Important Announcement
PubHTML5 Scheduled Server Maintenance on (GMT) Sunday, June 26th, 2:00 am - 8:00 am.
PubHTML5 site will be inoperative during the times indicated!

Home Explore antes de haverem currículos existiam pessoas

antes de haverem currículos existiam pessoas

Published by jana_jatr, 2017-03-05 17:09:49

Description: antes_existiam_web

Search

Read the Text Version

antes de haveremcurrículosexistiam pessoas

~ livro têxtil ~bainhas das calças e camisa de trabalhodo meu pai;borrachas e plásticos variados;rebites;rede têxtil revestida a teflon;fio kevlar;fio de algodão;impressão a laser(transferida com acetona).



Vivemos tempos em que a noção de emprego toma conta doHomem comum. Sem um emprego o Homem comum não existe. RaoulVaneigem diria que “O trabalho foi aquilo que o Homem achou demelhor para nada fazer da sua vida.” É um facto, quantas vidas sãogastas em horas de expediente? E quantas dessas horas são gastas emmercadorias ou serviços mais que dispensáveis? Não digo que o trabalhode cada indivíduo não seja necessário para o funcionamento da sociedadecomo um todo, mas trabalho não é o mesmo que emprego. De qualquerforma, existe um fenómeno social relativo ao recrutamento profissionalde parte da geração precedente à minha que me é próximo e que meinteressou explorar neste projecto. Acontece que, há uns anos, parte dapopulação trabalhava nos seus campos de cultivo e na pecuária (hoje emdia chamar-lhes-iam freelancers agrónomos) e era deste trabalho quesubsistiam. No entanto houve uma quebra geracional quando de repentecomeçaram a abrir cada vez mais fábricas e indústrias.

Quem vivia do campo aprendeu, involuntariamente, que antes daescola estavam os bois e o milho, os porcos e as galinhas, as batatas e as pencas,tudo aquilo que de forma directa lhes proporcionava a sua sobrevivência, evivência, que afinal de contas sempre houve humanidade para o divertimentoe para a partilha com o próximo. Em suma, quem vivia do campo sabia queviver do campo era duro. Esta geração quis melhor para os seus filhos, só isso.De repente haviam fábricas a precisarem de jovens com vontade de trabalhar,uma alternativa lógica para que os filhos daquela geração tivessem estabilidade,independência e conforto, no fundo, aquilo que se acha que é a felicidade. Foieste o caso do meu pai e dos seus três irmãos e três irmãs. Até serem adultos iamà escola, normalmente até ao 4º ano de escolaridade da época, ao mesmo tempoaprendiam a trabalhar na lida do campo e ajudavam os seus pais. Quando viamos filhos chegar à idade adulta, a preocupação dos meus avós era arranjar-lhesum emprego. Naquela altura, arranjar um emprego passava muito por reuniruma série de características, estar em boa condição física, saber ler e escrever,e, em alguns casos, ter carta de condução. Não se entregava um currículo, aspessoas iam directamente às fábricas pedir emprego e muitas vezes conseguiamvagas nas mesmas fábricas onde trabalhavam os seus irmãos, familiares ouamigos. Esta geração de trabalhadores é a geração que conseguiu um emprego eque o manteve durante anos a fio. São estes empregos que agora sustentam parteda minha geração até esta ser independente.





A história que se encontra no livro é a história do empregoque o meu pai arranjou aos 18 anos e que mantém até hoje e que, porconseguinte, me mantém até eu ter independência económica. É um pesoque não esqueço e que aprecio todos os dias mas mais importante que issoé um peso que muitos esquecem. Quando vemos noticiadas as falências edesgraças de cada vez mais firmas que sucumbiram à competitividade oucujos patrões se deixaram levar por esquemas corruptos, vemos também aspessoas que ali trabalhavam há anos e anos e que, tal como os seus pais, sóquerem melhor para a sua família. Grande parte destas pessoas não sabefazer outra coisa, acostumaram-se ao seu emprego e construíram a suavida à volta dele. O meu pai gosta muito do que faz e terá de se reformarem breve, mas vê-se agora confrontado com colegas jovens sem gosto nemvontade de trabalhar. Terá de deixar aquilo em que sempre trabalhou nasmãos de quem não o quer segurar. É muito triste, mas acima de tudodeveria ser um fenómeno fundamental na procura de um melhor modelode trabalho e de vida no futuro. Deveríamos compreender estas geraçõespara melhorar as nossas vidas e as vidas daqueles que se seguem pois talcomo os que nos antecederam, nós vamos querer o melhor para os quevirão depois de nós.


Like this book? You can publish your book online for free in a few minutes!
Create your own flipbook