A contemporaneidade na profanação do dispositivo: Netflix em Cannes e a parcela de cinema de cada um Humberto SchumacherHumberto Schumacher é formado em cinema e audiovisual pela Universidade Federal dePelotasIntrodução que acreditava que a Netflix iriaEntre os dias 17 e 28 de maio de providenciar algum tipo de lançamento2017 ocorreu na França a 70° edição para os dois filmes em salas de cinema,do Festival de Cannes, onde foram contudo, os filmes foram lançados noselecionados para a edição dois filmes festival e seguiram diretamente paraproduzidos pela Netflix, empresa a plataforma de streaming. O Festivalnorte-americana de streaming: “The declarou que deseja reiterar seu apoioMeyerowitz stories”, dirigido por Noah ao modelo tradicional de exibição nosBaumbach, e “Okja”, dirigido pelo cinemas na França e no mundo, e que acoreano Joon-ho Bong. Segundo o partir do ano que vem suas regras irãojornal Folha de São Paulo, o diretor afirmar explicitamente que qualquerdo festival Thierry Fremaux disse filme inscrito para competir terá que se
101comprometer a ser distribuído em morais e filantrópicas, emcinemas franceses (GENESTRETI, resumo: tanto o dito como o2017). não dito, eis os elementos do dispositivo (FOUCAULT, 1977Assim, frente à empresa apud AGAMBEN, 2009, p. 28).que produz conteúdo paracomputadores e celulares, Logo, o dispositivo é o queo Festival de Cinema mais emana dessa rede que interligaprestigiado do mundo altera suas os itens presentes no universoregras, obrigando a partir de sua social e possui um impactopróxima edição que os filmes muito claro: como Agambenselecionados sejam exibidos define, o dispositivo se trata dedentro da sala de cinema. qualquer coisa que possa de alguma forma capturar, orientar,Para a Netflix: O dispositivo determinar, modelar, controlarcinematográfico os gestos, as condutas, opiniões,O conceito de dispositivo surge e os discursos. Não se tratacom Michael Foucault em meados somente de escolas, prisões,de 1970. Embora ele nunca fábricas, medidas jurídicas etenha elaborado uma definição organizações que possuem deespecífica, a ideia de dispositivo alguma forma conexão com osempre esteve nas margens poder, mas também se trata dade sua obra, em entrevistas ou linguagem, da agricultura, dopalestras. O tema foi desenvolvido cigarro, dos telefones celulares,e abordado em muitos aspectos da caneta (AGAMBEN, 2009,por outros filósofos e teóricos de p. 40). Incluindo o Cinema.diversas áreas - Deleuze, Agamben, Para Aumont, este dispositivoAumont - visto que Foucault estaria “baseado nas imagensaproximou-se da definição em uma projetadas de tamanho variável,entrevista de 1977: mas frequentemente muito grande, vistas ao mesmo tempoum conjunto absolutamente por determinado número deheterogêneo que implica espectadores, em um lugardiscursos, instituições, estruturas especialmente destinado a essaarquitetônicas, decisões apresentação” (AUMONT, 2007,regulamentares, leis, medidas p.17). As pessoas se portam deadministrativas, enunciados uma mesma maneira, dentro decientíficos, proposições filosóficas,
um local escuro, onde os aparatos a forma narrativa (estética outécnicos de imagem e som são discurso da transparência) queamplamente mais poderosos que os filmes do início do século XXos espectadores que adentram adotaram, em particular o cinemanuma sala de cinema. Isso vem de Hollywood, influenciadosao encontro do que Agamben pela vontade de viajar sem seestabelece como característica do deslocar, desejo que emergedispositivo, já que “os dispositivos com força ao longo do século XIXvisam, através de uma série nos dispositivos de projeção dede práticas e de discursos, de fantasmagorias, nos dispositivossaberes e de exercícios, à criação imersivos, em particular osde corpos dóceis” (AGAMBEN, panoramas e a fotografia2009, p. 46), e “os dispositivos estereoscópica (PARENTE, 2007,devem sempre implicar um p.4).processo de subjetivação, istoé, devem produzir um sujeito” Com os três alicerces - captação/(ibid. p. 38). Então, o dispositivo projeção, forma narrativa do filmeencontra-se como uma estratégia, e sala de cinema -, o dispositivouma tática, uma resposta a trabalha usando cada um delesuma urgência de algum tempo para a criação de um corpo dócil,histórico, que pretende dominar lançando subjetivações e criandoe produzir um sujeito por meio outros sujeitos.de subjetivações. André Parente,no livro Estéticas do digital - Para Cannes: ACinema e Tecnologia planifica o contemporaneidadedispositivo cinematográfico em 3 O contemporâneo é a críticaaspectos: do moderno. Para Agamben, as primeiras discussões acercaO cinema faz convergir três do conceito já definem suasdimensões diferentes em seu características: “as quais querdispositivo: a arquitetura da acertar as contas com o seu tempo,sala, herdada do teatro italiano tomar posição em relação ao(os anglo-saxões até hoje usam presente” (AGAMBEM, 2009, p.58).o termo “movietheatre” para O autor desenvolve aspectos dodesignar esta sala), a tecnologia tema citando de poetas italianosde captação/projeção, cujo a Nietzsche, ilustrando pontos doformato padrão foi inventado no contemporâneo: o anacronismo efinal do século XIX, e, finalmente, o inatual. “A contemporaneidade,
103portanto, é uma singular relação termo ‘fetiche’: proveniente docom o próprio tempo, que adere a latim facticius (artificial, fictício),este, ao mesmo tempo, dele toma significa algo a que se conferedistâncias” (ibid., p. 59). Sendo poderes sobrenaturais e seo contemporâneo um estado de presta culto. Uma vez que osconsciência do tempo,uma visão - às vezes Sendo o contemporâneo umnão muito clara -, uma estado de consciência do tempo,afirmação da existência uma visão - às vezes não muitodo passado, presente efuturo, é excepcionalmente clara -, uma afirmação danecessário que se existência do passado, presentediscuta, e se entenda, e futuro, é excepcionalmentea existência dacontemporaneidade para necessário que se discuta, eentender os problemas se entenda, a existência dade dispositivos, já que contemporaneidade“todos os tempos são, paraquem deles experimentacontemporaneidade,obscuros” (ibid., p.62). dispositivos são manifestaçõesOs dispositivos possuem outro autênticas de desejos humanosaspecto que a contemporaneidade - como a felicidade e apode denotar: os dispositivos manutenção do status quo denão foram criados por acaso, homo sapiens - é extremamentemas caíram no processo de fácil que os mesmos sejam“hominização”; são eles que nos fetichizados, se faltar ao sujeitotornam “humanos” e conferem uma visão contemporâneaautenticidade a essa visão; além sobre o dispositivo. O sujeito,disso, a raiz de todo dispositivo ao estar ligado somente aodeve conter, de certo modo, um tempo presente, se conecta aodesejo demasiadamente humano dispositivo mais pela sua formade felicidade (ibid., p.44). Se a do que pelo conteúdo.contemporaneidade não é estar Cannes vs Netflix ou Netflix vsplenamente presente no tempo Cannes?atual, vale aqui a inserção do Se o Festival de Cannes aceitar
somente filmes exibidos em salas ramo, ou exercendo as funçõesde cinema, seria a postura do que possuem na indústria. As duasfestival não-contemporânea? Ora, instituições não teriam importânciaCannes sabe a ameaça que as alguma, pois foi somente complataformas de video-on-demand a formação de sujeitos causada(VOD, vídeo sob demanda) pelo dispositivo que o cinemarepresentam para o dispositivo: encontrou seu lugar em meiouma vez que empresas como às artes. A consolidação daa Netflix produzem filmes e manifestação artística do cinemadecidem por não exibi-los em está intimamente relacionada aossalas de cinema. Cannes premia processos de subjetivação quecinematografias do mundo são exercidas pelo dispositivo, ouinteiro há décadas, conhece o seja, processos que resultam nadispositivo, contribui e impacta criação de mais filmes, de maisna evolução do Cinema, mas festivais e de mais plataformasao forçar que filmes sejam de streaming. Quando a indústriaexibidos em sala de cinema (nesse caso, principalmente,para que estejam qualificados exibidores franceses) reclamapara o festival seria essa postura para si a necessidade de terum fetiche? É a sala de cinema os filmes na sala de cinema,que confere a autenticidade de há inicialmente um motivoum filme, e difere-o de outras estritamente mercadológico: visammanifestações audiovisuais? lucro. Mas e quando um festival de cinema septuagenário o faz?A Netflix parece não se importar Ele deseja proteger o dispositivo,com isso. E aqui reside outro tão caro a arte cinematográfica, ouaspecto do problema: o Cinema simplesmente o fetichiza?se estabeleceu como arte, porcausa deste dispositivo. O que A profanaçãoCannes ou a Netflix representam De acordo com o direito romano,é puramente proveniente da sagradas ou religiosas eram assubjetividade causada pelo coisas que pertenciam de algumdispositivo cinematográfico ao modo aos deuses. Como tais,longo dos anos. Se a sala de eram subtraídas ao livre uso e aocinema não existisse, o sujeito comércio dos homens, não podiamdiretor do festival, e o sujeito ser vendidas, nem penhoradas,CEO da Netflix não estariam no cedidas ao uso fruto ou gravadas em servidão. Sacrílego era todo
105ato que violasse ou transgredisse comum ao problema. A questãoesta especial indisponibilidade torna-se mais complexa quandoque as reservava exclusivamente analisamos o aspecto da salaaos deuses celestes (e então de cinema: é impensáveleram chamadas propriamente de para a Netflix, e agora Cannes“sagradas”) ou inferiores (nesta compele seus filmes até ela.caso, chamavam-se simplesmente Mais problemático ainda é o“religiosas”). E se consagrar retorno à gênese do dispositivo: a(sacrare) era o termo que tecnologia de captação/projeção,designava a saída das coisas da que aqui evolui para a questãoesfera do direito humano, profanar da projeção. Desde muito cedo osignificava, ao contrário, restituir ao aparato que capta as imagens nãolivre uso dos homens (AGAMBEN, é o mesmo que as projeta, uma2009, p. 44). vez que os setores de distribuição dos estúdios iniciaram a fazerAssim como o dispositivo, a cópias das películas para exibi-lasexistência milenar da profanação; (leia projetá-las) em mais e maispara Agamben, trata-se daquilo salas de cinemas. Mesmo com oque subtrai coisas, e as transfere advento das tecnologias digitais,para uma esfera separada. Pois o ato de projetar imagens seguiubem, voltemos à planificação sólido dentro do dispositivo, certoproposta por Parente do que o ato da projeção contribuidispositivo cinematográfico: aos aspectos fenomenológicosCaptação/projeção, sala de cinema e de subjetivação. Cannes nãoe forma narrativa (PARENTE, op. produz filmes, mas constituicit.). elementos do dispositivo - captação/projeção, sala deA intersecção cinema - e celebra outros - formaEssencialmente a complexidade narrativa - . Já a Netflix situa-da questão Cannes-Netflix se se de forma problemática nabaseia nesses três aspectos, questão, uma vez que produz auma vez que os três compõem forma narrativa (e essa foi agorao dispositivo cinematográfico. A celebrada por Cannes), masforma narrativa - o discurso da não permeia os outros aspectostransparência - está presente nos presentes no dispositivo, comofilmes escolhidos por Cannes, a projeção e a sala de cinema.e no que a Netflix produz, se Essa intersecção entre as duasapresenta como um denominador
instituições geram um polígono Aqueles que coincidem muitocomplexo: elas se repelem em plenamente com a época, quealgumas arestas, e se cruzam em todos os aspectos a estaem outras, formando uma aderem perfeitamente, nãonova linha excepcionalmente são contemporâneos porquê,tênue, já que a obra fílmica exatamente por isso, nãoexiste de alguma forma nas conseguem vê-la, não podemduas organizações. O conteúdo manter fixo o olhar sobre ela.fílmico existe, e existirá, mas e a (AGAMBEN, 2009, p.59).forma? A contemporaneidade é necessáriaDesde muito cedo o aparato para a construção deque capta as imagens não é omesmo que as projeta, uma vez um panorama claro, para que se análise com facilidade os aspectos e problemasque os setores de distribuição dos de dispositivos.estúdios iniciaram a fazer cópias Com ela se possui a consciência dadas películas para exibi-las (leia obscuridade dosprojetá-las) em mais e mais salas de problemas decinemas nosso tempo, pois “contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seuConsiderações finais tempo, para neleSendo a obra fílmica o ponto perceber não as luzes, mas o escuro.” (AGAMBEN, 2009, p. 62)de intersecção do 70° Festivalde Cinema de Cannes e Este trabalho não busca respostasda gigante do streaming para os problemas aqui expostos,Netflix, é necessária uma mas sim uma clareza na disposiçãovisão contemporânea sobre a destes.questão, visto que se estivermos Ao passo que a Netflix profanamuito presos ao nosso próprio o dispositivo cinematográfico,tempo histórico, e ligados retirando o filme de dentroestritamente aos dispositivos, da sala de cinema, ela aindaa fetichização se tornará assim possui uma relação deinevitável. intersecção com o Festival
107de Cannes, e qualquer outra Referências Bibliográficasinstituição ao redor do cinema,pela excelência da obra fílmica AGAMBEN, Giorgio. O que é o(forma narrativa) reconhecida contemporâneo?e outros ensaios. Trad.pelo próprio festival. Ela trata da Vinícius NicastroHonesko. Chapecó:manutenção da linguagem, do Argos, 2009conteúdo. Renega aspectos dodispositivo e eleva outros. Ora, AUMONT, Jacques. A imagem.o dispositivo cinematográfico é, Campinas: Papirus, 2007.numa visão prática, a somatóriada forma (captação/projeção, GENESTRETI, Guilherme. FOLHAsala de cinema) e do conteúdo DE S. PAULO. Cannes diz que Netflix(obras fílmicas que causam não voltará a festival sem filmessubjetivação e formam sujeito), lançados no cinema. Disponível em:quando essa discussão se resume <http://www1.folha.uol.com.br/à forma - a sala de cinema - corre- ilustrada/2017/05/1882795-cannes-se, arriscadamente, o perigo do diz-que-netflix-nao-voltara-a-festival-fetiche. Pois a forma e o conteúdo sem-filmes-lancados-no-cinema.shtml>são indissociáveis, uma vez que Último acesso em: 20 jun. 2017.se o dispositivo cinematográficofosse disposto de outra maneira, PARENTE, André. Cinema em trânsito:o cinema não teria a aparência do dispositivo do cinema ao cinemaque possui, ou a experiência que do dispositivo. In. PENAFRIA, Manuela.o é. Portanto, trata-se de uma (org). Estéticas do Digital - cinema ediscussão sobre o futuro do cinema tecnologia. Covilhã: Labcom, 2007.como arte, e o que aconteceinternamente, é uma batalha pela Filmografiaalma do dispositivo. OKJA. Joon-hoboog. Coréia do Sul, 2017, digital. THE MEYEROWITZ STORIES. NoahBaumbach. Estados Unidos, 2017, digital.
Do gênero àespiritualidade do tempo:notas sobre A ghost story Maurício VassaliMaurício Vassali é graduando em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal de PelotasDesde um primeiro contato permeia o audiovisual e tem sobre ele com qualquer tipo de estudo inquestionável poder. Difícil, assim, que se debruce sobre a que reflexões teóricas sobre o cinema, linguagem cinematográfica, ainda que sem relação direta ao tempo, a análise do tempo e seu cruzamento não acabem esbarrando em algum com a arte do cinema é uma questão pensamento que a ele faça alusão. imediatamente suscitada. Seja a partir Optar por estudar uma obra fílmica da montagem e sua facilidade em a partir deste critério, portanto, pode fazer estender ou comprimir o tempo carregar certo teor de obviedade e, narrativo, seja numa percepção mais aqui, se assume tal risco. subjetiva do segundo que carrega os vinte e quatro quadros, o tempo Não que A ghost story (David Lowery, 2017) se construa apenas nesta
109perspectiva, há outras camadas Rose (2017), no qual ele catalogaexploradas pela narrativa e, certo movimento recente doprovavelmente, o olhar sobre cinema como “pós-terror”. Sãoo tempo não é sua intenção categorizados desta forma peloprimeira. O existencialismo, o jornalista aqueles trabalhos deespiritismo e suas variáveis são menor orçamento que, ao visitarforças que movem o filme do o gênero, revisam certas regras.americano David Lowery. Nele, Atmosfera, linguagem e, muitasC (Casey Affleck) e sua noiva vezes, uma dose considerável deR (Rooney Mara) vivem uma existencialismo são antepostosrelação de afetos e vazios no em detrimento de uma narrativainterior estadunidense. Após um mais esmiuçada e recursos comoacidente de carro, o fantasma jumpscares.de C permanece na casa ondevivia a observar sua viúva. Mesmo O artigo, claro, foi problematizadocom a eventual partida desta por diversos críticos, cinéfilos eúltima e a destruição da própria realizadores. Não é novidade quecasa, o protagonista persiste o cinema de horror possibiliteno local enquanto o longa cria movimentos mais intimistas,loopings temporais que levam estudos psicológicos e/ou que seC e o público a uma jornada de paute mais na sugestão do que naindagações silenciosas. exposição. Basta resgatar nomes como Polanski, Lynch, Zulawski ePós-terror? tantos outros para perceber quePartindo de uma citação de A bruxa (Robert Eggers, 2015)Virginia Woolf – precisamente a ou Ao cair da noite (Trey Edwardprimeira sentença de Uma casa Shults, 2017) não inauguramassombrada – o filme de fato uma categoria, mas sim surgemencontra certo amparo no conto da flexibilidade permitida peloda autora inglesa. Em ambos, a próprio gênero ao qual fazempresença de fantasmas na casa menção. Contudo, é naturalnão se apresenta de maneira que, ao observar a recorrêncianecessariamente assustadora de produções com predileçõese sim como uma condição do estilísticas semelhantes, se tenteser. Não à toa, A ghost story agrupá-las na tentativa de melhoré um dos títulos base para o compreender tal fenômeno.controverso artigo de Steve
O fato é que, como no conto de GasparzinhoVirginia Woolf, Lowery faz uso Logo quando o espírito de C deixada iconografia do gênero sem, o necrotério coberto pelo extensono entanto, realizar um filme de pano branco, tal visual causahorror propriamente. A sugestão estranhamento no espectador;no título não é enganosa: estão aos poucos, contudo, tal escolhapresentes na narrativa os estalos começa a fazer sentido dentro deestranhos na casa, barulhos um referencial cinematográfico.assustadores que cortam o Como outras apostas estéticassilêncio da noite e objetos que feitas por Lowery, a presença destase movem aparentemente sob figura faz conexão com trabalhosforça sobrenatural. É um caso do cinema contemporâneo. A ideiainegável de poltergeist. Não de um elemento estranho combastasse, ainda há a presença design que em princípio evocade um fantasma invisível aos o ridículo já foi e continua sendodemais personagens. Ele não aplicada a narrativas queComo no conto de Virginia Woolf, intentam abordar certaLowery faz uso da iconografia do espiritualidade. Se Luz depois das trevas (Carlosgênero sem, no entanto, realizar Reygadas, 2012) apresentaum filme de horror propriamente o demônio em um cartoon chapado e vermelho neon, a figura de um pacíficosó é motor dos fenômenos gorila de olhos vermelhosantes descritos como também indica um ponto de conexão como protagonista da obra. Este outro plano em Tio Boonme, queespectro, porém, se aproxima a pode recordar suas vidas passadasprincípio muito mais do risível do (Apichatpong Weerasethakul,que do intimidante. Não se trata 2010), influência assumida dede uma figura pálida ou coberta David Lowery, em entrevista aode sangue e sim de um corpo jornalista Clayton Dillard paracuja natureza é completamente a revista Slant Magazine. Claroescondida por um lençol branco que há uma diferença entre oscom dois furos na região dos dois trabalhos citados e o objetoolhos, retomando a mais básica aqui analisado. Em ambos ose infantil representação da forma filmes, as entidades tem apariçõesdo fantasma. esporádicas e em A ghost story
111trata-se do personagem principal. certas filosofias. Ao assistirPara permanecer conectado à a um personagem que sónarrativa, o espectador precisa de assiste, o espectador percebealguma forma aceitá-lo. essa natureza também em si. Primeiro como receptorMas não somente de referências condicionado pelo própriose justificam as vestimentas do dispositivo cinematográfico,fantasma de C. Além de oferecer depois expandindo para suacerto padrão – há outros fantasmas existência enquanto ser social.que ele encontra em sua jornada A observação é, no final dasvestidos da mesma forma –, o contas, “o elemento básico dolongo lençol que o cobre parece cinema” (TARKOVSKI, 2010,evidenciar a sua condição limitada. p. 75). No longa de Lowery,Não há uma evocação de mistério, o protagonista, enquantoo espectador já foi apresentado ao fantasma, revive momentospersonagem que agora vagueia onde se observa em vida,em outro plano. Há, no entanto, dividindo seu cotidiano com auma demonstração palpável esposa. Depois, vê a si mesmoda sua passividade. À parte os como fantasma assistindo amomentos precisos em que acaba estes mesmos momentos, comoprovocando fenômenos ao seu se vivesse aquilo pela terceiraredor, ao protagonista cabe apenas vez. Nessa lógica nietzschianaassistir às mudanças no espaço do eterno retorno, a ideiaconforme a atuação do tempo. de um universo cíclico ondeAs duas aberturas na região dos tudo se repete ad infinitumolhos, assim, tornam claro seu acompanha o protagonista naestado de plateia da própria vida percepção do seu microcosmo.sem ele, o que vem após e oque veio antes. Sua existência se E se um dia ou uma noite umencerra na observação. demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão eTempo, memória, espírito te dissesse: “Esta vida, assimO ato de observar suscita como tu vives agora e como areflexões, e ainda que o longa viveste, terás de vivê-la aindainvista em alguns momentos de uma vez e ainda inúmerascerta verborragia expositiva, é vezes: e não haverá nela nadana contemplação que ele atinge de novo, cada dor e cada prazer
e cada pensamento e suspiro e O seu presente, assim, está sempretudo o que há de indivisivelmente longe do ideal contido na memóriapequeno e de grande em tua do personagem. Em seu célebrevida há de te retornar, e tudo na livro Esculpir o tempo, Andreimesma ordem e seqüência – e do Tarkovski (2010, p. 65-66) atentamesmo modo esta aranha e este para uma lógica onde o passado éluar entre as árvores, e do mesmo sempre mais real e estático do quemodo este instante e eu próprio. o presente. O fantasma de C viveA eterna ampulheta da existência um presente que rapidamente seserá sempre virada outra vez – e esvai, sua existência só encontratu com ela, poeirinha da poeira!” sustentação em suas recordações.(NIETZSCHE, 2006, p. 201-202) Assim sendo, por mais que viaje continuamente no tempo, oEsse comportamento cíclico da protagonista permanece inclinadorealidade leva, de certa forma, ao passado, ao seu passado, agoraa uma suspensão do tempo. inacessível pela circunstância daOu, pelo menos, a uma quebra morte.na ordem cronológica dosacontecimentos. Se em princípio Em sua velhice, assim tambémC permanece às voltas da viúva é o Borg de Morangos Silvestrese da realidade que agora não (Ingmar Bergman, 1957), ensaiomais consegue acessar, logo ele sobre o tempo e a autorreflexãoprecisa testemunhar, impotente, que acompanha as lembrançasa destruição da própria casa para de um médico ao longo de umaa construção de um arranha- viagem de carro. Uma sequenciacéu, que imediatamente é surreal logo no início da obraenquadrado em uma metrópole brinca com o conceito de tempode ares futuristas. Afogado em e, ao longo da narrativa, Borgmelancolia, o fantasma tenta dar se vê refém da própria solidãocabo da própria existência pela como consequência provável deilógica do suicídio. É lançado para sua distância e frieza. No filme deum passado remoto, tão distante Lowery, o protagonista em vida sede sua antiga realidade quanto mostra um sujeito também frio emo futuro que acabara de abdicar, sua relação com a esposa. A caixaem uma extensa área coberta pesada carregada com dificuldadepor vegetação, onde uma família por ela logo em seus momentostenta seu lugar no mundo. iniciais funciona como metáfora
113que desmonta o relacionamento É por demais obvio que, sem operfeito sugerido pelo prefácio. tempo, a memoria também nãoApós a morte e preso em solidão, pode existir. A memoria, porém, éC também parece refletir sobre algo tão complexo que nenhumasuas faltas, mas já não pode corrigi- relação de todos os seus atributoslas. seria capaz de definir a totalidade das impressões através das quaisAo meditar sobre o tempo, ela nos afeta. A memoria é umTarkovski o percebe como uma conceito espiritual! (TARKOVSKI,“existência do eu” (TARKOVSKI, 2010, p.64)p.64). Esse mesmo tempo sedesfaz na medida em que se Assim também é o Borgdestroem também os “elos entre de Morangos Silvestres,a personalidade individual” ensaio sobre o tempo(TARKOVSKI, 2010, p. 64). Se em e a autorreflexão queseu raciocínio os sentimentos de acompanha as lembrançasquem permanece vivo não mais de um médico ao longo depodem se comunicar com a vida uma viagem de carrodaquele que partiu; em A ghoststory essa lógica se expande para E mesmo que assuma seuo “lado de lá”: ainda que o deseje, ceticismo em relação ao pós-os afetos de C não tocam mais a morte (entrevista dada a Dominickvida de R. É necessário, contudo, Suzanne-Mayer para o siteque se tome distância do conceito Consquence of sound), Loweryde destruição do tempo pela parece respeitar na narrativa ummorte sugerido por Tarkovski ao fundamento espiritista. Preso àsse debruçar sobre o longa de suas recordações, o apego de CDavid Lowery. Aqui, é a lógica a sua vida, agora inacessível, otemporal em vida que se desfaz e impossibilita de seguir adiante.não o tempo em si. A memória está A maior parte do filme se passacontida nele e vice-versa, e essa neste limbo (ou purgatório?)força una é o vetor que fomenta o do qual é refém o protagonista.espírito do protagonista. Somente ao tocar um segredoO tempo e a memória incorporam-se numa só entidade; são comoos dois lados de uma medalha.
de sua ex-esposa – toda a sua de aspecto em 1:33 com estiloobsessão pela vida pode ter polaroide que firma, ao mesmorepresentação no pequeno tempo, clausura e nostalgia, e umabilhete deixado por R –, é que trilha sonora em tons cósmicos,o personagem pode se libertar A ghost story disserta sobre ode sua condição. Se este espírito tempo e envolve o público em seuevolui, se desfaz, reencarna, não universo usando artifícios dentroé questão de interesse. Mas é deste mesmo viés.pela jornada do espírito que ocineasta alcança ponderações Em um momento marcante, asobre posse, legado e apego. recém-viúva, ao chegar do velórioEste último, aliás, é o que do marido, lava a louça acumuladaparece mover (ou prender) os e se depara com uma torta, umpersonagens de David Lowery. desejo de condolências de umaA dada altura, um fantasma que “amiga”. Durante toda a sequência,habita a casa vizinha confessa a C algo em torno de oito minutos,que está na espera por alguém. o fantasma a observa, distante.Não sabe, contudo, quem. A certa altura ela senta no chãoSomente ao aceitar que este da cozinha e começa a devoraralguém não virá é que o fantasma o doce. Ao fazê-lo de maneirada casa ao lado se liberta. Não compulsiva é incapaz também deé sobre o objeto, mas sim sobre controlar suas lágrimas enlutadas.o apego em si. A ghost story é, O plano estático do registro giratambém, um filme sobre abrir em torno dos quatro minutos, amão. sensação, entretanto, pode ser de muito mais. A natureza ordináriaOutros tempos: buscando estilo da ação tem um quê de JeanneNa busca pela roupagem, pelo Dielman (Chantal Akerman, 1975)tom preciso a ser firmado em uma e, assim, não apenas seu lutonarrativa tão específica, Lowery tem peso na cena, mas tambémrecorre a recursos estilísticos e a forma como ele é mostrado aotécnicos que remontam a outros espectador.cineastas, mas que combinadosasseguram um formato bastante Uma vez que a sensaçãoautoral. Entre movimentos de de expansão do tempo écâmera malickianos que reforçam provocada em cenas como acerta introspecção, uma razão
115descrita anteriormente, também outros personagens.a compressão temporal é E nesse jogo de truques queobtida a partir de recursos não configuram decisões criativasnecessariamente originais, mas da produção em lidar com suafuncionais em seus propósitos. temática e dinâmica, o filmeA recorrência de fade outs, por se volta às ideias básicas deexemplo, é certeira na maior parte temporalidade manifestadasdas transições. Há passagens em pelo cineasta e teórico polonêsque dias são representados em Jean Epstein. Para ele, atravéssegundos, como aquela em que, de artifícios específicos doestático, o fantasma observa R cinema, é possível repensardeixando a casa pela porta de a lógica pré-estabelecida dofrente por várias vezes, sempre em tempo. Este último depende,vestes distintas. contudo, da assimilação doTambém alterando a taxa de espectador para ser realmentequadros por segundoem suas filmagens, Uma vez que a sensaçãoo filme brinca com de expansão do tempo é provocada em cenas como ao tempo através da descrita anteriormente, tambémvelocidade. Ainda que a compressão temporal éa maior parte da obra obtida a partir de recursos nãoseja registada nos necessariamente originais, mastradicionais 24 quadros funcionais em seus propósitospor segundo, em váriasocasiões o fantasma éregistrado numa taxa de33 quadros. A sacadagarante certa lentidãono movimento sema sensação de slowmotion. Se esteticamente dá um ar modificado. A ghost story seetéreo àquela figura, tal suavidade encaixa como objeto ilustrativoainda dá respaldo às intenções do que teoriza Epstein. Atravésconceituais do longa. Afinal, a de seus procedimentos,lógica temporal do universo do tanto o público quanto seusfantasma não é a mesma dos personagens se suspendem:
os ponteiros do relógio já não remonta fundamentos básicos daservem mais como referencial temporalidade do cinema, queinquestionável. aqui se apresentam de maneira flagrantemente verdadeira.O cinema permite dizer averdade sobre o tempo, pois Ao mesclar sua temática a certastrata juntas as quatro dimensões. convenções de gênero, se nãoAssim, o cinema não apenas inova, o longa pelo menos brincaproduz o tempo (ele tem com certas inversões. É raro que seseus próprios procedimentos trate com seriedade de questõestemporais: desaceleração e existencialistas pelo viés dosaceleração, inversão), mas fenômenos sobrenaturais e do pós-também ele repensa o tempo: morte. Por outro lado, ainda quefazendo dele a primeira das não se autodeclare um filme dequatro dimensões do universo horror, a narrativa fantasmagóricafísico, rebatendo-o no para-mim do longa utiliza de recursos(não há em-si no tempo), “por narrativos que remetem a íconesconseguinte”, colocando que, do gênero, caso de Poltergeist: Ose minha percepção muda, o fenômeno (Tobe Hooper, 1982),tempo (e portanto o espaço) vai porém sempre desvia dos sustosrealmente mudar. (AUMONT & e do tom assustador através deMARIE, 2012, p.101) um timing contemplativo. Lowery equilibra suas escolhas, porSe já havia mostrado uma veia vezes aparentemente destoantes,mais autoral em seus anteriores a fim de lapidar sua pequenaSt. Nick (2009) e Amor fora da obra. Longos planos e silêncioslei (2013), em A ghost story tipicamente atribuídos ao cinemaDavid Lowery parece consolidar de autor dividem espaço com umaum estilo próprio. Ele aborda necessidade evidente do cineastatemas de teor metafísico em costurar e digerir certos pontosdentro de um formato de da narrativa. A ghost story causaprodução independente, quase temor no espectador não peloavesso ao seu filme anterior, receio do desconhecido, mas peloo blockbuster da Disney Meu fantasma do filosófico. Para fazê-lo,amigo, o dragão (2016). Este o cineasta recorre aos mais básicospequeno tratado sobre o tempo, fundamentos de tempo no cinema.o apego e seus desdobramentos
117Referências bibliográficas ROBINSON, Tasha. A ghost story, diretor David Lowery on how technology fixedAUMONT, J.; MARIE, M. Dicionário his lonely ghost. The verge, 14 jul. 2017.teórico e crítico de cinema. Campinas, Disponível em <goo.gl/ebZUCL>.SP: Papirus, 2012. Acesso em 13 fev. 2018.DILLARD, Clayton. Interview: David SUZANNE-MAYER, Dominick. A ghostLowery on A Ghost Story´s style and story´s David Lowery on finding peace ininfluences. Slant Magazine, 3 jul. 2017. purgatory. Consequence of sound, 14 jul.Disponível em <goo.gl/7bckoD>. 2017. Disponível em <goo.gl/7PNVer>.Acesso em 13 fev. 2018. Acesso em 15 fev. 2018.NIETSCHZE, F. A gaia ciência. São Paulo, TARKOVSKI, A. Esculpir o tempo. SãoSP: Escala, 2006. Paulo, SP: Martins Martins Fontes, 2010.ROSE, Steve. How post-horror moviesare taking over cinema. The guardian,6 jul. 2017. Disponível em <goo.gl/sNG9zi>. Acesso em 15 fev 2018.
resenha
119 Filmes de Glauber no exterior exigem reavaliação Humberto Pereira da SilvaHumberto Pereira da Silva é professor de filosofia, ética e história do cinema na FAAP e críticode cinema, autor de Ir ao cinema: um olhar sobre filmes (Musa Editora, 2006) e GlauberRocha – cinema, estética e revolução (Paco Editorial, 2016).Cinema Novo tem quase que cena cultural e política. A fama e por sinônimo Glauber Rocha. o prestígio de Glauber em âmbito O que quer que se fale ou mundial se devem em grande medida se escreva sobre o mais a associação entre ele e a revolução do importante movimento de cinema Cinema Novo. no Brasil e nome do cineasta baiano desponta. Daí, claro, seus filmes e Mas Glauber viveu um período pensamento sobre cinema – inseridos extremamente conturbado na história na estética cinemanovista – terem tido política do Brasil. Na verdade, sua tanto imensa fortuna crítica quanto atuação dentro do Cinema Novo não terem gerado debates e polêmicas chega há dez anos. Em conflito com as quase que sem paralelo em nossa autoridades militares que instalara a
ditadura militar em 1964, Glauber o aparecimento do livro O cinemaviveu muito tempo fora do tricontinental de Glauber Rocha:Brasil. A década de 1970, com o política, estética e revoluçãorecrudescimento da ditadura, ele (1969-1975) (LiberArs, 2017, 260passou praticamente no exílio. págs.), de Maurício Cardoso, que cobre justamente a produção e oE no exílio, ou mais pensamento glauberino quandoapropriadamente fora do Brasil, suas intervenções se deram foraele realizou O Leão de Sete do Brasil.Cabeças (1970), no Congo-Brazzaville, Cabeças Cortadas Glauber jamais entendeu o(1970), na Espanha, História cinema como prática isolada,do Brasil (1974), filme cubano de realização pessoal, e simterminado na Itália, e Claro como expressão da cultura e dos(1975), na Itália. Esses quatro embates políticos que opunhamfilmes não foram bem recebidos, forças de dominação em ambientepor isso foram alvo de críticas de tensão social e política. É comnegativas que colocavam em isso em mente que ele e o grupodúvida sua genialidade criativa. cinemanovista propõem umaMal recebidos, e realizados em forma de fazer e pensar o cinemacondições difíceis, com Glauber no Brasil, um país dominadodistante do ambiente que lhe modelo de cinema das forças depermitia filmar no Brasil, os dominação. Entendendo que ochamados “filmes do exílio” foram Brasil não está isolado no mundo,vistos por poucos: circularam ele amplia o projeto de cinematimidamente em festivais revolucionário para os países dointernacionais e até hoje não são terceiro mundo que, assim comovistos com atenção que, entendo, o Brasil, viviam sob dominaçãomerecem. cultural.Algo como o lado escuro da lua Daí, então, ele elabora a ideia dena obra glauberiana, seus filmes um cinema tricontinental, querealizados no exterior, assim como englobaria as cinematografiaso pensamento que desenvolveu da América latina, África e Ásia,fora do Brasil, não tiveram subdesenvolvidas, para fazeremrealce da parte da crítica e de frente às cinematografias doestudiosos. Daí então a se louvar mundo desenvolvido. É com
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o propósito de um cinema pesquisa minucioso, refinadotricontinental que Glauber, então, e rigoroso, nesse capítulorealiza seus filmes fora do Brasil inicial do livro Maurícioentre 1969 e 1975. O livro de Cardoso exibe ao leitor tantoMaurício Cardoso, com isso, os princípios norteadores domostra como Glauber pensava ideário tricontinental, quantoa realizava simultaneamente a suas dificuldades de realização.cinematografia necessária aos Com quase todos os cineastaspovos do terceiro mundo. A dessas cinematografias imersosprimeira parte do livro consiste em em ambientes de ditadura, ouexplicar como Glauber formulou a no caso de Glauber, fora de seuideia de cinema tricontinental. país, não havia clima propício para debate, não havia, dePara tanto, Maurício Cardoso fato, comunicação que levasserecorre os diversos manifestos adiante o projeto de unidadee as entrevistas para revistas das cinematografias no terceirointernacionais, nas quais Glauber mundo.aponta para a especificidade doterceiro mundo, em como essa Isso não impediu que Glauberespecificidade exige do artista filmasse. E assim, com o cinemae do intelectual uma posição tricontinental na cabeça, elecontrastante com a daqueles do realizou seus filmes no exterior.primeiro mundo. Trabalho de Maurício Cardoso, então,
123examina detalhadamente cada um permite entender os propósitosdesses filmes. Em O Leão aborda mais ambiciosos de Glauber,a moldura mítica da política, as assim como os impasses quevárias faces do imperialismo, as encontrou no caminho. Comlutas de independência do terceiro o livro, igualmente, o estimulomundo e o dilema da revolução para que filmes como O Leão etricontinental. Com respeito a Cabeças Cortadas sejam vistos eCabeças Cortadas, ele se volta para devidamente discutidos conformeas regras de composição do filme, as intenções de seu criador.a crítica à civilização europeia, asrelações entre história e política Esse ponto é importante sere as relações entre o poder do levantado porque, provavelmentepovo e o movimento da história. o que mais frustrou Glauber foiEm História do Brasil, por sua vez, notar que as críticas feitas a O LeãoMaurício Cardoso trata de forma e a Cabeças Cortadas deviam-sefílmica e representação histórica, não propriamente a fragilidadeso nacional, o nacionalismo e nesses filmes, mas a um equívoco:o programa revolucionário, os julgavam esses filmes tendo emintelectuais e o papel das ideias e mãos uma cartilha prévia dasa encenação da violência. Por fim, cinematografias do primeiroem Claro, destaque para a crise mundo, e Glauber insistentementeda civilização burguesa, o ponto repetia que a cartilha era outra,de vista do observador interno, pois seu cinema explicitamentesua recepção, o ocaso do cinema rompia os cânones.tricontinental e fecha com asrelações entre política, cinema e O que hoje me parece salutar,utopia redentora. não por consideração de gosto conforme a estética burguesa, ouEm linhas gerais, essa a estrutura que seja imperialista, é estar atentodo livro e os temas desenvolvidos e forte para o sentido do risco napor Maurício Cardoso. Por meio criação artística. Em vida, os riscosde sua exposição, podem-se que correu cobraram muito denotar as ambições de Glauber Glauber, que podia se sentar nae sua decepção com a falta de fama e prestígio conquistados comcompreensão desses filmes. Com o Cinema Novo, mas como artistao livro, o leitor hoje distante tem genial e indômito, ele se expôs aoem mãos um trabalho que lhe extremo limite. Essa questão dos
limites a que um artista se expõe, O cinema tricontinental de Glauberfaz do livro de Maurício Cardoso Rocha: política, estética e revoluçãouma obra necessária para fugirmos (1969-1975)de lugares comuns sobre o que Maurício Cardosotorna uma obra bem sucedida. LiberArs, 2017O cinema, como Glauber pensava,e entendo em sentido amplo,é uma forma de expressãodo pensamento por meio deimagens. Gostar sem compreenderé uma idiossincrasia que, nolimite, para usarmos termo dofilósofo frankfurtiano TheodorAdorno, fetichiza. Compreenderas intenções de Glauber emfilmes como O Leão e CabeçasCortadas, é um caminho quereputo necessário para quemtem o cinema como expressãode ideias num contexto político esocial adverso. E quem pondereque os filmes de Glauber forado Brasil exibem sinais de suadecadência criativa, tem comCinema tricontinental um livro que,desde que esteja imbuído de boavontade, o faça pensar.A permanência dos filmes deGlauber feitos no exterior no limbocultural, isso sim, é o que tomo porsinal de decadência. Nesses filmes,conforme as lições de estética deHegel, a verdade sobre o “espíritode uma época”, o movimento dahistória com suas contradições.
125Submissão de artigos para a edição DOIS A Mnemocine é uma revista audiovisual de periodicidade semestral que aceita submissões de artigos conforme as normas que seguem abaixo. As submissões deverão ser enviadas até 30/06 para o e-mail [email protected] NORMAS GERAIS 1. Todos os textos submetidos à revista devem ser inéditos, tanto em publicações impressas quanto eletrônicas. Os textos devem ser enviados com indicação da seção em que seria publicado. A revista Mnemocine aceita textos doutores, doutorandos, mestres,mestrandos, graduados e graduandos. Os textos podem ser escritos individualmente ou em co-autoria. 2. Os textos devem ser editados em programa e formato compatível com o Libre Office (.doc, .docx, .odt), em fonte Times New Roman, tamanho 12, espaço entre linhas de 1,5, alinhamento justificado, parágrafo assinalado pelo recuo da primeira linha (Tab), sem numeração de páginas. 3. Imagens – gráficos, tabelas, fotografias, ilustrações e etc. – podem ser acrescentados e não serão computados na extensão máxima do texto. A obtenção dos direitos de imagem e de reprodução está a cargo do autor de cada texto. As imagens devem ser enviadas emseus respectivos lugares, inseridas no texto, e em arquivos separados, em formato JPG ou equivalente, nomeadas conforme aparecem referenciadas no texto: “Figura1.jpg”, por exemplo. Imagens com problemas de resolução não serão publicadas. 4. São aceitos textos escritos em português.
5. A revisão ortográfica e mecanográfica dos textos é de responsabilidade dos/as autores/as, embora os/as revisores/as possam apontar ajustes neste sentido com o parecer enviado. 6. Abaixo do título os textos devem indicar autoria e uma sucinta referência que informe como o autor gostaria de ser creditado. 7. Todos os textos devem conter abstract/resumo e palavras-chave. Para parâmetros gerais de formatação, acesse o nosso site. TAMANHO Cinema e indústria: até 10.000 caracteres com espaços Ensaio – cinema e tecnologia: até 40.000 caracteres com espaços Cinema e... (História, Filosofia, Psicologia, Sociologia, Literatura, Música): até 40.000 caracteres com espaçosColuna José Inácio de Melo Souza: até 10.000 caracteres com espaços Preservação: até 20.000 caracteres com espaços Cineclube: até 20.000 caracteres com espaços Análise fílmica: até 30.000 caracteres com espaços Novos Olhares: até 10.000 caracteres com espaçosEsses parâmetros incluem notas de rodapé e referências bibliográficas.
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