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Gastronomia: da tradição a inovação

Published by renatosbc, 2016-09-02 10:07:37

Description: Gastronomia: da tradição a inovação; Congresso Internacional de Gastronomia e Ciência de Alimentos

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Gastronomia: da tradição a inovação



Gastronomia: da tradição a inovação 21 a 23 de Setembro de 2016 Centro de Convenções do Hotel Oasis Atlântico Av. Beira Mar, 2500 | Meireles | Fortaleza | Ceará Editores Paulo Henrique Machado de Sousa Soraya de Oliveira Sancho Luciane Maria Rodrigues Soares Farias Tainá Facó Franklin de Lima Moises Helina Dávila Braga Bernardo Luana da Silva Paulo Thayane Rodrigues Félix Santos

ISBN NONONONO

Gastronomia: da tradição a inovação Editores: Paulo Henrique Machado de Sousa Soraya de Oliveira Sancho Luciane Maria Rodrigues Soares Farias Tainá Facó Franklin de Lima Moises Helina Dávila Braga Bernardo Luana da Silva Paulo Thayane Rodrigues Félix Santos APRESEnTAçãO O interesse pelo segmento da Gastronomia tem crescido muito, seja pela necessidade do mercado em possuir profissionais com formação de referência ou ainda por uma grande parcela da população que tenha um interesse especial, seja como apreciador ou gourmand ou alguém com objetivo na profissionalização dessa área, a qual só vem a crescer. Com isso, tem-se um percentual significativo de pessoas interessadas nesta área e o mercado de uma maneira geral tem percebido essa demanda, tendo em vista o número de títulos publicados no assunto, encontros midiáticos, cursos de curta duração, dentre outras formas de manifestação. No plano universitário, a relevância dessa área do conhecimento é notavelmente crescente, que a cada ano vêm se consolidando e obtendo grande aceitação por parte da comunidade acadêmica. O interesse universitário também é bastante evidenciado nas áreas correlatas, bem como em trabalhos cada vez mais direcionados à produção no campo da cozinha diferenciada, étnica sustentável em respeito às boas práticas agrícolas e na preservação de nutrientes. No caso específico do Brasil, a Gastronomia – sobretudo a regional – está bastante enraizada nas diferentes localidades do país, o que decorre de um longo processo histórico de formação de nossa cultura, que se manifesta principalmente nas especificidades nas quais predominam temperos, cores, aromas e sabores próprios. A riqueza gastronômica brasileira emergiu e se consolidou com a contribuição de diferentes culturas alimentares, com o predomínio das heranças indígena, africana e europeia, sobretudo a portuguesa. Contudo, os processos migratórios vivenciados no Brasil, ao longo de sua História, permitiram que novas inserções culturais fossem adicionadas a esse caldeamento gastronômico, tais como a japonesa, italiana, árabe, dentre

outras. Culturalmente, a Gastronomia é um aspecto cultural integrante da formação do povo brasileiro, porém, a profissionalização das pessoas nessa área no país ocorre de forma informal e esporádica. A evolução da Gastronomia mundial e do setor de restauração requer investigações acadêmicas sobre esse universo laboral, aprimorando o conhecimento técnico-científico aplicado, ao mesmo tempo em que exige uma mediação entre a cultura acadêmico-profissional e a popular, desde tempos imemoriais até a Contemporaneidade, aproximando, confrontando e sintetizando as práticas culinárias tradicionais com as inovadoras, conexão reforçada pelo discurso da Pós-modernidade. Para além da mera discussão sobre aquilo que se come, promove-se o reconhecimento do alimento como símbolo de identidade, de pertencimento, apto à valorização de seus papéis extraordinário e cotidiano. Nesse sentido, esse livro apresenta capítulos de diferentes áreas do conhecimento, tendo a comida como tema central, apresentando a troca de experiência entre pesquisadores, professores, estudantes e profissionais da Gastronomia e áreas afins, objetivando a divulgação do conhecimento gerado de matérias primas existentes no país e exterior, caracterização de alimentos nativos e típicos, bem como desenvolvimento de diferentes aplicações desses insumos, investigação da tecnologia tradicional e novos métodos e técnicas de preparo culinário, tendo em vista melhorar a qualidade dos alimentos, promover o conhecimento e o registro da cultura gastronômica regional do nosso país e países amigos, principalmente no que se refere aos alimentos tradicionais.

COMiSSãO ORgAnizADORA Paulo Henrique Machado de Sousa (UFC) Sandro Thomaz Gouveia (UFC) Roberto José de Araújo (IFCE-Baturité) Raimundo Wilane de Figueiredo (UFC) Rafael Gurgel Amaral (UFC) Matusaila Macedo (UFC) Robson Nascimento da Mota (UFC) Eveline de Alencar Costa (UFC) Hermano José Maia Campos Filho (UFC) Leopoldo Gondim Neto (UFC) Neide Kazue Sakugawa Shinohara (UFRPE) Ricardo Elesbão Alves (EMBRAPA) Anna Erika Ferreira Lima (IFCE-Baturité) Josefranci Moraes de Farias Fonteles (IFCE-Baturité) Patrícia Campus Mesquita (IFCE-Ubajara) COMiSSãO CiEnTíFiCA Geraldo Arraes Maia (UFC) José Eranildo Teles do Nascimento (IFCE-Ubajara) Paulina Mata (UNL) Marcela Coelho De Souza (IFCE-Baturité) Adriana Camurça Pontes Siqueira (UFC) Márcia Maria Leal de Medeiros (IFCE-Baturité) Paulo Henrique Machado de Sousa (UFC) Rafaela Maria Temoteo Lima (IFCE-Baturité) José Arimatéia Barros Bezerra (UFC) Anna Erika Ferreira Lima (IFCE-Baturité) Raimundo Wilane de Figueiredo (UFC) Ana Cristina Da Silva Morais (IFCE-Baturité) Andréa Carla Mendonça de Souza (UFRPE) Beatriz Helena Peixoto Brandão (UFC) Maria Nilka de Oliveira (UFC) Alessandra Góes Pinheiro (UFC) Lucicléia Barros de Vasconcelos Torres (UFC) Evânia Altina Teixeira de Figueiredo (UFC) Odilon Braga Castro (UFBA) Patrícia Campos Mesquita (UFC) Selene Dahia Benevides (EMBRAPA) Erika A. dos Santos (IFCE-Ubajara) Maria do Socorro Rocha Bastos (EMPRAPA Mônica do Vale (IFCE-Ubajara) Agroindústria Tropical) Wellington Viana (IFCE-Ubajara) Valdeni Terezinha Zani (UFCSPA) Maria Jacqueline do Nascimento Mendonça (IFCE- Anna Erika Ferreira Lima (IFCE-Baturité) Ubajara) Ingrid Conceição Dantas Guerra (UFPB) Marco Henrique de Brito Mudo (IFCE-Ubajara) Tereza Cristina Oliveira e Oliveira (UFBA) Carla Soraya Costa Maia (UECE) Amanda Mazza Cruz de Oliveira (IFCE-Ubajara) Daniela Vasconcelos de Azevedo (UECE) Masu Capistrano Camurça Portela (IFCE-Ubajara) Marlene Marques Ávila (UECE) Cicero da Silva Costa (IFCE-Ubajara) Mônica Chaves Abdala (UFU)

AVALiADORES Adriana Camurça Pontes Siqueira Alessandra Pinheiro Góes Carneiro Amanda Leal Amanda Mazza Ana Cristina da Silva Morais Aurélia Faraoni Beatriz Helena Peixoto Brandão Carla Soraya Costa Maia Claisa Andréa Silva Freitas Daniela Vasconcelos de Azevedo Diana Valesca Carvalho Eveline de Alencar Costa Francisca Deuzanir Marques Anseolmo Hermano José Maia Campos Filho Ingrid Dantas Joelia Marques de Carvalho Josefranci Moraes de Farias Fonteles Juliana Nascimento da Costa Leandro Pinto Xavier Leopoldo Gondin Neto Liana Cleide Flor de Lima Velho Lívia Xerez Luciana Siqueira Lucicléia Barros Marcia Maria Leal Maria de Fátima Lopes Fernandes Maria Flávia Azevedo da Penha Masu Portela Matusaila Macêdo Maria Mozarina Beserra Almeida Nédio Jair Wurlitzer Neide Shinohara Odilon Braga Castro Patrícia Mesquita José Arimatéia Barros Bezerra Paulo Henrique Machado de Sousa Mônica Chaves Abdala Roberto José de Araújo Anna Erika Ferreira Lima Marcela Coelho De Souza Rafaela Maria Temoteo Lima Rafael Queiroz Gurgel do Amaral Rafael Zambeli Regina Maria Silva Bastos Renato Rodrigues Brasil Robson Mota Rodrigo Viriato Selene Daiha Benevides Tereza Cristina de Oliveira e Oliveira Vanderson Costa Virlane Kelly L Hunaldo Raimundo Wilane de Figueiredo

ínDiCE 1 - AnTROPOLOgiA E HiSTóRiA DA ALiMEnTAçãO 05671 - Levantamento das Variedades de Doces Artesanais Comercializados na Cidade de Teresina, Piauí Fernanda Soares, Rosália Lima, Renata Lima ...................................................................................................1 05743 - Paisagens Gustativas de uma Rua Pirenopolina: Breves Relatos João Curado, Erick Silva, Patrícia Rios, Sáforah Jacob.....................................................................................3 05748 - Verônicas: o alfenim de Pirenópolis - Goiás Erick Silva, Patrícia Rios, João Curado .............................................................................................................5 05744 - Povos colonizadores e imigrantes do sul do Brasil: aspectos sociais, econômicos e gastronômicos na formação da cultura local são-borjense Camila Saraiva, Anelise Cruz, Luciana Monks, Aline Roque, Luíza Klockner, Juliana Araújo .......................7 05750 - Fome e Fartura em Raquel de Queiroz e a busca de Identidade da Culinária Cearense Ailca Pereira.......................................................................................................................................................9 05752 - Cozinha Étnica: Uma prática de consumo contemporânea e um fazer identitário Fabiana Sales....................................................................................................................................................11 05765 - A magia dos doces piauienses Antonio Bitencourt, Wellington Santana, Domingos Carvalho Júnior ............................................................13 05781 - Family Cooking Recipes as Cultural Expression Lima, Joseni França Oliveira ...........................................................................................................................15 05880- Doce Jaracatiá: O Patrimônio e Seus Novos Usos Nainôra Freitas, Natália Souza.........................................................................................................................17 5892 - O Consumo de Carne na Europa Medieval: Estratos Sociais, Técnicas Culinárias e Simbologias Alice PinheiroTeixeira, Nilda Stella de Macedo Barbosa................................................................................19 05893 - Perfil e Hábitos dos Consumidores de Geleia e Mel na Cidade de Ubajara –Ce Josilane Mendes Cavalcante, Maria das Dôres Damasceno Freitas, Iranilda Fernandes Vidal, Viviane França Aguiar, João Manoel Monteiro da Silva, Carlos Eliardo Barros Cavalcante...................................................21 05911 - Métodos de Conservação: Saberes e Sabores nas Narrativas de Pescadores de Foz do Iguaçu-PR Paola Stefanutti, Valdir Gregory, Gislaine Simões, Nelson Neto, Paula Oro ..................................................23 05980 - A chegadinha: alimento da memória urbana de Fortaleza Marianne Schlachter,Valéria Telles, Lara Ponciano, Rodrigo de Sousa, Janaina Vieira..................................25 06003 Grolado: Comida de Índio? Considerações sobre a relação entre comida e cultura do povo indígena Jenipapo-Kanindé do Ceará Ticiana Antunes, Carlos Albuquerque, Paula Castelli, Marcos Silva, Samary Costa, Marianne Schlachter



AnTROPOLOgiA E HiSTóRiA DA ALiMEnTAçãO



Gastronomia: da tradição a inovação 05671 - Levantamento das Variedades de Doces Artesanais Comercializados na Cidade de Teresina, Piauí. 2 Fernanda Soares , Rosália Lima , Renata Lima 2 1 1 Especialista, Eixo de Hospitalidade e Lazer, Instituto Federal do Piauí, [email protected] 2 Eixo de Hospitalidade e Lazer, Instituto Federal do Piauí. Palavras-chave: Doçaria. Frutas típicas. Embalagens. INTRODUÇÃO MATERIAL E MÉTODOS A cana-de-açúcar foi a primeira atividade econômica dos portugueses A presente pesquisa foi realizada por meio de pesquisa exploratória – aqui no Brasil. Ela foi introduzida, em 1532, por Martim Afonso de descritiva in loco, tendo como objetivo conhecer a realidade da venda Souza, fundador da Vila de São Vicente, no litoral do estado de São de doces artesanais na cidade de Teresina-PI, partindo-se da coleta de Paulo. Mas como as terras de massapé da Zona da Mata, no Nordeste, informações em estabelecimentos comerciais. Os dados foram tratados eram muito férteis, a cultura da lavoura proliferou vertiginosamente quali–quantitativamente, uma vez que, os resultados foram expressos pelo litoral nordestino. O que fez do Brasil o maior fornecedor de matematicamente através de gráficos, com o propósito de identificar cana-de-açúcar nos mercados mundiais (1). quais os doces mais vendidos e a origem dos mesmos, e Mas ao contrário do que aconteceu na maior parte do Nordeste, a qualitativamente na medida em que foram descritas suas formas de produção de cana-de-açúcar no Piauí, destinava-se basicamente à apresentação e o grau de conhecimento dos vendedores sobre os fabricação de rapadura e aguardente, nos pequenos engenhos produtos comercializados. existentes, destinadas ao consumo próprio e ao mercado local (2). O delineamento da pesquisa foi realizado por meio de levantamento O Nordeste do Brasil, começando a firmar-se econômica e bibliográfico para se conhecer os aspectos históricos e culturais socialmente com a cultura da cana, passou logo a completá-la com a relacionados às tradições doceiras do País e do município, aliado a indústria do açúcar; e à sombra dessa lavoura e dessa indústria, uma pesquisa de campo feita através da interrogação direta dos desenvolveu-se uma arte de doces que se situa entre as artes mais sujeitos que vivenciam essa realidade nos dias atuais na cidade de características da civilização brasileira. Quatro séculos do continuado Teresina. esmero no preparo de doces, de bolo, de sobremesas com açúcar, A coleta de dados se deu por meio de entrevista estruturada com asseguram ao Nordeste neste particular um primado. É uma arte que proprietário/funcionário em 09 (nove) estabelecimentos comerciais de resiste a seu modo ao tempo, repetindo-se ou recriando-se (3). venda de doces artesanais da região central de Teresina-PI. O fabrico de doces é uma das mais antigas atividades artesanais do Dos nove estabelecimentos avaliados, cinco se encontram no Centro Piauí, apesar do Estado não ter sido, em nenhuma época, um produtor de Artesanato Mestre Dezinho situado na Praça Pedro II (1 ao 5), dois tradicional de açúcar. Não se pode negar a grande preferência da estão situados ao lado do Centro de Artesanato (6 e 7), um no população por doces, biscoitos e bolos açucarados. A tecnologia de Mercado Central ou Mercado São José (8), e o último nas imediações processamento não era diferente daquela popularizada pelos primeiros do Centro da cidade (9). colonizadores, que também introduziram no Piauí o açúcar, indispensável para a feitura do doce (4). RESULTADOS E DISCUSSÃO Segundo Matos (4), dos doces, alguns eram servidos o ano inteiro como o doce de leite, de batata doce, de banana e o doce de abóbora. No Piauí, a confecção de doces tem algumas características bem Outros são os doces de época, tais como o de buriti, da casca da particulares, em função das espécies de frutas típicas da região, de laranja da terra cristalizada, de goiabada caseira que era também modo que a doçaria é uma forma de aproveitar todo esse potencial da consumido com queijo (Romeu e Julieta), de caju e cajuí, de bacuri, região. Observou-se que os principais tipos de doces comercializados de manga, de jaca, de limão, de mamão com rapadura e os de coco da são o doce cristalizado, doce em pasta, doce de corte e a compota, praia ralado e de coco queimado, difíceis de se encontrar. E os de comercializados em todos os estabelecimentos conforme mostra o engenho, como a rapadura, batida, alfenim, melaço, tijolo e etc. Gráfico 1. Nas casas das doceiras, não havia estoque, pois receando o mofo (favorecido pelas precárias condições sanitárias), os doces eram feitos Gráfico 1. Tipos de doces comercializados no centro da cidade de praticamente toda semana. Somente na última década, com a oferta Teresina-PI. maior de produtos industrializados, em escala, é que a venda deixa as ruas para ocupar as prateleiras das lojas de artesanato e dos Doce em barra supermercados, em embalagens padronizadas de vidro (4). Rapadura A valorização de produtos locais tradicionais coloca em evidência Geléia questões como a preservação da diversidade e do patrimônio cultural, Rapadura de caju material e imaterial de localidades e comunidades (5). Quando tratamos de produtos de base artesanal, algumas Doce cristalizado características peculiares devem ser consideradas. Estes produtos Doce em pasta carecem de embalagens próprias, que os valorizem e que preservem Doce de corte suas características. Porém, os investimentos na fabricação de Compota embalagens próprias são muito altos, impossibilitando aos pequenos empreendimentos a disponibilidade de embalagens próprias, Nº de 0 2 4 6 8 10 projetadas especificamente para seus produtos. Este problema se torna estabeleciment… latente quando o produto em questão é de base artesanal e carrega Fonte: Autoria própria. consigo características que o diferenciam do produto industrializado. O comportamento do consumidor e o processo de escolha dependerão Sendo que, em 100% dos casos, o doce cristalizado encontrado foi o da imagem que este possível comprador tem do produto antes da sua doce de caju cristalizado, o doce em pasta foi o doce de leite, e o doce compra e durante o seu consumo (6). de corte foi o doce de buriti. Já as compotas são bem diversificadas, Este trabalho teve como objetivo identificar os principais tipos, a sendo encontradas das mais diversas frutas regionais. origem, e as características de comercialização dos doces artesanais Pode-se observar no Gráfico 2, a relação dos doces mais vendidos, vendidos nos principais pontos de venda do município de Teresina-PI. destacam-se o doce de leite em pasta, o doce de caju cristalizado e em calda (compota), os doces de jaca e limão em calda, e o doce de buriti. 01

Gastronomia: da tradição a inovação Gráfico 2. Doces mais vendidos nos estabelecimentos comerciais estabelecimentos possui estoque dos produtos e realizam previsão de pesquisados no centro de Teresina- PI. compras semanal. Os demais estabelecimentos não possuem estoque e realizam as compras de acordo com a venda dos produtos. Goiaba Rapadura Alguns vendedores (os mais antigos) relataram sobre a evolução das Laranja rech. c/ Batata… embalagens Alguns vendedores (os mais antigos) relataram sobre a evolução das embalagens dos produtos, principalmente das compotas e doce de leite, que Laranja evoluíram das latas reutilizadas de leite para embalagens de vidro em Leite atendimentos às normas de Higiene e Segurança dos Alimentos, observaram também o desenvolvimento dos rótulos dos produtos, que hoje estão mais Limão atrativos. O doce de buriti ainda hoje é acondicionado em embalagens feitas do pecíolo da folha, o que lhe confere uma característica bem rústica e artesanal Buriti que atrai o cliente (Figura 1). Os demais doces (doces em barra, doces Nº de 0 2 4 6 8 cristalizados e rapadura) são acondicionados em embalagens de plástico estabeleciment… (Figura 2). Fonte: Autoria própria. Figura 1. Doce de Buriti Figura 2. Doces diversos Observa-se que o doce de leite é bastante apreciado, de acordo com Vieira et al (7) a produção de doce de leite no Brasil encontra-se ao redor de 34.000 t/ano. Sua forma de apresentação mais vendida é a pastosa, mas a sua apresentação granulada também é bastante consumida, já a sua apresentação em barra é menos procurada pelos consumidores, segundo relato dos entrevistados. Uma das formas de aproveitamento do pedúnculo do caju é a sua utilização na fabricação de doces, bem como na fabricação de cajuína. Destacam-se também na preferência dos consumidores, os doces de jaca e limão, seguidos dos doces de buriti e bacuri. Pode-se observar CONCLUSÕES com isso, a inclinação dos clientes pelos doces de frutas, que confirma A doçaria tem um papel importantíssimo na preservação da cultura gastronômica local, sendo a sua produção uma das mais antigas atividades a tendência do piauiense de aproveitar o potencial da fruticultura artesanais. E uma das principais características da confecção de doces no agregando valor ao produto através da produção de doces artesanais Piauí é o aproveitamento das diversas espécies de frutas típicas da nossa além de aumentar o tempo de conservação. O Gráfico 3, aponta os principais fornecedores dos doces região de forma sustentável. comercializados pelos estabelecimentos pesquisados, levantou-se que Desse modo, observou-se que os tipos de doces mais vendidos são o doce em 100% dos estabelecimentos foram encontrados produtos da cristalizado, o doce em pasta, o doce de corte e a compota. Destes se empresa Lili Doces, localizada na cidade de Ipiranga do Piauí, destacam o doce de leite em pasta, o doce de caju cristalizado e a compota de seguidos da marca Q-Doçura estabelecida na cidade de Piracuruca-PI caju, as compotas de jaca, limão e bacuri, e o doce de buriti. Sendo que os e Império Doces localizada na cidade de Teresina-PI. principais fornecedores dos lojistas são as empresas Lili Doces (Ipiranga-PI), Q-Doçura (Piracuruca-PI) e a Império Doces (Teresina-PI). Gráfico 3. Principais fornecedores de doces dos estabelecimentos As embalagens em que são apresentados os doces são em geral de vidro ou comerciais pesquisados. de material adequado a esse fim, atendendo assim a legislação de Higiene e Segurança Alimentar. Portanto, é necessário que se dê maior valor aos produtos locais e tradicionais como forma de preservar a cultura e as tradições alimentares do Boa Vista estado. São Vicente REFERÊNCIAS Tia Tatá 1. FREIXA, Dolores; CHAVES; Guta. Gastronomia no Brasil e no mundo. L M Doces Rio de Janeiro. Senac Nacional, 2009. São Francisco 2. CASTRO, C. F. F. História do Piauí. Teresina, 2006. Disponível em: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAfP1QAC/historia-piaui>. Acesso Império Doces em 30 set. 2014. Doces Rosa Lima 3. FREYRE, Gilberto. Açúcar: uma sociologia do doce, com receitas de bolos e doces do Nordeste do Brasil. 5. ed. São Paulo: Global, 2007. Doce Art's 4. MATOS, M. A. O. Pelas quebradas, várzeas e chapadas - uma viagem Q-Doçura gastronômica pelo Piauí. 2. ed. Teresina: Alínea Publicações Editora, 2007. Lili Doces 5. CASTRO, H. M.; DEUS, J. A. S.; SILVA, P. H. C. Alimentos Nº de tradicionais, manifestações culturais e 'Saber Fazer' locais nos distritos de Ouro Preto-MG. In: I Seminário sobre alimentos e manifestações culturais estabelecimentos 0 5 10 tradicionais. 2012. Sergipe (SE). Anais... Sergipe: UFSE, 2012. Fonte: Autoria própria. 6. MIRANDA, C. A. S. Métodos aplicados no design de embalagens para produtos alimentícios típicos de base artesanal. Belo Horizonte: UFMG, Pode-se verificar que a Lili Doces é o principal fornecedor de doces 2008. na região central de Teresina, fato confirmado por Matos (4) quando o 7. VIEIRA, M. C.; GALLINA, D. A.; CAVICHIOLO, J. R.; GOMES, R. A. autor afirma que, desde o início deste século, se popularizaram R.; FACHINI, C.; ZACARCHENCO, P. B. S. Produção de doce de leite diversas marca piauienses e que a maior delas é a Lili Doces. tradicional, light e diet: estudo comparativo de custos e viabilidade Nos cinco estabelecimentos visitados no Centro de Artesanato, o econômica. Informações Econômicas, São Paulo, v. 41, n. 10, out. 2011. tempo médio de existência do estabelecimento atuando na venda de produtos artesanais é de 20 a 30 anos. Apenas um dos 01

Gastronomia: da tradição a inovação 05743 - Paisagens Gustativas de uma Rua Pirenopolina: Breves Relatos 4 João Curado ,Erick Silva , Patrícia Rios , Sáforah Jacob 3 1 2 1 Doutor em Geografia, Curso de Tecnologia em Gastronomia, Universidade Estadual de Goiás, Grupo de Pesquisa Saberes e Sabores Goianos, Seduce e Ciranda da Arte ² Graduando em Gastronomia, Universidade Estadual de Goiás, ³ Especialista em Docência do Ensino Superior, Curso de Tecnologia em Gastronomia, Universidade Estadual de Goiás 4 Graduada em Gastronomia e aluna especial no Mestrado em Turismo do Centro de Excelência em Turismo – UnB Palavras-chave: Alimentação, História, Paisagem, Rua Direita, Pirenópolis INTRODUÇÃO RESULTADOS E DISCUSSÃO Compreendemos que a história de uma dada comunidade é bem mais Inicialmente o arruamento em estudo tinha por denominação Rua das complexa do que parece ser à primeira vista; por isso a proposição é Bestas (3), pois era por onde passavam as tropas de equinos que se um estudo focado em uma rua de Pirenópolis (Goiás), cidade que dirigiam para a capital da capitania de Goiás. Nas idas e vindas as surgiu no período da mineração, tornou-se rural e atualmente é um bruacas eram carregadas de alimentos e comidas que eram relevante destino turístico goiano. consumidas pelos tropeiros ou comercializadas em um dos dois O núcleo mineratório foi constituído por pouco mais de uma dezena núcleos. de vias públicas de circulação, que foram posteriormente Com a rápida escassez do ouro, a agropecuária de subsistência reconhecidas e transformadas no Centro Histórico de Pirenópolis passou a dominar a paisagem pirenopolina, cujos primeiros registros (1995), pelo atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico datam de 1819, por ocasião da passagem de dois viajantes europeus Nacional, um importante mecanismo para a preservação e em missões oficiais pelo Brasil, o austríaco Johann Emanuel Pohl e o manutenção de paisagens materiais que remetem às primeiras francês August Saint-Hilaire. O primeiro afirmou que “os habitantes décadas do século XVIII. viviam outrora de suas rendosas lavras de ouro, agora tem a fama de Há concordância com Luchiari (1), para quem “tomada pelo experimentados cultivadores de milho, mandioca, fumo, cana-de- indivíduo, a paisagem é forma e aparência. Seu verdadeiro conteúdo açúcar, café e algodão” (8). O segundo destacou a produção de trigo só se revela por meio das funções sociais que lhe são constantemente e de porcos e ainda narra sobre “os quintais das casas, com seus atribuídas no desenrolar da história”. Destarte, para além das formas cafeeiros, laranjeiras e bananeiras de folhas largas” (9). arquitetônicas que delimitam o processo histórico local, partiremos O partido arquitetônico da casa colonial pirenopolina, influenciada para uma ampliação das possibilidades interpretativas, tendo por tanto pelos paulistas como principalmente pelos portugueses, suporte o aguçamento de outros sentidos, uma vez que há reservava à cozinha um espaço confluente com o terreiro e o quintal, concordância com Santos (2) de que a paisagem “não é formada que no caso da Rua Direita, quase sempre alcança as vias paralelas: apenas de volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons, Rua Nova e Avenida Neco Mendonça, o que possibilitava grandes etc.” extensões em que se plantava e criavam-se animais. O problema proposto parte da contradição preservacionista das Sendo as casas geminadas, parte da intimidade do lar acabava e ainda paisagens visuais em detrimento das gustativas, uma vez que as casas proporciona compartilhamentos com os vizinhos, insistindo com os coloniais da Rua Direita passaram a outros proprietários não preceitos de reciprocidades (10), muitas vezes como obrigação, residentes em Pirenópolis e com isso parte do acervo das lembranças conforme relato: “todas às vezes que fazíamos algo cheiroso na gustativas vem mudando, como os antigos moradores, para outros cozinha, tinha que mandar um prato para o vizinho, que era minha bairros da cidade. cunhada, senão nos encontros de domingo na casa da sogra, as O objetivo deste breve estudo é investigar um pouco sobre as cobranças eram feitas” (Entrevistada de 79 anos). Em outra direção: paisagens gustativas da Rua Direita, por ter sido uma importante via “adoro fazer doce de goiaba, que tem muito no quintal e na fazenda; de ligação com a antiga sede administrativa de Goiás e por agregar só que o perfume é grande e atinge toda a rua. Todo mundo sabe de residências e comércios ao longo da história. que casa vem o cheiro. Depois de pronto agrado a vizinhança” (Entrevistada de 68 anos). Para concluir esta prática de trocas, MATERIAL E MÉTODOS recorremos a uma entrevistada de 89 anos, para quem é uma A partir das observações adquiridas ao longo de dois projetos, um de temeridade devolver prato vazio: “A boa educação manda devolver o Pesquisa: Centro Histórico de Pirenópolis – vinte anos de legislação, prato que veio com quitanda ou doce, com outra coisa de comer, de e um de Extensão: Vai e Vem pela Rua Direita, acabamos optando preferência feita pela gente. A vizinha sabe quando a gente fez ou pelo estudo deste logradouro em especial. Como recorte temporal a comprou, pelo cheiro, pelo gosto ou porque está quente”. opção foi pelos aspectos econômicos, que compreendem: a Diante do exposto é possível refletir que “gosto e sabor não se mineração, a agropecuária e o turismo, sendo respectivamente limitam, portanto, à experiência gustativa, mas se realizam de forma responsáveis abarcadores dos séculos XVIII, do XIX ao XX e o XXI. muito mais completa à medida que envolvem a experiência, a Inicialmente os estudos bibliográficos tiveram Pirenópolis como experimentação e o próprio saber” (11). Saber este perpassado por tema, com Jayme (3) pioneiro no estudo histórico da cidade. Os receitas, cujas medidas nem sempre são muito precisas e que acabam estudos das casas da Rua Direita foram imprescindíveis, por meio da se restringindo ao domínio de um grupo familiar. obra de Oliveira (4) e em especial a de Jayme e Jaime (5). Ao notar a As variedades produzidas não eram muito significativas, uma vez grande permanência das casas entre integrantes das mesmas famílias que havia limitações qualitativas de alimentos. “Pão, bolo, era tudo por entre gerações, acabamos por recorrer ao estudo genealógico raridade, não havia farinha do reino, e quando tinha era muito caro. pirenopolino (6), a partir do qual conseguimos vislumbrar Pouca gente comprava, e quem comprava acabava não dividindo ou possibilidades de compreender a paisagem gustativa não só do mandando de agrado” e continua: “as quitandas eram tudo com interior das moradias, mas ainda no espaço coletivo da Rua Direita. polvilho. Tinha mandioca demais, nos quintais e nas chácaras, As vivências e experiências dos moradores com as paisagens ninguém vendia, dava” (Entrevistada de 87 anos). gustativas foram percebidas por intermédio de entrevistas não Do fogão à lenha às tecnologias atuais em Pirenópolis ainda se padronizadas (7), em que os objetivos visavam a colaboração dos mantêm algumas práticas que constituem as paisagens gustativas, entrevistados, de idades diversas, na direção das lembranças mas com consciência de que “simbolicamente”, esta paisagem constituidoras das paisagens gastronômicas relacionadas à Rua gustativa não fica cristalizada em alguns lugares de eleição, antes se Direita. A opção pelo anonimato dos colaboradores advém do fato de amplifica e vai envolver todas as práticas tradicionais que promovem que algumas falas apontam para embates ou mesmo intrigas e o património imaterial, recriando elementos de ‘paisagem’ que de confissões que poderiam gerar desconforto aos envolvidos. outra forma poderiam estar irremediavelmente perdidos (12). Outro ponto fundamental foi a pesquisa bibliográfica, em livros e As pamonhadas se constituem o exemplo pujante, uma vez que com periódicos, cuja temática principal foi a Paisagem Gustativa. o advento do turismo há na Rua Direita duas pamonharias, mas algumas famílias e vizinhos ainda se reúnem no mutirão de transformação do milho em pamonha, uma iguaria bastante 01

Gastronomia: da tradição a inovação apreciada. “Antes a pamonhada era na casa de minha mãe, logo ali; Como reflexão final para nosso intento, recorremos às advertências depois que ela faleceu fazemos cada vez na casa de uma das filhas de Palhares (15): “a história do alimento expressa a cultura de uma dela, muitas vezes é aqui em casa, outras nas casas de minhas irmãs, sociedade. As escalas local e regional são aquelas em que se percebe vamos revezando” (Entrevistada 62 anos). Ainda segundo a mesma com mais nitidez os traços culturais ainda preservados. O alimento colaboradora “a pamonha feita em grupo de pessoas amigas fica está envolto por saberes, valores, identidades, construídas muito mais gostosa; nada melhor que o tempero de família, que foi inicialmente pelo grupo doméstico familiar. O alimento é, além de ensinado por minha avó, minha mãe e chegou até a gente”. Tais suas qualidades nutricionais necessárias para a sobrevivência das observações nos remetem a Gratão (13), segundo a qual “não é o ato pessoas, uma categoria histórica e social. Ele reflete a dinâmica simples de comer que desperta o (nosso) interesse pelo sabor, mas o social pela permanência ou mudança dos hábitos, costumes e práticas sentido de paisagem. O sentido de enraizamento que ela carrega no alimentares. Nesta perspectiva, alimentar é um ato social”, valor à Terra. Não importa qual seja o alimento-elemento, mas as produzindo, portanto paisagens gustativas. lembranças despertas.” No início da década de 1980 a paisagem gustativa na Rua Direita era CONCLUSÕES bastante movimentada. Ainda pela madrugada passava o padeiro Realizamos um breve estudo das paisagens gustativas da Rua Direita gritando para que os interessados pudessem adquirir o pão sem se em Pirenópolis, Goiás e percebemos que mesmo com as alterações deslocarem até a padaria que ficava próxima à esquina, da qual do cotidiano atual, pelo menos as informações relacionadas aos transportava, em vários momentos, cheiro de pães e roscas saindo do gostos permanecem nas lembranças de moradores nas mais variadas forno. Mais adiante, no mesmo quarteirão funcionou por um tempo a faixas etárias. Pensão Padre Rosa, famosa pela quantidade de comida e Entendemos pelos depoimentos, muitos deles permeados por principalmente de doces caseiros, que atraiam inúmeros visitantes emoções, que o palato é responsável por boas lembranças não só da famosos, mas no cotidiano exalava um cheiro indescritível aos infância, mas das pessoas, das práticas e dos saberes ligados à transeuntes e que penetrava em várias casas. produção de alimentos. O voltar para a casa depois da escola, um ato corriqueiro de toda Compilamos algumas breves informações sobre a paisagem gustativa criança do interior, se mostrou carregada de percepção nas de uma rua pirenopolina, a partir da qual foi possível entender um lembranças de uma antiga aluna, hoje professora aposentada: “saia pouco da história local. do Colégio das freiras e ao entrar na Rua Direita começava a sentir o Demonstramos consequentemente que existem possibilidades cheiro do almoço na Casa de dona Samoça, que era na esquina, e aí diversas e que merecem aprofundamentos nos estudos voltados para vinha sentindo o tempero dos almoços de cada casa até chegar aqui a história da alimentação, nesta ou em outras escalas. na casa de mamãe” (Entrevistada 88 anos). Continua expondo questões familiares: “o cheiro do almoço na casa de Vovó Nenê era AGRADECIMENTOS de fazer parar, mas a gente nunca almoçava lá; só em dia de festa! Imagina só! Cerimônia em casa de vó!” Aos moradores da Rua da Rua Direita que se dispuseram a descrever As oportunidades eram poucas e as viagens quase inacessíveis, assim suas paisagens gustativas entremeio histórias e receitas. À Pró- como brinquedos e outras fontes de distração. As conversas Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação pelo auxílio-evento e à Pró- indicaram alguns passatempos entre os moradores da Rua Direita em Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis da Universidade tempos diferentes. A infância na Rua Direita sempre deixou nas Estadual de Goiás. lembranças acontecimentos e experiências ligadas à paisagem gustativa, sendo os quintais um dos laboratórios mais especiais para REFERÊNCIAS as crianças que ali passavam grande parte desta etapa da vida. As árvores frutíferas eram bastante frequentadas: pelas frutas e pelos 1 LUCHIARI, M.T.D.P. A (re)significação da paisagem no período galhos que possibilitavam brincadeiras diversas, como balanço, contemporâneo. In: Zeny Rosendahl; Roberto Lobato Corrêa (Org.). escalada e local de se esconder. As frutas eram as mais variadas, Paisagem, imaginário e espaço. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001. p. sendo que dentre as mais comuns se destacavam: goiaba, jabuticaba, 09-28. (p. 23) caju, manga, laranja, limão, mamão, banana; outras um pouco menos 2 SANTOS, M. Metamorfose do espaço habitado: fundamentos recorrentes: figo, sapoti, lima, pitanga, carambola e outras. Mesmo teóricos e metodológicos da Geografia. São Paulo: EDUSP, 2008. tendo acesso às casas, era extremamente comum a brincadeira de 136p. “pular o muro” do vizinho para “roubar” frutas, o que via de regra 3 JAYME, J. Esboço Histórico de Pirenópolis. Goiânia: UFG, 1971. acabava em alguma confusão, uma vez que quase todos os moradores Vols I e II. 624p. da Rua Direita eram parentes ou amigos. A explicação para tamanha 4 Oliveira, A.M.V. Uma ponte para o mundo goiano do século XIX: traquinagem foi assim explicada: “Não tinha graça pedir pra tia ou um estudo da casa meiapontense. Goiânia: Agepel, 2001. 280p. até mesmo pra vó; então a gente juntava um bando de meninos e 5 JAYME, J.; JAIME, J.S. Casas de Pirenópolis. Goiânia: UCG, meninas e entrava no quintal pelo muro, comia as frutas e ia embora. 2002. 2 Vol. 316p. Era uma confusão só! A gente ria e tinha umas crianças moles, que 6 JAYME, J. Famílias Pirenopolinas. Goiânia: UFG, 1973. 5 Vols. não conseguiam subir de volta” (Entrevistado 41 anos). 7 Marconi, M.A; Lakatos, E.M. Fundamento de metodologia Atualmente o cenário é adverso, as brincadeiras mudaram e os científica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010. 297p. quintais pouco são frequentados pelas crianças e não produzem tanto 8 POHL, J.E. Viagem no interior do Brasil. Trad. Milton Amado e quanto em um passado recente. Muitas das casas foram vendidas Eugênio Amado. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/USP, 1978. para pessoas de outras localidades e outras se mantêm desabitadas 417p. em grande parte do tempo ou viraram ponto comercial, o que tem 9 SAINT-HILAIRE, A. Viagem à província de Goiás. Trad. Regina interferido nas paisagens locais. Outro fator agravante são as Régis Junqueira. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/USP, 1978. obrigações da atualidade que demandam o tempo anteriormente 158p. dedicado à produção que mantinha bastante ativa a paisagem 10 MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. Trad. Paulo Neves. gustativa da rua. São Paulo: Cosac Naify, 2003. 536p. Era comum as mulheres, parentes e amigas, se reunirem para assar 11 MARANDOLA JÚNIOR, E. Sabor enquanto experiência biscoitos ou pipocas em uma das casas, no forno de barro. Outra geográfica: por uma geografia hedonista. In: Geograficidade, vol. 2, prática comum era “agradar” as visitas servindo café com quitandas, n. 1, Verão, 2012. pp. 42-52. só que a visita percebia, antigamente pelo moer do café que acontecia 12 MARTINS, L.S. Legado, paisagem e turismo pelo Minho na na cozinha e disseminava cheiro. Posteriormente, com o café procura de uma dimensão sensorial. In: Ver. Fac. Letras e Geo. comprado já moído, o ato de “passar” o café denuncia que em breve Porto, III, vol. 1, 2012. pp. 7-31. as visitas serão contempladas. Práticas que vêm sendo substituídas 13 GRATÃO, L.H.B. Sabor & paisagem à luz de Bachelard. In: por outras que demandam menos tempo. Geograficidade, vol. 2, n. 1, Outono, 2014. pp. 25-35. Ao propormos uma breve investigação sobre a paisagem gustativa na 14 DARDEL, E. O homem e a terra: natureza da realidade Rua Direita, tínhamos por premissa o exposto por Dardel (14): “a rua geográfica. Trad. Wether Holzer. São Paulo: Perspectiva, 2011. como centro e quadro da vida cotidiana, onde o homem é passante, 159p. habitante, artesão (...). Para muitos homens, sobretudo os dos séculos 15 PALHARES, V.L. Uma geografia hedonista dos saberes e dos passados, a rua é onde se nasce, onde se vive e onde se morre sem sabores. In: Geograficidade, vol. 4, n. 1, Verão, 2012. pp. 42-52. que se possa sair”. Diante deste continuum estar na mesma rua, durante gerações, é que possibilitou uma perspectiva no caminho da paisagem gustativa destes pirenopolinos por análise. 01

Gastronomia: da tradição a inovação 05748 - Verônicas: o alfenim de Pirenópolis - Goiás Erick Silva , Patrícia Rios , João Curado 1 2 3 1 Graduando em Gastronomia, Universidade Estadual de Goiás, [email protected] ² Especialista em Docência do Ensino Superior, Curso de Tecnologia em Gastronomia, Universidade Estadual de Goiás ³ Doutor em Geografia, Curso de Tecnologia em Gastronomia, Universidade Estadual de Goiás Palavras-chave: Gastronomia, Festa popular, Patrimônio, Cultura INTRODUÇÃO Referências Culturais (4), que auxiliou na compreensão das duas categorias que envolvem o estudo do Patrimônio Imaterial: os A cana-de-açúcar é um produto de origem ocidental, originária da saberes e os fazeres, que constituem respectivamente, os Nova Guiné que era bastante produzida na Índia, sendo o açúcar o conhecimentos e as técnicas, sobre a produção de bens culturais seu principal derivado, que passou a fazer parte da alimentação de como as Verônicas – nosso objeto de investigação. muitos povos ao redor do mundo, como afirma Freyre (1). Teve o Valemos-nos ainda das observações empíricas e de registros açúcar um papel muito importante na transformação do poder fotográficos realizados nos anos de 2014, 2015 e 2016. Estas duas econômico e social de várias comunidades ao longo do tempo. O técnicas foram basicamente utilizadas para uma melhor percepção açúcar foi levado para a Europa durante a Idade Média pelos mouros, tanto da produção quanto da distribuição das Verônicas, que era considerado uma especiaria, portanto um produto raro, acontecem em momentos distintos, sendo a ocorrência da última amplamente conhecido como “ouro branco” (2). após o cortejo imperial de volta da Igreja Matriz quando é celebrada Sua produção no Brasil teve início por volta do século XVI, quando a solene Missa de Pentecostes. foram trazidas da Malásia as primeiras mudas de cana. Seu cultivo Em outros momentos realizamos trabalhos de campo utilizando os começou no litoral da região Sudeste e logo foi transferido para a métodos de entrevistas abertas e/ou fechadas, conforme orientações região da Zona da Mata no Nordeste, onde possuía terras de massapê, de Marconi e Lakatos (8), com as pessoas que possuem os saberes e consideradas mais férteis para esta monocultura (3). dos fazeres na produção da Verônica, não necessariamente durante o No decorrer dos séculos a produção foi decaindo em qualidade e momento da Festa do Divino, mas nas semanas que a antecede, quantidade e sofreu concorrência do açúcar produzido nas Antilhas, quando as verônicas são produzidas. E com a comunidade local mas com produção contínua e amplamente difundida pelo Brasil durante os acontecimentos da Festa, produção, embalagem e entrega afora. Em Goiás os engenhos se faziam presentes logo após o das Verônicas, com o intuito de buscar a percepção dos declínio da mineração, ainda no século XVIII. pirenopolinos sobre os significados simbólicos representados pela Em pleno interior do Brasil, algumas das práticas lusitanas foram Verônica. implantadas, como por exemplo, o culto ao Divino Espírito Santo, uma manifestação do catolicismo que remonta a Europa Medieval. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis, Patrimônio Cultural do Brasil desde 2010, possui diversas manifestações religiosas e O início desta pesquisa que se estendeu por os três anos ocorreu a também gastronômicas, sendo que grande parte das comidas são partir de uma aula de campo de História da Alimentação na casa do produzidas na casa do imperador, o responsável escolhido imperador da Festa de 2014, a partir de então foram empreendidas anualmente, por sorteio, para conduzir a festividade. algumas observações e registros acerca da produção, dos significados Segundo o Dossiê de Registro da Festa, produzido pelo Iphan (4), e das representatividades que a Verônica possui na cidade de documentação de quando se iniciou a prática de celebração do Pirenópolis. Divino Espírito Santo em Pirenópolis, refere-se ao ano de 1819. A produção do relatório da visita gerou inúmeras indagações, em Festa que teve algumas alterações no decorrer dos séculos. especial as ligadas aos significados, uma vez que o feitio foi As primeiras mudanças ocorridas na festa vieram com o Padre registrado em todas as suas etapas, por meio de observações Manoel Amâncio da Luz, Imperador da Festa do Divino Espírito direcionadas, entrevistas, experiência em diversas etapas, desde o Santo em Pirenópolis no ano de 1826 (5). A festa logo incorporou bater a massa até a decoração das Verônicas, como pode ser uma herança da doçaria moura implantada em Portugal no período visualizado em fotografias produzidas no triênio do estudo. dos embates entre mouro se cristãos: os alfenins que adaptados à cultura local foram transformados em Verônicas. O estudo sobre esta iguaria que trespassa continentes, culturas e séculos é uma busca das contribuições de um período bastante conturbado entre povos que tentavam impor a religião a qualquer preço, mas que produziram um doce simples que simboliza a pureza e é destinado a crianças. O nosso problema pauta-se na compreensão sobre a manutenção dos saberes e fazeres relacionados à produção e distribuição de Verônicas durante a Festa do Divino Espírito Santo em Pirenópolis. O objetivo é buscar a compreensão das etapas de produção das Verônica, doce bastante representativo para a cultura pirenopolina. MATERIAL E MÉTODOS Para a realização deste trabalho, foram consultadas referências bibliográficas específicas sobre a história da Cana de Açúcar, com o livro de Lody (2) que aborda a história, a cultura e a gastronomia da cana sacarina no Brasil; outras contribuições vieram de obras fundamentais sobre o Açúcar produzidas por Dufty (6), Freyre (1) e Cascudo (3). Para aprofundar um pouco sobre a Festa do Divino Espírito Santo, utilizaremos o Dossiê de Registro da Festa do Divino em Pirenópolis, Iphan (4) e a clássica obra de Jayme (5), que foi pioneira no registro Fotos: Erick Tavares Silva, 2014, 2015 e 2016. histórico e bibliográfico a cerca da Festa de Pentecostes pirenopolina e da cidade de Pirenópolis. Recorremos também a Geraldes (7), que fez um estudo sobre alguns itens específicos que compõem a Festa do Divino, incluindo as O intervalo entre as duas primeiras festas estudadas, foi fundamental Verônicas. Outro subsídio fundamental foi o Inventário Nacional de no quesito decisório da escolha de continuidade dos estudos da 01

Gastronomia: da tradição a inovação temática, quando foram buscadas as referências bibliográficas poder pegar o ar frio lá da geladeira pra poder a Verônica ficar boa, voltadas para Pirenópolis e suas festas, quando percebemos que a senão ela mela, ela morre” (12). prática da entrega das Verônicas era outra, não ocorrendo em seguida O “morrer” da massa da Verônica está relacionado também aos ao cortejo e sim distribuídas “no domingo da festa, de casa em casa saberes e fazeres, pois, se não for batida por alguém que detém o (...) como uma gentileza do ‘imperador’” (5). conhecimento do manusear a massa perde a consistência ideal. Outra No intervalo entre a segunda e a terceira festa, os estudos se deram explicação bastante relevante sobre a prática e experiência exigidas na literatura voltada para a trajetória da cana de açúcar pelo mundo e na fazeção de Verônica, foi mencionada na entrevista com o senhor pelo Brasil, sendo uma referência a obra de Freixa e Chaves (9) que Valdo Lúcio Cardoso, imperador da festa do Divino no ano 1986. Ele abordam a História da Alimentação nestas duas escalas. Sobre o ato nos explicou como se fazia Verônica na época em que foi Imperador de fazer doces em Goiás, temos a seguinte explicação: “ o sol forte “até hoje é esse sistema, tem as senhoras fazedeiras que tiram o confinava as mulheres em seus casarões frescos, elas passavam os ponto, porque é muito especial, não é todo mundo que sabe. É muito dias a fazer doces” (10). Sobre os doces preparados exclusivamente difícil! É um doce simples. É água e açúcar só, com uns pinguinhos para as festas recorremos, para quem “a doçaria conventual de limão para não açucarar. Mas é a assimetria de fazer da coisa que portuguesa ilustra o avanço do açúcar de uma outra ótica, na medida é custoso. Tem que ser no frio. A pedra tem que estar bem gelada pra em que doces passam a circular como mimos em datas festivas, jogar a calda depois do ponto, e aí saber puxar. Não é todo mundo impondo a ‘quantidade atentatória’ como vantagem sobre a que sabe fazer puxar não, ela morre na mão de muita gente! Tem as qualidade” (11). pessoas especiais, especialistas que tem a mão que parece que tem a Todos os anos uma grande multidão se junta na casa do Imperador mão guiada por Deus! Mão própria de puxar (...). Então tem as por ocasião da distribuição das Verônicas, aproveitamos o momento pessoas que sabem tirar o ponto e tem as pessoas que sabem puxar e para fazer as seguintes perguntas: “O que são Verônicas” e “Porque aí tem as pessoas que sabem enformar. Hoje tem muita gente que vocês estão na fila para receber Verônica? ” está aprendendo, graças a Deus! T em muita gente que faz a Após a realização aleatória das entrevistas, gravadas por meio de Verônica. Mas o ponto fraco da Verônica é o ponto e saber puxar” aparelho celular com alguns dos partícipes durante a Festa do Divino (13). de 2016, no período de entrega foi possível considerar que boa parte A partir das explicações acima rememoramos as observações de que não soube explicar o que são as Verônicas, ou o porquê que estavam “a ‘mão de cozinha’ é um misto de técnica culinária e vocação. ali para recebê-las. As respostas foram bastante variadas e vagas. Aliás, especialmente para o doce, louvam-se essas habilidades de se Sobre o que são as Verônicas, alguns disseram ser um doce “feito de ter a ‘mão de cozinha’, uma qualidade unida ao melhor desejo, à açúcar”, outro acrescentou ser “um doce feito de água, açúcar e umas melhor técnica, à emoção, à invenção, para se fazer o melhor gotinhas de limão” ou que a Verônica é apenas “um doce da festa”. tempero, para se fazer o melhor doce’. As repostas alusivas aos significados, remeteram amiúde ao sagrado, como demonstram os seguintes exemplos: ”É o doce representando o CONCLUSÕES Espírito Santo de Deus” ou “Simboliza aquilo que é de Deus” e ainda “Verônica simboliza prosperidade, fartura, bênçãos”. Ao serem Por ter grande relevância no significado da Festa do Divino, é um inquiridos quanto a presença na fila para receber um pacotinho doce que continua sendo produzido a cada ano. contendo três Verônicas e três pãezinhos, relataram estar ali apenas A investigação proposta partiu de observações gastronômica, “por tradição”, ou simplesmente por que é “um doce muito gostoso”. priorizando os ingredientes e o modo de fazer. O doce se torna simples a partir dos seus 3 ingredientes básicos: Foi interessante perceber que poucas foram as pessoas que água, açúcar e limão. As Verônicas são confeccionadas em algumas conseguiram explicar o que são as Verônicas, mas sempre conhecem etapas. Primeiro é feito a mistura desses ingredientes que é levada ao os ingredientes e os modos de fazer, contribuindo assim para fogo transformando-se em uma calda de açúcar. Posteriormente, perpetuar a confecção das Verônicas. utilizam-se a técnica de clarificação adicionando claras de ovos para retirar todas as impurezas presente no açúcar e a calda é coada e AGRADECIMENTOS posta a descansar durante um dia. No dia seguinte a calda é fervida até o momento da retirada do ponto em fio. Utilizando uma vasilha Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico com água fria, as senhoras encarregadas da produção – as detentoras (CNPq) pela bolsa de Iniciação Científica. E a Universidade Estadual dos saberes –, retiram o ponto do melado. Pode se dizer que a de Goiás através da Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação pelo retirada do ponto seja a parte mais importante de todas as etapas de auxílio evento. fabricação do doce, como explica Lody; “tudo é celebrado na calda de açúcar, no ponto ideal para se conquistar a identidade de cada REFERÊNCIAS doce” (2). A partir do momento de verificação do ponto, uma mesa de pedra é 1 FREYRE, G. Açúcar: uma sociologia do doce: com receitas de resfriada com barras de gelo para que ocorra o processo de choque bolos e doces do Nordeste do Brasil. 5. ed. São Paulo: Global, 2007. térmico quando a preparação for ali colocada. Despejada então, a 270p. calda líquida começa a esfriar e se transformar em uma massa 2 LODY, R. Vocabulário do açúcar: história, cultura e gastronomia amarelada e transparente. Massa essa distribuída para que seja batida da cana sacarina no Brasil. São Paulo: Editora Senac/SP, 2011. 197p. em movimentos de puxar e de juntar até que se transforme em uma 3 CÂMARA C.L. História da alimentação no Brasil. 4. ed. São massa branca maleável, as pessoas encarregadas desta tarefa não Paulo: Global, 2011. 954p. podem ter as “mãos quentes” sob o risco da “massa morrer”. Daí a 4 INVENTÁRIO NACIONAL DE REFERÊNCIAS CULTURAIS. massa branca é enrolada, polvilhada e cortada em pequenos pedaços. Brasília: Iphan/Departamento de Identificação e Documentação, O polvilho serve para que a massa não grude. A última etapa de 2000. 134p. produção consiste na decoração e impressão de imagens alusivas ao 5 JAYME, J. Esboço Histórico de Pirenópolis. Goiânia: UFG, 1971. Divino Espírito Santo (coroa, flores, pomba e também o nome do 624p. Imperador) nos medalhões de açúcar através de formas feitas de 6 DUFTY, W. Sugar Blues. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Groud, chumbo. A produção para a festa acontece na época de seca no 1990. 199p. Cerrado, quando as noites são frias e os dias quentes, favorecendo a 7 GERALDES, A.A.F. A memória dos objetos: verônicas, máscaras integridade do doce, fazendo com que as Verônicas não “melem” no e flores da Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis/Goiás. decorrer da secagem. FCS-PUC/SP, 2015. 215f (Mestrado em História). Foi possível compreender a partir da entrevista realizada com o 8 MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E.M. Fundamentos de senhor Inácio (filho de um antigo fazedor de Verônicas em metodologia científica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010. 297p. Pirenópolis) que o modo de fazer Verônica não mudou nos últimos 9 FREIXA, D.; CHAVES, G. Gastronomia no Brasil e no mundo. anos. Ele nos contou algumas histórias de quando era criança: “meu Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2009. 304p. pai a vida inteiro fabricou Verônica, inclusive fez até as formas da 10 SALLES, M. Ambiências: histórias e receitas do Brasil. São Verônica feita de chumbo; eles cortavam numa pedra sabão o molde, Paulo: DBA, 2011. 165p. depois derretiam o chumbo e faziam as formas pra fazer Verônica” e acrescentou “mas tem uns casos assim do meu pai que achei 11 DÓRIA, C.A. Estrelas no céu da boca: escritos sobre culinária e interessante, que tinha hora que fazia muito calor e a Verônica não gastronomia. São Paulo: Editora Senac/SP, 2006. 268p. ficava boa, aí ele tinha uma pedra que ele colocava dentro da 12 Entrevista com Inácio de Oliveira. Pirenópolis, 2016. geladeira. Colocava o melado na pedra e levava pra geladeira até ela 13 Entrevista com Valdo Lúcio Cardoso. Pirenópolis, 2016. esfriar bem pra poder bater. Batia com a porta da geladeira aberta pra 01

Gastronomia: da tradição a inovação 05744 - Povos colonizadores e imigrantes do sul do Brasil: aspectos sociais, econômicos e gastronômicos na formação da cultura local são-borjense 2 Camila Saraiva , Anelise Cruz , Luciana Monks , Aline Roque , Luíza Klockner , Juliana Araújo 1 3 4 4 4 1 Docente Msa do Curso de Tecnologia em Gastronomia do IFFAR - Campus São Borja. [email protected] 2 Docente Dra do Curso Técnico em Cozinha do IFFAR - Campus São Borja. 3 Docente Dra do Curso de Tecnologia em Gastronomia do IFFAR - Campus São Borja. 4 Docente Esp. do Curso de Tecnologia em Gastronomia do IFFAR - Campus São Borja. PALAVRAS-CHAVE: gastronomia, cultura alimentar, história, miscigenação. INTRODUÇÃO do povo da região. A globalização e a contemporaneidade trouxeram ao mundo MATERIAIS E MÉTODOS importantes transformações sociais e contribuíram para a ocorrência Esta pesquisa apresenta um enfoque qualitativo e caracteriza-se de diferentes mudanças nas sociedades. Sociedades estas que estão por ser de caráter exploratório, aplicado e descritivo. O locus de em constante transformação e adaptação às novas estruturas, aplicação deste estudo encontra-se no município de São Borja, o buscando nos paradigmas atuais uma fonte para atualização da universo é composto pelos habitantes deste território e os sujeitos são ciência, que deve compreender e se inteirar desses novos processos os atores locais que detêm as informações, e foram selecionados que estão ocorrendo. através de uma amostra da população indicada por adesão e Um desses processos diz respeito ao estudo dos aspectos conveniência, tipo ‘bola de neve’. históricos sociais e culturais do ser humano. Dentro destes encontra- Empregaram-se recursos metodológicos, como a coleta de se a gastronomia que é carregada de significados e tem como marca dados através de procedimentos técnicos como bibliográfico, presente uma identificação homogênea cultural que difere um documental e pesquisa de campo. Os resultados obtidos estão território ou uma região ou um povo ou um grupo social do outro. pautados nas descrições e compreensões das entrevistas abertas e Os hábitos alimentares fazem parte da realidade de determinada semiestruturadas, aplicadas a historiadores, gastrônomos, estudiosos sociedade e podem ser entendidos como fator de identificação dos da área e membros das entidades e instituições culturais e de ensino laços e de representações da cultura popular, além de ser uma fonte presentes nesta cidade. ampla para pesquisas que envolvem todos os processos relativos à RESULTADOS E DISCUSSÃO cadeia de produção de alimentos e os processos que relacionam o A história de São Borja confunde-se em grande parte com a do homem com o alimento. A cozinha tradicional e popular está sendo RS, pois é considerada uma das civilizações mais antigas do Estado, reconhecida como um valioso patrimônio intangível da humanidade. onde grandes e importantes eventos e guerras foram travados. Nesta Essas manifestações, normalmente são transmitidas de geração em região, foram implantadas as Missões ou Reduções jesuíticas, que geração e tendem a se modificar com o passar do tempo por um compõe uma parcela importante da história do mundo, considerado processo aberto e evolutivo que vai sendo recriado pela coletividade, pela UNESCO como 'uma experiência única da humanidade'. Nesses tornando-se conhecidas como a cultura gastronômica de um espaços, ocorreram trocas culturais entre os costumes europeus, determinado local (1, 2). indígenas e africanos, que muito contribuíram para a formação da O desenvolvimento de um local só pode ocorrer através dos identidade do povo gaúcho e são-borjense. sistemas socioprodutivos e das sociedades humanas que apresentam- No Brasil, na segunda fase de implantação das Missões se como sistemas complexos, cuja compreensão total dos aspectos Jesuíticas, foram fundados, pelo governo espanhol, a partir de 1682, sociais, econômicos, políticos e culturais somente é possível pelo uso sete aldeias ou reduções, a partir da margem esquerda do Rio e entendimento de uma abordagem histórica da construção destes Uruguai. O objetivo destes povoados era impedir o avanço da coroa processos (2). portuguesa em direção ao litoral sul do Brasil. Os índios guaranis Sendo assim, as transformações sociais e culturais ocorridas com os padres jesuítas iniciaram, esta fase de implantação das durante os anos de colonização e imigração de diferentes etnias no reduções jesuíticas (5). município de São Borja, no Rio Grande do Sul, são importantes O primeiro dos Sete Povos das Missões Orientais foi chamado vetores para o entendimento do seu contexto e da sua organização. de São Francisco de Borja. Organizou-se, a partir da transmigração Este município é uma importante cidade histórica do estado, onde foi de índios guaranis, pampeanos e minuanos e do padre jesuíta fundado o Primeiro dos Sete Povos das Missões (na segunda fase da espanhol Francisco Garcia de Prada. A escolha do local deu-se a implantação das Reduções Jesuíticas no Brasil) e que contempla as partir do exame das condições necessárias para a sustentabilidade da origens da sua formação histórica baseadas nas culturas dos povos se Redução, do acesso à bacia fluvial, do acesso às fontes de água consolidaram na região, como os indígenas, espanhóis, portugueses, potável e condições favoráveis de fácil acesso e defesa do território. alemães, italianos e africanos. O sistema econômico, abstraindo-se as implicações políticas Em 1994, a cidade foi declarada, via Decreto Estadual (3), sociais e religiosas, aplicado no povoado de São Borja, era baseado como “São Borja, Cidade Histórica”, ressaltando o reconhecimento no trabalho de todos para o provimento da comunidade e ficou aos inúmeros acontecimentos políticos, econômicos e sociais que rotulado como sistema comunista cristão (6). Surge ainda a contribuíram para a sua formação territorial, bem como a do RS, e a caracterização do sistema econômico como um sistema social construção da sua diversidade histórico-cultural e gastronômica (4). cooperativo, em que as pessoas atuavam conjuntamente de forma É de grande importância e urgência a necessidade de se estudar, cooperativa, dividindo em partes iguais o que era produzido no recuperar e registrar a sua história cultural, pois assim, muitos povoamento (7). O sistema político era dividido entre jesuítas e testemunhos ocultos e desconhecidos podem vir à tona colaborando indígenas. para a exaltação do conhecimento, valorização e, principalmente, Havia ainda, um sistema de trocas, que servia para o para a preservação da cultura local (4). abastecimento dos insumos que não eram produzidos pela família, Neste contexto, este estudo justifica sua importância pelo fato mas sim, por outra que também fazia parte da Redução, ou ainda os de que são encontrados muito poucos materiais registrados para centros comunais forneciam os provimentos que faltassem. O pesquisa, como livros, artigos, revistas e jornais sobre a constituição comércio com outras Reduções ou viajantes que por ali passavam, dos aspectos sociais, gastronômicos e culturais locais, que são tão também acontecia e prosperou, com a exportação do excessivo da importantes na conjuntura histórica e cultural da formação do povo produção local da erva mate e de outros produtos como, por brasileiro, gaúcho e são-borjense. Assim, a realização desta pesquisa, exemplo, os derivados da produção do gado bovino, como carne, ainda levanta a bandeira da preservação e conservação dos costumes couro e charque. e folclore de um local que tem calcado na sua história fatos Os jesuítas e índios ainda desenvolviam uma importante importantes, deixando momentos marcantes sempre vivos, através atividade de subsistência e comércio, a pecuária. Pela abundância de deste registro. Diante do exposto, o objetivo principal a que se animais, a carne bovina tornou-se a base da alimentação indígena, propõe este estudo é resgatar e registrar estas ações históricas sociais além de aproveitarem o sebo e o couro. As técnicas de agricultura e e gastronômicas que até os dias de hoje refletem a cultura alimentar pecuária foram ensinadas pelos jesuítas aos índios. 01

Gastronomia: da tradição a inovação Outro alimento muito consumido na dieta indígena era foram adaptados para o preparo com os produtos presentes na ‘nova resultado da atividade da pesca realizada pelos índios (8). Os peixes terra’. Estas etnias, alemã e italiana adaptaram-se muito bem aos eram preparados assados em trempes de bambu (moquém) ou de costumes que já se faziam presentes na região e, ao mesmo tempo, pedra, defumados ou secos ao sol e depois socados com farinha de influenciaram a cultura, os hábitos e tradições dos demais povos que mandioca. A mandioca era outro alimento bastante consumido na já estavam estabelecidos na região. época e ainda hoje na região. Também era consumida como farinha Até 1940 a pecuária domina a economia da região, porém com ou assada perto das brasas (8). a imigração de colonos alemães e italianos e a recente implantação Além destes alimentos, o milho também era produzido na da lavoura intensiva maquinizada no município a base econômica Redução de onde derivava o mingau e a canjica pilada ou era assado passa a ser a agricultura, através da produção de linho, trigo, arroz e na brasa, cozido ou feito como pipoca, ou, ainda, consumido em soja. Em 1970, São Borja ganha o título de 'Capital da Produção'. forma de uma bebida fermentada. Outras culturas eram produzidas E assim é caracterizada a cultura do povo são-borjense, para subsistência da aldeia, como trigo, erva mate, feijão e fumo, marcado por dificuldades, por diversas lutas, mas se mantendo além de hortas e pomares. Ainda, pode-se citar muitos outros sempre aberto a receber seus imigrantes, cultivando suas lendas, alimentos que eram consumidos na época das Missões que estes, folclores e tradições, através da sua comida, da música gaúcha, dos ainda hoje, são consumidos em São Borja, como a batata, o tomate, o seus hábitos religiosos, que são muito fortes e presentes no pimentão, a pimenta, sementes e frutas como abacaxi, ananás, município, e da exaltação da sua produção alimentícia. Produção esta abacate, banana, laranja e pêssegos, entre outras (8). que até hoje é a base econômica do município. Os moradores desse Como utensílios e técnicas para assar os alimentos utilizavam espaço são considerados como agentes sociais participantes uma trempe de bambu ou de pedra que ficava a certa altura do fogo, fundamentais para preservação e replicação desta cultura alimentar o que muitos acreditam que deu origem ao churrasco gaúcho, ou era miscigenada. feito um buraco no chão recoberto com folhas de bananeira, onde colocavam o alimento, tapavam com mais folhas da planta e cobriam CONCLUSÃO com terra, faziam o fogo em cima para cozinhar o alimento que As teias de relações humanas históricas dos diferentes povos, estava enterrado. Como utensílios, utilizavam panelas de barro e que colonizaram e imigraram para São Borja, o clima, o relevo e argila feitas com as próprias mãos. hidrografia da região, a evolução dos aspectos econômicos, sociais, Os hábitos espanhóis foram se misturando com os dos culturais, políticos e ambientais acabaram por compor a identidade indígenas, como o gosto pelas festas, a charcutaria com a linguiça e o gastronômica, social e cultural do povo são-borjense. Essas teias e os chorizo, a preparação de cozidos ensopados e a plantação de uvas diversos fatores complexos, presentes no dia a dia, fizeram com que para produção do vinho. Porém, a maior contribuição desse povo a alimentação do índio, do espanhol, do português, do alemão e para a cultura do país, do Estado, e de São Borja foi a pecuária, a italiano sobressaísse sobre as demais e formasse a cultura social e introdução do gado bovino, ovino e caprino, na região dos pampas. gastronômica do município. Os jesuítas ensinaram aos índios as técnicas de agricultura e criação Os índios deixaram sua marca na cultura gastronômica local desses animais citados, além dos hábitos e crenças religiosas. através do consumo da erva mate, da mandioca, do peixe e da técnica As Missões prosperaram e se desenvolveram até a assinatura do de preparo do churrasco, os espanhóis através da pecuária e do Tratado de Madrid, entre as cortes de Espanha e Portugal, em 1750. consumo de carne bovina e ovina, e os portugueses com suas Os lusos tomam posse dos Sete Povos e começou o declínio desta técnicas de salga e conservação dos alimentos (charque), os alemães formação societária. Trocas culturais foram presenciadas entre os com as culturas agrícolas e técnicas de embutidos e os italianos com índios, espanhóis e portugueses. Como anulação deste Tratado em as comidas mais consumidas no dia a dia, como massas, polentas e 1751, voltam os antigos moradores e reconstroem o povoado que risoto. Esses hábitos alimentares, que foram sendo construídos com o teve seu declínio definitivo após 6 anos. passar do tempo, caracterizam as identidades são-borjenses e A pecuária continua sendo a base econômica da região e a encontram-se presentes na realidade gastronômica do município até principal rota de transporte de carne e de produtos derivados, para o os dias de hoje. Resume-se que não existe um traço gastronômico e sudeste do país, tinha seu início no município. Esse período e o cultural identitário único em São Borja, mas sim traços e identidades arranjo social e comercial ficaram conhecidos como Ciclo do diversificadas que se fundiram e formaram uma cultura híbrida que, Charque ou Época do Tropeirismo, que muito alavancou a economia atualmente, é reconhecida pelos munícipes, como identidade da região do RS. Nesse período, o núcleo e matriz social era a missioneira são-borjense. Estância, onde as tropas eram criadas em grande escala e, Conclui-se que a importância deste trabalho, vem ao encontro posteriormente, levadas pelos tropeiros até as charqueadas do estado. do registro, divulgação, preservação e conhecimento dos aspectos Continuam as guerras, por posse das terras e a miscigenação de sociais históricos e da gastronomia regional de uma pequena parte culturas indígena com os europeus e, ainda com os africanos, em deste enorme país, que apresenta uma grande diversidade menor intensidade, que em uma situação de extrema pobreza e gastronômica, com uma miscigenação de diferentes culturas étnicas, marginalização socioeconômica também trouxeram suas de acordo com outros estudos desenvolvidos nesta área. contribuições culturais e gastronômicas para a região, principalmente implantando o consumo dos miúdos dos animais. Os costumes REFERÊNCIAS alimentares dos portugueses foram adaptados à cultura alimentar do (1) SCHLÜTER, Regina G. Gastronomia e turismo. São Paulo: índio que já havia se transculturado com os espanhóis, formando uma Aleph, 2003. cultura híbrida, que pode ser chamada de luso-indígena-espanhola. (2) BASSO, David. Fundamentos teóricos e procedimentos Até que em 1834, cessaram as batalhas e o desenvolvimento em metodológicos para a análise de processos reais de desenvolvimento. São Borja pode ser qualificado como exitoso. O poder passou as In: SIEDENBERG, Dieter Rugard (org.). Desenvolvimento sob mãos dos militares, que controlavam a fronteira com a Argentina. A múltiplos olhares. Ijuí: Unijuí, 2012. Cap. 2, p. 101 – 137. partir do séc. XX, começam a chegar à região os imigrantes alemães. (3) RIO GRANDE DO SUL. Constituição do Estado do Rio Grande Esses imigrantes, colonos agricultores, desenvolveram a policultura do Sul. Decreto nº 35.580, de 11 de outubro de 1994, Artigo 82, do milho e do linho e introduziram novos hábitos alimentares, inciso V. Disponível em: culturais e socioeconômicos. Estes trouxeram seus costumes e a sua http://www.al.rs.gov.br/legis/M010/M0100099.ASPHid_Tipo=TEXT contribuição para a formação da cultura alimentares são-borjense, O&Hid_TodasNormas=12649&hTexto=&Hid_IDNorma=12649. que até os dias de hoje, são identificados e consumidos no município, Acesso em: dezembro de 2014. através do consumo de cucas, queijo colonial, chucrute, batatas, (4) SILVA, Dilossane Vargas; SILVA, Mateus Claudino Caetano da. carne suína e de frango e chimias de frutas, além de difundirem as São Borja e sua diversidade histórico cultural. XVI Seminário técnicas de preparo de embutidos como a linguiça, a salsicha e o Interinstitucional de Ensino, Pesquisa e Extensão da UNICRUZ. salame. Santa Cruz do Sul, 2011. Os imigrantes italianos, da mesma forma, contribuíram para a (5) FLORES, Moacyr. História do Rio Grande do Sul. Ed. 5. Porto formatação da cultura de São Borja. Quando chegaram ao local Alegre: Nova Dimensão, 1996. cultivavam nas roças a maioria dos produtos que consumiam. (6) RILLO, Apparício Silva. São Borja em perguntas e respostas: Alimentavam-se de pratos à base de milho e das leguminosas e monografia histórica e de costumes. 4 ed. São Borja: Gráfica verduras que plantavam. Os pratos mais consumidos eram a polenta e Noschang, 1982. a fortaia. Consumiam mais a carne suína e de frango do que a carne (7) OLIVEIRA, João Carlos Quadros. Eternos Heróis Gaúchos. 6 bovina, quais eram fritas na sua própria gordura e conservadas em ed. Passo Fundo: Passografic, 2014. latas tapadas por banha para não estragarem com facilidade. (8) SCALCO, Maria Izabel Guimarães. Memórias, sabores e Trouxeram, ainda, o hábito do consumo do risoto e das massas, que aromas. Alcance, 2014. 01

Gastronomia: da tradição a inovação 05750 - Fome e Fartura em Raquel de Queiroz e a busca de Identidade da Culinária Cearense Ailca Pereira Licenciada em Letras pela Universidade Estadual do Ceará. Professora de Português da Secretaria de Educação do Estado do Ceará. Aluna do curso de Gastronomia da Universidade Federal do Ceará, [email protected]. Palavras chave: gastronomia, escassez, cozinha, Ceará. INTRODUÇÃO Por Identidade cultural entende-se que é o conjunto de características de um povo, originadas da interação entre seus membros e o modo como eles interagem com o mundo que os cerca. Após o descobrimento do Brasil, a colonização das novas terras deu- São as tradições, a cultura, o modo de falar e vestir, a culinária, a se com a implantação dos grandes engenhos de café e de cana-de- música, a religião que representam os hábitos desse grupo. A açúcar no Nordeste Brasileiro. O fim do ciclo açucareiro direcionou os interesses portugueses para as minas de prata do Sul e Sudeste do identidade está apoiada num passado coletivo e se apresenta como país (1). O Nordeste, por tratar-se de uma faixa territorial de clima uma construção social estabelecida, fazendo com que os indivíduos sintam-se semelhantes. Ligada à memória do grupo, a identidade não seco e solo árido, despertou pouco interesse dos colonizadores, pode ser vista como algo fixo, acabado, imutável. Pelo contrário, a ficando fadado ao esquecimento por centenas de anos (2). No final do século XIX os investimentos do governo republicano no incorporação de novos elementos culturais no cotidiano do grupo faz Nordeste ainda eram escassos. Em nome da seca abandonou-se toda parte do processo de sobrevivência coletiva, mantendo-o vivo no tempo e no espaço geográfico ao qual pertence. uma região do país, negando ao povo nordestino o direito de, Culinária é a arte de transformar tudo o que a natureza oferece de vencendo as adversidades, permanecer em sua terra natal. (3). comestível em alimento. Ela é causa e conseqüência da história Fome e fartura sempre estiveram presentes na história do povo evolutiva do homem tornado-se, hoje, parte significativa da cultura cearense. Entendemos, porém que a fome nunca constituiu um universal. A culinária reflete os costumes de um grupo e é refletida problema natural irremediável, mas um fenômeno social produzido por outros aspectos sociais como as religiões, a política, aspectos pelo homem (4). A escassez de alimentos obrigou-o a buscar geográficos e naturais. Geralmente, é associada à cozinha, pois, na soluções alternativas, construindo pouco a pouco sua cultura e sua maioria das vezes é onde ela acontece. Alimentos, técnicas utilizadas, identidade (5). Os hábitos culinários, por sua vez, não nasceram utensílios e insumos variam de região para região e fazem parte do somente da necessidade de alimentar-se, mas, como expressão da história, do clima, das crenças religiosas e da forma de organização acervo cultural de um povo. social desse povo (6). A história do homem cearense é permeada, também, por momentos de fartura e de bons invernos. (7). Fome e PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS fartura alternam- se, ciclicamente, como inverno e estiagem e são fatores preponderantes na construção da identidade e da cultura local. Este trabalho resume-se em um estudo teórico dos livros O Quinze e (8) O Não Me Deixes Suas histórias e sua cozinha, da professora, O principal foco de investigação dentro da temática Gastronomia e jornalista e escritora cearense Rachel de Queiroz e aponta dados Culinária Cearense é a relação dicotômica fome X fartura presente relevantes sobre a culinária cearense do século XX. O nos livros O Quinze (9) e O Não Me Deixes Suas histórias e sua desenvolvimento da pesquisa se deu através do levantamento cozinha (10) da escritora Rachel de Queiroz (11). O referido trabalho bibliográfico acerca do tema e assuntos afins para uma maior tem como objetivo analisar em que medida essa relação bifurcada compreensão do objeto a ser estudado: o referencial de identidade da contribui na construção do referencial de identidade da culinária culinária cearense. cearense. A pesquisa utiliza método qualitativo e dedutivo. A escolha do método qualitativo se dá por tratar-se de uma pesquisa social e REVISÃO DA LITERATURA antropológica que tenta entender um processo pouco conhecido de um grupo específico, que é a construção da identidade da culinária do Surge a necessidade hoje, por parte dos estudiosos de Gastronomia, cearense. Já o método dedutivo, por utilizar material disponível sobre de uma literatura sobre a culinária cearense abordando hábitos o tema, em busca de uma verdade propositiva. Pretende-se utilizar alimentares, técnicas de preparação de alimentos e insumos utilizados fontes primárias (materiais que ainda não foram considerados) e ao longo da história alimentar no Ceará. Na busca de indícios dessa fontes secundárias (contribuição de diferentes autores sobre o tema culinária local, onde prevalece a oralidade, propõe-se, nesta pesquisa, pesquisado). Neste estudo adota-se uma perspectiva exploratória uma análise de dois livros de Rachel de Queiroz: O Quinze e O Não sobre um assunto pouco, ou nunca, estudado. Aborda-se o tema de Me Deixes Suas histórias e sua cozinha, a fim de coletar-se dados forma dialética por levar em consideração a contradição e o conflito sobre a culinária cearense a partir dos costumes sociais abordados na origem e resolução do mesmo. pela autora em sua obra. Para tanto, precisa-se inicialmente entender, É interessante investigar a obra de Rachel de Queiroz, escritora com mais clareza, termos relevantes ao tema como: fome, fartura, modernista, representante legítima da segunda geração, a “geração de identidade e culinária. 45” por se tratar de uma prosa regionalista, comprometida com a Fome, numa definição mais objetiva, é a sensação de desconforto e participação política. Rachel de Queiroz utiliza sua obra para fazer dor, causada pela ausência de alimentos no organismo, por um denúncia social, retratando o homem nordestino com todas as suas período prolongado de tempo. Essa sensação desconfortante ocorre mazelas. A autora fala com propriedade e com viés jornalístico sobre pela baixa da energia produzida pelo organismo, necessária ao a seca, a fome, a miséria, a ignorância do homem do campo, o desempenho de suas atividades vitais. coronelismo e a religiosidade de seu povo, abordando temas como a Fartura é, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (12), migração, a exploração nas relações de trabalho, a luta pela terra e o estado de farto, grande quantidade de abundância, que por sua vez, descaso dos governantes com o Nordeste brasileiro. Rachel de significa grande quantidade de fartura e profusão. Fartura, então, é o Queiroz coloca o leitor em contato com um Brasil de diversidade estado de saciedade da fome. Para o cearense, fartura é o estado de cultural pouco conhecida, apresentando hábitos e crenças do povo abastança, abastamento que só o bom inverno é capaz de nordestino e, em especial, do povo cearense. proporcionar. Sendo, abundância o contrário de carência, carestia, necessidade, míngua, desprovimento, carecimento, precisão, pobreza, A RELAÇÃO DICOTÔMICA FOME X FARTURA EM RACHEL privação, fraqueza e fome. Portanto, acredita-se ser a fome e a fartura DE QUEIROZ dois lados de uma mesma moeda. Uma moeda nordestina que paga, a preços irrisórios o suor e as lágrimas de quem constrói a culinária FOME – O Quinze Em O Quinze (1930), a autora denuncia o cearense. problema da seca quando narra a saga do sertanejo em busca de 01

Gastronomia: da tradição a inovação soluções para vencer a estiagem e resolver o problema da fome que A cozinha cearense, de tradição oral, sem registros escritos, precisa assola o Ceará de 1915. A trama se desenvolve pelo entrelaçamento ser documentada e refletida enquanto expressão da cultura de seu da história das famílias dos protagonistas Vicente e Conceição povo, pois, mesmo em períodos de escassez (seca) como em (proprietários de terras) com a história da família de Chico Bento momentos de fartura (o bom inverno) o homem cearense buscando (trabalhador rural). Vicente, o herói, prefere ficar e lutar bravamente vencer as adversidades impostas pelo meio, produz conhecimentos, contra as agruras da seca. Chico Bento não tem escolha: sem terra, vence o medo de não ter o que comer desenvolve técnicas de preparo sem trabalho e sem dinheiro é obrigado a deixar sua terra natal numa e conservação de alimentos, frutas, leguminosas, carnes, peixes, leite, peregrinação rumo à capital com toda a família (esposa, cunhada e ovos etc. A construção dessa cultura, tipicamente cearense, também, filhos). A viagem do sertanejo do interior de Quixadá até Fortaleza leva em conta vários aspectos social, político, econômico, em busca de sobrevivência é um dos tempos da narrativa. geográfico, religioso e cultural. Para finalizar, cabe a ele salvar essas Percebe-se, a partir do processo de colonização brasileira e nas características da cultura culinária, que mesmo não estando, até entrelinhas dos romances de Rachel de Queiroz a formação do então, expressa de forma escrita, foi, é e será socialmente construída. estigma de uma “sub raça” para designar um povo cuja sina é esperar. Esperar pela chuva que não vem, pelas promessas dos CONCLUSÕES políticos brasileiros ao longo dos anos e por melhores dias. Resta ao sertanejo, ainda, outra saída: migrar. Deixar suas raízes em busca da A história da alimentação no Ceará está pautada sob os signos da Terra Prometida onde sempre há farinha e sempre há inverno (13). fome e da fartura, que são fatores preponderantes, na construção da culinária cearense, pois, atribui-lhe um referencial de identidade, à FARTURA – O Não Me Deixes – Suas histórias e sua cozinha. O medida que, é construída como resposta aos problemas que são Não Me Deixes (2000) é um livro de lembranças e receitas onde a impostos ao homem pelo meio. autora descreve toda a riqueza da cozinha cearense. Descendente da Raquel de Queiroz deixa sua contribuição na construção desse cozinha portuguesa e com fortes traços da culinária indígena é uma referencial de identidade quando registra através de suas cozinha simples, contida, criativa, produto da luta do homem pela personagens, hábitos e costumes de uma época e de uma região. No sobrevivência. É uma cozinha feminina, artesanal de utensílios livro O Não Me Deixes Suas histórias e sua cozinha, a autora registra rústicos e práticas milenares. Fogão e forno (separados) à lenha; através de lembranças, o legado culinário cearense que presenciou panelas e pratos de barro; colheres e pilões de madeira. É uma em suas passagens pelo Ceará, as quais, não foram poucas. cozinha oral, sem registros escritos, até então. Conhecimento passado de geração a geração através da observação e apreendido por REFERÊNCIAS imitação. Nesta cozinha, construída historicamente pelo homem, atividades como o abate de animais domésticos, o corte de carnes, a 1. FREIXA, Dolores; CHAVES, Guta. Gastronomia no Brasil e no moagem ou a pisa de grãos, a torrefação do café e do urucum faz mundo. 2. ed. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2013. parte do cotidiano das pessoas que por ela transitam: vizinhos, 2. CASTRO, Josué de. O livro negro da fome. 2. ed. São Paulo: parentes, “compadres”, trabalhadores. A comida típica não é a do Editora Brasiliense, 1966. cotidiano, mas, a que é servida em dias de festas, preparadas 3. CUNHA, Euclides da. Os sertões. Fortaleza: ABC Editora, 2002. pacientemente. A comida do dia a dia é uma versão simplificada da comida das festividades. Há variedade nas preparações, pois, a v.1. culinária segue o ritmo do calendário da casa: comida de todo dia X 4. MONTANARI, Massimo. A fome e a abundância: história da comida de finais de semana; comidas de festas de aniversário X alimentação na Europa. Bauru: Edusc, 2003. comidas de festas de casamento; comidas de natal e comidas de ano 5. FRANCO, Ariovaldo. De caçador a gourmet: uma história da novo. gastronomia. 5. ed. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2010. Raquel de Queiróz faz um apanhado de suas memórias culinárias. 6. MONTANARI, Massimo. Comida como cultura. 2. ed. São Registra utensílios, técnicas de cocção, insumos, receitas Paulo: Editora Senac São Paulo, 2013. contribuindo, de forma clara e objetiva, com a escrita da história da 7. ALMEIDA, Gildênia Moura de Araújo. A fome: um romance do naturalismo? São Paulo: Editora Delicatta. 2012. alimentação cearense. 8. MONTANARI, Massimo. A fome e a abundância: história da alimentação na Europa. Bauru: Edusc, 2003. RESULTADOS E DISCUSSÃO 9. QUEIROZ, Rachel de, O quinze. 27. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1981. v.18. Somente a consciência em uma sociedade letrada provoca condições 10. QUEIROZ, Rachel de, O não me deixes. 3. ed. Rio de Janeiro: de se produzir uma memória escrita da sua cozinha. Memória essa, Livraria José Olympio Editora, 2010. capaz de transmitir às futuras gerações o conhecimento 11. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura Brasileira. 43. Ed. historicamente acumulado por seus membros, permitindo, assim, São Paulo: Cultrix, 2006. codificar práticas e técnicas desenvolvidas ao longo do tempo, 12. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da enquanto a cozinha oral está destinada a se perder no emaranhado de língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira informações, ao qual seu povo é, diariamente, submetido. S.A., 1986. 13. QUEIROZ, Rachel de, O quinze. 27. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1981. v.18. 01

Gastronomia: da tradição a inovação 05752 - Cozinha Étnica: Uma prática de consumo contemporânea e um fazer identitário Fabiana Sales Mestre em Turismo (UCS). Doutoranda em Antropologia (PPGA/UFPE). Docente no Curso de Gastronomia da Faculdade SENAC Pernambuco. [email protected] Palavras-chave: gastronomia – identidade cultural - Restaurante Altar INTRODUÇÃO Para pensar o conceito de cozinha étnica foram utilizados autores como Collaço (op. cit.), que pensa a partir da realidade cosmopolita O fazer culinário nunca esteve tão em pauta na sociedade encontrada na cidade de São Paulo em que uma multiplicidade de contemporânea como nos últimos tempos. Em que pese já terem sido analisadas desde a perspectiva do fato social total, as discussões cozinhas (características de mais de 45 países) pode ser encontrada acerca dos processos que envolvem a alimentação e, de forma mais na oferta gastronômica local. Bourdieu (3) e Barbosa (4) reforçam o recente, a gastronomia invadem não só os restaurantes (e demais elo entre o consumo e distinção social, mostrando como as classes espaços que prestam serviços ligados à alimentação) como também sociais demarcam a sua posição por meios das suas preferências de os lares, as salas de aula e do cinema, as bancas e livrarias e os consumo, com destaque, neste campo, para o consumo de bens (e, ou espaços públicos. serviços) ligados à alimentação que passam a constar no rol dos bens O consumo e interesse pela gastronomia, tal como se apresenta em culturais (capital cultural). nossos dias, é, todavia, uma prática marcadamente urbana. A Ao considerar a cozinha étnica dentro das muitas possibilidades de diversidade na oferta gastronômica de uma cidade chega a constituir consumo gastronômico, Van den Berghe (5) traz uma discussão em um requisito para que a cidade possa ser considerada cosmopolita que reforça a conexão entre comida e etnicidade. Ao mesmo tempo (1). O conceito de gastronomia está ligado ao espaço urbano, em que o autor associa a comida étnica ao passado memorial industrializado e moderno, constituindo-se em uma prática carregada (infância, família, etc.), o consumo consciente da cozinha étnica, de reflexão e intencionalidades. segundo o autor, só pode ser desenvolvido no contexto do contato Pensando neste quadro, vale marcar a diferença entre o conceito de interétnico, pois não existe a consciência de que a comida do sujeito gastronomia e de culinária. Embora, na prática, pareça que tanto o que come é étnica ou representativa de um grupo até que se entra em cozinheiro (que pode não ter nenhuma formação específica na área) contato com outras tradições culinárias, de onde surge a associação como o chef de cozinha (que hoje em dia precisa se qualificar a nível entre cosmopolitismo e diversidade cultural e o potencial para o de ensino formal para alcançar esse reconhecimento) tenha como desenvolvimento e consumo de cozinhas étnicas nos grandes centros matéria de trabalho o mesmo material (ingredientes, a ideia das urbanos. Outro autor a abordar a questão da etnicidade, agora, desde preparações e os utensílios e equipamentos necessários), no âmbito uma perspectiva mais antropológica é Barth (6) que considera os do consumo, os comensais parecem perceber a diferença existente grandes fluxos humanos e as fronteiras étnicas. Para este autor, as entre os dois ofícios, atribuindo ao segundo notoriedade e fronteiras permanecem apesar dos fluxos de pessoas que as significativo status social. atravessam. Trata-se de processos de exclusão e incorporação em vez Atala e Doria (2) resumem a diferença entre culinária e gastronomia de ausência de mobilidade e de contato com outros grupos étnicos. atribuindo a primeira as técnicas, matérias-primas e saber fazer Arvela (7) reforça o grupo de pesquisadores que atribuem à comida correspondente às adaptações do homem ao meio ambiente, enquanto étnica uma natureza necessariamente urbana e cosmopolita, a gastronomia envolve um discurso e um prática que tomam a destacando o papel que a cozinha desempenha para os grupos étnicos culinária como objeto, potencializando os prazeres que a partir dela representando, para estes, um modo de vida. podem ser obtidos. De acordo com Collaço (op. cit., p. 204), caberia ainda uma distinção RESULTADOS E DISCUSSÃO entre gastronomia e cozinha, sendo a gastronomia “um instrumento para pensar o comer contemporâneo que permite acessar diferentes Localizado no bairro de Santo Amaro, região central da cidade do expressões de cozinhas”, enquanto as cozinhas são modelos que Recife, o Restaurante Altar - Cozinha Ancestral, inaugurado em maio permitem a reflexão sobre a formação de identidades e a exposição de 2014, não possui placa de identificação na sua fachada, mesmo de relações sociais culturais e econômicas de diferentes instâncias. A tendo sido eleito Restaurante Revelação 2015/2016 por uma gastronomia, dessa forma, incorpora a variedade, a novidade, tendo publicação considerada referência na indicação de serviços como um de seus interesses a pluralidade de sabores e saberes gastronômicos. presentes em distintas cozinhas. Os dados aqui apresentados foram extraídos da entrevista realizada Assim, este trabalho tem como objetivo provocar a reflexão acerca com a proprietária, chef de cozinha e Iabassê, filha de Xangô, Dona de uma modalidade de consumo gastronômico que se apresenta, para Carmem Virgínia. Na análise da fala da entrevistada, muito do que além de uma diferenciação no mercado de alimentos e bebidas, como foi apresentado em relação ao conceito de cozinha étnica pode ser um veículo de comunicação e resistência: a cozinha étnica. Ao lidar constatado na realidade do Restaurante Altar, começando pela com elementos, tais como, memória, grupo étnico e valores culturais, identificação daquela como iabassê - cozinheira dos orixás - e a comida carregada de sentimentos e simbolismos oferece-se como também dos homens. instrumento para pensar o ‘eu’ e o ‘outro’, as diferentes relações que Incomodada com a denominação de ‘chef de cozinha’, a Iabassê podem ser estabelecidas entre estes sujeitos, reforçando, assim, o seu afirma que deseja estar em contato com as panelas, que nem sempre vínculo com o conceito de identidade cultural. é o local onde o chef se encontra. O Altar é o local onde D. Carmem faz da cozinha o seu ideal de vida. Uma cozinha mais elevada onde a MATERIAL E MÉTODOS estrela é a comida, é aquilo que vai ao fogão. Para ela, o seu Altar oferece para o cliente uma comida com identidade. O trabalho apresenta-se como um estudo de caráter qualitativo, Apesar de ter sido escolhida para o cargo de Iabassê ainda criança, etnográfico, construído a partir de uma revisão conceitual acerca dos somente anos depois, D. Carmem ocupou essa função de conceitos de gastronomia, cozinha étnica e etnicidade. Outras protagonista na cozinha do terreiro Ilê Axé Ogbon Obá. Sobre o discussões mostraram-se relevantes para fortalecer o argumento cargo de iabassê, Bastide (8), sociólogo francês que estudou de principal do trabalho, tais como a prática do consumo e a ideia de forma aprofundada as religiões de matriz africana no Brasil, fala da distinção social. Para fazer convergir as discussões teóricas com a responsabilidade de cozinhar para os orixás destacando o papel da realidade empírica, foi realizada uma entrevista com uma Chef de iabassê na hierarquia do terreiro. Cozinha, cujo Restaurante se destaca na oferta gastronômica da A comida de terreiro, para Lody (9), apresenta-se como um dos cidade do Recife (PE) por trazer uma proposta diferenciada, com melhores instrumentos de comunicação entre os homens e os orixás e raízes na culinária de matriz africana, haja vista a forte ligação da os homens e seus antepassados, posto que, carregadas de chef de cozinha com o candomblé, caracterizando o que estamos complexidade, as receitas e o fazer culinário traduzem histórias chamando de Cozinha Étnica. mitológicas, épicas e sociais, funcionando na manutenção do equilíbrio hierárquico, ético e moral no candomblé. 01

Gastronomia: da tradição a inovação Dona Carmem associa a sua cozinha à ideia de uma cozinha terreiro, abusando de cores fortes e chamativas, empregadas muitas ancestral, a um saber que mesmo não lhe tendo sido ensinado, ela vezes em justaposição: “[o torso] é a minha coroa [...] e quanto mais carrega na memória. Ela afirma que “teve encontros com essa alto o turbante, mais poderosa eu me sinto”. cozinha”, que ela come e quer apresentar para o Outro. A respeito do termo ‘cozinha étnica’, ela afirma que a sua cozinha vem “de uma CONCLUSÕES etnia, de um povo, de um povo único, que foi [a sua cozinha] fundida com outras cozinhas”, visto que no Altar se faz uma cozinha O restaurante Altar – Cozinha Ancestral, mesmo com pouco tempo brasileira, ancestral, baseada, contudo, nas três principais matrizes de funcionamento, já demonstra usufruir de certo reconhecimento étnicas (africana, indígena e portuguesa) que formaram a cozinha por parte do mercado gastronômico (público e formadores de brasileira. opinião) local e de outros estados (conforme pode ser constatado Todavia, D. Carmem confere um protagonismo destacado à cozinha acompanhando o Restaurante Altar através das redes sociais e a do seu povo [negro], afirmando que poucas pessoas tem coragem de participação da chef em festivais gastronômicos locais e nacionais). apresentar a cozinha negra dos orixás, haja vista toda a carga de Apesar de, num primeiro momento, a Iabassê se dizer incomodada racismo, preconceito e intolerância que tem historicamente com certos rótulos, tais como “cozinha étnica”, na sua fala, o acompanhado o povo negro e cada dia se mostra mais evidente na incômodo desaparece por completo e ela mostra ter bastante sociedade brasileira. Lutando contra esse quadro, a Iabassê deseja dar apropriação quanto ao conteúdo simbólico que o termo carrega. identidade a essa cozinha [negra, de terreiro] e mostrar que o seu A chef de cozinha destaca o sentimento de pertencimento a um grupo povo é rico, descendente de reis e rainhas que foram escravizados e que, mesmo tendo sofrido o processo de diáspora há vários séculos (a não de descendentes de escravos. diáspora africana decorrente da escravidão), continua reafirmando as Apelidada pela vizinhança de ‘baiana’ pelas roupas que utiliza dentro suas raízes e lutando pelo direito de ter sua identidade cultural visível e fora do seu restaurante – o que constitui uma das formas que ela e visibilizada. Fica claro que, para a Iabassê, a cozinha que ela encontra para expressar o seu vínculo com o povo de terreiro - D. oferece no seu Altar não diz respeito ao terreiro de candomblé A ou Carmem não se incomoda com a referência, por acreditar que ela está B, nem mesmo ao terreiro de que faz parte, mas, sim, a uma comida ligada, não a uma suposta origem baiana, mas, sim, à imagem da de negro, do povo de santo, de todos aqueles que compartilham baiana com as suas saias e seus acarajés, o que a dignifica e lhe serve raízes africanas e que mantem esse vínculo aceso por meio das suas inclusive como inspiração. Apesar de nunca ter estado na Bahia, ela diversas práticas religiosas. Neste contexto, temos um restaurante afirma que sua árvore genealógica materna vem da Nigéria, através localizado em um centro urbano, em que a expressão de um grupo dos povos iorubá, de etnia haussá, o que lhe assegura o vínculo com étnico presente e atuante oferece aos seus comensais a oportunidade o continente africano e, quiçá, com o território baiano. de contato mais próximo com a cultura do povo de terreiro pela via Quando perguntada a respeito do que expressaria a ideia de etnia e do consumo gastronômico. ancestralidade no Restaurante Altar, D. Carmem aponta as cores Dona Carmem Virginia expressa sua ideia de prestígio associando-a presentes nas paredes do restaurante, as fitas de Nosso Senhor do ao fato do restaurante ser frequentado por profissionais liberais da Bonfim amarradas nas grades do terraço e a presença de santos classe artística, da comunicação e que atuam no ensino. Um público católicos em meio a imagens de orixás (sincretismo religioso). Ela que, na visão de Bourdieu (op. cit), pode não ser detentor de capital conta que inicialmente, a decoração do seu restaurante era mais econômico, mas certamente, possui um significativo capital cultural, “calma”, mais discreta, pois ela “precisava sobreviver”. Atualmente, o qual também confere distinção e status social. encontra-se em desenvolvimento uma nova proposta de ambientação Finalizando, podemos encontrar no Restaurante Altar a presença de pro Altar que terá uma “pegada mais étnica, de ancestralidade”, elementos tais como etnicidade, identidade, reconhecimento, buscando fortalecer uma identidade visual mais marcante para o autoafirmação e cultura numa experiência de consumo e espaço de Restaurante. sociabilidade, marcados pelo contato interétnico viabilizado por uma Empregados como marcadores de um grupo étnico, como neste caso, cozinha cujas preparações são, de fato, dignas dos deuses e que os objetos materializam as categorias culturais postos como símbolos costumam deixar os seus comensais bastante satisfeitos. de etnicidade. De acordo com MacCraken (10), artigos como vestuário, alimentos, interiores e adornos residenciais servem como REFERÊNCIAS meio para a expressão do significado cultural que constitui o mundo. Barth (op. cit.) acrescenta ao emprego de signos e sinais manifestos 1. COLLAÇO, J. H. L.. O uso de identidades étnicas na Capital (características diacríticas) à expressão da identidade cultural, as mundial da Gastronomia: o caso da cidade de São Paulo. Anais do orientações valorativas, isto é, padrões de moralidade e excelência Encontro Nacional de Estudos do Consumo. Rio de Janeiro, 2008. pelos quais as performances são julgadas. 2. ATALA, A.; DORIA, C. A. Com unhas dentes & cuca: prática Sobre a ideia de prestígio atrelada ao Altar, a Iabassê faz a seguinte culinária e papo cabeça ao alcance de todos. São Paulo: Editora reflexão: “eu acho que o Altar hoje é um restaurante que atrai gente SENAC São Paulo, 2008. boa”, ao pensar que o restaurante é frequentado por poetas, cantores, 3. BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. Porto compositores, professores, artistas. De uma forma geral, formadores Alegre: Zouk, 2007. de opinião. Porém, diz ela que lhe interessa todo o público que vai ao 4. BARBOSA, L. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Editora restaurante, não em busca da oportunidade de fazer uma avaliação do Jorge Zahar, 2004. estabelecimento, e, sim, visando ver o povo de terreiro de maneira 5. VAN DEN BERGHE, P. Ethnic Cuisine: culture in nature. Ethnic diferente. Ela acredita que o que o chama a atenção do público do and Racial Studies, v. 7, n. 3, 1984. p. 387-397. Altar, influenciado pela tradicional forma de divulgação ‘boca a 6. BARTH, F. Os grupos étnicos e suas fronteiras. In: ________. O boca’, é a comida: “ela é a estrela!”. Mas as pessoas também guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de estariam em busca de uma energia diferente, que se encontra nos Janeiro: Contra capa, 2000. p. 25-67. terreiros e que se sabe que D. Carmem (e o Altar) tem. A clientela 7. ARVELA, P. Ethnic food: the other in ourselves. In: estaria buscando, além da boa comida, o contato com a Iabassê e o SANDERSON, D.; CROUCH M. (eds.) Food: expressions and seu Axé. impressions. Oxford, United Kingdom: Inter-disciplinary Press. p. Voltando à questão da identidade, D. Carmem reitera que “a cozinha 45-56. étnica tem que criar identidade através do alimento”, de modo que 8. BASTIDE, R. O candomblé da Bahia: rito nagô. São Paulo: existiriam outros restaurantes que vendem uma ‘comida de negro’, Companhia das Letras, 2001. mas, desprovidos dessa consciência, não assumiriam o seu papel 9. LODY, R. Bahia bem temperada: cultura gastronômica e dentro de um contexto identitário. Essa ideia é reforçada por Lody receitas tradicionais. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2013. (op. cit.), para quem a comida está fortemente atrelada à construção 10. McCRAKEN, G. Cultura e consumo: uma explicação teórica da ou fortalecimento da identidade e, porque não dizer, serve como estrutura e do movimento do significado cultural dos bens de instrumento de resistência. consumo. RAE. v. 47, n. 1, jan/mar 2007, p. 99 – 115. Sobre o modo como se apresenta ao público, dentro e fora do restaurante, D. Carmem enfatiza a importância do seu torso – acessório de tecido, utilizado para ornamentar a cabeça da mulher no candomblé – que deve ser utilizado observando-se as questões hierárquicas dentro do terreiro, pois “não é todo mundo que vai usar o torso igual ao torso de uma Ialorixá, porque não pode!”. Assim, a Iabassê (que se encontra num quarto degrau abaixo da Ialorixá) criou uma forma própria de usar o torso sem ferir a hierarquia do seu 01

Gastronomia: da tradição a inovação 05765 - A magia dos doces piauienses Antonio Bitencourt¹, Wellington Santana¹, Domingos Carvalho Júnior² ¹ Acadêmico de Tecnologia em Gastronomia - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus São Raimundo Nonato. [email protected] ² Professor Orientador - Curso Tecnologia em Gastronomia - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus São Raimundo Nonato. Palavras-chave: História, cultura alimentar, Piauí. INTRODUÇÃO própria necessidade de glicose), e também pelas preferencias culturais adquiridas com as relações sociais. No que tange a própria No Piauí se faz doce da fruta, da casca, de ovos e de sangue .... aqui história do homem e a apreciação de alimentos com sabor doce se faz doce de tudo (1) O fabrico de doces é uma antiga atividade remonta-se desde os grupos nômades com a utilização do mel na artesanal, embora o Piauí, em nenhuma época tenha sido um grande alimentação, alimentos que tornaram-se símbolo de poder em produtor de cana-de-açúcar, e consequentemente um grande produtor determinadas sociedades. Devido à inventividade das doceiras, a de açúcar, mas sempre existiu os pequenos engenhos ou engenhos disponibilidade do açúcar, o Nordeste é uma região fértil em doces, domésticos para a pequena produção de rapadura e cachaça, compotas e muitos bolos. A arte da doçaria típica é transmitida por espalhados por diferentes regiões do estado. Se a culinária salgada via oral e a observação do trabalho dos mais experientes. Assim essa teve como característica um limitado número de ingredientes isso pesquisa partiu de uma pesquisa bibliográfica sobre a história e não fez parte dos doces. A cozinha sertaneja, de modo geral não cultura da alimentação, ampliando para a historiografia piauiense, sendo rica nos salgados se supera nos doces e sobremesas infinitas nessa perspectiva os trabalhos (5), (6), ancorados nos trabalhos (7) e variedades, arroz-doce, broas de goma, doces, a dieta do nordestino é (8), forneceu o esteio teórico indispensável para a compreensão do rica em açúcar (2). No Piauí, a confecção de doces teve algumas objeto. O trabalho foi ampliado com a pesquisa de campo e características das doceiras e das espécies de frutas típicas da região. entrevistas com doceiras, a pesquisa percorreu diferentes regiões do O doce feito da fruta verde, “de vez” ou madura, com calda, com estado e diferentes municípios. Identificando as balas de café em cravos, em pastas, embrulhados para presentes, essa variedade é fruto Parnaíba, o doce de buriti em Cristino Castro, casca de limão em da necessidade de se aproveitar as frutas da época e transpor estes Simplício Mendes e Ipiranga do Piauí, Chouriço em Lagoa do Piauí, sabores para os demais períodos do ano como, por exemplo, o doce brevidades em Demerval Lobão. Numa terra dominada pela pecuária, de caju, cajuí, buriti, goiaba, e os feitos de casca de limão, casca de onde o gado reinou e comandou a economia do estado por século, à melancia e a rapadura. Ou, doces feitos para serem consumidos alimentação “salgada” esteve vinculada a doce. Doces, bolos, rápido como o de leite, de banana, o chouriço, arroz doce, as compotas estiveram e estão presente na mesa do piauiense de norte a brevidades. De acordo (3) cada estado nordestino tem sua predileção sul do estado. e especialidades. Lembra o historiador Noé Mendes, do Piauí cita o gosto particular dos seus conterrâneos pelo doce de limão, um Figura 02: Etapas de produção da Brevidade – Lagoa do Piauí - PI prodígio do artesanato. (4) Doces de festa como o de – espécie – tipo de queijado para celebrar o Divino Espírito Santo, Maranhão; bolos- de-rolo e souza leão para casamentos e aniversários, Pernambuco; doce de limão escavado em caldas, um deslumbramento para a mesa, Piauí; angu de milho doce, comum nas comemorações das Congadas, Minas Gerais. Dessa forma, os doces artesanais produzidos em fundos de quintais, realizados por doceiras, com uso de grandes tachos de cobre ou panelas de ferro mexidas com colher de pau, feitos em fornos e trempes a lenhas caracteriza a identidade gastronômica piauiense. O objetivo dessa pesquisa é investigar a doçaria típica do Piauí e refletir sobre o saber-fazer desses doces e sobre a historicidade desses pratos. Figura 01: Produção artesanal de rapadura – Boa Hora – PI Fonte: Acervo IFPI MATERIAIS E MÉTODOS Os sabores possuem preferencias ou aversões inatas, o sabor doce é Fonte: Acervo IFPI uma destas preferencias, a possibilidade de alguém gostar do sabor doce é bem maior que, por exemplo, gostar do amargo. Isso pode ser sustentado pelas especificidades biológicas dos seres humanos (as papilas gustativas, a sensação de satisfação ocasionada pelo doce e a 01

Gastronomia: da tradição a inovação RESSULTADO E DISCUSSÃO Figura 05: Doce de casca de Limão – Teresina – PI No decorrer da pesquisa foi possível identificar no estado do Piauí, doces produzidos de diferentes ingredientes, sendo o de buriti e casca de limão tipicamente piauiense, o chouriço embora apareça no nordeste como todo, o produzido no Piauí tem características diferentes de outras regiões do nordeste como descritos nos trabalhos (9), ainda no cotidiano alimentar dos doces piauienses estão inseridos os bolos de sal e doce, que são presença marcante no café da manhã e nas merendas, preparados para receber visitas, principalmente a brevidade feita no pilão. Assim, dessa forma os doces e bolos do Piauí estão ligados à hospitalidade e ao aproveitamento integral dos ingredientes. Figura 03: Balas de café – Parnaíba-PI Fonte: Acervo IFPI REFERÊNCIAS 1. SILVA, S. M. A. Sabor e história local – comida típica piauiense: um estudo das práticas culturais sertanejas a partir da História e da cultura da alimentação (1970-2000). Relatório de Pesquisa de Estágio Pós-Doutorado em História. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2013. 2. QUEIROZ, R. de. O não me deixes: suas histórias e sua cozinha. Fonte: Acervo IFPI 3 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010. 3. CAVALCANTI, P. A pátria nas panelas: história e receitas da cozinha brasileira. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2007. 4. LODY, R. Doçaria brasileira: um doce sabor português. In: CONCLUSÃO SENAC Nacional. A doçaria tradicional de Pelotas, s/d. 5. MATOS, M. A. de O. Pelas quebradas, várzeas e chapadas: uma O resultado demonstrou que em cada doce e ou bolo, existe um saber viagem gastronômica pelo Piauí. Teresina: Alínea Publicações e uma historicidade, associada a isso, existe a manutenção do Editora, 2004. consumo no cotidiano do ambiente doméstico fazendo que cada doce 6. OLIVEIRA, N. M. de. Folclore brasileiro: Piauí. Rio de Janeiro: seja feito e apreciado pela maioria dos sujeitos integrantes do grupo FUNARTE, 1977. social referenciado. Dessa forma, mesmo tendo sua produção 7. CASCUDO, L. da C. História da alimentação no Brasil. São vinculada a uma determinada região do estado (norte, sul, sudeste) os Paulo: Editora Global, 2011. doces de buriti, casca de limão e os bolos são apreciados em todo o 8. FREYRE, G. Açúcar: uma sociologia do doce, com receitas de estado. Assim, os doces transmitem uma magia, um encantamento bolos e doces do nordeste do Brasil. 5 ed. São Paulo: Global, ora pela preparação (casca de limão), ora pela embalagem (buriti) os 2007. doces constituem a identidade gastronômica do Piauí. 9. VIRIATO, R. A et al . O chouriço da fazenda Pedras Pretas em Canindé – Ceará. In: BEZERRA, J. A. B. (Org.). Alimentos Figura 04: Doce de Buriti – Corrente –PI tradicionais do Nordeste: Ceará e Piauí. Fortaleza: edições UFC, 2014. Fonte: Acervo IFPI 01

Gastronomia: da tradição a inovação 05781 - Family Cooking Recipes as Cultural Expression 1 Lima, Joseni França Oliveira 1 Gastronomy Course at Centro Universitário Estácio/FIB, [email protected] Keywords: Cooking recipe. Family Recipes. Cookery INTRODUCTION RESULTS AND DISCUSSION The cooking recipe offers the possibility to discover some of the history and culture of either a society or one of its segments, and All respondents meet the requirement of having received family more specifically, of family groups. According to Santos (2005), the cooking recipes as a cultural heritage. The affection with which the food issue finally begins to invade History, boosting greater recipes are kept and handed down through the generations was multidisciplinary, interdisciplinary and trans-disciplinary dialogue, observed in the accounts of the interviewed people. and making publishers invest more and more in this area, turning Interviewee B.'s report confirms the assertion made by some authors even cooking recipes manuals and compilations into bestsellers. that commensality strengthens the bonds that unite the family members Nowadays, studies on food and nutrition invade the Human Sciences and they also symbolically indicate the power relations and hierarchical from the premise that the human training on the food tastes does not positions between individuals of the same social group. (3,4) take place exclusively for its nutritional, biological aspect. Food is a As she was still answering about how often the cooking recipes are historical category, as the permanence and change patterns of dietary prepared, B. presents a journey in time through her memory with the habits and practices have references in the social dynamics. Feeding following statement: 'And it was great for us, we already woke up with is is a nutritional act, but eating is a social act, as it constitutes a set that great smell coming from the kitchen... and I remember that and of attitudes related to customs, protocols, behaviors and situations. In even the smell of angelica flowers in the house, mixed with the cake this sense, what you eat is as important as when you eat it, where you smell, comes to my memory, it is an amazing thing.' eat it, how you eat it and who you eat with. (1) Santos (7) says that gender, generation and activities distribution Food is related to social ties because it evokes memories, emotions relations which reflect a world relationship, a rich space in social and feelings that remind us of our past memories of the individuals relations, emerge in the kitchen. The kitchen is reaffirmed, therefore, as who we interact with. (2) a mirror of society, a microcosm and/or an image of the society, The affective dimension of feeding, which includes the relationship perceived in the family cooking recipes. with 'the other', is present in family meals, in friends' meetings, For interviewee A, the strongest feeling is the longing for her conversations and information exchange moments, that is, the grandmother and her childhood. Her memory is linked to her childhood creation and maintenance of quite rich and pleasurable sociability joy when she spent her school holidays visiting her grandmother and forms. Of course that the family meal is not always characterized meeting her cousins. 'I remember my childhood a lot, when I would solely by the positivity of harmonious relations and solidarity. Meals spend my school holidays there. And one of the requirements to go to can also symbolically reproduce the power relations and hierarchical my grandmother's house was passing at school. [...] Nowadays it is a positions between individuals of the same social group. In addition to sense of longing... of loss, but it is always a good thing, I remember my strengthening the bonds that join the family members, commensality grandmother with great joy. also expresses tensions, conflicts and differences between family The culinary knowledge in the form of cooking recipes, handed down members (3,4), which are important aspects of this problem, from mother to daughter, often incorporates culinary secrets (1). although they do not constitute a specific object in this investigation. Interviewee S. reports a specific criterion to reveal the family's cooking According to Reinhardt (5) tradition is the possibility of insertion of recipes to others, 'the thing is not that I cannot share this recipe, but I the past into the present. Specifically concerning culinary traditions, will only share it with very special people that I know will treat it with they can be passed on from generation to generation in the same the same affection that I do.' population. S. comments on the difficulty in keeping the handing down of recipes to A culinary tradition can be passed on nonlinearly, overlapping the new generations as evidence. 'This recipe dates back to the early generations. As in the case of a grandmother who hands it down to twentieth century, when my immigrant grandparents came here. her granddaughter when they live together. Family cooking recipes Nowadays I try to pass it on to my daughters who are becoming 40 reveal social interactions based on orality and writing, for it is known years of age, but one of them has no interest...' that it was originally from the transcription of different culinary The kitchen is also portrayed as a universe where there is intuition, systems and traditions that many societies developed a writing and sensitivity, imagination and creativity. (1) In one of the families, an literature, and even a taste for reading. (6). aunt who lived with her grandmother, who was worried that these such This research aimed to get to know the meaning of family recipes, as rich recipes might get lost, started working on writing them curiously: an expression of culture nowadays, seeking evidence of whether this 'Mother spoons, not full spoons, empty spoons.' traditional practice of handing down recipes in the family is still Menasche & Amon (2) say that scientific precision in the narrative is preserved even in these modern times when so many cooking recipes not necessary, because the family cooking recipe does not prioritize the are available on the media and on the Internet. perfect reproduction of a food dish. The change is accepted and valued within the collective tacit acceptance parameters. MATERIAL AND METHODS This study is a bibliographical, historical and field research, focusing CONCLUSIONS on documents and bibliographic references analysis as the procedure The interviews confirmed the authors idea that commensality method to develop the research, as it has a social and cultural, as well strengthens the bonds that join the family members and also as a historical and gastronomic approach. symbolically indicate the power relations and hierarchical positions This research was approved by the Research Ethics Committee and between individuals of the same social group, sometimes expressing respondents were informed about the research purpose and the tensions, conflicts and differences between family members. It is destination of the provided data, thus being offered the choice to necessary to emphasize the importance of the family cooking recipes participate in it or not and they signed an Informed Consent Form history, where there is a strong cultural relationship that has been lost (ICF). due to the diversity of recipes available on the media and the internet, The identification of families using recipes that have crossed often disregarding their origins. generations was made by gastronomy course students of Centro Universitário da Bahia Estacio / FIB college. Semi-structured interviews with the selected families were performed. The results collected in the field study were analyzed in a qualitative approach. For the sample choice, the non-probability sampling technique was used and it was selected for convenience. 01

Gastronomia: da tradição a inovação REFERENCES (1)SANTOS, C. R. A. A alimentação e seu lugar na história da memória gustativa. História: Questões e debates, Curitiba: Editora UFPR, n.42, p.11-31, 2005. (2)AMON, D.; MENASCHE, R. Comida como narrativa da memória social. Sociedade e Cultura, v.11, n.1, jan/jun. 2008. p. 13-21. (3)ASSUNÇÃO, V.K. Comida de mãe: notas sobre alimentação, família e gênero. Caderno Espaço Feminino, v.19, n.01, Jan./Jul. 2008. (4)ROMANELLI, G. O significado da alimentação na família: uma visão antropológica. Anais do Simpósio de Transtornos alimentares: anorexia e bulimia nervosas. Ribeirão preto, 39 (3): 333- 339, jul./set. 2006 (5)REINHARDT, J. C. Entre strudel, bolachas e stollers: receitas e memórias. Curitiba: Máquina de escrever, 2012 (6)GOMES, Laura G. & BARBOSA, Lívia. Culinária de papel. Estudos Históricos: Alimentação. Rio de Janeiro: CEPEDOC de História Contemporânea do Brasil, FGV, n° 33, jan-jun 2004, p.6. (7)SANTOS, C. R. A. Os pecados e os prazeres da gula: os cadernos de receitas como fontes históricas. III Evento de extensão em pesquisa história, 2008. Texto disponível em www.poshistoria.ufpr.br/fonteshist/prog.html. Acesso em 07 abr. 2013 01

Gastronomia: da tradição a inovação 05880- Doce Jaracatiá: O Patrimônio e Seus Novos Usos Nainôra Freitas¹, Natália Souza² Doutora em História. Curso de Gastronomia, Centro Universitário Barão de Mauá, [email protected] Mestre em Ciências, Curso de Gastronomia, Centro Universitário Barão de Mauá. Palavras-chave: INTRODUÇÃO Tabela 1 – Ingredientes usados na massa do forrobodó, rosca e pão de Jaracatiá A cozinha brasileira vem passando por um processo de ressignificação de Ingredientes Quantidade (em gramas) vários ingredientes e pratos. A busca das raízes identitárias levou à Farinha de trigo tipo 1 1000 necessidade de conhecer a gastronomia nacional. A gastronomia permite Fermento biológico seco 20 identificar a diversidade cultural de uma localidade com seus aspectos de Leite 200 clima, localização geográfica, solo, história e a longevidade da presença Melhorador 10 do homem, produção econômica da localidade, bem como, o bioma que Açúcar refinado 250 dá acesso sazonalmente a uma ampla gama de alimentos. Raspas de limão cravo 15 Neste contexto, o Inventário Nacional de Referências Culturais - INRC Ovos 100 feito pelo IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Gelo 56 Nacional, busca identificar, mapear e registrar estes bens vulneráveis Suco de limão cravo 171 diante da inexorável mudança patrocinada pela urbanização e Sal refinado 10 Manteiga sem sal 80 globalização. (1) A identificação dos saberes e fazeres no Livro de Registro tem por Além destes ingredientes, no processo se usou farinha de trigo e manteiga objetivo descrever minuciosamente os ingredientes e o modo de preparo sem sal para polvilhar e untar bancada e formas, respectivamente. Uma de forma que isto não seja perdido e que as gerações futuras tenham gema também foi utilizada para compor a mistura com água, em partes acesso e possam reproduzi-los. iguais, para pincelar as roscas. Por fim, na confecção do forrobodó, uma O acesso a informação cada vez maior deste patrimônio ainda pouco porção de 140g de manteiga sem sal dividido entre as duas porções de revelado e que está presente no interior do Brasil permite ampliar a gama massa, foi adicionada ao recheio. de oferta de comida enraizada em um contexto cultural presente nos Foi escolhido o método indireto para a elaboração da receita, pelo fato diferentes biomas da sociedade. desta uma massa rica, com percentual de açúcar de 25% em relação ao O doce de Jaracatiá está inserido nas práticas rurais associadas às festas total de farinha de trigo. (5) de Folias de Reis que ocorrem pelo interior de São Paulo, neste caso Para tanto, uma esponja foi feita com 20% do líquido da receita, no caso o específico, na cidade em Santo Antônio da Alegria, sendo parte da leite. Somado a este, todo o fermento da receita e a mesma quantidade de comida oferecida durante os festejos. farinha de trigo (6). A tabela 2 traz os ingredientes e proporções utilizadas A gastronomia ganhando espaço na sociedade contemporânea brasileira na esponja. com o reconhecimento de alguns chefes e seus respectivos estabelecimentos. A necessidade de elaborar novos cardápios tem trazido Tabela 2 – Ingredientes usados na esponja à tona inúmeras pesquisas por ingredientes até então pouco conhecidos, Ingredientes Quantidade (em gramas) dando uma nova roupagem aos mesmos. Um dos setores que vem Farinha de trigo tipo 1 200 inovando é a panificação. (2) Fermento biológico seco 20 Dentro desta concepção vem a proposta deste texto que é estudar o doce Leite 200 de jaracatiá produzido em Santo Antônio da Alegria, interior de São Paulo e dar a ele outros usos na gastronomia. O fermento foi dissolvido no leite e depois a farinha de trigo foi adicionada, formando uma massa mole, porém homogênea e desprovida MATERIAIS E MÉTODOS de grumos. A tigela de inox onde a esponja se encontrava foi vedada com uma película de PVC e colocada na fermentadora da marca Maxi Freezer, A Comissão Paulista de Folclore por meio da Fundação Abaçai, por aproximadamente 30 minutos. A unidade neste momento era de 95% identificou o doce de Jaracatiá como patrimônio cultural do estado de São e a temperatura de 30ºC. Paulo. O doce recebeu um registro do seu modo de fazer. Porém, novas Enquanto esta fermentava, os outros ingredientes foram pesados aplicações podem ser dadas ao mesmo. No caso específico deste artigo, separadamente, conforme a receita apresentada anteriormente. foi pensado em desenvolver produtos de panificação com a utilização do Quando a esponja atingiu seu ápice, foi retirada do equipamento para ser doce em questão. (3) utilizada. Uma amassadeira espiral da marca G.Paniz, modelo AE 10L de O doce usado para os ensaios foi fornecido pelo sr. Adauto Augusto de uma velocidade, foi usada no processo de mistura e amassamento. A Assis, da cidade de Santo Antônio da Alegria. O produto tem como sequência dos ingredientes foi a seguinte: farinha de trigo, açúcar, ingredientes: caule de jaracatiá, açúcar e sorbato de potássio. melhorador e raspas de limão cravo. A amassadeira foi ligada por 30 Os produtos selecionados para os testes foram: forrobodó, rosca recheada segundos, com o objetivo de mistura-los. Seguindo a preparação, foi e pão recheado, produtos tradicionais nas padarias no estado de São adicionada a esponja, 95% do suco de limão cravo, o gelo e os ovos. Paulo. Novamente o equipamento foi ligado, agora por 1 minuto, com o O primeiro passo foi retirar a calda do doce. Utilizou-se uma peneira propósito de misturar os ingredientes. O sal foi adicionado com o plástica para executar este processo. Este se estendeu por equipamento em funcionamento. Após mais 1 minuto de trabalho, a aproximadamente uma hora, com eventuais atos de pressão com uma amassadeira foi aberta para a adição da manteiga sem sal. A masseira foi colher sobre o doce para acelerar o processo. O líquido foi separado para novamente ligada e após a absorção da manteiga pela massa, o restante do ser utilizado no acabamento de dois, dos três produtos. Foram usados dois suco de limão cravo foi adicionado. A massa foi batida e chegou ao seu vidros de doce de Jaracatiá e apesar dele indicar um peso de 600g, ao ponto de véu após um total de 15 minutos após o início da mistura. O final deste processo, obteve-se 828g de doce drenado e 424g de calda, peso final foi de 1804g. Esta foi retirada do equipamento e levada para a somando assim 1252g. bancada, para a fermentação de piso, coberta por uma película de PVC. Sendo este um doce com um nível de açúcar bastante acentuado, pensou- Farinha de trigo foi polvilhada na bancada para que a massa não grudasse. se em combiná-lo com algo mais ácido: limão cravo. Após 20 minutos ela foi dividida de acordo com as preparações: 1000g de Na tabela 1 encontram-se os ingredientes utilizados na massa usada para massa para o forrobodó, 600g para as roscas e 204g para os pães se fazer todas as produções, considerada rica (4). recheados. A primeira massa foi dividida em duas partes e boleadas. A da rosca foi subdividida em 6 partes de 100g, que viriam a ser as tranças, e foi modelada em forma de cilindros. Aquela, referente aos pães foi parcelada em 4 partes de 51g cada, e boleadas. Novamente, as massas 01

Gastronomia: da tradição a inovação ficaram cobertas com película de PVC, para evitar o ressecamento da Figura 1: Pão, forrobodós e rosca recheados de doce de Jaracatiá massa. Enquanto a primeira fermentação acontecia, o forno foi ligado. O modelo utilizado para esta produção foi um Unox modelo XVC505. Ele foi programado com tempo infinito, ou seja, que fosse desligado quando achasse necessário, a uma temperatura de 145ºC e 20% de umidade. Estas escolhas de tempo, temperatura e umidade se baseiam na experiência de uso deste equipamento durante as aulas de panificação dos últimos 2 anos. Terminado este período, as massas passaram à modelagem. Os pães foram abertos em discos, de aproximadamente 10cm de diâmetro, recheados com 20g do doce de Jaracatiá cada, fechados como uma trouxinha e boleados. Depois, colocados em uma forma tipo GN 1/1 com 30mm de profundidade, fundo liso, untada com manteiga. Esta preparação foi encaminhada para a fermentadora, que agora estava com umidade de 80% e temperatura de 32ºC. A rosca teve suas partes abertas manualmente em retângulos de Em Santo Antônio da Alegria, o doce é feito do caule ou de galhos da aproximadamente 37x8 cm, utilizando-se de um rolo de polietileno, a árvore, que são encontradas espalhadas na natureza, não havendo uma uma espessura de 2mm. O doce foi adicionado em porções de 50g à cada plantação comercial. Em função disso, a matéria-prima para a feitura do parte da massa em forma de um cilindro e depois esta foi enrolada. Água doce é restrita, e, por conseguinte ele é pouco conhecido e está entrando foi pincelada na porção final da massa para ajudar o fechamento. As em desuso. pontas também foram seladas, para evitar que o doce pudesse vazar. Os Portanto, aliar este produto a um setor em franca expansão cria a seis cilindros recheados de doces foram separados em duas partes, de oportunidade de torna-lo mais conhecido para a nova geração. forma que se obteve duas roscas de três tranças cada. As roscas também Algumas vantagens do doce é a possibilidade de usá-lo em outras foram colocadas em uma forma do mesmo padrão descrito anteriormente, preparações da própria panificação, ou ainda na confeitaria, por exemplo. e untada com manteiga, e levada para a fermentadora. Uma outra limitação encontrada para o uso é a formulação do doce em si, A massa para o forrobodó foi laminada usando-se a mesma técnica que as no sentido de que a quantidade de açúcar é relativamente grande e partes da rosca. As diferenças foram o tamanho do retângulo: atrapalha algumas possíveis combinações. aproximadamente 24x37cm e a espessura da massa: 4mm. Nestes retângulos foram espalhados 70g de manteiga sem sal, em textura de pomada, em cada um, de forma a cobrir 2/3 da massa, no sentido CONCLUSÕES horizontal. Depois, 220g do doce de Jaracatiá foi espalhado em cada massa, por cima da manteiga, obedecendo os mesmos critérios. O estudo do doce de jaracatiá inserido na relação de dar vida a um Posteriormente, a massa foi enrolada e deste rolo se cortou pedaços de patrimônio intangível, por meio de outros usos para o mesmo como a aproximadamente 3cm de largura, totalizando doze unidades e uma sobra panificação. de 1cm. Estes foram deitados em uma forma igual as anteriores, porém A identificação e reconhecimento do patrimônio intangível gastronômico recoberta com um tapete de Silicone, Silpat, e depois levados para a tem se revelado um dos desafios para melhor compreensão da diversidade fermentadora. cultural brasileira. A fermentação levou por volta de 30 minutos para cada produto, e estes O mapeamento das comidas associadas às festas tradicionais que ocorrem foram levados ao forno sucessivamente, à medida que o ciclo de por todo o país e neste caso as Folias de Reis no interior de São Paulo. fermentação se completava, sinalizado pelo volume da massa e o a reação Isto abre caminho para a construção de práticas culturais que valorizem a da mesma ao toque. diversidade nacional, dando impulso à gastronomia, e neste caso à De todos os produtos, somente as roscas foram pinceladas com uma panificação. mistura de gema de ovo e água antes de assar. O assamento dos pães demorou 23 minutos, o mesmo tempo que os REFERÊNCIAS forrobodós. Já as roscas ficaram no forno por 27 minutos. Ao final do assamento dos produtos, as roscas e os forrobodós foram (1) IPHAN. Instrumentos de Salvaguarda. Disponível em pincelados com a calda do doce, com o intuito de dar um acabamento http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/418. Acesso em 20 de maio de brilhante. 2016. (2) DÓRIA, C. A. Formação da Culinária Brasileira. São Paulo, SP, Três Todos os produtos foram esfriados e depois guardados em travessas, Estrelas, 2014. cobertos com película de PVC (roscas e forrobodós) ou sacos plásticos (3) Fundação Abaçai. Portfólio do Revelando São Paulo. Disponível em: (pães). http://www.abacai.org.br/revelando-interno.php?id=359. Acesso em 10 Não foram feitas análises sensoriais formais para esta produção, somente de jun 2016. uma informal junto a outros professores, tanto do curso de Gastronomia (4) WAYNE, G. Panificação e confeitaria profissionais. Barueri, SP: quanto de outros, funcionários e alunos da unidade. Manole, 2011. (5) SEBESS, P. Técnicas de padaria profissional. 1ª reimpr. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2011. RESULTADOS E DISCUSSÃO (6) SUAS, M. Panificação e Viennoiserie – abordagem profissional. São Paulo: Cengage Learning, 2012 A figura 1 demonstra o resultado dos produtos elaborados a partir do doce (7) ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE de Jaracatiá neste estudo. PANIFICAÇÃO E CONFEITARIA. Sobre o Setor 2015. Disponível em: A área cresceu mais de duas vezes em faturamento: de R$39,6 bilhões em http://www.abip.org.br/site/sobre-o-setor-2015. Acesso em 01 jun 2016. 2007 para R$84,7 bilhões em 2015. Mesmo com a desaceleração da (8) ARROYO, L., BELLUZO, R. Arte da Cozinha Brasileira. São Paulo: economia enfrentada nos últimos anos por outras esferas, este setor Editora UNESP, 2013. (9) GLOBO RURAL. Doce de Jaracatiá é reconhecido como Patrimônio continua a crescer. (7) da Culinária de São Paulo. Disponível em: A escolha do doce de Jaracatiá foi feita pelo fato de que ele é pouco http://globoplay.globo.com/v/2633811/. Acesso em 10 jun 2016. conhecido fora do ambiente da Festa de Folia de Reis, onde é consumido como parte da refeição tradicional oferecida pelos festeiros para os participantes da festa. Portanto, ao dar novo uso dentro da panificação o colocamos em evidência no mercado consumidor. O Jaracatiá é uma árvore frutífera típica do Brasil, espécie de cacau selvagem, cujos frutos são comestíveis, que é conhecida igualmente por mamão-bravo, mamorana ou mamaurana. Em algumas regiões utiliza-se o caule para fazer doces, e em outras o fruto. (8, 9) 01

Gastronomia: da tradição a inovação 05892 - O Consumo de Carne na Europa Medieval: Estratos Sociais, Técnicas Culinárias e Simbologias Alice PinheiroTeixeira¹ Nilda Stella de Macedo Barbosa², ¹Bacharel em Gastronomia, Departamento de Ciência dos Alimentos, Universidade Federal da Bahia [email protected] ² Professora do curso de Gastronomia, do Departamento de Ciência dos Alimentos, Escola de Nutrição, Universidade Federal da Bahia. Palavras-Chave: carne, consumo, sociedade medieval, simbologias INTRODUÇÃO MATERIAIS E MÉTODOS A pesquisa contempla uma revisão bibliográfica, que se utiliza do A gastronomia com suas relações interdisciplinares instiga pesquisas método histórico qualitativo, onde os resultados e conclusão serão nas mais diversas áreas com o intuito de subsidiar esclarecimentos obtidos através de obras relevantes para o tema, dentre elas História para sua fundamentação teórica e cientifica oferecendo aos seus da Alimentação (1998), História da Vida Privada, 3: Da Renascença pesquisadores alicerce para compreensão de temas transversais. Este ao Século das Luzes (2009), De Caçador à Gourmet (2001), História trabalho propõe uma revisão relevante, porque investiga as mudanças Global: Brasil e Geral (2002), O Cotidiano Europeu na Idade Média históricas na alimentação medieval que se espelham nos dias de hoje (1995), Do Inferno de Dante à Cocanha: Fomes e Gulas Medievais de alguma maneira. (2010), À Mesa dos Tronos. Breve Análise Gastronômica d´As Refletir o alimento como um objeto de estudo traz a perspectiva de Crônicas de Gelo e Fogo de George R.R. Martin (2012), Cozinhar: elucidar conhecimentos sobre a sociedade e a sua época. Resgata-se o Uma História Natural da Transformação (2014), Le Viandier de cenário histórico e todo o seu entorno gastronômico, como por Taillevent: O Consumo Suntuário de Carne pelo Grupo exemplo: ingredientes consumidos e sua disponibilidade; Nobiliárquico nos Séculos XIII e XIV na França e seu Contexto simbologias relacionadas a ingesta dos mesmos e conotações Histórico (2013), A civilização feudal: do ano mil à colonização da pertinentes às preparações dos alimentos que sugerem profundas América (2006). análises. Recortando períodos da história da humanidade, o percurso No primeiro momento foi feito um fichamento sobre aspectos da desenvolvido por uma sociedade do ponto de vista dos insumos Idade Média, suas conjunturas políticas, sociais e religiosas, permite ao profissional gastrônomo esclarecer sobremaneira, o incluindo hábitos alimentares gerais, investigando as relações entre o comportamento do comensal contemporâneo. consumo de carne da nobreza e dos camponeses, especificando o tipo Dados observados trazem a discussão várias questões tais como: Um de carne utilizada por estes núcleos e como era o modo de preparo alimento diferencia as pessoas socialmente? Como esse alimento, respectivo para cada um deles. No segundo momento foi feita a dependendo da maneira que é preparado, pode dizer como é o estilo análise das simbologias da caça e suas representações na vida dos de vida de um indivíduo, seus valores, sua realidade, sua possível senhores, ao mesmo tempo em que as preparações de ensopados e classe social e seu papel na história? guisados com carne eram preferencialmente parte da rotina da A cozinha e o cozinhar identifica um grupo social. A prática rotineira sociedade plebeia. perpetua-se nos seios das famílias. Michael Pollan ao citar LéviStrauss, diz que “cozinhar não apenas marca a transição da RESULTADOS E DISCUSSÃO natureza para a cultura, mas, por meio dessa ação e com sua ajuda, a condição humana pode ser definida com todos os seus atributos. ” (1) De modo geral a Idade Média foi um período de privações Entender o consumo de certos alimentos levando em consideração o alimentares para todas as estruturas dessa comunidade. Os três marco cronológico associado às influências políticas e religiosas e a grupos, nobreza, clero e plebe, se envolveram de forma distinta com divisão da sociedade em classes de maneira geral, repercute-se em os alimentos exportando para as próximas eras as suas dietas e os hábitos atuais e antecipa tendências da mesa e do comer seus conhecimentos culinários. (5) enriquecendo os estudos sobre a humanidade como um todo. O A morada dos senhores, até o século XI, eram castelos com paredes período que se conhece como Idade Média aparece na história a de pedras, quartos com pouca iluminação e muita umidade, e por fora partir da queda do Império Romano (476 d.C.) até a tomada de eram reforçados por uma barreira de madeira. Os servos viviam em Constantinopla pelos turcos (1453). A sociedade se dividia em três casas simples, com piso de terra batida e paredes apoiadas com varas grandes grupos: os nobres, proprietários de grandes terras cujo as e barro, sendo que comum, um buraco no teto para ajudar na saída da principais atividades giravam em torno das guerras, atividades fumaça que se formava ao acender o fogão, acomodado no chão da militares e caçadas; o clero, que se mostrava influente sobre questões propriedade. (2) políticas e ideológicas para com toda a população; e os servos, De acordo com Ariovaldo Franco, os religiosos viviam em mosteiros trabalhadores em grande parte camponeses, que mantinham toda a e eram de grande importância no preparo e refinamento de vinhos, subsistência da população com as suas tarefas. (2) dentre outras sabedorias culinárias que eram aprimoradas ao longo Os camponeses formavam a maior parte do grupo social e se dos anos. (6) sustentavam com produtos que produziam, colhiam e criavam; queijo Por conta do cristianismo, cultuado nesse tempo, pouco se consumia fresco, galinhas, porcos, favas, repolho, alho-poró, cebola, pães de carne durante o ano, enfatizando a quaresma cristã, as sextas-feiras, o aveia e centeio, dentre outros vegetais, e pouca carne em geral. advento, ainda intrínsecos a jejuns e abstinências. Os pescados, eram Com o privilégio da caça e pesca, na mesa dos senhores medievais então, a base da dieta cristã, sendo um alimento barato e bastante era factível encontrar centralizados nas mesas de seus banquetes, presente na alimentação geral. pratos à base de grandes pedaços assados de carnes bovina, de vitela Os servos e camponeses cozinhavam a carne vermelha com água e suínas servidas em espetos, além de vários tipos de aves, como a fervente. Fazendo isso com o intuito de diluir todas as suas galinha, o frango capão, pavões e cisnes. (3) substâncias vitais e nutrientes, para difundi-los em água e conseguir A esta maneira de comportar-se à mesa, os diferentes aspectos um maior rendimento do alimento. Dos utensílios, se utilizavam de envolvendo o consumo da carne nessa época apontam para as caldeirão de metal, potes e recipientes feitos de argila, ferro ou representações da carne assada e do ato de caçar, a força e o poder estanho que facilitavam a cozedura lenta. Nas nobres cozinhas, a político e social, enfatizando a distinção entre as classes. As diversas grelha e o espeto eram utensílios para assar e selar carnes, estruturas dietéticas dos estratos sociais mostram aspectos evidenciando assim que a carne assada representava símbolo de quantitativos e qualitativos, traduzindo valores simbólicos da importância e prestígio social. (7) realidade da época. (4) Os reis e os nobres eram simpáticos à extravagância, ao uso de O artigo em particular, apresenta um período da alimentação muitos temperos, especiarias raras e pratos que tomavam muito medieval na Europa, com o objetivo de identificar as diferenças no tempo para serem preparados. (8) consumo das carnes entre a nobreza e plebe, enfatizando as técnicas Guilherme Tirel, o Taillenvent, considerado o autor de uma das mais culinárias utilizadas nesse período, assim como os tipos de carne, antigas coletâneas europeias de receitas, o Viandier, era também analisando simbologias e representações sociais. cozinheiro oficial de rei e rainhas. Em suas receitas traduzia uma 01

Gastronomia: da tradição a inovação coletânea dos gostos nobres: sopas, preparações entre pratos, Fonte: http://sabiochronos.blogspot.com.br/2013/07/comida- refeições para doentes, preparados a base de peixes de agua doce e bebidae-sexualidade-no-seculo.html salgada, bem como, molhos e as carnes assadas. A elite dos palácios ditava os parâmetros do modo de vida requintado CONCLUSÃO que serviam de parâmetro para outros estratos sociais, na medida do possível. Através da propagação dos escritos de Viandier as pessoas É pertinente pensar na gastronomia como mecanismo ferramental poderiam conhecer e se aproximar desse estilo de vida nobre, e do para análise e reflexão de estudos históricos antropológicos e de seu universo culinário. (3) sociologia que possibilitem compreender como se configuravam A carne de caça assada era muito apreciada pela nobreza, e a caça em relações de poder, influências de técnicas culinárias para distinguir si era uma atividade exclusiva dos senhores servindo também como classes e detalhar os mapas sociais de uma época específica. distinção social dos mesmos (6). Sendo a guerra a principal atividade A alimentação do período investigado revela-se com grandes dos nobres, a caça por si só exprimia o poder e força, consagrando a diferenças entre as mesas nobres e camponesas no que diz respeito ao cultura dos senhores. (4) consumo de carnes da Idade Medieval, bem como, os seus modos de As aves e as caças em geral representavam o grande troféu do treino encontrar, adquirir, preparar, cozinhar e servir. Esse ponto de partida, para a guerra, a materialização da vitória, e não podiam faltar em um na presente pesquisa, ainda leva em consideração o tipo de carne, e banquete. (9,1) cortes mais representativos para cada um dos estratos sociais. A Paralelamente à dieta de carnes de caça assadas, tão valiosas para a nobreza e a caça estão entrelaçadas pelas simbologias de poder e nobreza, existiam as carnes destinadas aos açougues, ou ainda, a guerra, ao mesmo tempo em que as camadas mais humildes carne de segunda, especialmente separadas para ensopados em geral, consumiam carnes de segunda, ensopadas e com menor frequência. de cocção demorada e mais presente nas mesas humildes. (10) Existe uma tese que atravessa séculos, que identifica no ato de assar e REFERÊNCIAS grelhar uma carne na fogueira, o poder masculino e o triunfo da caça remetendo-se ao tempo especial para o preparo de um churrasco que 1. POLLAN, Michael. Fogo: criaturas da chama. In: POLLAN, por exemplo, constituiu-se de um ritual institucionalizado para Michael. Cozinhar: uma história natural da transformação. 1 ed. homens, tarefa que contempla a virilidade, a força, a rusticidade e a Rio de Janeiro: Ed Intrínseca, 2014, p. 31-120. masculinidade, trazendo os valores que na época medieval eram 2. COTRIM, Gilberto. Idade Média Ocidental. In: COTRIM, disseminados pelos reis e nobres, cavaleiros e guerreiros que faziam Gilberto. História global: Brasil e geral. São Paulo: Ed Saraiva, 2002, parte de classes mais altas. (1) p.114-138. Na obra História da Alimentação (1998), é possível conferir uma 3. TREFZER, Rudolf. Clássicos da literatura culinária: os mais análise antropológica que afirma que a carne preparada sem adição importantes livros da história da gastronomia. São Paulo: Ed de água ou qualquer tipo de recipiente consagra uma relação com o Senac, 2009, 327p. cru, a selvageria da natureza, a força física e a ideia animalesca que a 4. FLANDRIN, Jean Louis; MONTANARI, Massimo. (Org.). elite medieval incorporava para si mesma. Constata-se ao mesmo História da Alimentação. Tradução: Luciano Vieira Machado; tempo, que para os camponeses a carne era uma pequena parcela da Guilherme J.F Teixeira. São Paulo: Estação Liberdade, 1998, mesa, complementando sopas e papas de cereais, muitas vezes para 885p. que se obtivesse um maior volume de alimento e de sustância. (4) 5. CUSTÓDIO, José de Arimathéia Cordeiro. Universidade Uma vez explorados esses dados, é possível perceber as traduções Estadual de Londrina. VIII Cicl. Est. Antig. Med., 1-13, 2010. por trás das escolhas e hábitos alimentares de diferentes grupos 6. FRANCO, Ariovaldo. De caçador à gourmet: uma história da sociais. A nobreza, por ser abastarda poderia se dar ao luxo de perder gastronomia. São Paulo: Senac, 2001, 287p. substâncias no ato de assar, pois nesse processo o alimento perde 7. MIRANDA, Roberta Julien. Le Viandier de Taillenvet: o água e volume, ao mesmo tempo que distintamente os menos consumo suntuário de carne pelo grupo nobiliárquico nos séculos favorecidos a cozinhavam com a tentativa de aumentar a refeição XIII e XIV na França e seu contexto histórico. Dissertação através da imersão em água. A ostentação cultuada pela importância (Mestrado em História Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e do banquete, e a fartura de assados e seus acompanhamentos, reforça Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2013. os resultados obtidos nesta revisão. 8. MACDONALD, Fiona. O cotidiano europeu na Idade Média. São Paulo: Melhoramentos, 1995. Fig. 1. Banquete medieval com o destaque para a carne assada 9. CAMPOS, Luciana de. À mesa dos tronos. Breve análise gastronômica d’as Crônicas de Gelo e Fogo de George R.R. Martin. Hist.Imag.Nar. 15, 2012. 10. CHARTIER, Roger (Org.). História da vida privada, 3: da Renascença ao Século das Luzes. Tradução Hildegard Feist. — São Paulo: Companhia das Letras, 2009. 01

Gastronomia: da tradição a inovação 05893 - Perfil e Hábitos dos Consumidores de Geleia e Mel na Cidade de Ubajara – Ce 1 1 1 Josilane Mendes Cavalcante , Maria das Dôres Damasceno Freitas , Iranilda Fernandes Vidal , Viviane França Aguiar , João Manoel Monteiro da Silva , Carlos Eliardo Barros Cavalcante 3 2 2 1 Aluno do curso de Tecnologia em Gastronomia, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, Campus Ubajara. 2 Técnico em Alimentos, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, Campus Ubajara. 3 Profº do Eixo de Produção Alimentícia, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, Campus Ubajara. E-mail: [email protected] (autor para correspondência) PALAVRAS-CHAVES: Perfil do consumidor, Geleia de fruta, Mel de abelha, Geleia a base de mel INTRODUÇÃO casa, que detecta a necessidade, procura informação avalia e escolhe A geleia é um produto de umidade intermediária preparada com a marca, decide onde e quando comprar o produto. polpa de frutas, açúcar, pectina, ácido e outros ingredientes, que permitem sua conservação por um período prolongado (1). O Tabela 1 - Características sócio-demográficas dos entrevistados processo produtivo das geleias permite ainda a possibilidade da associação de sabores para a confecção de geleias mistas a base de Características % Características % frutas e outras matérias-primas de características sensoriais e Gênero Estado Civil econômicas viáveis, mais ainda pouco utilizadas, como o mel de Feminino 72 Solteiro 68 abelha. Masculino 28 Casado 29 O mel é um alimento produzido a partir do néctar de flores ou de Outro 3 secreções procedentes de partes vivas das plantas, que as abelhas melíferas recolhem, transformam, combinam com substâncias Idade Escolaridade específicas próprias, armazenam e deixam madurar nos favos das 18 à 25 63 Fundamental Incompleto 7 colmeias (2), possuindo características sensoriais próprias de cor, 26 à 35 22 Fundamental Completo 16 aroma, sabor e textura. 36 à 45 7 Médio Incompleto 4 A viabilidade econômica do uso de mel de abelha como matéria- Maior de 45 8 Médio Completo 56 prima na elaboração de produtos é vista quando avaliamos o Superior Incompleto 16 considerável crescimento na produção nos últimos 40 anos, onde o Superior Completo 1 setor progrediu mais de 10 vezes (3). No entanto esse aumento é Fonte: Elaborada pelos próprios autores pouco perceptivo quando se trata do consumo de mel por brasileiros Obter sucesso ao introduzir um novo produto no mercado é um Apesar de se identificarem como consumidores de geleia e mel, mais grande desafio. Para isso é necessário que seja traçado o perfil do da metade dos entrevistados relataram raramente consumir estes consumidor de forma a conhecer suas preferências, saber quem ele é. alimentos (68% para a geleia e 60% para o mel) e apenas uma Diante do exposto, o objetivo deste trabalho foi estudar o perfil e os pequena parcela, 20% para a geleia e 11% para o mel, relataram hábitos do consumidor ubajarense de geleia e mel, avaliando consumir estes alimentos semanalmente (Tabela 2 e Tabela 3). aspectos como frequência e modo de consumo e ainda seu interesse Considerando que a serra da Ibiapaba é uma grande produtora de no consumo e compra de uma geleia a base de mel geleia, os dados coletados indicam que não há uma valorização do produto por uma grande parcela da população de Ubajara. MATERIAIS E MÉTODOS Tabela 2 – Hábitos de consumo em relação à geleia Foram entrevistados 100 (cem) indivíduos (voluntários) moradores Características % Características % da cidade de Ubajara – Ce que se declararam como consumidores de Frequência de Refeição de consumo geleia e mel. Consumo Para caracterização dos hábitos de consumo dos entrevistados ao Diária 5 Café da Manhã 32 consumo de geleia e mel utilizou-se um questionário estruturado com Semanal 20 Lanche 34 questões que fizeram referência a aspectos como frequência, horário Quinzenal 2 Almoço 0 e refeição de maior consumo, bem como o modo de consumo, o uso Mensal 5 Lanche da tarde 28 desses alimentos em receitas culinárias, se utilizava o mel como Raramente 68 Jantar 2 adoçante para bebidas. Ceia 4 A fim de medir a atitude de compra do entrevistado frente a proposta Horário de consumo de uma geleia a base de mel, utilizou-se a escala de 5 (cinco) pontos Manhã 50 Modo de consumo (1 = certamente não compraria; 3 = talvez comprasse, talvez não Tarde 43 Pura 15 comprasse e 5 = certamente compraria). Os resultados foram Noite 7 Com pão 37 tabulados e então calculou-se a média das notas obtidas. Com biscoito 18 A pesquisa foi realizada em três supermercados da cidade de Ubajara Uso em receitas Com bolo 2 e ocorreu durante três semanas, compreendendo o período de 17 de culinárias Com torrada 19 novembro à 30 de dezembro de 2014 e os dados obtidos foram Sim 11 Outro 9 submetidos a análise da frequência através do programa da Microsoft Não 89 Office Excel (versão 2007). Fonte: Elaborada pelos próprios autores RESULTADOS E DISCUSSÃO O número de entrevistados que se declaram consumidores de geleia e mel foi mais representativo no público feminino (72%), com idade entre 18-25 anos (63%), solteiras (68%) e com ensino médio completo (56%) (Tabela 1). Rivera (4) defende que a variável demográfica que tem maior influência no consumo do mel é o gênero. Isto porque a mulher continua a ser a grande responsável pela aquisição de bens alimentares para o lar. Segundo a autora é a mulher, como dona de 01

Gastronomia: da tradição a inovação Tabela 3 – Hábitos de consumo em relação ao mel das escalas sensoriais. Por meio da escala de atitude de compra o Características % Características % indivíduo expressa sua vontade em consumir, adquirir ou comprar Frequência de Refeição de consumo um produto e utilizando esta escala para saber o interesse dos Consumo entrevistados em consumir uma geleia a base de mel percebeu-se que Diária 6 Café da Manhã 32 55% dos entrevistados certamente comprariam tal produto e 32% Semanal 11 Lanche 26 provavelmente comprariam. Quinzenal 7 Almoço 2 A geleia a base de mel é um produto ainda ausente no mercado para Mensal 16 Lanche da tarde 20 os consumidores de Ubajara e tais resultados mostram, em função do Raramente 60 Jantar 3 interesse dos consumidores na compra deste produto, que sua Ceia 17 produção e comercialização podem ser viáveis. A proposta de Horário de consumo produzir uma geleia a base de mel surge também associada à ideia de Manhã 52 Modo de consumo popularizar o consumo de mel, uma vez que os consumidores ainda Tarde 29 Pura 42 associam seu consumo ao de produtos medicinais. Noite 19 Com pão 16 Estudos sensoriais e físico-químicos sobre a elaboração, otimização, Com biscoito 8 aceitação e vida útil deste produto devem ser desenvolvidos e Uso em receitas Com bolo 0 avaliados. culinárias Com torrada 11 Sim 25 Outro 23 CONCLUSÕES Não 75 Na cidade de Ubajara, os consumidores relatam raramente consumir Uso como adoçante geleia e mel nas suas refeições e uma pequena parcela relata fazer Sim 22 uso destes alimentos em seus preparos culinários ou ainda utilizar Não 78 mel como adoçante alimentício. Apesar do baixo consumo os Fonte: Elaborada pelos próprios autores consumidores revelaram grande interesse na possibilidade de compra de uma geleia a base mel. Verificou que os horários de maior consumo destes alimentos são na parte da manhã (50% para geleia e 52% para o mel) e na parte da AGRADECIMENTOS tarde com (43% para geleia e 29% para o mel), nas refeições do café da manhã e lanche, e que a forma mais comum de consumir geleia é Ao Instituto Federal do Ceará – Campus Ubajara por possibilitar e com pão (37%) ou com torrada e biscoitos (19% e 18% apoiar pesquisas que, como esta, visam a busca pela identidade respectivamente), enquanto que o consumo de mel, para a grande gastronômica da Região da Ibiapaba. maioria, se faz na forma pura (42%). 23% dos entrevistados relataram consumir mel de outra forma que REFERÊNCIAS não as questionadas na entrevista e, apesar de não ter sido registrado através de uma questão na entrevista, ao serem questionados sobre 1. BASU, S.; SHIVHRARE, U. S.; SINGH, T. V.; BENIWAL, V. S. essa “Outra” forma de consumo muitos respondiam situações onde o Rheological, textural and spectral characteristics of sorbitol consumo do mel estava associado a produtos medicinais. substituted mango jam. Journal of Food Engineering, Oxford, v. Um estudo feito por Martins et al. (5), revelou que mais da metade 105, p. 503-512, 2011. dos consumidores de mel também foram mulheres que consomem 2. BRASIL. Instrução Normativa nº 11, de 20 de outubro de 2000. mel eventualmente, na forma pura e que seu consumo é associado a Regulamento técnico de identidade e qualidade do mel. Diário produtos medicinais. Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Um perfil similar de consumidores é relatador por Ribeiro et al. (6) Brasília, DF, 23 out. 2002. em pesquisa no Distrito de Bragança, Portugal, onde 58,1% dos 3. IBGE. Anuário estatístico do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE - entrevistados foram do sexo feminino e verificou que a esmagadora Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2014. maioria era consumidora de mel (94,8%) e sua principal forma de 4. RIVERA, M. Análisis de los factores demográficos en el consumo utilização do mel era combinado com outros alimentos (60,5%). A de miel de abeja en las familias de la ciudad de Aguascalientes. pesquisa do referido autor mostrou ainda que o fator de maior peso Memorias do 1º congreso Estatal “La Investigación en el na decisão de compra do mel é o sabor (52,3%). Posgrado”, 28 a 30 de Novembro de 2005, Universidad Autonoma O resultado da pesquisa mostra que o uso destes alimentos no de Aguascalientes. preparo de receitas culinárias ainda é uma prática pouco realizada 5. MARTINS, F. F.; PEREIRA, J. O. P.; ALENCAR, T. C. S. D.; pelos consumidores entrevistados, apenas 11% dos entrevistados CARVALHO, L. S.; MACEDO, S. F. L.; FARIAS, K. C.; PAULA, utilizavam geleias em suas preparações enquanto 25% relatam o uso C. M. Perfil do consumo de mel de abelhas africanizadas em cidades de mel em suas preparações. No entanto ao serem questionados sobre do interior do estado de Ceará. In: V Congresso de Pesquisa e o uso de mel como adoçante alimentício apenas 22% relataram fazer Inovação da Rede Norte Nordeste de Educação Tecnológica - tal uso. CONNEPI 2010, 2010, MACEIO. V Congresso de Pesquisa e O uso desses dois alimentos poderia ser mais incentivado na região Inovação da Rede Norte Nordeste de Educação Tecnológica – através da formulação de preparações simples e saborosas. Tal CONNEPI, 2010. medida promoveria a popularização maior do consumo destes RIBEIRO, Maria et al . Produtos alimentares tradicionais: hábitos de alimentos os ajudaria a sair das refeições matinais para outras compra e consumo do mel. Rev. de Ciências Agrárias, Lisboa , v. refeições como almoço e jantar. 32, n. 2, p. 97-112, dez. 2009 . O uso de escalas sensoriais é de grande auxílio para o desenvolvimento de produtos e novas preparações alimentícias o uso 01

Gastronomia: da tradição a inovação 05911 - Métodos de Conservação: Saberes e Sabores nas Narrativas de Pescadores de Foz do Iguaçu-PR 1 1 Paola Stefanutti , Valdir Gregory , Gislaine Simões , Nelson Neto , Paula Oro 1 2 3 1 Mestre e pertencente ao Colegiado de Gastronomia do Instituto Federal do Paraná (IFPR) – Campus Foz do Iguaçu, [email protected] 2 Doutor e pertencente ao Departamento de História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). 3 Doutora e pertencente ao Colegiado de Gastronomia do IFPR – Campus Foz do Iguaçu. Palavras chave: Rio Paraná, memórias alimentares, charqueado, peixe na conserva, porco na lata. entrevista, ou da conversa (como este autor nomeia seus diálogos com INTRODUÇÃO o sujeito), como se estivesse participando ou quase entrevistando junto com o pesquisador. Este tipo de método estabelece uma relação mais Este estudo refere-se a uma parte da pesquisa de mestrado em que se humanística entre sujeito e pesquisador, fornecendo subsídios para analisa as memórias de pescadores de Foz do Iguaçu, a partir de 1959, uma compreensão, através de narrativas faladas e/ou omitidas, através de suas narrativas sobre vivências e alimentação. Foram adicional e algumas vezes até opostas à história oficial. Sendo estas dezenove pessoas envolvidas com a atividade pesqueira que narrativas vivas, compostas de pessoas reais, que possuem memória, concederam entrevistas ou diálogos entre pescadores, seus familiares, que sentem, presenciam, narram e vivem histórias. agricultores, e donos de peixarias. Porém ressalta-se que nesta escrita Além das entrevistas, a pesquisa conta com levantamento de serão tratadas especificamente três entrevistas. Este recorte ocorre em documentos oficiais, fotos e objetos que possam agregar a realidade virtude do período da chegada dos entrevistados a Foz do Iguaçu e da do cotidiano da época mencionada, e bibliografia sobre o tema riqueza de detalhes e vivências que estas três pessoas acrescentam proposto. para a memória alimentar da localidade. RESULTADOS E DISCUSSÃO Adota-se o procedimento metodológico que busca interpretar dados Introduz-se brevemente os três entrevistados desta pesquisa, Popeye obtidos através das narrativas, sendo considerada uma pesquisa oral Iracema e Gabriela.Popeye ou Moacir Zimerman (4) chegou a Foz do temática. O olhar a essas fontes, personagens da história local, fará Iguaçu quando tinha cinco anos, em 1959, na área do Remanso deste texto um registro de memórias e fonte. As entrevistas Grande. Natural de Chopinzinho, Paraná, é descendente de alemães, constituíam-se de perguntas abertas, evitando o direcionamento poloneses e caboclos, e orgulhosamente conta que fala alemão. Hoje tendencioso das respostas. Porém, durante as falas sobre com sessenta e dois anos de idade, Popeye é um dos pescadores mais comportamentos alimentares, pode-se ressaltar os métodos de antigo de Foz do Iguaçu, sendo referenciado com respeito por outros conservação mencionados, sendo estes não apenas sobre peixes, mas pescadores como um dos primeiros do Rio Paraná. Alguns não o de outros alimentos que faziam parte do cotidiano alimentar destes conhecem pessoalmente, mas a figura do Popeye, de pioneiro do rio, pescadores. E é esse indício que será trabalhado a seguir. torna-o quase uma lenda entre os pescadores locais. As entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas no decorrer desta escrita. Como o objetivo deste, não era o estudo linguístico da Iracema Berlanda de Andrade (5), viúva do pescador Aristeu Matos de fala destes pescadores, optou-se pela transcrição das narrativas Andrade, é gaúcha de Veranópolis, hoje com setenta e um anos, veio ajustando erros de português gramatical, vícios de linguagem, formas do Rio Grande do Sul com dez anos com destino a Matelândia, onde coloquiais, porém procurando manter os sentidos das falas. Durante a morou até os dezesseis anos. Com dezessete anos, em 1961, e casada, escrita deste trabalho, optou-se pela utilização dos nomes dos mudou-se para Foz do Iguaçu com sua família. Aristeu, seu esposo, entrevistados, como estes se autodenominam, e são conhecidos nas era natural de Anita Garibaldi, do estado de Santa Catarina, e, apesar imediações e em relações sociais. Justifica-se, portanto, a utilização do de ter falecido há dezessete anos, as histórias de Aristeu, permanecem apelido. Assim, os entrevistados foram Popeye, Iracema e Gabriela nas memórias de Iracema. Desde que chegaram à localidade moravam tendo chegado à localidade em 1959, 1961, 1991 respectivamente. O às margens do Rio Paraná, até saírem de lá, por conta da olhar a essas fontes, esses personagens da história de Foz do Iguaçu, desapropriação da Usina Hidrelétrica de Itaipu, em 1979. fará este, ser memórias e fonte. Natural de Rio Negro, no estado do Paraná, Gabriela Cichorsti (6) Esta pesquisa parte do princípio de que os hábitos alimentares de um chegou a Foz do Iguaçu em 1991, porém ela e seu esposo Paulo determinado grupo não dependem unicamente do fator nutricional e pescavam em Guaíra, com os dois filhos, antes da inundação das Sete biológico, e que não são limitados apenas pela questão geográfica, Quedas. E em Altônia: “Foi onde o Márcio ficou doente, deu um mas pelos traços culturais, inclusive étnicos, de influência e de tumor no cérebro, e perdeu a visão [essa parte, teve uma pausa, as formação, representando suas histórias, seus costumes, crenças e palavras foram faladas espaçadamente]. E dali daquele tempo, a gente relações que se instauraram, enfatizando um olhar sensível e foi para Rio Negro, ficamos lá, e de lá, em 91, viemos para cá”. interdisciplinar para a questão da alimentação. Márcio, o filho cego, acompanhou a entrevista e mais do que se juntar E corrobora a tese de que a comida é simbólica e reflete a cultura, o e observar, Márcio mostrou um censo crítico na fala sobre a Itaipu, meio e os aspectos que circundam aqueles que a escolhem e a incentivo aos pescadores, piracema, defeso, e mais tarde veio à tona ingerem. Ressaltando a alimentação como uma das temáticas das que ele também é pescador, mas essa é outra história. ciências sociais. Portanto faz-se um ruminar de discussões Sobre períodos anteriores, Popeye destaca a relação entre a pesca e a alimentares. Utiliza-se a palavra ruminar, pois esta dialoga ao mesmo agricultura de subsistência, pois todos os que pescavam, também tempo com o conceito alimentar e sociológico, a partir de Tedesco (1). plantavam algo. E neste momento da narrativa, ele relembra que o Portanto, objetiva-se apresentar e discutir os saberes de métodos de porco era uma peça chave na alimentação, pois: “Para comer e conservação utilizados em períodos anteriores, obtidos através de sobreviver, você tinha o peixe. Matava o porquinho, tinha carne, tinha narrativas de pescadores de Foz do Iguaçu-PR. banha, entendeu, sabe como nós guardávamos a carne do porco?”(4) Deste modo, Popeye e sua família garantiam a sobrevivência com os alimentos básicos: porco (carne e banha), galinha, peixe e mandioca. MATERIAL E MÉTODOS Conforme apontado na introdução, a metodologia aplicada neste Popeye ainda conta em detalhes sobre a preparação do porco na lata, trabalho é a história oral temática, sendo este um método de pesquisa preparação muito comum da comida rural do Brasil. Em Cascudo (7), que busca a ampliação de conhecimento sobre o passado, não sendo já se encontram referências da conservação das carnes em gordura, “um fim em si mesmo, e sim um meio de conhecimento” (2), tendo especialmente da banha de porco, toucinho derretido, da carne de uma abordagem efetivamente relevante para a investigação que se porco, em Portugal. O pescador conta que guardavam o porco em latas pretende realizar. de vinte litros e: “cortava o toucinho junto com a carne, fritava essa carne, pegava a banha, colocava meia lata de banha e o resto você ia colocando toda a carne frita lá dentro” (4) Popeye afirmou que a carne A definição pela metodologia da história oral foi fortemente dura de seis a sete meses acondicionada desta maneira. E: “A hora que influenciada, pelo autor Cardin (3), que consegue dar vida aos sujeitos você queria comer era só pegar a carne, tirar da lata, esquentar a entrevistados retratando suas aflições, dúvidas, inquietudes, omissões, panela no fogo, e pronto! [bateu palma]” (4) O acesso a eletricidade, frustrações, suspiros, orgulho, sensações únicas, podendo até nas zonas urbanas e rurais, é uma realidade relativamente nova no proporcionar momentos ao leitor, de se imaginar no local da 01

Gastronomia: da tradição a inovação contexto da história da humanidade. O porco na lata é uma das desencadeou um método de conservação, que, por sua vez, influenciou técnicas de conservação de alimento nas memórias de quem viveu na e influencia os comportamentos alimentares e dita a relação comercial zona rural antes do advento da eletricidade. Porém, embutidos, do pescado entre pescadores, comerciantes e consumidores finais. salames, linguiças, compotas de verduras e frutas, são processos de Foram desenvolvidos métodos de conservação, permanecendo os conservação de alimento que a humanidade desenvolveu para hábitos até hoje, seria um exemplo de adaptação paliativa que se aumentar o tempo de vida do produto. Até a própria cocção é um tornou permanente. Gabriela continua ainda sobre o charqueado: “E o método de conservação, juntamente com a história do sal. Portanto as charqueado chega a ficar um ano na caixa. Porque eles usam folha de técnicas de conservação de alimentos eram sinal de disponibilidade de bananeira não verde. Põe uma camada, põe folha de bananeira seca, e alimento em períodos de abundância e/ou escassez. põe outra camada e vai indo. Daí tem gente lá em cima [Altônia] que Quando o assunto é pescado, tem-se o peixe na conserva com o se prepara para esse período de piracema para não ficar sem peixe” vinagre que a mãe fazia, e o charque. Sobre este último Popeye diz (6). Assim garantem a disponibilidade do produto mesmo em períodos que ele mesmo preparava e: “Charque é gostoso pra comer, só que sem tê-lo fresco. As especialistas da área, Nunes e Pedro (10), no tem que salgar bem ele. É gostoso, principalmente do peixe salmão, capítulo “Salga do Pescado”, lembram que a salga é um processo que porque ele já tem uma carne por natureza avermelhada, o sabor é remete à civilização egípcia, percorrendo a história alimentar da gostoso” (4). Este peixe referenciado por ele como salmão, na humanidade: “Com a descoberta de novos processos de conservação, realidade, é a Piracanjuba, peixe de água doce que tem a carne rosada, nomeadamente a refrigeração e congelamento, e com o parecida com a do salmão. E ele continua: “Então se pega um salmão desenvolvimento de produtos mais ajustados às atuais preferências dos de quatro, cinco quilos, abre ele espalmado, e coloca ele na salga. Nós consumidores, o processo de salga de pescado tem perdido usávamos gamela”(4). Juntamente com a técnica de preparo, aparece importância” (10). um utensílio típico que ele fez questão de explicar o que seria, e como O charque de peixe, o peixe na conserva com vinagre, o peixe era manufaturado. Ele começa dizendo que atualmente as pessoas não defumado, e o porco na lata ou porco na banha, são modos de sabem o que é a gamela, e continua: “Gamela é tipo uma bacia, você assegurar a disponibilidade do produto para períodos de escassez. pega um cedro de mais ou menos de um por um, e cavoca, e faz um Vale ressaltar que o charqueado de peixe foi relatado pelos três coxo meio arredondado. Fundo, entendeu? Um pratão de madeira, entrevistados. Registra-se, portanto saberes tradicionais de métodos de essa é a famosa gamela, aonde nós colocávamos o peixe para secar” conservação utilizados por estes pescadores. (4). E depois Popeye explicou o processo do charqueado: “E ali você vai colocando o peixe espalmado e vai salgando, peixe espalmado, CONCLUSÕES salgando e assim vai indo. Aí, você deixa curtir de hoje para amanhã” Este não é um trabalho encerrado, mas que apresenta alguns pontos (4). E completa: “Então nós pendurávamos ele no sol, que nem os para contínua discussão, em torno dos métodos de conservação de nordestinos, fazem lá a carne seca lá” (4). Entre as diferenças, alimentos utilizados nas beiras de rios, por estes três entrevistados. Cascudo (7) diz que ”A diferença entre a carne de charque, do Rio Registra-se, portanto saberes e sabores relativos aos métodos de Grande do Sul, e as congêneres do Norte, está na quantidade de sal conservação de alimentos de um período anterior, que envolvem durante a preparação e maior tempo na exposição solar. Dura, algumas técnicas e práticas alimentares em que gamelas, caixas, latas, evidentemente, muito mais que a carne-do-sertão, de vento etc., mas o varais, folhas de bananeira, sal, vinagre, lenha, banha, misturam-se sal lhe dá maior peso e menor digestão para o consumidor. A técnica aos tipos de peixes, piracanjuba (popularmente conhecido como veio de países andinos, e charque é do quíchua, xarqui, valendo – salmão por esses pescadores), dourado, curimba, peixe de couro com ‘carne-seca’.”. representações sociais de filho, esposa e mãe, respectivamente. Sobre técnicas de conservação, Iracema (5) relata que quando o Portanto, apresenta-se neste indícios de que a alimentação não deve marido pescava outro peixe que não o dourado, sendo este um peixe ser estudada separadamente. Ela está intrinsecamente ligada aos categorizado pelos pescadores como peixe de primeira, ele: “Pegava aspectos históricos, geográficos, sociais, econômicos e emocionais, curimba, e aqueles outros peixes e daí ele colocava, grrr [voz e para citar apenas alguns. expressão de nojo, quase um grunhido], até hoje eu sinto o cheiro, Portanto as memórias alimentares se entrelaçam com as memórias [entonação de voz] ele charqueava e botava no varal para secar” (5) pessoais. Métodos de conservação de peixe ou carne de porco funde- Além do registro do charque de peixe (quando este era de segunda), se com as figuras que estavam presentes nestes momentos mãe, há outro aspecto que pode ser mencionado, dialogando-se com o autor esposo, filhos, influenciando nas memórias gustativas, agradáveis ou Michael Pollak que possui uma perspectiva, que leva em conta os não, sendo estas carregadas de valor simbólico, cultural e processos e atores que interferem na constituição das memórias. representativo de um determinado espaço e período. Pollak (8) traz à tona a discussão sobre recordações pessoais de ordem sensorial, como definiu a historiadora francesa Dominique Veillon, REFERÊNCIAS em relação ao barulho, cheiros e cores. Será que não caberiam 1.TEDESCO, J. C. Ruminantes de memórias: sentimentos, também aspectos ligados à textura e sabor, como a comida da avó ou o experiências e silêncios deliberados. História: Debates e Tendências, barulho de crunch-croc, advindo da mastigação das crocantes v. 13, n. 2, p. 343-353, jul./dez. 2013. bolachinhas da tia? Na área da alimentação, denomina-se este conceito 2.ALBERTI, V. Manual de história oral. 3. ed. Rio de Janeiro: FGV de memória gustativa. Quem define este conceito é a historiadora Editora, p. 29, 2005. paranaense Corção (9): “A memória gustativa está associada ao 3.CARDIN, E. G. La historia de una vida ensituación de cotidiano dos indivíduos. Alimentar-se no contexto de estudo da frontera: migración, superación y trabajoenel “circuito memória gustativa, é entendido como uma ação que engloba diversos sacoleiro”. Revista de EstudiosSociales, núm. 48, enero-abril, aspectos sociais, tais como nutrição, economia, tradição, inovação, 2014, pp. 100-109. Universidad de Los Andes. Bogotá, entre outros”. Porém, não somente de boas lembranças sensoriais Colombia. vivem as pessoas, como se pode notar no caso contado acima. Além 4.ZIMERMAN, Moacir. Entrevista concedida em 19/12/2014 à do mais, pode-se constatar a valorização do peixe dourado. Paola Stefanutti, Foz do Iguaçu. Já a pescadora Gabriela (6) relembra que em 1982, quando moravam 5.ANDRADE, Iracema Berlanda de. Entrevista concedida em em Altônia, eles faziam charque e peixe defumado, pois iam pescar 1º/12/2014 a Paola Stefanutti, Foz do Iguaçu. nas ilhas, e levavam sal e caixa. E: “vai pegando, limpando e salgando 6.CICHORSTI, Gabriela. Entrevista concedida em 12/12/2014 a Paola dentro das caixas. Defumado, defumado também. Tinha lenha. Stefanutti, Foz do Iguaçu. [Depois que vieram para Foz] Nunca mais fizemos. Um dia eu quero 7.CASCUDO, L. C. História da alimentação no Brasil. 3.ed. São fazer. Porque o peixe de couro não dá charque, ele derrete, ele cai, ele Paulo: Global, p.152, 558, 2004. derrete tudo” (6). Gabriela complementa: “A viabilidade do comércio 8.POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, é o charque de peixe. Você leva uma caixa com charque de peixe lá, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989. vende tudo” (6). Sobre essa questão, Márcio, o filho e pescador, diz 9.CORÇÃO, M. Memória gustativa e identidades: de Proust à cozinha que: “[...] o povo tem a tradição de comer esse negócio. É comércio lá contemporânea. p.4. Disponível em: da região. E aqui não tem esse negócio. Porque lá, até hoje, se você <http://www.historiadaalimentacao.ufpr.br/grupos/textos/memoria_gu levar um peixe fresco, para vender pra eles, eles não aceitam. Tem que stativa.PDF>. Acesso em: 23 fev. 2015. ser no charque. É uma tradição, sabe? E era não, é gostoso o charque 10.NUNES, M. L.; PEDRO, S. Tecnologias tradicionais: salga do do peixe. Tem que vê, quando está bem charqueado, se come ele cru pescado. In: GONÇALVES, Alex Augusto (Editor) Tecnologia do assim, bem sequinho” (6). pescado: ciência, tecnologia, inovação e legislação. São Paulo: Apesar de a narrativa não ser sobre Foz do Iguaçu, é enriquecedor o Atheneu, 2011. p. 156-165. comparativo com Altônia, onde também corre o Rio Paraná, que demonstra como a infraestrutura local, com falta de energia elétrica, 01

Gastronomia: da tradição a inovação 05980 - A chegadinha: alimento da memória urbana de Fortaleza 1 1 Marianne Schlachter , Valéria Telles , Lara Ponciano , Rodrigo de Sousa , Janaina Vieira 2 1 1 1 Graduando (a) do Curso Tecnológico em Gastronomia, Faculdade Nordeste – Fanor Devry Brasil, [email protected] 1 Docente do Curso Tecnológico em Gastronomia, Faculdade Nordeste – Fanor Devry Brasil Palavras chave: biscoito, identidade cultural, comida de rua. INTRODUÇÃO Apesar de considerada uma cidade de população 'desmemoriada', principalmente com patrimônios materiais, como construções, a A busca por raízes e identidade é construída por um conjunto de memória da história dos fortalezenses se mostra bem viva quanto variáveis que predominam em um grupo. A cultura gastronômica ao sentimento de pertencimento que a experiência da chegadinha revela muito mais do que o modo de um povo se alimentar, revela traz. também a fauna e flora do lugar, seus microclimas, as influências Com o presente trabalho, nos propomos a fazer um resgate cultural sofridas com o passar dos anos, as tradições e os costumes. Mas sua e afetivo da preparação, fazendo contrapontos históricos de sua característica mais importante é o fato de envolver muito além do possível base culinária e mostrar a importância de se preservar físico, e remeter a um passado do qual nem sempre se participou. patrimônios como esse. A ideia de gosto alimentar já vem permeada pela fusão do biológico com o cultural, através da intima relação da alimentação com a cultura. (GIMENES, 2006) (4). Esta relação, começa no MATERIAL E MÉTODOS processo de fabricação da iguaria, passando pela forma como é Esta pesquisa foi desenvolvida no Grupo de Estudos Cultura da vendida até modo como é degustada. Alimentação e Produção de Alimentos com Insumos Regionais da O som inconfundível do triângulo ao longe traz várias sensações. A Faculdade Nordeste – Devry Brasil. Para tanto, procedeu-se primeira e mais imediata é a lembrança gustativa do sabor doce da criterioso levantamento bibliográfico na literatura científica, a delicada iguaria comercializada há anos nas ruas de Fortaleza. partir da compilação de trabalhos publicados em revistas Depois vem a nostalgia: a casa da avó, o bairro onde cresceram científicas, artigos de jornais e livros especializados. épocas mais simples, infância. Assim como baianos se apegaram Além da base bibliográfica, foi realizada uma pesquisa cultural e afetivamente ao acarajé, paraenses ao açaí, os observacional com alguns vendedores nas ruas de fortaleza, e uma fortalezenses possuem como ‘patrimônio’ a Chegadinha. Difícil encontrar alguém que não tenha sido envolvido pela experiência entrevista com o vendedor e produtor Juliano Barroso, detentor do ofício e entusiasmado propagador da tradição da chegadinha. única de ouvir, comprar e comer um pedacinho da iguaria gastronômica que compõe a capital alencarina. Comercializado de forma singular, o doce (Figura 1) é vendido em RESULTADOS E DISCUSSÃO tambores de alumínio (Figura 2) e seu detentor caminha pelos bairros tilintando memórias. O ofício não é uma tradição familiar e De formato e venda únicos, a chegadinha fortalezense é doce atualmente conta com apenas 30 vendedores em toda Fortaleza, que finíssimo feito à base de: água, goma, farinha de trigo e açúcar. começaram sua comercialização por diferentes motivos. A cultura Assado em chapas de ferro, na maior parte das vezes em fogão de de uma cidade, transmitida de geração para geração, é expressa de carvão, o Chegadinho, Chegadinha ou Chegadim, nomes pelos várias formas por seus habitantes (CORNER; ANGELO, 2008) (3). quais os cearenses conhecem esse biscoito, normalmente é As manifestações gastronômicas e uma cidade podem tornar se um fabricado pelos próprios vendedores e tirado da chapa com a ajuda único elemento caracterizando sua identidade. Mesmo tendo sido de um funil, o que lhe dá a forma levemente curvada. Seco e mais comum em décadas anteriores, a chegadinha ainda persiste em crocante é muito delicado e quebradiço. Diferindo da maioria das meio à sofisticação dos alimentos, e se mantém, entre prédios, receitas encontradas, a goma aparece como influência indígena na condomínios e carros, no memorial afetivo da cidade. preparação. Os fiéis consumidores, que, sensibilizados pelas memórias que a manifestação sonora tradicional os traz, deixam o Fig. 1. Biscoito chegadinha e sua forma de venda. percurso comum de seu cotidiano e saem à rua, em plena metrópole, de encontro à experiência não só gastronômica, mas principalmente afetiva (ARAGÃO, 2012) (1). A Chegadinha é vendida em boa parte do Brasil, entretanto o uso do triângulo como instrumento musical aparece notadamente do estado da Bahia ao Amazonas. Seus nomes característicos podem variar: taboca, cavaco chinês, cavaco, cavaquinho e cascalho são os mais comuns na região Nordeste. Na região Norte, tem como equivalente o cascalho; em São Paulo e proximidades, o beiju (ou biju, que neste caso não se refere ao alimento do qual descende a tapioca); e em áreas do Sul e Sudeste, a casquinha, essa ultima é Fonte: Marques et al., 2015 (7) vendida ao som de uma matraca (ARAGÃO, 2012) (1). No Brasil, os primeiros registros da Chegadinha datam de 1950, no estado de Alagoas (ARAGÃO, 2013) (2). Em Fortaleza, os Fig. 2. Tambor de alumínio onde a chegadinha é vendida. primeiros registros encontrados são de 1980, entretanto nos remete uma culinária muito mais antiga, seu consumo vem desde a Idade Média, tendo registros descende dos barquilhos portugueses e dos barquillos, neules e obleas espanhóis. Atualmente é encontrado nos países latino americanos, que fizeram parte do território português e espanhol, guardando semelhança na forma de fazer e vender (ARAGÃO, 2012) (1). Todavia, somente no México o triângulo está associado à venda do biscoito. Em Fortaleza, a prática da produção e comercialização da Chegadinha está relacionada com êxodo rural. As famílias saíam da região interiorana em busca de trabalho e ao chegar na capit al encontravam nas pequenas fábricas do biscoito a oportunidade de Fonte: Marques et al., 2015 (7) obter uma renda financeira, assim como estadia. Esse apoio acabou ajudando essas famílias a se fixarem na capital, se mantendo com as vendas. 01

Gastronomia: da tradição a inovação Observa-se atualmente que as preparações das cozinhas típicas vêm Agradecimentos a Faculdade Nordeste Devry Brasil, pela perdendo certas características histórico-culturais, uma vez que a oportunidade de desenvolvermos tal projeto de resgate memória coletiva e o conhecimento oriundo do processo de cultural e ao senhor Juliano Barroso que nos cedeu seu tempo elaboração destas preparações tradicionais estão desaparecendo, para contar um pouco do que a chegadinha é e representa por conta da mundialização dos mercados, da homogeneização das para Fortaleza. cozinhas, de uma alimentação mais barata ou mais rápida e pela facilidade de aquisição de novas mercadorias estranhas a cultura de REFERÊNCIAS origem (MULLER; AMARLA; REMOR, 2010) (5). Com o passar do tempo que a receita original foi sofrendo 1. Aragão, T. A. Doce som urbano: o triângulo e as adaptações, algumas passaram a incluir manteiga, deixando o territorializações dos vendedores de chegadinho em biscoito mais crocante. Mas não somente a receita está mudando, a Fortaleza. 2012. 190 f. Dissertação (Mestrado em comercialização e a forma de produção também. Já sendo fabricada Planejamento Urbano e Regional) – Universidade Federal do industrialmente, passou-se a utilizar chapas elétricas e pode ser Rio Grande do Sul, Programa de Pós-graduação em encontrada nos comércios locais (SOBRAL, 2015). Planejamento Urbano e Regional, Porto Alegre, 2012. Com o processo acelerado de urbanização, a chegadinha hoje é 2. Aragão, T. A. O triângulo e o biscoito fino para as consumida mais por adultos, que buscam alimentar sua memória massas: reverberações culturais de uma prática ambulante. In: afetiva. Não há registros de associações de produtores e nem 9º Encontro Internacional de Música e Mídia – O Gosto da vendedores desse biscoito, fazendo assim com que a perpetuação Música. São Paulo, 2013. Disponível em dessa prática esteja restrita aos atuais 30 vendedores que se <http://musimid.mus.br/9encontro/wp- encontram espalhados pelos bairros de Fortaleza. content/uploads/2013/11/9musimid_aragao.pdf> Acesso em O senhor Juliano nos conta que os produtores de chegadinha são 15 mai 2016. independentes, sendo o único vínculo a comercialização da iguaria. 3. Corner, D. M. R, ANGELO, E. R. B. O Patrimônio Cultural Imaterial sob a Perspectiva da Gastronomia. In: V CONCLUSÕES Seminário de Pesquisa em Turismo do MERCOSUL - SeminTUR Turismo: Inovações da Pesquisa na América Latina Universidade de Caxias do Sul – UCS, Caxias do Sul, A chegadinha é elemento cativo no memorial afetivo da cidade de Fortaleza. Mesmo com sua origem incerta, a cidade RS, 2008. acolheu a receita e sua prática como sendo símbolo de algo 4. Gimenes, M. H. S. G. Patrimônio Gastronômico, mais complexo e intrínseco do que o mero alimentar. Patrimônio Turístico: uma reflexão introdutória sobre a A urbanização e a globalização vem trazendo perdas de valorização das comidas tradicionais pelo IPHAN e a raízes e dificultando cada vez mais a prática do ofício. Além atividade turística no Brasil. In: IV Seminário de Pesquisa e disso, a individualidade da atuação dos vendedores e sua Turismo do MERCOSUL, Caxias do Sul, 2006. 5. Muller, S. G., Amaral, F. M., Remor, C. A. Alimentação rigidez quanto ao repasse da receita, colocam a chegadinha e Cultura: Preservação da Gastronomia Tradicional. Anais do numa situação de risco de extinção, fato que nos sugere a VI Seminário de Pesquisa em Turismo do Mercosul – Saberes criação de uma associação ou orgão que reconheça o ofício e e fazeres no Turismo: Interfaces. Caxias do Sul – RS, 2010. trabalhe para disseminá-lo e perpetuá-lo da forma como o conhecemos, Sobral, V. O som e o sabor da chegadinha. O Povo online. 2015. Disponível em A escassez de material acadêmico sinaliza a necessidade de <http://mobile.opovo.com.br/app/opovo/dom/2015/05/16/noti aprofundamento no estudo desse saber fazer e propõe pelo que já se conseguiu levantar, o reconhecimento do doce ciasjornaldom,3438621/o-som-e-o-sabor-da- como patrimônio imaterial da cidade. chegadinha.shtml> Acesso em 15 mai 2016. 6. Marques, M., Oliveira, F., Melo, I., Boroh, M. O vendedor de Chegadinhas. Revista Somosvos. 2015. Disponível em <http://www.somosvos.com.br/o-vendedor- de-che gadinhas/> Acesso em 20 mai 201 AGRADECIMENTOS 01

Gastronomia: da tradição a inovação 06003 Grolado: Comida de Índio? Considerações sobre a relação entre comida e cultura do povo indígena Jenipapo-Kanindé do Ceará 2 2 2 2 2 Ticiana Antunes 1,2 , Carlos Albuquerque , Paula Castelli , Marcos Silva , Samary Costa , Marianne Schlachter 1 Professora Doutora da DeVry Brasil – Fanor, [email protected]. 2 Curso de Gastronomia, DeVry Brasil – Fanor. Palavras-Chave: Cultura alimentar, Jenipapo-Kanindé, Grolado, Mandioca. Introdução memória daquele que é entrevistado, onde suas experiências de vida são lembradas, remetendo ao passado, que quando interpretado Você já ouviu falar de Grolado? Essa foi a pergunta que fizemos para revela parte de um mosaico representativo da sociedade estudada. A muitos estudantes que cursam Gastronomia, aos professores do memória permeia o trabalho e o saber fazer desperta versões do que curso, aos nossos familiares e muitos amigos próximos, em sua foi vivido coletivamente (4). As reminiscências que marcam a grande maioria, cearenses. A maioria das respostas vinham identidade do povo indígena Jenipapo-Kanindé são baseadas em acompanhadas de outro questionamento: Grolado? O que é isso? O vivências repassadas por várias gerações. alimento em questão é objeto de pesquisa desse estudo que vem se O uso da observação participante ocupa o mesmo patamar de opções desenvolvendo, junto ao recém criado Grupo de Estudo e Pesquisa metodológicas dessa pesquisa. Compartilhando do cotidiano dos em Cultura da Alimentação e Produção de Alimentos com Insumos sujeitos da pesquisa é possível vivenciar as práticas cotidianas, desde Regionais, vinculado aos cursos de Gastronomia e Turismo da Fanor- o cultivo da terra, da colheita, da produção na casa de farinha, das DeVry Brasil. Este grupo surgiu da necessidade de se refletir e, conversas a beira do fogão, dos almoços coletivos, dos festejos, etc. principalmente, conhecer e se apropriar da Cultura Alimentar que A dimensão examinada é demasiadamente rica de detalhes, marca a diversidade identitária de nosso estado cearense. informações que a escrita objetiva dar conta das cores e sabores no Acreditamos que a maioria dos cearenses desconhecem a sua própria conjunto apresentado. cultura alimentar. Através de um breve mergulho em nossa história é possível concluir que os pratos referenciais de nossa alimentação, Resultados e Discussões tanto do ponto de vista antropológico, como do ponto de vista social O Ceará, especialmente no interior do seu território, sempre foi e econômico não podem ser resumidos aos frutos do mar, a carne de marcado pela presença resistente dos povos indígenas. Essa marca sol e ao baião de dois, que o senso comum e os empreendimentos não pode ser desprezada em nossa formação cultural. Os índios turísticos costumam valorizar. A realidade plural que se encontra no Jenipapo-Kanindé, que até a década de 80 do século passado viviam sertão, nos bairros afastados, e, não tão nobres das várias cidades isolados a mercê da especulação imobiliária que crescia em torno de cearenses, nas casas de família, nos livros de receitas de nossas avós sua área de moradia. O local denominado Lagoa da Encantada é desconhecida; tanto pelos nossos comensais, como pelos estudantes (alcunha do local) é localizado no distrito de Jacaúna, pertencente a de Gastronomia e Turismo que adentram no mercado de trabalho e na Aquiraz, distante 55 Km da capital do Ceará. A Lagoa da Encantada área acadêmica. é um lugar cheio de atrativos; possui belezas naturais, com morros Tendo como ponto de partida desse caminho pelo auto cobertos de vegetação, córregos, lagoas, coqueiros, e muita planta reconhecimento, resolvemos problematizar a chamada matriz étnica nativa. Os moradores da Encantada não possuíam consciência acerca que origina a cultura alimentar brasileira citada pelos renomados de sua etnia indígena. Até 1984, nunca haviam sentido necessidade estudiosos Luís da Câmara Cascudo (1) e Gilberto Freyre (2). de organizar o grupo em torno de associações para garantia de Segundo os autores, a base de nosso patrimônio cultural direitos sobre a terra, pois já habitavam o lugar desde as gerações gastronômico é formada a partir da influência dos povos indígenas, anteriores. Na década de 80, tornam-se públicos os conflitos africanos e portugueses. Em seu livro História da Alimentação no fundiários entre posseiros da região e aqueles que não possuíam a Brasil, Câmara Cascudo afirma que a presença mais contundente documentação legal de suas terras e, por isso, crescem as ameaças dessa herança é a dos ameríndios. Através de uma densa pesquisa, reais contra suas moradas ancestrais. Suas terras estavam sendo alvo nas mais diversas fontes históricas, o autor informa que o cardápio de especulação imobiliária por parte da Empresa Moinho Dias indígena foi o que permaneceu mais próximo da origem quinhentista, Branco, que agia em parceria com a Prefeitura de Aquiraz, daqueles sofrendo pouca permuta com as transformações da modernidade. tempos. Nos últimos anos, a empresa Ypióca vem poluindo a lagoa Dentre os vários alimentos herdados dos índios, ganha especial sagrada dos índios, através do uso de agrotóxico em suas plantações, destaque a mandioca, que o mesmo estudioso chama de Rainha do localizadas na vizinhança da aldeia, além de retirar grandes volumes Brasil, por ser absoluta em sua presença, em todo o território de água da reserva indígena (5). O histórico de grandes obstáculos brasileiro, até os dias atuais. Dos vários produtos que advém da enfrentado pela etnia Jenipapo-Kanindé levou o grupo a organizar mandioca, a partir dos seus três insumos principais, a saber: a seus interesses em torno do fortalecimento de sua identidade étnica farinha, a goma e a carimã, aquele que resolvemos aqui tratar é um que é revelada não só pela presença histórica no território em disputa, preparo que tem como base a borra (subproduto) retirada do processo também por fatores de ordem sociocultural. Nessa lógica, os hábitos de extração da goma fresca, o chamado grolado. O interesse de alimentares dos índios revelam aspectos relevantes sobre sua estudar tal produção deu-se por ser este um alimento rotineiro na realidade afinal, como afirma Roberto da Matta (6), a seleção do dieta alimentar dos índios cearenses Jenipapo-Kanindé, onde a alimento, seu preparo e sua forma de ingestão é fruto de costumes lembrança de seu fabrico e de seu consumo sempre esteve presente aceitos socialmente e culturalmente, o que caracteriza a comida como na memória coletiva compartilhada pelo citado grupo, portanto com referencial identitário de um povo. Segundo Maria Leticia Ferreira e potencial de se tornar um referencial importante do patrimônio Fábio Cerqueira (7) o patrimônio alimentar vem sendo objeto de cultural. Além disso por ser desconhecido pela literatura pesquisada e muito interesse de pesquisas, especialmente a partir Convenção pela maioria dos estudantes de gastronomia e por ser um alimento UNESCO de 2003, quando foi delineado a legitimidade internacional que pode ser utilizado em diversos preparos. Portanto é nosso da prática alimentar como bem patrimonial. Levando-se em conta objetivo descrever o processo de fabricação do grolado indígena essa realidade, nossa intenção é refletir sobre a identidade Jenipapo- Jenipapo-Kanindé, refletindo acerca de sua importância para a Kanindé, destacando o Grolado como bem do patrimônio cultural, cultura alimentar cearense, suscitando pesquisas acerca de um compreendendo a importância de sua sociabilidade e política, possível processo de patrimonialização o que, em última instância, enfocando o saber e o fazer deste povo. Portanto compreendemos a poderá reverbera positivamente no processo de Etnicidade desse culinária Jenipapo-Kanindé como uma linguagem para apreender e povo e no fomento do Turismo gastronômico à comunidade indígena expandir sua cultura. em questão. Segundo nos foi informado na comunidade indígena Jenipapo- Canindé, a massa do grolado é uma espécie de subproduto, obtido Materiais e Métodos nas casas de farinha em um dos processos de fabricação da goma de O caminho metodológico para o desenvolvimento desta pesquisa foi tapioca. Para que fique bem claro, é necessário evidenciar o passo a construído de forma interdisciplinar, pois acreditamos que a passo de todo o processo. variedade nos métodos de pesquisa enriquece a análise, por isso a Denomina-se manivas as estaquias com brotações que são retiradas oralidade (3) e a observação participante se destacam nessa tessitura. dos galhos da planta da mandioca utilizadas para a plantação, A entrevista se revela como uma rica fonte subjetiva, reveladora da ocorrida, comumente, nos primeiros meses do ano, dependendo da 01

Gastronomia: da tradição a inovação aparição de chuvas. A colheita dar-se geralmente no meio do ano, entre os meses de junho a agosto. No caso dos Jenipapo Kanindé, 3 Processo de cocção. 4 Resultado Final: Grolado. existe uma casa de farinha comunitária, que ao se aproximar o período de colheita, os integrantes da comunidade que possuem suas próprias plantações se reúnem e juntam suas produções, trabalhando em conjunto, misturando saberes e fazeres, repartindo os produtos finais. Já na casa de farinha, com todas as mandiocas empilhadas inicia-se o primeiro processo, o de descascar cada mandioca, uma por uma, um trabalho executado tradicionalmente por mulheres que sentadas ao chão em forma de roda passam horas a fio descascando e posteriormente lavando os tubérculos. Depois de lavados, são transferidos para o moedor, máquina criada para facilitar a raladura passou muitos anos desativada, deixando-os ainda mais distantes das que inicialmente era manual, mas ocasionava num processo suas tradições. Somente a pouco mais de um ano eles conseguiram extremamente cansativo. Mesmo com esta máquina, é necessário o reativar o empreendimento, sendo possível retomar a produção para o trabalho manual, que ficou restrito à colocação das mandiocas no consumo interno. O grolado é usado nas comemorações, orifício que contém as lâminas de moagem, uma por uma, um manifestações e exposições da aldeia. trabalho executado normalmente por um homem muito habilidoso. Esta máquina possui uma superfície feita de madeira, acoplada a um Um aspecto curioso que chamou a nossa atenção é o papel que o tanque de cimento revestido por azulejos que recebem todo o consumo do grolado ocupa na atual conjuntura do povo Jenipapo- material já triturado. Na comunidade, esta máquina é acionada Kanindé. Como já destacamos, o alimento é amplamente produzido através de um pequeno motor, em substituição ao que era feito, sempre em situações de comemorações festivas, como a noite antigamente, através de uma manivela de madeira onde dois homens cultural e a festa do Marco Vivo. Ambas são manifestações da faziam o trabalho exaustivo de rodá-la, podendo haver troca dos Etnicidade Jenipapo-Kanindé que fortalecem a identidade cultural, os parceiros nas rodagens. laços comunitários e a luta política em que se encontram. Porém na Depois disso, a massa é levada através de vasilhames para o tanque rotina diária, o consumo é bastante escasso, já que segundo nossa de decantação, mas ao invés de ser despejado diretamente no tanque, principal interlocutora, a índia Hosana, a dificuldade e o longo tempo deve passar pela filtragem. O tanque tem forma de quadrado não de preparo característicos da produção dos insumos a partir do muito grande e na parte superior é colocado um tecido de algodão beneficiamento da mandioca, representam uma condicionante para a que tenha a malha porosa, este receberá uma quantia não muito sua desvalorização. Os produtos industrializados que são grande de massa triturada. Em seguida dois potes com agua para comercializados na aldeia da Encantada são preferidos na dieta dilui-la e lava-la devendo ser esfregada com as mãos de uma forte alimentar, sendo substitutos dos alimentos artesanalmente e mulher, o processo se repete até que toda a massa se acabe. O tradicionalmente produzidos pelos índios. Como relevância social, objetivo é aparar toda a água despejada na filtragem, pois é ela que esta pesquisa pretende destacar a importância da permanência dos possui as minúsculas partículas do pó que dará origem a goma. Este produtos advindos da mandioca, chamando a atenção para o líquido deve ser deixado parado pela quantia de horas de uma tarde potencial cultural dos mesmos, fomentando arcabouço teórico para ou manhã, no intuito de deixar precipitar o pó no fundo do tanque, um futuro processo de patrimonialização, um dos objetivos mais depois de precipitado observa-se uma resistência na goma, ficando relevantes de nosso Grupo de Estudo e Pesquisa em Cultura da esta duríssima, facilitando assim a retirada da água que decantou no Alimentação e Produção de Alimentos com Insumos Regionais, processo. Finalmente, entre a goma e a água existe a borra, uma vinculado aos cursos de Gastronomia e Turismo da Fanor-DeVry espécie de líquido lamacento e escuro que muitas vezes é jogado Brasil. fora, mas que em algumas comunidades é utilizado para o feitio de beijus, tapiocas pardacentas e o chamado grolado, como é o caso dos Conclusões Jenipapo-Kanindé. Se a borra for utilizada, ela também precisa ser Concluímos que a preparação do produto do Grolado, se dar por trabalhada, sendo retirada com cuidado, alojada em receptores e meio do reaproveitamento da borra, que está entre a goma resultado fazendo com que passe por um processo de lavagem que deve ser do procedimento descrito. Mais do que um prato típico do grupo repetido por três vezes, ao retirar o excesso da última água deve ser indígena Jenipapo-Kanindé faz-se referência à memória e à exposta ao sol até que toda a humidade evapore por completo. Este identidade cultural dos povos indígenas e consequentemente à cultura processo é muito importante, pois a borra possui uma pequena alimentar cearense. Pretendeu-se realizar uma reflexão, a partir da quantidade de ácido cianídrico, aquela substância encontrada na tradição na produção e no consumo local, o que nos remete às nossas manipueira de altíssima toxicidade e inflamação, sendo primordial próprias raízes históricas. para a fabricação do famigerado tucupi e tacacá do Norte. Referências O segredo do grolado é saber preparar a massa, para que a mesma 1. CASCUDO, Luís da Câmara. História da Alimentação no Brasil. não venha “com todo o basculho” (impurezas). Que sobrou da goma. São Paulo: Global, 2011. Depois de retirado a goma fica a borra propriamente dita, e 2. FREYRE, Gilberto. Casa Grande Senzala. Edições eletrônicas acrescentamos água para coar e ser retirado grande parte das USP. Disponível em: impurezas, deixando a preparação menos azeda. Depois da http://www.usp.br/cje/anexos/pierre/freire_gilberto_casa_grande_sen preparação da massa, deixa-se descansar por algumas horas e na hora zala.pdf. Acesso em maio de 2016. que for assar na caçarola acrescenta-se água para soltar a goma e dar 3. JUCÁ, Gisafran Nazareno Mota. A Oralidade dos Velhos na um pouco mais de umidade. Como é possível perceber nas imagens: Polifonia Urbana. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2003. 4. HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: 1 Borra sendo umedecida. 2 Conhecimento sendo repassado para a Vértice Editora, 1990. nova geração. 5. ANTUNES, Ticiana de Oliveira. Construção étnica e políticas públicas: mobilização, política e cultura dos índios Jenipapo-Kanindé do Ceará. 6. DA MATTA, R. Sobre o simbolismo da comida no Brasil. Correio da Unesco,1987. 7. CERQUEIRA. Fábio Vergara, FERREIRA, Maria Letícia Mazzucchi. Mulheres e doces: o saber-fazer na cidade de Pelotas. São Paulo, Unesp, v. 8, n.1, p. 255-276, janeiro-junho, 2012. Disponível em: Coloca-se a farinha do grolado na caçarola e deixa a mesma assar por file:///C:/Users/Ticiana/Desktop/GEPE%20CULTURA%20DA%20 alguns minutos até ficar dourada, tendo o cuidado de mexer sem ALIMENTA%C3%87%C3%83O/texto%20dcoceiras%20pelotas.pdf parar, para que não empelote ou queime. No final do preparo temos . Acesso em maio de 2016. uma farofa dourada e solta. Come-se com peixe, café, com carne assada. Segundo a índia Hosana, é cada vez menor o interesse de aprender ou fazer o grolado, pelos membros da comunidade, a mesma acredita que isso se deu porque a casa de farinha da aldeia 01

Gastronomia: da tradição a inovação 06041 - “Gastronomia Popular” e Criatividade: O Caso do Centro Das Tapioqueiras Filipe Camelo¹, Kadma Marques² 1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) – UECE. [email protected] 2 Professora da Universidade Estadual do Ceará; Coordenadora do PPGS – UECE. Key Words: Tapioca, criatividade, gastronomia popular. INTRODUÇÃO Recanto do Sertão; Tia Neuma; Três Irmãs; Tapioqueira da Xuxa; e Silvia Helena e Reginaldo (estes dois boxes são do Embora saciar as necessidades fisiológicas do consumo diário de proteínas, sais minerais, lipídios e mesmo permissionário). Este processo de seleção se deu pela receptividade dos (os) permissionários (os), pelo fato de um vitaminas, seja condição vital para qualquer ser vivo, é preciso deles ser gerido pela presidente da Associação das considerar que todo ser social participa ainda de determinada 1 cultura alimentar . No mundo Ocidental, a dimensão simbólica Tapioqueiras (mantém relação mais próxima com instituições privadas e públicas que financiam o Centro), e pela quantidade tornou-se mesmo inseparável do ato de preparar e de consumir alimentos. É nesta perspectiva que a comida também é de clientes. Logo, a inserção no cotidiano dessas (es) tapioqueiras (os) busca melhor apreender de que maneira a ingerida por prazer, para evocar a lembrança de pessoas e criatividade constitui-se em ferramenta mobilizada pelos lugares, para acumular novas experiências, afirmar agentes que produzem e comercializam tapiocas, mas também identidades, conhecer tradições alimentares, celebrar acordos, outras comidas típicas, a fim de influenciar o consumo dos afirmar o pertencimento à determinada classe social, produzir clientes. e experimentar algo criativo e/ou inovador, entre outros motivos que circunscrevem as particularidades de diferentes realidades históricas, territoriais, sociais, econômicas e O “CENTRO DAS TAPIOQUEIRAS” políticas. Durante o processo de construção do CETARME (2001-2002) Deste modo, o Centro das Tapioqueiras e do as (os) permissionárias (os) participaram de cursos de 5 2 Artesanato de Messejana (CETARME) foi constituído em um contexto de reconhecimento e mercantilização das escolhas qualificação, ministrados pelo Serviço de Apoio às Micro e alimentares de certo segmento de classe, cujo consumo Pequenas Empresas do Ceará (SEBRAE) e pelo Centro de Ensino Tecnológico (CENTEC). Dentre os conhecimentos alimentar passa a associar-se a aspectos intangíveis (lazer, entretenimento, novas experiências, conhecimento da cultura abordados, destacam-se os de culinária, de atendimento ao turista, de eficiência energética nas micro e pequenas local, criatividade, emoções, sabores etc.). Neste lugar, sem descuidar dos consumidores locais, almeja-se atingir os empresas, de empreendedorismo, de associativismo, de cooperativismo, de qualidade no atendimento e de etiqueta. turistas, considerados como aqueles sujeitos que viajam para Outros cursos foram oferecidos. O mais recente foi em 2012, Fortaleza atraídos por tais aspectos, em suas mais diferentes realizado pelo SEBRAE. O objetivo foi qualificar as (os) 3 modalidades . Assim, o Governo do Estado do Ceará (desde o permissionárias (os) e seus funcionários para receber clientes ano de 2002) norteou suas ações para adaptar este espaço da (turistas em especial) durante a Copa do Mundo 2014. 4 produção de tapiocas aos padrões globais de consumo Deste modo, mediante a articulação entre diversos turístico. O objetivo deste trabalho é expor dados coletados saberes, o CETARME foi construído para ser um lugar durante a primeira fase da dissertação de Mestrado intitulada: atrativo no que tange ao preparo, ao serviço e ao consumo de Gastronomia popular no contexto da economia criativa: o tapioca. Nesta perspectiva, é possível afirmar que os principais aspectos presentes nesse local são: a culinária “tradicional caso do Centro das Tapioqueiras. Esta tem como escopo popular”, a Gastronomia, os aspectos técnicos e o compreender sociologicamente a relação existente entre empreendedorismo. O primeiro diz respeito, aos modos de criatividade, produção e consumo da “gastronomia regional” preparo e de serviço das tapiocas relacionados às (aos) de base tradicional popular, a partir do Centro das primeiras (os) permissionárias (os) – sujeitos que aprenderam Tapioqueiras e do Artesanato de Messejana (CETARME) em Fortaleza, Ceará. com suas famílias, de classe social pobre, a fazer tapioca. O segundo, refere-se à preocupação com a estética e a combinação dos ingredientes. O terceiro, à maneira de preparar e servir uma alimentação da forma mais prática e “segura” possível (uma questão referente à segurança METODOLOGIA alimentar). E por último, tornar as (os) permissionárias (os) empreendedoras (es). Com uma abordagem de tipo etnográfica (GEERTZ, 1989; Apesar de todas essas ações terem como função LAPLANTINE, 2003), têm sido realizadas observações, promover a padronização de procedimentos, mediante normas escuta e entrevistas informais com sujeitos considerados estipuladas pelo regimento da Associação das (os) 6 fundamentais no entendimento do objeto deste estudo. Deste Tapioquerias (os) , pelos cursos e pelo poder público – sem modo, dentre os 26 boxes que compõem o Centro das desprezar a influência do setor privado, o qual também Tapioqueiras foram escolhidos somente seis. São eles: contribui para isso –, foi observada que há certa “autonomia” nas ações das (os) permissionárias (os). Isto pode ser 1 Um sistema simbólico, onde os indivíduos que compõem uma sociedade ou um grupo social manifesto na decoração dos boxes, nos cardápios, na forma de conferem símbolos, significações, classificações, valores e normas às comidas e aos atos abordar os clientes e no modo de preparo e apresentação das alimentares (BRAGA, 2004) comidas. Ou seja, elas (es) tentam se diferenciar umas das 2 Na placa de inauguração, tem-se “Centro das Tapiocas e do Artesanato de Messejana”. Contudo, outra placa, esta de reinauguração, há “Centro das Tapioqueiras e do Artesanato de Messejana”. Aqui, optamos por utilizar “tapioqueiras” e “tapioqueiros”. Pois, pessoas de ambos os sexos trabalham no CETARME. Tendo em vista que é uso corrente entre os próprios permissionários dos boxes, os clientes e os meios de comunicação. 3 Em uma pesquisa feita pela antropóloga Lívia Barbosa foi indicado que a tapioca é uma das comidas típicas mais consumidas, fora do âmbito doméstico, na cidade de Fortaleza,Ceará (Barboas, 2007). 5 Tapioqueras (os) que conseguiram permissão para obter um boxe neste espaço. 4 Sua preparação mudou muito desde o período da colonização. Onde a goma da mandioca era 6 Documento este elaborado tanto pelos agentes do Governo do Estado do Ceará quanto pelas produzida de maneira artesanal pelos amerabas (CASCUDO, 2011). (os) tapioqueiras (os). 01

Gastronomia: da tradição a inovação 7 outras . E essa certa liberdade frente às normas e regras, parece possibilitar a criação de novas tapiocas, outras maneiras de preparar uma mesma comida e a inserção de outros pratos com a finalidade de atrair mais consumidores. Um exemplo disto é a feitura da “tapioca tradicional com queijo” (goma de mandioca tipo grossa com coco e queijo coalho). No boxe Tia Neuma, a tapioca é redonda, grossa e sobre ela o queijo – assado na chapa. Já no boxe Silvia Helena, ocorre um processo díspar. Sobre esta escrevemos: “Hoje comida tapioca tradicional com queijo, mas de um jeito que nunca havia visto. O queijo veio no meio de duas tapiocas, em forma retangular, lembrando o formato de um sanduíche.” (Diário de Campo, 17/02/2016). No caso do boxe Tapioqueira da Xuxa, a permissionária criou a “tapioca da Xuxa”, tapioca com queijo e geleia de pimenta entre outras combinações e pratos. Mais recentemente, durante este mês de Junho de 2016, em um contexto de festas juninas, ela tem preparado e comercializado “pé de moleque enrolado em palha de bananeira” com o objetivo de atrair clientes. CONSIDERAÇÕES FINAIS No CETARME, as (os) permissionárias (os) agem de forma a se diferenciar uns (umas) dos(as) outros(as). Desta maneira, é preciso indagar: esta situação de tentativa de distinção configura-se por meio de relações de cooperação e/ou de conflito entre esses sujeitos? Por quais modos se manifestaria a criatividade como elemento de diferenciação? Seria a criatividade um recurso para atrair clientes ou uma disposição incorporada e associada à gastronomia tradicional popular em contexto de economia criativa? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, Livia. Feijão com Arroz e Arroz com Feijão: O Brasil no Prato dos Brasileiros. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 13, n. 28, p. 87-116, jul./dez. 2007. BRAGA, Vivian. Cultura alimentar: contribuição da antropologia da alimentação. Saúde em Revista, Piracicaba, 6(13), p.37-44, jul., 2004. BEZERRA, Celina Maria Torres Portugal. Dos passos de gazela de Iracema ao rastro da capital: o cotidiano das (os) tapioqueiras (os) de Messejana-Fortaleza-CE. Fortaleza, CE: Universidade Estadual do Ceará, 2005. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Geografia) – Curso de Mestrado Acadêmico em Geografia do Centro de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza. CASCUDO, Luís da Câmara. História da alimentação no Brasil. São Paulo: Global, 2011. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Editora Brasiliense, 2003. 7 O ritmo de trabalho que era determinado de acordo com a necessidade de cada um tornou-se baseado pelas imposições do mercado internacional: acelerado, normatizado e padronizado (BEZERRA, 2005). Mas, de acordo com nossas observações, não há uma unicidade no preparo das tapiocas. 01

Gastronomia: da tradição a inovação 06095 - Considerações sobre a Pesca e Comercialização de Pescados na Praia do Mucuripe em Fortaleza-CE 3 2 Carolinne dos Santos , Marina Rebouças, Guilardo Gomes , Alano Freitas 1 1 Curso de Gastronomia, FANOR-DeVry|Brasil. [email protected] 2 Curso Especialização em Gastronomia, FANOR-DeVry|Brasil 3 Curso de Turismo, FANOR-DeVry|Brasil. Palavras-chaves: Atividade pesqueira, mercado de peixes, pescadores. INTRODUÇÃO de perguntas previamente elaborado (Quadro 1). As entrevistas foram gravadas deixando-se o entrevistado falar livremente, quando “As velas do Mucuripe vão sair para pescar” é um trecho da música necessário o entrevistador realizava intervenções com o objetivo de Mucuripe, composta por Antonio Carlos Belchior e Raimundo obter as informações desejadas. Outras informações consideradas Fagner, como também é ponto de partida para nosso estudo sobre o relevantes que foram obtidas espontaneamente durante a entrevista comércio que se instala ali no mesmo bairro Mucuripe, à beira-mar, também foram relatadas. Os dados das gravações foram transcritas, antes de amanhecer o dia, logo após o retorno dos pescadores de analisadas e apresentadas na forma de relatos. mais um dia de pesca. A atividade pesqueira na praia do Mucuripe é tão antiga quanto a RESULTADOS E DISCUSSÃO historia do próprio Ceará, uma vez que os primeiros registros desta Por meio das entrevistas realizadas,percebe-se que o cotidiano dos foram feitos ainda em 1629 pelo cartógrafo português João Teixeira pescadores que realizam a pesca no mar da Praia do Mucuripe é Albernaz. No mapa da costa de Fortaleza, consta uma vila indígena à bastante atribulado, estes podem passar até 5 noites no mar quando o margem direita do rio do Siará, (posteriormente denominado de desejo é capturar peixes maiores, de maior valor comercial, e que são riacho Maceió) onde hoje se encontra o morro santa Terezinha. Em de águas mais profundas. O período é mais curto quando o intuito é 1649 os holandeses chegam ao Ceará, aportando na enseada do pescar peixes menores que são encontrados próximos a costa. A mucuripe (1), e desde então, essa área passa a ser uma colônia de orientação no mar ainda se baseia na observação de “planetas” e Pescadores, tendo duas vilas distintas, uma em cada margem do estrelas, ou por meio da observação dos “morros” da costa, conforme riacho Maceió. Em cada uma dessas comunidades, foi construída relatado pelo ex-pescador e agora dono de barco, Sr. Zé Lancim, uma capela, sendo a da margem direita, no alto da duna, a Igreja de como gosta de ser chamado. Algumas embarcações utilizam o GPS, Nossa Senhora da Saúde, e a do lado esquerdo, a capela dos mas apenas para fazerem uma demarcação quando encontram uma Pescadores. A atividade se consolida definitivamente na região, região “povoada” pelos peixes mais valorizados, onde as redes têm acompanhando a evolução do tempo, com a construção da estação de grandes chances de encher, para que possam retornar ao mesmo local trem do mucuripe em 1891 e do porto do mucuripe em 1940 (2). Em em uma próxima pescaria. A embarcação predominante continua 1930, os jornais locais registravam os festejos do mucuripe, com sendo as jangadas, apesar de hoje se utilizar também as lanchas a multidão em torno das novenas da capela dos Pescadores (3). Em motor. 1963 é construida a avenida beira mar e a expeculação imobiliaria da A tripulação da embarcação é composta por 5 pescadores, sendo um mesma empura a comunidade pesqueira de volta ao morro santa deles denominado de “mestre”, que geralmente é o que possui maior Terezinha (4). Desde então a atividade vem sofrendo uma lenta, experiência. Embora haja essa hierarquia, todos pescam. A pesca é porém constante, deteriorização e as jangadas e suas velas perdem realizada com rede ou anzóis, dependendo do que se deseja apanhar. cada vez mais espaço para os predios luxuosos. A divisão do que é pescado se dá logo após a captura, o que cada Segundo relatado por Matos e Gonçalves (5) existem dois mercados pescador pescou é identificado com uma marcação própria no rabo localizados na Praia do Mucuripe que se destinam a venda do ou na cabeça, cada um tem sua “marca”. Essa identificação facilita a pescado trazido pelos pescadores que chegam do mar. O primeiro, separação dos peixes na praia e a prestação de contas com o dono da denominado pelos autores como mercado moderno, é o que possui embarcação. Tal marcação é um aspecto fundamental para incentivo da Prefeitura. O segundo seria uma forma de resistência caracterizar a pescaria como artesanal, que para Diegues (6) é a das colônias pescadores e é realizado nas areias da praia sem nenhum realizada por pescadores autônomos, só ou em grupo, em que tipo de estrutura física. utilizam instrumentos e meios de trabalho relativamente simples, Dentro deste contexto, este trabalho teve como objetivo relatar a sendo a remuneração feita pelo sistema tradicional de divisão por atividade pesqueira na praia do Mucuripe localizada no município de partes, em que a produção é voltada, prioritariamente, para o Fortaleza-CE, bem como o comércio informal de pescados que é mercado. realizado pelos pescadores nesta localidade. No mar a alimentação é bastante simples, geralmente, eles levam 10kg de farinha de mandioca, 2 litros de refrigerante, 2kg de sal, 1 MATERIAIS E MÉTODOS litro de óleo e 1kg de açúcar e “verduras” (cebola, tomate, cheiro Com base no objetivo proposto, foi realizada uma visita de campo a verde) para temperar. O sal que é levado serve para fazer uma praia do Mucuripe em Fortaleza-CE onde fica localizada a feira de espécie de cura, e não somente para salgar a preparação, assim eles comercialização dos pescados, ao lado do Mercado de Peixes de acham que peixe fica mais gostoso, o fresco é considerado “sem Fortaleza endereçado na Av. Beira Mar. Inicialmente, foram gosto”. Esse processo parece agradar não somente os pescadores, realizadas observações in loco de modo a identificar os atores locais alguns clientes especiais fazem encomendas desses peixes salgados. existentes para, em seguida, serem realizadas as entrevistas. Os Qualquer um dos integrantes da embarcação pode ser o cozinheiro do dados apresentados neste trabalho foram obtidos mediante dia, pega-se uma “busca de coco” (palha do coco), corta, coloca entrevistas estruturadas e semiestruturadas realizadas com carvão e acende a labareda em um latão cheio até a metade com pescadores, donos de barcos de pesca e demais trabalhadores areia. Mistura-se as verduras e o peixe e faz-se uma espécie de envolvidos na comercialização dos pescados, por meio de um roteiro 01

Gastronomia: da tradição a inovação ensopado, a farinha é utilizada para fazer um pirão. Todos como “batata”, “mariquita”, “biquara”, “cação de escama”, “pargo compartilham da mesma refeição comendo com as próprias mãos na piranga, “olho de boi” que não possuem muita demanda, são vasilha onde foi produzido o alimento. Este tipo de alimentação foi comprados pelos “marchantes” e vendidos na periferia das relatada por Cascudo (7) que diz que assim como em terra, no mar o redondezas a um baixo preço (Figura 3). Existem espécies de peixe alimento dos pescadores é basicamente o peixe com farinha, e, para que são sazonais, época do pargo, atum, cavala, devendo-se por lei isso, conduzem na jangada um rústico fogareiro, onde cozinham o ser respeitada a época de defeso, o que nem sempre ocorre conforme peixe e, com o caldo misturado com a farinha de mandioca, fazem apurado. um pirão. Figura 3. Peixes de baixo valor commercial. Ao chegarem a praia o comércio já está armado, inicia-se logo na madrugada, as 4 horas da manhã, e continua até, aproximadamente, 8 horas e está localizado na areia da praia do Mucuripe, ao lado do novo Mercado de Peixes (Figura 1). A comercialização do pescado envolve diferentes personagens, logo cedo mesas de madeira estão dispostas na areia esperando os peixes a serem limpos e tratados pelos “tratadores” (Figura 2). Estes trabalhadores também ajudam a descarregar as jangadas e, geralmente, recebem pelo seu trabalho peixes de baixo valor comercial que posteriormente serão vendidos. Barraquinhas de vendedores ambulantes também fazem parte do Apesar da pesca fazer parte da vida dos pescadores há muitas ambiente vendendo alimentos (bolos, caldos, café) para quem gerações, eles relatam que seus filhos não se interessam por essa transita por lá. No entanto, o comércio gira em torno dos atividade, nem eles próprios recomendam “...é uma vida muito compradores do pescado, os quais são na maioria “marchantes”, sofrida, a gente é muito explorado.”. como são chamados os atravessadores. Os “marchantes” são, na maioria, donos de “boxes” no Mercado de Peixes logo ao lado, que CONCLUSÃO compram dos pescadores o que será comercializado por eles para a A pesca realizada na zona costeira que compreende a praia do população. Existem alguns marchantes que estão ligados a Mucuripe em Fortaleza ainda segue saberes tradicionais, passados de restaurantes ou outros estabelecimentos que comercializam estas geração em geração e aprendidos com a prática e observação, mas matérias-primas, no entanto estes são em menor número. Há também aos poucos, novas tecnologias vem sendo adicionadas. O comércio famílias que preferem acordar cedinho para escolher os melhores dos pescados capturados ocorre na areia da praia, ao lado do peixes e comprar direto dos pescadores. Não existe um valor fixo Mercado de Peixes, envolvendo personagens como pescadores, para cada peixe, o valor é variável com a demanda e a pescaria do tratadores e marchantes, os atravessadores. Tudo que é pescado é dia, há dias que são adquiridos uma quantidade maior e a demanda vendido ali e os preços variam quanto a espécie e a demanda e oferta não é tão grande, logo o preço cai e quando contrário o preço do dia, em uma espécie de leilão.Apesar da pesca ser tradicional aumenta. Contudo, em datas festivas como na semana santa e no nesta região de Fortaleza, pôde-se observar que o trabalho árduo e a Natal, o preço sempre será mais elevado do que o habitual. Estes são falta de recompensação financeira fazem com que o interesse por fatores que influenciam no preço de venda, porém não o definem, o esta atividade, que antes era passada de geração para geração, esteja valor é estipulado diariamente com em uma espécie de leilão, no qual decaindo. cada comprador dá seu preço, quem der mais leva. Uma queixa relatada é que a ausência de uma “associação” faz com que os REFERÊNCIAS pescadores fiquem a mercê dos “marchantes”, não tendo poder de (1) Wieselgron. M.L. O Brasil Em Arquivos Neerlandeses (1624- decisão sobre o valor de venda dos seus peixes, fazendo-os se 1654) - A Companhia Das Indias Ocidentais: Cartas E Papeis Vindos sentirem “explorados”. Do Brasil E De Curaçao. 2. Ed. Dordrech: Leiden University Press, 2013. V. 2. 604p. Figura 1: Comércio de pescados realizado nas areias da praia do (2) Oliveira, W.R., Cruz, M.L.B. Mucuripe: Urbanização, Mucuripe. favelização e meio ambiente. a especulação imobiliária e as transformações sócioespaciais. Associação dos Geógrafos Brasileiros, 2010. Disponível em: <www.agb.org.br/evento/download.php?idTrabalho=71>. Acesso em: 10 jun. 2016. (3) Maia, G. Mucuripe: Bairro que ainda mantém a fama de reduto de pescadores. Jornal O Povo. Disponível em: <http://www.opovo.com.br/app/colunas/opovonosbairros/2013/07/18 /noticiasopovonosbairros,3094435/mucuripe-bairro-que-ainda- mantem-a-fama-de-reduto-de-pescadores.shtml>. Acesso em: 15 jun. 2016. Figura 2: Mesas utilizadas pelos “tratadores” para limparem os (4) Moura, J. Pescadores do Mucuripe tendem a desaparecer. Diário Nordeste, em: do Disponível 2015. peixes. <http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/pescad ores-do-mucuripe-tendem-a-desaparecer-1.1210792>. Acesso em: 05 jun. 2016. (5) Matos, O.F., Gonçalves, T.E. Aula de campo como ferramenta educativa: Práticas na oral marítima de Fortaleza/CE. OBSERVATORIUM: Revista Eletrônica de Geografia, 3, 126-136, 2012. (6)Diegues, A.C.S. La pesca artesanal en Brasil. In: Carlo Tassara. (Org.). Pesca artesanal, acuicultura y ambiente: Experiencias y perspectivas de desarrollo. 1 ed. Bogota: cISP-Movimondo, 1993, v. É importante destacar também que nenhuma espécie de pescado 1, p. 75-102. trazida a terra é descartada, os mais apreciados e de maior valor (7) Cascudo, L.C. Jangada: Uma pesquisa etnográfica. 2 ed. São comercial são comercializados e vendidos no próprio local. Peixes Paulo: Global, 2002. V. 2. 170p. 01

Gastronomia: da tradição a inovação 06171 - A Identidade Cultural Cearense a Partir do Baião de Dois 2 1 Murilo Julião (G), José Arimatea Bezerra (PQ) 1 Curso de Gastronomia, Instituto de Cultura e Arte, Universidade Federal do Ceará, [email protected] 2 Grupo de Pesquisas em Alimentação, Gostos e Saberes – AGostoS, Departamento de Estudos Especializados, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará Palavras chave: arroz e feijão, gastronomia, Ceará. cozinhas regionais como a conversão em patrimônio de determinados INTRODUÇÃO elementos preexistentes, selecionados entre outros que possam estar excluídos desse processo. Portanto, o objetivo deste trabalho foi enfocar alguns aspectos Na afirmação de Brillat-Savarin (1): “Dize-me o que comes e te direi históricos e culinários do prato denominado “baião de dois” com a quem és”, há uma tentativa deste autor em revelar a personalidade e o caráter de um indivíduo através do modo de comer. Porém, outras finalidade de preservar a preparação tradicional deste produto da duas frases anônimas: “somos o que comemos” e “tem gente que cultura cearense a fim de valorizá-lo como uma iguaria de um morre pela boca” podem ter vários sentidos, porém do ponto de vista determinado local, um fator identitário, para que seja reconhecido como patrimônio gastronômico estadual, assim como fizeram outros histórico-cultural estas assumem um significado de natureza social (coletiva), mais que individual. Pois a qualidade da comida, estados brasileiros. relacionada à primeira frase, e a quantidade de comida, associada á segunda, podem revelar a identidade sócio cultural de um povo. MATERIAL E MÉTODOS Certos valores subjetivos e objetivos relacionados à gastronomia, como: tradição, história, tipos de alimentos, sabores, técnicas e O presente trabalho possui caráter qualitativo, trata-se de um relato práticas culinárias podem ser os elos para a formação de uma cultura histórico e a metodologia de obtenção de informações foi realizada gastronômica regional. Atualmente há uma tendência das sociedades por meio de pesquisa bibliográfica acerca do tema proposto no título. em resgatar a culinária tradicional, valorizando principalmente a cozinha regional, numa tentativa de revalorizar as raízes culturais (2). O perfil histórico-cultural do baião de dois Entretanto, vários autores (3-9) têm reportado que desde o final do No Brasil não se sabe bem como começou a arte de misturar arroz e século XX, os saberes e os sabores da culinária tradicional estão feijão, porém em 1940, Gustavo Barroso (13) já havia publicado no perdendo certas características histórico-culturais, uma vez que o livro ''Liceu Cearense'' uma frase que demonstrava ser essa mistura modo de elaborar as preparações gastronômicas está gradualmente um prato popular no Ceará: “aos domingos, fazíamos ali um almoço desaparecendo, pois infelizmente a memória coletiva e o ajantarado, de lamber o beiço: delicioso baião-de-dois com toucinho, conhecimento tradicional estão sendo engolidos pelo processo de isto é arroz e feijão cozinhados juntos pelo mestre cuca Caganiquel”. globalização. Enfim, o simples aproveitamento de restos de feijão cozido e arroz é Não são somente os chefs que se queixam da perda de identidade, do ainda muito comum em áreas rurais do Nordeste e isto demonstra desvirtuamento, do desaparecimento virtual das cozinhas, ou do que o nordestino é sábio em lidar com a escassez de insumos abandono da preparação de antigos pratos tradicionais, a própria alimentícios na preparação de pratos nutritivos e saborosos. literatura especializada em gastronomia trata a preparação de pratos A breve história do “baião de dois” pode ser contada a partir dos das cozinhas ‘tradicionais’, ‘nacionais’ ou ‘regionais’ como tempos de grandes dificuldades do povo nordestino com os flagelos decadentes. De acordo com Ariès (10), na França, a cozinha das secas, época em que a comida era escassa e nada podia se tradicional, feita a partir das matérias-primas brutas, representa estragar ou desperdiçar. Desta forma, o cearense aprendeu a unir as apenas 4% dos mercados. Barbosa (11) reporta que apenas 1,4% e sobras da cozinha, arroz e feijão com o pouco que tinha de carne seca 5,4% dos fortalezenses afirmaram consumir tapioca e baião de dois, e queijo de coalho e assim surgiu esse saboroso prato da cozinha respectivamente. Talvez se possa atribuir como causas dessa perda nordestina. Com o tempo as receitas foram sendo ampliadas e de identidade: a pressa, a massificação e a dificuldade de encontrar diversificadas, de modo que cada cearense tem a sua própria receita. matérias-primas de qualidade. Do ponto de vista gastronômico, essa denominação surgiu em Definitivamente, a progressiva homogeneização e a globalização decorrência das mulheres dos vaqueiros levarem para casa as sobras alimentares provocam uma certa nostalgia relacionada aos modos de de feijão e arroz das mesas dos fazendeiros numa única panela. Sob o se alimentar e aos pratos que desapareceram, levando ao interesse olhar cultural, o nome dessa comida pode ter origem a partir de uma pelo regresso às fontes dos patrimônios culturais. Porém, o que faz visita de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga feita à casa do senhor com que as pessoas se lembrem de pratos deliciosos quase que Adão Apolinário, um fazendeiro de Barbalha, CE. Couto Filho (14) mitificados e variedades gastronômicas de outras épocas é a relata que a comida estava atrasando e Adão começou a apressar sua insipidez de tantos pratos prontos e semi-prontos oferecidos pela mulher, que cada vez que ia à cozinha, mexia nas panelas da mistura indústria de alimentos. de arroz e feijão. A mulher então reclamou e pediu aos convidados E o que dizer da culinária brasileira, Dória (12) afirma que a cozinha que chamassem o marido para fora, senão não ia ter comida, pois brasileira não se apresenta integrada, mas formada por um conjunto cada vez que levantava a tampa da panela, atrasava o cozimento. Ao de “cozinhas regionais” espalhadas pelas cinco regiões geográficas servirem a mesa, o Rei do Baião, em homenagem ao fazendeiro fez estabelecidas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e alguns acordes de “baião”, uma dança típica nordestina derivada de Estatística). Essa afirmação bem que poderia ser utilizada para uma forma de lundu chamada “baiano” e que se tornou o ritmo declarar a não existência da cozinha brasileira. Entretanto, há uma musical mais difundido por Luiz Gonzaga a partir da década de pressão muito forte, principalmente nos grandes centros urbanos para 1950, o qual compôs em parceria com o cearense Humberto Teixeira o enaltecimento da culinária brasileira, e levando-se em consideração a música que leva o nome desse prato nordestino. a opinião pública e também dos formadores de opinião é que vários A escritora cearense Rachel de Queiroz (15) afirmava que apesar da gastrônomos estão se propondo a criar estilos para apresentar ao simplicidade em se misturar feijão cozido ao arroz cozido, a público consumidor pratos tradicionais da culinária brasileira. preparação requereria um procedimento bem específico, pois o feijão Devido as comidas regionais do Brasil terem sido influenciadas por deveria ser cozido sem tempero e somente num momento certo do fatores ambientais (solo, clima, disposição geográfica, fauna) e pelo cozimento é que o arroz seria misturado e cozinhado naquele caldo tipo de colonização ocorrida em cada região, estabeleceu-se uma de feijão enriquecido de seus nutrientes naturais (16). Prato das certa confusão na denominação original e no modo tradicional de camadas populares, o baião de dois é apreciado em todas as regiões preparação dos pratos de cada culinária regional. do país. A tal ponto que fica a impressão de que a culinária e não a Para evitar confusões e/ou equívocos como o exemplificado na língua, como se diz normalmente, ter sido o grande fator de última citação, cada estado e/ou região deve realizar uma ampla unificação cultural de um Brasil de dimensões continentais. pesquisa de cunho histórico-social a fim de reconhecer Até pouco tempo, o nordestino; reconhecido por Euclides da Cunha simbolicamente suas cozinhas regionais como patrimônio imaterial. como um homem forte; era considerado um símbolo de pobreza no Hernandez (3) entende o termo patrimônio, entre outras Brasil, entretanto hoje em dia considera-se simbolicamente que a possibilidades, como algo que foi herdado do passado ou algo que se história desse homem, incluindo-se o cearense, é honrosa, pois é quer preservar. Então, entende-se processo de patrimonialização das reconhecido pela coragem e resistência geneticamente herdadas do 01

Gastronomia: da tradição a inovação sertanejo, seu ancestral direto. Baseado nestas premissas é que o Pode-se considerar que a gastronomia regional é um poderoso estado do Ceará, por meio de políticas públicas e de um forte aparato elemento de mediação do cotidiano de uma determinada cultura. É publicitário, está contribuindo para uma reinvenção da cultura responsável pela manutenção de vínculos duradouros com a cadeia cearense e, nesse processo, os pratos típicos da população local são social, e estes estão muito ligados aos pratos típicos regionais. Esse é apresentados e divulgados de forma a fortalecer a imagem turística o motivo da grande importância atribuída à transmissão e à do estado. manutenção da tradição no preparo e consumo do baião de dois. Além da propaganda publicitária, uma das estratégias de Quando alguém procura um restaurante especializado em comidas identificação cultural incluiu a apresentação do projeto Comida típicas de uma região, na maioria das vezes ele está interessado em Ceará, que consiste num trabalho continuado de pesquisa etnográfica encontrar um pouco de sua terra natal na terra onde agora está das práticas alimentares das diversas regiões do Ceará, realiza uma residindo. Tenta sentir-se familiarizado em um ambiente estranho. E leitura complexa e dinâmica dos sistemas alimentares cearenses, sua felizmente, a gastronomia tem esse poder de restaurar laços rompidos diversidade e tradição inventiva e objetiva estimular a interpretação pela distância ou pela separação irreversível causada pelo tempo. dos significados possíveis que a alimentação assume na vida local e Os perfis aqui tratados: históricos, culturais e nutricionais de um documentar acervos, valorizando e divulgando esse patrimônio, prato típico da gastronomia cearense: o baião de dois, servem para através de ações como exposições e publicações. Esse projeto subsidiar a valorização e legitimar as formas de utilização do contribuiu para a legitimação de certos alimentos como “patrimônio alimento como parte em interesses que considerem razões de ordem cultural” do estado (17). Pois se, até pouco tempo, o que configurava política, econômica, identitária, etc. ou não comida regional era definido por meio da utilização de De fato, a gastronomia regional urge de mais ações de pesquisa, recursos meramente simbólicos e informais (apelando-se à tradição), valorização e disseminação, a fim de preservá-la, não pensando hoje em dia, o que se verifica é a oficialização de tais concepções, exclusivamente em manter e desenvolver a identidade local, mas por meio da criação de leis patrimoniais e do estabelecimento das também com a intenção de contribuir para o desenvolvimento chamadas Denominações de Origem Controladas – espécie de selo regional. que garante a autenticidade dos intitulados produtos da terra. Para finalizar, é mister afirmar que a preservação do patrimônio O governo do estado Ceará, encarregou aos coordenadores do projeto gastronômico deve ser valorizada em virtude da necessidade de Comida Ceará uma pesquisa em toda a extensão territorial do estado, reafirmação das identidades coletivas em contraposição às tendências a fim de registrar os “hábitos alimentares cearenses”, para de homogeneização e ao processo de globalização, com o objetivo de possibilitar, com base no relatório final das atividades do projeto, a equilibrar as manifestações tradicionais e o progresso econômico e abertura de um processo de tombamento da receita de baião de dois social sustentável, gerado a partir do uso de matérias primas locais. como patrimônio cultural do estado, registrado em lei. REFERÊNCIAS O perfil nutricional do baião de dois 1. BRILLAT-SAVARIN, J. A. A Fisiologia do Gosto. São Paulo: Por conter diversas vitaminas e minerais e de prolongar a sensação Companhia das Letras, 1995, 352p. de saciedade, o feijão é considerado “forte”. Além de ser uma 2. BELUZZO, R. A valorização da cozinha regional. In: Wilma saborosa parceria, a união do arroz com o feijão faz deste prato uma Maria Coelho Araújo e Carla Marcia Rodrigues Tenser (Orgs.). importante fonte balanceada de nutrientes. O que falta no arroz o Gastronomia: cortes e recortes. v. 1, Brasília: Senac, 2006, 264p. feijão complementa. O arroz possui várias vitaminas do complexo B, 3. HERNANDEZ, J. C. Patrimônio e Globalização: o caso das carboidratos, cálcio, ácido fólico e ferro. O feijão é rico em proteína culturas alimentares. In: Ana Maria Canesqui e Rosa Wanda vegetal, uma boa fonte de ferro, de vitaminas do complexo B e de Diez Garcia (Orgs.). Antropologia e nutrição: um diálogo minerais fundamentais para o bom funcionamento do organismo. O possível. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005. 306p. arroz contém a metionina, o feijão, a lisina, dois aminoácidos que, 4. GARCIA, R. W. D. A Comida, a Dieta o Gosto. Mudanças na juntos, são muito eficientes na reparação dos tecidos do organismo. Cultura Alimentar Urbana. 1999. 305f. Tese (Doutorado em Se o arroz for consumido sozinho as taxas de açúcar e de insulina na Psicologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 1999. circulação sanguínea podem aumentar, entretanto, o feijão pode frear 5. FAGLIARI, G. S. Turismo e Alimentação: Análises esse efeito, estabilizando o teor de glicose. introdutórias. São Paulo: Roca, 2005. Por isto, o baião de dois é um prato completo, ou seja, não precisa de 6. POULAIN, J. P. Sociologia da Alimentação. Florianópolis: acompanhamento, mas pode ser servido com paçoca de carne seca ou EdUFSC, 2006. farofa de cuscuz. Para fazê-lo deve-se cozinhar o arroz no caldo do 7. MACIEL, M. E. Cultura e alimentação ou o que tem a ver os feijão já cozido e temperado, misturando o feijão cozido com o arroz macaquinhos de Koshima com Brillat-Savarin. Horiz. Antropol., na panela ainda no fogo, e depois de pronto adiciona-se queijo de v.7, n. 16, p. 1-10, 2001. coalho em cubos e também coentro e cebolinha (opcional). 8. PROENÇA, R. P. C. Alimentação e globalização: algumas Porém, a tradição cearense na preparação do baião pode estar sendo reflexões. Cienc. Cult., v. 62, n.4, 2010. desprezada, pois apesar do acréscimo de linguiça, torresmo ou bacon 9. CANESQUI, A. M. Comentários sobre os Estudos deixá-lo mais nutritivo, tornando-o uma comida mais “forte”, a Antropológicos da Alimentação. In: Ana Maria Canesqui e Rosa adição desses ingredientes aumenta os teores de gordura, em especial Wanda Diez Garcia (Orgs.). Antropologia e nutrição: um de gordura saturada, colesterol e sódio (Figura 1). diálogo possível. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005. 306p. 10. ARIÈS, P. La Fin des Mangeurs: les métamorphoses de la table Figura 1. Prato de baião de dois preparado com bacon, linguiça e à l’âge de la modernisation alimentaire. Paris: Desclée de queijo de coalho. Brouwer, 1997, 173p. 11. BARBOSA, L. Feijão com Arroz e Arroz com Feijão: o Brasil no Prato dos Brasileiros. Horiz. Antropol., v. 13, n. 28, p. 87- 116, 2007. 12. DÓRIA, C. A. A Formação da Culinária Brasileira. São Paulo: Publifolha, 2009, p. 8. 13. BARROSO, G. Liceu do Ceará: 2º Volume de Memórias. Rio de Janeiro: Getúlio Costa, 1940, p. 123. 14. COUTO FILHO, C. Tempero do Sol: culinária cearense. Fortaleza: Editora CCF, 2004. Portanto, essas adições à receita original descaracterizam o prato, levando-o à perda de sua identidade, pois a forma como os alimentos 15. QUEIROZ, R. O Não Me Deixes: suas Histórias e sua Cozinha. São Paulo: Editora ARX, 112 p. são preparados e servidos exprime identidades culturais e dá um caráter simbólico à comida. 16. BOTELHO, R. A. Culinária Regional: o Nordeste e a Alimentação Saudável. 2006. 192f. Tese (Doutorado em Ciências da Saúde) – Faculdade de Ciências da Saúde, CONCLUSÕES Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2006, p. 85. A partir deste ensaio é possível afirmar que dentre as áreas de estudo 17. LODY, R. Comer é pertencer. In: Wilma Maria Coelho Araújo e da gastronomia, a gastronomia regional possui um destaque especial, Carla Marcia Rodrigues Tenser (Orgs.). Gastronomia: cortes e para ser compreendida como um delineador étnico, resultante da recortes. v. 1, Brasília: Senac, 2006, 264p. aliança cultural de formação e colonização de um povo, não tendo a menor intenção de ser uma manifestação engessada e sim um movimento repleto de transformações. 01

Gastronomia: da tradição a inovação 06192 - A mudança dos hábitos alimentares infantis no Brasil na última década: uma revisão sistemática. 2 1 Ana Teodoroski , Emanoelle Marcos , Nicole Pelaez 3 1 Graduanda em Nutrição, Centro Universitário Estácio de Sá, Santa Catarina, Cursando Técnico em Gastronomia, Instituto Federal de Santa Catarina, Campus Florianópolis-Continente [email protected] 2 Nutricionista, Especialista em Saúde da Família e Mestre em Nutrição, Professora dos Cursos da área de Gastronomia e de Panificação e Confeitaria, Instituto Federal de Santa Catarina, Campus Florianópolis -Continente 3 Gastrônoma, Mestre em Turismo e Hotelaria, Professora do Curso da área de Gastronomia, Instituto Federal de Santa Catarina, Campus Florianópolis-Continente Palavras-chave: alimentação infantil, nutrição, gastronomia. INTRODUÇÃO RESULTADOS E DISCUSSÃO É indiscutível que para garantir o desenvolvimento do Após a aplicação dos filtros supracitados, foram encontrados organismo e manutenção da saúde, é fundamental um padrão 17 artigos em 11 periódicos, conforme pode ser visualizado na tabela alimentar balanceado, especialmente nos primeiros anos de vida. No 1. Vale destacar a relevância dos periódicos em que os artigos foram entanto, no atual cenário brasileiro, é comum constatar que as crianças publicados. têm consumido um maior número de alimentos industrializados ricos em calorias e aditivos e com baixa densidade nutricional, o que Tabela 1: Periódicos acarreta o surgimento de diversas doenças precoces na infância. Nesse Jornal de Pediatria 3 contexto, conforme destaca o Ministério da Saúde, “o Brasil vem Cadernos de Saúde Pública 2 enfrentando aumento expressivo do sobrepeso e da obesidade em todas as faixas etárias [...]” (1). Ciência & Saúde Coletiva 2 A mudança dos hábitos alimentares das crianças ocorre em Revista Brasileira de Enfermagem 2 função de diferentes fatores. Dentre eles, o que mais influencia Revista Paulista de Pediatria 2 diretamente é a mídia, com seus atrativos de cores e sabores. A oferta Ciência & Educação (Bauru) 1 casada de alimentos com brinquedos e embalagens próprias para o Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil 1 público infantil são as mais procuradas, resultando num consumo cotidiano de itens poucos saudáveis, reduzindo o interesse das Revista CEFAC 1 crianças por alimentos nutritivos. Um estudo sobre o comportamento Revista de Nutrição 1 alimentar de crianças da faixa etária entre 7 e 10 anos revela que elas Revista de Administração Contemporânea 1 “[...] cada vez mais apresentam recursos próprios para a aquisição de Revista Brasileira de Epidemiologia 1 serviços e produtos, principalmente do segmento de alimentos e Fonte: http://search.scielo.org/#sthash.H1ikx3XV.dpuf bebidas” (2). Tal situação é preocupante tendo em vista que, em função da pouca idade, ainda não apresentam maturidade e É possível verificar no gráfico 1, a seguir, os anos de conhecimento suficiente para responsabilizarem-se por suas escolhas publicação dos artigos encontrados. alimentares. Destacam-se, ainda, outros fatores que prejudicam a qualidade da alimentação, tais como, o alto custo dos alimentos saudáveis, o estilo de vida dos pais ou responsáveis, a praticidade dos 5 produtos industrializados prontos para o consumo, a influência da 4 4 alimentação de colegas na escola, enfermidades em geral, disfunções 3 na região orofaríngea, dentre outros. 3 Diante da situação exposta acima, o objetivo deste estudo é 2 2 2 ampliar o conhecimento sobre o processo de mudança gradativa da 2 1 1 1 1 alimentação infantil nos últimos dez anos no Brasil. 1 MATERIAL E MÉTODOS 0 Para a alcançar o objetivo deste estudo realizou-se uma revisão sistemática que “trata-se de um tipo de investigação focada em Ilustração 1: Ano de publicação questão bem definida, que visa identificar, selecionar, avaliar e Fonte: elaborado pelas autoras (2016) sintetizar as evidências relevantes disponíveis” (3). Como unitermo, foi definido “alimentação infantil” para a busca na base de dados Com a leitura dos artigos, fica clara a preocupação com a SciELO, considerando o fácil acesso aos periódicos científicos educação alimentar na infância, o que leva a uma reflexão sobre a brasileiros (4). necessidade de maior capacitação dos profissionais da área da saúde, Como critérios de inclusão, para fins da pesquisa, foi educadores, pais e responsáveis (5,6,7,8,9,10,11). Um dos estudos selecionada a coleção SciELO Brasil, entre os anos de 2006 a 2016, reforça esta afirmativa, considerando como obstáculo a “ falta de em todos os índices (ano, autor, financiador, periódico, resumo e capacitação dos cuidadores e profissionais quanto à alimentação título) e na língua portuguesa. complementar saudável […]” (5). Outra pesquisa conclui que, mesmo o planejamento dos cardápios de creches sendo de responsabilidade do nutricionista, muitas vezes ocorrem problemas, seja em função de 01

Gastronomia: da tradição a inovação falhas durante o porcionamento dos ingredientes, do preparo da [online]. 2014, vol.17, n.4, pp.873-886. ISSN 1980-5497. refeição em si ou mesmo, em decorrência de formas inadequadas de se 6. CAMPOS, A.A.O. et al. Aconselhamento nutricional de crianças oferecer o alimento às crianças (6). Foram ainda analisados três menores de dois anos de idade: potencialidades e obstáculos como estudos que tratam das práticas alimentares no primeiro ano de vida desafios estratégicos. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2014, vol.19, n.2, levando em conta a necessidade do conhecimento das mães no que pp.529-538. ISSN 1413-8123. concerne à oferta de alimentos nesta fase da infância (12,13,14). 7. LONGO-SILVA, G.; TADDEI, J.A.A.C.; KONSTANTYNER, Quanto ao aleitamento materno, em um dos trabalhos o objetivo foi Tulio; TOLONI, M.H.A. Percepções de educadores de creches acerca “resgatar a história da alimentação infantil, com o intuito de de práticas cotidianas na alimentação de lactentes: impacto de um compreender a prática da amamentação” (15) enquanto nos demais treinamento. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2013, vol.18, n.2, pp.545- foram abordados os aspectos referentes ao aleitamento materno 552. ISSN 1413-8123. exclusivo - AME (16,17). 8. LONGO-SILVA, G.; TOLONI, M.H.A.; GOULART, Apenas um artigo discute a “alta prevalência dos fatores de R.M.M.; TADDEI, J.A.A.C. Avaliação do consumo alimentar em risco para as doenças cardiovasculares desde a infância e a evidência creches públicas em São Paulo, Brasil. Rev. paul. pediatr. [online]. de alimentação infantil inadequada” (18). Do mesmo modo, somente 2012, vol.30, n.1, pp.35-41. ISSN 0103-0582. um estudo identifica “[…] uma estreita relação entre transtornos de 9. SILVA, A.C.A.; TELAROLLI JUNIOR, R.; MONTEIRO, M.I. alimentação e hábitos parafuncionais […]” (19), o que, segundo os Analisando conhecimentos e práticas de agentes educacionais e autores, “facilita a instalação de um distúrbio articulatório, professoras relacionados à alimentação infantil. Ciênc. educ. (Bauru) principalmente com alteração nos fonemas linguodentais e dento- [online]. 2010, vol.16, n.1, pp.199-214. ISSN 1516-7313. alveolares” (19). 10. SHIMABUKURO, E.E.; OLIVEIRA, M.N.; TADDEI, J.A.A.C. É importante destacar que apensas um trabalho evidencia Conhecimentos de educadores de creches sobre alimentação infantil. acerca dos alimentos industrializados, no qual os autores enfatizam Rev. paul. pediatr. [online]. 2008, vol.26, n.3, pp.231-237. ISSN que “a contribuição dos ultraprocessados é expressiva na alimentação 0103-0582. infantil e a idade da criança mostrou-se como fator associado mais 11. BASSICHETTO, K.C.; REA, M.F. Aconselhamento em importante para o consumo desses produtos” (20). Finalizando a alimentação infantil: um estudo de intervenção. J. Pediatr. (Rio J.) análise, ressalta-se um artigo em que os autores defendem a ideia [online]. 2008, vol.84, n.1, pp.75-82. ISSN 0021-7557. sobre a “influência que os formadores de opinião exercem no 12. LIMA, A.P. E. et al. Práticas alimentares no primeiro ano de vida: comportamento do consumidor”, onde a pesquisa “[…] vem representações sociais de mães adolescentes. Rev. bras. enferm. desenvolvendo sua comunicação integrada de marketing para a [online]. 2014, vol.67, n.6, pp.965-971. ISSN 0034-7167. 13. 7. LIMA, A.P.E.; JAVORSKI, M.; VASCONCELOS, M.G.L. alimentação infantil [...]” (21). Práticas alimentares no primeiro ano de vida. Rev. bras. enferm. CONCLUSÕES [online]. 2011, vol.64, n.5, pp.912-918. ISSN 0034-7167. 14. TAKUSHI, S.A.M.; TANAKA, A.C.A.; GALLO, P.R.; Considerando que a pesquisa foi realizada em apenas uma BRESOLIN, A.M.B. Perspectiva de alimentação infantil obtida com base de dados e com aplicação de filtros que limitam o processo de gestantes atendidas em centros de saúde na cidade de São Paulo. Rev. busca, conclui-se que o objetivo foi alcançado. Embora não tenha sido Bras. Saude Mater. Infant. [online]. 2006, vol.6, n.1, pp.115-125. obtido um número expressivo de obras, os achados revelam a ISSN 1519-3829. relevância da temática em foco. 15. CASTILHO, S.D.: BARROS FILHO, A.A. Alimentos utilizados Com base nos artigos encontrados, foi comprovada a ao longo da história para nutrir lactentes. J. Pediatr. (Rio J.) [online]. inquietação dos profissionais da área da saúde, especialmente os 2010, vol.86, n.3, pp.179-188. ISSN 0021-7557. nutricionistas, em discutir, o quadro da inadequação alimentar infantil, 16. BERNARDI, J.R.; GAMA, C.M.; VITOLO, M.R. Impacto de um objetivando contribuir para sua reversão. Fica evidente a necessidade programa de atualização em alimentação infantil em unidades de da aplicação de programas de treinamento e educação nutricional. saúde na prática do aleitamento materno e na ocorrência de Neste sentido, sugere-se para futuros trabalhos a criação de estratégias morbidade. Cad. Saúde Pública [online]. 2011, vol.27, n.6, pp.1213- a fim de viabilizar ações que possam minimizar e auxiliar no processo 1222. ISSN 0102-311X. de educação alimentar na infância. 17. FERREIRA, L.; PARADA, C.M.G.L.; CARVALHAES, M.A.B.L. Tendência do aleitamento materno em município da região REFERÊNCIAS centro-sul do estado de São Paulo: 1995-1999-2004. Rev. Nutr. [online]. 2007, vol.20, n.3, pp.265-273. ISSN 1415-5273. 1. BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. 18. GAMA, S.R.; CARVALHO, M.S.; CHAVES, C.R.M.M. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população Prevalência em crianças de fatores de risco para as doenças brasileira. 2 ed., Brasília: Ministério da Saúde, 2014. cardiovasculares. Cad. Saúde Pública [online]. 2007, vol.23, n.9, 2. RODRIGUES, V.M.; FIATES, G.M.R. Hábitos alimentares e pp.2239-2245. ISSN 0102-311X. comportamento de consumo infantil: influência da renda familiar e do 19. FERRIOLLI, B.H.V.M. Associação entre as alterações de hábito de assistir à televisão. Rev. Nutr. Campinas, v. 25, n. 3, p. 353- alimentação infantil e distúrbios de fala e linguagem. Rev. CEFAC [online]. 2010, vol.12, n.6, pp.990-997. Epub 07-Maio-2010. ISSN 362, June 2012. 1516-1846. 3. GALVÃO, T.F.; PEREIRA, M.G. Revisões sistemáticas da literatura: passos para sua elaboração. Epidemiol. Serv. Saúde, 20. SPARRENBERGER, K. et al. Consumo de alimentos Brasília, 23(1):183-184, jan-mar 2014. ultraprocessados entre crianças de uma Unidade Básica de Saúde. J. 4. SCIELO. Scientific Electronic Library Online. Disponível em: Pediatr. (Rio J.) [online]. 2015, vol.91, n.6, pp.535-542. ISSN 0021- <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_home&lng=pt&nrm=iso> 7557. . Acesso em: 24 maio 2016. 21. ALMEIDA, L.N.; RIBAS, J.R.; LEANDRO, A.S. Os formadores 5. VITOLO, M.R.; LOUZADA, M.L.C.; RAUBER, F. Atualização de opinião na alimentação infantil. Rev. adm. contemp. [online]. 2010, sobre alimentação da criança para profissionais de saúde: estudo de vol.14, n.4, pp.761-774. ISSN 1982-7849. campo randomizado por conglomerados. Rev. bras. epidemiol. 01

Gastronomia: da tradição a inovação 06193 - Exposição ‘Culinárias Diversas: um olhar antropológico’: relato de experiência. MOREIRA, Aline Maria Barros. MACEDO, Ruana de Oliveira. RODRIGUES, Diana Cris Macedo 2 1 3 1 Acadêmica do Curso de Nutrição do Instituto Superior de Teologia Aplicada – INTA. E-mail: [email protected] 2 Acadêmica do Curso de Nutrição do Instituto Superior de Teologia Aplicada – INTA. 3 Nutricionista. Mestre em Saúde Pública. Docente do Instituto Superior de Teologia Aplicada. Palavras-chave: Antropologia, Fenômeno Alimentar, Culinária. olhar antropológico’ durante a disciplina de Antropologia da Alimentação. INTRODUÇÃO A disciplina de Antropologia da Alimentação compõe a grade de disciplinas do primeiro semestre do Curso de A Antropologia da Alimentação reconhece no fenômeno Bacharelado em Nutrição do Instituto Superior de Teologia alimentar uma possibilidade de compreender os processos sociais Aplicada (Faculdades INTA). Seu objetivo é promover e culturais que se configuram nas populações. Trata-se de pensar habilidades e competências que possibilitem aos acadêmicos as práticas alimentares como meios de estudar as culturas de considerar e atuar nas diversas dimensões envolvidas no diferentes sociedades, já que a história dos povos e nações coloca fenômeno alimentar. Nessa perspectiva, um dos eixos da a alimentação como característica fundamental para a construção disciplina consiste em estudar e analisar as diversidades de de sociedades fundamentadas ou organizadas, exaltando o práticas alimentares por meio das diferentes culinárias, já que a individuo como parte integrante e fundamental para tal cozinha é fator primordial nas escolhas alimentares humanas. construção. Partindo dessa premissa, buscou-se por meio deste evento Assim, a alimentação é assumida como um fenômeno explorar as diversidades das práticas alimentares existentes no modelado pela cultura, permeado por simbolismos embutidos de Brasil e no mundo por meio da exposição das características códigos e signos sociais que se desenham nas relações culinárias e das culturas alimentares diversas, visando estabelecidas entre homem/natureza ao longo dos anos (1). desenvolver uma visão crítico-reflexiva e sensível dos No estudo e na compreensão dos fenômenos alimentares acadêmicos e comunidade sobre a relação entre as cozinhas e a humanos, a culinária apresenta-se como um lócus representativo construção das práticas alimentares humanas. de tais práticas, pois “as cozinhas implicam formas de perceber e A investigação acadêmica que culminou na Exposição foi expressar um determinado 'modo' ou 'estilo' de vida que se desenvolvida durante a disciplina e elaborada por dez equipes de quer particular a um determinado grupo” (1). Tais configurações discentes, as quais ficaram responsáveis por uma culinária culinárias derivam de uma multiplicidade de aspectos específica, orientados pela docente responsável. As equipes ambientais, sociais, culturais, econômicos, simbólicos, que, realizaram pesquisa bibliográfica de cada cultura alimentar, conjugados de maneira singular, comunicam uma cultura considerando os aspectos culinários como parte imbricada da alimentar peculiar que é ao mesmo tempo identitária e mutante. história sociocultural dos povos estudados, enfatizando A cozinha, portanto, possui papel fundamental na costumes, idiomas, manifestações artísticas, comidas, bebidas, transmissão cultural das sociedades por meio do modos de comer e outras características. desenvolvimento de saberes empíricos e habilidades práticas Após a sistematização das informações, as equipes culinárias, que vão sendo interiorizados e ressignificados no construíram artefatos, vestimentas, composição de mesa processo de socialização dos indivíduos (2). característica, banners e apresentação oral, os quais foram Portanto, a eleição de alimentos para o consumo alimentar expostos durante o evento com duração de quatro horas. Foi não se baseia apenas em necessidades e desejos individuais, mas criada uma logomarca para identificação do evento e feita uma deriva, em grande parte, do modo de organização das sociedades ampla divulgação entre a comunidade acadêmica e a população e suas modelagens histórico-sociais do fenômeno alimentar (2). do município. Atualmente, as tradições culinárias, parte do Patrimônio A Exposição ocorreu no estacionamento das Faculdades Histórico dos povos e comunidades, são ameaçadas pelas INTA, sob uma grande lona de circo, ao som de músicas que intensas transformações ocorridas no sistema alimentar remetiam às diferentes culinárias. A disposição dos stands contemporâneo que universaliza e impõe como norma de proporcionou ao observador que chegava ao centro daquele consumo os alimentos industrializados, colocando em segundo espaço, e que dava um simples giro no seu próprio eixo, uma plano a experiência culinária humana e sua relação com o experiência com a diversidade, com as diferenças que eram consumo alimentar. capazes de se distinguir apenas com um breve olhar. Nesse contexto, resgatar a pluralidade que emana da Desse modo, o relato de experiência sistematizado no experiência gastronômica e suas tradições alimentares, bem presente trabalho resulta da utilização da técnica de Observação como a importância dos elementos estrangeiros e internos na Participante mediada por anotações e escritos produzidos durante construção da cultura alimentar brasileira, faz-se imprescindível a disciplina. A Observação Participante (4) “consiste na para estimular escolhas alimentares mais reflexivas e críticas participação real do pesquisador na comunidade ou grupo” frente às problemáticas alimentares e nutricionais investigado. O pesquisador participa ativamente da experiência contemporâneas, importante problema de saúde pública. estudada e, ao mesmo tempo, busca compreender os Desse modo, o objetivo do presente trabalho é relatar a participantes e seus comportamentos, situações e experiência da construção coletiva de uma exposição abordando acontecimentos, interagindo com o meio e os investigados, de diferentes culturas alimentares em nível nacional e internacional forma que se confunda com eles. no bojo de uma disciplina do Curso de Nutrição. RESULTADOE E DISCUSSÕES MATERIAIS E MÉTODOS O evento possibilitou aos acadêmicos e visitantes uma Trata-se de uma investigação qualitativa, onde há uma incursão pela diversidade de práticas alimentares existentes no análise da realidade através de métodos e técnicas para mundo, evidenciando singularidades e padrões compartilhados compreensão detalhada do objeto de estudo em seu contexto das culinárias diversas. histórico (3), mediada por percepções e experiências de um Investigar as culturas alimentares provenientes de diferentes coletivo de discentes e docente derivadas da organização e sociedades humanas por meio da perspectiva antropológica realização de uma exposição intitulada ‘Culinárias Diversas: um ofereceu aos organizadores, assim como aos observadores, a 01

Gastronomia: da tradição a inovação possibilidade de compreender e sentir a complexidade do Dessa forma, buscou-se resgatar a pluralidade que emana da fenômeno alimentar a partir de seus condicionantes históricos e experiência gastronômica e suas tradições alimentares e a socioculturais. O diálogo entre os saberes acadêmicos e os importância dos elementos estrangeiros e internos na construção derivados da cultura, tradição e arte dos povos, possibilitou a da cultura alimentar brasileira. Acredita-se que tal exploração é construção de um olhar mais receptivo e respeitoso às imprescindível para estimular escolhas alimentares mais diversidades e identidades alimentares que constroem a história reflexivas e críticas frente às problemáticas alimentares e da humanidade. nutricionais contemporâneas, importante problema de saúde As linguagens utilizadas na Exposição permitiram explorar pública. aspectos históricos, artefatos, tecnologia, condimentos e mistura Nesse contexto, vale ressaltar a utilização de linguagens de sabores utilizados na cozinha dos diferentes povos. A artísticas no ambiente acadêmico por meio de vestimentas, degustação de um prato e bebida típica, após a contextualização artefatos, músicas, decoração, degustação e demais aspectos oral realizada em cada stand, possibilitou ao visitante culturais dos povos. Tal abordagem constitui-se um espaço de experiências gustativas que materializaram a perspectiva da abertura onde linguagens artísticas podem promover o construção social e cultural do gosto alimentar. aprendizado por meio de experiências que possibilitem o Sobre a constituição sociocultural do gosto alimentar, (5) alargamento da percepção de mundo do acadêmico. contribui afirmando que, além de sua relação com as necessidades biológicas, mecanismos fisiológicos e afetivos, o CONCLUSÕES gosto alimentar possui historicidade e está inscrito na dinâmica das relações sociais. Dessa forma, a preferência alimentar de Diante dos resultados expostos, vimos a importância cada povo, longe de ser uma escolha apenas individual e cientifica, social e cultural do presente trabalho, que busca racional, é, portanto, produto das interações entre as múltiplas ressaltar as diversas culturas e como esse fator é crucial para a dimensões componentes de uma sociedade, refletindo aspectos construção dos hábitos alimentares de um povo. ambientais, sócio-históricos, culturais, biológicos, dentre outros, Através dessa experiência, observamos que a culinária os quais se impregnam no corpo por meio da constituição do carrega uma multiplicidade de aspectos ambientais, sociais, paladar. culturais, econômicos e simbólicos, que caracteriza povos e Nesse sentido, a disciplina e a construção do evento ao longo culturas, e que atualmente está ameaçada pelas intensas do semestre buscaram problematizar tal perspectiva a fim de transformações ocorridas no sistema alimentar contemporâneo contribuir para a formação crítico-reflexiva do nutricionista e dos que visa universalizar os alimentos industrializados. expectadores do evento. Podemos observar então, a relevância da exposição No contexto da formação do nutricionista, a construção de “Culinárias Diversas: um olhar antropológico”, sendo de grande paisagens pedagógicas que estimulem essa reflexão é contribuição na formação crítico-reflexiva do acadêmico de extremamente relevante em face da mecanização do ato do nutrição e dos expectadores do evento, por trazer um olhar comer durante as abordagens presentes nas disciplinas técnicas. multidimensional do fenômeno alimentar. Abordagens estas que podem deslegitimar a construção A realização do evento, além de possibilitar ao aluno sociocultural do gosto, resultando em uma ideia de comida exercitar o aprendizado da disciplina Antropologia da desumanizada e que não comporta a dimensão do prazer de Alimentação, fez com que o conhecimento adquirido comer (6). ultrapassasse as barreiras da sala de aula, chegando aos Desta feita, o evento e a disciplina contribuíram para o expectadores através da arte, possibilitando aos acadêmicos e desenvolvimento de habilidades e competências no âmbito da visitantes uma incursão pela diversidade de práticas alimentares Antropologia da Alimentação pelos acadêmicos de nutrição, existentes no mundo, evidenciando singularidades e padrões suscitando a incorporação de um posicionamento crítico e da compartilhados das culinárias diversas. perspectiva da alteridade face às diversidades socioculturais embutidas no fenômeno da alimentação. A experiência trouxe a REFERENCIAS oportunidade de compreender e interpretar a complexidade do fenômeno alimentar, através da história, das crenças, da 1. MACIEL, Maria Eunice. Uma cozinha à brasileira. In: simbologia e do significado que carrega cada cozinha e suas Estudos Históricos: Alimentação n.º 33, Rio de Janeiro, comidas. Fundação Getúlio Vargas, 2004. Disponível em: Além disso, proporcionou a interação entre os discentes, bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/download/221 docente e a comunidade do entorno da Instituição de Ensino 7/1356. Acesso em: 25 de mai. de 2016. Superior, possibilitando a troca de informação e de diversos 2. CONTRERAS, Jesús; GRACIA, Mabel. Alimentação, saberes, contribuindo para a ampliação do repertório cultural da sociedade e cultura. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011. grande comunidade de aprendizagem acerca das ilimitadas 3. OLIVEIRA, Maria Marly. Como fazer projetos, relatórios, possibilidades do fenômeno do comer em sociedade. monografias, dissertações e teses. 5ed [rev.]. Rio de Janeiro: O repertório culinário explorado na Exposição abrangia tanto Elsevier, 2011. culinárias internacionais que influenciaram e influenciam a 4. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. formação das práticas alimentares brasileiras, quanto culinárias Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Atlas, 2010. tradicionais locais como a indígena e a cearense. Desse modo, 5. AMPARO- SANTOS, L. da S. O corpo, o comer e a comida: buscou-se explorar as tradições culinárias como parte do um estudo sobre práticas alimentares no mundo contemporâneo. Patrimônio Histórico dos povos e comunidades, as quais são Salvador: Editora UFBA, 2008. ameaçadas pelas intensas transformações ocorridas no sistema 6. RODRIGUES, D. C. M. O lugar do nutricionista nos Núcleos alimentar contemporâneo que universalizam e impõem como de Apoio à Saúde da Família: desenhos iniciais. 2012. 224 f. norma de consumo os alimentos industrializados, renegando a Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Programa de Pós- segundo plano, a experiência culinária humana e sua relação com Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Ceará, o consumo alimentar. Fortaleza, 2012. 01


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