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Mnemocine

Published by David Alves, 2017-10-28 04:13:37

Description: A REVISTA MNEMOCINE é uma publicação eletrônica semestral gratuita que apresenta textos acadêmicos e ensaísticos de maior profundidade, com call for papers aberta aos acadêmicos do universo audiovisual.

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para destacar os produtos todo. Neste trabalho, buscou-seaudiovisuais circulados9 na cidade. analisar os lugares denominadosDeste modo, a APL SPCine indica como capitais de mídia, e a suaum redirecionamento no foco atualização em centros transmídia.como é tratado o sistema deprodução audiovisual da cidade No contexto da convergênciae oferece indícios de mudanças midiática, é de fundamentaldo mainstream tradicional importância que se possa elaborarcalcado no cinema, televisão e cartografias do audiovisualna publicidade, para um centro - considerando quais são ostransmídia em formação, com segmentos envolvidos e ofoco na convergência de mídias impacto da atividade na realidadee deslocado da setorização. Esse socioeconômico das cidades.movimento é potencializado No entanto, esta abordagempela lógica interacional criada pretende ir além do mapeamentoentre os produtores de conteúdo econômico e produtivo setorizadoe as audiências conectadas em convencional, tratando questõesrede. Neste aspecto, a busca amplas de inovação no campo dode um maior entendimento da audiovisual.cidade de São Paulo como umcentro transmídia no contexto Ao problematizar a noçãoda convergência se torna uma de centros transmídia e osquestão central para a elaboração processos de inovação noda cartografia audiovisual mercado audiovisual brasileiropaulistana. de entretenimento, este artigo pretendeu explorar algumasConsiderações finais questões do audiovisual na cidadeNo Brasil, as pesquisas de São Paulo. Uma análise decontemporâneas realizadas no Arranjos Produtivos Locais emcampo do audiovisual privilegiam diferentes regiões do país, coma elaboração estratégica de o estudo comparativo do perfilcartografias do setor através da da cidade de São Paulo com o decoleta de dados com o objetivo um centro transmídia destaca ade identificar características existência de atividades midiáticaslocais por meio de avaliações de criativas em outros locais, bemdesempenho do setor perante como permite observar quais sãoas atividades culturais como um as relações da cidade de São Paulo

51com outras localidades e quais são NOTASas dinâmicas culturais e de poder. 1 Fonte: <http://www.mc.gov.br/doc-Uma das conclusões que emerge crs/doc_download/>. Acesso em:destes estudos é a importância março/2015.dos estudos sobre os centrostransmídia, seus Arranjos 2 Projeto de pesquisa - LaboratórioProdutivos Locais e a inovação para de pesquisa sobre produção seriadaa elaboração de políticas para o audiovisual brasileira para plataformasetor audiovisual. Tais pesquisas, transmídia, do Grupo de Estudos sobretambém ajudariam a compreender Mídias Interativas em Imagem e Som, daas dinâmicas que veem se UFSCar, aprovado pelo CTI/CNPQ/MEC/estabelecendo no mercado CAPES no. 22/2014 - Ciências Humanasaudiovisual fora do âmbito das e Sociais.grandes redes televisivas abertase da produção cinematográfica, 3 Porto digital de Recife; Parqueque já são objetos de estudos tecnológico de Salvador; Fapergs no Riopor diferentes perspectivas, Grande do Sul; Lab Rio Criativo no Rio decompreendendo produções Janeiro, entre outros centros em Belém/independentes e alternativas para Pará; João Pessoa/Paraíba e Aracaju/web e a TV Paga. Sergipe.Na próxima etapa da pesquisa, 4 Termo do campo das relaçõespretende-se sistematizar a base de internacionais, criado por Joseph Nyedados e elaborar indicadores para em 1990, sobre estratégias culturaisanálises da produção de séries e usado para influenciar questõeswebséries; aprofundar os estudos internacional na diplomacia (hard power)sobre os Arranjos Produtivos (TRUNKOS, 2013).Locais midiáticos para diferentesplataformas, com o objetivo 5 Cf.: <https://www.facebook.com/de ampliar as análises dos da saopaulofilmcommission>. Acesso em:produção audiovisual ligada aos março/2015.centros transmídia brasileiros. 6 Cf.:http://www.culturaemercado.com. br/noticias/sao-paulo-lanca-empresa- de-fomento-ao-audiovisual/. Acesso em: março/2015. 7 ABCA – Associação Brasileira de Cinema de Animação; ABD – Associação Brasileira de Documentaristas e Curta- Metragistas; ABELE – Associação Brasileira das Empresas Locadoras de Equipamentos; ABPITV – Associação Brasileira de Produtores Independentes de Televisão; ABRAGAMES – Associação Brasileira de Games; APACI – Associação Paulista de Cineastas; APRO – Associação

Brasileira das Empresas de Propaganda eda Produção de Obras Audiovisuais; AR –Associação de Roteiristas; ALT[AV] – Redede Coletivos de Artistas Audiovisuais; RDI– Rede de Distribuidores Independentes;Forcine – Fórum Brasileiro de Ensinode Cinema e Audiovisual; SIAESP –Sindicato da Indústria Audiovisual doEstado de São Paulo; Associação EraTransmídia.8 Cf.: <http://www.brasil.gov.br/infraestrutura/2015/01/acordo-preve-repasse-de-r-7-mi-para-centro-de-inovacao-em-sao-paulo>. Acesso em:março/2015.9 Brazil’s Independent Games Festival(BIG); Mostra Ecofalante de CinemaAmbiental; Festival Internacional deCurtas-Metragens de São Paulo - CurtaKinoforum; Animaldiçoados - FestivalInternacional de Animação de Horror,entre outros.

cinema e... história



55 Mocinhos e bandidos no Velho Oeste: a história, o cinema e suas representações Humberto Pereira da SilvaHumberto Pereira da Silva é professor de filosofia e ética na FAAP e crítico de cinema; autorde Ir ao cinema: um olhar sobre filmes (Musa Editora, 2006) e Glauber Rocha – cinema,estética e revolução (Paco Editorial, 2016)Introdução Estados Federados. Após o desfechoEm 1776 as treze colônias inglesas do processo de independência, atéque se estabeleceram na costa leste meados do século XX, novos territóriosda América do Norte se declararam e Estados foram incorporados, numindependentes da Coroa Inglesa. O processo de expansão para a costareconhecimento da independência oeste que se estendeu até as ilhaspelo Reino Unido deu-se em 1783 e o da Polinésia e do Havaí no Oceanoprocesso de independência das treze Pacífico.colônias culmina com a adoção deuma constituição em 1789, na qual o A política de expansão do territóriopaís assume a forma de uma República americano tem início no governoFederal, com autonomia para os de Thomas Jefferson, que apesar

de sofrer resistência compra a As guerras indígenas seLouisiana dos franceses em 1803 estenderem até 1887, com a Leie dobra a área de extensão do Dawes, que revisou a políticapaís. Mas apesar das resistências americana sobre as terrasiniciais, a implementação de uma indígenas. Segundo Richard Wade3política expansionista da fronteira o congresso aprovou neste ano ana direção oeste ganha força a Lei Dawes, que estabelecia umapartir da década de 1840, com a política indígena inteiramentedoutrina do Destino Manifesto1. nova. O Ato abolia a maioriaEssa doutrina expressa a crença das organizações indígenasde que o povo dos Estados tribais; dividiria as reservas emUnidos é eleito por Deus para porções de terra oferecidas aoscomandar o mundo, e o processo índios para estes cultivarem,de expansão nada mais é que e desde que abrissem mão desatisfação da vontade de Deus. seus costumes, era o objetivoNo seguimento dos pressupostos do Ato. Feito isso, após vinte edo Destino Manifesto, deu-se a cinco anos os índios teriam direitocompra do Alasca dos russos, a um título de proprietários ea guerra com o México, que ser-lhes-ia concedida cidadaniacustou para este a perda do norte-americana plena. A LeiTexas, da Califórnia, do Novo Dawes, contudo, não resolveu porMéxico, de Nevada, do Arizona completo o “problema indígena”.e de Utah (praticamente metade A política do governo americanodo México foi incorporado aos sobre a “questão indígena” seriaEstados Unidos) e, após a Guerra novamente modificada em 1935,de Secessão, com a expansão durante o governo Roosevelt, compopulacional para a fronteira a Lei de Reorganização Indígena,oeste, as chamadas “Guerras que tentou proteger a culturaIndígenas”2. Principalmente os indígena nas reservas.Sioux, nas planícies com a fronteirapara o Canadá, e os Apaches, na Entre os governos de Andrewregião próxima à fronteira com o Jackson e Grover Cleveland (1836-México, resistiram ao assentamento 1890) é que ocorrem as guerrasdos chamados peregrinos nas indígenas. O avanço do “lesteterras do oeste e se opuseram civilizado” para o “oeste selvagem”à transferência para as áreas foi o encontro e choque entre doisreservadas pelo governo. mundos distintos. As narrativas

57sobre a conquista do oeste, por norte-ameircana que lutou contrasua vez, converteram-se numa os índios, ficando famoso pelamitologia que serviu para forjar dureza e crueldade com quea personalidade do país, como conduzia as batalhas: massacroua procura de oportunidades, cheyennes e sioux (principalmentea atitude enérgica perante as mulheres e crianças) e, em 1874,dificuldades. comandou tropas para expulsar os índios de Dakota do Sul. Sua figura,Grande parte da mitologia em construída a partir da batalhatorno da conquista do oeste deve- de Little Bighorn5, terá, a partirse ao modo pelo qual o oeste de então, muitas interpretações.foi representado pelas narrativas Considerando que símbolos efílmicas4. Paralelo à mitologia mitos são forjados a partir desobre a conquista da fronteira, justaposições com outras figuras,desenvolve-se uma historiografia a compreensão que se terá docom foco no relacionamento entre índio também é escrita e reescritabrancos e índios; historiografia de forma dialógica com a doessa que com o correr do tempo famoso General. Essa relaçãotem passado por um processo e construções e reconstruçõesde revisão. Assim, é dentro dessas figuras ao longo da históriadessa perspectiva revisionista é o que nos propomos tratar.que pretendemos desenvolver otrabalho que se seguirá. Tendo Cinema e história: breves notascomo foco as guerras entre Tendo em vista a força dasíndios e brancos no processo imagens fílmicas, este trabalhode expansão para o Oeste, nos se deterá em dois filmes queinteressa compreender como mostram sob ângulos diferentescertas figuras foram construídas – o relacionamento entre brancosde acordo com as necessidades e índios, trata-se de Sangue dedo momento – para serem Heróis (1948), de John Ford, ereconstruídas a partir da revisão Pequeno Grande Homem (1970),historiográfica. de Arthur Penn. Para tanto, o apoio para a organização da exposiçãoFalamos, então, mais será dado pelo artigo de Marcosespecificamente da figura do Napolitano6, no qual ele procedeGeneral Armstrong Custer, a uma análise dos filmes Amistadconhecido oficial da cavalaria (1997), de Steven Spielberg, e

Danton (1983), de Andrzej Wajda. aquele no qual estejam presentes os seguintes elementos:Napolitano, por sua vez, seapoia na maneira como Jacques 1. Relação presente/passado.Le Goff diferencia documento O filme histórico ancora-se noe monumentos e como Pierre presente (produção/distribuição/Sorlin define “filme histórico”. Le exibição) e no passado (datas/Goff, observa Napolitano, nota eventos/personagens que marcamque os materiais de memória o tema dos filmes)coletiva apresentam-se sobduas formas: os documentos, 2. Filmes históricos são formasescolha do historiador, e os peculiares de “saber histórico demonumentos, herança do passado base”. Os filmes não criam esseconsagrado socialmente. O saber, mas o reproduzem e omonumento carrega em si uma reforçam. O filme histórico estáintenção de legar aos pósteros inserido numa cadeia de produçãoum determinado conjunto de social de significados quesentidos para personagens, envolvem historiadores, críticos,eventos ou processos históricos. cineastas e público.E o cinema, dado que um de seusaspectos importantes é o caráter 3. O analista deve problematizarespetacular, é um dos vetores a “narração fílmica da história”,para a monumentalização. Com o explorando a tensão entre ficção ecinema o que se tem é o encontro história, ou seja, entre documentosem que arte e técnica possibilitam não-ficcionais e imaginação/a monumentalização do passado. encenação. Nesse sentido a narrativa fílmica e a narrativaDaí, observa Napolitano, ser histórica estruturam-se comonecessário buscar trabalhar com formas de narração literária, sendouma definição do que, tendo em que esta última busca um efeitovista que o cinema possibilita o de realidade na sua narração,estudo do passado a partir do além de ancorar-se em evidênciaspressuposto da monumentalização, documentais.seria um “filme histórico”. Ele seapoia então na definição dada por De sorte que, com a posse dessesPierre Sorlin, para o qual se deve pressupostos da definição deentender como “filme histórico” “filme histórico” é que para Napolitano ventila-se uma das

59vias pelas quais pode ocorrer a comunista: Ford passou incólumeoperação de monumentalização pelo macarthismo.ou, pelo contrário, a desconstruçãode monumentos históricos, E com Se não se pode afirmar que Fordisso se pode proceder ao exame não era um diretor afinado com ade manipulações, anacronismos ideologia comunista, tampoucoe representações nem sempre se pode atribuir a ele a etiquetamuito fiéis do passado. Posto isso, de um diretor de direita. Nessepassemos aos filmes Sangue de sentido, Ford não via o cinema eHeróis e Pequeno Grande Homem. sua atividade com a importância política e estética que se passou aMonumentalização em “Sangue dar ao cinema nos anos seguintes,de Heróis” e “Pequeno Grande quando o diretor, como autor,Homem” era visto como o criador de umaNa imensa obra de John Ford, obra e com isso responsável pelosSangue de Heróis faz parte do significados diretos ou indiretosque se convencionou chamar que ela carregava. Ford se via“Trilogia da Cavalaria”, que tem como mero funcionário de estúdio,na sequência Legião Invencível como um artesão. Era totalmente(1949) e Rio Grande (1950). O avesso a entrevista, a comentárioscontexto histórico da “Trilogia da sobre seus filmes e, quandoCavalaria” é o do início da Guerra indagado por um jornalista,Fria, quando o cinema americano respondia de modo seco: “Meuexpressará o sentimento de nome é John Ford e faço western”.paranoia em relação à ameaçacomunista. Ford, ao contrário Mas nem John Ford, seus filmes,de outros cineastas e artistas nem o cinema podem serdo período, não expressou considerados de modo neutro.publicamente afinidades com Pela simbologia que carrega,ideias de esquerda. Trabalhou pelos efeitos que provoca, umcom tranquilidade seus temas filme não pode ser deslocadono período da “caça às bruxas”, de condicionantes do tempo empolítica levada a cabo pelo que foi produzido, dos interessesSenador MacArthur e que consistiu diretos ou indiretos que estão emem grande parte como vigilância jogo. E a “Trilogia da Cavalaria”,aos artistas que tivessem meras da mesma forma que se apoiasimpatias com a ideologia no passado – a ação do exército

americano na guerra contra poucos diálogos, extremamenteos índios – foi concebida nos rígido no que se refere ao códigoprimórdios da Guerra Fria e traz à de conduta militar. Ao contrário dotona a questão da ação do exército Capitão York, o Coronel Thursdayamericano diante de ameaças conhece os índios da perspectivaà integridade e ordem social do leste e do estudo de manuaisda nação. Apesar do laconismo e, por ter estudado em West Point,fordiano, filmes como os da tem profundos conhecimentos de“Trilogia da Cavalaria” podem bem estratégias e táticas de guerra. Éser examinados como diálogo um oficial qualificado que vê osentre o passado e o presente. índios como bárbaros e inábeis para uma batalha aberta com umNo caso específico de Sangue regimento de cavalaria do exércitode Heróis, o que se tem é uma americano.incursão indireta pela Batalhade Little Bighorn7, quando a A tensão se adensa quando osSétima Cavalaria, comandada Apaches, liderados por Cochise,pelo General George Amostrong se recusam a voltar para a reservaCuster, foi dizimada por diversas estabelecida pelo governo.tribos, entre Sioux e Cheyennes, Entre o exército e os Apaches hálideradas por Touro Sentado e um agente americano que, emCavalo Louco. Para o que interessa seguimento à política de acordoaqui, o enredo de Sangue de com os índios, intermedia aHeróis pode ser assim resumido. distribuição de alimentos e outrasApós a Guerra Civil, e depois de necessidades. No livro em querápida passagem pela Europa, o aborda as chamadas “GuerrasCoronel Owen Thursday é enviado Indígenas”, Odie Faulk observa queao Fort Apache. Lá ele encontra o este agente é também responsávelCapitão York, bastante acostumado pelo tráfico de bebidas e armas8.aos hábitos Apaches e que goza No filme, a bebida desagregade enorme prestígio entre os os Apaches e as armas lhessoldados. Ford mostra através dão munição para que possamdo Coronel Thursday um militar, enfrentar o exército. Diante daformado na Academia de West resistência dos Apaches, o CapitãoPoint, cioso do lugar social que York tenta dialogar com Cochise;ocupa na sociedade americana ocorre que os Apaches veem comodo leste, por isso, arrogante, de problema principal a presença do

61agente americano, e o Coronel e o profundo desconhecimentoThursday se recusa a negociar do leste, prefigurado peloqualquer acordo a partir de personagem do Coronel Thursday,condições estabelecidas por índios do modo de viver dos Apaches.ignorantes. Apesar de alertadopelo Capitão York dos riscos Ocorre que Sangue de Heróisde um enfrentamento com os não se resolve assim de modoApaches, o teimoso Coronel não se esquemático. Há algo desensibiliza e parte para a batalha. monumentalização que não podeDesorganizados e inferiorizados, ser desconsiderado. O monumentocomo em Little Bighorn, os que se tem em vista é o docomandados pelo Coronel Owen heroísmo do Coronel ThursdayThursday são dizimados. em campo de batalha. Mesmo sabendo, no calor da batalha,Num primeiro momento, Sangue que cometera erro ao subestimarde Heróis pode ser entendido o poderio dos Apaches, a ele foicomo um libelo antimilitar e um dada oportunidade de se salvar.exemplo de como a arrogância e a Mas, ferido, ele se recusa dianteteimosia de um oficial podem levar do apelo do Capitão York, que,a resultados trágicos. Na relação justamente por se manifestarcom os índios, se pode perceber contrário ao enfrentamento foitambém uma preocupação em destituído de suas funções. Assim,mostrá-los como dignos, honrados o Coronel Thursday prefere ficare envoltos numa situação em com seus homens e sacrificar aque são vítimas de acordos que vida a viver como covarde.acabam por afetar sua cultura emodo de vida. A se considerar O que fica como monumento é aas razões apresentadas por Faulk imagem do herói que se sacrificoupara as “guerras contra os índios”, pelo país, como se pode notar naSangue de Heróis exibiria como as sequência final, no depoimentotensões se adensam por conta da do Capitão York para jornalistascorrupção na relação entre brancos do leste que recolhem seue índios. O conflito resultou, em depoimento sobre a batalha. Oúltima instância, da presença do capitão, no final, afirma a atitudeagente do governo. Nesse sentido, heroica do Coronel. A se observaro filme mostraria um lado humano que, enquanto Sangue de Heróisdos índios na figura de Cochise se afirma na glorificação da figura

do Coronel Thursday, a relação realizado, na história americana ocom os Apaches é exibida de que veio a seguir foi justamentemodo exageradamente elíptico. a guerra da Coréia (1951-1953)Pelo filme sabe-se que os Apaches e a do Vietnã (1964-1975). Aose rebelaram porque não queriam monumentalizar a figura de umficar confinados nas terras oficial em campo de batalha,reservadas pelo governo; sabe-se perde-se o sentido histórico dasigualmente que foram municiados razões que, durante as “guerraspelo agente do governo; mas contra os índios”, levaramo foco do filme acaba sendo a regimentos de cavalaria americanaglorificação do gesto final do a enfrentar Sioux, Cheyennes,Coronel no confronto. Apaches.A tensão entre ficção e história ***em Sangue de Heróis residena maneira como se eclipsa o Guerra Fria, macarthismo erelacionamento com os Apaches. A paranoia comunista marcam ofigura de Cochise aparece apenas contexto cultural e cinematográficona medida em que a economia americano no final dos anos denarrativa o exige. O Cochise do 1940 e anos de 1950. As décadasfilme não desponta propriamente de 1960 e 1970, por sua vez, sãocomo personagem e sim como marcadas pelo movimento doscoadjuvante que na batalha direitos civis, pela contraculturafinal apenas deu razão para a e pela guerra do Vietnã. Muitosglorificação do Coronel. Nesse filmes americanos do períodosentido, Sangue de Heróis não faz assumem uma perspectivaver as razões dos Apaches para se revisionista que adere de formarebelarem, não matiza o desprezo marcadamente explícita à visãodo Coronel Thursday pelos índios das minorias na reconstituiçãoe o conhecimento e o respeito de eventos históricos. Um filmeque o Capitão York tinha de seus exemplar dessa perspectiva éhábitos. O foco do filme acaba Pequeno Grande Homem, desendo que pode, na época da Arthur Penn, que como Sangue deGuerra Fria, servir como exemplo Heróis volta-se para a batalha Littlepara um tipo de erro que não se Bighorn. Mas, ao contrário de Ford,podia cometer. A se considerar Penn, por meio de uma narrativao contexto histórico em que foi mordaz e debochada, assume

63explicitamente a perspectiva de feminismo, dos negros e dasdesconstruir o monumento em minorias indígenas ganham umatorno da ação do General Custer/ força que não tinham tido antes. EThursday em Little Bighorn. a participação dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã canalizaráPequeno Grande Homem não é muito da insatisfação da juventudea primeira incursão de Penn pela em relação ao status quo. Pequenohistória americana, em outro Grande Homem nada mais faz domomento que muito rende à que expressar abertamente a queformação de uma mitologia, os fim trágico pode levar a arrogânciaanos de 1930 e a violência do e ausência de lucidez de um oficialperíodo da Grande Depressão, que enxerga o mundo a partir deele concebeu uma interpretação seu próprio umbigo.polêmica da dupla de gangsteresBonnie &Clyde (1967), na qual A desmonumentalização daglamoriza suas ações. Pequeno figura do General Custer começaGrande Homem também não é a pela escolha narrativa. Baseadoprimeira incursão de Penn pelo numa novela de Thomas Berger,oeste. A vida do pistoleiro Billy the de 1964, que conta a história deKid deu o mote para que filmasse um possível nativo americanoThe Left Handed Gun (1958). Nos conhecido como Little Big Man queanos de 1960 já havia passado se envolveu na captura do chefepara artistas, diretores, atores, o Lakota Cavalo Louco, Penn optoufantasma do macarthismo e Penn, pela narrativa em off. Jack Crabb,no contexto contestatório desses já centenário, conta para umanos, é um dos principais nomes jornalista sua vida entre os índiosdo cinema americano a expressar o e os brancos, entre Cheyennes,espírito da contracultura. Pequeno Pawnees, pistoleiros, prostitutasGrande Homem, com isso, se torna e o General Custer. Crabb, oum marco porque desconstrói de “Pequeno Grande Homem”, foramodo subversivo e irreverente educado inicialmente pelosa maneira pela qual se deveria Cheyennes, depois que sua famíliaentender o relacionamento entre foi dizimada pelos Pawnees. Umbrancos e índios no período das Reverendo continua sua educaçãoguerras indígenas. Vale enfatizar até que ele volta ao contato com osque os anos de 1960 são os em Cheyennes e, por fim, acaba comoque movimentos como os do sobrevivente na Batalha de Little

Bighorn. No início da fala com o tese do jornalista: as ações dojornalista, este interpreta as ações exército americano podem serdo exército americano nas guerras interpretadas como de genocídio.indígenas como um genocídio.Grabb, no entanto, o interpela e O que se tem como foco emdiz que vai ensinar a ele como as Pequeno Grande Homem, aocoisas realmente ocorreram. contrário de Sangue de Heróis, é o modo de vida dos Cheyennes,O que Grabb, o Pequeno sua cultura e seus hábitos. NesseGrande Homem, conta é como sentido, embora vençam a Batalhaos Cheyennes viviam, como em Little Bighorn, não é tantoeram suas crenças, que valores uma vitória a ser comemorada,norteavam suas ações. E, porque como para os antigos a vitória detransitava constantemente entre Pirro9, pois há entre os Cheyennes,o mundo dos brancos e o dos no modo como expressa suaíndios, o modo de vida destes foi sabedoria o Chefe Pele Bronzeada,exibido em contraste com o dos o sentimento de que o caminhobrancos. O que se poderia esperar da tribo é o da extinção. Assimpelas cenas iniciais é que Crabb sendo, a imagem mais impactantemostraria ao jornalista que não é a do chefe que se tornou invisívelhouve genocídio, que essa é uma e, durante a batalha, caminhavisão distorcida da “verdadeira” entre os contendores sem serhistória, história essa que, por visto. É que, da perspectiva doster sido testemunha ocular, ele acontecimentos, ele não mais vive,poderia contar ao jornalista, é apenas um espectro.que estaria apenas repetindoclichês revisionistas. Como Penn Com isso, o que se tem emoptou pela narrativa picaresca, Pequeno Grande Homem é aoou burlesca, o que acontece é mesmo tempo a desconstruçãoque há um descompasso entre do monumento do Generala maneira como Crabb conta os Custer e a monumentalização doepisódios vividos por ele e como chefe Cheyenne. Pele Bronzeadaas imagens os captam. Ele não simbolizaria não tanto a resistência,poderia, nem teria condições de mas o sentido de que os índiosconta uma história isenta. Ao jogar foram dizimados pelos brancos.com o picaresco, com o burlesco, Penn, no espírito da contraculturao que se tem é a afirmação da propõe em Pequeno Grande

65Homem uma revisão da história. O A desagregação e o comércio comfundo moral é que se deve assumir os brancos foram, como observaa culpa pelo genocídio e que, Faulk, fatores de tensão entre osda mesma forma que aconteceu índios; na mesma medida, dadanas guerras indígenas, o exército a desvantagem entre o exércitoamericano precisava prestar contas americano e os índios, essesda maneira como estava atuando fatores foram responsáveis pornas selvas do Vietnã. uma “guerra” desigual e com resultado esperado. Penn fezMas Pequeno Grande Homem não um filme cuja importância, noestá imune às distorções que a contexto dos anos 1960, se devedesconstrução de monumentos principalmente à desconstruçãopode trazer. Se em Sangue do monumento do General Custer.de Heróis a figura de Cochise Mas, deve-se observar, Pequenoaparece apenas na medida em Grande Homem peca pelasque a economia narrativa o exige, distorções históricas: os Sioux,em Pequeno Grande Homem é Touro Sentado ou Cavalo Louco,o próprio General Custer que simplesmente não existem nonão desponta propriamente filme.como personagem e sim comocoadjuvante na batalha final. Narrativas fílmicas e debateNesse sentido, na medida em historiográfico em torno daque mostra um General tomado relação entre brancos e índiospela megalomania e insanidade, Sangue de Heróis e PequenoPequeno Grande Homem não faz Grande Homem se prestam, pois,ver, por exemplo, como as diversas a um exame a partir da definiçãotribos indígenas não se conheciam, de filme histórico e de elementoscomo a ação do exército em de monumentalização tais quaisgrande parte foi facilitada pelo estabelecidos por Napolitano.conluio entre brancos e índios no Nesse sentido, vale destacar que,momento em que acordos para para além de se pensar numaassentamentos seduziam grupos “verdade histórica” definitivaindígenas que se deixavam levar acerca de acontecimentos comopela corrupção de armas e traiam as guerras indígenas, a Batalha deseus próprios membros. Little Bighorn, tanto Sangue de Heróis quanto Pequeno Grande Homem dialogam com tradições

historiográficas. Podem se situar, O que se tem hoje então sãoportanto, no centro de debates posições interpretativas que sesobre a interpretação do passado. opõem quanto à maneira pelaNo caso das guerras indígenas, qual os brancos e os indígenasessas podem ser entendidas como se percebiam na caminhadaum fenômeno que se insere no pela conquista do oeste. De fato,sentido mais amplo que é a o da como qualquer interpretaçãoconquista do oeste, no espírito da histórica, a que trata acerca dadoutrina do “Destino Manifesto”. expansão norte-americana para oA se levar em conta a política Oeste pode ser apresentada sobamericana de expansão para o diversos prismas. Sendo assim, éoeste, diversas tribos indígenas comum que existam divergênciasestavam no meio do caminho. Daí e apontamentos opostos sobre uma presença do exército americano mesmo tema. É isso que ocorree, por conseguinte, as tensões e entre a tradicional tese da fronteiraincidentes que marcam o período – defendida e apresentada porque vai de meados da Guerra Civil Frederick Jackson Turner10 – e aaté pelo menos a Lei Dawes. nova historiografia do Oeste, aqui representada por Nash. A respeitoO que se tem em vista aqui, de Sangue de Heróis e Pequenoa partir de pressupostos Grande Homem, pode-se dizerapresentados por Napolitano, é que de algum modo suas imagensque filmes como Sangue de Heróis dialogam ou com a tese dae Pequeno Grande Homem não fronteira apresentada por Turnercriam um saber alternativo sobre ou com a crítica que lhe é feita poracontecimentos do passado, mas Nash.sim que reproduzem ou reforçamum saber que se constituiu com Segue-se então que a revisãoa passagem do tempo. Não historiográfica a partir de umse trata de dizer se correntes debate historiográfico permitehistoriográficas corroboram ou não reorganizar e reconsiderar papéisnarrativas como a da conquista históricos de certos personagens.do oeste, que foram muito bem Consideramos que é apenas porexibidas pelo cinema desde E. S. meio da revisão e da discussãoPorter. Trata-se, sim, de acentuar que podemos ampliar nossasque as narrativas fílmicas dialogam considerações acerca de assuntos.com tradições historiográficas e amemória social.

67É como material fragmentado se manifestava. Posto isto, oparcial e muitas vezes anacrônico massacre indígena, se necessário àem relação aos eventos prática política, arrasou seu modorepresentados que um filme de vida; no melhor dos casos, a fimpode se revelar como documento de corroborar a construção de umahistórico. Mas, o debate imagem fundamental para quehistoriográfico, com seus recortes se seguisse o plano de expansão,e ênfases, abre espaço para estimulou a representação dodúvidas e reavaliações do passado. índio como um ser fraco, selvagem,Tanto quanto a narrativa fílmica, que precisaria ser tutelado ea narrativa histórica estrutura- civilizado. Compreendemos quese como narração literária, mas, a tese de Turner se justificou numao contrário daquela, a narrativa determinado momento comohistórica suporta-se em evidências base de sustentação de uma açãodocumentais. política nacional. A promoção e a renovação contínua das ideiasConclusão democratas e individuais fazemA tese da fronteira defendida com que monumentos sejampor Turner justifica-se quando erigidos.analisada dentro de seu momentode concepção. Os anos anteriores Mas, se pensamos o estudoao de 1893, ano de publicação da da História como uma reflexãotese, os Estados Unidos marcam distanciada do passado, nadaprocessos de guerra, instabilidade mais natural do que a reavaliaçãointerna, pressão demográfica na dessa tese. Hoje, como mostra acosta leste – em contraposição nova historiografia, há uma visãoàs terras férteis e ricas ao oeste – mais social do índio. A resistênciauma crescente industrialização e de Sioux ou Apaches à marchapressão para novos mercados e para o oeste, apresentada pelamatérias-primas. Em momentos nova historiografia, procuraassim, ações em nome de causas representar o índio como ume bens comuns se justificam, se ator social. Erigido um novodefendem, como é o caso de monumento, com respeito à figuraTurner, a unidade e preservação indígena, em contrapartida, há ade uma jovem nação. A expansão desmonumentalização da figurapara o Oeste trazia consigo o mito do herói branco e da lenda dado garden of the world; o destino fronteira como a idealização de

uma terra de liberdade individual e NOTASde igualdade. 1 Henry Nash observa que o sentimentoSendo assim, já que nos de expansão para o oeste encontra-sepropusemos a discutir o papel expresso no prefácio da primeira ediçãoda filmografia na construção de “Leaves of Grass” (1855), de Wate desconstrução de figuras Whitman. Henry Nash, Virgin Land: thehistóricas, é importante ressaltar o Amarican West as Symbol and Myth”.impacto que filmes podem causar Massachusetts, Harvard University Press,na construção do imaginário do 1975.passado quando trabalham como conceito do senso comum. 2 As chamadas “Guerras Indígenas”Sem um olhar acuidado sobre a não foram propriamente um conjuntofilmografia corre-se o risco desta de eventos declarados pelo congresso,se prestar a manipulações – como mas sim um conjunto de incidentesvimos nos filmes examinados –, envolvendo o exército e diversas tribosanacronismos e representações indígenas desde as “Guerras Comanche”irreais. (1836-1876), que teve seu evento mais destacado na Batalha de Pease River (1860), até a Campanha de Pine Ridge (1890-1891), cujo evento mais conhecido é o massacre de Wounded Knee (1890), no qual morre o líder Sioux Touro Sentado, um dos lideres na batalha de Little Bighorn, em que perecem todos os homens da Sétima Cavalaria, comandados pelo General George Amstrong Custer (1876). Cabe aqui uma observação: os conflitos com os indígenas, na política de expansão para o oeste, têm início na década de 1830 e se tornam mais agudos após a guerra da Secessão, quando são estabelecidas políticas de assentamento nos novos Estados que foram incorporados à União e de acordos com as tribos indígenas. 3 WADE, Richard C. A History of the United States. Boston, Houghton Mifflin Company, 1966. 4 Já em 1903 E. S. Porter filmou “The Great Robery of Train”, que tem o oeste como cenário, e desde então até o recente “The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford” (2006), de Andrew Dominik, reforçam a

69imagem fabular que as cenas fílmicas de Heróis. A alusão à Batalha de Littleformam do oeste. Mesmo considerando Bighorn ocorre porque a maneira doque nem todas as produções tratem Coronel Owen Thurday conduz seusespecificamente da questão indígena comandados lembra a campanha dedurante o processo de expansão Custer contra Sioux e Cheyennes.é inegável admitir que todos elescontribuem para a construção de um 8 FAULK, Odie B. Land of many frontiers:imaginário mitológico e simbólico a history of the America Southwest. Newcoletivo dentro de um espectro diverso York, Oxford University Press, 1968.de personagens. Aqui vale a ideia deque uma imagem vale mais do que mil 9 Esta expressão tem origem em Pirro,palavras. General Grego que, tendo vencido a Batalha de Ásculo contra os Romanos, na5 É tida como uma das batalhas mais qual sofreu um número considerável decontrovertidas da história militar perdas, ao receber cumprimentos pelaestadunidense. No episódio Custer vitória teria dito: “Mais uma vitória comconduziu seus 266 comandados contra essa e estou perdido”.muitas tribos indígenas acampadasperto do rio Little Bighorn. No confronto 10 TURNER, Frederick Jackson, Theele e toda sua cavalaria foram dizimados Significance of the Frontier in Americanpelos índios comandados pelos chefes History, Madson Wisconsin, 1893.sioux Touro Sentado e Cavalo Louco.6 NAPOLITANO, Marcos, “A escritafílmica da história e a monumentalizaçãodo passado: uma análise comparadade Amistad e Danton”. In: CAPELATO,Maria Helena, MORETTIN, Eduardo,NAPOLITANO, Marcos e SALIBA, EliasThomé. Cinema e História. São Paulo:Alameda Casa Editorial, 2007, pp.65-84.7 Sangue de Heróis tem o roteirobaseado no romance de James WarnerBellah e tem como personagemprincipal o Coronel Owen Thursday.A ação não se passa no estado deDakota, onde Custer enfrentou Sioux eCheyennes, e sim no Arizona, territórioApache. A se observar também que aBatalha de Little Bighorn ocorreu em1876 e o líder Apache em Sangue deHeróis é Cochise, que foi capturado peloGeneral George Crook em 1871. A seobservar igualmente que nas “guerrasindígenas” não há registro de vitóriados Apaches comandados por Cochiseda maneira como exibida em Sangue

Desejo, sexualidade e subjetivação feminina em Queen Christina de Greta Garbo Carla MiucciCarla Miucci Ferraresi de Barros é docente da Universidade Federal de Uberlândia, MG/BrasilAreflexão sobre as mudanças disputas entre sociedade civil, Estado econômicas e culturais que e estúdios de cinema em torno das ocorreram nos EUA, na virada temáticas desagregadoras da família do século XIX e início do e da moral vitoriana, veiculadas porséculo XX, abre-nos a possibilidade Hollywood no período.de pensar sobre uma verdadeirarevolução moral, que influenciou, Preocupados em atrair uma audiênciaentre outras coisas, a configuração de formada pela nascente classe médianovos comportamentos e valores para urbana, que após o período pós-as mulheres que ganharam o espaço Primeira Guerra tendeu ao crescimentopúblico, num contexto de profunda acelerado, estimulada pelo incrementocrise econômica e social, marcado por da economia estadunidense, que

71potencializou as oportunidades do cinema hollywoodiano foide ascenção social e de consumo explorado pela imprensa, quandopor meio do aumento dos postos veio a público o assassinatode trabalho, os grandes estúdios do diretor William Desmondmobilizaram seus diretores, Taylor, encontrado morto em seuprodutores e distribuidores e em apartamento de Los Angeles.1922, criaram a Motion PictureProducers and Distributors of Após histórias semelhantes a essasAmerica (MPPDA), com o intuito ganharem destaque nas revistas ede controlar, por meio da censura, se apresentarem como um grandeos temas das fitas. Isso ocorreu filão, não é de se surpreenderjustamente num período marcado que a própria indústria do cinemapor alguns escândalos, largamente tenha tomado medidas no sentidoveiculados pela mídia impressa, as de moralizar suas produções.fans magazines. Assim,Notícias envolvendo crimes, Fazendo eco às preocupaçõestraições, drogas, escândalos e iniciais sobre a imoralidade dosadultérios que moviam o lado sin nickelodeons, os reformistas decity de Hollywood e alimentavam a Hollywood desempenharam amesma indústria que vendia a face tarefa de postular o cinema comoglamorosa dos atores e atrizes, potential corruptor da moraltambém foi alvo de preocupação da nação. Um desses cruzados,da MPPDA. Em setembro de Canon Chase, secretário-geral1921, o comediante Roscoe “Fatty” do Conselho Federal de MotionArbuckle foi acusado de estupro e Picture, era a favor da existênciaassassinato da atriz Virginia Rappe, da censura, a fim de garantir filmesno San Francisco Hotel, durante saudáveis e controlar o fenômenouma festa retratada pela imprensa em Hollywood. (Photoplay, August,como orgia, recheada de vícios e 1926, p.28.) 1pecados. Mesmo após a perícia terconcluído que a causa de morte da Não demorou muito para queatriz fora rompimento da bexiga e a ameaça de investigação feitaa corte o ter absolvido, Arbuckle pelo Congresso aos escritóriosficou mais de dez anos fora das dos grandes estúdios em Novatelas. Em fevereiro de 1922, outro York e aos lotes de filmesescândalo envolvendo a indústria produzidos em Los Angeles, fizessem os estúdios nomear Will Hays o chefe da associação

da Motion Picture Producers and de revisão deDistributors of America (MPPDA). scripts e deDiácono da igreja presbiteriana filmes acabadose ex-presidente do partido eram pequenasrepublicano, Hays estava pronto e não forampara fazer cumprir as disposições suficientes. Ado Código de censura, que combinaçãoincluía proibição de temas como de “esclerose burocrática e crisepalavrões, homossexualidade, econômica, política e culturalmiscigenação, sexo, ridicularização provocada pela Grande Depressãoda Igreja, e recomendava cuidado inaugurou uma era vibrante nona produção de filmes cujos cinema, com a introdução deroteiros mostrassem simpatia várias estrelas, cujas personagenspor criminosos, beijos lascivos e estariam enraizadas para semprecomportamentos considerados nos filmes do período chamado deexcessivos. O objetivo posto pela pré-código.”3associação era, fundamentalmente,lutar contra a censura federal, O Pre Production Codeproteger os mercados interno e Administration: subversões noexterno e acalmar os críticos da écranindústria limpando a imagem dos No breve período entre o anúnciofilmes.2 das diretrizes de censura do The Motion Picture Prodution, em 1930,Embora a intenção de moralizar o e a criação de um aparato comcinema tenha sido levada a cabo vistas a, de fato, implementá-las,com a produção de um Código, o Production Code Administration,em 1930, todos os esforços no de 1934, os estúdios de Hollywoodsentido de sua implementação, na produziram fitas cujos temasprática, se revelaram ineficazes. As subvertiam a moral vitoriana e asequipes atribuídas para o trabalho diretrizes do Código de censura. Crimes, corrupção e adultérios marcaram grande parte das fitas produzidas pelos grandes estúdios, fase que se convencionou chamar “pré-Code”. Esse interregno demarcou o nascimento de uma safra de filmes que testaram os

73limites de uma sociedade que até Além dos conselhos municipais eentão tinha na moral vitoriana e estaduais, organizações femininasno mito do Horatio Alger4 seus cristãs foram importantes agentesreferenciais maiores. em prol da censura dos filmes em Hollywood. A protestante Woman’sRelações sexuais fora do Christian Temperance Unioncasamento e não abençoadas (WCTU), fundada em 1874, juntoupor Deus em Unashamed (1932), a suas consagradas bandeiras naBlonde Venus (1932) e She Done luta pelo sufrágio feminino e contraHim Wrong (1933); casamentos a violência doméstica sofrida pelaridicularizados e redefinidos como mulher, a partir de 1906, a criaçãoem Madame Satã (1930), The da censura federal dos filmes, comCommon Law (1931) e Old Moral o intuito de proteger as crianças efor New (1932); casamentos étnicos os jovens das influências negativase barreiras raciais ignoradas como de filmes que consideravamem The Bitter Tea of General Yen danosos para a sua formação6.(1933), The Emperor Jones (1933)e Massacre (1934); injustiças Frente ao panorama de crescenteeconômicas e corrupção policial controle dos temas pela censura,assumida em Wild Boys of the Road nenhuma outra manifestação social(1933), This Day and Age (1933), foi tão poderosa e influente comoHeroes for Sale (1933) e Gabriel a Legião Católica da Decência.Over the White House (1933), Fundada em 1933 pelo Arcebispovícios impunes e virtudes não John McNicholas, tinha comorecompensadas em Red Headed objetivo purificar o cinema eWoman (1932), Call her Savage boicotar os filmes hollywoodianos,(1932) e Baby Face (1933), beijo até que não entrasse em vigor seulésbico e subversão de papéis de próprio sistema de classificação,gênero em Queen Christina (1934), que ordenava os filmes em notaso qual analisaremos neste artigo, como A B e C, sendo o C para oscontinuaram a compor o catálogo filmes considerados condenados.de produção dos grandes estúdios Novos membros se juntaram a essaentre o ano da criação do Código cruzada, inclusive protestantes, oHays, em 1930, e sua efetiva que levou a mudança do nomeaplicação, com o Production Code para Legião Nacional de Decência.Administration, em 1934.5

Desejo juntar-me à Legião da investigação, é a de analisar oDecência, que condena imagens filme Queen Christina, lançado emvis e insalubres. Eu me uno a 1934, pela MGM, e problematizartodos os que protestam contra a forma como foi veiculado pelaselas e as reconhecem como uma fans magazines. Inspirado na vidagrave ameaça à juventude, à vida da rainha da Suécia, a fita trazdoméstica, ao país e à religião. Greta Garbo como a protagonistaCondeno absolutamente aquelas que herda do pai o trono do paísfiguras de filmes devassos que, nórdico, em 1633, mas é infeliz,com outros agentes degradantes, até que conhece um grande amorestão corrompendo a moral e abdica do trono para fugir compública e promovendo uma ele. Por trás de uma história deobsessão sexual em nossa terra amor romântico, há questões que... Considerando esses males, resvalam na subversão dos papéisprometo permanecer afastado de de gênero, da feminilidade etodos os filmes, exceto aqueles das relações afetivas de modeloque não ofendam a decência e a heteronormativo, que escaparam àmoralidade cristã. (Catholic Legion análise frouxa da censura Pre PCAof Decency pledge).7 mas que, argutamente, parte da imprensa especializada da época,Em meados de 1934, o católico tentou reenquadrar.Joseph Breen foi nomeado chefedo Production Code Administration Em cartaz, nas fans magazines:(PCA) e ao contrário de seus o amor romântico, aantecessores, fez um trabalho heteronormatividade e os papéiseficiente no sentido da aplicação femininosdo código. Obrigou todos os Em artigo de março de 1934,estúdios membros do Motion meses após o lançamento dePicture Producers and Distributors Queen Christina (1933) a revistaof America (MPPDA) a certificarem Screeland veiculou a seguinteseus filmes antes do lançamento, resenha sobre o filme, na colunasolicitando que apresentassem Reviews of the Best pictures:scripts para análise do PCA, o quenão raro era motivo de pedido Garbo existe! (...) Garbo está nade alteração e cortes no roteiro grande tradição. E como “Rainhaoriginal. Christina” ela é a figura mais romântica que se viu nas telas.A ideia deste artigo, recorte Como eu disse, o filme é muitasde um trabalho mais amplo de

75vezes, muito, muito lento; Mas brancas da classe média, de formahá cenas - e que cenas! - entre exemplar.Christina e seu amante espanhol O lançamento de Queen Christinaem uma pousada no meio da neve como uma história de amore, mais tarde, no exterior de um heterossexual foi estratégico.navio, que expiam as passagens A imprensa especializadamaçantes. As cenas de amor, tão tirou partido da já conhecidalíricas; A abdicação da rainha e química dos protagonistaso magnífico final – tudo isso faz – greta garbo e John Gilbert –de “Queen Christina” um filme comprovada em outros trabalhosmemorável. A rainha não está no cinema e também fora dasmorta! (Screeland Magazine, March telas, para divulgar a estreia do1934, p.62)8 filme, veiculando cartazes que estampavam as cenas da noiteConsiderando a chamada em que eles passam juntos, numaveiculada pela que a revista clara promoção do romanceScreeland, o filme Queen Christina heterossexual. Os anúncios denão teria problema algum com acensura já que se tratava, segundo estreia do filme não deixama publicação, de uma história dúvida sobre que tipo de históriade amor romântico nos moldes se pretendia vender, “Rainhaheteronormativos, em que Garbo,a protagonista, aparece como a“mais romântica figura da tela”,e que, a despeito do ritmo dofilme ser considerado “muito,muito lento”, há “cenas de amor,tão ‘líricas… entre Christina eseu amante espanhol”, além dacena da “abdicacão”, em queChristina, ao trocar o poder dotrono pela vulnerabilidade doamor romântico, reassume, tantona trama do filme quanto nointerior da sociedade patriarcale conservadora estadunidense,o papel feminino que cabia àsmulheres, especialmente as

Christina é, sem dúvida, a história e toda sorte de notícias da vidamais romântica em que ela [Greta particular das stars, revistas comoGarbo] já apareceu. Vistos como Motion Picture Story, Movie Weekly,amantes na tela, Greta Garbo e Photoplay, Motion Picture Classic,John Gilbert estão unidos em um Filmplay Journal, The Film Forumdrama de paixões requintadas”.9 funcionavam como verdadeiras vitrines para as star do écran, foraSe considerarmos a popularidade dele.das fans magazines no mercadoeditorial estadunidense entre os Segundo DeCordova, o star systemanos de 1920 e 1930, a circulação, “existe como uma ferramenta deo montante de investimentos marketing para vender o filme eque aplicavam no mercado também, como uma instituição quecinematográfico e da crescente mobiliza mecanismos psíquicos deindústria de produtos de consumo identificação com o público”10. Éde massa que anunciava em através da dramatização do camposuas páginas, chegaríamos à privado das estrelas, com ênfase,conclusão que esses dados, por principalmente, na demonstraçãosi só, já seriam suficientemente do consumo e de comportamento,importantes para considerá-las veiculadas pelas revistas, que seem qualquer análise cultural do dá o funcionamento do poderperíodo. Mas aqui, não se trata simbólico e da constituiçãosomente disso. Trata-se do impacto do imaginário. Além disso, aque essas publicações tinham no chegada do som ao cinema, apúblico leitor, que a despeito de partir de 1927, o crescimento danão serem consumidores passivos economia de consumo e da classedas imagens e dos discursos por média estadunidense nos anoselas veiculados, foram fortemente de 1920, aliados à exploraçãoinfluenciados por eles, que tinham de temas sociais - frente aoo poder de reverberar e por agravo da Grande Depressãovezes, amplificar, fora da tela, o – e o comprometimento com oque se passava na sala escura. happy end das histórias filmadas,Em sua maioria financiadas pelos constituíram fatores essenciais paragrandes estúdios, dos quais humanização dos atores e atrizes,recebiam materiais de divulgação que deixam de ser inatingíveisdos filmes, posters das estrelas, para se tornarem figuras afeitas àcards autografados, calendários identificação.

77Os papéis interpretados pelas isto é, da relação direta entrestars bem como suas vidas o sexo biológico, o gênero e apessoais veiculadas pelas sexualidade, que fixa os gênerosrevistas alimentavam o processo no binômio masculino-feminino,de projeção, identificação e delineia papéis para cada um deleselaboração de desejos. O fato e dá legitimidade e inteligibilidadedessas revistas publicarem às relações sociais entre ostambém sobre a vida cotidiana sujeitos, cristalizando hierarquias edas estrelas dissimulava o alimentando relações de poder.fato de serem também elaspersonalidades construídas, como Esse mecanismo pode seras personagens que interpretavam verificado em relação ao cinema,nas telas. Assim também ao menos em dois momentosfuncionava com a feminilidade da história cultural dos EUA. Oe com os papéis de gênero, primeiro deles vai de meados decuidadosamente representados 1909 até a eclosão da Primeirano écran e cujo processo de Guerra, quando o cinema veiculouconstrução ficava obliterado valores e papéis de gêneropela suposta naturalidade e por meio de personagens queestabilidade dos gêneros. representavam um tipo feminino muito popular na literaturaAssim, não é difícil entendermos vitoriana herdada do século XIX, asa importância das fans magazines, heroínas. Elas reiteravam normasdo cinema hollywoodiano e do star ligadas aos papéis sociais dasystem na construção de papéis mulher relativos ao casamento,de gênero, comportamentos, à maternidade e aos cuidadosrepresentações dos corpos, com a família, além do culto àmodos, gestos e todo um domesticidade, à resignação,receituário que serviria como à disciplina e à parcimônia. Asreferência nos processos de heroínas mais populares foramsubjetivação dos sujeitos sociais, interpretadas nas telas por atrizesespecialmente das mulheres. A como Mary Pickford, Lilian Gish,luta pela moralização do cinema Florence Lawrence, Ethel Clayton,pode ser entendida como a busca June Caprice, Ruth Roland,pela preservação do que Judith Marguerite Clark, em filmes cujasButler11 chamou de matriz da tramas envolviam histórias de“inteligibilidade dos gêneros”, mulheres jovens, inocentes que,

forçadas pelas circunstâncias e e seu próprio salário. Assumemimpelidas a assumir o controle postos de vendedoras de lojasde suas vidas, suportavam de departamento, cosméticos eprivações, lutavam por respeito e moda. São também secretárias,mobilizavam a força de vontade telefonistas e copeiras. Usame a coragem para vencerem as cabelos curtos, maquiagem eadversidades. Eram filhas, mães, fumam. Sonham em se casar, masesposas dedicadas e carregavam não fazem disso seu objetivo deconsigo a crença no amor vida. Apesar de alavancaremromântico12. a venda de inúmeros produtos direcionados à mulher moderna,O segundo momento pode ser foram duramente criticadas pelolocalizado logo após a eclosão da discurso normativo conservadorPrimeira Guerra Mundial, período que as considerava perigosas amarcado pelo fortalecimento manutenção dos papéis sociaisda economia estadunidense femininos de mãe, esposa ee a abertura do mercado de dona de casa, e uma ameaça atrabalho para a mão de obra configuração de poder entre osfeminina, gerando mudanças no gêneros no interior da sociedade.13posicionamento das mulheres nointerior da sociedade, fato que Assim, considerando asrefletiu também nas telas do possibilidades de representaçãocinema, com o aparecimento das das identidades sexuais e deflappers - esteriótipo da mulher gênero do cinema hollywoodianourbana, moderna, branca de classe do Pré-PCA, passa-se à análise damédia, com personalidade forte, importância do lançamento doindependente e acima de tudo, filme Queen Christina (1933) naconsumidora. medida em que tocou em questões como mobilidade entre os gênerosFrequentadoras dos espaços e desejos considerados desviantes,públicos como cafés, cinema e colocando sob perspectiva crítica alivrarias, as flappers – que fizeram ideia de uma correspondência fixasucesso na pele de atrizes como e naturalmente determinada entreClara Bown, Gloria Swanson, gênero, sexo e afetividade.Louise Brooks - flanam pelasruas, fumam e observam vitrines.Independentes, elas têm trabalho

79A ambiguidade da representação armas como um mercenáriofeminina em Queen Christina: (fotograma 2); que ao invés deentre a heteronormatividade e a um rei que lhe dê ordens, temhomossexualidade ao seu lado um conselheiro –O que dizer de uma rainha o chanceler Axel Oxenstiernaque calça botas, veste calças – que nada pode contra suacompridas, usa casaco e camisa personalidade forte, seus desejosde gola, carrega uma espada e valores considerados desviantesna cintura, cavalga como um em relação às normas de gêneroexperiente cavaleiro, frequenta e de status social de sua época,taberna e bebe cerveja em que rejeita “viver pelos mortos”,canecas de estanho, como só os negando trilhar o caminho traçadohomens do seu tempo faziam pelo seu pai – que morreu em(fotograma 1). Uma rainha solteira, campo de batalha – que sedeclaradamente avessa ao recusa a deixar herdeiros a fim decasamento, que toma frente nos perpetuar a tradição de governoconflitos e é capaz de manejar de sua família. O que pensar de uma rainha que é chamada de Fotograma1: 34’54” ‘rapaz’ quando sai em andanças pelo reino (27’:29’’), que tem Fotograma 2: 36’05” uma amante na corte com a qual protagoniza cenas de intimidade e ciúme (fotogramas 3 e 4, na próxima página) e ao final, abdica ao trono pelo amor de um homem, Dom Antonio (John Gilbert) (fotogramas 5 e 6, na próxima página)? Essa é a rainha Christina que Hollywood levou às telas, em 1933, no filme homônimo (Queen Christina), dirigido por Rouben Mamoulian, rodado nos estúdios da MGM e sucesso de bilheteria naquele ano. O filme tem Greta Garbo como a personagem título,

Fotograma 3: 15’45” Fotograma 4: 15’46” dos retratos mais famosos de Sua Majestade, onde ChristinaFotograma 5: 45’08” Fotograma 6: 1h34” é representada montada em seu cavalo, em pose marcial,num papel, parece, feito sob com roupas masculinas, botas emedida para ela, que tinha em espada em punho, acompanhadacomum com a personagem além pelo nobre Antonio Pimentelda nacionalidade sueca, uma aura de Espanha em segundo plano,de mistério, tão característica de com roupas e cabelo muitosua persona e igualmente presente semelhantes aos da rainha, emem descrições que a literatura faz cena de caça, atividade típicade Christina.14 masculina de então.É possível pensarmos que a Comparado aos retratos de outrascomposição da personagem de mulheres de sua corte, o deGreta Garbo no cinema, tenha sido Christina destaca-se pela ausênciainspirada direta ou indiretamente, de traços que caracterizavam apelas representações de gênero feminilidade da época, traduzidacontidas na produção pictórica na inexistência de joias, penteadodo século XVII, especialmente nos ou adorno de cabeça, a exemploretratos renascentistas do pintor do retrato feito pelo mesmo artistaSèbastian Bourdon, nomeado de Ebba Sparre - provável amanteartista oficial da corte de rainha da rainha -, representada com umem 1652, e responsável por um colar de pérolas, boca e bochechas rosadas, colo e ombros à mostra (figura 1). Fig.115

81Sem pretender entrar na Filipe IV da Espanha à Suécia,questão das convenções que em 1652, assim descreveu Suabalizaram a produção pictórica Majestade, então com 26 anos,e a representação de gênero “Nada é feminino nela a não ser ona sociedade do século XVII, sexo. A voz, a maneira de falar, obuscamos entender como estilo e os modos são todos muitoessas imagens podem ter sido masculinos. Vejo-a a cavalo quaseapropriadas e mobilizadas para todos os dias. Embora monteconstituição da personagem, à uma sela de senhoras, segura-época da produção do filme. se tão bem e é tão leve em seus movimentos que, a não ser queA troca de correspondências entre estejamos muito perto dela, aautoridades régias e eclesiásticas, confundiríamos com um homem”.17contemporâneas à rainha, também Em carta do cardeal Azzolino – umpodem ter sido fonte de influência amigo de longa data de Christinapara a constituição da protagonista – ao monsenhor Marescotti, núnciode Queen Christina, especialmente papal em Varsóvia, dizia, “(...) elano que diz respeito aos papéis era tão cheia de coragem marcial”de gênero e a ambiguidade e quanto ao sexo arrematou,em relação à sua sexualidade. “todos já vêem a rainha comA referência a uma mulher que homem, na verdade como melhormais se parecia com um homem que qualquer homem”.18 E foi amanifesta-se claramente nas própria Christina quem escreveuvárias das descrições feitas de que, “(...) de todos os defeitosSua Majestade, tanto por aqueles humanos, o de ser mulher é oque conviveram com ela quanto pior”.19por quem só a encontrou umaúnica vez. A começar pelo falecido Queen Christina: uma performancerei, que deixara claras instruções queer?para que a filha recebesse “uma O filme, uma ficcionalizaçãoeducação de príncipe” e fizesse de episódios da vida da rainhamuitos exercícios físicos, ênfase Christina da Suécia (1626-1689),incomum para uma menina tem início com a morte de seunaquela época”. 16 pai, o rei Gustavo Adolfo, caído em campo de batalha durante aO capelão Manderscheydt, Guerra dos Trintas Anos. A essaenviado especial do rei católico cena, segue a de sua coroação, aos

seis anos de idade. Até completar Fotograma 7: 05’04”a maioridade, o governo dopaís ficara sob a regência do Fig.2 20chanceler Oxenstierna e doRiksdag (parlamento sueco), como referência ao seu livre tráfegonos fazem saber os diálogos. Na entre as identidades masculina epróxima cena vemos uma pessoa feminina da época, e ao carátervestida com calça, botas, casaco, ambíguo de sua personagem:camisa e chapéu, galopando enquanto no fotograma 8rapidamente, seguida por cães ela aparece vestida em trajesfarejadores, numa cena típica de masculinos, ladeada por seuscaçada (fotograma 6). A tomada da fiéis cães de caça, no fotogramacâmera em plano aberto, não nos 9 ela está delicadamente sentadadeixa saber que se trata de uma em seu trono, usando ummulher e muito menos da rainha. suntuoso vestido, ladeada por seuSe compararmos o fotograma pretendente, seu nobre primo para7 ao retrato produzido à época quem deixa o trono.por Sèbastian Bourdon (figura As passagens do filme que marcam2) é possível encontrarmos ali, uma transgressão à norma dereferências à caracterização da gênero de então, não se limitamrainha hollywoodiana. É só quandoCristina, já dentro do palácio, tira ochapéu que lhe cobria o rosto, quevemos que se trata de uma mulher.Esse jogo ambíguo entremasculino e feminino, homeme mulher, entre códigos,comportamentos e normasque envolvem gênero esexualidade, marca a construçãoda protagonista e está presentedurante toda a narrativa. Nosfotogramas 8 e 9 vemos doismomentos do filme em queChristina é representada de formaquase oposta, numa clara

83 Chanceler. Pretendo morrer solteira” (20’:52’’) Às investidas do conde Magnus para roubar- lhe um beijo, Christina responde com “nãoFotograma 8: 17’39” Fotograma 9: 55’38” sou uma mulher desocupada, tenhoao plano estético. O casamento uma guerra em minhasheterossexual monogâmico ligado mãos”, referindo-se à Guerra dosàs relações heteronormativas e a Trinta Anos. Depois de comunicarmaternidade como atribuição do aos homens do parlamento que,gênero feminino, valores vitorianos ao contrário dos interesses daenraizados na sociedade norte- maioria deles, ela queria acabaramericana há muito, são negados com a guerra (“I want pace andpara si pela personagem da rainha. pace I will have” (12’:27’’), nomeouÀ cobrança do chanceler por um representantes para acompanharcasamento arranjado com seu os acordos que se desenrolavamprimo, o príncipe palatino Carlos nos vários tratados que seGustavo, ela responde, lendo um anteciparam à Paz de Westfália,trecho de Molière “Quanto a mim numa clara demonstração detio, só posso dizer que acho o comando e autoridade, numacasamento totalmente chocante. época em que a participaçãoComo é possível considerar a ideia das mulheres ainda era restrita aode dormir no mesmo quarto que espaço privado.um homem?” (14’:15’’). Ela também Mas, o que fez com que a MGM,recusa a ideia normativa de que um dos maiores estúdios depara a mulher, o sexo é interdito Hollywood, produzisse um filme eantes do casamento, assim como pusesse sua maior estrela, Gretaa de que a sexualidade feminina Garbo, a serviço de personagemdeve estar restrita à conjugalidade, tão controversa do ponto de vistaao rebater o Chanceler quando das normas de gênero de então?este lhe diz “Vossa majestade A fim de atender um mercadonão pode morrer donzela”, com crescente de novas demandasum irônico, “E nem pretendo, ligadas ao consumo de massa,

protagonizadas por novos grupos constrangimento, e a internalizaçãosociais que compunham o cenário do sonho americano e do mitourbano do pós Primeira Guerra, os do sucesso – numa equação entregrandes estúdios se aventuraram masculinidade, poder de ganhoa levar para as telas temas e provisão da família - estavatransgressores, até, pelo menos, o abalada pela crise.recrudescimento da censura como surgimento da cruzada católica O lançamento de Queen ChristinaLegion of Decency, e a criação do como uma história de amorProduction Code Administration, heterossexual foi estratégico.em 1934. No interior de uma sociedade marcadamente heteronormativaAs questões que envolveram e ainda em grande medidatransformações no contexto conservadora, a imprensaeconômico também foram especializada tirou partidoimportantes para compor o da já conhecida química dospanorama de mudanças que protagonistas – Greta Garbo e Johnos EUA enfrentavam, no pós Gilbert – comprovada em outrosDepressão, repercutindo nos trabalhos no cinema e também forapapéis de gênero. Enquanto das telas, para divulgar a estreiahomens perdiam seus empregos, do filme, veiculando cartazes queaumentava o número de mulheres estampavam as cenas da noite– casadas ou solteiras – que em que eles passam juntos, numaentravam no mercado de trabalho clara promoção do romancee frequentavam o espaço público. heterossexual, deixando de lado,Assim, “a ‘nova mulher’, entretanto, propositadamente, uma outraincluiu lésbicas que encontraram história: a do relacionamentooportunidades emocionais, entre Christina e a condessaculturais e políticas na expansão do Ebba Sparre, assim como o beijomundo do trabalho e da educação entre elas (fotogramas 3 e 4),e no ativismo feminista”.21 Além que apontava para existênciadisso, o status masculino ligado e a realização do desejo entreàs noções de trabalho e de duas mulheres, indicando outrasmantenedor econômico da possibilidades de performance defamília estava ameaçado. Sua gênero e sexualidade, assumindoposição mais recente como um poderoso potencial subversivoconsumidor também sofria em relação aos papéis femininos

85percebidos na sociedade de (40’50’’), seja abandonar tudo peloentão. amor de um homem.Assim, os anúncios de estreia do A inserção de temas controversosfilme não deixam dúvida sobre que tocavam nas questões deque tipo de história se pretendia gênero e sexualidade, só foivender, “Rainha Christina é, sem possível porque, a despeito dadúvida, a história mais romântica existência de normatizações eem que ela [Greta Garbo] já códigos de regulamentaçãoapareceu. Vistos como amantes na em vigor, em 1933 – ano datela, Greta Garbo e John Gilbert produção e do lançamento oficialestão reunidos em um drama de do filme – a censura ainda erapaixões requintadas”.22 frouxa. Além disso, a era pós primeira guerra mundial foi umAinda que o marketing período importante na políticados estúdios e das revistas de identidade cultural dos EUA,especializadas anunciasse o filme caracterizada por importantescomo romance heterossexual, mudanças no plano econômicocuja rainha abdica ao trono pelo e sobretudo no sociocultural, oamor de um nobre estrangeiro, que teria propiciado, segundoassumindo assim o estereótipo Lugowski23, um terreno fértil,da mulher apaixonada, subjugada especialmente no cinema, àao amor romântico pelo qual veiculação de situações, linhasabandona suas conquistas, isso de diálogos e características quenão minimiza o forte impacto e o representassem comportamentosgrande potencial transgressor de codificados como estereótiposcondutas de gênero e sexualidade amplamente reconhecidos – masque o filme apresenta. Durante não necessariamente aceitos –quarenta e cinco minutos de como transgenders, gays, lésbicas,projeção - num filme com crossdressers, entre tantos outros.duração de 1h39’-, assistimos àrepresentação de uma mulher Considerando as possibilidadespoderosa, determinada a de representação das identidadesrealizar seus desejos, seja o de sexuais e de gênero do cinemabeijar apaixonadamente outra hollywoodiano do Pré-PCA, omulher, frequentar tabernas e se lançamento de Queen Christinaapresentar como conde Dohan significa uma vitória frente ao jogo

de forças entre a normatividade NOTASe as novas possibilidades deser, ao expor situações que 1 “Echoing initial concerns about theremetem à ideia de mobilidade immoraltity of nickelodeons decadesde gênero e da sexualidade, earlier, reformers took Hollywood tocolocando em questão a ideia task, complaining that movies had thede uma correspondência fixa e potential to corrupt the morals of thenaturalmente determinada entre nation. One crusader, Canon Chase,gênero e orientações afetivo- general secretary of the Federal Motionsexuais. Picture Council, called for censorship to ensure wholesome films and toAo trazer para as telas a rein in Hollywood`s pandering to therepresentação de uma mulher que sensational.” Frederick James Smith,não partilha das condutas do seu “What is Immorality in Pictures?”próprio gênero – aplicadas à sua (Tradução nossa) in Photoplay, August,época –apresenta desejo por uma 1926, p.28.mulher e por um homem, QueenChristina revela um potencial de 2 BLACK, Gregory. Censorship: ansubversão da presumida coerência historical interpretation. Journalentre gênero, sexualidade of Gramatic Theory and Criticism.e desejo, insinuando uma Universisty of Kansas, vol. VI, n. 1, Fallsexualidade não heteronormativa, 1991, p. 168 Apud SPINI, Ana Paula ecolocando em questão o BARROS, Carla Miucci Ferraresi , “Starbinarismo heterossexual/ System, sexualidade e subjetivaçõeshomossexual e levando-nos a femininas no cinema de Hollywoodconjecturar, o quanto o filme pode (1931-1934)” in Revista ArtCultura, v. 17,servir à crítica da estabilidade n. 30, janeiro-junho de 2015, pp.11-30.de gênero e a pensá-lo comoperformance.24 3 “Bureaucratic sclerosis and the economic, political and cultural crisisGod save the Queen! brought about by the Great Depression ushered in a vibrant era of filmmaking and the introduction of many stars whose personas would forever be rooted in their pre-Code films.” (Tradução nossa) In BELL, James. Pre-Code: Hollywood before the censors in http:// webcache.googleusercontent.com/ search?q=cache:OrvYbGI1J8oJ:www. bfi.org.uk/news-opinion/sight-sound- magazine/features/deep-focus/pre-code- hollywood+&cd=12&hl=it&ct=clnk&gl=b r&client=safari. 4 Horatio Alger, autor de uma série de pequenas histórias escritas no século XIX, que se tornaram muito populares na

87sociedade estadunidense, dando corpo bfi.org.uk/news-opinion/sight-sound-ao que viria a ser o sonho americano magazine/features/deep-focus/pre-code-de ascenção e mobilidade social, hollywood+&cd=12&hl=it&ct=clnk&gl=bfazendo crer que através do trabalho r&client=safariduro, do caráter ilibado, da bravura e dacoragem, o indivíduo sairia da pobreza 8 There Is a Garbo! (…)Garbo is in thee ascenderia socialmente. Suas histórias great tradition. And as “Queen Christina”geralmente apresentam um garoto she is the most romantic figure the screenórfão nascido na pobreza, que não has ever seen. As I said, it’s [the film]só trabalha duro, mas tem um caráter often very very slow; but there are scenesformado por uma sólida moral cristã. - and what scenes! - between ChristinaO garoto ascende socialmente acima and her Spanish lover in a snow-boundde suas origens, depois que alguém inn, and later on an outward-boundreconhece a sua dedicação ao trabalho, ship, that more than atone for the dullseu caráter e sua moral. Entre algumas passages. The love scenes, so lyric; thedas muitos histórias lançadas, algumas queen’s abdication, actually stirring, andforam adaptadas para o cinema, como the magnificent finish - all make “QueenLife Among the New York (1869), Harry Christina” a memorable picture. TheRaymond`s (1870), Brave and Bold, Queen is not dead! (Tradução nossa) InThe fortunes of Robert Rushton (1874), Screeland Magazine, March 1934, p.62.Driven from Home (1889), Forging Ahead(1903). 9 “Queen Christina it unquestionably the most romantic story in which she [Greta5 DOHERTY, Thomas. Pre-Code Garbo] has ever appeared. Seen it comes,Hollywoode: sex, immorality and reuniting as screen lovers greta garboinsurrection in american cinema (1930- and John Gilbert in a drama of exquisite1934). New York: Columbia University passions” (Tradução nossa) in PhotoplayPress, 1999, p. 3. Magazine, jan. 1934, p. 18 Apud SPINI, Ana Paula e BARROS, Carla Miucci6 Cf. MASSON, Erin M. The Women’s Ferraresi , “Star System, sexualidadeChristians Temperance Union 1874- e subjetivações femininas no cinema1898: combating domestic violence. de Hollywood (1931-1934)” in RevistaWilliam & Mary Journal of Women and ArtCultura, v. 17, n. 30, janeiro-junho dethe Law. Vol.3, 1997, p. 163. Disponível 2015, p.28.em<http;//scholarship.law.wm.edu/wmjowl/vol3/iss1/7> Acesso em 10 DeCORDOVA, Richard. “The03/12/2015 Apud SPINI, Ana Paula e Emergence of the Star System and theBARROS, Carla Miucci Ferraresi , “Star Bourgeoisification of the AmericanSystem, sexualidade e subjetivações Cinemas” in Stars Signs. Britihs Filmfemininas no cinema de Hollywood Institute, 1979, p.32.(1931-1934)” in Revista ArtCultura, v. 17,n. 30, janeiro-junho de 2015. 11 BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da realidade. Rio7 BELL, James. Pre-Code: de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.Hollywood before the censors(Tradução nossa) in http:// 12 BARROS, Carla Miucci Ferraresi de.webcache.googleusercontent.com/ Das heroínas às flappers: o cinemasearch?q=cache:OrvYbGI1J8oJ:www. hollywoodiano e a construção das

feminilidades (1920) in Revista Fatos & Suède. Apologies. Paris: Les Editions duVersões. Universidade Federal de Mato Cerf, 1994, p.135 Apud Apud BUCKLEY,Grosso, v.8, n.15, 2016. Veronica. Cristina, rainha da Suécia: a atribulada vida de uma exêntrica13 Idem. europeia. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006, p. 337.14 Rainha Christina da Suécia, era filhado falecido rei Gustavo Adolfo, abatido, 20 Queen Christina of Sweden onna batalha de Lutzen, em 1632, durante Horseback.1653. Sèbastian Bourdon,a Guerra dos Trinta anos. Aos 6 anos Museu do Prado, Madri.de idade foi coroada rainha e assumiua coroa aos 18 anos. Contribuído para 21 “The ‘New Woman’, meanwhile,o final da Guerra dos Trinta Anos, included lesbians who found emotional,assinando a Paz de Westfália. Recusou- cultural, and political opportunities inse a casar e a deixar herdeiros. Abdicou expanded same-sex worlds of work andao trono em favor de seu primo Carlos education, in settlement houses, andGustavo em 5 de junho de 1654, in feminist activism” (Tradução nossa)converteu-se ao catolicismo e se mudou in LUGOWSKI. David M. Queeringpara Roma, onde terminou seu dias, the (New) Deal: lesbian and gaytendo sido enterrada na gruta vaticana, representation and the Depression-no interior da Basílica de São Pedro. Era Cultural Polities of Hollywood’s Production Code. Cinema Journal. Vol.15 Countess Ebba Sparre. 1652-53. 38, no. 2 (winter, 1999), p. 3-35, p.5.Sèbastian Bourdon. National Gallery ofArt, Washington. 22 Photoplay Magazine jan 1934 - p. 18.16 BUCKLEY, Veronica. Cristina, rainha 23 LUGOWSKI. David M. Queeringda Suécia: a atribulada vida de uma the (New) Deal: lesbian and gayexêntrica europeia. Rio de Janeiro: representation and the Depression-Objetiva, 2006, p. 66. Era Cultural Polities of Hollywood’s Production Code. Cinema Journal. Vol.17 GARSTEIN, Oscar. Rome and the 38, no. 2 (winter, 1999), p. 3-35, p. 5.Counter-Reformation in Scandinavia: theage of Gustavus Adolphus and Queen 24 Ver Conf. BESSA, Karla. “Um teto porChristina of Sweden. 1622-1656. Leiden: si mesma”: multidimensões da imagem-E. J. Brill, 1992, p. 705. som sob o olhar da crítica feminista- queer. In: ArtCultura: Revista de História,18 Carta de Azzolino a Marescotti citada Cultura e Arte v. 17, n. 30, jan.-jun 2015.em BILDT, C.D.N., Le Baron de, Christinede Suède et Le Cardinal Azzolino, Lettresinédites, 1666-68, avec une introductionet dês notes. Paris: E.Plon, Nourri et Cie,1899, p.449. Apud BUCKLEY, Veronica.Cristina, rainha da Suécia: a atribuladavida de uma exêntrica europeia. Rio deJaneiro: Objetiva, 2006, p. 335.19 Citada em RAYMOND. Christine de

nota histórica 89 Freud em Cascadura José Inácio de Melo SouzaJosé Inacio de Melo Souza é ensaísta com diversos livros publicados entre os quais Salasde cinema e história urbana de São Paulo (1895-1930) pela Editora Senac (2016). Seu livroA carga da brigada ligeira: intelectuais e crítica cinematográfica, 1941-1945 é publicadopela Editora Mnemocine. Recebi de “um leitor Meu caro “leitor assíduo”, os estúdios assíduo” uma carta nacionais têm sempre algo de novo, indagando “o que há menos filmes em preparo. Murmuram, de novo pelos estúdios até, que o gênio inventivo indígenanacionais”. Os leitores assíduos vingam- descobriu um processo de produzirse de nos ler, escrevendo-nos coisas rolos de serpentina carnavalesca,indiscretas. São como aqueles alunos rodando a câmera Mitchell... Deveterríveis que nunca abrem os livros, ser boato de carioca. Os que visitammas espiolham um dia o Larousse, para a Hollywood verde-amarela veempegar numa emboscada cultural o máquinas paradas, cavalheiros deprofessor... chave de parafuso na mão e uns publicistas afobados mandando

retratos de “estrelinhas” Resposta: Os nossos famosossuburbanas a um órgão Borzages, Lubitchs e Browns nãocinematográfico que tem uma se diminuiriam com esses palitospágina onde se imprimem sonhos cinematográficos. Eles são dose comunicações espíritas... O rolos grandes, das latas duplas deprimeiro filme silencioso nacional goiabada. O último filme “made“feito à americana”, como diziam os in Cascadura” que vimos naseus cúmplices, apareceu quando Cinelândia, tinha dois mil metroso cinema sonoro dominava o de celuloide, esticando umamundo. Culpa do Harry [Henry] bobagem que caberia nas costasKing da casa que levou três anos de um selo. O público riu do dramaruminando a obra e acabou até onde pode e, quando nãocortando a última cena, porque pode mais, foi chorar o dinheiroo galã tivera tempo de mudar de da entrada na cama, que é lugarcara... Esse filme anacrônico foi quente... Pois bem: quando seexibido no seu ambiente lógico: referiam ao insucesso do filme, emo Instituto de Surdos Mudos... O conversas com seus incorrigíveisnosso primeiro filme sonoro “à perpetradores, eles diziam comamericana” aparecerá quando um sorriso de vitória: “O públicoos Estados Unidos substituírem não percebeu que o drama erao “talkie” de hoje pela imagem freudiano... O nosso público nemestereoscópica. E será exibido sabe quem é Freud!...”– como é natural – no Asilo dosCegos... Meu caro “leitor assíduo”, por que não contribuis para aIndaga o meu ingênuo “leitor grandeza da nossaassíduo”: “Por que eles não cinematografiafilmam curiosidades nacionais, alfabetizando o teucriando o nosso ‘Tapete mágico’ país e ensinando-ou pequenas revistas alegres ou lhe psicanálise?simples, “shorts” de cantos oude orquestras típicas? Seria um H.P. - O Globo, 2/10/1933, p.5.começo inteligente e renderia onecessário para as futuras maioresproduções”.

91QUANDO UM “EM” VIRA “DE” período em que o filme sonoroO comentário azedo de H.P., o estrangeiro dominava o mercado.escritor Henrique Pongetti, obteve Iniciada sob o signo da “super-uma longa permanência na história produção”, as pelo menos duasdo cinema brasileiro. Pongetti, cópias sonorizadas por discosnaquele momento, não inventava foram um fracasso de públicouma forma nova de classificação tanto no Rio de Janeiro como emdas fitas brasileiras. A revista São Paulo (sete dias no AlhambraCinearte, desde a sua fundação, carioca, cinco no Odeon-Salajá usava o subúrbio carioca de Vermelha paulistano, caindo para oCascadura como símbolo de circuito secundário em programassubalternidade, de coisa de duplos na segunda semana parasegunda classe: tal ator era o desaparecer em seguida). A“Ronald Colman de Cascadura”, má recepção acirrou os ânimosaquela fita era um “David, o caçula entre o diretor Humberto Mauro[Tol’able David] de Cascadura” e o produtor, cujo desenlacee por aí afora. Dessa forma, seis foi a dispensa do mineiro quemeses depois de lançada, quando tinha vindo de Cataguazes paracomentava a exibição de Ganga fazer carreira na Capital Federal,bruta em Pelotas, o “Freud de iniciando um périplo que oCascadura” teria obrigatoriamente levaria a trabalhar para o Estadoque voltar à cena. no Instituto Nacional de Cinema Educativo-INCE como forma deGanga bruta era a terceira obra sobrevivência estável.de ficção em longa-metragemdos estúdios da Cinédia, situada Lendo-se o ácido comentário dena distante Taquara dos anos Pongetti a pergunta que podemos1930, empreendimento em que fazer é por que o “Freud emo produtor Adhemar Gonzaga Cascadura” se tornou o “Freud dese lançou para alçar o cinema Cascadura”, com Humberto Maurobrasileiro no verdadeiro caminho assumindo uma carapuça que ado studio system, como tinha curta intervenção não explicitavaaprendido em suas viagens à tão claramente. O “nosso [Frank]Hollywood (1927 e 1929). A fita Borzage” ou “Ernst Lubitsch”de Humberto Mauro vinha depois referiam-se evidentemente adas películas mudas Lábios sem Mauro e aos diretores anteriores,beijos (1930) e Mulher (1931), num mas o “eles” que vem em seguida

expande o comentário para a “freudianos” em Ganga bruta. ACinédia e Adhemar Gonzaga, partir deste ponto o apodo irônicoreforçada por uma segunda crítica de Henrique Pongetti se firmoupublicada mais tarde (Gonzaga, o como certeza e não houve quem“hors concours do fracasso”). não o usasse: Alex Viany, André di Mauro, Jurandir Noronha, AndréNo início dos anos 1960, quando Andries, Ronaldo Werneck e algunsHumberto Mauro foi elevado ao outros.panteão dos heróis nacionais,sendo saudado pelos integrantes Pongetti tinha “desavenças” comdo nascente Cinema Novo como Gonzaga, não com Mauro, comuma espécie de “pai fundador” quem viria a trabalhar poucodo cinema brasileiro, a expressão depois em Favela dos meus amores“Freud de Cascadura” entrou (1935). O título do pequenonovamente em circulação artigo é bem claro: “Freud emdepois de quase 30 anos de Cascadura”. As ironias sobre oesquecimento. Em 1961, no estúdio distante do centro do RioFestival realizado em Cataguazes de Janeiro, de suas produçõesem homenagem a Humberto erradas, as explicações públicasMauro, Ely Azeredo voltou a dos “incorrigíveis perpetradores”empregar a expressão pela Tribuna da fita falhada naquele momentoda Imprensa. Uma conversa com o (não para a história do cinemahistoriador Georges Sadoul sobre brasileiro), a burrice do público,Ganga bruta, descrita por Mauro incluíam um espectro muitocomo sujeita a ambiguidades mais amplo de pessoas do quepelo seu francês macarrônico, unicamente o diretor que, no“dicionarizou” a classificação entanto, assumiu ser o “Freud depara o diretor, que assumia Cascadura”. Além de despedidoclaramente para o mundo a sua da Cinédia, Humberto Maurocondição de “Freud de Cascadura”, carregou o passivo de uma culpadeixando para o leitor estrangeiro desnecessária. Somente com oo entendimento do que seria tempo o subalterno pôde rir da“Cascadura”. A mitologia foi situação.aumentada com Mauro declarandoa Miriam Alencar, quatro anosdepois, que tinha procurado lertudo sobre Freud, inserindo efeitos

preservação

Patrimônio audiovisual sem futuro Adilson MendesAdilson Mendes é Doutor pela ECA-USP, é autor de Trajetória de Paulo Emilio (Ateliê, 2013).Nunca foi tão difícil escrever eu tentava saudar a chegada de João sobre o patrimônio audiovisual Batista de Andrade ao Ministério da como neste momento de Cultura, que, além de salvar a ANCINE incerteza generalizada em das mãos do atual e ilegítimo poder, todos os campos da vida nacional. certamente tomaria providências A princípio, esse texto, iniciado uma urgentes em relação aos arquivos de série de vezes, buscava evidenciar o filmes, se não fosse escorraçado do desenvolvimento do audiovisual local cargo antes da conclusão deste artigo. em contraste com o estado lamentável Em outro recomeço do texto, em de sua memória, os progressos da uma brincadeira inspirada em Paulo ANCINE e os regressos dos arquivos de Emilio, eu tentava chamar atenção filmes. Em seguida, em outra tentativa, para as particularidades dos nomes

95ligados ao inúmeros flertes de e públicos – do país (na medidauma recente Associação Brasileira em que se pode chamar dede Preservação Audiovisual, que arquivo uma “cinemateca” comoacenou para todos os golpistas a do MAM-RJ) questionassemcom quem conseguiu contato, a hegemonia da Cinematecamuniciando os discursos pífios de Brasileira em relação aos cuidadosum secretário chamado Leopoldo, com o patrimônio audiovisual.avançando em propostas a um Aliás, questionamento fundamentaljovem chamado Calero, bajulando para um país de proporções comoum breve Bertini, para chegar o Brasil, apesar do udenismoa um certo Plano Nacional de congênito.Preservação Audiovisual, que estáfadado a virar documento (mais Por fim, pensei em partir do casoum!) a ser depositado nas estantes Cinema Novo, filme medíocreda Cinemateca Brasileira, onde se do notável Erik Rocha, “filme deencontram uma série grande de família” que encanta os olhossimilares do fracasso nacional em gringos pelo impacto dos corposguardar sua memória. estropiados em movimento, mas que para o analista do patrimônioEsta associação é uma espécie audiovisual é mais uma evidênciade subproduto da antipatia de como a memória audiovisualgeneralizada que a concentração é propriedade exclusivamentede recursos na Cinemateca gerou privada, de umas poucas famíliasentre 2002 e 2012. O MinC, numa que, por sua vez, se beneficiaramtentativa de reparação tardia, mais uma vez das relações desob o comando de Gilberto Gil, favor para digitalizar seus acervos,finalmente reconheceu nesse conseguindo grandes incentivosperíodo a função de um arquivo de fiscais, que certamente poderiamfilmes de âmbito nacional. Porém, ser utilizados de forma maiso modelo de gestão adotado, republicana. Para termos uma ideiapor seu imediatismo político, que concreta, o restauro (se é que semesclava uma gestão pioneira e pode chamar assim o processocontroversa com a prepotência de digitalização marcado portipicamente paulista, gerou uma algumas intervenções técnicas,animosidade inédita na história enorme aparato tecnológico,da Cinemateca, fazendo com muita escuta dos detentores deque todos os arquivos – privados direito e pouca pesquisa histórica,

como fica evidente no caso de Os públicos muitos milhões, valoresfuzis, que a Cinemateca Brasileira, que poderiam equipar muito bemem seus recentes – mas já tão inúmeros arquivos de filmes dolongínquos – “anos dourados” país, ou restaurar até centenasrecuperou de maneira equivocada, de outros filmes. Mas no Brasilsalvando a versão do produtor a questão do patrimônio ée ignorando [para sempre?] a indissociável da relação de favor.versão do cineasta, que até hojeé praticamente desconhecida!!! A questão do privado e do públicoO mesmo poderia ser dito sobre também atravessa a históriao Repórter Esso, certamente a do maior arquivo de filmes dopior restauração da história das país – para não dizer o único –, acinematecas do sistema solar!) Cinemateca Brasileira. A história doda obra de um Glauber Rocha, movimento mundial que engendraou de um Joaquim Pedro de um dispositivo patrimonialAndrade custaram aos cofres audiovisual passa necessariamente

97pela organização de salas de De maneira geral, a produçãocinema ligadas a movimentos audiovisual foi o alvo dasartísticos de vanguarda. Esse é o pesquisas e a exibição, a circulaçãocaso, por exemplo, da Cinemateca e a distribuição foram deixadasFrancesa, resultado do processo de lado. Mas esse quadro temde salas de ensaio como Les amis se transformado, e hoje cadade Spartacus, o Vieux-Colombier, vez mais estudiosos se voltamo Studio des Ursulines, o Studio ao movimento gerado pelos28, o Studio Diamant, o Ciné-Latin, cineclubes e as cinematecas,o Oeil de Paris, como evidencia mesmo se frequentemente essaChristophe Gauthier.1 Fato similar ênfase recaia sobre trabalhosacontece com os arquivos de biográficos ou estudos regionaisfilmes da Holanda, tributários da concentrados em uma cidadeFilmliga, ou o British Film Institute, específica. Uma outra observaçãoque se liga à London Film Society, importante quando se trabalhaassim como a noção de cinemateca com a história dos cineclubesna Alemanha se relaciona com ou das cinematecas recomendaVolkfilmverband (VFV).2 que se deve estar atento aos personagens que produziramO caso brasileiro, como em tudo essas instituições, pois eleso mais, foi muito diferente, com a inventaram seus próprios cânones,ausência de um subsistema cultural suas próprias histórias, suasdo cinema (é preciso lembrar mais próprias teorias, e até fundaramuma vez que o cinema brasileiro cursos universitários. Ou seja, elessempre foi, e é, um estrangeiro praticamente pré-determinaramem seu próprio território?), uma aquilo que as gerações posteriorescasta ilustrada decide aproveitar o são capazes de ver, ler, pensarsurto desenvolvimentista local para e também preservar. Por essaerigir instituições que fizessem a razão, é preciso separar suascultura brasileira se inserir na nova ideias de nossas concepções, poisonda da arte moderna, que nos somente assim será possível umaanos 1940 e 1950 é promovida “outra história”. Os autores que sepelo governo norte-americano. detém na história da CinematecaA história dos arquivos de filmes Brasileira frequentemente traçamoferece novos ângulos para panoramas lineares, em que nomesse pensar a história da cultura, e fases são descritos e inventadosrelacionando esferas que a história numa teleológica histórica detradicional tende a separar. resistência e heroísmo.

A ideia de que as cinematecas decidem retomar o movimento desão o resultado do movimento de cultura cinematográfica, fundandocineclubes não é nada evidente cineclubes. Esses cineclubesse pensamos no caso brasileiro, não resistiram às resistências damuito marcado pela dependência mentalidade oficial e policial,econômica exterior, a ausência voltando à iniciativa apenasde uma indústria local e a em 1946, pouco tempo depoisdescontinuidade recorrente. da fundação da Cinemateca Brasileira como organismoO nascimento da cultura privado. Os primeiros filmes dessacinematográfica foi tardio no cinemateca vinham de pequenosBrasil. É apenas em 1928 que, colecionadores e foi graças a elespela primeira vez, um grupo é que foi possível uma cinematecaorganizado com o intuito de em São Paulo.estudar o cinema sobre o planoartístico e desenvolver sua difusão A cultura cinematográfica no Brasil,nesse sentido. Tratava-se de um do ponto de vista artístico, é degrupo brilhante, interessado inspiração francesa, enquantoprincipalmente em Chaplin. Esse que, do ponto de vista prático, égrupo existiu até 1930, época a América do Norte que fornecedo advento do cinema sonoro, as bases. A partir do modelo docujas qualidades artísticas foram MoMA (the Museum of Modernrecusadas radicalmente. Sem Art) – que tinha no cinemarazão de ser e sem meios para um de seus principais trunfosexercer uma atividade, o grupo se novidadeiros – foi criado o Museudispersou, apesar de estar ligado de Arte Moderna de São Paulo, emao único exemplar fílmico digno 1948. E é nesse quadro de grandedas vanguardas: Limite (1931), de influência norte-americana, comMário Peixoto. a fundação Rockfeller orientando os rumos e divulgando umaApós esse primeiro esforço, apenas arte moderna em que a tradiçãoem 1937 houve um movimento europeia é enfraquecida emartístico cinematográfico. Por prol de uma “nova arte”, que aesta época, bolsistas brasileiros Cinemateca Brasileira passa aque faziam estudos em Paris funcionar. No início de sua história,criaram o hábito de frequentar os a Cinemateca Brasileira – em razãocineclubes. De volta ao Brasil, eles do número insuficiente de cópias

99de difusão –, os cineclubes locais Cinema, Caixa Belas Artes – quese voltavam sobretudo para as até pouco tempo se chamavacasas produtoras americanas. HSBC Belas Artes –, Centro Cultural Banco do Brasil, Instituto MoreiraEm seu plano de instituir uma Salles e o SESC), cujos interessescultura cinematográfica no país, não são culturais, longe disso ea Cinemateca segue de perto compreensivelmente.sua irmã francesa de concepçãovanguardista para exibir A Cinemateca Brasileira sobreviveuprincipalmente filmes de autor, e, apesar do acúmulo de destruiçãopor esta razão, o cinema brasileiro (ao todo são 4 incêndios,ocupa um lugar bem periférico na sendo o mais recente – último?programação, apesar das primeiras – em fevereiro de 2016), deretrospectivas do cinema nacional, incompreensão (até hoje parte1952 e 1954. Não é preciso expressiva dos cineastas acharelembrar a resistência de Henri que a instituição não deveriaLanglois, o controverso diretor da cobrar por seus serviços, já que éCinemateca Francesa, que após pública), e indiferença (em todasa guerra evitava mostrar filmes as esferas: municipal, estadual ecientíficos, filmes de guerra, filmes federal. Na esfera federal, a atualpedagógicos. situação de fragilidade perdura desde 2013, tendo sido promovidaMais do que resultado de um pelo segundo governo Dilmamovimento de cineclube, nossa – governo que ignorou, entreCinemateca é, pelo contrário, outros campos da vida social, aum sonho de intelectuais que a memória audiovisual. O governoinstituíram. O que é muito natural golpista de Temer, com suana cultura brasileira, uma cultura enorme rotatividade no Ministérioelitista por excelência. Vale dizer da Cultura, mantém essa agendaque o elitismo de hoje é ainda destrutiva, apesar de figurasmais segregador, dada a explícita obstinadas como Mariana Ribas,falência desse tipo de projeto atual secretária, mas em vias deintelectual e democrático, com ver seu mandato desaparecer. Noa cultura nas mãos do centros âmbito estadual, não há qualquerculturais de instituições bancárias sinal de qualquer tipo de propostalocais e do comércio de São Paulo para o patrimônio. Como se sabe,(Itaú Cultural, Espaço Itaú de para o interminável governo


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