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Revista Mnemocine

Published by David Alves, 2018-06-06 08:57:49

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O ator no Cinema: As ideias de Kuleshov, Eisenstein e Pudovkin Sabrina Tozatti GreveSabrina Tozatti Greve  é graduada em Cinema pela FAAP, mestre pela ECA/USP, com adissertação “O ator do teatro ao cinema: um estudo sobre apropriações”, e atriz, tendoatuado em mais de quinze filmes.Em O que é o cinema? Bazin defende declamatório dos atores tornou-se umque “a tela modificou, com efeito, problema. Eisenstein resumiu bem anosso senso de verossimilhança na questão levantada na época, citando asinterpretação” (BAZIN, 2014, p. 196), palavras do ator inglês George Arliss:exigindo do ator uma interpretação “Sempre acreditei que, no cinema, ano limite da realidade. Se ainda nos interpretação devia ser exagerada,primórdios do cinema o estilo de mas vi imediatamente que a discriçãointerpretação do ator já apontava certo era a coisa principal a ser aprendida,exagero na tela, fruto da herança da por um ator, para transferir sua arte dointerpretação teatral; com o advento palco para a tela” (EISENSTEIN, 1990,do cinema falado a questão do p.23). Pudovkin, por sua vez, chegou aexagero de expressão aliada ao tom cunhar o termo “cinematografização”

51(em oposição a “teatralização”) Lev Kuleshov, Sergei Eisenstein ena tentativa de diferenciar e Vsevolod Pudovkin, juntamentedescobrir um novo paradigma com suas pesquisas em relaçãode interpretação para os atores à montagem e ao cinema falado,no cinema. Sua teoria era que, se iniciaram também suas primeirasno teatro o ator deveria aprender reflexões específicas a respeitotécnicas específicas de expressão da interpretação cinematográfica.para o palco, no cinema o ator Destaco aqui algumas teoriasdeveria aprender as técnicas desses cineastas russos, pioneirosespecíficas relativas ao fazer na tentativa de sistematizar ocinematográfico. trabalho do ator no cinema.Mesmo com ressalvas em Lev Kuleshov (1899 – 1970)relação aos métodos teatrais de Kuleshov defendia que todosinterpretação, as pesquisas em os elementos para a construçãorelação ao trabalho do ator no de um filme deveriam estarteatro serviram de referência para o interligados de maneira lógicadesenvolvimento da interpretação e ininterrupta, e o resultado decinematográfica. Juntamente com um bom roteiro só atingiria suaa evolução do cinema, a questão excepcionalidade por meio dedo estilo de interpretação do ator uma interpretação coerente dostambém passou por reviravoltas atores. O famoso experimento deno âmbito teatral: o diretor e Kuleshov, mais tarde conhecidoator K. Stanislavski rompeu com como “efeito Kuleshov” – queos parâmetros de interpretação resultou na “construção de umconhecidos até então, investindo espaço-tempo narrativo marcadona criação de um Sistema para o pela procura da impressão deator em busca de maior verdade. realidade e da identificação”Em contrapartida, seu ex-discípulo (XAVIER, 2005, p. 47) –, surgeVsévolod Meyerhold, criou uma durante o workshop films-without-proposta de pesquisa divergente film1, em meio às reflexõesdo seu mestre, estabelecendo sobre o cinema griffithiano eassim dois caminhos distintos no os filmes de Chaplin. Como seaprimoramento da arte do ator. sabe, o experimento causou uma forte repercussão na Rússia,Concomitantemente às pesquisasde Stanislavski e seus discípulos,

confirmando a primazia da de realismo burguês (portantomontagem no resultado final da decadente naquele contexto),interpretação dos atores. Kuleshov ambicionava criar uma montagem cinematográfica “queImpulsionado por essa nova visão poderia transformar e libertarem relação ao trabalho do ator o cinema da condição de serno cinema, Kuleshov desenvolveu uma mera cópia da realidade,diversos exercícios para “des- determinada pelas tradiçõesteatralizar” a performance dos naturalistas e realistas do teatroatores em seus filmes. Ronald burguês” (KULESHOV, 1974,Levaco, organizador e tradutor p. 27). Através da repetição,para o inglês dos escritos de da consciência corporal e daKuleshov, em nota introdutória sensibilidade em relação ao ritmoao livro, afirma que Kuleshov musical, Kuleshov criou umase interessou pelo conceito de série de exercícios para que oBiomecânica desenvolvido no ator alcançasse verossimilhança/teatro por Meyerhold e, assimcomo seu discípulo Eisenstein, Figura 1. Exemplo do Sistema Delsarte para os olhos.viu possibilidades de aplicação Delsarte System of Expression, 1887, p. 221.do conceito no trabalho do atorpara o cinema, juntamentecom alguns princípios demontagem. Se porventura, naspalavras de Levaco, o resultadodessa relação criou “um estilode interpretação ascético”,por outro lado, as teorias deKuleshov eram uma “tentativapioneira em estabelecer umcódigo de atuação ou métodode expressão para a tela”(KULESHOV, 1974, p. 11).Assim como Meyerholdrompeu com o teatro deStanislavski, que passou a serconsiderado como um teatro

53Figura 2. By The Law, de Kuleshov, 1926. discípulo de Meyerhold,Fonte: Frame original do filme. também se apropriou do conceito da biomecânica naverdade em sua gestualidade para busca de uma sistematizaçãoo cinema. Assim como Meyerhold para o trabalho do atordefendia o domínio do gesto e a no cinema. Mas, ao contrárioideia de que, se o ator assumisse de Kuleshov, Eisenstein nãouma postura física de tristeza, descartou totalmente algunsele naturalmente ficaria triste, princípios conquistados porKuleshov também acreditava Stanislavski.que o sentimento só brotariano ator através dos exercícios Sergei Eisenstein (1898 – 1948)físicos. Esse treinamento físico do Como sempre, a mais rica fonte decorpo se estendia também para o experiência é o próprio Homem3.trabalho de expressão facial. Nesseponto, Kuleshov afirmava que “o Como sabemos, antes mesmosistema de Delsarte2 pode ser de se tornar cineasta, Sergeimuito útil, mas apenas como um Eisenstein teve um percursoinventário das possíveis alterações considerável no teatro: iniciouno mecanismo humano e não sua carreira como cenógrafo ecomo um método de atuação” figurinista (criou desenhos para(KULESHOV, 1974, p. 107). 75 peças aproximadamente, nem todas apresentadas), e dirigiuSe os resultados práticos dos seus alguns espetáculos teatrais comexercícios nem sempre pareciam relativo sucesso, entre eles: Oconvincentes na tela, não podemos processo, de Gógol (1920), Escuta,negar a importância do seu Moscou? (1923) e Máscaras depioneirismo na apropriação de gás (1924), esses dois últimos comtécnicas teatrais a serem adaptadas dramaturgia própria. Inclusive, seupara o cinema. Sergei Eisenstein, primeiro trabalho cinematográficoparticipante do workshop films- foi exibido no teatro: o curta-without-film e posteriormente, metragem O Diário de Glumov era parte integrante do seu espetáculo O Sábio, baseado em Ostróvski (1923). Como discípulo e aluno de V. Meyerhold (ator, diretor e

movimentos mais expressivos” (OLIVEIRA, 2008, p. 8). Superando seu mestre, Eisenstein criticava o Figura 3. Exemplos de exercícios de biomecânica, por Meyerhold trabalho deFonte: Jörg Böchow, Das Theater Meyerholds und die Biomechanik. Meyerhold, afirmandoex-discípulo de Stanislavski), que suasEisenstein se aprofundou performances não eram suaves,no conceito de Biomecânica seus movimentos eram muitoe produziu seus primeiros marcados, tinham a precisão demanifestos que constituíram uma máquina; e ele procurava umaa base de toda sua teoria precisão mais fluida e orgânicadesenvolvida tanto no teatro no trabalho do ator. E, mesmocomo no cinema posteriormente: reforçando que o objetivo do atorO movimento expressivo e A em cena não seria “a ‘sinceridade’montagem de atrações (1923). do movimento do ator, mas suaO primeiro manifesto é pouco imitação, sua mímica contagiante”citado na análise da teoria e obra (OLIVEIRA, 2008, P. 105), premissaeisensteiniana por justamente ser esta que também estava presenteescrito concomitantemente com nas ideias de Meyerhold,Tretiakóv e não ter sido publicado Eisenstein questionava o efeitonos livros de Eisenstein. Nesse estético que a pura reproduçãotexto estariam as bases de uma perfeita da gestualidade poderiabiomecânica eisensteiniana, onde causar:ele desenvolve seu próprio sistema O movimento pelo movimentode treinamento para o ator, ou não evoca uma reação demelhor, “o seu entendimento de emoção direta – a gesticulaçãocomo se dá o processo de criação no ballet pode até criar um efeitoe de atuação do ator, sempre estético, baseado na admiraçãotendo em vista a realização dos dos movimentos, ou um efeito

55erótico, mas não evoca uma obter a síntese necessária a partiremoção dramática condicionada de ambos. E esta síntese poderiapela luta dos motivos e baseada ser guiada através do “domíniono movimento expressivo de todas as sutilezas da criação(ESEINSTEIN and TRETYAKOV, da montagem em todas as suas1979, tradução nossa). aplicações” (EISENSTEIN, 1990, p. 44).Ou seja, Eisenstein não concordavaque a simples reprodução As reflexões sobre as influências demecânica de um gesto suscitaria Eisenstein em relação ao trabalhoa emoção necessária na ação do ator, para além do conceito dadramática. No caso, o trabalho Biomecânica, focam, sobretudo,físico, sobreposto a qualquer no trabalho da commediatrabalho de reflexão interior, dell’Arte (premissa importantenão seria absolutamente eficaz para o conceito de tipagem, porno resultado final. E embora exemplo), do teatro Kabuki, doEisenstein criticasse muito o teatro de Grand-Guignol, da suamétodo “monolítico” desenvolvido experiência com a FEKS (Fábricapelo Teatro de Arte de Moscou de do Ator Excêntrico), do circo, doStanislavski, ele considerava que music-hall e do teatro simbolista,havia espaço para reinterpretar referências estas também dealguns aspectos positivos desse Meyerhold. Porém, em O Sentidométodo, uma vez que “qualquer do Filme, seu primeiro livroator ou diretor é, na realidade, publicado, Eisenstein aponta umcapaz de deduzir estes aspectos a aspecto pouco analisado e que separtir de sua experiência ‘interior’, mostra também muito produtivose ele consegue deter o processo no trabalho de criação do ator:para examiná-lo” (EISENSTEIN, a questão da imaginação (ou o1990, p. 29). Ele acreditava mágico “se”4 de Stanislavski).que seria possível resolver “as Como elemento catalizador nacontradições colocadas tanto construção da personagem e dapelo teatro naturalista quanto mise-en-scène, Eisenstein relacionapelo teatro convencional, o exercício do mágico “se” com osrepresentados, respectivamente, princípios da montagem através dapelas figuras de Stanislavski e “técnica interior do ator”, por eleMeyerhold” (OLIVEIRA, 2008, p. denominada. É curioso observar137). Para tal, o cinema poderia o destaque que Eisenstein dá

ao trabalho da imaginação, Quando a nossa atuação foruma vez que é um processo criadora, essa fita desenrolar-se-áinterno, totalmente antagônico e projetar-se-á na tela da nossaao trabalho da Biomecânica (e visão interior, tornando vívidas asconsequentemente do movimento circunstâncias por entre as quaisexpressivo), e é uma das matrizes nos movemos. Além disso, essasda teoria de Stanislavski. imagens interiores criam um estado de espírito correspondenteAntes de pormenorizar em que a elas e despertam emoções [...]consiste a técnica interior do (STANISLAVSKI, 1991, p. 90).ator, vale uma digressão sobre opapel da imaginação no trabalho Pois bem, a questão da utilizaçãodo ator. Em A Preparação do da imaginação é um princípioAtor, Stanislavski diz que “cada que Eisenstein vai se apropriarmovimento feito em cena, cada para desenvolver suas reflexõespalavra dita é o resultado da vida a respeito dos métodos dacerta das imaginações criadas montagem e como esta podepelo ator” (STANISLAVSKI, 1991, servir de base no processo dep. 96). A metodologia para ativar a criação do ator e do diretor. Paraimaginação pode ser feita através ele, o princípio da técnica interiordo raciocínio lógico, e “muitas do ator está relacionado com avezes o trabalho da imaginação montagem. Em sua análise, existeé preparado e dirigido dessa uma diferença intrínseca entreforma consciente, intelectual.” representação e montagem, sendoCom o domínio das circunstâncias que a representação seria apenasexternas, ou seja, o entendimento uma exposição-testemunho delógico da cena em si (quando, uma imagem criada pelo autor,onde, por que, como), o ator uma espécie de informaçãoestaria apto a criar uma existência documental desprovida dede ‘faz-de-conta’ (o mágico qualquer efeito emocional,“se”) e sua imaginação o levaria efeito este só possível através daà respostas físicas concretas, montagem que “ultrapassa emem ações físicas propriamente muito os limites da colagem deditas. Isso resultaria em uma fragmentos de filme”. Ele aindasérie ininterrupta de imagens no destaca:imaginário do ator, parecida com“um filme cinematográfico”:

57[...] os métodos de montagem O exemplo concreto criadocomparados, de criação pelo por Eisenstein, que estabeleceespectador e criação pelo ator, uma metodologia de como opodem levar a conclusões sentimento interior do ator deveráfascinantes. Nesta comparação, trabalhar para a realização deocorre um encontro entre o uma cena, parte de uma situaçãométodo de montagem e a esfera hipotética sobre uma personagemtécnica interior do ator; isto é, a que vai cometer suicídio. Primeiro,forma do processo interno através antes de se preocupar emdo qual o ator cria um sentimento sentir, o ator deveria imaginarpalpitante, exibido em seguida meticulosamente as situações quena autenticidade de sua atuação levariam a personagem a essano palco ou na tela (EISENSTEIN, situação limite, como, por exemplo,1990, p. 23). um julgamento público em um tribunal. A partir da imaginação,Esse sentimento genuíno não Eisenstein se atém aos detalhesseria alcançado pelo método de quadros que poderiam suscitardo “esforço e suor” (através dos algum sentimento no ator e,exercícios da biomecânica, por consequentemente, fizesse comexemplo), mas sim através do que ele se apoderasse da emoçãoprocesso da imaginação, único necessária para a realização darecurso capaz de descrever cena. O cineasta observa queas várias situações e quadros o modo como esse processoconcretos apropriados ao tema opera difere de ator para ator, eda cena. Embora Eisenstein em descreve como seria seu processonenhum momento cite as reflexões imaginário de criação:de Stanislavski é possível fazeresse paralelo a partir do registro O tribunal. Meu caso está sendoda importância da imaginação julgado. Estou no banco dos réus.no trabalho do ator em seus A sala está repleta de pessoaslivros, conforme descrito acima. que me conhecem – algumasTanto para Eisenstein, como casualmente, outras muito bem.para Stanislavski, o princípio Capto o olhar de meu vizinhobásico da técnica interior do fixado em mim. Somos vizinhosator é a imaginação e depois há 30 anos. Ele percebe que oa justaposição das imagens vi olhando para mim. Seus olhosimaginadas que possuam resvalam sobre mim com afetadacorrelatos emocionais para o ator,o diretor e o espectador.

abstração. Ele olha fixamente processo de montagem, uma vezpara a janela, fingindo fastio... que o diretor também teria queOutro espectador na sala do imaginar juntamente com o ator,tribunal – a mulher que vive no todas essas etapas de criação naapartamento acima do meu. atmosfera da cena. O processoEncontrando meu olhar, ela baixa de criação da montagem e doos olhos aterrorizada, enquanto sentimento do ator é o mesmo, aolha para mim pelo rabo de diferença estaria apenas no campoolho... Com um movimento claro, da aplicação do resultado final. Asmeus companheiros de bilhar, e “visões” criadas pelo “olho interior”sua mulher – encarando-me com do ator “são completamenteinsolência... Tento me encolher homogêneos com as característicasolhando para os pés. Não vejo típicas do plano cinematográfico”nada, mas à minha volta ouço e colabora nas escolhas desussurros de censura e o murmúrio decupagem feitas pelo diretor.de vozes. Como um golpe atrás do Segundo Eisenstein, a imaginaçãooutro, caem as palavras da súmula não evoca quadros completos,do promotor... (EISENSTEIN, 1990, apenas fragmentos e detalhes,p. 31). e estas “visões tem uma ordem positivamente cinematográfica,A narrativa acima é uma das com ângulos de câmera, tomadassituações imaginadas na tentativa de várias distâncias e rico materialde se apossar emocionalmente de montagem” (EISENSTEIN, 1990,da situação proposta, produzindo p. 31-33).um matiz de sensação. A partirdas imagens criadas pela A técnica interior do ator aindaimaginação, através da técnica propõe uma construção quedo “mágico se”, o sentimento vai além da representaçãodo ator viria à tona sem esforço da cópia dos resultados dee genuinamente através de um sentimentos, sendo capaz deprocesso interno. O sentimento fazer os sentimentos surgirem,vivo “seria suscitado pelos próprios nascerem e se desenvolveremquadros, por sua agregação diante do espectador com certoe justaposição.” (EISENSTEIN, frescor. A busca de Eisenstein1990, p. 31) Em consequência, era produzir, em suas palavras,a execução da cena por parte “uma impressão verdadeiramentedo ator ocorreria em paralelo ao viva da personagem”, tanto no

59texto quanto na interpretação pesquisadores sobre a arte dodo mesmo. A tarefa do ator seria ator, essa relação do processoexpressar aspectos do caráter criativo do ator através doou conduta da personagem conceito da montagem éatravés da justaposição interna extremamente original e única.de imagens, criando assim Alia objetividade racional comuma imagem integral na sua impulsos internos que buscaminterpretação, esta concebida o verdadeiro sentimento no atoprimeiramente pelo autor, depois da representação, uma equaçãopelo diretor e por fim, pelo próprio muito complexa de sistematizar.ator. Stanislavski debruçou-se anos sobre esse dilema, aproximando-Eisenstein defendia que a se desse aspecto em seu métodomontagem tinha a força de incluir das ações físicas, onde, grossoa razão e o sentimento em seu modo, o ator deveria descobrirprocesso criativo e conduzir o ações em cena que o conduzissemespectador a passar pelo mesmo a uma emoção autêntica e queprocesso. Sua teoria era que o tivesse um objetivo definido, logométodo uma intenção concreta e real. E Meyerhold, contra qualquer[...] pelo qual o poeta escreve, o forma de psicologismo, investiumétodo pelo qual o ator forma nos desdobramentos do conceitosua criação dentro de si mesmo, da Biomecânica, criando umo método pelo qual o mesmo sistema onde a plasticidade dosator interpreta seu papel dentro movimentos era a maior fonte dedo enquadramento de um único expressão do ator.plano, e o método pelo qual suasações e toda a interpretação, A proposta de Eisenstein em seassim como as ações que o apropriar do processo internocercam, formando seu meio- da imaginação do ator para aambiente (ou todo o material de escolha dos planos, feitas peloum filme), fulguram nas mãos diretor, é uma visão que podedo diretor através da mediação estabelecer um diálogo muitoda exposição e da construção mais profundo entre ator e diretor.em montagem, do filme inteiro Uma vez que a tentativa de se(EISENSTEIN, 1990, p. 44). chegar ao sentimento verdadeiro da personagem é conduzidoSe pensarmos nos estudosdesenvolvidos por tantos

através da seleção dos detalhes Sistema de Stanislavski. Segundoque as imagens imaginadas criam, Ismail Xavier, “há no mundoo ator estaria de certa maneira cinematográfico de Pudovkin lugartrabalhando concomitantemente para a ‘psicologia’, assim comocom as escolhas de decupagem há lugar para uma concepçãodo diretor, e consequentemente mais flexível do trabalho dono roteiro e na montagem final do ator, que inclui uma adaptaçãofilme. Ou seja, a técnica interior de Stanislavski para o cinema”do ator pode sugerir não apenas (XAVIER, 2005, p. 53).um mero exercício de construçãode personagem, mas um novo Vsevolod Pudovkin (1893 – 1953)processo de trabalho no qual O contato imediato entre a artea função do ator ultrapassaria do cinema e a arte do palco veioa simples execução das cenas. naturalmente através do ator5.Eisenstein propõe com essatécnica uma espécie de simbiose Durante as filmagens de A Mãe,entre ator e diretor, ou em Pudovkin começa a experimentaroutras palavras: uma fusão entre alguns métodos de trabalhointerioridade e expressão, intuição para, em um primeiro momento,e racionalidade. apenas subtrair os gestos farsescos e teatrais de seusOutro cineasta que também atores. Ele descreve que, em umadefendeu a colaboração do ator determinada cena, quando anas diversas etapas do fazer atriz representa com forte cargacinematográfico foi Vsevolod emocional e gestualidade teatral,Pudovkin, radicalizando ainda ele pede para repetir, porémmais esse processo ao defender sem fazer nenhum movimentoa presença do ator inclusive na ou gesto, apenas mantendo osala de montagem. Segundo ele, estado emocional que ela haviaa conclusão da interpretação encontrado. Tal intuição fezdo ator no filme também estaria com que ele percebesse queatrelada à escolha dos planos na a imobilidade imposta à atrizmontagem final. E se Kuleshov e provocava uma sensação quaseEisenstein (parcialmente) rejeitam física de sofrimento e, a partirStanislavski, Pudovkin, ao contrário, dessa constatação, ele sugere queinveste suas pesquisas na total a atriz escolha apenas um gesto,apropriação dos fundamentos do dentre os vários que ela havia feito

61anteriormente. A escolha de um Figura 4. Vera Baranovskaya em A Mãe (1926) Fonte: Frame do próprio filmeúnico gesto aliado à forte carga A partir dessa experiência,emocional proposta pela atriz, Pudovkin se convence de que “o ator cinematográfico estámas sem os exageros teatrais, mais próximo do método de preparação praticado pela escolaconvenceram-no de tal maneira de Stanislavski” (PUDOVKIN, 1956, p.131). Desde então, eleque ele se arriscou a filmar sem começa a explorar a importância da interiorização dos sentimentosensaio, para justamente não para conquistar a total veracidade nas atuações, sobretudo no closeperder o frescor da cena. Esta up.experiência torna-se parâmetro Assim como Stanislavski, Pudovkin acreditava que o caminho parapara uma das principais premissas esta interiorização e expressão do ator estava no desenvolvimentodo trabalho de Pudovkin, do poder da imaginação, pois “ser completamente levado pelaque parte primeiramente das imaginação é o verdadeiro estado de inspiração vivida pelos artistasdiferenças de tamanho de durante os melhores momentos de sua vida criativa” (PUDOVKIN,expressão entre o teatro e o 1956, p.38). O diretor deveria auxiliar o ator a remover qualquercinema: obstáculo que bloqueasse sua imaginação, criandoCada movimento expressivo do estratégias que impulsionassemhomem está sempre condicionadopelo antagonismo de doismomentos: a força externa quetenta realizar mecanicamenteo movimento e a constrição davontade que retém o movimento;de modo que das duas açõesnasce uma determinada forma.(...) o ator no teatro aumentao movimento em amplidão,tornando-o mais claro e visívelpara o público da sala. O cinemanão requer nada disso do ator.A comoção interior, porquantocontida pelas constrições davontade ao máximo grau, pode servista pelo espectador por meio dacâmera. (PUDOVKIN, 1956, p. 100-101)

verdadeiramente sua criatividade. a verdade, Pudovkin busca aPara tal, ele destaca dois campos verossimilhança no trabalho dode trabalho que devem estar ator6. Porém, ele concorda queinterligados: “um está conectado “a asserção fundamental decom a expressão externa dos Stanislavski sobre a necessidadepensamentos e sentimentos dos para o ator de descobrir o vínculoatores, seu comportamento, e o interior permanece válida”. Ele cita,outro está conectado com o seu inclusive, a questão do paradoxoestado emocional” (PUDOVKIN, do comediante de Diderot, como1956, p. 39). Pudovkin destaca anteparo a essa questão: por maisainda que a síntese desse que o ator pudesse comover oprocedimento encontra-se no público e rir para o colega na coxiamétodo de Stanislavski nomeado simultaneamente, sublinhando acomo “ações físicas”, onde o questão do paradoxo que separaresultado da ação é expresso a o criador da criatura, em algumpartir de um sentimento, sempre momento o ator deverá fundir-se,relacionando o movimento físico identificar-se verdadeiramente comao pensamento e à emoção. a emoção da personagem. E esse processo seria imprescindível noOutro aspecto importante de processo de criação de toda arte.reflexão para Pudovkin era adiferença que ele identificava no Além de apropriar-se de algumasconceito de Stanislavski sobre a técnicas de interpretação dearte de “viver um papel” e a arte Stanislavski (nas quais a conquistade “o representar”. O primeiro de uma “atuação orgânica eestaria impulsionado por uma unitária” era urgente), transpondo-força interior e o segundo por as do teatro para o cinema,uma mecânica teatral e exterior. Pudovkin também defendia aPartindo dessa premissa, inserção do ator em todas asPudovkin defende o primeiro etapas do fazer cinematográfico.tipo de ator para o cinema, mas Se Eisenstein, como foi ditoacrescenta outra nomenclatura: acima, defende a inclusão doem vez de “viver o papel”, o ator ator no processo de manufaturadeveria “absorver o papel”. Tal do argumento e uma possíveldiferenciação seria o processo colaboração nas escolhas demais acertado de elaboração decupagem do diretor, Pudovkinda forma, pois, mais do que vai ainda mais longe ao defender

63“a necessidade e a importância ter consciência das opções dada participação direta do ator na montagem, pois a escolha dosmontagem do filme” (PUDOVKIN, planos podem-no auxiliar em1956, p. 85). suas escolhas de expressão da personagem. Em outras palavras,Partindo da observação do o domínio e consciência datrabalho dos atores no palco, montagem, assim como dosPudovkin destaca que, quando movimentos de câmera durante ao ator inicia seu trabalho de filmagem, são fundamentais para acomposição da personagem, atuação do ator no cinema. Sendoalém da questão da “absorção assim:do papel”, dois outros elementossão de suma importância: a sua O ator cinematográfico deveexpressão (voz, gestos, mímica) e a poder sentir a necessidadeconsciência da unidade ideológica e a oportunidade de umada obra. Sobre o primeiro determinada posição da câmeraelemento, em suas opções de na filmagem de um dadoritmo, modulações vocais e momento de seu papel, assimgestuais, o ator no teatro seria, de como ator teatral sente quecerta forma, seu próprio montador num certo ponto, no decurso deperante o público. Pudovkin sua representação, tornar-se-exemplifica que, caso o ator lhe necessário fazer um gestoquisesse destacar determinada amplo, dirigir-se para a ribaltafala ou gesto no palco, ele poderia e subir dois ou três degraus dausufruir anteriormente de uma construção cênica. O ator dedepausa longa a fim de dar a devida compreender que justamente poratenção à expressão escolhida, tais deslocamentos da câmeraalém da ampliação do gesto cria-se o pathos indispensável quepara ser visto, obviamente. Em conduz do naturalismo disforme àrelação às inflexões da fala, o ator obra de arte (PUDOVKIN, 1956, p.poderia acentuá-las ou diminuí-las, 69).conforme quisesse atrair o públicopelo lado intelectual ou emotivo. Pudovkin estava tão convictoNo cinema, tais procedimentos de suas afirmações sobre apoderiam ser simplesmente importância da presença dosubstituídos por um primeiro ator na montagem que a formaplano. Sendo assim, o ator deve definitiva da representação da personagem só estaria concluída neste momento:

O ator deve estar tão igualmente de plenitude” (PUDOVKIN, 1956,próximo da montagem quanto p. 96-111). E isso só seria possívelo diretor. Deve poder referir-se alcançar a partir do momento emà mesma em cada fase do seu que o ator tivesse consciência detrabalho. Deve amá-la como o todas as etapas da construção deator teatral ama a forma total do um filme.espetáculo, desejar seu êxito, ouseja, desejar a conexão de cada Se, por um lado, Pudovkin faz umamomento do seu trabalho com autocrítica ao afirmar que, atéo todo. (PUDOVKIN, 1956, p. 86, então, o conceito de montagemgrifo do autor). “induzia os diretores ditadores a mutilar e a devastar a obra do atorTal ideia também estava no interesse de suas descobertasintimamente ligada à questão formalísticas” (PUDOVKIN,da descontinuidade durante a 1956, p. 86), por outro lado, elerepresentação no cinema que, ao abre outro precedente que nãocontrário do teatro, interrompia chega a desenvolver. A visão deo fluxo de atuação do ator. Na Pudovkin sobre o ator estabelecetentativa de propiciar melhores necessariamente uma via de mãocondições de atuação para os dupla: se o diretor deveria teratores, sobretudo a partir do uma noção das necessidades docinema sonoro, os diretores ator no ato de criação; o ator, porescolhiam planos abertos e longos sua vez, deveria também ter umpara contemplar o diálogo de três olhar de diretor (e montador) naatores em cena, por exemplo. Tal sua atuação. Ele defendia que oopção resgatava certa teatralização ator poderia dar um acabamentoque o cinema já havia abandonado necessário à forma planejadaem sua fase silenciosa, e isso de sua atuação na montagem,poderia representar um retrocesso conduzindo o espectadora todas as possibilidades que o também pelo seu ponto decinema ainda tinha a oferecer. vista, não apenas pelo pontoA preocupação principal de de vista do diretor. Porém, osPudovkin era a conquista da mecanismos para tal façanha nãounidade realística da imagem, são contemplados em seus textos,definida quando “ela é imaginada tampouco a menção a qualquercom o máximo de precisão, o experiência concreta de um atormáximo de clareza, o máximo de na sala de montagem. Em suaprofundidade e com o máximo

65defesa, ele afirma que a questão Notasda participação do ator no filmedemandaria uma ampliação da 1 O workshop, criado em 1920, era umacultura do ator, e somente através espécie de ensaio de filmagem, uma vezde um processo colaborativo que não havia câmeras, e tinha comoem todas as etapas de um filme, premissa desenvolver a sensibilidade dao ator teria a oportunidade de direção em diretores e atores. Entre osaprender a essência da criação integrantes desse workshop, estavam:cinematográfica. De toda forma, Khoklova, Obolensky, Boris Barnet,suas ideias denotam um respeito Eisenstein e Pudovkin.ímpar em relação à função doator em um filme, sendo talvez 2 François Delsarte (1811-1871), foias primeiras a elevarem o ator um ator e cantor francês que, segundoao status de co-criador na obra Odete Aslan (no livro O Ator no séculocinematográfica. XX. São Paulo: Perspectiva, 1994, p. 40): “estudou o corpo, músculo por músculo,Cabe observar que, tanto falange por falange, estabelecendoPudovkin, como Kuleshov e relações entre os movimentos do corpo eEisenstein, partem de princípios os do espírito”. Ele criou todo um sistemade montagem para criarem gráfico gestual onde os sentimentosmetodologias na construção poderiam ser representados a partir dade um sistema de interpretação plasticidade do corpo e da face.cinematográfica, um aspectoimportantíssimo e pouco 3 Frase de Eisenstein presente no ensaiocompartilhado com o ator “Sincronização dos Sentidos”, publicadodurante o processo de filmagem. no livro O Sentido do Filme (Rio deInspirados em sistemas teatrais Janeiro: Jorge Zahar, 1990, p. 50), quejá consolidados, seja por remete à sua própria citação da frase deStanislavski ou por Meyerhold, os Gorki, em A Forma do Filme: “Tudo estátrês cineastas elaboram métodos no homem – tudo é para o homem” (Riocontundentes que, se não são de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p. 141).de todo aplicáveis, mereciam serrevisitados. 4 O mágico “se” ou “se criativo” consistiria basicamente no ator colocar- se na situação das circunstâncias propostas da peça, ou seja, como ele se comportaria, o que faria, como se sentiria, como reagiria se fosse a personagem. 5 PUDOVKIN, Vsevolod, Stanislavsky’s System in the Cinema, O artigo foi publicado originalmente no jornal Iskusstvo Kino em 1951 e traduzido em 1952 por T. Shebunina para a revista britânica Sight & Sound, publicada pela British Film Institute (BFI).

6 Sobre a questão da verdade e da PUDOVKIN, Vsevolod. O Ator no Cinema.verossimilhança, tal distinção de Rio de Janeiro: Casa do Estudante, 1956.nomenclatura talvez se deva à insistênciade Pudovkin na defesa de que o cinema ___________________.Diretor e Ator nopropicia problemas mais sutis e mais Cinema. Rio de Janeiro: Editora Iris,complexos do que o teatro e que “o 1956.cinema deve ser considerado comoa arte que proporciona as maiores ___________________.Stanislavsky’spossibilidades de aproximação da System in the Cinema, O artigo foireprodução realística da realidade”. publicado originalmente no jornal(PUDOVKIN, 1956, p. 33) Iskusstvo Kino em 1951 e traduzido em 1952 por T. Shebunina para a revistaReferências Bibliográficas britânica Sight & Sound, publicada pela British Film Institute (BFI). Disponível em:DIDEROT, Denis. Textos escolhidos/ http://www.unz.org/Pub/AngloSovietJ-Diderot; tradução e notas de Marilena 1952q3-00034Chauí, J. Guinsburg. São Paulo: AbrilCultural, 1979. OLIVEIRA, Vanessa Teixeira de. Eisenstein ultrateatral: movimento expressivoEISENSTEIN, Sergei. O Sentido do Filme. e montagem de atrações na teoriaRio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. de Serguei Eisenstein. São Paulo: Perspectiva, 2008._________________. A Forma do Filme.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. STANISLAVSKI, Constantin. A preparação do ator. Rio de Janeiro: CivilizaçãoEISENSTEIN, Sergei; TRETYAKOV, Sergei. Brasileira, 1991.Expressive Movement. Millennium FilmJournal, n. 3, 1979. STANISLAVSKI, Constantin. Minha vida na arte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,KULESHOV, Lev. Kuleshov on Film: 1989.Writings. University of California Press,1974. XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e transparência. São Paulo: Paz e Terra, 2008, 2å impressão, 2012.

análise fílmica

Filme-ensaio ou notas para uma Oréstia africana Pérsio BurkinskiPérsio Burkinski é formado em Administração de Empresas pela FGV e em Línguas e Literaturaitalianas pela Universidade de PisaDe dezembro de 1968 a a sua forma documental respeita fevereiro 1969, Pier Paolo claramente a cronologia das tragédias Pasolini rodou Notas para de Ésquilo. uma Oréstia Africana (Appunti per un’Orestiade Africana) quase ao Na verdade, elas são a preparação mesmo tempo que Pocilga e apenas para uma adaptação de um longa- três meses antes de começar as metragem. A primeira montagem filmagens de Medéia - ou seja, os dois que Pasolini propõe em abril de filmes supostamente mais obscuros e 1970 é, contudo, rejeitada pelo seu logo a seguir a publicação de seu livro comanditário. A RAI o considera “como de ensaios (Empirismo eretico, 1972). O um filme difícil e, portanto, pouco trabalho feito em Notas parece claro: comercializável [sic] e dificilmente

69consumível”11. Oficialmente, o simetricamente em torno de umfilme não cumpria “os requisitos longo interlúdio musical: a profeciade tempo e de fatura previamente de Cassandra, com música de Gatoacordados”22. Tivemos que Barbieri e cantada por dois artistasesperar a morte de Pasolini para afro-americanos (Yvonne Murray eque este filme fosse finalmente Archie Savage).exibido nas salas de cinema emnovembro de 1975, dois anos Pasolini descobre que este filmeapós ter contado, em Veneza, nunca vai acontecer, porque comcom uma projeção única em sua seus atores negros, anti-heróisforma final. por excelência para o padrão cinematográfico oficial – eleO destino infeliz de Notas não se encaixa nos padrões datem a vantagem de apontar produção e perde os acordos dea sua relativa complexidade, distribuição. Pasolini, no entanto,especialmente quando está plenamente consciente decomparado com a série que o seu projeto inicial não seráde Appunti que surgiram completo, mas para confundiranteriormente (para um filme ainda mais continua sua simulaçãosobre a Índia e para um romance trabalhando em um filme a serda imundice). Ele agrega, na feito. Este é o início da Oréstiaverdade, materiais de efeito e Africana, narrada pela voz desequências heteróclitas: registros/ Pasolini:casting na Tanzânia, Uganda eTanganica; imagens de arquivo Eu me reflito com a uma câmera deda guerra da Biafra (ou guerra filmagem na vitrine de uma loja decivil nigeriana, 1967-1970); uma cidade africana. Vim, então,cenas “realizadas” e a serem para filmar, mas para filmar o quê?incluídas no filme Oréstia que Não um documentário e não umsairia posteriormente; bem filme, eu vim para rodar as notascomo um debate rodado na para um filme: este filme seria aUniversidade La Sapienza de Oréstia de Ésquilo, a ser rodado naRoma, com estudantes de origem África de hoje, na África modernaafricana. Todas estas sequências (tradução nossa)33.são distribuídas mais ou menos Um filme feito de cenas de rostos e lugares, um filme sobre “um filme

a ser feito”, ou “Work in progress” aqui se baseia em uma visão sócio-nas palavras de Hervé-Joubert- política próxima àquela do mitoLaurencin. O que quer que seja do bom selvagem; cheia de bonsa Oréstia negra de Pasolini, ela sentimentos, sem dúvida, mas que,toma a forma de introspecção, de por querer encontrar estes homensreflexão sobre o ato de criação; e mulheres que correspondemalgo que se encaixa entre ficção e ambos aos personagens míticosdocumentário, teoria e parábola contemporâneos pré-modernospolítica; enfim um ensaio fílmico e modernos, eles se tornamque adquire a sua autonomia, condescendentes: bem comotornando-se em sua própria a inocência fundamental doincompletude, o condicional “Africano”, mencionado nosassumido do que permanece em minutos iniciais - e que desmentemsuspenso. os cadáveres e execuções dos registros de guerra. Finalmente, última ressonância aseu projeto de 1966 e antes de No entanto, justamente o queentregar sua interpretação Africana condena o filme não o fazda trilogia de Ésquilo, Pasolini especialmente mais aceitável?escreveu uma peça para teatro, Na verdade, a analogia precedeuPilade (1967), que ele chamou as filmagens de Édipo Rei (1967)de quarta parte da Oréstia. Nele, e ainda precedeu Medéia. PeloPasolini já desenvolvera sua visão contrário, ambos os filmespolítica da peça de Ésquilo, que oferecem soluções muitoprefigura seu manifesto para um emocionantes - sempre nosnovo teatro em 1968, e antecipa bastidores dos extras, mas sema implementação da Oréstia que possamos percebê-lo. ComoAfricana. Pasolini mesmo descreveu seu filme “Era, portanto um tipo deEsta lógica, construída entre a documentário, de ensaio”44. Nesteindividualidade assertiva da figura - filme vemos uma forma maissua sacralidade, dentro da estética fechada na qual a soberania dopasoliniana - e sua lógica realizada discurso ensaísta é mais explicitadentro da ficção mitológica, que o objeto.constitui o cerne do filme. E o tornamais problemático, até mesmo A visão exige um Pasolini semquestionável. Já que a analogia oposição que se integra totalmente

71à estrutura ficcional. Talvez 1964), ou para ouvir ecos edevêssemos analisar de forma correspondências.mais profunda a honestidadede Pasolini nestes Appunti. Muitas vezes Pasolini foi criticadoNeles vemos um autor ansioso por sua nostalgia do velho, dopara que seu método funcione, antigo. Entendemos claramente,admitindo suas bases mais por seu trabalho duro, traduzindodo que seus meios, revelando os versos “rudimentares euma manipulação que se torna austeros” da língua de Ésquilo, porfundamental ao seu trabalho em sua negação de todo classicismo,todos os sentidos. A mudança como esta abordagem da tragédiados planos de diferentes grega o conduz, com a ferramentapontos (gênero documentário que lhe é própria (“seu italiano”,ficcional ou ensaio, “roubado” aquele do poema Cinzas deou encenado) ou dentro do Gramsci, 1957), a reinventar suasmesmo plano, entre um rosto e teorias (a partir da língua alusivaseu caráter – planos que mostram de Ésquilo), para lhes fornecero visível entre a realidade e uma perspectiva e desafios para osua transformação baseada presente e para o futuro. Porque noprincipalmente na Oréstia como final, antes mesmo de explicar mais“filme a ser feito” (Pasolini). A precisamente a metáfora orestiana,analogia de Pasolini se baseia é o resultado ideológico e políticoem um “paradoxo temporal”, que ele traz: “O significado daou seja, o resplendor passado tragédia de Orestes é único eque persiste no presente. Neste exclusivamente político”55.sentido, pode-se dizer que o filmecontinua a fazer este paradoxo, Além da demonstração teórica ea leitura do filme apresenta ideológica, esse retorno do antigoseu próprio futuro. Ele convida, esclarecendo o presente nos falanos entremeios dos planos muito sobre a relação de Pasoliniimaginários, a outro filme a ser com o tempo. Isto confirma comorealizado. Realizado para que os o deslocamento é uma figuraespectadores possam construir central em seu trabalho e que eleestes planos ou para quando é tanto espacial quanto temporal.o segundo filme acabaria por Georges Didi-Huberman resumeacontecer (como é o caso do da seguinte forma:Evangelho Segundo Mateus,

O que interessa Pasolini é a exemplar de Pier Paolo Pasolini,juventude absoluta que é muito porque ele criou, gradualmente,antiga. Ele não busca a antiguidade ao longo do tempo88.para trás, mas a antiguidade parafrente. Na realidade, ele vê nos Em Notas para um Filme sobreelementos supostamente arcaicos, a Índia, o projeto nunca foioperadores revolucionários66. concluído. Com este projeto específico Oréstia, Pasolini sabiaAs imagens... também são usadas ​​ antes de rodar as primeiras cenaspara isso: para ver o tempo que que nunca seria acabado, jávem. Para desmontar o presente que não contava com nenhumvoltando ao passado, trazendo produtor. O filme reúne, assim,o passado de volta, pegando uma incompletude voluntáriadele algumas pistas para o lógica: em outras palavras, comofuturo. Elas servem também para diz Hervé Joubert-Laurencin,elevar o presente e “ver o futuro encontra este mesmo princípiochegar” através de um passado, em seu romance Petróleo (1992),de modo que cada uma das três publicação póstuma que comotemporalidades ilumina – apoia, obra inacabada é perfeitamentepontua, critica, entrega - as duas concluída. Mas essa lógicaoutras77. responde especialmente a uma obsessão bem pasoliniana, aEle encontrou na Oréstia as mesma obsessão de realizar ummesmas condições em que mito, que ele faz repetidamenteescrevia, compunha seus poemas em seus escritos poéticos. Assim,e se exprimia nos seus ensaios. no poema Poesia em forma deEle fez e refez, pensando e Rosa (1964):repensando. Esta possibilidadenão é geralmente dada a um A desilusão da história!cineasta até aquele momento. Que nos faz chegar à morteRefazer, pensar, esperar, remodelar,destruir e refazer, é, no entanto, sem ter vividoalgo que um escritor e um pintor e, por isso, ficar na vidapodem se permitir fazer. Neste a contemplá-la, como uma latasentido a Oréstia é um produto velha. um incrível objeto que não nos pertence. (tradução nossa)

73Ou, no poema Cinzas de Gramsci: como em Oréstia, na qual Pasolini descarta o tempo, melhor do que Um grito improvisado, humano ele o faz em qualquer outro de nasce, e aos poucos se repete, seus filmes.assim louco de dor, que, humano, de repente não parece mais, e Sendo ao mesmo tempo ficção e filme, apresentando em sua volta a ser segunda parte a fuga de Orestes morto estridor… através da África moderna, sua (tradução nossa) chegada em Atenas Kampala (capital de Uganda) e, então,Uma aversão pela história, pelo seu julgamento, um filmetempo e por sua inevitável documentário antropológico comcontagem regressiva. Alimentado, extrema atenção dada aos corpos,provavelmente, por dados rostos, lugares, enfim rupturasbiográficos, pelo amor de sua radicais sucessivas da narrativa: amãe, pelo paraíso perdido da entrevista direta e intransigenteinfância, a morte imperdoável de com estudantes africanos naseu irmão Guido... Universidade de Roma, na qual Pasolini questionou por duas vezesNós não voltaremos neste a sua teoria e expôs seu próprioassunto, a não ser pelo próprio corpo, as imagens de arquivos damito, que fornece, através de sua guerra de Biafra na qual Pasolininatureza cíclica, seu presente fala com suas próprias palavras:renovado, uma alternativa aoirreversível. Assim em Édipo Esta poderia ser uma imagemRei e em sua continuação de Tróia que queima, e estaautobiográfica, Medéia, seu poderia ser uma imagem dascentauro, seu rito germinador notas, dos saques de Tróia, dae a estranha repetição ritual da carnificina e da destruição quematança final. Assim, os mesmos aconteceu imediatamente apósoráculos recorrentes em muitos a sua conquista ...Nada maisfilmes, para melhor mostrar o longe destas imagens, da ideiaque significa o trabalho mortal de que comumente fazemos dodo tempo, e a impossibilidade classicismo grego. No entanto, ade fuga .... Já que o oráculo dor, a morte, o luto, a tragédia sãopode realizar outras tarefas: e elementos eternos e absolutosisto certamente não fica tão claro

que podem muito bem ligar estas As seguintes sequências, na qualimagens ardentes de atualidade as Fúrias são mostradas na árvorecom as imagens fantásticas da ou na leoa ferida, não fornecemtragédia grega.9 nenhuma certeza quanto a qualquer outra sequênciaA seguir no episódio free jazz descrita como concluída. Buscarem uma digressão e dissonância respostas em filmes anteriores outotalmente assumidas ele introduz posteriores parece igualmenteda seguinte forma: inútil. A Oréstia iria visitar, a priori, regiões de filmografiasUma ideia súbita me obriga ainda desconhecidas dosa interromper esta narrativa, espectadores pasolinianos. Adeixando de lado o que é estilo temporalidade do interlúdio éde documentário sem estilo, das especialmente questionável:notas. A ideia é esta: cantar ao esta cena representa o seu futuroinvés de representar a Oréstia.10 sem que ele seja realmente discernível. Além disso, de ondeTambém é possível abordar a obra ela tira o poder de ser ao mesmode Pasolini, guiada pela suavidade tempo presente e futuro - pior:de sua voz e de sua prosa, em em termos de registro, ela éoposição à violência e às imagens inevitavelmente passado.nuas que ele nos mostra, ou pelocaminho íngreme que os Appunti, O tema profundo da Oréstia é, deestas notas nos mostram de qualquer forma, para nós, leitoresforma incompleta, inclassificável. modernos, a transição de umaInicialmente, filme-cenário, era histórica, “medieval” a umpreparação para um filme ou período histórico “democrático”.trilha, que se define como “Notas Daí a transformação das Mênadesfilmadas em um filme a ser feito” (deusas medievais do terrorou “Notas sobre um projeto de existencial) em Eumênidesfilme” ou “Intenções”. Na verdade, (deusas da irracionalidade em umo termo “appunti” é escolhido mundo racional)12.por Jean-Claude Biette, amigo dePasolini, na revista francesa Trafic, As Notas para uma Oréstiafalando de um “ciclo di appunti” Africana, portanto, pertencemse referindo à obra pasoliniana e a estes appunti, a estas notas;tentando definir esse filme-ensaio mas, como apontado por Hervéfora do comum11. Joubert-Laurencin, apesar da

75heterogeneidade da forma, ele 1960”. Aí um dos oradores dizadquire toda sua autonomia, sua que o filme “teria muito maisconsistência de objeto único e se valor se fosse rodado nos anostorna mais que um “filme sobre 60”. Se pegarmos esse diálogo,um filme a ser feito”, mas o “As literalmente, como gravado no finalnotas mais concluídas na sua de 1969 - início de 1970, momentoincompletude”13. em que as imagens são feitas, seria possível fazer um filme na décadaComo afirmado por Clément de sessenta, ou até mesmo pensarRosset, a fala do oráculo não em realizá-lo anos antes. Comodiz nada além da “necessidade retroagir o processo de um filme,sufocante do presente”, uma como retroagir esta gravaçãovez que nada acontece além futura?do presente. Mas fazendo issoo oráculo quebra a ordem do Em suma, o filme não é o futuro datempo. A sucessão intocável do ficção científica. Não é um ensaiopassado ao futuro através do prospectivo, nem um programa. Opresente, ou melhor, a nossa filme, basicamente, subverte orepresentação do tempo linear e futuro e o tempo linear. Talvez eleirreversível que desmorona sobre mesmo se desenvolva no nada, nasi mesma. Como? Pela graça de própria ausência do tempo - naum passeio de prestidigitação própria ausência do filme: por estelinguística e cinematográfica, motivo, nenhuma Oréstia Africanaque consiste simplesmente em chegou a ver a luz do dia. conjugar o filme no futuro. Só quem não nasceu, vive!Os Appunti são o futuro, não o Vive porque viverá, e tudo será seu,condicional, forma privilegiadado “filme a ser feito”. A primeira é seu, foi seu! (tradução nossa).sequência de debate entrePasolini e os estudantes da Isso nós podemos ler na Poesia emUniversidade de Roma leva a uma forma de rosa. incrível troca, um embate. A certaaltura Pasolini se pergunta se Estes gestos “cheios de graça”,“este filme deveria ser rodado na ampliados pela leitura da históriaÁfrica contemporânea de 1970”, de Ésquilo traduzida e narradaou se deveria ser o “antedatado” por Pasolini, tendo como panopara “ser rodado na África de de fundo a Varsoviana de Boris

Alexandrov, canção popular ser resolvidos, eles são vividos.russa ecoando A Raiva (1963), de E a vida é lenta. A marcha para oimagens metafóricas e poéticas futuro não apresenta solução dede rara beleza: Planos de Orestes continuidade. O trabalho de ume Electra no túmulo de seu pai, povo não conhece nem retóricao retorno de Agamenon na nem atraso. O seu futuro está nafumaça das queimadas, o vento ânsia de futuro e a sua ânsia énas árvores, sugerindo a queixa uma grande paciência (traduçãodas fúrias, e sua transformação nossa).149em Eumênides através dasdanças rituais da tribo Wa-gogo A ideia de que a nova África,(uma das inúmeras tribos da a África do futuro, só pode serTanzânia), uma leoa ferida que uma síntese da África moderna,se distancia evocando o possível independente e livre, e da Áfricadesaparecimento de forças antiga. Notamos aqui, novamente,selvagens e arcaicas de uma o jogo do tempo e a incessanteÁfrica antiga e fragilizada. Quando passagem entre o passado e oPasolini pontua sua narrativa futuro.filmando um antigo gesto final deum agricultor africano trabalhandoem seu campo, ele nos mostra oque talvez continue a ser um dosseus melhores textos como:Eis aqui as últimas notas deconclusão. O novo mundo foiinstaurado. O poder de decidirseu destino está, pelo menosformalmente, nas mãos do povo.Os antigos deuses primitivoscoexistem com o novo mundoda razão e da liberdade. Mascomo podemos concluir? Bem,a conclusão final não existe, estápor vir. Uma nova nação nasceu.Os seus problemas são infinitos.Mas os problemas não podem

77Referências bibliográficas PRINCIPI E SCOPI DELL’ANALISI STRUTTURALE, in Il nuovo cinema: ventiDIDI-HUBERMAN GEORGES, Sentir le anni dopo, Pesaro, 1984.grisou, Paris, Les Éditions de Minuit,2014 (Colection “Fables du temps”). CONTROCAMPO, ENCONTRO CON PASOLIN, Bergamo: Cineforum diECO, UMBERTO, Pasolini la quotidiana Bergamo, Abril, 1972.eresia, Milano, Bianco & Nero, n. 23,1967 RETRATO DE PIER PAOLO PASOLINI, Semana especial Pasolini (3/5), EntrevistaBARNETT, L.K., Empirismo Eretico, com Georges Didi-Huberman, FranceMilano, Garzanti, 1988. Culture, maio de 2015.FAROCKI, HARUN, Lo Sguardo, ENTREVISTA COM GIAN VITTORIORivista di filosofia N. 19, 2015, III, (Pier BALDI, observa o produtor Rumo aPaolo Pasolini: resistenze, dissidenze, uma Orestes Africana, liderado pelaibridazioni). Cinemateca di Bologna no DVD editado por Carlotta Films de 2009.MEDDA ENRICO, Rappresentarel’arcaico: Pasolini ed Eschilo negli Jean-Claude Biette em Traffic, No. 3,Appunti per un’ Orestiade africana, in Il Verão de 1992, p. 97-102.mito Greco nell’ opera di Pasolini, ed. byElena Fabbro, Udine, 2004. ENTREVISTA COM HERVÉ JOUBERT- LAURENCIN, “Poétique dePASOLINI, PIER-PAOLO, Le ceneri di l’inachèvement” no DVD editado porGramsci, Milano, Garzanti, 1957 (Nuova Carlotta Films de 2009.Edizione Einaudi, Torino 1981, con unsaggio critico di Walter Siti). ENTREVISTA COM GIAN VITTORIO BALDI, produtor de Notas para________________________, Poesia in uma Oréstia Africana, dirigido pelaforma di rosa (1961-1964), Milano, Cinemateca de Bolonha.Garzanti, 1964. Filme________________________, Médée.Trad.: Christophe Mileschi. Paris, Arléa, APPUNTI PER UN’ORESTIADE AFRICANA.2001. Direção, fotografia e narração: Pier Paolo Pasolini. 1970. Produção: Gian Vittorio_______________________, L’Atena Baldi e IDI Cinematografica (Roma).bianca (A Athenas Branca), in Laura Filmado em 1968-69. Duração: 63 min.Betti e Michele Gulinucci (dir.), Le Dados disponíveis em: http://www.regole di un’illusione, Fonds Pier Paolo pasolini.net/.Pasolini, Milano, Garzanti, 1991.SITI, WALTER e ZABAGLI, FRANCO,Pasolini Per il Cinema, Milano, Ed.Meridiani, 2001.

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novos olhares

Dois homens com uma câmera: procedimentos do real em Vermelho russo Matheus StrelowMatheus Strelow é graduando do curso de Cinema e Audiovisual na Universidade Federalde Pelotas, onde coordena o projeto de extensão Cineclube Zero Quatro. Atua como críticona publicação Calvero.Aedição de 2016 do Festival do relações com o país, os locais, e seus Rio exibiu o filme Vermelho colegas de curso, compõem a narrativa russo (2016), segundo longa- que permeia a projeção. Trata-se de metragem dirigido por Charly um filme indiscutivelmente ficcional,Braun. O filme narra a viagem de duas seja no nível de dramatização ou deatrizes e amigas brasileiras (Martha conteúdo. Porém, analisando com maisNowill e Maria Manoella) a Moscou, profundidade tanto os seus modos depara realizar um curso de teatro registro quanto os dados referentesbaseado no método de Constantin a seu processo de realização, aStanislavski. Seus conflitos pessoais, obra torna-se menos facilmenteatravessados pelo conteúdo da peça categorizável, apropriando-se, porque desenvolvem nas aulas, e suas exemplo, de elementos da voga do

81cinema híbrido. Antes de elaborar um documentário, como atestasobre esta afiliação, primeiramente o crítico Andrey Lehnemann,deve-se contextualizar a gênese do que a declarou “um dos grandesprojeto. documentários de 2016” (2016). O presente artigo pretendeEm 2009 foi publicado na seção catalogar estes procedimentos,Diário da Revista Piauí (edição considerando informações sobre30), Esse russo está destruindo o processo criativo e o aparatomeu ego, texto escrito pela atriz fílmico, de modo a compreenderMartha Nowill, que narra sua os elementos que possibilitamviagem a Moscou, juntamente com esta compreensão. Está alheia asua amiga, a também atriz Maria esse artigo, então, a questão daManoella, para realizar um curso representação teatral, recorrênciade teatro baseado no método de presente na narrativa, visto que oConstantin Stanislavski. À leitura foco se encontra na abordagemdas anotações, pode-se observar formal desenvolvida pelo filme.que, basicamente, o argumentodo filme já se encontra delineado. [REC]Pois bem, Vermelho russo, com Em entrevista concedida àroteiro assinado por Nowill e por Associação Brasileira de AutoresBraun, reconstitui situações da Roteiristas (ABRA), Charly Braunviagem de outrora, com ambas as detalha o processo envolvido naatrizes interpretando a si mesmas, elaboração do roteiro:ao mesmo tempo em que seengendram personagens originais Discutimos bastante os temas, apara compor o restante do elenco, premissa, tentamos chegar ao quesalvo algumas exceções, às quais seria a essência da história pararetornaremos mais tarde. reconstruir a trama a partir daquela viagem original relatada noAssim, a princípio, entende-se diário. Para isso fomos “limpando”Vermelho russo como mais um os acontecimentos da viagemde inúmeros filmes clássicos de original, deixando apenas aquiloficção “baseados em fatos reais”. que nos interessava, ao mesmoUma série de procedimentos, tempo em que íamos inventandoporém, potencializa a carga de personagens e pedaços de enredorealismo da obra, permitindo que totalmente ficcionais. Passadaseja também interpretada como

esta etapa escrevemos um roteiro como se atesta na cena em quemesmo, de 90 páginas, com entrega um DVD de presente àdiálogos e tudo mais. Mas já neste porteira do alojamento, Svetlanaroteiro deixamos arestas que não (Svetlana Murashova), alegandonos prendessem demais à página ser uma cópia de seu próprio filme.escrita. A maioria dos colegas de Na capa do DVD, lê-se Além dacurso, por exemplo. Nem usamos estrada (Por el camino, 2010), títuloaqueles que apareciam na viagem do longa-metragem anterior deoriginal (com exceção da Soraia, a Braun, protagonizado pelo mesmoatriz portuguesa, que mantivemos), Esteban Fuente de Colombi.nem tampouco nos aprofundamosmuito nestas personagens no O filme incorpora as imagensroteiro escrito. A ideia sempre produzidas por Tatu, havendo umafoi moldar estas personagens diferença notável de definiçãocoadjuvantes aos atores que entre as imagens da câmeraviessem a interpretá-los. (BRAUN, “onisciente” e da câmera DV.2017) Ao longo da projeção, alguns personagens são entrevistadosOs personagens coadjuvantes por Tatu, em segmentos pontuais,podem ajudar-nos a apreender refletindo sobre o ofício do ator,os meandros em que uma as motivações que as levam aosuposta realidade se manifesta, curso, e contando detalhes de suascomplexificando um regime vidas. Além disso, seus registrosficcional tradicional. atravessaram diversas cenas, com a montagem fluidamentePrimeiramente, Tatu (Esteban entrecortando entre dispositivosFeune de Colombi) representa (câmera “invisível”, câmeraa manifestação formal deste diegética).realismo, sendo ele umcineasta que, convivendocom as protagonistas e osdemais personagens, passaa registrar diversas situaçõescom uma câmera DV, presentediegeticamente. Ele funcionacomo uma espécie de alter-egointertextual de Charly Braun,

83O recurso da câmera diegética, As aplicações mais comunsconhecido como found footage, é do found footage acontecemcomumente apropriado no cinema em obras fílmicas nas quais odo gênero de horror, justamente dispositivo fílmico se justificapela potencialização do realismo integralmente na diegese,que dialoga diretamente com sendo todas as imagens e sonso espectador. De acordo com “produzidos” pelos personagens,Ana Maria Acker, as produções como em A bruxa de Blair (Thefound footage são híbridas por Blair witch project, Daniel Myricktensionar nossa relação com e Eduardo Sánchez, 1999), [REC]mídia e aparelhos, retornando ao (Jaume Balagueró e Paco Plaza,princípio básico da realização de 2007) e Atividade paranormalcinema, uma relação humana com (Paranormal activity, Oren Peli,as máquinas. 2009). Assim, o estudo do recurso narrativo geralmente pressupõeTodos os filmes trazem essas uma cisão entre a prática narrativaquestões fundantes à tela, mesmo tradicional e o found footage,os mais “transparentes”. O que as diferença esta sintetizada porproduções found footage acionam Rodrigo Carreiro:de novo nessa discussão é que oaparato parece se sobrepor ainda A câmera diegética demarca amais deliberadamente à ação principal diferença narrativa dohumana nesses filmes. Tais obras subgênero [found footage] emnão trazem um real do cotidiano relação à ficção tradicional, na qualmediado pelas tecnologias, mas os personagens não percebemsim simulam um hiper-real do a existência de dispositivos dedispositivo. (ACKER, 2015, p.14) registro de imagens e sons. Na tradição narrativa do cinema ficcional, este aparato costuma ter o dom da ubiquidade: o cineasta é capaz de narrar a progressão dramática do enredo a partir de múltiplos pontos de vista, tanto objetivos quanto subjetivos, de acordo com os desejos e necessidades da instância narradora. (CARREIRO, 2013, p.4)

Vermelho russo alcança esta Aos 39:58 minutos de projeção,ubiquidade sem abrir mão a atriz concede um depoimentoda câmera diegética, que a Tatu, em tom confessional,acaba complementando refletindo sobre o porquê de terideologicamente o decidido viajar para fazer o curso,naturalismo ambicionado pela discutindo sua imagem de femmeautorrepresentação das personas fatale construída no imaginárioreais que habitam o filme. coletivo português. Sobre isto, na mesma entrevista para a ABRA,Persona Braun declara:A segunda personagem notávelpara esta compreensão é a Acho muito interessante o que aatriz portuguesa Soraia Chaves, realidade traz para a ficção e viceúnica aluna do curso presente versa. Tem muita coisa neste filme,no texto original. O filme se coisas que elas dizem em cena, porapropria de sua persona pública, exemplo, que nem eu sei se elasevidenciando seu status de estavam dizendo de verdade ou secelebridade. Em certo momento estavam na personagem. Há umado filme, Martha e Manoella mistura muito, muito forte nestepesquisam seu nome na internet, filme. A cena da entrevista com aencontrando imagens de suas Soraia Chaves é uma grande cenacapas de revista, aparições em e ilustra perfeitamente isto. Eu nãotapetes vermelhos e um vídeo faço ideia se ela dizia a verdadede uma entrevista na televisão ali ou se estava inventando emportuguesa. cima de uma realidade dela, mas inventando. Nunca saberei. (BRAUN, 2017)

85A ambiguidade não se dá apenas uma nova modalidade depela hibridização de dispositivos, simulacro que procura imitar omas também a partir de certa “real”. Em meio à virtualidadeliberdade na dramatização. do mundo em que vivemos,A questão é que, por mais exacerbada pelas novasque se possa fabular sobre as tecnologias digitais, o horizontedimensões em que o real se de expectativas que envolvemanifesta na performance destas a mídia de maneira geralpersonalidades reais, tratam-se tem fome documentária, e atodos de atores profissionais. hibridização do “real”, com aMartha Nowill, Maria Manoella, ficção propriamente dita, virouSoraia Chaves, Vladimir Poglazov, uma espécie de obsessão nasMichel Melamed e Fernando Alves mais diferentes linguagens, ouPinto emprestam ao filme suas até mesmo um modismo artísticosupostas personas, e atuam de contemporâneo. (MOCARZEL,acordo com orientações do diretor 2014, p.1)ou com entendimento prévio decontexto discursivo do projeto. Dito isto, recorro de volta àAfirmar que haja uma “mistura figura de ambos os roteiristas,muito, muito forte neste filme” o diretor Charly Braun e a atrizignora a abertura à improvisação Martha Nowill, para sintetizar emque a ficção proporciona, como se sua relação de criação a maneiraum roteiro com arestas imprimisse como Vermelho russo se insere“realidade” à performance de na categoria do mockumentary,atores. termo utilizado para descrever “falso documentário”.Fome documentáriaIntroduzindo seu ensaio Auto-mise- Martha, autora do texto original,en-scène: ficção e documentário contribui com sua parcela dena cena contemporânea, Evaldo verdade ao “documentário”, vistoMocarzel sintetiza a tendência em que pode ser entendida comoque o discurso de Charly Braun, autoridade no nível discursivo,relativo a Vermelho russo, se insere: afinal, está representando a si mesma. A câmera onisciente,Nas duas últimas décadas, que captura, além de cenasa sociedade do espetáculo claramente dirigidas, interaçõescontemporânea vem engendrando autênticas das atrizes com

pessoas locais, já apresenta um fronteira, com a condição deprojeto de decupagem remetente ser ultrapassada tanto peloa um naturalismo. A inserção do cineasta num sentido quantodiretor, através de seu alter-ego, pela personagem real no outrocomo câmera presente, diegética [...] É sob essas condições dee subjetiva, adequa-se à descrição imagem-tempo que uma mesmade Gilles Deleuze, no âmbito transformação arrasta o cinemadas imagens-tempo, de narrativa de ficção e o cinema de realidade,como o “desenvolvimento de e confunde suas diferenças: nodois tipos de imagem, objetivas mesmo movimento, as descriçõese subjetivas, [...] [que] deve se tornam-se puras, puramenteresolver numa identidade do óticas e sonoras, as narrações,tipo Eu = Eu: identidade da falsificantes, as narrativas,personagem vista e que vê, mas simulações. (Idem, 2009, p.187-também identidade do cineasta- 188)câmera, que vê a personagem e oque a personagem vê” (DELEUZE, Com o advento e a democratização2009, p.180). das tecnologias digitais, projetos como Vermelho russo permitemAssim, apesar dos que as práticas se flexibilizem,atravessamentos com uma abrindo caminho tanto pararealidade concreta, pela inovações formais quanto paraveracidade do argumento original outros níveis de dramatização,e pela autorrepresentação de como a própria autoficção. Émembros envolvidos na trama, imprescindível, porém, que hajaVermelho russo se iguala aos um entendimento dos âmbitosfilmes de horror em found em que se adentra, pois a formafootage, nos quais, apesar de fílmica é muito delicada emmomentos pontuais de real suas implicações. A narrativadocumentação, como em A extrafílmica desenvolvida pelosbruxa de Blair, se apropriam realizadores, de certa forma,desta linguagem para forjar um contradiz os procedimentosrealismo, de modo a se aproximar aplicados no interior da obra.do espectador de maneira mais Pode-se dizer que o debatevisceral. sobre uma suposta mistura entre ficção e documentárioO que deve ser filmado é a demonstra-se obsoleto, pois acaba

87priorizando questões alheias Bibliografiaàs subjetividades em ebuliçãona sociedade da informação. O ACKER, Ana Maria. O dispositivo nopróprio formato found footage cinema de horror found footage.tende, atualmente, ao ostracismo, In: Lumina, v.9 n.1, jan./jun. 2015.já sintomático de uma época Disponível em: <https://goo.gl/anterior, das handycams e não BhFeSN> Último acesso em 15 nov.dos smartphones. É importante 2017.que, concomitantemente àsexperimentações formais, haja BRAUN, Charli; NOWILL, Martha. Oum norte discursivo coerente, processo criativo de Vermelho russo.em tempos de multiplicidade ABRA – Associação Brasileira dede formatos audiovisuais e Autores Roteiristas, 2016. Disponívelbanalização da gramática em: <https://goo.gl/gB2Bri> Últimocinematográfica. acesso em 16 nov. 2017. CARREIRO, Rodrigo. A câmera diegética: clareza narrativa e legibilidade documental em falsos documentários de horror. In: ENCONTRO ANUAL DA COMPÓS, 12., 2013, Salvador. Anais… Salvador, 2013. Disponível em: <https://goo.gl/ SxoG15> Último acesso em 16 nov. 2017. DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2009. LEHNEMANN, Andrey. Vermelho russo é um dos grandes documentários de 2016. ClicRBS, 2016. Disponível em: <https://goo.gl/bQx7tC> Último acesso em 16 nov. 2017. MOCARZEL, Eduardo. Auto-mise-en- scène: ficção e documentário na cena contemporânea. In: Sala Preta, v.14 n.2, 2014. p.171-181. Disponível em: <https://goo.gl/s2sq5b>. Último acesso em 16 nov. 2017. NOWILL, Martha. Esse russo está destruindo meu ego. Revista Piauí, 2009. Disponível em: <https://goo.gl/ HFCVm3> Último acesso em 14 nov. 2017.

O amor conquistado no filme Como Nossos Pais: uma análise sobre a construção do mito da maternidade Analu FavrettoAnalu Favretto é graduanda em Cinema e Audiovisual na UFPELIntrodução filmes traz uma mãe que se sacrifica eEm todas as culturas e contextos sociais é mártir em sua relação com filhos eexistem figuras que desempenham família.determinadas funções. Nas mídias,esses mesmos símbolos são O ilusório dogma sobre umrepresentados tendo como base determinado instinto materno naestereótipos e sua construção histórica. mulher, que de forma inata tem suaNo caso da imagem da mãe, há função estabelecida e imutável, teminúmeros padrões e ideias sobre. No como maior expoente Rousseau e seucinema, houve quem quisesse explorar livro Emílio, lançado em 1762, ondeatravés de um viés não caricato, caso novas ideias sobre a fundação dade Ingmar Bergman em Sonata de família surgem para fixar na mãe a baseoutono, mas a grande maioria dos da mesma, assim como sua chance

89de prosperar ou não. É na teoria em filmes, temos exemplos dosrousseauniana que se edifica a mais variados tipos. A mãe quedesigualdade de gênero que sofre pela morte prematura emperduraria pelos próximos dois Tudo sobre minha mãe (Pedroséculos. Almodovar, 1999), a que projeta seus sonhos e frustrações em CisneRousseau realiza uma clara negro (Darren Aronofsky, 2011),distinção entre o espaço público a que se sacrifica em Dançandoe o privado (doméstico). Aquele no escuro (Lars von Trier, 2000),destinado aos homens e este, a que tem sua rotina de dona deàs mulheres. Trata-se da divisão casa em Jeanne Dielman (Chantalsexual do trabalho que se iniciou, Akerman, 1975), entre outros. Nade acordo com esse filósofo, no realidade, uma recente pesquisamomento em que surgiu a família. feita em 2014 por Brent Lang pelo(SOUZA, p. 149). Centre for the Study of Women in Television and Film at San DiegoÉ a partir dos anos 60 que State University revela que 58%teorias feministas surgem para a dos personagens femininos sãodesmistificação da crença de que identificados pelos papéis detoda mulher necessita ser mãe. A esposa ou mãe.filósofa Elisabeth Badinter publicao livro Um amor conquistado - o Há pouco, o filme brasileiro Comomito do amor materno, em 1980, nossos pais (Lais Bodanzky, 2017)pioneiro da discussão sobre o trouxe uma relação conflituosaassunto. Influenciada por Simone entre mãe e filha, com umade Beauvoir, Badinter realiza uma constante quebra de padrõespesquisa extensa em que abrange desempenhados pela matriarca.os séculos XVIII, XIX e XX. Embora O filme todo acompanha a vidaseu foco seja na sociedade de Rosa (Maria Ribeiro) e suasfrancesa, é possível deslocar vivências, seja com o marido,seus escritos para a maioria dos seja com irmão, pais ou filhas. E écontextos sociais do mundo. Sua nessa pluralidade de relações queinvestigação se inicia nos vestígios aparentemente não sobra espaçode uma mãe que abandona os para entendimento. A mãe defilhos para amas e se finda no Rosa, Clarice (Clarisse Abujamra)discurso psicanalítico, que a torna é uma mulher forte e drástica,a figura central da família. que não poupa verdades, aliás, o filme se desenvolve a partir deEm termos de alegorias maternas

uma revelação dela. E finaliza em destinada ao matrimônio queum expurgo que só caberia a mãe correspondesse a posição derealizar. No paralelo proposto pelo sua família. É apontado no livroartigo, iremos examinar o papel que “a família do século XVII,de Clarice e Rosa, como mulheres, embora diferente da medieval,mães e figuras construídas através ainda não é o que ele chama deda história e da pressão social. família moderna, caracterizada pela ternura e a intimidade que ligam os pais aos filhos.”Há pouco, o filme brasileiro (BADINTER, 1980, p. 52). LogoComo nossos pais trouxe após, articula a posição cristãuma relação conflituosa no processo, principalmente em Santo Agostinho, queentre mãe e filha, com uma afirma que logo que nasce aconstante quebra de padrões criança é do mal, carrega nela o peso do pecado original,desempenhados pela matriarca portanto a mãe não deveria demonstrar ternura para a mesma, uma vez que ela nos distancia de Deus sendo aA primeira mãe personificação da imperfeiçãoBadinter em seu livro faz um humana.apanhado histórico muito extenso, É esse distanciamento que faz doo que é crucial para entender de século XVIII o mais frutuoso emuma forma linear todo o processo abandono de crianças a amas-que envolve a criação de uma de-leite, “para os casais maisfigura tão dócil quanto a da mãe. pobres da sociedade, o filhoDe fato, talvez seja mais importante chega a ser uma ameaça à própriaentender a transformação do que a sobrevivência dos pais. Não lhescriação. Os interesses mercantis de resta, portanto, outra escolha senãopoder e intelectuais que estavam livrarem-se dele.” (BADINTER,em jogo e os agentes para que 1980, p. 73). A indiferença maternaessa mutação acontecesse. nesse caso também pode serEm primeiro lugar, a autora interpretada como uma maneiralocaliza a ausência do amor como inconsciente de se defender dovalor social ou familiar. A mulher, sofrimento “dada a taxa elevadaquase sempre um dote, estaria de mortalidade infantil até fins do

91século XVIII, se a mãe se apegasse de mais mão de obra. “Em 1770intensamente a cada um de seus Diderot resume a nova ideologiabebês, sem dúvida morreria de nos seguintes termos: “Um Estadodor.” (BADINTER, 1980, p. 83). só é poderoso na medida em que é povoado... em que os braços queEm Como nossos pais, Clarice não manufaturam e os que o defendemdemonstra carinho pela filha, ao são mais numerosos.” (DIDEROTcontrário. O filme começa com Apud BADINTER, 1980, p. 153)uma discussão entre as duas eleva à revelação de que Rosa não Nesse período, outraé filha de seu suposto pai. Ao mudança significativadecorrer, entendemos a relação da para o deslocamento deprópria Rosa com as filhas como significado de mãe é auma tentativa de não repetição mercantilização da criança.de sua mãe. Gradualmentecompreendemos a motivação A condição da mulher pouco sede Clarice, em uma tentativa alterou no século XVIII, mesmode reservar sua dor. Ela prefere após a Revolução Francesa. Porém,distância à piedade. há de pontuar que a felicidade começa a ser incorporada comoA família objetivo no casamento e naApós o lançamento de Emílio em construção da família. A junção de1762, os manuais de como a “boa duas pessoas agora é observadamãe” deveria ser abundam. Essas como o caminho da felicidade, apublicações “impõem, à mulher, união de dois corpos que se amama obrigação de ser mãe antes de e tem seu ápice na procriação. É otudo, e engendram o mito que nascimento da família moderna.continuará bem vivo duzentos anosmais tarde: o do instinto materno, Como é das mulheres queou do amor espontâneo de toda depende todo o êxito damãe pelo filho.” (BADINTER, operação, elas se tornam, pela1980, p. 144). Nesse período, primeira vez, as interlocutorasoutra mudança significativa para privilegiadas dos homens. São,o deslocamento de significado portanto, elevadas ao nível dede mãe é a mercantilização dacriança. Ela não é mais o pecadoou o estorvo na vida dos pais,para o Estado ela se torna garantia

“responsáveis pela nação”, o modo com que elas lidavam comporque, de um lado, a sociedade a tarefa de ser mãe era um modeloprecisa delas e lhes diz isso e, de a ser seguido, pois elas obedeciamoutro, quer-se reconduzi-las às à natureza, não se afastando desuas responsabilidades maternas. suas crias até que as mesmasTornam-se, ao mesmo tempo, fossem desmamadas. “Por maisobjeto de uma súplica e de uma que se condene o luxo depravador,acusação. (BADINTER, 1980, p. prevalece o fato de que, quanto180) mais rica e culta é uma nação, mais as mães renunciam à suaNo filme, o casamento de condição materna. Sem dúvida asClarice e Homero (Jorge fêmeas dos animais eram melhoresMautner) é o retrato do modelos, pois não se temia quefalho. Homero é um homem evoluíssem ou sofressem osproblemático, desprendido efeitos perniciosos da cultura.”de responsabilidades e (BADINTER, 1980, p. 185).aparentemente divertido. A uniãofinda por Clarice não aguentar a É nesse paralelo entre Estado einstabilidade do marido, que já essência que foi recomendadoestava em outro relacionamento que as mulheres seguissem seusantes mesmo deste acabar. Já o instintos conforme as leis dacasamento de Rosa com Dado natureza. Todavia, a autora pontua(Paulo Vilhena) parece novamente insistentemente os exemplosuma tentativa de não repetição absurdos usados por médicos edos pais; ambos tentam se pensadores. No início do século XXentender o tempo todo. Porém, chegou-se a comparar a mulher acomo observado na maioria dos um galináceo.casais, Rosa sente-se incompletapor ter largado sua profissão dos Num livro de vulgarização sobresonhos para cuidar das filhas. a higiene infantil, o doutor J.A repetição de submissão é a Gérard julga que será melhormesma, o que muda é a direção compreendido pelas mãesque seguirá o relacionamento. valendo-se do exemplo da galinha: “Quando põe um ovo, a galinhaA natureza não tem a pretensão de ser mãeAinda no século XVIII, intelectuais por tão pouco. Botar um ovo não écomeçam a observar o cotidiano nada.. mas onde começa o méritode fêmeas selvagens, bárbaras e da galinha, é quando ela chocatodas do reino animal. Para eles, com consciência, privando-se

93de sua querida liberdade.. numa A nova mãepalavra, é quando desempenha Seja por interesse na ascensãoseus deveres de mãe que ela social ou na promessa de umfaz jus realmente a esse título” apego maior de seu marido, a(BADINTER, 1980, p. 188) mulher do século XIX aceitou rapidamente o papel de boaAmparados pelo argumento mãe. Essa nova entidade vivede desnaturação da mulher, ansiosa e preocupada com seuintelectuais reforçam a ideia bebê; é durante esse períododo bom selvagem, aquele que a persona do médico daque não renuncia a natureza, família se instaura, criando umque está sempre pronto para laço com a mesma. Devota, nãolutar pela sua família. Embora há hora do dia que não estejao discurso colonialista exalte disposta a amamentar e cuidarcaracterísticas naturais desses de seu filho. “É, portanto, umpovos, principalmente da América novo modo de vida que apareceLatina, eles não deixam de ser no final do século XVIII e que sedesprezados e considerados não- desenvolverá no curso do séculocivilizados. XIX. Voltada para “o interior”, a “intimidade” que conservaNesse caso, é reiterado o quanto bem cálidos os laços afetivosa mulher não deve procurar o familiares, a família moderna seconhecimento, deve se reter aos recentra em torno da mãe, quecuidados dos filhos, ligando-se adquire uma importância quea eles, tudo que foge disso é jamais tivera.” (BADINTER, 1980,dispensável. Clarice é uma mulher p. 212)que estudou, é forte, aos olhosda sociedade é uma ameaça. De maneira geral as mulheresNaturalmente seu lugar seria em burguesas foram as primeiras acasa, docilmente cuidando das retomar os filhos aos cuidadoscrias. É em uma viagem para um maternos. É chamada de “rainhacongresso de sociologia em Cuba do lar” e detém o poder sobre aque conhece o pai biológico de prole e a casa. A mulher deixa deRosa. Ela se autodenomina uma ser comparada a Eva e ao pecadomilitante da educação. Ora, há para começar a ser comparadamaior renuncia a natureza que uma com a Virgem Maria, que tudo fezmulher que luta? por seu filho.

A mãe moderna passa mais ambos uma imagem da mulher tempo com seu filho, muito mais singularmente semelhante, com tempo do que passou com sua 150 anos a separá-los: sublinham o própria mãe. É esse tempo entre senso da dedicação e do sacrifício as duas gerações que tornam que caracteriza, segundo eles, as diferenças tão gritantes. No a mulher “normal”.” (BADINTER, drama de Bodanzky, Rosa lê para 1980, pp. 237) suas filhas todas as noites, leva-as para a escola e anda de bicicleta É o momento que a palavra com elas; aparentemente há um punição começa a ser incorporada esforço de se fazer presente. Em no processo. Há quem dissesse uma discussão com Clarice, Rosa que as que se recusassem a lembra à mãe que era reprimida praticar os cuidados de boa mãe durante sua infância. Cita um sofreriam de tuberculose, câncer episódio em específico em e loucura. É a enfermidade que que Clarice abaixava o som da Clarice quer tanto esconder da televisão toda vez que passava sua família, desenvolvida pelo propagandas que ela gostava de uso constante de cigarros; ela assistir, afirmando que era para a não para com o hábito nem filha não virar consumista. depois do diagnóstico. Rosa não tem recompensas por ser,A mãe moderna passa mais aparentemente, uma mãe melhortempo com seu filho, muito que a sua foi. Ela é traída pelomais tempo do que passou marido, sua vida profissional é umcom sua própria mãe fracasso e com a doença de sua mãe. Para Rosa sobram os castigos. O êxito da culpa e as punições Após ser responsabilizada pelos A traição no filme é marcada como cuidados dos primeiros anos, sinal da crise do relacionamento. pela higiene, carinho e educação, Dado a nega todas as vezes que o século XX chega para culpar a Rosa implora pela verdade. Em mãe pelos traumas inconscientes certo momento, quando o celular do filho. “Assim fazem Rousseau de Dado sinaliza que uma nova e Freud, que elaboraram mensagem foi recebida, é ela quem vê o que está escrito e anexado como imagens. Tudo se confirma. Para isso também há a culpabilidade na mulher. No livro

95a autora cita Dupanloup que diz continuidade a esse trabalhoque “se o pai não volta para casa de destruição, de conquista,depois do trabalho e de suas de organização, sem o qualocupações, é porque a mulher a nossa existência logo senão lhe sabe proporcionar um tornaria impossível; caçar,lar aconchegante e filhos bem- pescar, empreender, construir,comportados.” (Apud BADINTER, transportar, é o trabalho do1980, p. 277). homem.” (BADINTER, 1980, pp. 282)O paiO gancho para a trama se Entretanto, a moral de Rosa édesenvolver é a descoberta de questionada pelo envolvimentoque Rosa não é filha do homem com uma quarta figura paternaque sempre achou que fosse que surge no filme. Pedro (Felipeseu pai. É filha de um caso que Rocha) é o pai de uma dasClarice teve durante um congresso colegas de escola com quemde sociologia em Cuba. O pai Rosa se envolve emocionalmente.biológico é o deputado Roberto Porém, sua relação é muito maisNathan (Herson Capri). A tríade emocional que carnal, ela procuraparental é complexa. Dado, o por algo novo, algo que a façamarido egocêntrico, Homero o pai sentir e a renove. É a premissa dode criação irresponsável e Roberto, laço criado; acordar Rosa paraque no primeiro encontro com mudanças. Em um diálogo doRosa já decreta que não poderia longa, Pedro a questiona sobredemonstrar um afeto que não o que ela quer. Ela respondeaprendeu a sentir. que é uma pergunta difícil, mas termina falando que deseja umEm 1927, Alain dedicou-se “cara presente” em sua vida. É aao problema dos sentimentos presença que não se fez na vidafamiliares, e procurou demonstrar de Rosa, nem por seus pais, nem(!) a distinção necessária dos por seu marido.papéis parentais. Para isso,procedeu primeiro à análise da É ele quem “diz”, “canta”, “conta”,“natureza” dos dois sexos, única “explica”. Dá as razões dos seusforma de nos fazer compreender atos e, com isso, transmite a lei“as potencialidades e as aptidões moral universal. Em contrapartida,de um e de outro”. “Pela estrutura a maternagem e a carícia lhes sãoe pelas funções biológicas, o papel formalmente proibidas, sob penado macho é evidentemente dar de perder a afeição e o respeito

dos filhos. O amor paterno tem, e as frustrações oriundas dessaportanto, a particularidade de incapacidade. Ele cita a naturezasó ser concebido e realizado à também, “a passividade, diz Freud,distância. (BADINTER, 1980, pp. passa então a predominar. Como320) se o modelo cultural não tivesseÉ essa ausência sem nenhuma influência específicaresponsabilidade que se instaura sobre o comportamento dano imaginário como figura do menina.” (FREUD Apud BADINTER,pai. Enquanto a mãe deve ser 1980, pp. 302).capaz de cessar toda e qualquer A inabilidade de sentir prazer ecarência, insegurança e se firmar ser saciada da mulher também é usada para comprovarA inabilidade de sentir prazer e suas teorias. Ele sublinhaser saciada da mulher também a posição passiva daé usada para comprovar suas mulher no sexo e como para o macho o atoteorias. Ele sublinha a posição é essencial. No filme,passiva da mulher no sexo e como durante uma sessãopara o macho o ato é essencial da terapia em que Rosa e Dado estão passando para auxiliarcomo exemplo de ternura, o relacionamento, oprincipalmente para a filha, marido reclama da falta de sexo.que deve seguir esses mesmos Dado afirma que sem sexo não háprincípios quando ser mãe. casamento. Rosa então responde que para ter tesão é preciso que oA inveja “cara tenha sido legal o dia inteiroÉ no século XX que se cria a e ter a ajudado nas tarefas do dia-teoria mais prejudicial à imagem a-dia”. São essas pulsões sexuaisda mulher. Freud disserta que são negadas para a mulhersobre a inveja do pênis, sobre como algo natural.o masoquismo feminino, a Enquanto um número considerávelpassividade e o devotamento de mulheres buscava pelapara o marido. Toda sua tese igualdade, reclamavam sobre atem como princípio a vontade divisão de tarefas, a psicanáliseda mulher em ser um homem reiterou a distinção de papéis

97existentes; a mãe é a ternura, o do que qualquer mudançapai a autoridade e a lei. É possível econômica que se produza.concluir a importância para a (BADINTER, 1980, pp. 331)construção de uma imagem deboa-mãe que teve a psicanálise. O plot da trama parte do queUma definição perigosa e que Caru propõe quando deixa para aviria a ser distorcida em diversos irmã uma reportagem que abordasetores. Freud afirma que somente o tema de amores poligâmicos.uma mulher que pudesse sofrer Em um diálogo pós-leitura docom alegria poderia ser boa. texto, Rosa encontra com Pedro e desabafa sobre a desigualdadeO feminismo na questão de gênero. Ela sente-se revoltada,Em Como nossos pais há uma fala que Dado a acha furiosa. Épersonagem que personifica a o estado natural que nos fizeramgeração atual, desprendida de acreditar, a mulher que reclamaconceitos e rótulos, Caru (Antonia é histérica, é brava, mereceBoudouin), é a irmã de Rosa por ser domesticada. Merece serparte paterna que não poupa possuída pelo macho que a vaicríticas ao atual estado em que tornar dócil, quando ela estiverse encontra. Em uma cena, Caru passando por isso, ela vai estarindaga se Rosa acha que o modelo pronta para ser mãe.de família patriarcal e caretaem que ela estava vivendo não Kate Millett foi uma das teóricasprecisava mudar. Ela encoraja. que elaborou teses refutando oÉ preciso fazer diferente. Nesse que a psicanálise defendia. Elamolde de ruptura que o feminismo aponta como principal erro dedos anos 60 subverte a questão de Freud o não reconhecimentoser mãe. de uma hipótese social que cria padrões e hierarquias.Encorajando as mulheres a serem Ela questiona o conceito dee a fazerem o que se julgava “inferioridade” que ele cunhaanormal, as feministas lançaram baseado em experiênciasos germes de uma situação anatômicas dos sexos. Dissertaobjetivamente revolucionária. também sobre perguntas nuncaA contradição entre os desejos respondidas, como por exemplo,femininos e os valores dominantes o sentido da frustração em nãonão pode deixar de engendrar ter um pênis, se a menina poderianovas condutas, talvez mais considerar seu corpo norma eperturbadoras para a sociedade

o membro como excrescência a contribuição da psicanálise noantiestética. “Como então não século XX. Tudo que seguiu emconcluir pelo subjetivismo de 300 anos para a transformação daFreud, por um “preconceito de mulher na figura responsável pelosupremacia masculina bastante progresso do lar e assegurou paraclaro”. (MILLETT Apud BADINTER, o pai uma posição confortável.1980, p. 332). Em paralelo com o longa ComoSobre o masoquismo que Freud nossos pais, foi nítida a presençainsiste que é parte da natureza desse molde patriarcal de relação.e que toda mulher deve aceitar Dado configura o pai que traío fato de que sofrimento a torna e reclama por ter deixado demelhor, Millett questiona o fato ir ao futebol, Homero é o paide que hoje em dia as mulheres irresponsável que não consegueestão optando por meios de trabalhar e troca de esposassentir menos dor, como no parto, conforme seu humor e Roberto“não é isto uma prova de que a é a figura que nem pretendedor lhes repugna tanto quanto à estar envolvido na vida de umaoutra metade da humanidade?” filha que acabou de surgir. Eles(MILLETT Apud BADINTER, 1980, não pagam por isso, eles nãopp. 334). Porém, muitos desses são culpabilizados em nenhumconceitos continuam sendo momento. Diferente das mulheresusados para ilustrar uma tentativa do filme, Clarice paga pela relaçãode distanciamento da mulher de áspera que teve a vida toda com afunções importantes e reforçar filha Rosa, que por sua vez desisteo poder masculino na nossa do trabalho de seus sonhos parasociedade. cuidar das filhas.Conclusão A maternidade sempre estáTendo realizado a leitura correlacionada com obrigações edo livro de Badinter, não é sacrifícios da mulher. Vimos issodifícil de visualizar o processo na história do Cristianismo; nade construção do mito da escultura pela imagem de Pietá,maternidade. Desde o abandono de Michelangelo; no cinemados filhos no início do século em Precisamos falar sobre oXVIII, o impacto dos escritos Kevin (Lynne Ramsay, 2011) ede Rousseau, a mercantilização recentemente em Lady Bird – Horada criança, a criação da família de voar (Greta Gerwig, 2018) emoderna durante o século XIX e na literatura de Gabriel Garcia

99Márquez em Cem anos de solidão, Referências bibliográficascom a personagem Úrsula. O queajuda a intensificar o significado BADINTER, Elisabeth. Um amorde mãe criado historicamente e de conquistado: o mito do amor materno;forma não natural. tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.Recentemente, durante umamaster class no Festival de Brasília LANG, Brent. Study Finds Fewerdo Cinema Brasileiro a diretora Lais Leads Roles for Women in Hollywood.Bodanzky falou sobre a realização Disponível em:http://variety.com/2015/do filme. Em sua fala ela deixa film/news/women-lead-roles-in-explícito que seu intuito era tocar movies-study-hunger-games-gone-um determinado nicho, pontuado girl-1201429016/. Acesso em: fevereiro,por ela como pessoas de sua 2018.geração, mais especificamentemulheres, que estão descobrindo SOUZA, Cristiane Aquino. Anovas formas de ver o amor. desigualdade de gênero noComo Rosa, que termina o filme pensamento de Rousseau. In: Novosescrevendo sobre relações não- Estudos Jurídicos, v20, n1, 2015monogâmicas. É preciso que a Disponível em: https://siaiap32.mulher se permita, se realize, se univali.br/seer/index.php/nej/article/perdoe. view/7198. Acesso em: fevereiro, 2018.Como, então, não chegar àconclusão, mesmo que ela pareçacruel, de que o amor materno éapenas um sentimento e, comotal, essencialmente contingente?Esse sentimento pode existir ounão existir; ser e desaparecer.Mostrar-se forte ou frágil. Preferirum filho ou entregar-se a todos.Tudo depende da mãe, de suahistória e da História. Não, não háuma lei universal nessa matéria,que escapa ao determinismonatural. O amor materno não éinerente às mulheres. É “adicional”.(BADINTER, 1980, p. 365)


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