infra-es- sentem diferenças e níveis distintos de sucesso, de acordo comtruturas,ou de hospitais especializados em medicina tropical.Para as características do colonizador e colonizado, estamos peranteacomodar a realidade colonial no âmbito tecnológico e médico, relações de poder interactivas, mas claramente assimétricas. Assurgem instituições de vocação específica, como o modelar Impe- zonas de contacto, embora sejam espaços de circulação de saberesrial College ou as Escolas de MedicinaTropical de Liverpool [26] ou e práticas, não são livres, uma vez que uma parte significativa dode Londres ou os Institutos Pasteur ultramarinos [27].As divisões processo de negociação se rege pela coerção e pelo conflito.profissionais no interior do exército como, por exemplo, para os Ao estudarmos a adopção e apropriação de sistemas e dis-engenheiros e para os médicos ao serviço das colónias, sustentam positivos científicos e tecnológicos, neles se incluindo aa especialização técnica e médica e a âncora para a afirmação ins- medicina, no mundo dos impérios europeus, desvendamos,titucional ao serviço dos Impérios. Particularmente interessante é para além de uma imagem de cooperação, o que poderíamoso caso da medicina associada às regiões tropicais que condicionou designar como o “lado negro” da interacção entre potênciasa emergência desta área de especialização médica [28], estabele- europeias fora da Europa e entre europeus e não-europeus.cida no seio de uma teia de alianças entre ensino, investigação ea clínica no espaço europeu, alimentada pelo espaço laboratorial 2. História da MedicinaTropical em Portugalhumano colonizado [29], no âmbito das doenças mais endémicas.O intercâmbio de conhecimento entre o espaço europeu e colo- Na senda de um esboço da história da medicina tropical em Por-nial,supervisionado pelo europeu,torna-se crucial à afirmação de tugal nas primeiras décadas do século XX, propomos fazer umauma área de conhecimento desconhecida nas metrópoles, como a análise do ponto de vista da emergência da medicina tropical,medicina tropical, evidenciando uma relação de interdependência como nova área do conhecimento científico nascida na transiçãoestratégica e um universo de hegemonia e superioridade muito do século XIX para o século XX, no contexto do imperialismoparticulares. europeu. Nesse sentido, a análise da rede de interacção do co-Para muitos engenheiros, cientistas e médicos, trabalhar nas coló-nias era parte de um treino de desenvolvimento de competências, 7 Esta imagem tornou-se ainda mais poderosa pela sua massificação naposteriormente capitalizadas em termos de carreira; no caso por- adaptação cinematográfica da obra de Conrad, Apocalypse Now, de Fran-tuguês, para o século XX, durante o Estado Novo, a opção colo- cis Ford Coppola. 17

Artigo Originalnhecimento médico na teia de relações de Portugal com África Climatologia Vectores Higienee com os restantes países europeus reveste-se de particular im- Intercâmbio  Tradições portância no âmbito das relações internacionais que envolvem Etiologia (culturais e a ciência, a medicina e a política, determinantes para a conso- científico Profilaxia científicas)lidação desta nova área disciplinar [28]. Interessa-nos, por isso, Campanhas de estabelecer um padrão de reflexão que contemple em paralelo a erradicaçãohistória institucional que serviu de suporte ao estabelecimentodesta rede de interacções que envolveu o Estado, os actores e as Recursos doenças no espaço metropolitano, colonial e europeu. Propo- Financeirosmos assim um percurso metodológico que ancore na emergên-cia e consolidação disciplinar à qual se associaram as diferentes Fig. 1 – Quadro de relações estabelecidas no domínio da medicina tropi-instituições que se sucederam até à criação do actual Instituto de cal, como área de conhecimento independente.Higiene e Medicina Tropical, em 1973, embora com principalenfoque ma primeira instituição, melhor estudada até ao pre- europeus, não era menos importante o flagelo que as doençassente: a Escola de MedicinaTropical (1902-1935), fundada por tropicais provocavam na população indígena [21,24], diminuin-Carta de Lei, de 24 de Abril de 1902; o Instituto de Medicina do assim a possibilidade do recurso à mão-de-obra local paraTropical (1935-1966), estabelecido pela publicação da Lei n.º tornar viável a rentabilidade dos territórios ocupados. Portugal1920 de 29 de Maio de 1935; a Escola Nacional de Saúde Públi- iria assim participar dos ideais de colonização europeus tentan-ca e Medicina Tropical (1967-1972), instituída por decreto-lei do defender as suas possessões, tendo por base o conhecimenton.º 47.102, de 16 de Julho de 1966. Faremos assim uma aná- médico especializado, como se defendia em 1902, na Câmaralise das três instituições não tanto do ponto de vista institucional dos Deputados [32]:mas antes, da sua dinâmica protagonizada pelos investigadores,por comparação com as opções das outras instituições europeias Se Portugal deve viver pelas suas colonias e para as suascongéneres,vocacionadas para o estudo das doenças tropicais,uti- colonias, não só como legitima aspiração de grandeza,lizando os espaços coloniais como laboratórios vivos de investiga- mas pelo dever de continuar a sua missão civilisadora, nãoção. Neste contexto serão variáveis de enquadramento teórico, as pode, não deve esquecer-se de que, possuindo cêrca deproblemáticas prioritárias da era Manson, de pendor pasteuriano, duzentos milhões de hectares de terras espalhadas pelaevidenciando o poder do laboratório e do império, e, a era da saú- zona intertropical, lhe corre a obrigação de não retardarde pública, na qual predominavam as redes de colaboração inter- para as suas colonias o que para o seu engrandecimentonacionais, obrigando a uma integração efectiva dos vários actores pode concorrer. Os nossos medicos, como acontece aose instituições que contribuíram para a consolidação da medicina educados nas escolas inglesas, allemãs, belgas, hollande-tropical como área de conhecimento autónoma. sas, francesas e americanas, apesar da superior illustraçãoO exercício da medicina em África no início do século XIX per- dos professores, ao acabarem os seus cursos, ignoram astencia ao domínio da medicina militar, sem diferenciação de pa- condições de vida nos climas quentes, tanto pelo que res-tologias menos conhecidas dos europeus. Foi-se sucessivamente peita aos individuos e á sua acclimação, como aos conhe-distanciando para dar lugar a uma especialidade médica, a me- cimentos geraes das aguas, do solo, da alimentação e dodicina tropical, configurada com a corrida para África de uma mais que é preciso conhecer para a execução productivacomunidade médica europeia, que protagonizaria assim uma da clinica no pais, que não é aquelle para que foram edu-migração intelectual de práticas assentes na investigação expe- cados e preparados. Desconhecendo ainda a pathologia e arimental e na valorização do laboratório a partir dos resultados hygiene tropicaes, a politica sanitaria maritima, a adminis-obtidos por Patrick Manson (1844-1922) e Alphonse Laveran tração hospitalar, não podem os nossos medicos exercer(1845-1922) e Ronald Ross (1857–1932), capazes de gerarem com proveito dos habitantes dos tropicos a sua profissão.um novo ciclo de conhecimento numa matriz cognitiva distintapara o esclarecimento das variáveis que poderiam resultar nocombate e extermínio dos colonizadores e dos indígenas nostrópicos (paludismo, doença do sono, febre amarela, etc).A Conferência de Berlim exigia de Portugal uma atenção par-ticular pela defesa das fronteiras do território em África, e so-bretudo a partir do ultimato de 1890, obrigando a país a consi-derar as várias variáveis para a ocupação efectiva desse espaço,no qual a medicina viria a ocupar um lugar de destaque. Se porum lado, o número de baixas no território causadas por doençasassociadas à climatização nas regiões tropicais [31] era muito su-perior às baixas em cenário de guerra, dificultando a fixação dos 18

Anais do IHMT e o concomitante envolvimento da comunidade médica na especialização, à qual Portugal não se alheou, a avaliar pela posição defendida pelos deputados [32]: “Nos ultimos dois annos, as nações, coloniza- doras, caminhando na corrente scientífica do que a etiologia e a transmissão das doenças, dependentes em muitos casos de seres vivos que obedecem a leis geraes de distribuição no globo, variam com as condições climatericas, comprehenderam a necessidade da criação de escolas especiaes para estudo e ensino da hygie- ne e pathologia coloniaes. Os medicos, distinc- tamente habilitados para o exercicio da cli-nica, na Europa, não podem, sem aprendizagem nada conveniente para os habitantes das colonias, tratar de doentes nas regiões tropicaes. Cabe á Inglaterra a gloria de primeiro ter reconhecido as vantagens do ensino de pathologia exotica e a de ter criado as duas primeiras escolas deFig.2 – Fotografia da Escola de Medicina Tropical de Lisboa (fonte: Arquivo Museu IHMT) medicina colonial. Os resultados scientificosA especificidade das doenças tropicais ou das patologias das obtidos nestas escolas foram brilhantissimos e o seu exito excedeu a expectativa. Os seus trabalhos, a suagrandes metrópoles exacerbadas ou alteradas por influência do iniciativa teem contribuido poderosamente para esclare-clima nos trópicos, obrigava a uma confluência de vários do- cer a etiologia e transmissão das doenças tropicaes e osmínios de intervenção no quadro do conhecimento médicos, variados phenomenos do impaludismo. O ensino da me-desde os cognitivos (protagonizados com o desenvolvimento da dicina tropical foi ainda assegurado nas Universidades debiologia, da bacteriologia, da parasitologia, da entomologia, etc) Aberdeon e de Edimbourg. Reconhecidas as vantagens deaos sociais, que envolviam as instituições, a prática e identidade tal ensino, rapidamente passou a ser ministrado em outrasprofissionais, e a existência de lobbies nos quais os grandes im- nações colonizadoras: a Allemanha criou em Hamburgopérios europeus se envolveram [33]. um instituto de pathologia exotica e de hygiene naval; naO surgimento de uma nova especialidade médica era inevitável, Belgica, na Hollanda, nos Estados Unidos do Norte o en-servia os interesses da estrutura de poder imperialista do séc. sino especial foi instituído”.XIX e tornou-se uma das ferramentas dos Impérios europeus.Todos os oficiais médicos eram vistos como técnicos especiali- O Ministro dos Negócios da Marinha e do Ultramar, Antóniozados para operar em qualquer parte do mundo e a medicina Teixeira de Sousa (1857-1917), fez eco desta proposta e pro-tropical tornava a saúde pública menos dispendiosa. pôs a criação Escola de Medicina Tropical de Lisboa. O Rei D.Vivia-se um tempo de procura de consolidação do tecido co- Carlos I decretou a criação simultânea da Escola de Medicinalonial pelas potências europeias e a saúde estava no cerne de Tropical e do Hospital Colonial, em Lisboa [24,37,38,39,40,qualquer política externa, contribuindo assim para a emer- 41], sob proposta da Câmara de deputados à semelhança dogência da medicina tropical [16,34]. O mote do imperialis- que acontecera com a escola londrina, que se instalou no Albertmo construtivo, inevitavelmente associado à figura de Joseph Dock Seamen’s Hospital.Chamberlain (1836-1914) [20,22], tem expressão prática na A proposta de criação destas instituições não faria recurso daabertura das Escolas de Medicina Tropical de em Inglaterra, subscrição pública, como acontecera em Inglaterra e em Françacomo instituições de treino e investigação especializada, ao [32] mas de uma forma modesta, adequar um edifício pertençaserviço da coroa imperial. Em 1898, foi criada a Escola de da Marinha para o ensino da medicina tropical e para a instalaçãoMedicina Tropical de Liverpool [35]; seis meses depois, a deLondres, em 1899 [36]; depois de 1900, os Institutos Pasteur 8 O ensino e a investigação no âmbito da medicina tropical portuguesa re-ultramarinos [27]; as escolas de Hamburgo e Paris, em 1901; montam a 1887 e à Escola Naval. O ensino da medicina tropical na escolaas de New Orleans e Portugal, em 19028; a de Bruxelas, em1906, e, a de Amsterdão, em 1912. naval foi promovido por Barros Gomes (lei de 25/8/1887). Aqui se leccio- navam algumas disciplinas de medicina tropical para estudantes do curso de medicina geral e como especialidade para os médicos navais. Também se faziam alguns testes de diagnóstico num pequeno laboratório desta ins-O apoio dos poderes imperiais a este tipo de instituições en- tituição. No entanto, a medicina tropical só conheceu foros de autonomiavolvia a criação dos serviços médicos coloniais pelo Estado em 1902 quando a Escola de Medicina Tropical de Lisboa foi fundada, à semelhança das suas congéneres europeias. 19

Artigo Originaldo hospital para funcionários e praças regressados do ultramar9. ratório primário. Após 1907 as missões tiveram objectivos maisA criação da Escola de Medicina Tropical e o Hospital Colonial precisos e concertados de acordo com a investigação experimen-de Lisboa inauguram a primeira fase da história da medicina tro- tal conduzida pelo grupo de Ayres Kopke [44] na Escola de Me-pical portuguesa, assente num quadro de referência assente no dicina Tropical de Lisboa: o ensaio do tratamento com o atoxylprimado do laboratório e da investigação científica, integrada nos e a adopção de medidas profiláticas com vista à sua aplicação “napadrões europeus [24,41]. A escola tinha por missão “ o ensino parte continental das referidas províncias”[45].A missão de 1911teórico e prático da medicina tropical” e a organização das “mis- que se prolongou até 1914 teve por base a construção de umsões científicas às províncias ultramarinas e às colónias estrangei- plano profilático com vista à ausência de reincidência da endemiaras” [37,39],; o hospital destinava-se ao “tratamento dos oficiais e na ilha [46]. Os resultados obtidos pelas várias missões realizadaspraças que regressam do ultramar” [37,39]. na ilha foram reconhecidos pela comunidade internacional, comEstavam criadas em Portugal as condições para reconhecer no particular relevância para esta missão final na Ilha do Príncipecombate às doenças tropicais, o cerne da colonização e, nas mis- [47].sões científicas, a ferramenta mais eficaz no cartografia endémica Kopke foi o investigador mais emblemático desta escola e dae na erradicação das doenças nos territórios a colonizar, como medicina tropical portuguesa entre 1902 e 1935 12, líder de umnos indicaria João Fraga deAzevedo, um dos directores desta ins- programa de investigação desenvolvido em torno da doença dotituição, anos mais tarde [39]: sono, reconhecido pela comunidade científica internacional, nomeadamente por R. Koch,A. Laveran, P. Elrich e P. Manson, (...) A participação da Escola de MedicinaTropical na co- pelo facto de ter sido Portugal o primeiro país colonizador a con- lonização e civilização do Ultramar (...) foi realizada por seguir a erradicação da doença. intermédio dos médicos que especializava para o ensino da A transição da Escola para Instituto de MedicinaTropical ocorreu profissão ali, por intermédio de missões de estudo e por em 1935, no início do Estado Novo, estabelecendo uma nova trabalhos de divulgação e de investigação (...) ordem institucional para a medicina tropical ao equipará-la aoPara além do ensino, a investigação realizada na escola constituía sistema universitário.o sustentáculo da instituição. Funcionava como pólo de formação Entre 1935 e 1942, a escola portuguesa de medicina tropical viutécnica especializada, de investigação fundamental e de apoio ao terminar o seu brilhantismo pelo desaparecimento dos funda-diagnóstico especializado difícil de efectuar nas colónias. A teia dores da escola (grande parte deles não fez escola e não deixoude relações científicas estabelecida a partir da Escola de Medicina discípulos) e pelo constrangimento orçamental como resultadoTropical de Lisboa revela ainda o alinhamento que esta tinha com da transferência da tutela da instituição, do Ministério dos Negó-as principais escolas europeias, quer através dos contactos reali- cios Estrangeiros para o Ministério da Educação. O regulamentozados nos encontros internacionais, quer através da sua participa- aprovado em 1939 seguia o modelo da Faculdade de Medicina deção activa nas missões científicas realizadas em África [24,41]. Lisboa. Pretendia-se assim nivelar uma escola especializada emEntre as grandes contribuições no domínio da medicina tropical, medicina tropical com os institutos das várias áreas disciplinaresnão podemos deixar de reflectir sobre uma doença tipicamente (fisiologia, histologia, anatomia, farmacologia, etc.) das faculda-africana, a doença do sono [42], na qual os investigadores portu- des de medicina, às quais estaria subordinada, com um programagueses da Escola de MedicinaTropical de Lisboa se vieram a dis- de maior enfoque na investigação científica na metrópole e nastinguir.As missões científicas realizadas pela escola entre 1902 e colónias.1935 revelam a importância que esta patologia exótica tinha para Não obstante os primeiros anos de alguma turbulência merecem-o interesse nacional como força civilizadora. Foram efectuadas -nos uma atenção particular alguns dos marcos mais importantesoito missões e seis delas incidiram sobre a doença do sono: à Ilha da vida da instituição neste período e que a relançariam no cir-do Príncipe em 1904, 1907 e 1911; a Moçambique, em 1910 e cuito internacional, dando visibilidade ao seu percurso históricoem 1927; à Guiné, em 1932 [41]. e à autoridade científica granjeada, para ombrear com os paresLogo de início, a escola de medicina tropical de Lisboa viu a sua nos estudos e intervenções periciais em diferentes territórios,reputação reconhecida na Europa mercê das contribuições reali- bem como para criar tentáculos nas províncias ultramarinas. Azadas por Ayres Kopke (1866-1944) e pelo seu grupo de inves- instituição moldou-se pela cooperação internacional a partir detigação sobre a utilização do Atoxyl10 no tratamento da doença 1946 e assumiram-se como figuras de relevo, João Fraga deAze-do sono [43]. Este facto teve reflexos imediatos nas missões de vedo e Francisco Cambournac. Destaca-se a representatividadeestudo realizadas pelas várias missões médicas ao serviço do Esta- da instituição na Organização Mundial de Saúde (OMS), a par-do português.As primeiras missões tiveram como alvo, duas das tir de 1946, e a criação de missões permanentes nas colónias,províncias ultramarinas mais ricas e mais fustigadas pela doença, desde 1945; a realização do 1º Congresso Nacional de Medici-a Ilha do Príncipe (1904, 1907 e 1911) e Moçambique (1910 e naTropical e o lançamento da primeira pedra da construção do1927). A Ilha do Príncipe era uma região privilegiada para uma novo edifício da escola, em 1952; e o lançamento de instituiçõesmissão científica com as características da missão portuguesa.11 congéneres de medicina tropical em Angola e Moçambique aEm 1904, Ayres Kopke dirigiu uma missão de carácter explo- partir de 1955 (os institutos de investigação médica de Angola e Moçambique criados em 1955), bem como o acolhimento doVI 20

Anais do IHMTCongresso Internacional de Medicina Tropical e Paludismo, em saúde mundiais e nas suas relações com as províncias ultramari-1958. Utilizando o apoio da OMS, a que não era estranho o facto nas. A medicina tropical era uma questão de saúde pública e in-do seu representante para o continente africano ser português, teressava enquadrá-la numa perspectiva mais abrangente.Todaviao instituto conheceu nos últimos 20 anos da sua existência uma a associação de duas instituições com tradições de investigação enova projecção nacional e internacional.13 de abrangência social distintas não resultou e deu origem à re-Francisco Cambournac foi nomeado director da secção regional organização de ambas a partir de 1972, com a criação do actualde África, em 1953, onde permaneceu até 1963. Durante este Instituto de Higiene e MedicinaTropical.período deu visibilidade a um conjunto de vários investigadores A emergência, consolidação e institucionalização da medici-do instituto, bem como à investigação que nele desenvolviam, na tropical em Portugal, que se desenrola entre 1902 e 1972,permitindo assim um enquadramento do IMT nas opções toma- acompanha o processo de descolonização e da independênciadas no âmbito das políticas de saúde pública, assumidas a nível dos territórios ultramarinos sob jurisdição portuguesa e das trêsinternacional. Fraga deAzevedo torna-se consultor do Conselho instituições que se sucederam. Estas instituições preparariam aCientífico Africano (CSA), e consultor especializado em bilhar- “colonização” da medicina tropical nos territórios ultramarinos,ziose, para a OMS, acompanhado por Manuel Reimão da Cunha através da preparação gradual de técnicos, especialistas e institui-Pinto, para a febre-amarela, Guilherme Jorge Janz, para a nutri- ções de ensino e investigação, no âmbito da medicina tropical, aoção, e, Fernando Simões da Cruz Ferreira para as doenças parasi- mesmo tempo que desenhariam uma nova forma de cooperaçãotárias em geral. Em paralelo, Fraga de Azevedo,Augusto Salazar com os países de língua portuguesa, permanecendo a medicinaLeite, Carlos Trincão, Manuel Pinto, tornam-se consultores da tropical e áreas afins, como área de investigação prioritária per-Comissão para a CooperaçãoTécnica na África ao Sul do Sahara, manente.CCTA, sob os auspícios das Nações Unidas, nos domínios da le- A medicina tropical portuguesa assume-se como área científicapra, das boubas e da tuberculose.14Ainda neste período importa referir a passagem de Aldo Cas- 9 “M. Joseph Chamberlain, Ministro das colonias britannicas criou a 2 detellani (1874-1971), pelo Instituto.15Castellani era médico parti- outubro de 1899 em Londres uma escola de medicina colonial.Tão eviden-cular da família real italiana de Savoia,e acompanhou o Rei Hum- temente vantajosa se afigurava a criação da escola especial a que venho deberto II, no seu exílio em Portugal, fixando-se em Lisboa em fazer referencia, que tendo M. Chamberlain, em um discurso pronunciado1946. Dada a reputação internacional que granjeara a partir da em um banquete que na capital inglesa teve logar, em 1899, appellado parasua experiência como membro da primeira comissão britânica o concurso e auxilio particular de todos os que no seu país se empenhamencarregue do estudo da doença do sono no Entebe (Uganda) es- pelas questões coloniaes, a subscripção voluntaria produziu 16:000 libras.tabeleceu um cadinho de outras contribuições no âmbito da me- O Ministerio das colonias e dos Estrangeiros subscreveram com 3:500dicina tropical centrada no ensino, na investigação e no exercício libras; e ministerio da India com l :000 libras, sendo o resto da subscrip-da clinica tropical, em países como o Ceilão, Inglaterra e Itália. ção coberto por particulares e por companhias financeiras e commerciaes.Ao ser admitido em 1947 no instituto, pôde dar continuidade à Significam estes factos que a criação da escola de medicina colonial foisua carreira desde 1947, ao mesmo tempo que pôde partilhar geralmente reconhecida como da maxima vantagem. Ao mesmo tempo eracom os restantes investigadores a sua experiência de excelência organizada a Escola de Medicina Exotica em Liverpool, cujas despesasno domínio da investigação, ensino e clinica tropicais [48]. foram inteiramente cobertas pela subscripção publica. Em França algunsEm 1966 o Instituto era incorporado na Escola Nacional de Saú- dos seus mais distinctos professores de medicina tomaram recentementede Pública, embora Francisco Cambournac assumisse a direcção a iniciativa de uma subscripção publica, para a criação de um instituto dedesta instituição. A autonomia progressiva da medicina tropical medicina colonial”.ameaçava diluir-se na metrópole, numa instituição tutelada por 10 O Atoxyl é um derivado arsenical. Descoberto por Béchamp em 1863.dois ministérios distintos e num cenário de grandes modificações Foi utilizado por vários autores no tratamento da sífilis e ainda testado emeconómicas e políticas que transformavam profundamente as animais de laboratório. Ayres Kopke é referido como o primeiro autor arelações dos povos colonizados com os seus colonizadores, tei- apresentar resultados da sua aplicação ao Homem com base em estudosmando Portugal manter-se só no direito à manutenção do Estado laboratoriais com animais de laboratório.Imperial que se prolongaria até 1974.16 11 A ilha tinha uma extensão territorial e uma população reduzidas. ParaNão obstante os constrangimentos e dificuldades que a instituição além disso a maioria da população era fixa, o que permitia o seguimentoviveu entre 1966 e 1972, o ensino, a investigação, a divulgação dos doentes por longos períodos de tempo.e as missões permanentes de doenças tropicais mantiveram-se, 12 Ayres Kopke foi director do laboratório bacteriológico no Hospital dafruto sobretudo das contribuições de Fraga de Azevedo, Francis- marinha onde iniciou a sua carreira científica. Em 1897 publicou um tra-co Cambournac, Fernando Simões e Cruz Ferreira, sustentado balho sobre a malária, referido por Laveran no Tratado do Paludismo quesobretudo pelas relações internacionais.A lógica de intervenção publicou em 1907. Em 1902 foi nomeado professor de parasitologia dadesta instituição passava por uma integração da medicina social, Escola de Medicina Tropical e director do respectivo laboratório. Em 1901no qual a medicina tropical se incluía, ajudando assim a consoli- fez parte da missão portuguesa para estudo da doença do sono em Ango-dar as suas relações internacionais entre médicos clínicos e inves- la, liderada por Aníbal Bettencourt, director do Instituto Bacteriológicotigadores, com os olhos postos nas instituições de organização de Câmara Pestana, em Lisboa. Desde então foi sempre o representante da Escola de Medicina Tropical de Lisboa nos encontros científicos interna- cionais e de Portugal nas comissões de estudo da doença do sono. No XV Congresso Internacional de Medicina realizado em Lisboa a 1906, Ayres Kopke, na comunicação que apresentou, defendeu as vantagens de utiliza- ção do atoxyl no tratamento da trypanosomiasis gambiense fixando doses específicas no tratamento. 13 Toda a informação se encontra disponível nos Anais do Instituto de Me- dicina Tropical, para os anos indicados no texto. 14 Toda a informação se encontra disponível nos Anais do Instituto de Me- dicina Tropical, para os anos indicados no texto. 15 IIIª mostra museológica do museu do IHMT, inaugurada no dia 2 de Dezembro de 2011, subordinada ao tema “ Ciência, medicina e política: vida e obra de Aldo Castellani (1874-1971)”. 16 Toda a informação se encontra disponível nos Anais da Escola Nacional de Saúde Pública e Medicina Tropical entre 1966 e 1972. 21

Artigo Originalautónoma desde Escola de Medicina Tropical de Lisboa à Esco- des maladies du Brésil ou statistique médicale de cet empire [51].la de Saúde Pública e Medicina Tropical, no decurso de 70 anos Wucherer recorreu ao Traité des entozoaires (1860), de Davaine,que intersectam a rota do IIIº Império Colonial Português, no ao Handbuch der historisch-geographischen Pathologie (v.1, 1860; v.2,âmbito do intercâmbio científico além-fronteiras, não só no seio 1862-1864) de Hirsch e, sobretudo, a trabalho em queWilhelmda comunidade europeia como também das colónias, bem como Griesinger relacionava a anemia a vermes da espécie Ancylostomano domínio da apropriação dos modelos das escolas de medicina duodenale, descritos, pela primeira vez, em 1843 por Angelo Du-tropical em Inglaterra e dos Institutos Pasteur e da Escola Militar bini, na Itália. Em autópsia feita no Cairo, em 1852, GriesingerColonial de Marselha ou das instituições internacionais como a encontrou milhares de ancilóstomos agarrados à mucosa do intes-ONU e a OMS. tino e supôs que a contínua extração de sangue explicava a anemia lá diagnosticada como clorose do Egito. Quatorze anos depois, na3. As origens da medicina tropical no Brasil Bahia,Wucherer produzia confirmação dessa hipótese.Uma história da medicina tropical no Brasil deve obrigatoriamen- Griesinger pediu-lhe então (1866) que investigasse em seus pa-te retroceder a meados do século XIX e ao Estado da Bahia, onde cientes o Distomum haematobium descoberto porTheodor Bilharz,floresceu um grupo que ficaria conhecido como Escola Tropica- no Egito também (1851).Na urina de pessoas que sofriam do mallista Bahiana. então conhecido como elefantíase dos árabes,Wucherer encon-As colônias agrícolas no interior do Brasil e as comunidades es- trou embriões de outro verme, desconhecido. Em 1872, em Cal-trangeiras de suas cidades litorâneas atraíam médicos, boticários cutá,Timothy Lewis localizou-o no sangue e denominou-o Filariae cirurgiões para lidar com os problemas de saúde enfrentados sanguinis hominis.A forma adulta apareceu três anos depois, numpelos europeus no seu processo de “aclimatação” aos trópicos, abcesso linfático a Joseph Bancroft, na Austrália. Na China, emzona imprecisa considerada, então, hostil a sua sobrevivência. A 1877-8, Patrick Manson desvendou boa parte do ciclo da filariaarte de curar era praticada por uma constelação de tipos sociais e (atual Wuchereria bancrofti), inclusive no hospedeiro intermediário,raros médicos com formação universitária, adquirida na Europa o mosquito Culex.ou nas faculdades de medicina de Salvador e no Rio de Janeiro, as Essa descoberta é um marco de um novo tipo de medicina queúnicas que o país teve até o século XX. Foram produto das refor- lidava com complexos ciclos de vida de parasitos, mudança demas implementadas após a fuga da Corte portuguesa para o Brasil, hospedeiros e complicadas metamorfoses em seus organismos edurante as guerras napoleônicas. no meio externo.Entre os médicos que emigraram para aquele império escravo- Grisinger e Bilharz tinham sido contratados para lecionar em es-crata figura Otto Edward HenryWucherer. Filho de comerciante cola médica recém-fundada no Egito por Muhammad Ali, partealemão e mãe holandesa, nasceu na cidade do Porto, em Portugal, de reformas modernizadoras concomitantes à expansão do setorem 7 de julho de 1820 mas passou parte da infância na Bahia. agroexportador que concentrava camponeses em condições mi-Depois de se graduar na Universidade deTübingen, em 1841, e seráveis de vida,assim facilmente enredáveis nos ciclos de vida dostrabalhar no Hospital de São Bartolomeu, em Londres, clinicou parasitos estudados por aqueles médicos. No Brasil, os da escolana zona açucareira do Recôncavo Baiano, estabelecendo-se por tropicalista encontraram material de estudo adequado entre tra-fim em Salvador. Junto com o escocês John Ligertwood Paterson balhadores ligados a atividades agro-exportadoras, num impérioe o português José Francisco da Silva Lima,Wucherer fundou a escravocrata que iniciava também seu processo de modernização,Gazeta Médica da Bahia (1866) e animou o grupo mais tarde deno- como fornecedor de gêneros agrícolas, reiterando, portanto, suaminado EscolaTropicalista Baiana. Na fronteira entre o paradigma dependência a países que tinham sido ou eram palco de revolu-miasmático/ambientalista e o microbiano, produziram investiga- ções industriais.ções originais sobre as patologias daquela região da “zona tórrida”, Estamos falando de relações centro e periferia, mas como sistemaparticipando de uma rede informal de médicos geograficamente de mão dupla, em que médicos viajam para lugares distantes dasisolados nos domínios coloniais europeus, com interesse crescen- cidades universitárias europeias em que se graduam, para láte pelo papel dos parasitos como produtores de doenças [49, 50, fazer carreira, mal ou bem sucedida, ou acumular experiên-51]. cia e relações que lhes permitam galgar degraus na hierarquiaEm dezembro de 1865,Wucherer diagnosticou num escravo um profissional das universidades ou capitais doVelho Mundo. Oscaso extremo de opilação ou‘cansaço’.A autoridade naquela en- médicos emigrantes publicam artigos em periódicos nas duasfermidade, até então interpretada à luz da climatologia, era José margens de suas vidas, sobre as experimentações que realizamMartins da Cruz Jobim, um dos fundadores da Academia Impe- por esforço próprio ou sobre suas experiências clínicas, e érial de Medicina: o calor e a umidade, associados à má alimen- preciso não esquecer que elas mobilizam vasto repertório detação e à fadiga, empobreciam o sangue e causavam a síndrome informações de cunho ambiental, antropológico e sociológico.que denominou hipoemia intertropical.Aquela anemia foi aco- Eles entretêm ativa correspondência pela qual circulam infor-lhida pela geografia médica europeia graças a livro de José Fran- mações que vão alimentar a geografia médica - a um só tempocisco Xavier Sigaud, publicado em Paris, em 1844: Du climat et disciplina acadêmica e tentáculo dos Estados que, através de suas marinhas e outras organizações, empenham-se em coletar 22 informações sobre as patologias reinantes nos territórios dos

Anais do IHMT‘trópicos’ cobiçados pelas políticas coloniais. mes descritos em diversas partes do mundo, às interações entreDa exploração dos parasitos relacionados a doenças participou,no diferentes vermes nos mesmos ambientes e hospedeiros, aos mé-Brasil, outra cria da ciência alemã, Adolpho Lutz [52]. Seus pais, todos diagnósticos e aos recursos terapêuticos baseados nas florasde uma das famílias mais tradicionais de Berna, emigraram para a nativas ou nos produtos da indústria química européia.capital brasileira em dezembro de 1849, justo quando irrompia Nesse mesmo período, Lutz engajou-se em outra rede, a dos der-aí a primeira epidemia de febre amarela, de efeitos devastadores. matopathologen que atuavam nas cidades da Alemanha, Áustria eNascido no Rio de Janeiro, em 1855, aos 19 anos Lutz iniciou Europa Central. “Correspondente” na América do Sul do Monat-os estudos superiores em Berna.As universidades alemãs, suíço e shefte für praktische Dermatologie, primeiro periódico da especialida-austro-germânicas formavam uma mesma comunidade de apren- de na Alemanha, Lutz traduziu para o alemão artigos de autoresdizado, o que explica a mobilidade acadêmica de Lutz e de seus brasileiros. Continuou a publicar na Alemanha enquanto traba-professores. Na Universidade de Leipzig, Lutz testemunhou, em lhou no leprosário de Molokai, no Havaí, e em São Francisco, na1878, a visita de Koch a dois professores, Julius Cohnheim e Carl Califórnia, até regressar outra vez a São Paulo, onde teria início aWeigert, para exibir-lhes as primeiras preparações do Bacillus an- segunda fase de sua trajetória profissional [52].thracis, colorido pelo azul de metileno. Em Leipzig, Lutz estudou A primeira, como vimos, caracteriza-se por muitos deslocamen-também com Karl Georg Friedrich Rudolf Leuckart, que teria tos geográficos e cognitivos. Lutz é outro médico-viajante quegrande influência sobre os trabalhos feitos depois no Brasil, para percorre aquele sistema de relações centro-periferia em sentidoonde regressou em fins de 1881. diferente do tomado porWucherer. Deixa um rastro de estudosResidiu por alguns anos (1882 a 1885) num centro cafeeiro do sobre doenças parasitárias e infecciosas que circulam por redeinterior do estado de São Paulo, Limeira. Ao chegar lá, Lutz en- mais densa de periódicos, cada vez mais especializados, inclusiveviou nota a Correspondezblatt für Schweizer Ärtze [Boletim de Corres- no Brasil.pondência para Médicos Suíços] relacionando temas para futuros Em 1893 Lutz assumiu a chefia de um Instituto Bacteriológicoartigos, sobretudo os helmintos que parasitavam sua clientela e os que acabava de ser fundado em São Paulo.Aquela década foi pró-animais com os quais convivia [52]. diga em conflitos envolvendo a identificação e, por conseqüência,O Ancylostoma duodenale ganhara muita projeção durante a cons- a profilaxia e o tratamento de doenças no Sudeste do Brasil, aba-trução do túnel e da ferrovia de São Gotardo, que em 1880 li- lado pelo colapso da escravidão, a enxurrada imigratória, as tur-gou Itália e Suíça. Dialogando com autores alemães e italianos, bulências políticas e econômicas decorrentes de nossa revoluçãoLutz publicou trabalhos nas Sammlung KlinischerVorträge [Lições de industrial ‘retardatária’ e da proclamação da República. Os diag-clínica médica] editadas por Richard von Volkmann, em Leipzig. nósticos da equipe de Lutz e de alguns médicos mais jovens no RioLutz investigou o ciclo de vida do helminto desde o ovo, elimi- de Janeiro — destacamos Oswaldo Cruz,Francisco Fajardo,Cha-nado com as fezes do hospedeiro, confirmando o controvertido pot Prévost e alguns outros recém-formados — estavam calçadoshematofagismo do verme adulto. Um particularidade por ele em provas laboratoriais inacessíveis à maioria de seus pares. Osdescrita serviria mais tarde para diferenciar a variante comum no conflitos protagonizados por eles tornaram ainda mais beligeranteNovo Mundo (Necator americanus) daquela predominante na re- a consolidação da República oligárquica brasileira.gião euro-asiática [53]. Em 1893,o cólera disseminou-se pelo vale do rio Paraíba do Sul,aEm Centralblatt für Klinische Medicin e no Deutsche Zeitschrift für espinha dorsal da economia cafeeira. Os adversários dos bacterio-Thiermedizin (1885), Lutz publicou trabalhos sobre outros vermes logistas do Rio e de São Paulo contestaram ferozmente seus lau-correntes no homem e em animais domésticos, principalmente o dos. Invocavam a autoridade de Max von Pettenkofer, respeitadoporco.A partir de 1887, seus artigos foram veiculados sobretudo nome da saúde pública alemã e, na Europa, principal adversáriopelo Centralblatt für Bakterologie und Parasitenkunde [Folha central de Koch, o descobridor do Vibrio comma. Outra questão polêmicapara a bacteriologia e a parasitologia] fundado em Jena por Leu- foi a febre tifóide, cujos casos eram diagnosticados como febresckart, Friedrich Löfller e Oscar Uhlworm [53]. adjetivadas como ‘tifo-maláricas’, ‘remitentes’ e simplesmenteOs artigos de Lutz sobre ancilostomíase, estrongiloidíase, ascari- “paulistas”. O comércio internacional e os fluxos migratórios vi-díase, teníase, oxiuríase e tricocefalose mostram que estava em nham espalhando a peste bubônica pelo mundo. Em 1899, emfina sintonia com os helmintologistas atuantes na Europa, Orien- vapores lotados de emigrantes portugueses, a peste migrou dote, América e África. Descortinava-se a eles vasto horizonte de Porto para Santos. A dificuldade de obter o soro de Yersin e aincógnitas. Diziam respeito, primeiramente, ao mapeamento clí- vacina de Haffkine, recém-desenvolvidos, levou o governo pau-nico e anatomopatológico de enfermidades conhecidas por con- lista a criar um laboratório para fabricá-los na Fazenda Butantanfusas denominações locais, o que tornava difícil demonstrar sua [54]. Recém-chegado de Paris, onde se especializara no Institutosinonímia ou diversidade.Outro desafio consistia em relacionar os Pasteur, Oswaldo Cruz ficou encarregado da direção do Institu-complexos ciclos evolutivos dos helmintos tanto às peculiaridades to Soroterápico Federal, criado no Rio de Janeiro, na fazenda decomportamentais e biológicas das populações humanas e animais Manguinhos.que parasitavam, como às singularidades dos meios geográficos Enquanto no Brasil microbiologia e medicina tropical nasceramem que transcorriam estes ciclos.Outras questões diziam respeito institucionalmente amalgamadas, tendo como alvos, a princípio,à sistemática dos grupos continuamente enriquecidos com ver- algumas capitais e logo o vasto território nacional, em Portugal 23

Artigo Originalas duas vertentes da medicina experimental cristalizaram-se em veiculados aí ao novo ferramental da zoologia e microbiologia.instituições independentes: por um lado, voltadas para zonas ru- Em 1898 começou a funcionar a Liverpool School of Tropicalrais e urbanas do continente português – o Instituto Central de Diseases e, no ano seguinte, a London School ofTropical Medici-Higiene; por outro, dedicadas à medicina tropical, na interface da ne; 1900, em Hamburgo, foi inaugurado o Instituto de Doençasmetrópole com os territórios ultramarinos: a Escola de Medicina Marítimas e Tropicais. Em junho desse ano, dois integrantes daTropical de Lisboa e o Instituto de MedicinaTropical. Escola de Liverpool rumaram para a Amazônia para investigar aO nó górdio da saúde pública brasileira era a febre amarela, cuja febre amarela, levando a hipótese de sua transmissão por mos-incidência crescia em sincronia com o aumento do fluxo crescente quito [ 56]. Em agosto, logo após a passagem deles por Havana,de imigrantes para as cidades portuárias. Nos anos 1890, a doença Lazear iniciou experiências com mosquitos fornecidos por Fin-irrompeu em várias zonas interioranas, em muitas pela primei- lay, enquanto Carrol eAgramonte prosseguiam os estudos (entãora vez. Domingos Freire, catedrático de química na Faculdade prioritários) sobre o suposto bacilo da febre amarela. Em setem-de Medicina do Rio de Janeiro, anunciara em 1879 a descoberta bro, Lazear faleceu em conseqüência de uma picada acidental.do suposto agente da febre amarela, o Cryptococcus xanthogenicus, Às pressas, Reed iniciou experiências melhor controladas paranome dado por analogia com a bactéria do antraz, cujos esporos provar que o mosquito - depois classificado como Stegomyia fas-infecciosos acabavam de ser descobertos por Koch no solo onde ciata (atual Aedes aegypti) - era o hospedeiro do “parasito” da febreeram enterrados os animais contaminados.Freire também encon- amarela; que o ar não transmitia a doença; e os fomites não eramtrou esporos do micróbio da febre amarela nas sepulturas de suas contagiosos [55,57]vítimas. A receptividade que teve a vacina por ele desenvolvida Os resultados foram apresentados ao 3º Congresso Panamerica-em 1883 deveu-se ao medo que a doença inspirava e ao apoio no, em Havana, em fevereiro de 1901.As experiências dos norte-dos republicanos e abolicionistas aos quais o médico carioca era -americanos foram reencenadas na cidade de São Paulo por Emí-ligado [55]. Outras bactérias e diversos fungos foram relacionados lio Ribas, chefe do Serviço Sanitário do Estado, e Adolpho Lutz,à febre amarela nos anos 1880, no Brasil, no México, em Cuba e diretor de seu Instituto Bacteriológico, para neutralizar as críticasem outros lugares afetados pela doença. Nos anos 1890, bacilos dos médicos alinhados com os bacilos,fungos e algas incriminadoscompetiriam pela condição de agente causal dela,com base em hi- como agentes da febre amarela .As conclusões da comissão Reedpótese de Koch de que tinha analogias com o cólera, uma vez que estavam ainda sub judice. Em 1904, uma missão alemã, organiza-o principal sintoma da febre amarela, o‘vômito negro’, também da pelo Instituto de Hamburgo, esteve no Rio de Janeiro onde jáse localizava no intestino. se encontravam três pesquisadores do Instituto Pasteur de Paris:O relativo consenso fundamentado na teoria miasmática a respeito Émile Marchoux, Paul-Louis Simond e AlexandreTourelli Salim-do que se devia fazer para higienizar portos como o Rio de Janeiro beni. Durante o tempo que permaneceram na capital brasileira,deu lugar a candentes polêmicas, até que um deslocamento radical franceses e alemães puderam observar os fatos biológicos e sociaisna abordagem da doença levou nova geração de bacteriologistas produzidos na cidade que serviu como primeiro laboratório a céuao proscênio da saúde pública, sob a liderança de Oswaldo Cruz. aberto para o teste de uma campanha calcada na teoria culicidiana,Dois episódios foram fundamentais para isso: a formulação pelo sob condições que não eram as da ocupação militar, e sem sanea-cubano Carlos Juan Finlay da hipótese da transmissão por mos- mento prévio que turvasse os resultados [55].quitos, em 1880-81, e sua demonstração pela equipe norte- Ao ser eleito presidente da República, em 15 de novembro de-americana chefiada porWalter Reed, em 1900. Ronald Ross e os 1902, Francisco de Paula Rodrigues Alves divulgara um Manifes-italianos Giovanni Battista Grassi,Amico Bignami e Giuseppe Bas- to à Nação, em que qualificava o saneamento do Rio de Janeirotinelli acabavam de desvendar o ciclo do Plasmodium em mosquitos como sua principal preocupação. Oswaldo Cruz assumiu em se-do gênero Culex (malária das aves) e Anopheles (malária humana). guida a diretoria-geral de Saúde Pública (DGSP) com a missão deAquele feito viabilizou na Inglaterra o projeto que defendia Man- combater a febre-amarela, a peste bubônica e a varíola, ao mesmoson de investir-se na formação de médicos habilitados a lidar com tempo em que os engenheiros comandavam uma ofensiva contrao que chamou de “medicina tropical”. muitos dos alvos que os sanitaristas, agora, julgavam irrelevantesMuitos médicos brasileiros insurgir-se-iam contra este conceito ou mesmo contraproducentes para suas campanhas. A peste foique parecia perpetuar os estigmas de insalubridade e atraso ori- subjugada; a febre amarela desapareceu do Rio de Janeiro, masginados quando as teorias médicas que atribuíam doenças infec- só momentaneamente; a Revolta daVacina neutralizou a ofensivaciosas aos climas quentes e seus miasmas serviram à produção de contra a varíola que, em 1908, matou 6.400 pessoas na capitalideologias eurocêntricas sobre a inviabilidade da ‘civilização’ nos brasileira [58,59].trópicos. Para Manson e seus seguidores, o clima e outros fatores Por volta de 1910, estavam edificados os prédios e avenidas pro-ambientais eram relevantes na medida em que influíam sobre as jetados para transformar aquela cidade colonial numa metrópo-condições de vida e reprodução dos parasitas patogênicos e seus le parecida com a Paris de Haussmann. Na distante fazenda dehospedeiros. A expressão “medicina tropical” passou a ser usada Manguinhos, erguia-se agora o complexo dominado pelo castelopara delimitar um território de investigação que requeria forma- mourisco, com sofisticados laboratórios. Para a metamorfose doção diferente daquela proporcionada pelas Faculdades de Medi- laboratório soroterápico no instituto batizado com o nome decina: era preciso combinar os conhecimentos tradicionalmente Oswaldo Cruz foi importante a medalha de ouro conquistada 24

Anais do IHMTno XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia, em Embora houvesse atinado com essa modalidade ainda desconhe-Berlim, em setembro de 1907. Quatro anos depois, o Instituto cida de malária antes da divulgação do trabalho fundamental alevaria à Exposição em Dresden uma descoberta que teve grande esse respeito de Grassi e colaboradores (1899), somente em 1903repercussão mundial: a Doença de Chagas, a segunda tripanos- Adolpho Lutz publicou sua descoberta em Waldmosquito undWald-somíase humana depois da Doença do Sono, que, com a malária, malaria. Durante todo o século XIX, tinham sido descritas 42 es-constituía o principal desafio da medicina tropical europeia nas pécies no âmbito da família dos culicídeos estabelecida por Fabri-colônias africanas [58,59]. cius em sua Entomologica systematica (1794). Somente na primeiraAs fronteiras do Instituto dilatavam-se em três planos. Fabrica- década do século XX, foram mais de duzentas espécies novasção de produtos biológicos, pesquisa e ensino — vertentes pe- (Lane, 1953), a maioria por Theobald, Lutz e um entomologis-culiares ao Instituto Pasteur de Paris — definem, ainda hoje, o ta do Museu Nacional deWashington, DanielWilliam Coquillettperfil da Fundação Oswaldo Cruz. Doenças humanas, animais e, [61].em menor escala, vegetais punham a instituição em contato com Em 1906 Carlos Chagas executou a primeira de muitas campa-diferentes “clientes” e comunidades de pesquisa, reforçando suas nhas antipalúdicas feitos pelo pessoal do Instituto de Manguinhosbases sociais de sustentação. A dilatação de fronteiras tinha tam- no interior do Brasil [62]. Dois anos depois, com Belisário Penna,bém conotação geopolítica, como para os institutos europeus que seguiu para o norte de Minas Gerais, onde a doença impedia oatuavam na África e Ásia. Com freqüência cada vez maior, os cien- prolongamento dos trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil.tistas de Manguinhos embrenhar-se-iam pelos sertões do Brasil Lá sua atenção foi despertada para um inseto hematófago que pro-para estudar e combater doenças, principalmente a malária. Ao liferava nas paredes de pau-a-pique das casas, saindo à noite paracolocarem sua expertise a serviço de ferrovias, hidrelétricas, em- sugar o sangue de seus moradores e de animais domésticos.Ata-preendimentos agro-pecuários ou extrativos deparar-se-iam com cava de preferência o rosto humano, razão pela qual o chamavampatologias pouco ou nada conhecidas que dariam grande amplitu- de “barbeiro”. Em março de 1909, com a ajuda dos pesquisado-de aos horizontes da medicina tropical no Brasil [60]. res do Instituto Oswaldo Cruz, completou a descoberta de umaAlém da bacteriologia e das tecnologias médicas a ela associa- nova doença, ao encontrar no sangue de uma criança o protozo-das, duas áreas receberam especial atenção no Instituto Oswaldo ário cujas formas viera rastreando no organismo do transmissor.Cruz: a protozoologia e a zoologia médica, em particular a ento- A Doença de Chagas, até então confundida com a malária ou amologia. ancilostomíase, consolidou a protozoologia como uma das maisEm fins do século XIX, os dípteros transformaram-se em ques- importantes áreas de pesquisa do Instituto carioca [63].tão da maior importância para os impérios coloniais europeus.A Ao iniciarmos a descrição da história da medicina tropical no Bra-Royal Society formou uma comissão para estudar o controle da sil, mencionamos o pedido feito por Griesinger aWucherer, emmalária,e o Museu Britânico deu início ao levantamento dos mos- meados do século XIX, para que este verificasse na Bahia a des-quitos existentes no mundo, sendo, então, mobilizados os consu- coberta feita por Bilharz no Egito: o Distomum hematobium (1851)lados e outros órgãos governamentais para dar cabo da ambiciosa ou Schistosoma hematobium. O primeiro trabalho no Brasil sobreempreitada global. a doença causada no homem por este verme foi publicado peloAdolpho Lutz passou a integrar esta rede internacional em 1899. médico baiano ManoelAugusto Pirajá da Silva em 1908, em meioAutor dos primeiros trabalhos em protozoologia publicados no a grande controvérsia [64].Até o começo do século XX, somen-Brasil, desde o começo dos anos 1890 vinha examinando o san- te uma espécie era conhecida: Schistosoma haematobium, com altague de aves e outros animais em lugares pantanosos com casos de prevalência no Egito e em outras partes do continente africano.malária humana, em busca do plasmódio de Laveran e de outros Em 1903, Manson sugeriu a possibilidade de existirem duas es-protozoários reconhecidos ou não como causadores de doenças. pécies: uma com ovos com espícula lateral encontrados nas fezes,Em 1897, foi chamado à região onde era construída nova linha outra com ovos com espícula terminal presentes na urina. No anoferroviária ligando a capital paulista ao porto de Santos. Numero- seguinte, Fujiro Katsurada descreveu o Schistosoma japonicum, en-sos casos de malária vinham acometendo os operários nas matas contrado no Japão e outros países da Ásia. Os ovos com espículadensas que revestiam a serra de Cubatão, ambiente muito diverso muito rudimentar, menores, eram encontrados nas fezes, afetan-das planícies encharcadas tradicionalmente associadas à doença. do apenas os intestinos e outras vísceras, sem aparecer no sistemaLutz teve sua atenção despertada por um mosquito diminuto, um urinário, como o S.haematobium.sugador de sangue voraz. Graças a estudos feitos anteriormente Com base em material precário, LouisWestenra Sambon descre-sobre a fauna de plantas armazenadoras de água, não demorou a veu em 1907 nova espécie, Schistosoma mansoni; sua singularidadeperceber que era em bromélias que procriava aquele mosquito residiria na posição da espícula nos ovos e no local onde o vermeclassificado porTheobald, do Museu britânico, a princípio como era encontrado no hospedeiro humano,o trato digestivo ou uriná-Anopheles lutzii, em seguida reclassificado (1908) por Dyar e Knab, rio. O helmintologista alemão Arthur Looss, professor da Escolado Museu Nacional dos Estados Unidos,como Anopheles cruzii.É o de Medicina do Cairo, e o parasitologista inglês Robert Leipervetor da chamada“malária das bromélias”,que além de transmitir contestaram a nova espécie. O fato de coexistirem os dois vermesa doença ao homem, é o único vetor natural conhecido de malária nos principais focos da doença na África dificultava a separação dassimiana nasAméricas [61]. duas espécies. No Hospital Santa Isabel, em Salvador, Bahia, Pirajá 25

Artigo Originalda Silva estudou 20 casos que apresentavam ovos como os des- viajantes que desbravaram territórios longínquos do globo e docritos por Sambon e demonstrou que não eram encontrados na conhecimento, entretecendo frágeis relações uns com os outrosurina. O médico baiano conseguiu fotografar e descrever um ovo e com seus lugares de origem, e terminamos num mundo maisno útero do verme fêmea e a eclosão da larva (miracídio), assim integrado e interdependente, onde a ciência é produzida e postacomo as características dos vermes macho e fêmea. Os criteriosos em circulação por equipes de instituições subordinadas a políticasestudos de Pirajá da Silva consolidaram de vez a existência de nova de Estado e a agências internacionais de saúde.espécie do parasita e de nova forma da doença, a esquistossomose Em 1926 a medicina tropical entrou para o currículo da Facul-mansônica [64].17 dade de Medicina do Rio de Janeiro, tendo como seu primeiroRobert Leiper, no Egito, e Adolpho Lutz, no Brasil, aprofunda- catedrático Carlos Chagas, o descobridor da tripanossomíaseriam os estudos do médico baiano, elucidando o ciclo biológico americana.Ao proferir sua aula inaugural Chagas enfatizou a im-do parasito. Lutz iniciou suas pesquisas em 1916. Apesar de ter portância que essa especialidade adquirira no contexto brasileiroLeiper descoberto o ciclo evolutivo do S. mansoni nos planorbíde- por sua importância científica e social. Para Chagas, “deveres doos, foi Lutz o primeiro a observar detalhadamente a penetração mais exaltado e previdente nacionalismo nos obrigam ao estudodo miracídio (embrião) no molusco (espécies dos gêneros Pla- e à pesquisa da nosologia brasileira, a fim de promover o aperfei-norbis, Physa, Lymnaeus e Ampullaria), a reação local que provocava çoamento de nossa raça, de raros predicados nativos, e de realizar,no tecido do caramujo, a formação dos esporocistos de primeira pelo método profilático, a redenção sanitária de nosso vasto ter-e segunda geração, sua migração para as vísceras do hospedeiro, ritório” [69]. Seu filho Evandro Chagas, cerca de uma década de-onde tinha lugar o aparecimento das cercárias. Lutz estudou ou- pois, ao dedicar-se ao estudo da leishmaniose visceral americana,tras cercárias que se desenvolvem em moluscos, ainda que não te- considerada uma nova entidade nosológica no Brasil, iria reforçarnham o homem como seu hospedeiro final. Descreveu a saída das os estudos de medicina tropical no país. Ela encontrou acolhidacercárias, as condições favoráveis de iluminação e temperatura, em outras instituições científicas, como o Instituto de Patologiaa morfologia, os movimentos e as condições de sobrevida dessas Experimental do Norte (IPEN), atual Instituto Evandro Chagas,formas larvárias. Obteve ainda a infecção experimental em diver- criado no Pará (Amazônia brasileira) em 1936, ou o Instituto Bio-sos roedores, e estudou a patologia da doença nesses hospedeiros lógico de Defesa Agrícola e Animal, criado em em São Paulo, eme em material humano [65]. 1927, e que dez anos depois, já sob a direção de Henrique da Ro-Adolpho Lutz trabalhava no Instituto Oswaldo Cruz desde 1908. cha Lima, passou a chamar-se Instituto Biológico. Grupos e insti-Sua chegada coincide com o auge da influência alemã sobre a insti- tutos de pesquisa foram formados depois em várias universidadestuição carioca.As Memórias do Instituto Oswaldo Cruz,inauguradas em brasileiras para o estudo de doenças tropicais, tendo como ele-1909, até a Primeira Guerra Mundial difundiriam em português e mentos motrizes principalmente a malária, a Doença de Chagas,alemão os trabalhos de seus cientistas, inclusive Max Hartmann, as leishmanioses, as hepatites e arboviroses como febre-amarela edo Instituto de Moléstias Infecciosas de Berlim, e dois professores dengue. A medicina tropical no Brasil vem buscando manter-sedo Instituto de MedicinaTropical de Hamburgo, o protozoologista em sintonia com a agenda internacional, mas sem perder de vistaStanislas von Prowazek e o químico Gustav Giemsa,que por alguns as doenças reinantes ou emergentes no Brasil.meses trabalharam no Rio de Janeiro [66].Vieram em seguida Her-mann Duerck,docente de anatomia patológica da Universidade de 4. Para concluirJena, e o protozoologistaViktor Schilling [58,59].Fazendo o percurso inverso, em 1909-1910 os jovens médicos A história da medicina tropical é um campo de investigação privi-recrutados por Oswaldo Cruz fizeram estudos de aperfeiçoamen- legiado, que tem suscitado nas últimas décadas um interesse cres-to no exterior, alguns na Alemanha. Em 1909, Henrique da Ro- cente de investigadores com formações disciplinares distintas, nacha Lima, braço direito de Oswaldo Cruz, que havia completado medida em que permite reflexões fecundas sobre a circulação esua formação médica em Berlim e Munique, aceitou o convite apropriação de saberes e de “experts” a um nível global, uma vezde Duerck para assumir o cargo de assistente-chefe no Instituto que o carácter geograficamente definido dos problemas médicosde Patologia de Jena. Oito meses depois, ingressou no Instituto e científicos que coloca, é transcendido pela organização políticade DoençasTropicais de Hamburgo, onde faria brilhante carreira e económica imposta pelas agendas coloniais de diversos países.científica. Nos quase vinte anos (1909 a 1927) em que atuou no Neste artigo apresenta-se um quadro sintético da emergência eTropeninstitut, foi o mediador mais ativo das relações entre Brasil e consolidação da medicina tropical, como uma nova área discipli-Alemanha. Continuaria a promovê-las mesmo depois de retornarao Brasil, em 1928 [67]. 17 Em 1908, ele foi à Inglaterra para encontrar-se com Manson, seguindoMas então as relações entre as medicinas brasileira e alemã eram depois para a França, onde fez estudos de aperfeiçoamento no Institutoofuscadas pela hegemonia dos Estados Unidos. Muitos estudos Pasteur, em 1908 e 1909. Diplomou-se em 1911 como médico colonialinteressantes têm sido feitos sobre os esforços de instituições, pela Universidade de Paris, onde trabalhou com Rafael Blanchard. Re-empresas e dos Estados alemão e francês para recuperar posições tornou em 1912 ao Instituto de Medicina Tropical de Hamburgo (onde jáperdidas no pós-guerra,no Brasil e outros países sul e centro ame- estivera em 1909). Perante o parasitologista Fridedrich Fülleborn e outrosricanos [68]. Começamos esta apresentação falando de médicos cientistas, apresentou os resultados de suas pesquisas, e assim que voltou ao Brasil, naquele mesmo ano, publicou nos Archives de Parasitologie 26 trabalho sobre a cercária do esquistossomo encontrada no caramujo Pla- norbis bahiensis, sendo o primeiro a descrever a forma larvária do verme.

Anais do IHMTnar, no qual se incluem instituições, actores, programas de inves- cada um dos seus espaços geográficos − modeladas pelas teoriastigação e redes de cooperação internacional, na complexa rede pasteuriana e mansoniana − a portuguesa implicada nas relaçõesde interesses científico-políticos, estabelecida desde finais do sé- entre Europa e África, a brasileira, fruto de sinergias entre euro-culo XIX no universo europeu e americano, particularizada nos peus e não europeus numa formação social que acolhe a medicinacasos português e brasileiro. Procura-se assim reflectir sobre cada experimental e depois institui as medicinas pasteuriana e tropical,uma das comunidades de peritos que protagonizaram o proces- como parte do processo de constituição de um estado nacionalso de institucionalização e consolidação da medicina tropical em independente.Bibliografia titjean P, Jami C, Moulin AM (eds.) (1992). 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Artigo Original Anais do IHMTA Missão do Sonoentre a História e a AntropologiaVisualMissão do Sono: between History andVisual AnthropologyLuis Manuel Neves CostaUniversidade de CoimbraFaculdade de Ciências e Tecnologia * Departamento de Ciências da Vida/ AntropologiaCRIA (Centro em Rede de Investigação em Antropologia)[email protected]“Knowledge of photography is just as important as that of the alphabet.The illiterate of the future will be a person ignorant ofthe use of the camera as well as the pen alike.”Laszlo Moholy-Nagy (1895-1946)Resumo AbstractEste artigo faz uso da Missão Permanente de Estudo e Combate da Doença do Sono This article makes use of the Missão Permanente de Estudo e Combate da Do-na Guiné Portuguesa (1945-1974), tutelada pelo Instituto de MedicinaTro- ença do Sono (Permanent Mission of Study and Combat of Sleeping Sickness)pical e enquadrada no projecto de “ocupação científica”, focando-se na pro- in Portuguese Guinea (1945-1974), under the leadership of the Institute ofdução e circulação de imagens em publicações coloniais, como estudo de Tropical Medicine and framed in the project of “scientific occupation”, focu-caso. Nessas publicações, recorre-se frequentemente ao uso da fotografia sing on the production and circulation of images in colonial publications, as aenquanto documento de ilustração, demonstração e testemunho do relatado study case. In those publications, the use of photography is an often recourse asno texto e para além dele. a document of illustration, demonstration and testimony of what is reportedA fotografia emerge como um instrumento essencial da Medicina Tropical, in the text and further.deixando transparecer utilizações para lá dos usos médicos e científicos, po- Photography emerges as an essential instrument of Tropical Medicine, allo-dendo configurar-se também no seio do uso social, cultural ou político. Esta wing to look through the uses beyond the medical and scientific proposes,análise centra-se em fotografias publicadas no Boletim Cultural da Guiné Por- and also allowing to set it up amongst the social, cultural or political uses.Thistuguesa que contribuíram para divulgar espaços e nativos, configurando-os analysis focuses on photographs published in the Boletim Cultural da Guiné Por-em torno da patologização tropical, o que evidenciava a necessária presença, tuguesa which contributed to reveal spaces and natives, setting them up aroundacção e missão da autoridade colonial. Considerando a fotografia histórica the tropical pathologizing, showing the necessary presence, action and missioncomo um “dado antropológico”, propõe-se a análise de fotografias‘médicas’ of colonial authority. Considering the historical photography as an “anthro-produzidas em missão, procurando perceber qual o estatuto da fotografia na pological datum”, the analysis of medical photographs produced in mission ismedicina tropical, de que modo estas imagens mobilizam para a memória proposed, trying to understand what is the status of photography in tropicaldas missões, quais as representações sobre a doença, o corpo do Outro e a in- medicine, how these images mobilize to the memory of the missions, what areteracção e relação colonizador-colonizado. Esta perspectiva, leva-nos a con- the representations of disease, the body of the “Other” and the interaction andsiderar a fotografia, como objecto de estudo antropológico sobre a memória relationship colonizer-colonized.This perspective leads us to consider photo-e a medicina nos trópicos, essenciais à difusão de uma ideia de Império. graphy as an object of anthropological study about the memory and the medi-Após a contextualização da ocupação científica e imagética da Guiné Portu- cine in the tropics, essential to the spread of an idea of Empire.guesa, abordamos a missão do sono e o seu enquadramento, permitindo-nos After imagery and scientific occupation contextualization of Portuguese Gui-dirigir o olhar para a análise do objecto principal da nossa análise – a fotogra- nea, we will approach the sleeping mission and its environment, allowing us tofia produzida em missão. Na tentativa de sistematizar a análise deste “arquivo turn our focus to the analysis of the main object of our analysis –photographyvisual” e ultrapassar questões metodológicas, optou-se pela sua organização produced in mission. In an attempt to systematize the analysis of this “visual ar-em categorias interpretativas ou narrativas. Este artigo é um exercício de chive” and to overcome methodological issues, we opted for their organizationarqueologia de arquivo, resgatando documentos fotográficos resultantes into interpretive or narratives categories.This article is an exercise of archiveda actividade científica e de assistência do Instituto de Medicina Tropical, archaeology, rescuing photographic documents as a result of the scientific acti-conferindo-lhes contextualização histórica e interpretação antropológica. É vity and assistance from the Institute ofTropical Medicine, giving them histo-um exercício para ver para lá do visível, para ler para lá do não-dito. rical contextualization and anthropological interpretation. It is an exercise to see beyond the visible, to read beyond the unsaid.Palavras Chave: Key Words:Medicina Tropical; Doença do Sono; Missão do Sono; Fotografia; Antro- Tropical Medicine; Sleeping Sickness; Sleeping Mission; Photography;Vi-pologia Visual. sual Anthropology. 29

Artigo Original1.Ocupação científica e imagética da guiné portuguesa damental, enquanto instrumento que visava preservar a saúdeO projecto de “Ocupação Científica” da Guiné, impulsiona- do colono europeu e ao mesmo tempo promover e assegurar ado a partir de 1945 e enquadrado num contexto de instaura- melhoria das condições sanitárias das populações locais, legiti-ção de uma nova política colonial, corresponde à instalação mando desse modo, a sua presença e acção aos olhos da comu-efectiva da organização administrativa e militar e ao desen- nidade internacional.A biomedicina emergiu nesta lógica comovolvimento das estruturas produtivas da colónia. A Guiné instrumento e estratégia coloniais.A medicina como ferramentarepresentava uma colónia de fraco interesse económico, científica, auxiliar no processo e sucesso coloniais, como um sa-apenas justificada por argumentos de natureza nacionalista e ber de instrumentalização com o propósito de ordenar, disci-pela sua localização geo-estratégica. Séculos de contactos co- plinar e domesticar os comportamentos dos povos colonizadosmerciais com as populações costeiras, consubstanciaram-se [4].As prioridades em saúde eram claras para as administraçõesna edificação de duas pequenas fortalezas (Cacheu e Bissau) coloniais, devendo responder aos imperativos económicos e as-e na constituição de núcleos comerciais em Cacheu, Bissau segurar a defesa duma estratégia de dominação colonial.e Bolama. A colonização do território iniciou-se em finais As missões científicas programadas pela Escola de MedicinaTro-do séc. XIX1, com a efectiva ocupação empreendida já em pical contribuíram para o enriquecimento do discurso colonialpleno séc. XX, entre 1913 e 1936, através das campanhas de que se apoiou na medicina tropical como ferramenta ideológi-“pacificação” e de submissão das populações nativas à nova ca do Império e da colonização [5]. A medicina tropical, surgiuautoridade [1]. Neste período, a preocupação maior assen- como elemento da “missão civilizadora” e argumento de defesatou no controlo das populações, lançando-se ao mesmo tem- do colonialismo, perante a contestação internacional, a partir dapo as bases de uma administração local, sem desenvolver as década de 1950. O Estado Novo na construção da sua narrativa,infraestruturas nos meios rurais. Após a II Guerra Mundial, exibiu a medicina como elemento fundamental e justificativoa Guiné enfrenta uma verdadeira política de colonização, da sua presença em África e da “missão civilizadora”: a medicinamotivada pela nova conjectura internacional, que traz conse- como propaganda (para consumo interno e externo).quências para a política colonial portuguesa. O saber colonial como um saber-poder, na procura da constru-Após 1945 as Nações Unidas dirigem as suas atenções para ção de um argumento pertinente, justificativo, da política colo-a questão fundamental do colonialismo, antevendo o dese- nial para divulgar interna e externamente. Nesta linha emergiunho de uma nova ordem mundial. A Carta da Organização o estudo da doença do sono, enquanto grave problema colonialdas Nações Unidas (ONU) conferia o direito dos povos à que importava debelar, que se estudava e que se pretendia con-autodeterminação, o que motivou Portugal a reformular a trolar, justificando desse modo a presença do estado colonial.configuração administrativa e económica da sua política co- Controlar e tratar a doença do sono transitou de uma preocupa-lonial. Portugal reafirmava a sua política colonial como um ção de protecção da mão-de-obra indígena (enquanto mais-valiados pilares ideológicos do regime e a produção e mercados económica) para uma preocupação fundamental da missão civi-coloniais, como fundamentos económicos. Portugal procu- lizadora do estado colonial.rou melhorar as suas expectativas re-embalando o seu impe- A saúde pública nas colónias, influenciada pelo paradigma pas-rialismo, redefinindo a sua “missão civilizadora”. teuriano, constituiu-se na base da luta contra algumas doençasHouve a transição de uma ideologia colonial, assente na tropicais, especialmente a doença do sono e a malária, através deapologia da raça e no dever histórico de colonizar, para uma missões médicas organizadas [5].A doença do sono era um pro-ideologia de teor luso-tropicalista [2] [3]. Uma das verten- blema de saúde pública que também atingia os espaços coloniaistes desta nova fase do colonialismo português consistiu no de Portugal e não um exclusivo dos outros impérios coloniaisdesenvolvimento da “ocupação científica” dos espaços colo- europeus. São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e Guiné,niais, através da realização de missões científicas e da criação eram igualmente atingidos e eram alvo da atenção e preocupa-de instituições de pesquisa.A investigação científica colonial, ção da autoridade colonial. Assim, focamos neste artigo a mis-enquanto valiosa arma política, configurou-se como modo são de estudo e combate da doença do sono, enquanto missãode demonstração que Portugal ocupava efectivamente os permanente na Guiné, tutelada e organizada a partir de umaterritórios, demonstrando-o de forma científica. Para além instituição da metrópole - o Instituto de Medicina Tropical deda divulgação interna e externa, dos supostos benefícios da Lisboa,entre 1945 e 1974.colonização, o governo empenhou-se numa lógica de melhorconhecer para melhor controlar e dominar as populações e ter- 1.1. Ocupação científica: caso da missão do sonoritórios administrados. Diversas áreas científicas concorreram A doença do sono foi o flagelo que mais atingiu as popula-como instrumentos e argumentos essenciais da “missão” do Es- ções da África tropical no século XIX e no primeiro quarteltado colonial, destacando-se a medicina [4]. A investigação e a do século XX, assumindo-se como responsável pelo despo-prática médica, configuraram a colónia como num verdadeiro voamento e decadência de extensas regiões, até então fér-laboratório. teis e prósperas. A carência de mão-de-obra e o desejo deA afirmação da Medicina europeia no espaço colonial foi fun- 30

Anais do IHMTexplorar essas regiões, levaram as potências coloniais a en- motivos de saúde pública e atendendo a que constatava exis-carar seriamente o problema sanitário das suas possessões tisse a doença do sono, foi criado o Laboratório de Bacte-ultramarinas.A doença foi assinalada pela primeira vez entre riologia, Parasitologia e Análises Clínicas, anexo ao Hospitalos escravos do Benim em 1803, detectada em 1840 na Costa Militar e Civil de Bolama [8]. Esta instituição foi responsáveldo Ouro e na Serra Leoa e observada entre os nativos do pela realização da primeira confirmação laboratorial do tri-Congo, em 1864 [11]. Supõe-se que a Angola foi atingida panossoma no sangue de um doente [9]. Dez anos mais tardepela doença a partir de 1871, registando-se os primeiros ca- o Atoxil foi utilizado por Santana Barreto [10].sos nas margens do rio Cuanza, constituindo-se este como o Durante o primeiro quartel do século XX, a doença endé-foco inicial de onde irradiou para outros pontos de Angola mica atinge proporções preocupantes na Guiné. O ano de[11]. Cerca de 1882, com a cotação do cacau em alta, a do- 1925 é marcante: um europeu é atingido pela doença. Nesteença do sono ameaçou a Ilha do Príncipe [11]. Admitia-se mesmo ano, tem lugar em Londres a Conferência Internacio-serem os barcos que alternadamente transportavam pessoas nal sobre a Doença do Sono, recomendando a organização dee gado, desde 1825, que trouxeram para o Príncipe a “mosca Missões de estudo da doença nos espaços coloniais. Kopkedo Gabão” (nome que começou por ser conhecida na ilha a [13], representante português à conferência, esclarece queglossina), mas embora os casos de doença do sono fossem agir é um imperativo humanitário e ao mesmo tempo umraros, julgava-se a picada da mosca Tsé-Tsé, como inofensi- imperativo de afirmação política da presença e ocupação dosva. A partir de 1877, após a chegada de serviçais vindos de territórios.Angola2, a doença manifestou-se de forma epidémica. Em A missão da Escola de MedicinaTropical (EMT) liderada por1894, a Roça Porto Real recebeu 600 serviçais provenientes Sant’Ana Barreto em 1926 confirma a existência da doençade Angola (a maioria da região do Cazengo), a maioria ao fim no território, assente em evidência laboratorial (pela pri-de 5 anos tinha desaparecido quase na totalidade, a maioria meira vez na Guiné, é encontrado o parasita no sangue e novítimas da doença do sono que traziam incubada ou contra- liquido cefalo-raquidiano) e alerta para a necessidade urgen-ída localmente. Em 1885 a mortalidade entre os serviçais te de tomar medidas para conter a doença [9]. Contudo, nãoera assustadora, considerando-se a partir de 1890, como um houve especial atenção para a doença do sono, chegando averdadeiro flagelo [11]. ser posta em causa a sua existência, quando em 1932 se or-A população nativa, contabilizada em 3000 pessoas em 1885, ganiza uma Missão de Estudo à Guiné, chefiada por Fontouraestava reduzida a 800 pessoas em 1900, e a 350 em 1907, de Sequeira. Este investigador põe termo às controvérsias,chegando-se a colocar a hipótese de se abandonar a ilha demonstrando que a doença era endémica e que se impunha[11]. Várias missões se deslocaram à ilha do Príncipe com tomar medidas urgentes por forma a controlar a doença eo propósito de estudar a doença do sono e o seu comba- evitar a propagação das glossinas [14].te,3. a primeira datada de 1901, na qual participaram Anibal A partir de 1934 o número de casos de doença aumenta ex-Bettencourt4 e Ayres Kopke ( As investigações desenvolvi- traordinariamente, tornando-se relevante a endemia, a par-das foram direccionadas para o estudo da etiopatogenia da tir de 1938, com 250 novos casos de doentes do sono (umdoença. Embora não culminassem na descoberta do agente dos quais era europeu), atingindo o número de 936 casosinfeccioso (que só viria a ser descoberto anos mais tarde por em 1940, devido à entrada na Guiné de milhares de pessoasAldo Castellani, no líquido cefalo-raquidiano de portadores originárias das colónias francesas da África Ocidental (AOF),da doença), [12]. essas investigações revestiram-se de valor fugindo à incorporação militar para combater na II Guerra.cientifico e desenvolveram-se a par dos trabalhos de Jose- No período que medeia a missão de Fontoura de Sequeiraph Everett Duton, Robert Michael Forde, Castellani, David (1932) e 1944, são diagnosticados 4461 casos de doença doBruce e Kleine, entre outros. sono, passando esta a ser considerada a doença mais impor-Os primeiros relatórios dos chefes dos Serviços de Saúde fo-cavam mais a descrição geral do território e dos usos e costu- 1 Por um lado, pela acção política de Honório Barreto, comerciante local e gover-mes dos povos do que propriamente documentos encarando, nador do território, que negociou com os soberanos locais, concessões territoriais,exclusivamente o problema da saúde pública. Nem sempre depois cedidas graciosamente á coroa portuguesa; por outro lado, quando os inte-estas fontes de informação, são preciosas e estão em con- resses portugueses foram negociados na Conferência de Berlim de 1884-85.sonância com o registo de casos de doença do sono. Nestas 2 Vindos da região de Cazengo e das margens do Rio Cuanza.fontes a referência a diversas situações clínicas que terminam 3 Só uma campanha intensa que decorreu entre 1911 e 1914, erradica a glossina daem morte, apresentam fortes probabilidades de serem casos Ilha do Príncipe. Relatório final da missão da doença do sono da ilha do Príncipe,de doença do sono. 1912-1914. A; Archivos de Hygiene e Pathologia Exoticas. 5(1):1-255).Data de 1855 a primeira referência clínica da doença do sono 4 Aníbal Bettencourt, director do Real Instituto Bacteriológico (mais tardena Guiné, feita pelo facultativo Francisco Frederico Hopffer Instituto Bacteriológico Câmara Pestana) liderou esta missão científica. Outros[6], e as descrições clínicas pormenorizadas de alguns do- colaboradores foram Gomes de Rezende (tal como Ayres Kopke, pertencia à Escolaentes são feitas a partir de 18725 [7]. Cerca de 100 doentes Naval) e Correia Mendes (Director do Laboratório de Bacteriologia de Luanda).foram clinicamente diagnosticados até 1915, ano em que por 5 Segundo o relatório de Francisco Hopffer [6], o estado da arte sobre a doença do sono foi amplamente apresentado e difundido em 1871, pelos professores da Escola Médico Cirúrgica de Lisboa (José António de Arantes Pedroso, Francisco José da Cunha Viana e José Joaquim da Silva Amado), através da Sociedade de Geografia de Lisboa, contribuindo para um esclarecimento das especificidades da clínica e diagnóstico da doença junto dos facultativos nas colónias. 31

Artigo Originaltante na nosologia da Guiné, a par da malária, das boubas e A partir de 1953, o combate à doença do sono concentra-seda lepra [10].Vários relatórios médicos dão conta do avanço unicamente no recenseamento intensivo e tratamento dosda doença, insistindo na necessidade de instituir brigadas sa- doentes [16].nitárias especiais, destinadas a procurar e tratar os doentes e A secção de combate às glossinas com acção em todo o ter-no instituir de medidas agronómicas que visassem limitar o ritório, com objectivo de estudar e instituir estratégias decontacto homem-glossinas .Perante esta situação, o gover- poder erradicar as glossinas defendendo a população do seuno português vê-se obrigado a estudar de novo a situação, contacto. Estudou a biologia das glossinas (palpalis e sub-nomeando uma nova missão de Estudo à província da Guiné -morsitans) e realizou ensaios de profilaxia agronómica com oconstituída por Fraga de Azevedo, Francisco Cambournac intuito de poder vir a proceder ao seu combate por meio de(professores do IMT) e Manuel Reimão Pinto (assistente do insecticidas. Através de capturas manuais periódicas ou porInstituto Bacteriológico Câmara Pestana). Esta Missão de- intermédio de armadilhas de Harris, possibilitou a colheitamonstra que, comparativamente com os estudos anteriores, de elementos para o conhecimento das glossinas, por espéciea doença está a alastrar consideravelmente [15], propondo e do seu grau de infestação por tripanossomas, publicandomedidas de profilaxia, sobreponíveis às recomendações das em 1948 a carta da distribuição dos vectores por espécies,missões anteriores. seguindo as recomendações da Conferencia de Brazzaville,Só em 1945, é criada a Missão de Estudo e Combate da Doença realizada em Fevereiro desse ano [17]. Esta secção elaboroudo Sono tutelada pelo Instituto de Medicina Tropical com ca- uma carta da distribuição das glossinas e o seu grau de in-rácter permanente na Guiné Portuguesa, especialmente di- festação por tripanossomas, no território. Foram capturadasreccionada para a investigação, recenseamento e tratamento até 1950, 76859 glossinas, dissecadas 16542, encontrando-de doentes e para o combate às glossinas, desenvolvendo a sua -se tripanossomas polimorfos em apenas 253 delas [16].acção sanitária por todo o território, configurando-se como Em 1953 foram capturadas 42820 glossinas, dissecadas 526um verdadeiro arsenal terapêutico e profiláctico. Esta Mis- e em nenhuma delas foram encontrados tripanossomas. Asão foi organizada e chefiada pelo então assistente do IMT, partir deste ano, a captura de glossinas foi abandonada, porFernando Simões da Cruz Ferreira.A Guiné colonial emerge ser considerada irrealizável, atendendo a vários factores:entre o laboratório e a enfermaria. 1. por existirem glossinas em toda a Guiné e para além dasEsta Missão contribui em larga medida, para conferir visibi- suas fronteiras;lidade à acção do Estado colonial na vertente sanitária, quer 2. pela cobertura vegetal dos focos permanentes ser dema-no plano nacional, quer dentro de um quadro de política siado espessa;internacional de controlo e contenção da doença. Os objec- 3. por existirem refúgios permanentes, dispersos por todo otivos da Missão, configuravam-se em 3 secções integradas: território, formados por cobertura vegetal essencial à eco-secção de investigação; secção de recenseamento e tratamen- nomia ou à preservação dos solos da Província.to de doentes; secção de combate às glossinas. Esta secção passou a ocupar-se do recenseamento e trata-A secção de investigação procura conhecer melhor os aspec- mento dos doentes, intensificando-se portanto, essa verten-tos relacionados com a doença, para melhor poder orien- te da Missão.tar as actividades e práticas do serviço, contribuindo para o A Missão do Sono, foi um serviço fundamentalmente móvel.implementar de medidas de profilaxia e combate eficazes. A prospecção e inspecção biomédica dos corpos era realiza-Desenvolveu diversos trabalhos de investigação, directa ou da através das brigadas móveis de pessoal de saúde que pe-indirectamente relacionados com a doença do sono (ex. riodicamente se deslocava às aldeias, seguindo um plano deestudos sobre a epidemiologia e clínica da doença, ensaios circuitos delineados, que eram percorridos pelos enfermei-terapêuticos com tripanocidas novos e ensaios de quimio- ros, através de motorizadas ou de viaturas automóveis. Em-profilaxia em algumas áreas da Província). Esta secção não se bora fosse a doença do sono a prioridade, a atenção a outroslimitou ao estudo da doença do sono, contribuindo bastante problemas de saúde dos indígenas, era uma preocupação epara o conhecimento da nosologia da Guiné, levando a cabo um objectivo [18], alargando assim, o espectro de actuação eestudos sobre paludismo, lepra, ancilostomíase, dracontiase, vigilância, ganhando esta Missão, uma dimensão concorrentefilariases, bilharsíase, publicando 48 trabalhos de investiga- com os Serviços de Saúde da Guiné.ção, entre artigos e relatórios [16]. A Missão foi reorganizada6 em 1956, passando a ser deno-À secção de recenseamento e tratamento de doentes com- minada Missão Permanente de Estudo e Combate à Doença do Sonopete observar toda a população, diagnosticar, tratar e vigiar e Outras Endemias da Guiné (entre 1956-1964), alargando oos doentes. Nesse sentido, foi a Guiné dividida em 5 sectores seu âmbito formal de acção à vigilância, controlo, profilaxiaterritoriais, á frentes de cada um estava um médico dispondo e tratamento de outras endemias: tripanossomíase humana,de uma equipa móvel, que integrava enfermeiros e micros- lepra, paludismo, tuberculose e oncocercose.copistas. Cada sector detinha tabancas-enfermarias, a cargo A missão é transformada num serviço móvel polivalentede enfermeiros, onde para além de ser espaço de consulta e de profilaxia7, elevando consideravelmente o âmbito da suatratamento, poderia ser local de internamento de doentes. acção sanitária junto das populações, continuando a desen- 32

Anais do IHMTvolver a sua acção enquadrada nas três secções. Nesta nova íram para esse controlo [20]. A recolha e acumulação defase a secção de investigação deu continuidade aos trabalhos informação de natureza diversa, escrita e visual; os dadossobre a doença do sono e contribuiu para um melhor conhe- coligidos e todo o conhecimento produzido e vertido paracimento da nosologia da Província, publicando 16 trabalhos o papel (relatórios, classificações, estudos, relatos, mapas,de investigação sobre a Doença do Sono e 28 sobre outras desenhos, fotografias), onde se inscrevem as descrições depatologias e ensaios terapêuticos [16]. espaços e populações “exóticas” [20], tiveram quase sempreEnquanto a secção de recenseamento e tratamento de do- como destino a metrópole, disseminando-se por múltiplasentes reforça a sua acção, assegurando que toda a população instituições e espaços. Toda essa informação, ao ser manu-sujeita a contágio fosse observada pelo menos uma vez por seada, classificada e arquivada, contribuiu para fomentar eano. Pela observação anual da população, assiste-se através impulsionar nos espíritos imperialistas, sentimentos de pos-de todo o território, a uma diminuição gradual e progressiva se e de domínio sobre os territórios ocupados, “esbatendo” ado número de doentes e do índice de tripanossomas em cir- distância física [21].culação. O índice de evolução nervosa, inexplicavelmente, Foi através da produção e circulação dessa informação (in-mantém-se elevado [16]. dependentemente do grau de cientificidade) que o euro-A missão contribuiu para a expansão da Ocupação do territó- peu comum pôde conhecer e vislumbrar esses territórios erio pelos serviços da Missão, pelo trabalho levado a cabo por essas gentes, aceder às realizações e evoluções coloniais. Amédicos, enfermeiros, auxiliares de laboratório, microscopis- descoberta do espaço colonial, para a maioria da populaçãotas entre outros. Resultante do trabalho de estudo e combate metropolitana, passou pela sua “descoberta” no papel. Áfri-desta missão, regista-se uma redução progressiva do índice de ca existia, na medida em que existia no texto, na fotografiatripanossomas em circulação entre 1951 e 1962, alcançando-se veiculada pelo suporte de papel [21]. A fotografia enquadra-um panorama revelador da preocupação e eficaz acção sanitária -se enquanto instrumento de um processo de transforma-colonial [17]. Assim, se se comparar em 1961 o panorama da ção epistemológica e social, demonstrando que não podeDoença do Sono com os territórios vizinhos, constata-se a acção ser simplesmente e apenas ela mesma. Cada fotografia surgepertinente desta Missão num contexto que lhe confere um enquadramento históri-Em 1964 a missão é novamente reorganizada, passando a co, instrumental e cultural [22]. A fotografia foi mesmo odesignar-se Missão de Combate às Tripanossomíases da Guiné8. principal meio de tornar o mundo visível entre 1850 e 1950.Desde 1962 que a Missão se defronta com falta de meios Esta hegemonia corresponde à hegemonia do colonialismotécnicos, em especial de médicos. Ao ponto de em 1972, contemporâneo. Uma coincidência temporal que se reflectenos seis sectores territoriais da Missão, apenas existir 1 mé- na estreita relação entre fotografia e colonialismo [23].A fo-dico. Este facto é agravado pelo decorrer da guerra colonial, tografia emerge como um potente veículo de representaçõestravada no território da Guiné a partir de 1963. Entre 1962 da realidade e aproxima. Esbate o espaço entre a observaçãoe 1972, não são publicados relatórios médicos da Missão. colonial periférica e o espaço da sua interpretação metropo-O último relatório apresentado apresenta o movimento de litana [24].recenseamento de doentes neste período e o respectivo ín- A ocupação colonial também foi ideológica e simbólica, edice de tripanossomas em circulação. Em 1972 apesar das neste sentido, os registos iconográficos revelam-se essen-parcas condições de trabalho e dos escassos recursos, foram ciais, ao criar imagens que tornam o desconhecido inteli-observadas 270.250 pessoas, sendo diagnosticados 24 novos gível, que “vulgarizam” a “África Portuguesa” para além dacasos de doença do sono, graças ao trabalho empenhado do simples ilustração de textos de temática ultramarina. A ima-corpo de Enfermagem e Microscopistas da Missão [19]. O gem constitui-se como objecto discursivo sobre os espaços,trabalho desta Missão manteve-se permanente no território, as pessoas, os objectos e acções. Um objecto condicionador eaté ao final do Estado colonial, aquando da independência da facilitador, enquanto pretexto para um pensamento não ape-Guiné, embora entre 1972 e 1974 já num estado latente. nas da fotografia mas também da experiência que ela pre- tende representar. A difusão de imagens, assume uma força1.2. Ocupação imagética: missão e fotografia relevante nesse sentido. A fotografia ocupa um papel parti-O processo de “Ocupação Científica” dos espaços além-mar cular, entre os “instrumentos virtuais” da colonização e dae a imposição de uma ordem colonial recorreu a instrumen- imposição de um saber e ordem colonial [20].tos de controlo físico das populações e dos espaços domi- Desde o século XVI que os relatos dos espaços e populaçõesnados [4], concorrendo para tal o recurso a instrumentos exóticas circulavam na Europa acompanhadas de gravuras eadministrativos, militares, religiosos, técnicos e científicos representações fantásticas. Com o desenvolvimento da fo-(no qual se inclui a medicina). tografia paralelo ao crescimento e entranhamento social doComplementares a estes instrumentos “formais”, podemosconsiderar os “instrumentos visuais”, que muito contribu- 6 pelo Decreto n.º 40.885, de 28 de Novembro. 7 Como já tinha sido sugerido desde os primeiros anos da sua criação. 8 a partir de 1964 até 1974, segundo designação do Decreto n.º 45.541, de 23 de Janeiro de 1964 e reorganização do Decreto n.º45.785 de 30 de Junho de 1964. 33

Artigo Originaldispositivo fotográfico [25] a fotografia passa a ser uma coisa tigos sobre aspectos da Medicina Tropical eram regulares nobanal, uma “arte média” [26]. Coincidente com a fase a fase de Boletim, prova que Portugal se preocupava com os aspectosimposição efectiva de um projecto colonial europeu em Áfri- sanitários da colónia, com a saúde dos “indígenas” e dos colo-ca, foi rapidamente integrado neste processo de categorização nos ao mesmo tempo que pretendia dar o seu contributo noe normatização, em que assentou o saber colonial [24]. desenvolvimento da ciência médica, i.é., Portugal para alémA vigilância do dia-a-dia estava agora acessível a qualquer de “cumprir” com a Missão civilizadora participava no desen-um a qualquer hora, permitindo captar o instante e insti- volvimento da ciência Tropical. O Boletim dá conta e exaltatuindo a recordação como uma das dimensões irreversíveis ao longo das suas edições, da progressiva ocupação sanitáriade um novo quotidiano. Alimenta-se e constrói-se a opinião da colónia em prol da defesa do bem-estar da população in-pública que reclama retratos mais perto do vivido e em cima dígena:- enquanto poderoso argumento de propaganda ex-do acontecimento. Neste sentido, desde o século XIX que a terna, que servia para comprovar e legitimar a capacidadefotografia foi convocada como instrumento de captação do colonizadora da nação portuguesa, que servia, também noinstante (como prova do “nós estivemos lá”, do “nós reali- plano interno, como estimulo ao movimento migratório dazámos”, do “que nós vimos e encontrámos” das expedições mão-de-obra excedentária da metrópole para as colónias,científicas [27] e do “real” distante dos espaços colonizados passo considerado decisivo para a concretização da ocupação[28], dando corpo a numerosas colecções fotográficas onde sistemática daquele território.fica plasmado um “enquadramento” das paisagens e popula- Os textos e colaboradores do Boletim eram sobretudo pes-ções exóticas do império e a sua divulgação junto das popu- soas comprometidas com a prática colonial (funcionárioslações da metrópole [29] [20]. administrativos, mas também agrónomos, veterinários eNo caso da Guiné colonial, o Centro de Estudos da Guiné Por- médicos entre outros) e como tal, os vários artigos tinhamtuguesa criado no âmbito da implementação de um projecto implícito o princípio de “conhecer melhor, para melhorcolonial após 1945, constitui-se como um caso particular no ocupar e administrar”. Desde o início, os médicos da Mis-âmbito da investigação científica e etnográfica colonial, graças são do Sono mantiveram uma relação estreita com o Centroao empenho do Governador Sarmento Rodrigues. O Centro de Estudos, constituindo-se este como um espaço de socia-de Estudos surge como instituição de pesquisa local com o bilidade política, cultural e científica. Por exemplo, Cruzpropósito de fomentar e divulgar investigações nas mais di- Ferreira, e outros elementos que se lhe seguiram, integra-versas áreas científicas, implementando a política da “ocupa- ram a Comissão Executiva do Centro de Estudos e encon-ção científica” da colónia, como forma de contrariar o estado traram nas páginas do Boletim, o espaço privilegiado parade semiabandono e desinteresse da colónia, o que poderia ser divulgar as suas acções médicas de profilaxia e tratamento,usado no contexto internacional, da preparação das indepen- as diversas investigações desenvolvidas, os relatórios anuaisdências do pós-guerra. da Missão médica, muitas vezes publicados em simultâneoEste Centro tinha como instrumento de divulgação o Boletim nos Anais do Instituto de Medicina Tropical. Um dos núme-Cultural da Guiné Portuguesa, que publicava a investigação de ca- ros do Boletim Cultural (o n.º 26 de 1952) é dedicado aorácter histórico, etnográfico, cientifico, literário ou artístico, 1.º Congresso Nacional de Medicina Tropical, publicandoproduzido na colónia (com especial destaque para as etnogra- todas as comunicações apresentadas e resultantes da inves-fias locais produzidas pelos administradores coloniais). A pu- tigação médica levada a cabo pela Missão do Sono, ou emblicação do Boletim inicia-se em Janeiro de 1946 e termina em colaboração. Tudo isto, enquadrado num exercício de di-Abril de 1973, com uma periodicidade de 4 números anuais e vulgação e propaganda da acção e como forma de exercíciocom o propósito de ser uma “publicação facilmente aceitável sobre os quais se elaboram as políticas coloniais e se avaliapor uma maior massa de público, com o fito de popularizar os a sua aplicação.problemas culturais da Guiné e não os deixar circunscritos a A par de todo o corpus textual produzido pela “missão doum reduzido número de pessoas” [30]. sono”, e publicado nas páginas do Boletim Cultural entre 1945 No número inaugural, logo nas primeiras páginas, o Mi- e 1973, salientamos o corpus fotográfico que acompanhava osnistro das Colónias de então, Marcelo Caetano, traça a di- diversos artigos, um corpus expressivo do período colonial.mensão ideológica e política que vai nortear o alinhamento Para lá do texto e no esforço de transmitir e potenciar oe publicação do Boletim, contribuinte para uma “sistemática olhar científico, classificatório, quantificador, descritor, masocupação científica da colónia” [32]. O Boletim constitui-se também o olhar político e propagandístico o Boletim publicano melhor espelho na nova política de colonização científica. fotografias de forma assídua e ideologicamente empenhada,O Boletim através dos textos e das fotografias que ilustram contribuindo para o processo de representação e imaginaçãotodos os volumes, constitui hoje uma preciosa fonte revela- do Portugal metropolitano sobre este espaço.dora de um certo olhar colonial: o olhar científico, classifica- Para compreender a fotografia enquanto objecto, é impres-tório, quantificador, descritor, mas também o olhar político cindível contextualiza-la numa cultura discursiva e textual.e propagandístico [32]. A fotografia é um objecto produzido num contexto espe-Uma publicação heterogénea pela diversidade de temas. Ar- cífico, por pessoas específicas, é um objecto que viaja e que 34

Anais do IHMTpode assumir múltiplos usos e que deve ser colocada a par de análise as diversas fotos captadas e publicadas no Boletimde outros modos de conhecer e organizar o mundo. È ne- Cultural da Guiné Portuguesa.cessário saber e conhecer o que está para além da imagem, Mapasquestionar continuamente o que “lá falta” e “porque falta” e Os instrumentos visuais produzidos pela “missão do sono”“o que está” [33]. são alusivos à representação do território. Muitos dos ar-No seu conjunto, as imagens que ilustram os artigos publi- tigos são acompanhados por mapas descritivos da colónia,cados pela “missão do sono”, contribuem para a construção cartografando o território em função dos diferentes vecto-de um arquivo visual da história da Medicina no Império. res, parasitas e focos de doenças.Também para a Medicina aUm arquivo que se disseminou e ramificou por diferentes colónia da Guiné se foi construindo através de mapas. Mapascircuitos e sectores da sociedade portuguesa. Um arquivo vi- que ilustram a acção, a progressão e ocupação do espaço pelasual que não fornece imagens inocentes, traduzindo a visão, medicina europeia, como que conquistando território à do-entendimento e propósitos do colonizador. Não é em vão ença, mas também espaço à “medicina” gentílica. Conhecerque a primeira fotografia publicada no Boletim, no volume e reconhecer o espaço, passava pela sua representação no pa-inaugural, é a fotografia do percursor da política de coloni- pel. Missão de Estudo e Combate da Doença do Sono: umzação científica a seguir: Marcelo Caetano. combate que nos remete para uma ressonância militar onde2. ZOOMs à missão: entre o visível e o invisível o Mapa é um precioso instrumento de racionalizar o espaço e representar o “inimigo” e as conquistas (cf. Figura 1 e 2).O corpus fotográfico do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa Paisagem / Colonial Landscapepode-se organizar sumariamente em três grandes grupos: as A par da representação abstracta dos Mapas médicos da coló-fotografias dos actos oficiais inseridos numa ‘Crónica da Co-lónia’; a fotografia etnográfica e a fotografia como ilustração Fig. 1 - Carta de Distribuição das Glossinas (1950). BCGP,V(17):65dos artigos científicos. Neste artigo, detemos o nosso olhare análise sobre algumas das fotografias que acompanham os Fig. 2 - Circuito de distribuição de Sulfonas pelo território da Guinétextos de investigação de Medicina Tropical, produzidos e (1959). BCGP XIV(56):630publicados pela missão do sono, na sua linha de contribuição 35para a colonização científica e ocupação sanitária da Guiné.Com um enfoque especialmente antropológico, quanto àforma “como as coisas são vistas” e como aquilo que é visto éentendido, as fotografias funcionam como objectos de troca,ganhando um significado no ambivalente discurso da repre-sentação, dependentes de modos de ver específicos e de umacerta orientação do interesse [34].As fotografias não têm indicação do autor, sugerindo quesão da autoria de quem escreve os textos. As únicas pessoasidentificadas nas fotografias são os colonos, sendo os locaisanónimos. As fotografias raramente surgem isoladas, masconfiguram-se num enquadramento de reportagem dos tra-balhos de campo da missão. Este universo imagético que enquadramos na fotografiamédica, enquanto realizações de uma missão médica, traduzum olhar taxonomista que decompõe a realidade numa sériede metáforas discursivas [32]. Na sua totalidade pretendemconstruir uma representação iconográfica que se pode tradu-zir na fórmula: num território de paisagem e clima adversos,onde múltiplas doenças proliferam perante a passividade doOutro selvagem, é um imperativo Civilizador, levar a cabouma missão empenhada assegurada pela medicina colonial.Contudo importa desvelar o “inconsciente óptico” [35]. Amaterialidade das imagens tem a ver precisamente com odiscurso político, social e económico, e é inseparável da suafunção social [36]. Neste artigo procuramos desconstruir ossentidos desse universo imagético, agrupando em categorias

Artigo Originalnia, assume importância a fotografia da Paisagem como tra- uma ocupação simbólica do espaço. Os nomes portugue-dutora visual do real. Retratar o território nas suas diferentes ses eram atribuídos a espaços locais. Sintomas de umafeições, incluindo a sua geografia e topografia, dando-se “vida civilizada” que emerge. É o espaço do coloniza-conta do relevo da paisagem, da hidrografia, da fauna dor e, como tal, um espaço cuja linguagem visual elee da flora locais. O espaço africa- quer privilegiar [37]. As fotogra-no, um espaço perigoso, um espaço fias também fixam momentos quede doença e de morte, para onde deixam transparecer o “suposto”os europeus não queriam emigrar sucesso da missão civilizadora,[37]. como tradução do progresso civi-Ver e conhecer o trópico (mesmo lizacional como as que captam asem papel) era necessário para po- populações nativas que recorremder compreender o imperativo de às consultas e aos tratamentos nosagir no combate à doença, exal- serviços da “missão do sono”, emtando ao mesmo tempo a figura e detrimento de irem à medicinafunção da medicina colonial que era tradicional.exercida, enfrentando as adversida- Fig. 3 - Paisagem com mancha de vegetação (1963). BCGPdes do clima e da paisagem. Por ou- XVIII (72): 627 Nós...tro lado, fica patente a ideia de uma Daqui decorre a importância denatureza intacta, inexplorada, ro- focar o Europeu no exercício damântica, exótica, disponível para a sua missão dedicada, enfrentandointervenção de quem a olha, na me- as adversidades e contactando comdida que a Medicina está presente doenças estranhas. Divulgadas empara enfrentar e confinar a doença, Portugal, estas imagens seriamfavorecendo a “potencial vinda” de interpretadas como reveladorascolonos. Se por um lado, a fotogra- do interesse português nas coló-fia revela o espaço da doença, por nias, do efectivo desempenho naoutro, mostra a medicalização dessa missão civilizadora e da ocupaçãopaisagem e vulgarizava as potencia- Fig.4 - Armadilha de Harris colocada num local de efectiva, em nome do progresso,lidades da paisagem entre a popula- existência de Glossina palpalis (1950). BCGPV (17): 65 da civilização e modernidade.ção da metrópole (cf. Figura 3 e 4). O colono aparece como agente do bem, iluminando com as suas vestes brancas as sombras da pai-Progresso sagem africana. De início a repre-Por vezes, o único rasgo de civili-zação presente, é uma estrada, mas sentação do colono foi meramente decorativa. Fotografado em planotambém as pequenas edificações de de fundo, mas progressivamenteprojecto colonial, captadas pela ob-jectiva dos fotógrafos, conferia um parece ter havido preocupação de conferir contornos mais definidos“ar de civilização” à paisagem. Sinais à sua figura, aproximando a objec-da modernidade que serviam demáscara ao estado inóspito e virgem tiva da câmara fotográfica. A ocu- Fig. 5 - Pavimento duma rua com buracos onde se pação efectiva do espaço reflecte-da paisagem. encontram A. Gambiae, contudo em segundo plano está -se na ocupação de destaque naA civilização domestica a paisagem. patente uma construção colonial que se impõe na paisagem fotografia. A inserção da figura doMais tarde, o olhar do fotógrafo, (1962). BCGP XVII (65): 133. colono na paisagem africana vemleva-o a captar traços do progres-so, traços da presença e afirmação sinalizar a possibilidade da sua ocupação e habitabilidade graçascolonial no território. A construção à modernidade introduzida pelode casas, estradas, centros de saúde,postos de administração colonial, regime colonial e onde se poderia prosperar.infra-estruturas de ciência e edu- Aqui juntam-se dois elementoscação, contam-se entre os aspectosque assinalam a presença e inter- importantes na valorização da fo- tografia como instrumento devenção portuguesa na colónia (cf. perpetuação de uma imagem ouFigura 5 e 6). de um momento que veicula umaA ocupação colonial também foi Fig. 6 - Enfermaria da Missão de estudo e Combate da Doença do Sono (1949). BCGP IV(16): 764. 36

Anais do IHMTmensagem real. Neste caso a fotografia e a amostragem como suficientemente diferentes e exóticos para ser ins-do “nós” surge aliada a outro instrumento da força da peccionados livremente, eram pertença de colonizadosmedicina europeia, protagonizada pelo microscópio (cf. que não tinham nome, voz ou opinião para contestar aFigura 7). exposição e o devastar visual do seu corpo. Esta práticaCorpos Expostos configura-se em ver o outro como um ser exótico, queMuitas fotografias revelam a vulnerabilidade de corpos vive numa espécie de “zoo humano” e que a objectiva doexpostos em pose (da mulher, do homem, da criança), europeu pretende captar. O “outro” é fotografado na suasem roupas, corpos dóceis e passivos, tornando-os dis- condição de sujeito alvo da “missão civilizadora” em poseponíveis aos olhares das muitas pessoas que entram no de perfeita disciplina [37]. Há a construção do “outro”circuito da sua difusão, deixam transparecer uma assime- colonizado, emergindo a fotografia como metáfora da or-tria de poder, inerente numa relação colonial. Estes cor- dem colonial, na exacta medida entre quem fotografa epos em pose são indutores de associações de ideias [38] quem é fotografado, entre quem vê e é visto, entre quem- corpo indígena = selvagem/ exótico – e valorização do controla e vigia e é controlado e vigiado.papel colonial. Outra questão é o modo como o olhar do fotógrafo temEstes corpos, objecto de curiosidade do olhar popu- legitimidade para olhar o corpo desnudado da mulher.lar e científico (antropologia e medicina), assumiam-se Tal como o fotógrafo encontrava legitimidade para olhar para o corpo da mulher nativa, também o leitor-espec- Fig. 7 - Trabalho de tador masculino o podia fazer, partilhando os valores de Campo, no estudo da supremacia colonial [23]. Outra metáfora da assimetria Ancilostomíase (1964). de poder. BCGP XIX (76): 449 Domínio do Outro/ Panóptico Vigiar e classificar, são formas de controlo social, que opera pela aquisição e organização da informação. A informação e conhecimento são adquiridos pela observação. Conhecer é poder. A missão configura-se como um panóptico, como um mecanismo de vigilância, um olhar dos que se encontram em posições privilegiadas na estrutura social, para quem o mundo se afigura como um espectáculo, um palco, uma per-Fig. 8 - Sequência de Imagens relacionadas com a vigilância daAncilostomíase (1948). BCGPVol. III (12): 964 (estampas) 37

Artigo Originalformance [39]. Uma observação de um ponto superior ao guindo-se a população agrupada para ser examinada, osterreno (tanto no sentido físico como imaterial). O panóp- técnicos debruçados sobre papéis em cima da mesa e umtico, consiste em unidades espaciais e temporais que facili- grupo de crianças doentes. Atente-se na necessidade detam a constante visibilidade e identificação. Neste sentido isolar hábitos de higiene desvalorizados pelo observador,podemos entender um duplo sentido: a própria estrutura a exposição do controlo da população, a encenação doda “missão do sono” como (missão do sono ramificada pelas trabalho e, por fim, o agrupamento de crianças que tes-enfermarias-tabanca). Por outro lado, todo o conjunto de temunha a urgência do rastreio e tratamento europeu.fotografias configura-se numa vigilância panóptica da pai- A partir dos anos 60, com o início da guerra colonial, assagem e do corpo do “outro” fotografias deixam ver um maior protagonismo nas mis- sões técnicas por parte de técnicos locais e de uma adesãoActo colonial: memória do Acto ao modelo ocidental por parte das pessoas que usufruemPor vezes a fotografia capta instantes reveladores do acto dos serviços da missão.e da ordem colonial. Capta “encenações de poder”. A fo-tografia traduz relações de poder. O controlo é articula- O Mal à Flor da Pele/“Moral Leprosy” / Imagensdo, inscrito e traduzido pelo corpo. de corpos doentes, anormais, de-O controlo é traduzido pela disposi- formidadesção, distanciação e organização dos Sempre foi preocupação do médico, re-corpos na fotografia. O rol de téc- tratar a doença que se inscreve no exte-nicas seguidas para captar a fotogra- rior do corpo, como forma de a docu-fia, revela que não é o efeito estético mentar, emergindo a fotografia comoque impera mas o sentido [38]. Tal prática científica e material pedagógico. Acomo nas imagens de actos oficiais, fotografia nesta lógica, compreende-se aem que a população assiste ordeira exibição destas fotos numa revista cientí-à presença da autoridade, também fica como os Anais do Instituto de Medicinanas Missões técnicas da “missão do Fig. 9 - Mulher com Boubas (1952). BCGP.Vol.VII Tropical, com circulação por uma rede maissono”, a população nativa ordeira, (26): 254v. específica e especializada. Mas porquê aalinhada, dócil e disciplinada se sub- sua representação no Boletim Cultural quemete à inspecção médica dos corpos. circulava por público mais alargado e nãoA “reportagem técnica” recorrendo especificamente médico.à fotografia, é uma estratégia fre- Esta exibição de deformidades físicas pro-quente de construir a memória do vocadas pela doença, habitualmente restri-Acto Colonial ao mesmo tempo que tas á esfera privada do doente ou ao circuloemergem como argumento de de- profissional da medicina, é justificada pelamonstração e justificação da presen- ilustração da veracidade fotográfica que re-ça e empenhamento colonial. A lei- força a construção do imaginário sobre otura discursiva engloba uma sequên- “outro”. Imagens que apelam à curiosidadecia de fotografias (cf. Figuras 8). científica e social. Imagens que despertamO significante de conotação não se um voyeurismo pelo Outro distante, com de-encontra então ao nível de nenhum Fig. 10 - Caso de elefantíase (1972). BCGP Vol. formidades aberrantes, anormais, exóticas,dos fragmentos da sequência, mas ao XXVII (108): 751. bizarras [41]. Inscrevem-se na “moral le-nível do seu encadeamento [38]. prosy” (referida por Roberta McGrath [42])As fotografias são apresentadas de forma sequencial, cons- enquanto metáfora médica da anormalidade. A doença metafó-truindo uma narrativa de ordem, de fundamentação e jus- rica que se inscreve no corpo social é traduzida (investigada, re-tificação da intervenção dos actos médicos coloniais. Uma latada e controlada) pelos corpos individuais, com deformidadesnarrativa visual, uma prova factual das fragilidades da pai- físicas, isoladas (cf. Figura 9 e 10).sagem, espaço e contexto da doença e dos corpos doentes Perante este “espectáculo” da patologia tropical, a missão colo-para logo ilustrar a intervenção médica de conter o mal, de nial, pela via da medicina é mais que justificada, enquanto for-curar os corpos.A exibição fotográfica, seguindo o modelo ma de restabelecer a ordem do corpo: físico, social e político.de Reportagem do trabalho da missão no terreno, é uma A fotografia, como prática científica para uso social e político.constante em todas as edições do Boletim.Tomemos como exemplo o artigo de Cruz Ferreira, R. Política e Missão: MediaçãoPinto e Lehmann de Almeida, intitulado “Estudo da An- A entrada de académicos, jornalistas e políticos estrangeiroscilostomíase na Guiné Portuguesa” [40]. Uma sequência nas colónias portuguesas, resultava de uma abertura estra-que se inicia com o “local de defecação ao ar livre”, se- tégica do império, numa perspectiva de propaganda do Es- 38

Anais do IHMTtado Novo, para mostrar à comunidade internacional como tífico e para a circulação e intercâmbio de ideias, enquantoas colónias tinham sido integradas num Estado “pluriprovin- instrumento inseparável do saber médico, que encontravacial” onde as populações “nativas” tinham igual tratamento ao a colónia como um verdadeiro laboratório. Colonizar sig-das populações da metrópole. A “missão do sono”, emerge nifica, poder dominar não só pelos recursos físicos e huma-como um instrumento de propaganda, de uso político no nos mas também o poder dominar simbolicamente com ocontexto das relações internacionais, num momento em que uso e recurso da Imagem, assim como pensar e falar sobrea presença de Portugal em África estava sob contestação. A os indivíduos e territórios além-mar, afirmando-se destesede em Bissau da “missão do sono”, era um ponto de visita modo, o poder colonial.obrigatório a quem visitava á Província. Mostrar para revelar No Estado Novo, a ciência é expressão de um projecto eo trabalho que se desenvolvia e demonstrar a importância da argumento político, resultando daí, múltiplos discursospresença portuguesa. Gilberto Freyre, embaixadores, jorna- e narrativas, mas também uma pulverização de imagenslistas, passaram em visita pela missão (cf. Figura 11 e 12). representativas e legitimadoras da acção colonial. Neste âmbito podemos considerar o con- junto das fotografias produzidas7. Conclusão pela “missão do sono”. Neste âm- bito permitam-se que enquadre aA fotografia na “missão do sono”, difusão e circulação das Imagens daemerge como mecanismo de poder acção médica da missão, dentro dae domínio colonial, sobre um espa- “metáfora da caverna” de Platão.ço onde prolifera a doença tropi- Imagens produzidas, como argu-cal. Ilustram a voz da intervenção mento político em resposta a umae da investigação médica colonial, conjectura internacional, com in-exercida pela missão, exprimindo tuito de justificar, fundamentara dualidade de uma realidade quase e de ilustrar a missão e presençaa preto e branco: caos-ordem; do- Fig. 11 - Visita do Chefe de Estado General Craveiro Lopes, Imagens que contribuem para umença-higiene; selvagem-civilização; às instalações da Missão de Estudo e Combate da Doença do “colonialismo de imprensa” [43],nativos-europeus; periferia-centro. Sono (1955). BCGPVol. X (39): 527. no sentido que a sua circulaçãoImporta ir além da descrição sim- contribui para edificar de consen-ples da imagem. Importa desven- sos sobre a questão colonial. Cadadar os discursos, as narrativas, os fotografia testemunha cristalizacontextos e as estratégias coloniais, determinado tempo, precisamenteproduzidas em torno da doença do por selecionar e fixar determinadosono, e que levaram ao disparo da momento [44]. No seu conjunto,objectiva. estas fotografias enquanto sequên-O uso da fotografia pela “missão do cia visual da acção da missão nasono”, ao serviço da propaganda da colónia ao longo do tempo, cons-sua acção, anula a distância entre a tróem uma sequência narrativaGuiné e Metrópole e mesmo entre que, complementar ao texto, tra-a Guiné as outras colónias. A foto- duz a narrativa da política colonial.grafia contribuiu também, para a Fig. 12 - Visita do Arquiduque de Otão de Habsburgo O conjunto de fotografias traduzconstrução de conhecimento cien- (1963).Vol. XVIII (72): 662. uma evolução do olhar. 39

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Artigo Original Anais do IHMTAnálise genética de estirpes de Schistosoma mansoni sensíveise resistentes a praziquantel por rapd-pcrGenetic analysis of Schistosoma mansoni sensitive and resistant strains to praziquantel using rapd-pcrTiago MendesMestrando de Parasitologia Médica,Unidade de Ensino e Investigação de Parasitologia Médica (UEIPM),Grupo de Helmintologia e Malacologia Médicas (HMM),Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de [email protected] CaladoProfessora auxiliar, UEIPM, HMM, IHMTIsabel ClementeTécnica especialista, UEIPM, HMM, IHMTSilvana BeloProfessora auxiliar, UEIPM, HMM, IHMTAna AfonsoInvestigadora auxiliar, UEIPM, HMM, IHMTResumo AbstractO praziquantel (PZQ) é o fármaco de eleição no tratamento da Praziquantel (PZQ) is the drug of choice in the treatment ofschistosomose, devido à sua alta taxa de cura e por não demostrar schistosomiasis due to its high cure rates and no significantefeitos secundários significativos mas recentemente têm sido side effects. Currently, more and more cases of resistance orreportados cada vez mais casos de resistência ou de aumento increased tolerance to PZQ have been reported, consequently,de tolerância a este fármaco. Devido a estas observações, a there were recommendations for continuous monitoring ofOMS recomenda a monitorização contínua de Schistosoma spp drug resistance.potencialmente resistentes ao fármaco. In our laboratory, we selected a parasitic line of SchistosomaNo laboratório de Helmintologia foi seleccionada uma linha de mansoni, through constant drug pressure over several cycles,Schistosoma mansoni, resistente a PZQ na dose de 120 mg/Kg, após which was resistant to 120 mg/kg PZQ.pressão de fármaco constante ao longo de vários ciclos. Foram Adult parasites of S. mansoni from the resistant and from arecolhidos parasitas adultos de S.mansoni da estirpe resistente e de uma sensible strain were collected; the DNA was extracted andestirpe sensível e procedeu-se à análise do DNA dos vermes por Random analyzed through Random Amplified Polymorphic DNA-Amplified Polymorphic DNA-Polymerase Chain Reaction (RAPD-PCR). Polymerase Chain Reaction (RAPD-PCR).Foi possível observar polimorfismos em 7 dos 10 primers. Uma We observed genetic polymorphism in 7 of 10 primersvez observadas as diferenças polimórficas entre parasitas sensíveis tested. Once observed the polymorphic differences betweene resistentes, calculou-se o coeficiente de similaridade (Dice’s susceptible and resistant parasites, we calculated the similaritycoefficient). coefficient (Dice’s coefficient).A compreensão de polimorfismos genéticos associados à resistência Understanding the genetic polymorphism associated withpoderão contribuir para a identificação futura de sequências resistance may contribute to the future identification ofrelacionadas com a resistência/tolerância de S. mansoni ao related sequences with the resistance/tolerance of S. mansonitratamento por PZQ e para a identificação de parasitas resistentes to PZQ treatment and for identification of resistant parasitesno campo, assim como para o desenvolvimento de novas estratégias in the field as well as for the development of new strategies tode controlo para a schistosomose. schistosomiasis control.Palavras Chave: Key Words:Schistosoma mansoni, RAPD-PCR, resistência ao Praziquantel. Schistosoma mansoni, RAPD-PCR, Praziquantel resistance. 41

Artigo OriginalIntrodução Materiais e métodosA schistosomose é uma doença crónica causada por parasi- Para este estudo foi utilizada uma estirpe de S.mansoni de Belotas do género Schistosoma, sendo actualmente considerada a Horizonte (estirpe BH) sensível ao PZQ (ES), cujo ciclo desegunda doença parasitária mais importante, cujo impacto vida tem sido mantido no laboratório de Helmintologia hásocio-económico nas regiões tropicais e sub-tropicais é ape- vários anos, utilizando murganhos da estirpe CD1 como hos-nas ultrapassado pela malária [1, 2, 3]. pedeiro definitivo e Biomphalaria glabrata como hospedeirosO fármaco de eleição no tratamento e controlo da morbili- intermediários. A partir desta estirpe foi desenvolvida a estir-dade da schistosomose é o praziquantel (PZQ) que, quando pe resistente (ER) a doses de 120 mg/kg de PZQ, através dautilizado nas dosagens recomendadas pela OMS (Schistosoma administração inicial de doses subterapêuticas de PZQ, sendomansoni, S. haematobium, S. intercalatum: 40 mg/kg; S. japoni- a dosagem aumentada ao longo de vários ciclos.cum,S.mekongi:60 mg/kg), tem revelado taxas de cura eleva- Para análise de eventuais alterações genéticas, recolheram-das (75-85% para S. haematobium, 60-90% para S. mansoni, e -se parasitas adultos de S. mansoni por perfusão do fígado60-80% para infecções mistas de S. mansoni e S. haematobium) dos murganhos infectados. Os parasitas foram separados[4, 5, 6]. A sua eficácia contra todas as cinco espécies que por sexo e realizou-se a extracção de DNA tanto da es-afectam os seres humanos, a sua fácil administração, boa to- tirpe resistente (ER) como da estirpe normal (sensível alerabilidade e baixo custo são as características responsáveis PZQ). O DNA foi extraído utilizando o protocolo CTABpelo sucesso deste fármaco [7, 8]. Desde meados de 1970 modificado [18]. Os parasitas foram macerados em tubos(séc. XX) que o PZQ tem substituído outros fármacos antes com 600 µl de tampão de extração CTAB pré aquecidoutilizados no controlo da schistosomose, sendo um elemento a 55ºC e com 10 µl Proteinase K (10 mg/ml). Os tuboscrucial na estratégia global de controlo da doença, reduzindo foram incubados a 55ºc durante 90 minutos com agitaçãobastante a prevalência e intensidade das infecções [9]. Em frequente. Após a incubação foram adicionados 600 µl devirtude da sua utilização intensa, há mais de três décadas, clorofórmio:álcool isoamílico (24:1), foi misturado por inver-no controlo da morbidade em áreas endémicas, têm surgido são durante 2 minutos e submetido a uma centrifugaçãoalgumas preocupações relacionadas com o desenvolvimento rápida. O sobrenadante foi transferido para um tubo novode tolerância ou resistência do Schistosoma spp ao PZQ [8, 9, que continha 800 µl de etanol absoluto gelado. As amostras10]. Com efeito, têm sido reportadas taxas de cura cada vez foram centrifugadas a 8,000 g durante 20 min. O sobrena-mais baixas após o uso de PZQ na região norte do Senegal. dante foi descartado e o pellet foi lavado com etanol a 70%No Egipto, após o tratamento de 1607 pacientes com duas e centrifugado a 8,000 g durante 15 min. Após a centri-doses de 40 mg/kg e uma terceira dose de 60 mg/kg, veri- fugação, o sobrenadante foi descartado e o pellet foi secoficou-se que 2,4% dos pacientes inicialmente tratados conti- e dissolvido em 50 µl de tampão TE. O DNA extraído foinuaram a eliminar ovos nas fezes [6, 11, 12, 13, 14]. Estudos guardado a -20ºC até utilização.experimentais sobre fármaco-resistência demonstraram ser A análise molecular foi feita por random amplified polymor-possível seleccionar estirpes resistentes de S. japonicum e de phic DNA-polymerase chain reaction (RAPD-PCR). Foram se-S. mansoni bastante tolerantes ao PZQ, administrando doses leccionados 10 primers (Tabela 1), com sequências de 10subterapêuticas a murganhos [7, 8,10]. nucleótidos (Eurofins MWG Operon) uma vez que estesVários estudos reportam a existência de diversidade genética tinham mostrado ser úteis na detecção de polimorfismosem S. mansoni de diferentes regiões geográficas, podendo esta entre S. mansoni. [19]. As reacções de amplificação foramser determinada por diferenças no genótipo de cada estirpe realizadas utilizando GoTaq® Flexi DNA Polymerase,de indivíduo [15, 16]. Alguns estudos mostram ainda que S. onde, por cada reacção de amplificação foram adicionadosmansoni apresenta diversidade genética não só entre diferentes 10 µl de 5x Green GoTaq® Flexi Buffer, 3 mM de Cloretoregiões geográficas, e intra-regionais, mas também entre es- de Magnésio (MgCl2), 0,2 mM de nucleotidos (cada), 10tirpes provenientes de diferentes hospedeiros intermediários pmol de primer, 2,5 u de Gotaq® DNA Polymerase e 10ou de diferentes hospedeiros definitivos [17]. Estes estudos µg de DNA para um volume final de 25 µl. A amplificaçãoutilizam várias técnicas de PCR para detectar esta diversidade foi a seguinte: um passo inicial de desnaturação de 92ºCgenética incluindo a técnica de amplificação aleatória de DNA durante 5 min, seguido de 35 ciclos cada com desnaturaçãopolimórfico (RAPD). Embora alguma desta variação possa es- a 92ºC durante 1 minuto, emparelhamento a 34º C durantetar associada a divergências temporais, alguns polimorfismos 4 minutos e fase de alongamento a 72ºC durante 2 minu-genéticos podem estar associados ou ser marcadores de adap- tos, após os ciclos realizou-se uma extensão final a 72ºCtação do parasita às pressões do ambiente que o rodeia, como durante 10 minutos. A electroforese foi realizada em gela pressão farmacológica [7, 8, 15, 16,17]. de agarose a 1,5% corado com brometo de etídio (EtBr).Este trabalho teve como objectivo realizar uma análise gené- Todas as amostras amplificadas com o mesmo primer foramtica de estirpes de Schistosoma mansoni susceptíveis e resisten- incluídas no mesmo gel.tes a PZQ por RAPD-PCR. Uma vez observadas as diferenças polimórficas entre pa- 42

inutos e fase de alongamento a 72ºC durante 2 minutos, após os ciclos realizou-se umaxtensão final a 72ºC durante 10 minutos. A electroforese foi realizada em gel de agarose a5% corado com brometo de etídio (EtBr). Todas as amostras amplificadas com o mesmo Anais do IHMTrimer foram incluídas no mesmo gel.abela 1 – ListTaadbeelpar1im-eLrisstaudtielipzraimdeorssuptialirzaadRosApParDa -RPACPDR-PCR Resultados Dos 10 primers utilizados para o RAPD-PCR, dois (OPI- 16 e OPI-17) não apresentaram qualquer padrão pas- Primer Sequência sível de comparação, tendo os restantes oito primers apresentados padrões de bandas comparáveis. Destes OPI-3 5'- CAGAAGCCCA - 3’ oito primers com padrões de bandas bem definidos, sete OPI-5 5’ – TGTTCCACGG - 3’ (OPI-3, OPI-5, OPI-6, OPI-8, OPI-9, OPI-12 e OPI- OPI-6 5’ – AAGGCGGCAG - 3’ 18) apresentaram diferenças polimórficas. Estes primers OPI-7 5’ – CAGCGACAAG - 3’ produziram um total de 54 fragmentos bem definidos (5 OPI-8 5’ – TTTGCCCGGT - 3’ a 12 fragmentos, média de 8 fragmentos) entre 200 pb e OPI-9 5’ – TGGAGAGCAG - 3’ 1200 pb. Do total de fragmentos gerados 23 foram po- OPI-12 5’ – AGAGGGCACA - 3’ limórficos (43%), com o primer OPI-5 a gerar mais po- OPI-16 5’ – TCTCCGCCCT - 3’ limorfismos, seguido dos primers OPI-6 e OPI-9 (Tabela OPI-17 5’ – GGTGGTGATG - 3’ 2). A identificação de bandas polimórficas foi feita com OPI-18 5’ – TGCCCAGCCT - 3’ rasitas sensíveis e resistentes, calculou-se o coeficiente de base na comparação de padrões de bandas no mesmo gelma vez obsesrivmaidlaasridaasddeif(eSr)e,n(Dçaicse’ps ocloiemffóicrifeincta)s[2en0t,re21p]adraesiatcaosrdseonscíovmeis e rpesairsateanmtebs,as as estirpes, sendo apenas consideradas poli-alculou-se o caoefófircmieunltae:de similaridade (S),(Dice’s coefficient) [20, 21] de acomrdóorcfoicmasaas bandas detectadas em todos os indivíduos da mesma estirpe.rmula: Uma vez observadas as diferenças polimórficas entre pa- rasitas sensíveis e resistentes, calculou-se o coeficiente Onde a corresponde ao número de bandas partilhadas por de similaridade (Dice’s coefficient) (Tabela 2). O primernde correspamonbdaes aaos ensútmirpereos,dbe bcoanrrdeassppoanrdtielhaaodansúmpoerraomdbeabsaansdeasstiprpree-s, coOrrPesIp-5onfdoei o que obteve um coeficiente de similarida-o número de sbeanntdeassnpareessteinrptees snuasceesptitrívpeel seuascuespentítveesl neaaeussteirnpteesrensaisetesntitrepe residsetenmteaies cbaixo (0,25) apenas havendo partilha de umaorresponde aoe nc úcmorerreospdoendbeanadoasnúpmreesreontdese bnaandesatsirppreesreensitsetsenntae eestiarupseentes bnaanedsatirepnetre ambas as estirpes e 3 bandas polimórficas resistente e ausentes na estirpe susceptível. para cada primer. O primer OPI-7 não apresentou dife-usceptível. Todos os procedimentos técnicos foram realizados de acor- renças polimórficas entre ambas as estirpes e o primer do com a legislação nacional e Europeia (DL 276/2001 e DL OPI-3, (d5e entre os primers que apresentaram diferenças 314/2003), no que respeita à protecção e bem-estar animal. polimórficas) foi, dos primers que apresentaram poli- morfismos, o que teve coeficiente de similaridade mais elevado (0,83), com 5 bandas comuns para ambas as estirpes e duas bandas polimórficas apenas presentes na estir- pe resistente. Figura 1 - RAPD-PCR, OPI-5. MW – marcador molecular 2000 bp; ER 100 - Estirpe resistente a 100 mg/kg de Paziquantel; ES - Estirpe sensível a PZQ; ER 120 - Estirpe resistente a 120 mg/kg de Paziquantel. M – Macho; F – Fêmea; B – Macho+Fêmea. 43

com 5 bandas comuns para ambas as estirpes e duas bandas polimórficas apenas presentes na estirpe resistente.Artigo Original Tabela 1 – Coeficiente de similaridade (S) OPI-3 OPI-5 OPI-6 OPI-7 OPI-8 OPI-9 OPI-12 OPI-18 1 5 5 3 3 34 Nº de bandas 5 3 2 0 1 1 00 partilhadas 3 3 0 1 2 23 Nº de bandas presentes na 0,25 0,67 1 0,75 0,67 0,75 0,73 ES e 0 ausentes na ER Nº de bandas presentes na ER e 2 ausentes na ES Coeficiente de 0,83 similaridade Tabela 2 - (S) Coeficiente de similaridade (S)Di4s.cussãDoiscussão lores são extremamente baixos e sugerem que o parasita pRoArPDR-APPCDR-fPoCi dResfeonivodelvsiednavdoelvfiodramdaeaformactooalnesreeâsgntuucediaaaradoaapPtvZaarQr-is,aeboialqoiudfaeádrpemodaceorá, desenvolvendo resistência/A aAnáalinsáeligseenégteincéatpicoar explicar o crescente núme-estguednaértiacavaernitarbeildidifaedreengteesnéetsitciarpeenstgreeodgirfeárfiecnatseos uesitsiorlpaedsogsed-e Schrisotodseocmaaso[s15h,u1m6a,n2o2s].reNpuomrtados de insucesso terapêutico.ogersátfuicdaos orueailsiozlaaddoospdoer STchsaisitoesotmaal.[1(520, 0106), 2e2s]t.aNtéucmniecsatufdooi capaz de identificar diferençasreagleiznaédtiocapsoreTntsraei eetsatilr.p(e2s00d0e) Se.stamtaéncsnoincai fdoei cdaipfearzedneteisdeánre-as geográficas que tinham sidotificar diferenças genéticas entre estirpes de S. mansoni de Conclusõesdifreerfeenritdeassácreoamsogesoengsríávfieciassoquuetotleinrahnatmessaidooprreafzeirqiudaansteclom[1o7]. Para a realização deste estudosensesílveecicsioonuátmoloesra1n0tedsoaso p2r0azpirqiumaenrtselu[t1i7li]z.aPdaorsa paorreaTliszaaiçãeot al (2O0s00d)advoersifoicbatniddoos qnueesteesttarabalho sugerem que S. mansonidemsteeteosdtouldoogisaelneãcociosnóámé ovsá1li0dadopsa2ra0 epsrtiimrperessudtielizdadifoesrepnoters locacloinzaseçgõuese cgreioagrruáfmicaast,olmeraâsncia/resistência ao PZQ e que aTé svtaaáilmiedtbaéampl a(r2pa0ae0rsa0ti)repvseteisrrpidfeiecsadnliadfeboroerqnautteoesriealsoitsca,amlsizeeantçdoõodeosplogoegsoisagívrneáãlfoicoasbsó,ter umtvéecrpnsiaidcdaardãdeoe gRdeAenPéDbti-acPnaCdaRassspoeccroimamditaea, efectivamente identificar a di- esta adaptação. A compreen-madsiftearmenbçéams ppoalrima óersftiicrapsesenlatrbeoersattiorprieasi.s, sendo possível ob- são destes polimorfismos genéticos associados à resistênciaterDuoms 1p0adprrãimo edres bteasntdadasosc,o7m(sdeitfee)redneçleass pdoerliammóurfmicapsaednrãtorepolimpóorfdiecroãoescpoenctifriicbouiprapraarcaaadiadentificação de futuras sequênciasesteisrtpireps.e. No trabalho realizado por Tsai et al (2000) os 10 primeesrpsedceífmicoanssrtrealraacmionuamdabs ocmom a resistência/tolerância de S.lDimonsóívr1ef0ilcpodreiemsapemrespctilefiifscitcoaadpçoãasor,a,7cse(asdnedatoee)sútditreepilsees.pdNaeroaratemrsatbuuadmlohsopadrdeeraãdloiizvapedoros-idadecmgaaeçnnãsoéotninicoaaocdatemraSpt.aommdaeennsptooanrpaiosdirteaPsZtQol,eroanqtuees/preersmisitteinritaesa identifi- e distin-pomr Tursgaai neht oasl (2co0m00)doifse1re0ntperimbearsckdgermouonndstrgareanmétiucom beomimunolgóugiircoe.ntrCeocmasoesstdee feásrtmudaoco-resistência e casos de reinfec-nível de amplificação, sendo úteis para estudos de diversi- çdãeoc,apdoasusimbilditeasntedsocoasotrsa.ta8mento adequado para os doentesdade genética de S. mansoni de murganhos com diferente ba-ckground genético e imunológico. Com este estudo verificá- A Organização Mundial de Saúde alerta para o aparecimentomos que sete destes primers também são úteis para distinguir de populações de Schistosoma spp resistentes ao PZQ e reco-estirpes com diferente sensibilidade ao PZQ [15, 16, 17]. menda uma constante vigilância [9], pelo que este e outrosDos primers utilizados, o OPI-5 mostrou ser aquele que me- estudos são de extrema importância para a identificação delhor diferencia a estirpe sensível da resistente, seguindo-se os sequências associadas à tolerância/resistência para melhorprimers Opi-6 e OPI-9. Estes resultados levam-nos a sugerir compreensão do(s) potenciais mecanismo(s) de tolerância aoque estes três primers poderão ser bons marcadores para estu- PZQ, contribuindo para o desenvolvimento de novos schis-dos de populações de S. mansoni laboratoriais ou de campo. tosomicidas e para novas estratégias de controlo da schisto-Era esperado que os valores do coeficiente de similaridade somose.estivessem próximos de 1, pois a estirpe ER é uma estirpeque deriva da estirpe sensível, com a qual foi comparada,sendo por isso esperado que o perfil de ambas fosse muito Agradecimentospróximo [20, 21].Surpreendente, para sete dos oito primerscom perfil de bandas, o coeficiente de similaridade variou Ao Doutor Pedro Ferreira por todos os conselhos, críticasentre 0,87 e 0,25, com um valor médio de 0,67. Estes va- e sugestões. 44

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Artigo OriginalUma nova ameaça à nossa porta: consequências da dispersãodo vírus da dengue num mundo em constante mudançaA new threat at our doorstep: consequences of dengue dispersal in a constantly changing worldRicardo Manuel Soares ParreiraGrupo deVirologia, Unidade de Ensino e Investigação de Microbiologia Médica/UPMM,Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de [email protected] Luís Marques da Silva de AtouguiaUnidade de Ensino e Investigação de Clínica Tropical, Instituto de Higiene e Medicina Tropical,Universidade Nova de LisboaCarla Alexandra SousaUnidade de Ensino e Investigação de Parasitologia Médica/UPMM, Instituto de Higiene e Medicina Tropical,Universidade Nova de LisboaResumo AbstractDos arbovírus transmitidos por mosquitos, o vírus da dengue (DENV) Dengue virus (DENV) is the mosquito-borne arbovirus with theé aquele que maior impacto exerce sobre a saúde humana. Ainda que widest impact on human health. Although its dispersal is partiallya sua dispersão esteja, em parte, dependente das condições ambientais conditioned by the environmental constraints that limit the distribu-que determinam a dispersão do seu principal vetor (Aedes aegypti), a sua tion of its main vector (Aedes aegypti), DENV has been relentlesslydistribuição pelo planeta tem sido imparável. Embora essencialmente taking over the planet, especially in the last decades. Despite thecircunscrito a ambientes tropicais e subtropicais, este vírus afeta cerca fact that it is mainly associated with the tropical and subtropical re-de 1/3 da população mundial. A inexistência de uma vacina eficaz ou de gions, it affects up to 1/3 of the world population. In the absenceterapêutica especificamente dirigida contra este vírus tornam o controlo of any prophylactic vaccine or specific therapeutics, vector controldos seus principais vetores a principal arma de que dispomos para limitar remains the best alternative to restrain its circulation. However,a sua circulação. No entanto, a maioria das infeções são inaparentes e a most viral infections are either clinically silent, or expressed as amaior parte das manifestações clínicas são indistintas, sendo genericamen- non-specific fever syndrome. Therefore, viral activity may remainte englobadas na categoria das síndromes febris. Assim, a presença deste undetected. Moreover, the establishment of thriving vector popula-vírus nem sempre é fácil de detetar. Adicionalmente, o estabelecimento tions in periurban environments brings humans and viruses closerde populações vetoriais em ambientes urbanos abre oportunidade à apro- together, and opens the possibility for the occurrence of unexpectedximação entre vírus e humanos, e ao estabelecimento de epidemias em outbreaks. Such was the case of Madeira in 2012-2013. In additionlocais, a priori, pouco prováveis para que tal acontecesse. O surto de den- to its impact on the health of the local population, health servicesgue na Madeira em 2012-2013 foi disso exemplo. Mais do que o impacto and economy, this outbreak revealed how difficult it may be to con-na saúde e economia locais, esta situação veio revelar o quão difícil é o trol the circulations of pathogenic arboviruses, especially taking intocontrolo de circulação de arvobírus patogénicos, numa Europa parcial- considerations that Europe is already partially colonized by anothermente colonizada por outro dos seus principais vetores (Ae. albopictus) se DENV vector (Aedes albopictus).poderá revelar. Key Words:Palavras Chave: Dengue, flavivirus, mosquito, dengue fever, Aedes.Dengue, flavivírus, mosquito, febre de dengue, Aedes.Introdução pelo planeta, especialmente durante os últimos 50 anos. Para tal, têm contribuído dois fatores essenciais. Por um lado, a de-Anualmente, entre 50 a 100 milhões de pessoas são infetadas gradação ambiental, que funciona como elemento facilitador dapor um dos quatro serotipos do vírus da Dengue (DENV), es- multiplicação do vetor na vizinhança das habitações humanas,timando-se que mais de 2,5 mil milhões de indivíduos possam consequentemente aumentando as probabilidades de contactoviver sob risco de virem a ser infetadas por este vírus (WHO, entre humanos e mosquitos; por outro, a intensificação do tráfe-2008). De entre os vírus do género Flavivirus (família Flavivi- go (humano e mercadorias), que permite transportar o DENVridae) que são transmitidos por artrópodes hematófagos, e em e os seus vetores a longas distâncias.particular por mosquitos, o DENV é o arbovírus (do Inglês O DENV afeta, especialmente, centros urbanos, não poupando,arthropode-borne virus) que mais rapidamente se tem dispersado no entanto, zonas rurais e atinge todos os níveis sociais. No en- 46

Anais do IHMTtanto, e em termos globais, o seu peso faz-se sentir, em especial, O vírusnas comunidades com baixos recursos e que vivem, frequente-mente, em densos agregados populacionais sem infraestruturas À semelhança da generalidade dos flavivírus, o DENV é geneti-sanitárias adequadas, condições estas favoráveis à multiplicação camente diverso. No entanto, e ao contrário dos restantes mem-do seu principal mosquito-vetor (ver secções seguintes). bros deste género, o que conhecemos como DENV é, de facto,O número de infeções pelo DENV varia substancialmente de um conjunto de 5 vírus geneticamente distintos (Nomile, 2013).ano para ano, sendo difícil estimar o seu real impacto na saú- Apesar de partilharem um ancestral comum, os diferentes vírusde humana devido a sub-notificação das infeções e erros no seu da dengue agrupam-se em linhagens geneticamente distintas (re-correto diagnóstico (Suaya et al., 2007). Este aspeto é particu- visto porVasilakis &Weaver, 2008).Ainda que a caracterização ge-larmente relevante e impede, até hoje, a correta avaliação do nética dos vírus do serotipo 5 não tenha sido, ainda, apresentadaimpacto das infeções pelo DENV em África. De facto, e em na literatura,vírus deste serotipo foram encontrados em amostrasvirtude da incapacidade de confirmação laboratorial da etiolo- de sangue e soro humanas colhidas durante um surto que assolougia das síndromes febris, mais de 70% deste são tratados como o estado Malaio de Sarawak em 2007 (Nomile, 2013). Estes vírusmalária, especialmente nas zonas onde esta última é endémica são capazes de replicar sem aparentes restrições em macacos pre-(Amarasinghe et al., 2011). viamente imunizados contra DENV dos serotipos 1, 2 e 3, sendo a sua replicação limitada em macacos imunes contra DENV-4.Tal facto sugere semelhanças antigénicas entre os vírus dos serotiposCiclo epidemiológico 4 e 5 (Nomile, 2013).Cada uma das quatro linhagens que foram, até hoje, caracterizadas do ponto de vista genético, agrupa umContrariamente à maioria dos arbovírus, a circulação do DENV conjunto de vírus que partilha características antigénicas seme-não está associada a ciclos de manutenção (enzoóticos) e ampli- lhantes, isolando-os em serotipos. No seu conjunto,os 5 serotiposficação (epizoótico). Nestes casos, as do DENV parecem formar um sero-infeções dos humanos são acidentais, complexo, onde a divergência antigé-e não contribuem para a manutenção nica entre estirpes virais (definida pelasdo vírus na natureza já que os níveis características da proteína E dos seroti-de virémia não parecem ser suficien- pos 1 a 4) pode atingir os 40% (Heinztemente elevados para garantir a infe- & Stiasny, 2012).Incluídas em cada umção persistente do vetor hematófago. dos serotipos de DENV podemos en-Ao contrário destes, o DENV sub- contrar linhagens virais quer silváticassiste na natureza através da infeção quer epidémicas (estas últimas circu-de primatas não humanos e do Ho- lantes em ambiente sinantrópico), emem em ambientes ecológicos dis- para cada uma delas têm sido descritostintos. Enquanto os primeiros são os inúmeros genótipos (Vasilakis & Wea-hospedeiros do vírus em ambiente ver, 2008).As estirpes silváticas e epi-silvático, o Homem é o hospedeiro démicas parecem estar isoladas querde manutenção e amplificação pre- do ponto de vista evolutivo quer eco-ferencial das estirpes epidémicas Fig. 1. Observação de partículas do vírus da dengue em lógico. Ainda que as estirpes silváticasde DENV, mantidas em ambiente cisternas do retículo endoplasmático (créditos: Frederick tenham sido, até hoje, muito menosurbano num ciclo que envolve ex- Murphy, Cynthia Goldsmith; disponível em http://phil.cdc. bem estudadas que as epidémicas am-clusivamente humanos e mosquitos. gov/phil/). bas são dotadas de potencial infeciosoNormalmente, o DENV não é transmitido diretamente entre para os humanos.Ainda que a actividade do DENV se faça registarhumanos infetados, a não ser em condições excecionais, por especialmente em meio urbano, a circulação em ambiente silvá-exemplo, através de transfusões sanguíneas ou transplantes de tico de 4 dos 5 serotipos do DENV foi já descrita na Ásia (apenasórgãos ou de medula óssea (PAHO, 2009;Wiwanitkit, 2009). a circulação de DENV-2 foi descrita em África), levando WangNa grande maioria dos casos a transmissão do DENV ao Ho- e colaboradores a sugerir que o DENV tenha tido uma origemmem implica uma picada de um mosquito persistentemente asiática (Wang et al., 2000).[57]infetado com o vírus. As partículas virais infeciosas (ou viriões) do DENV apresentamAs espécies Aedes luteocephalus (Stegomyia) (Newstead 1907), Ae- uma simetria icosaédrica e uma forma aproximadamente esféri-des furcifer (Diceromyia) (Edwards, 1913) e espécies do complexo ca, sendo limitadas externamente por um invólucro lipídico queAedes niveus (Finlaya) (Ludlow, 1903) são as mais frequentemente inclui duas glicoproteínas virais (M e E). Internamente, a nucleo-incriminadas na transmissão silvática do vírus em África e no cápside, de estrutura ainda não totalmente definida, e constituídaSudeste Asiático. Aedes (Stegomyia) aegypti, subespécie aegypti pela proteína C, encerra uma molécula de RNA em cadeia sim-(Linnaeus, 1762) é considerado o vetor mais eficiente em ciclo ples e de polaridade positiva, com cerca de 10.800 nucleótidoshumano. (revisto por Mukhopadhyay et al., 2005). Este genoma, com um 47

Artigo Originalcap no extremo 5’mas sem cauda de poly-A,é limitado em ambas floresta, para o ambiente rural (Vasilakis et al., 2011). Nestas áre-os extremos por regiões não traduzidas, as quais desempenham as rurais de emergência, Aedes (Stegomyia) albopictus (Skuse, 1894)papéis regulatórios importantes durante a replicação, transcrição (Fig. 2) é uma das espécies prováveis capazes manter a transmissãoe tradução virais (Harris et al., 2006).As diferentes proteínas vi- do DENV em ciclo urbano.A existência de um ciclo de transmis-rais são codificadas numa única grelha de leitura aberta (ORF, do são silvático de DENV nas Américas ainda não foi demonstrada.Inglês Open Reading Frame), sendo que as sequências que codifi- Embora estudos serológicos em populações humanas isoladas emcam as proteínas estruturais [C, prM (percursor da proteína M) áreas remotas,distantes da área de distribuição de Ae.aegypti aegyptie E] ocupam a região 5’ do genoma, enquanto que as 7 proteínas (Fig. 2), apontem para um contacto com DENV silvático, nenhumnão-estruturais (NS1, NS2a, NS2b, NS3, NS4a, NS4b e NS5) são dos isolados de DENV do Novo Mundo apresenta evidências filo-codificadas pela região 3’.Todas estas proteínas são sintetizadas ao genéticas de uma linhagem silvática (Roberts et al., 1984).nível do retículo endoplasmático (Fig.1) sob a forma de uma única Em ambiente urbano, Ae. aegypti aegypti, é o principal vetor dopoliproteína, a qual é processada por proteases virais (complexo DENV, enquanto que outras espécies do mesmo género, taisNS2b/NS3) e celulares (furina e, provavelmente, outras).A fun- como Ae.albopictus e Ae.polynesiensis atuam, geralmente, como ve-ção das diferentes proteínas virais ainda não é totalmente conhe- tores secundários. Embora Ae.albopictus seja apontado como o ve-cida. No entanto, duas delas têm sido extensamente estudadas. tor original através do qual se estabeleceu, em ambiente urbano, aNuma delas, designada NS3, podem transmissão do DENV entre humanosser identificados domínios funcionais e apresente, de facto, maior compe-responsáveis pela sua atividade de pro- tência vetora que Ae. aegypti aegypti,tease serínica e helicase de RNA. Por este último é, em regra, o responsávelseu turno, a proteína NS5, caracteri- pela ocorrência dos grandes surtos dezada pela presença na região N-termi- dengue. Para a elevada capacidade denal de um domínio de transferase de transmissão desta espécie contribuemgrupos metilo, é a proteína responsá- a sua manifesta antropofilia, a sua pre-vel pela replicação do genoma viral, ferência por ambientes peridomésti-atuando como polimerase de RNA cos,a tendência para efetuar prospeçãodependente de RNA. Esta replicação (probing) em diferentes indivíduos an-ocorre no interior de um conjunto de tes de efetuar uma refeição sanguínea,vesículas (vesicle packets) que proliferam e o facto de estas poderem ocorrerna região perinuclear e que parecem múltiplas vezes durante um único ci-conter os complexos de replicação clo gonotrófico, até à postura de ovosviral (revisto porWelsch et al., 2009). (Scott &Takken, 2012). Apesar de esta espécie ser uma das que apresenta uma maior dispersãoO vetor geográfica (White, 2003), considera- -se que a sua distribuição é restrita àsO conhecimento em relação aos ci- latitudes entre os 35°N e 35°S,às quaisclos silváticos do DENV, assim como Fig. 2 – Os principais vetores do vírus da dengue: Aedes aegypti corresponde uma isotérmica entre Ja-as espécies vetoras implicadas na sua aegypti (em cima) e Aedes albopictus (em baixo) (créditos: neiro e Julho de 10ºC (Christophers,transmissão, é relativamente escasso. James Gathany; disponível em http://phil.cdc.gov/phil/). 1960). De facto, as baixas temperatu-Baseados em estudos efetuados iniciados na década de 1970, no ras são importantes condicionantes da viabilidade do Ae. aegyptiSenegal, Ae.furcifer, Aedes (Diceromyia) taylori (Edwards, 1936) e Ae. especialmente das suas formas imaturas. Estas são frequentemen-luteocephalus são apontadas como principais espécies responsáveis, te encontradas em habitats com água, normalmente contentoresem África,pela transmissão silvática de DENV (Diallo et al.,2005). ou recipientes artificiais, em estreita associação com as habitaçõesEstas espécies,típicas das galerias florestais exploram habitats arbó- humanas, ou mesmo no interior destas.A maioria das fêmeas dereos. No entanto, algumas destas, como por exemplo Ae. furcifer, Ae. aegypti parece permanecer durante a sua vida no interior, ouapresentam um comportamento oportunista e, em caso de intro- na vizinhança imediata do ambiente onde emergiu como adulto,missão humana na sua área de distribuição,podem funcionar como de forma que são as pessoas, e não os mosquitos, que mais ra-vetores ponte originando foci silváticos de doença. pidamente transportam o DENV entre comunidades separadasNa Ásia, mosquitos do complexo Ae.niveus parecem ser os respon- geograficamente (WHO, 2009).sáveis pela transmissão de DENV em ambientes silváticos. Esta Aedes albopictus, que atua como vetor da dengue quer em ciclo ur-espécie primatofílica é abundante na copa das florestas malaicas e, bano,quer em zonas rurais de emergência da doença,é uma espé-tal como Ae. furcifer, apresenta a capacidade de descer ao nível do cie originária da Ásia. Esta espécie, apesar de se comportar comosolo e alimentar-se em humanos quando as circunstâncias o permi- vetor secundário em áreas de simpatria com Ae. aegypti aegyptitem, facilitando a transferência de DENV silváticos, oriundos da tem registado, nos últimos anos, uma dispersão considerável para 48


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