53ASPECTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA EDUCACIONAL NOBRASIL E SEUS PARADIGMAS NA BUSCA DA QUALIDADELeônidas Pimentel BatistaRESULTADOS Os velhos paradigmas de um modelo ultrapassado de “fazer educação” no Brasil secomprova quando se vai a campo, quando se constata in loco a visão da comunidadeescolar, como demonstrado nos gráficos a seguir: Gráfico 1 – Titulação dos docentes Embora no questionário houvesse opções para indicar titulação stricto sensu,nenhum dos docentes assim se identificou. Destaque para o fato de que todos os quepossuem especialização (68%), o fizeram nas áreas de conhecimento específico da suaprática docente. Gráfico 2 – Rede de ensino em que atua prioritariamente As anotações de campo constatam que a preferência pela escola privada (63%) sedá mais pela maior disciplina dos alunos em sala de aula e pela maior autonomia dodocente que lhe é conferida pela direção da escola. Gráfico 3 – Carga horária semanal. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.43-57
54ASPECTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA EDUCACIONAL NOBRASIL E SEUS PARADIGMAS NA BUSCA DA QUALIDADELeônidas Pimentel Batista Os docentes relatam que há uma necessidade de se dedicar mais do que 40 horassemanais (58%) para que possa ter uma renda que permita uma vida social mais digna,embora sacrificando o convívio familiar. Gráfico 4 – Renda mensal em Salários Mínimos Na contramão dos investimentos em educação pelo poder público, não se vislumbravalorização do professor em renda. A maioria (79%) tem renda mensal em torno de 2 (R$1.400,00) a 4 (R$ 2.800,00) salários mínimos em início de carreira. Essa maioria queganha menos está em início de carreira. Os que já estão com mais tempo na carreira dadocência ficam em torno de 8 (R$ 5.600,00). Gráfico 5 – Pensou em mudar de profissão Tanto é desestimulante atualmente a profissão docente que, dos 120 pesquisados,80 (67%) pensam em seguir outra carreira e essa maioria é constituída de jovens iniciantesna docência do ensino básico. Gráfico 6 – Visão do docente quanto à qualidade da escola pública Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.43-57
55ASPECTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA EDUCACIONAL NOBRASIL E SEUS PARADIGMAS NA BUSCA DA QUALIDADELeônidas Pimentel Batista Gráfico 7 - Visão do docente quanto à qualidade da escola privada A análise se faz num comparativo entre os resultados dos gráficos 6 e 7. Osmesmos docentes que qualificam a escola pública como razoável ou ruim (92,5%),qualificam a escola privada como muito boa ou boa (69%).CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme demonstrado, a educação no Brasil era para a aristocracia e servia aosinteresses políticos e econômicos. Nesse contexto o processo de formação da naçãobrasileira corrobora com o projeto de construção do seu sistema de educação, sabendo queessa análise favorece uma elite aristocrática, desfavorecendo as minorias e as massas. Emtodo o percurso, estavam a serviço da exclusão e da criação de castas e de maioriasmarginalizadas. Vale destacar que até aqui o estudo apresenta apenas uma parte da História daEducação no Brasil. A partir dos anos 1980 inicia-se um processo de busca pela Educaçãopara a cidadania. Muito tem sido sugerido e mudanças resultantes com tais ações. Porém,necessário se faz ter cautela com as políticas públicas para a Educação que estão emandamento. Muito ainda precisa ser estudado, notadamente com as políticas de avaliaçãodo ensino básico, do ensino superior, com as ações da CAPES (Coordenação deAperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) para avaliação do ensino de pós-graduação, que forma mestres e doutores. Ampliar esse estudo é trazer elementos que Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.43-57
56ASPECTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA EDUCACIONAL NOBRASIL E SEUS PARADIGMAS NA BUSCA DA QUALIDADELeônidas Pimentel Batistapossam fomentar novas ações na construção do modelo de educação que se pretende para odesenvolvimento do Brasil moderno, num mundo globalizado e globalizante. Aceitar ou argumentar que no Brasil uma reviravolta na distribuição de renda passapor uma reforma no sistema educacional significa enfrentar desafios na direção de quebrarparadigmas existentes na sociedade brasileira. Cabe aos educadores e profissionais da educação analisar criticamente esseprocesso, e se posicionar na direção contrária dessas vertentes, procurando em suaspráticas semear o pólen da justiça e da igualdade entre os brasileiros remanescentes dessaexclusão. Mesmo que novos paradigmas sejam criados e não recriados, mas a meta sejasempre se aperfeiçoar na arte de trabalhar a educação para a formação de uma sociedadeonde existam verdadeiramente oportunidades para todos, sem distinção de qualquernatureza. Para concluir, a pesquisa revelou que a normatização da Educação com três ediçõesda Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em sua primeira edição de 1961, foi objeto dedisputa política entre os partidos da época; a edição de 1971 visou apenas fortalecer ogoverno militar e valorizar o ensino técnico para formar mão de obra para promover ocrescimento industrial do sudeste; a edição de 1996, inegavelmente, trouxe avanços, masainda é considerada uma utopia. As condições precárias das escolas, os baixos salários, adesvalorização profissional, dentre outros fatores, impedem os professores dedesenvolverem melhor ações pedagógicas e não conseguem manter um ensino dequalidade. A prática está longe de representar o que está escrito no papel. A visão dacomunidade escolar ainda está muito aquém do que a educação pode representar para odesenvolvimento social da população. O relativo descrédito e insatisfação demonstrados na pequena amostra indicativaapontam que a atual política de valorização do magistério carece urgentemente de reparos eajustes condizentes com o texto constitucional. O princípio da qualidade do ensino eaprendizagem submete-se fundamentalmente ao prazer no exercício docente, noatendimento as condições dignas de sobrevivência e numa carga horária que possibilite oprofessor acesso a qualidade de vida e investimentos em sua formação intelectual ecultural.Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.43-57
57ASPECTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA EDUCACIONAL NOBRASIL E SEUS PARADIGMAS NA BUSCA DA QUALIDADELeônidas Pimentel BatistaREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBELLO JLP. Educação no Brasil: a História das rupturas. Pedagogia em Foco. Rio deJaneiro; 2001.VILLATA LC. O Que se Fala e o Que se Lê: Língua, Instrução e Leitura. In: Históriada Vida Privada No Brasil I: Cotidiano e Vida Privada na América Portuguesa. São Paulo:Companhia das Letras; 2002.SANGENIS LFC. Franciscanos na Educação Brasileira. In: Stephanou M. Bastos MHC.Histórias e Memórias da Educação no Brasil – Vol. I – Séculos XVI-XVIII. Petrópolis:Editora Vozes; 2004.SAVIANI D. O Legado Educacional do Século XX no Brasil. São Paulo: AutoresAssociados Ltda; 2004.GHIRALDELLI P Jr. Filosofia e História da Educação Brasileira. São Paulo: EditoraManole; 2003.PILETTI N. História da Educação no Brasil. São Paulo: Editora Ática; 2003.FRIGOTTO G. A produtividade da escola improdutiva . São Paulo: Editora Cortez;1984.NISKIER A. Precisa-se de Milagre na Educação. O Globo, Rio de Janeiro, março / 2005.1º Caderno.HOLANDA S.B. Raízes do Brasil. 26ª Ed. São Paulo; 2006.FAORO R. Os donos do poder. São Paulo: Globo; 2006.BRASIL. Lei nº 10.172 de 09 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação edá outras providências. PNE 2001-2010______. Projeto de Lei PNE 2010-2020. Aprova o Plano Nacional de Educação para odecênio 2011-2020 e dá outras providências.ILLICH I. Sociedade Sem Escolas. Ed. Vozes, Petrópolis; 1977.Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.43-57
O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁ THE ILLNESS PSYCHOLOGICAL THRILLER OF MILITARY CEARÁ Fábio Rodrigues Paulino1 Lídia Andrade Lourinho2ResumoCom as mudanças sociais surgem inúmeros conflitos de interesses no seio da sociedade e maisespecificamente o aumento da criminalidade, fazendo com que se estabeleça desordem econsequentemente os mais variados tipos de violências. Por conta disso, a atividade policial vem sendouma das, senão a mais importante ferramenta estatal na manutenção da lei e da ordem pública no controledas regras sociais. Em consequência dessa atividade permeada de fatores de riscos o profissional policialvem sendo acometido por diversas patologias, sendo que, uma das mais graves e comuns são ostranstornos mentais. Desse modo, centenas de policiais militares afastam-se de suas atividades laboraisdevido estarem acometidos por patologias de natureza psicológica, acarretando, por conseguinte grandeprejuízo para o Estado e para população. Então, entender como esse profissional adoece é de fundamentalimportância para que sirva de subsidio para as políticas de melhoramento das condições de trabalho e depromoção da saúde desses agentes de segurança pública do Estado do Ceará. Na perspectiva de subsidiaro desenvolvimento de uma Política Estadual de melhoramento das condições de trabalho e promoção deuma boa qualidade de vida, o presente estudo tem como objetivo entender o processo de adoecimentopsicológico dos trabalhadores policiais militares, de modo a identificar os fatores determinantes econdicionantes desse infortúnio laboral e descobrir como a Organização Policia Militar e seus agentesdesenvolve a qualidade de vida no trabalho. Como estratégias metodológicas foram adotados trêsprocedimentos: pesquisa documental, acompanhamento do cotidiano de trabalho e realização deentrevistas semiestruturadas dirigidas aos policiais militares que desempenha diferentes funções. Oadoecimento mental dos policiais militares do Estado do Ceará não é diferente do adoecimento dospoliciais militares de outros Estados, nem suas causas são diferentes das já especificadas pelos diversosautores que tratam do tema em tela. Mas também a não busca pela instituição (Policia Militar do Ceará)da solução para o problema é um fator que se evidencia. A grande questão dessa problemática é ainexistência de um mecanismo de verificação sistemática que possa identificar o aparecimento dessesfatores de adoecimento, para que no início seja estabelecida uma forma de combate ou controle, evitandoassim o acometimento crônico do policial militar a esses fatores doentios.Palavras chaves: Saúde do Trabalhador, Saúde Mental, Doença ocupacional, Trabalho Policial.ABSTRACTWith social changes numerous conflicts of interest arise in society and specifically the rise in crime,causing disorder and consequently to establish all kinds of violence. Because of this, police activity hasbeen one of, if not the most important state tool in maintaining law and order in the control of social rules.As a result of this activity fraught with risk factors professional police has been affected by variousdiseases, and one of the most serious and common are mental disorders. Thus, hundreds of policemenshun their work activities because they are affected by psychological pathologies, leading consequentlygreat loss for the state and population. So understand how sick this professional is crucial to serve as asubsidy for policies to improve working conditions and health promotion of these public safety officers ofthe State of Ceará. From the perspective of supporting the development of a state policy to improve1 Concludente do curso de Segurança no Trabalho pela Faculdade Ratio.2 Orientadora, professora doutoranda em Saúde Pública. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
59O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁFábio Rodrigues Paulino e Lídia Andrade Lourinhoworking conditions and promote a good quality of life, this study aims to understand the process ofpsychological illness among military police workers, in order to identify the determinants and laborconstraints that misfortune and discover how the Military Police Organization and its agents developsquality of life at work. Documentary research, observation of daily work and conducting semi-structuredinterviews addressed to military officers who plays different roles as methodological strategies: threeprocedures were adopted. The mental illness of the military police of the State of Ceará is no differentfrom illness of the military police of other states or their causes are different from those already specifiedby the various authors who treat the theme in question. But also not search by institution (Military Policeof Ceará) the solution to the problem is a factor that is evident. The big question of this problem is thelack of a mechanism for systematic verification that can identify the onset of illness of these factors, sothat at the beginning a form of combat or control is established, thus avoiding chronic involvement of themilitary police to these unhealthy factors.Key words: Occupational Health, Mental Health, Occupational Illness, Police Work.INTRODUÇÃO Em todo o país, a segurança pública vem sofrendo com uma realidade queaponta para o crescimento frequente e contínuo das mais diversas formas de violência ecriminalidade. As políticas adotadas pelas polícias civil e militar tem se mostrado poucoeficazes e por vezes, ineficientes no combate a tal situação (PONCIONI, 2005). Sãomuitas as críticas acerca da segurança pública no Brasil, principalmente no que dizrespeito à atuação do policial. Nesse sentido, esta pesquisa se propõe a contemplar osaspectos que permeiam a saúde mental de policiais militares, trabalhadores que arriscamsuas vidas para proteger outras. Portanto, trata-se de um tema relevante que gera, tantointeresse acadêmico, como social. Considera-se servidor militar, os indivíduos que trabalham, permanente outransitório, nos serviços militares no plano da administração da União e dos Estados.Então, pode-se dizer que os policiais militares são profissionais que desempenhamatividade no contexto federal ou no estadual, recebendo por este serviço um custeio.Para exercer uma boa atividade profissional, o militar deve saber lidar com o conjuntode tarefas a ele atribuídas, não podendo abster-se de cumpri-las, mesmo que issoacarrete um dilema pessoal (GASPARINI, 2001; JESUS, 2001). De acordo com Protásio (2011,pg.35) “as relações de trabalho referem-se àhierarquia militar como um fator que prejudica as relações de trabalho, pois vai desde a Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
60O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁFábio Rodrigues Paulino e Lídia Andrade Lourinhoadaptação do conteúdo das tarefas às competências reais do trabalhador”. Mas não só ascondições como a organização do trabalho são determinantes no processo saúde/doençado profissional de segurança pública, pois existem fatores secundários, investimentoineficaz e falta de investimento, que podem aumentar a velocidade do processo deadoecimento desses trabalhadores. Alguns autores assinalam que a atividade militar não se resume apenas aoserviço diário, a função também implica em constante estado de alerta, mesmo quando oprofissional encontra-se no seu momento de descanso. Sendo assim, a profissão dopolicial requer que o mesmo atue constantemente no confronto contra a condutaindevida ou criminosa da sociedade, defendendo cidadãos (MIRABETE, 1998;GUIMARÃES, 1999). Os policiais militares recebem influências de vários elementos negativos quepodem gerar estresse. Tanto o cansaço físico, como a falta de equilíbrio emocionalpodem levar esses profissionais a se comportarem de forma irracional no decorrer dascrises e das situações caóticas. A profissão militar tem como característica a exigênciade inúmeros sacrifícios, incluindo o da própria vida, em prol da vida do outro. A morteé uma realidade constante na vida profissional desse sujeito, visto que o mesmo tem queaprender a lidar com a morte dos criminosos, das vítimas, dos companheiros de trabalhoe também com a sua própria morte (VALLA, 2000, 2002). De acordo com Souza e Minayo (2005), os policiais são vítimas de acidentes eviolências que podem leva-los à morte prematura. Em um estudo realizado por Souza etal (2007), com policiais civis, comprovou que esses policiais estão expostos a estressecontínuo no seu contexto laboral que lhes causam sofrimento psíquico e porconseguinte, diminui a eficácia profissional. Esta realidade não é diferente quando seconsidera o policial militar, segundo Porto (2004). No Brasil, ainda há poucas pesquisasdesenvolvidas em âmbito nacional com os muitos batalhões da Polícia Militar, quepermitam conhecer como o policial militar se percebe e avalia sua saúde mental. Na perspectiva de subsidiar o desenvolvimento de uma Política Estadual demelhoramento das condições de trabalho e promoção de uma boa qualidade de vida, opresente estudo tem como objetivo entender o processo de adoecimento psicológico dos Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
61O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁFábio Rodrigues Paulino e Lídia Andrade Lourinhotrabalhadores policiais militares, de modo a identificar os fatores determinantes econdicionantes desse infortúnio laboral e descobrir como a Organização Policia Militare seus agentes desenvolve a qualidade de vida no trabalho. Como estratégias metodológicas foram adotados três procedimentos: pesquisadocumental, acompanhamento do cotidiano de trabalho e realização de entrevistas. 1. O CAMPO DE TRABALHO DO POLICIAL MILITAR A organização policial brasileira teve seu início no período imperial e passou porvários outros períodos tendo deixado sua história atrelada à história do País. Um dosmomentos de grandes transformações veio com a Proclamação da República, devido àabolição da escravatura e a instalação de um feudalismo altamente descentralizadoassociado a um rápido crescimento urbano das principais cidades brasileiras. Mas umdos períodos marcantes para o País, como para a Polícia, foi o Regime Militar. Marcadopor muita repressão e restrição de direitos, a Polícia foi um instrumento, senão o maisimportante do sistema ditatorial da época. Embora a instituição policial venha semoldando ao longo do tempo ainda tem raízes da ditadura militar brasileira (DESOUSA, 2011). Segundo De Sousa (2011, p. 2): O conceito da instituição Polícia indica sua própria função, e essa vem se moldando no decorrer da história, conforme o contexto sócio-econômico- cultural vigente. Porém alguns habitus persistem, de acordo com a pesquisa realizada por Costa (2004), através da análise de duas Instituições Policiais: a Polícia do Rio de Janeiro e a Polícia de Nova York, onde o mencionado autor constata que muitas práticas policiais do tempo da ditadura brasileira ainda vivem na operacionalidade policial carioca e das demais corporações policiais do Brasil. No Ceará, desde 1947, a instituição Policia Militar, alicerçada na hierarquiae disciplina, pilares das instituições militares, desenvolve a atividade de segurançapública no território cearense, através de seus agentes (policiais militares). Segundo aConstituição do Estado: “Incumbe a Policia Militar, a atividade da preservação daordem pública em todas as suas modalidades e proteção individual, com desempenhosostensivos para inibir os atos atentatórios a pessoas e bens” (Art. 188). Com mais de 15mil policias, entre homens e mulheres, a instituição está presente em todo o território Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
62O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁFábio Rodrigues Paulino e Lídia Andrade Lourinhocearense, com suas diversas Unidades Operacional, realizando sua atividade fim: opoliciamento ostensivo e preventivo (POLICIA MILITAR). A Polícia Militar é uma organização administrativa do Estado, politicamenteorganizado, que tem por atribuição impor limitação à liberdade na exata medidanecessária à salvaguarda e manutenção da ordem pública (LAZZARINI, 2008 apud DESOUSA, 2011). Segundo os dados estatísticos da Secretaria de Segurança Pública do Estadodo Ceará, publicados no jornal Diário do Nordeste, a criminalidade no Estado é umproblema social que vem crescendo ano a ano. A quantidade de homicídios no Cearáaumentou 11,4% no primeiro semestre do ano de 2014 em relação a igual período de2013. Nada menos que 2.367 pessoas assassinadas - no ano passado foram 2.124. Osroubos reduziram 53,8 % nos três primeiros meses (JORNAL DIÁRIO DONORDESTE 14/07/2014). Dentro desse cenário cada vez mais caótico estão os profissionais que lidamdiretamente com o problema e que por vezes, por conta da importância e repercussão dofenômeno violência, são esquecidos no tocante a saúde ocupacional. Tais dados revelam que o ambiente em que esse profissional de segurançapública labora, é repleto de fatores que podem levá-lo ao adoecimento, maisespecificamente, os transtornos mentais relacionados ao trabalho. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
63O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁFábio Rodrigues Paulino e Lídia Andrade Lourinho Não só o número de homicídios, mas também o número de profissionaispoliciais militares que vem se afastando de suas atividades laborais por acometimentode patologias psiquiátricas é alarmante. Segundo dados divulgados pela ASPRAMECE(associação de Praças da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros do Ceará) e publicadopelo jornal Diário do nordeste em 07/04/2014 mostra que somente em 2013 foramhomologados 1.529 afastamentos, por motivos desta natureza. E somente nos trêsprimeiros meses de 2014 (de janeiro a março), foram 661 (JORNAL DIÁRIO DONORDESTE 07/04/2014). Para o presidente da referida associação, o adoecimento dos policiaismilitares se deve a vares fatores. No entanto, para o Comando da Policia Militar onúmero de 1.529 é o cumulativo no ano de 2013, não correspondendo o número real deafastamento de policiais militares, já que a média de afastamento, segundo o comandoda polícia, gira em torno de 200 policiais afastados mensalmente por problemas denatureza psiquiátrica (Jornal Diário do nordeste 07/04/2014). Tais números revelam que 1,5% de todo efetivo policial do Estado doCeara, são mensalmente afastados de suas atividades laborais por problemaspsiquiátricos, revelando dessa forma, um grande problema a ser enfrentado pela Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
64O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁFábio Rodrigues Paulino e Lídia Andrade Lourinhoinstituição. Contudo, nesse mesmo período, a instituição ao invés de buscar identificaras causas e solucionar o problema endurece cada vez mais as relações de trabalho.Decidindo por pôr em pratica a fiscalização dos policiais que estão afastados do serviçopor licença médica (CNEWS 17/10/2013). E caso alguma irregularidade seja identificada, as punições cabíveis seriamaplicadas aos trabalhadores afastados (CNEWS, 17/10/2013). Partindo do pressuposto que as condições e a organização do trabalhocontribuem para o adoecimento do policial militar, esta pesquisa tem com o objetivo,entender o processo de adoecimento de um importante ator social, o policial militar, demodo a identificar os fatores de riscos, revelando as causas e a interação entre elas,possibilitando desta forma, o melhoramento de suas condições de trabalho econsequentemente a melhoria da sua qualidade de vida no trabalho. 2. SAÚDE DO TRABALHADOR Segundo o Decreto Nº 7.602 de 07 de novembro de 2011 que cria a PolíticaNacional de Saúde e Segurança no Trabalho – PNSST - tem como objetivo “apromoção da saúde e a melhoria da qualidade de vida do trabalhador e a prevenção deacidentes e de danos à saúde advindos, relacionados ao trabalho ou que ocorram nocurso dele, por meio da eliminação ou redução dos riscos nos ambientes de trabalho”(DECRETO Nº7. 602/2011 – PNSST). Sendo que um dos princípios da PNSST é auniversalidade, sendo assim a política vem a colaborar com a estratégia de segurança esaúde do policial militar, pois esse agente de segurança além de ser trabalhador estarexposto a inúmeros riscos ocupacionais que afeta diretamente sua saúde e qualidade devida. Mas a grande problemática deste campo é o estabelecimento do nexo causal entreos transtornos mentais e os aspectos organizacionais do trabalho. Embora seja difícil aresolução desta questão, para melhor analise do problema, que é trabalhar com fatoresde riscos que podem desenvolver transtornos mentais. O Manual de Procedimento Parao Serviço de Saúde 2001, do Ministério da Saúde do Brasil explica que: A prevenção dos transtornos mentais e do comportamento relacionados ao trabalho baseia-se nos procedimentos de vigilância dos agravos à saúde e dos ambientes e condições de trabalho. Utilizar conhecimentos médico-clínicos, Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
65O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁFábio Rodrigues Paulino e Lídia Andrade Lourinho epidemiológicos, de higiene ocupacional, toxicologia, ergonomia, psicologia, entre outras disciplinas, valoriza a percepção dos trabalhadores sobre seu trabalho e a saúde e baseia-se nas normas técnicas e regulamentos vigentes, envolvendo: I - reconhecimento prévio das atividades e locais de trabalho onde existam substâncias químicas, agentes físicos e/ou biológicos e os fatores de risco decorrentes da organização do trabalho potencialmente causadores de doença; II - identificação dos problemas ou danos potenciais para a saúde, decorrentes da exposição aos fatores de risco identificados; III - identificação e proposição de medidas que devem ser adotadas para a eliminação ou controle da exposição aos fatores de risco e para proteção dos trabalhadores; IV - educação e informação aos trabalhadores e empregadores. A atual legislação que disciplina a matéria sobre acidente, lei nº 8.213/91, trata adoença do trabalho (mesopatia) e doença profissional/ocupacional (tecnopatia)para todos os efeitos como acidentes de trabalho. Assim: Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I. Segundo o grupo V da tabela B do anexo II do decreto 3.038/99, as doençasmentais relacionadas com o trabalho são: neurose profissional, transtorno do ciclovigila-sono, reação ao estresse grave/transtorno de adaptação e síndrome de burnout.Todos resultantes do fator estresse oriundo das relações de trabalho. As relações sociaistipificadas na citada norma legal causadoras dessas doenças são: Outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho, reação após acidente do trabalho grave ou catastrófico, ou após assalto no trabalho, Circunstância relativa às condições de trabalho, Problemas relacionados com o emprego e com o desemprego, Desemprego, Mudança de emprego, Ameaça de perda de emprego, Ritmo de trabalho penoso, Desacordo com patrão e colegas de trabalho (Condições difíceis de trabalho), Outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho, Problemas relacionados com o emprego e com o desemprego, Má adaptação à organização do horário de trabalho (Trabalho em Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
66O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁFábio Rodrigues Paulino e Lídia Andrade Lourinho Turnos ou Trabalho Noturno), Ritmo de trabalho penoso, Outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho (Decreto 3.038/99). De modo geral, os trabalhadores em algum momento de sua vida laboral já foramsubmetidos a condições e organização de trabalho desfavoráveis, causadoras de estresse.Conforme é observado no presente estudo os agentes estressores é o fator primário noprocesso de adoecimento mental do trabalhador, mas outros Fatores, secundários,devem ser analisados para que se possa ter um melhor entendimento do que realmentedetermina o desencadeamento das referidas doenças ocupacionais.Estresse “Deriva do latim, a palavra estresse foi empregada popularmente no século XVIIsignificando fadiga, cansaço. A partir do século XVIII e XIX, o termo estresse aparecerelacionado com conceito de força, esforço e tensão” (FARIAS, 1992 Apud PEREIRA,2010:24). Desta forma, segundo leciona PEREIRA 2010, é um processo temporário deadaptação que compreende modificações no organismo do trabalhador. Sendo que elepode ser ou não resultante das relações do ambiente do trabalho, diferenciando oestresse de estresse ocupacional (estresse oriundo do ambiente de trabalho), pois é ofator principal das doenças mentais dos trabalhadores. Os trabalhadores estão sujeitos a diversos agentes estressores que causamsensação de tensão e/ou expectativa, como crise econômica, violência urbana ou rural,movimentos políticos e conflitos familiares, dentre outros fatores que alheios àscondições de trabalho, podem afetar diretamente o trabalhador no ambiente laboral(JUNIOR 2013, Pg. 118).Neurose Profissional “É um estado de desorganização persistente da personalidade, com consequenteinstalação de uma patologia vinculada a uma situação profissional ou organizacionaldeterminada” (ELEVATO, 1999, Apud JUNIOR, 2013). A neurose ocupacional instala-se no trabalhador em razão do elevado nível detensão no ambiente laboral de modo a desenvolver no obreiro sentimento deinsegurança, favorecendo o deterioramento da capacidade mental do trabalhador paradesenvolver suas atividades laborais. Atualmente essa doença mental associada aotrabalho vem sendo desencadeada principalmente pela pratica de assédio moral e doassédio sexual no ambiente de trabalho (JUNIOR 2013). Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
67O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁFábio Rodrigues Paulino e Lídia Andrade LourinhoSíndrome de Burnout É um processo que se dá em resposta pela crônificação do estresse ocupacional,trazendo com sigo consequências negativas tanto em nível individual como profissional,familiar e social (PEREIRA 2010). Desse modo conforme ensina MORAIS, o Burnout, Síndrome do EsgotamentoProfissional, é o resultado do acometimento crônico do trabalhador ao estresse atravésde fatores estressores como: ruído, calor, medo, violência, desmotivação, assédio moraletc (MORAIS, 1997 Apud PREIRA, 2010). Entretanto pode-se notar que diante de determinado agente estressor observa-sereação distinta em diferentes pessoas, ou na mesma pessoa, esta pode apresentar formasheterogenias de resposta de estresse em momentos, ambientes ou contextos diversos.Estas diferenças se dão em razão de experiências anteriores, características depersonalidades, pré-disposição genética, condições atuais de vida e outros fatores que,individualmente ou associado, acabam por dar formas diferentes às reações de estresse(PEREIRA, 2010). O estresse ocupacional é o meio para se chegar ao Burnout, e esse é o resultadodo acometimento crônico aquele. O estresse tem características positivas ou negativas,já o Burnout tem sempre caráter negativo. Sendo que o Burnout, esta relacionado com omundo laboral, tipo de atividade, e comporta uma dimensão social, interrelacional,através da despersonalização, alteração da personalidade do trabalhador o que nãoocorre no estresse. Na concepção clinica, a síndrome de Burnout é caracterizada como um conjuntode sintomas (fadiga física e mental, falta de entusiasmo pelo trabalho, sentimento deimpotência e inutilidade, baixa autoestima) podendo levar o profissional a estadosdepressivos e até mesmo ao suicídio (FREUDENBERG, 1974 Apud PEREIRA 2010,Pg. 34). De acordo com a concepção psicológica, os aspectos individuais associados àscondições e relações de trabalho formam o conjunto que favorece o aparecimento dosfatores multidimensionais da síndrome; exaustão emocional, despersonalização ereduzida realização profissional (Chistina Maslach e Susan Jacson, 1997 ApudPEREIRA 2010, Pg. 35). Concepção mais aceta atualmente. Já na concepção organizacional, baseada na teoria das organizações, o Burnout éum desajuste entre as necessidades do trabalhador e os interesses da instituição de modo Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
68O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁFábio Rodrigues Paulino e Lídia Andrade Lourinhoa causar desencadeamento do processo da doença, e tem como protagonista os agentesestressores organizacionais e revela que a concepção psicológica (exaustão emocional,despersonalização e reduzida realização profissional) é um modo de enfrentamento(PEREIRA 2010, Pg. 36). Para a concepção sócio-histórica, prioridade é dada ao papel da sociedade, maisdo que os fatores sociais e institucionais. De maneira genérica todos os teóricosreconhecem a relevância do papel desempenhado pelo trabalho bem como a dimensãosocial, relacional da síndrome (PEREIRA 2010, Pg. 36). 3. METODOLOGIA O estudo buscou compreender o processo de adoecimento mental doPolicial Militar do Estado do Cerará utilizando-se de uma abordagem qualitativa, tendocomo fonte primária entrevistas semiestruturadas que foram realizadas com policiaismilitares do Estado do Ceará que se encontra em atividade e que exercem diferentesatividades, tanto no policiamento ostensivo, como no preventivo. Também foramrealizadas observações e busca e análise de dados quantitativos relativos ao número deafastamento de policiais por problemas psiquiátricos divulgados pela ASPRAMECE,como também a identificação de dados atinentes ao aumento da criminalidade no estadodo cerará divulgados pela SSPDS (Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social). Anossa maior fonte de dados foi à imprensa cearense, mais especificamente, asinformações divulgadas pelo Jornal Diário do Nordeste. As entrevistas foram elaboradas através de um questionário contendoquestões abertas que abordava fatores institucionais como: condições e organização dotrabalho. Mas também foram abordados fatores relativos à atividade policial como:stress e motivação. A entrevista foi realizada com uma amostra de seis policiais docargo de soldado e tenente de diferentes unidades operacionais, todos com mais decinco anos de efetivo serviço de policiamento na instituição Policia Militar do Ceara. Osentrevistados no cargo de soldado e tenente foram escolhidos por serem dentro de cadacarreira, praças e oficiais, os que menos detêm poder de gestão (poder de comando),sendo os que, dentro das respectivas carreiras, mais executam as atividades e Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
69O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁFábio Rodrigues Paulino e Lídia Andrade Lourinhoconsequentemente sofrem as maiores pressões. Os profissionais entrevistados, comrelatos inseridos no estudo, tiveram seus nomes abreviados para preservar suas imagens. Já os dados estatísticos relativos ao número de policiais afastadosacometidos por problemas psiquiátricos foram coletados junto a COPEM(Coordenadoria de Pericia Média), mas segundo o setor responsável onde foramsolicitadas as informações, o sistema de dados do órgão não disponibilizava asinformações referentes somente a afastamentos por problemas psicológicos, forneciaapenas o numero total de policiais afastados pelos mais diversos problemas de saúde.Dessa forma, por dificuldades em obter dados estatísticos do órgão que coleta essasinformações, foram utilizados os dados divulgados pela ASPRAMECE e publicado peloJornal Diário do nordeste 07/04/2014. Os dados referentes ao aumento da criminalidade foram obtidos através dapublicação pela SSPDS e divulgados, também pelo Jornal Diário do nordeste14/07/1014. Os dados relativos aos programas de prevenção dos transtornos mentaisrelativos à atividade policial, a promoção da saúde dos policiais, a assistência aospoliciais acometidos por problemas psiquiátricos e aos profissionais da área depsicologia que atuam na problemática abordada, foram solicitados junto ao Centro deAssistência Biopsicossocial da Policia Militar do Ceará.3.1 Discussão dos resultados São vários os fatores de riscos a que se submetem os profissionais noambiente de trabalho, gerando, por conta da exposição a esses fatores, diferentespatologias. Umas advêm de exposição a produtos químicos e substâncias que causamalucinações, outras relacionadas exclusivamente à atividade profissional. A forma como trabalho se desenvolve (organização do trabalho) aliada a condições precária dosequipamentos (condições de trabalho) fazem com que surja ou aumente o fator estresseno desenvolvimento da atividade laboral. E levando em consideração que a maioria dasdoenças mentais que atingem os policiais é oriunda desse fator, pode, dessa forma,engendrar o adoecimento desses profissionais (GONÇALVES, VEIGAS,RODRIGUES, 2012). Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
70O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁFábio Rodrigues Paulino e Lídia Andrade Lourinho Segundo Ramos (2007): A jornada de horas trabalhadas, associada com o sofrimento e o desgaste, conforme Laureel e Noriega (1985) podem ser definidas como: “Elementos físicos, químicos e mecânicos, fisiológicos e psíquicos que interagem dinamicamente entre si e com o corpo”. Quando uma força é despendida para a realização de uma atividade desmedida ou indesejada, suas resultantes são desgastes e sofrimento que repercutem na saúde. Em contrapartida, o incentivo e a satisfação no desenvolvimento das atividades dão início ao prazer da realização (Ramos, 2007 apud Gonçalves, Veiga, Rodrigues). Como já afirmado, várias são as doenças mentais inerentes ao exercíciolaboral, mas segundo o grupo V da tabela B do anexo II do decreto 3.048/99(Regulamento da Previdência Social), as doenças mentais relacionadas com o trabalhosão: neurose profissional, transtorno do ciclo vigília/sono, reação ao estresse grave(transtorno de adaptação) e síndrome de burnout. Todos resultantes do fator estresseoriundo das relações de trabalho. Os fatos tipificados na citada norma legal, causadores dessas doenças são: Outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho, reação após acidente do trabalho grave ou catastrófico, ou após assalto no trabalho, circunstância relativa às condições de trabalho, problemas relacionados com o emprego e com o desemprego, mudança de emprego, ameaça de perda de emprego, ritmo de trabalho penoso, desacordo com patrão e colegas de trabalho (Decreto 3.048/99, grupo V, tabela B, anexo II). Dessa forma, pode-se observar que as relações tipificadas no citadoregulamento da previdência social, também são inerentes à atividade do policial militarassociando-se a essas relações o poderoso sistema de vigilância e disciplina impostopela instituição. Pois as relações sociais existentes dentro da instituição policial militarsão relações de uma comunidade diferente de todas as outras, pois tem seus costumes,relações de conduta tipificada em lei especial, solenidades diferentes e uma legislaçãoque lhe é própria. Esse modelo teve papel fundamental na forma como o Estado foiconstituído, principalmente relacionado ao princípio de soberania, através do Exércitona defesa do território nacional, o qual foi empregado também para manutenção daordem e promoção da segurança pública. Muniz (1999, p. 111), explica que: As imagens que evocam o universo propriamente militar estão sempre presentes em qualquer discussão sobre as questões relativas à segurança Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
71O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁFábio Rodrigues Paulino e Lídia Andrade Lourinho pública. No caso das polícias ostensivas brasileiras, que adotaram historicamente o modelo militar de organização profissional, essas figuras se fazem presentes não só no nome (Polícias Militares), como também na própria estrutura burocrática. A PM está dividida internamente em Organizações Policiais Militares (OPMs) executivas, setoriais e operacionais que prestam os serviços de policiamento. Assim como no Exército, ela possui Estado Maior, Cadeia de Comando, Batalhões, Companhias, Destacamentos, Regimentos, tropas etc. A disciplina e o poderoso sistema de vigilância impostos pelas instituiçõesmilitares tentam adestrar e condicionar a força de trabalho para atender aos anseios daorganização. Esses instrumentos organizacionais buscam eliminar os sistemas dedefesas /enfrentamento dos trabalhadores. No entanto, para Dejours, o trabalhador éefetivamente a pessoa mais qualificada para saber o que é compatível com a sua saúde.“Do choque entre o indivíduo dotado de uma história personalizada, e a organização dotrabalho, portadora de uma injunção despersonalizante emerge uma vivencia e umsofrimento que podemos tentar esclarecer” (DEJOURS, 1992, p. 43). Portanto, a Policia Militar do Ceará, como as outras polícias militares dorestante do país é detentora de um código disciplinar muito rígido que impõe umadisciplina totalmente diferente do restante da sociedade, estabelecenhdo transgressões ereferentes punições que vão desde uma simples advertência verbal até uma custódiadisciplinar, ou seja, uma prisão administrativa. A obediência aos superiores é cobradade forma enfática, estabelecendo um poder hierárquico vertical, de forma a revelar queos pilares institucionais são a hierarquia e disciplina, constituindo, como é conhecidopelos trabalhadores submetidos a esse regime, o militarismo (Código Disciplinar dosMilitares do Estado do Ceara). Para Dejours, “as relações de trabalho referem-se àhierarquia militar como um fator que prejudica as relações de trabalho, pois vai desde aadaptação do conteúdo das tarefas às competências reais do trabalhador”. (Dejours,1992 Apud PROTÁSIO, 2011, p. 3). Para Dwyer (2006), a teoria social dos acidentes trata os infortúnios laboraiscomo um produto das relações que regem as relações de trabalho nos níveis, social(recompensa, comando e organizacional) e pessoal (individuo membro). De modo queas formas como essas relações são gerenciadas, como o trabalho é organizado, levam aoacarretamento de acidentes, pois a organização associada a condições de trabalho podeengendrar o adoecimento do trabalhador. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
72O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁFábio Rodrigues Paulino e Lídia Andrade Lourinho Entende-se, seguindo a linha de raciocínio de Dwyer (2006) com a TeoriaSociológica dos Acidentes de Trabalho que a desagregação do grupo de trabalho,proibição de sindicaliza-se no caso dos policiais, é outro fator que contribuem para aocorrência de infortúnios laborais. Pois quando um grupo de trabalhadores nãoconsegue agregar-se fica difícil buscar melhores condições de trabalho, ocasionando umdesanimo nos trabalhadores. O mesmo autor afirma que o sistema de recompensa, semal utilizado, é outro fator que pode engendrar o aparecimento de infortúnios. Oexemplo claro, no caso da Policia Militar do Ceara, é que Estado através de seusgestores, com o objetivo de atender às demandas de segurança, impostas pelocrescimento da criminalidade, busca de todas as formas maximizarem a eficiência naprestação do serviço de segurança pública. E para chegar nesse objetivo instituiu umagratificação incentivando ao cumprimento de metas no tocante à redução dacriminalidade. Em uma entrevista publicada pelo Jornal Diário do Nordeste, em abril de2014, o presidente da ASPRAMECE, Pedro Queiroz, relata que “é um fator que iráalavancar o número de PMs sob efeito de psicotrópicos nas ruas. É grave que umapessoa com a capacidade alterada porte uma arma, mas isto existe não é pouco, atéporque é comum o policial sofrer represálias, como transferências, por pedir licençasmédicas, então, eles a evitam. Vão acabar demonstrando estarem aptos ao trabalho, paraganharem as gratificações, quando não estão capacitados a estarem nas ruas\" (JornalDiário do nordeste 07/04/2014). O fato é que o governo do estado criou um incentivo financeiro através dalei complementar Nº133/2014 na qual estabelece uma gratificação que varia de acordocom o cargo. O funcionário que detém um maior cargo (cargo de gestão) recebe ummaior valor, consequentemente essa forma de buscar produtividade pode gerar maiorpressão nos trabalhadores de cargos inferiores, por parte dos gestores, agravando aindamais o estado patológico que acomete esses profissionais. Outro fato a ressaltar, consequência dos incentivos financeiros malutilizados é o “presenteismo” que pode ser gerado: por vantagens econômicas, quandoo trabalhador doente deixa de se afastar do trabalho para não ter perdas salariais, ou porvaidade, quando não se ausenta do serviço para não perder o condicionamentoprodutivo (habilidade e presteza na realização da atividade). Há nessa prática um ciclo Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
73O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁFábio Rodrigues Paulino e Lídia Andrade Lourinhovicioso de alienação de forma a gerar uma síndrome patológica, fazendo com que, nofim, o culpado pelo sofrimento seja o próprio trabalhador (DEJOURS, 1992, p. 47). Nocaso da gratificação instituída pelo governo do Estado do Ceara, além de causar umamaior pressão por partes dos gestores para o cumprimenta de metas. Ocasiona, também,a permanência dos policiais em estado patológico no trabalho, uma vez que se esseprofissional se licenciar por tempo superior a seis meses deixa de receber o incentivofinanceiro. A maioria dos entrevistados entende que o adoecimento mental dos policiasmilitares é uma combinação de fatores, agindo de forma sistêmica e produzindo umresultado, que é o adoecimento e afastamento desses profissionais do ambiente detrabalho. Os fatores causadores do adoecimento psicológico expostos pelos policiaismilitares são os mesmos expostos, anteriormente, por diversos autores, só que de formasimples e menos técnica. Sobre o processo de adoecimento, um dos entrevistados relata o que eleenfrenta na instituição: “Enfrentei e enfrento atualmente: falta de estimulo, falta de salário digno, falta de reconhecimento, falta de folga, falta de material adequado e etc. E pior, tenho que sofrer calado perante a sociedade. O adoecimento é consequência de um trabalho estressante, desestimulante e com perseguições” (A.F.B. policial militar há 13 anos). De acordo com outro pesquisado, no que se refere ao adoecimento dopolicial: “com objetivo específico de verificar o adoecimento dos policiais militares, vejo que o apoio de um bom plano de saúde e um efetivo acompanhamento psicossocial seria um bom começo” (N.C.F.,policial militar há 8 anos). Segundo o Centro Biopsicossocial (CBS) da Policia Militar são muitos osatendimentos do centro a policiais militares e seus de pendentes. E dentre osatendimentos estão os médicos, psicológicos e de assistência social, mas os que sãoatendidos com maior frequência são os pacientes com problemas psicológicos. Só noano de 2012, dos 7.180 atendimentos realizados pelo CBS, 4.379 foram atendimentospsicológicos. Desses numero de atendimentos, 2.316 foram para policiais militares e2.063 para dar assistência a dependentes. Correspondendo a uma relação de 52,8% de Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
74O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁFábio Rodrigues Paulino e Lídia Andrade Lourinhoatendimento para policiais e 47.8%, para dependentes. Isso mostra que o Centro atendea uma relação proporcional de quase um policial para um dependente. Revelando dessaforma que os dependentes desses policiais também estão acometidos pelo adoecimentopsicológico, que pode ser advindo de fatores estranhos à atividade do policial comopode ser influenciado pelo estresse sofrido por esse profissional e refletido em seusfamiliares. O CBS destaca ter diversos programas de assistência a policiais edependentes que foram acometidos de alguma forma a problemas psicossociais, mas osprogramas desenvolvidos pelo Centro Biopsicossocial são de apoio ou assistência.Contudo, programas de prevenção como: monitoramento dos fatores de riscos,avaliação sistemática do nível de estresse dos policiais dentre outras ações sãoinexistentes. Muitos fatores contribuem para que essas ações de prevenção não sejamdesenvolvidas. A falta de pessoal é um fator que dificulta essas ações preventivas, poissão apenas três, os profissionais de psicologia e três de serviço social que fazem partedo CBS para atender todo o efetivo policial militar do Estado do Ceara. Outro fator a serdestacado é a centralização do Centro Biopsicossocial na cidade de fortaleza, sendo que,policiais de regiões distantes que quiserem usufruir dos serviços do CBS têm que sedeslocarem para a capital cearense. Dessa forma é revelado que além da existência de vários fatores, háassociação com a falta de investimento em prevenção e promoção da saúde dos policiaismilitares, interferindo decisivamente na qualidade de vida desses profissionais e porconsequência na de seus familiares. Consequentemente, os trabalhadores policiais alémde adoecerem, adoecem também as pessoas com quem convivem, estabelecendo assimum círculo doentio difícil de ser quebrado.CONSIDERAÇÕES FINAIS Um dos grandes percalços para o desenvolvimento deste estudo foi adificuldade na obtenção de dados, relativos à problemática, junto aos órgãoscompetentes. Pois por se tratando de uma instituição fechada (militar) a dificuldade setornou ainda maior. O adoecimento mental dos policiais militares do Estado do Ceará não édiferente do adoecimento dos policiais militares de outros Estados, nem suas causas são Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
75O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁFábio Rodrigues Paulino e Lídia Andrade Lourinhodiferentes das já especificadas pelos diversos autores que tratam do tema em tela. Mastambém a não busca pela instituição (Policia Militar do Ceará) da solução para oproblema é um fator que se evidencia. A grande questão dessa problemática é ainexistência de um mecanismo de verificação sistemática que possa identificar oaparecimento desses fatores de adoecimento, para que no início seja estabelecida umaforma de combate ou controle, evitando assim o acometimento crônico do policialmilitar a esses fatores doentios. Sabe-se que esses fatores são pertinentes e inerentes às policias militares e aatividade policial em todo o Brasil, mas o que foi evidenciado neste estudo foi, porconta da Policia Militar cearense, a falta de investimento para prevenir o adoecimentomental e promover uma boa qualidade de vida para esses trabalhadores. Dessa formaconclui-se que os fatores de riscos associados a falta de investimento em prevenção sãodeterminantes no processo de adoecimento do policial militar do Estado do Ceará.REFENRÊNCIASARAUJO JUNIOR, Francisoc Milton. Doença ocupacional e acidente de trabalho:analise multidisciplinar. Editora LTr, 2ª ed. São Paulo, 2013.BRASIL, Decreto Lei 3.048: Regulamento da previdência social e dá outrasprovidencias, 1999.BRASIL, Lei nº 8.213: Planos de benefícios da previdência social e dá outrasprovidencias, 1991.BRASIL, Ministério da Saúde. Manual de procedimento para o serviço de saúde.2001.BRASIL, Ministério do trabalho e emprego: Portaria 3.214, NormasRegulamentadoras, 1978.BRASIL, Ministério do trabalho e emprego: Manual de aplicação da normaregulamentadora nº17, 2002.CEARÁ, Constituição do Estado do Ceará, 1989.CEARÁ, Lei 13.729: Estatudo dos militares do estado do Ceara, 2006.CEARÁ, Lei 13.407: Código disciplinar dos militares do Estado do Ceará, 2003. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
76O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁFábio Rodrigues Paulino e Lídia Andrade LourinhoDEJOURS, Christophe 1949. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia dotrabalho/ Christophe Dejours; tradução de Ana Isabel Paraguai e Lúcia Leal Ferreira.Editora Cortez Oboé, 5ª ed. Ampliada. São Paulo, 1992.DE SOUSA, Reginaldo canuto. Uma análise da história da segurança públicaBrasileira, V Jornada internacional de puliticas públicas. São Luiz. UFMA, 2011.DWYER, Thomas Patrik. Vida e morte no trabalho: acidentes do trabalho e produçãosocial de erros/ Tom Dwyer. Cmpinas, SP: Editora Unicamp, 2006.GASPARINI, D. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2001.GONÇALVES, Fabrício da Silva, Prevalência de Transtornos Mentais Comunsentre policiais militares de Ceilândia/Distrito Federal – 2012.GUIMARÃES, A. F. O contrato de trabalho do policial militar. Revista Direito Militada Associação dos Magistrados das Justiças Militares Estaduais, Florianópolis, v. 3,n. 17, p. 6-8, mai./jun. 1999.JESUS, F. Psicologia aplicada à justiça. Goiânia: Editora: AB, 2001MINAYO, M. C. S.; SOUZA, E. R.; CONSTANTINO, P. Riscos percebidos evitimização de policiais civis e militares na (in) segurança pública. Cadernos de SaúdePública, v. 23, n. 11, p. 2767-2779, jan./mar. 2007.MIRABETE, J. F. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 1998.MUNIZ, Jaqueline. Ser policial é, sobretudo uma razão de ser - Cultura e Cotidianoda Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro.IUPERJ, 1999.PEREIRA, Ana Maria T. Benevides. Quando o trabalho ameaça o bem estar dotrabalhador. 4ª ed., São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.PONCIONI, P. O modelo policial profissional e a formação profissional do futuropolicial nas academias de polícia do estado do Rio de Janeiro. Sociedade e Estado, v.20, n. 3, p. 585-610, set./dez. 2005.PORTO, M. S. G. Polícia e violência: representações sociais de elites policiais doDistrito Federal. São Paulo em Perspectiva, v. 18, n. 1, p. 142-150, jan./mar. 2004.PROTÁSIO, Isabela Siqueira. Saúde mental do trabalhador policial militar daRadiopatrulha. V Colóquio Internacional, “Educação e Contemporaneidade” . Sergipe,2011. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
77O ADOECIMENTO PSICOLÓGICO DO POLICIAL MILITAR DO CEARÁFábio Rodrigues Paulino e Lídia Andrade LourinhoSOUZA, E. R.; MINAYO, M. C. S. Policial risco como profissão: morbimortalidadevinculada ao trabalho. Ciência e Saúde Coletiva, v. 10, n. 4, p. 917-928, out./dez.2005.VALLA, W. O. Ética e a atividade do policial militar. Revista Direito Militar daAssociação dos Magistrados das Justiças Militares Estaduais, Florianópolis, v. 4, n.21, p. 5-6, jan./fev. 2000.VALLA, W. O. O compromisso e as implicações deontológicas para o militar depolícia. Revista Direito Militar da Associação dos Magistrados das JustiçasMilitares Estaduais, Florianópolis, v. 7, n. 37, p. 10-14, set./out. 2002.GONÇALVES, Sebastião Jorge da Cunha - VEIGA Alan João da Silva - RODRIGUESLília Marques Simões. Qualidade de Vida dos Policiais Militares que Atuam naÁrea da 2ª CIA do 10° Batalhão Militar, Revista Fluminense de ExtensãoUniversitária, Vassouras, v. 2, n. 2, p. 53-76, jul./dez., 2012.http://www.pm.ce.gov.br/index.php/institucional/historico Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.58-77
QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO E REPERCUSSÕESSOCIAL ISSUE AND SOCIAL SERVICE: BETWEEN CONTEXT AND REPERCUSSIONS Jailma de Sousa Rodrigues1 Maria Mayara Rodrigues2 Jamile Silva de Oliveira Castro3 Mirnna Vasconcelos da Silva4RESUMOO presente artigo tem por objetivo fazer uma breve discussão acerca do papel do assistentesocial no enfrentamento às expressões da questão social, sendo esta, matéria prima doexercício profissional, considerando ainda que a profissão do Assistente Social estáinserida na divisão social e técnica do trabalho. Para isto, iremos pontuar os aspectos emque emergiu a Questão Social destacando o seu contexto no âmbito internacional e noâmbito brasileiro, bem como algumas particularidades do exercício profissional noenfrentamento às expressões da questão social tão latentes no interior da sociedade econsequentemente no cotidiano profissional. Discutiremos ainda a incidência da lógica doneodesenvolvimentismo na sociedade brasileira, que tem como foco (re)configurar aspolíticas sociais e, especialmente, as expressões da questão social exigindo do ServiçoSocial uma leitura crítica da realidade para apreender como estas inflexões emergem nocotidiano profissional, a fim de tecer resistências para seu enfrentamento.Palavras-chave: Questão Social. Serviço Social. Assistente Social. Trabalho.ABSTRACTThis article aims to give a brief discussion about the role of social worker in dealing withexpressions of social issue, this being the raw material of professional practice, andconsidering that the profession of social worker is embedded in the social division and inthe work technique. For this, we will point out the aspects that emerged the Social Issuehighlighting its context in the international arena and in the Brazilian context , as well assome peculiarities of professional practice in dealing with expressions of social issues aslatent within society and therefore to professional practice . Also discuss the impact ofneodevelopmentalist logic in the Brazilian society , which focuses on (re)configure thesocial policies and, especially, the expressions of social issue requiring of the Social1 Bacharel em Serviço Social pela Faculdades Cearenses (FAC) – Fortaleza/ Ceará.2 Pós-graduanda da Especialização em Serviço Social, Políticas Públicas e Direitos Sociais pela UniversidadeEstadual do Ceará (UECE) - Fortaleza/ Ceará3 Pós-graduanda Residente em Infectologia no Hospital São José de Doenças Infecciosas pela Escola deSaúde Pública do Estado do Ceará (ESP) - Fortaleza/ Ceará.4 Pós-graduanda da Especialização em Serviço Social, Políticas Públicas e Direitos Sociais pela UniversidadeEstadual do Ceará (UECE) - Fortaleza/ Ceará. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95
79QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO EREPERCUSSÕESJailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro eMirnna Vasconcelos da SilvaService a critical reading of reality to grasp how these inflections emerge in everydayprofessional, to weave resistors for coping.Keywords: Social Issue. Social Service. Social Worker. Work.1. INTRODUÇÃO O texto a seguir, terá como premissa, uma análise crítica da questão social esua relação com o Serviço Social no sentido de entender como o assistente social enfrentaas expressões da questão social no âmbito do seu exercício profissional. Inicialmente, faremos uma breve contextualização da questão social dandodestaque ao Capitalismo em ascensão, à Revolução Industrial e à Igreja Católica,considerando que estes foram instrumentos que deram visibilidade e contribuíram para ocrescente aumento da questão social no mundo. Ressaltaremos a migração dostrabalhadores rurais para o espaço urbano e as mudanças no mundo do trabalho na época,configurando o surgimento das organizações dos trabalhadores em lutas e reivindicaçõespor melhores condições de trabalho, de vida. Posteriormente, seguiremos dando enfoque no Brasil, contextualizando aquestão social à luz da escravidão brasileira, com ênfase nas desigualdades sociaismanifestadas na sociedade da época e que perduram até os dias atuais. Assim, buscaremostrazer para discussão no presente trabalho, a cultura patriarcal em que nosso país seestruturou tendo reflexo significativo nas relações sociais, configurando todo um modo deser e de pensar de uma sociedade. Abordaremos, brevemente, o surgimento da profissão a partir do viéscaritativo, caracterizando o Serviço Social conservador para, em seguida, colocarmos emquestão a intervenção do Estado e a requisição de profissionais de Serviço Social comobjetivo de amenizar as expressões da questão social manifestadas na sociedade. Dessemodo, marcaremos o rompimento do Serviço Social com o tradicionalismo que permeava aprofissão, o que dava uma nova face à profissão: o de comprometimento com a liberdade ejustiça. Assim, destacaremos a adesão da profissão a um arcabouço teórico consolidadoque rompeu com o conservadorismo profissional permitindo ao Serviço Social maior Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95
80QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO EREPERCUSSÕESJailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro eMirnna Vasconcelos da Silvareflexão crítica para compreender as repercussões da questão social e sua importância parao exercício da profissão nesta sociedade. Nesse sentido, por fim, nos muniremos da dialética Marxista para analisarmoso papel do assistente social no enfrentamento às expressões da questão social emconsonância com os desafios atuais da profissão inserida na divisão social e técnica dotrabalho. Desafios, dentre os quais podemos destacar a aplicação da lógicaneodesenvolvimentista nas políticas sociais. Desse modo, faz-se necessário o diálogo com alguns autores da área, taiscomo: IAMAMOTO (1989), MAINWARING (1989), MANRIQUE (1993) e SILVA(2008).2. A QUESTÃO SOCIAL NO CONTEXTO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E AIGREJA CATÓLICA A Igreja Católica registra em toda sua história um lastro de apoio assistencialaos mais pobres. Entretanto, essa mesma Igreja, se utilizou de sua influência através,especialmente, de documentos como as Encíclicas Papais Rerum Novarum5 eQuadragesimo Anno6, para servir como instrumento de dominação ideológica e obscurecera questão social – tema que passou a ser conhecido como é hoje – no final do século XVIIIcom a emergência da Revolução Industrial e das lutas sociais em países como Inglaterra,França, Bélgica e Alemanha.5 Rerum Novarum significa: Das coisas novas. Escrita por Papa Leão XIII em 15 de maio de 1891. Trata dequestões levantadas na revolução industrial, apóia a organização dos trabalhadores em sindicatos, nega osocialismo e defende a propriedade privada; é o pilar para a constituição da Doutrina Social da IgrejaCatólica; foi considerada a Carta Magna do Magistério Social da Igreja; analisa o período em questão comoum momento de guerra, enfatizando a necessidade de algo ser feito para que o movimento seja contido –chama para a Igreja essa responsabilidade; fala das formas de exploração e como isso fundamenta aacumulação capitalista, mas nega veementemente o socialismo e defende a propriedade privada.6 Quadragesimo Anno: comemoração pelos 40 anos da Rerum Novarum. Luta contra o paganismo; 1925:criação da UCISS (União Católica Internacional de Serviço Social) com o papel de enfatizar a importância doServiço Social no mundo – estímulo à criação de escolas de Serviço Social: retomar a Rerum Novarumdevido à sua importância no que se refere a pensar os problemas da sociedade, compreendido estes como“questão social”; marcos do período: Revolução Russa (1917); Primeira Guerra Mundial (14-19); Quebra daBolsa de Valores (1929); destaque para a importância do trabalho dos intelectuais e profissionais católicos naelaboração, divulgação e reprodução da doutrina social da Igreja; destaque para as atividades da AçãoCatólica. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95
81QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO EREPERCUSSÕESJailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro eMirnna Vasconcelos da Silva A classe operária que sofria com a escassez no campo, além da perda da possede terras, não via outra alternativa senão migrar para a cidade em busca de uma colocaçãono “chão de fábrica”. Esse fenômeno elevou o número da população urbana e mais queisso, o trabalhador agora, alijado de seus meios de produção se via obrigado a vender suaforça de trabalho a qualquer preço e viver em condições deploráveis e subumanas. A efervescência do capitalismo que ocasionava o desemprego em alta (arevolução tecnológica substituía o homem pela máquina), longas jornadas de trabalho,péssimas condições de salubridade, baixos salários, exploração da mão-de-obra demulheres e crianças, fez com que os trabalhadores começassem a se organizar em lutas emovimentos e a reivindicarem melhores condições de trabalho. Os trabalhadores estavam,portanto, dispostos a lutar contra uma burguesia dotada de um espírito capitalista, capaz deexplorar como verdadeiras “sanguessugas” a mão-de-obra de homens, mulheres e crianças. Enquanto isso, insatisfeita com a adesão dos trabalhadores aos movimentossociais, a Igreja Católica começa a expedir documentos com o objetivo de “resolver” oproblema, pois, segundo o Papa Leão XIII: “... o problema não é fácil de resolver, nemisento de perigos... a questão de que se trata é de tal natureza que a não se apelar para areligião e para a igreja é impossível encontrar uma solução eficaz.” (Rerum Novarum,1891, p. 2). Entretanto, o objetivo da igreja com os documentos era coibir os trabalhadores,como vemos: “... seja, portanto, primeiro princípio e base de tudo: não há outra alternativasenão a de acomodar-se a condição humana...” (Rerum Novarum, 1981, p. 15-16). Apesar de reconhecer o problema e “tentar” uma solução, a Igreja não tocavano cerne da questão social, ao contrário, defendia a desigualdade e persuadia ostrabalhadores a aceitarem sua condição de pobreza como propósito divino: “O primeiroprincípio a pôr em evidência é que o homem deve aceitar com paciência a sua condição: éimpossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível.” (RerumNovarum, 1891, p. 6). Como vemos, a Encíclica tratava de acalmar os ânimos dostrabalhadores para que estes não participassem dos movimentos reivindicatórios, queganhavam grandes proporções e um grande número de adeptos. Quarenta anos depois de divulgada a primeira encíclica, o Papa Pio XI retomao debate, desta vez com a Quadragesimo Anno escrita em 1931 em meio a duas crises, aeconômico-financeira de 1929 e a crise no poder de dominação ideológica da Igreja. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95
82QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO EREPERCUSSÕESJailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro eMirnna Vasconcelos da Silva(MANRIQUE, 1993). Ainda segundo o autor citado, o novo documento não trouxe nada denovo que modificasse a condição de explorado da classe trabalhadora. É a partir deste ano 1930 até 1955 que a Igreja Católica adota um modelodenominado de neocristandade onde, aqui no Brasil, o arcebispo de Olinda, Dom SebastiãoLeme, inicia um processo de cristianização das principais instituições sociais brasileiras. Aestratégia adotada visava formar um quadro de intelectuais católicos que alinhasse aspráticas religiosas populares em procedimentos ortodoxos. (MAINWARING, 1989). Comisso a Igreja Católica brasileira respondia as exigências do Vaticano, no que diz respeito àsestratégias do período denominado de reação católica7, se desdobrando para recristianizar asociedade brasileira e retomar o espaço perdido entre os fiéis, ao mesmo tempo em quedesenvolvia ações de caráter social e político. Como desdobramentos desse processo surgiram, na década de 1930,instituições como Juventude Operária Católica – JOC; Juventude Estudantil Católica –JEC; Juventude Independente Católica – JIC; Juventude Universitária Católica – JUC e osCírculos Operários que funcionavam sob um rigoroso controle da hierarquia católica.Quanto à relação dessas instituições com o estado, a posição da Igreja foi de fazer acordos,com o objetivo principal de reaver antigos privilégios, especialmente quando começou a seenvolver diretamente na política através de seus bispos, padres e lideranças. O destaquedeste período foi a criação da Liga Eleitoral Católica cujo objetivo era orientar os católicosquanto as eleições e influenciar na Assembleia Constituinte de 1933. (IAMAMOTO &CARVALHO, 2011). Existia, portanto, forte afinidade política entre Governo e Igreja uma vez queos discursos seguiam na mesma direção: nacionalismo, ordem, patriotismo eanticomunismo. Segundo Iamamoto, havia uma união entre estado e Igreja: [...] Igreja e Estado, unidos pela preocupação comum de resguardar e consolidar a ordem e a disciplina social se mobilizaram para a partir de distintos projetos corporativos, estabelecer mecanismos de influência e controle na sociedade [...]. (IAMAMOTO & CARVALHO, 2011, p. 166).7 Período que contou com o movimento chamado de Ação Católica que funcionava como braço da Igreja etinha como objetivo ampliar sua influência na sociedade, através da inclusão de setores específicos do laicatoe do fortalecimento da fé religiosa, com base na Doutrina Social da Igreja. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95
83QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO EREPERCUSSÕESJailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro eMirnna Vasconcelos da Silva A partir da década de 1940 e dando prosseguimento na década seguinte, comos Estados Unidos saindo vitoriosos na II Guerra Mundial, inicia-se nos países da AméricaLatina, inclusive no Brasil um processo de desenvolvimentismo: [...] denominação atribuída à estratégia nacional empregada pelos países que começaram a sua industrialização nos anos 1930 ou no final da II Guerra Mundial, já que possuía um viés nacionalista que aspirava a construção do Estado nacional (Bresser-Pereira, 2007: 70). Este modelo, vigente no Brasil de 1930 a 1980 foi caracterizado: (1) pelo ativo papel do Estado na promoção do crescimento por meio da rápida industrialização; (2) pela participação do Estado na produção através da criação de empresas públicas; (3) pela participação do empresariado nacional privado e das empresas transnacionais de modo que juntamente com o Estado constituíram um “tripé” (PINHO, 2012, p.5). Neste período, uma série de acordos foram firmados entre Brasil e EstadosUnidos como estratégia de expansão do capitalismo monopolista norte-americano. Cresce,portanto, nessas décadas, as relações sociais capitalistas no Brasil e uma maiordependência internacional. Cresce, também, a modernização do país com seu processo deindustrialização e urbanização, entretanto, a camada rural fica esquecida e/ou fazendocrescer o exército industrial de reserva.3. QUESTÃO SOCIAL NO CONTEXTO BRASILEIRO Até meados do século XIX, a escravidão foi o “modo de produção” brasileiroonde, a questão social, se expressava nas condições de vida e trabalho em que os negroseram submetidos. As longas e exaustivas horas de trabalho, as condições de alojamentodos escravos nas senzalas e os castigos que sofriam denunciavam a desigualdade socialexistente na sociedade. A Questão Social Brasileira tem suas raízes latentes na escravidão e nopatriarcalismo, expressando-se no período colonial pelo trabalho escravo e pelas questõesde raça e etnia, sendo um fenômeno presente durante todo o processo de formação dasociedade brasileira. Nesse contexto destacamos dois papéis relevantes desempenhados pelaescravidão brasileira: o do trabalho servil, que submetia os negros à longas e exaustivashoras de trabalho, à precárias condições de moradia e sobrevivência, manifestando a Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95
84QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO EREPERCUSSÕESJailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro eMirnna Vasconcelos da Silvadesigualdade social existente na sociedade; e o das relações sexuais, materializada no livreexercício da sexualidade masculina, especialmente com as negras que eram tidas por seussenhores como objeto de satisfação sexual. O patriarcalismo exerceu forte influência nas relações sociais, caracterizadocomo fenômeno político típico do período colonial, porém atualmente percebemos ainda amanifestação de traços deste fenômeno nos processos políticos e sociais. Ressalta-se ainda como expressão da Questão Social, após a abolição daescravatura – através da Lei Áurea, assinada em 13 de julho de 1888 –, o desemprego,sendo este gerado por dois fatores: inicialmente, pelo fato do Estado não ter atentado emoferecer possibilidades de integração no mercado de trabalho para os ex-escravos e, emsegundo lugar, pela primazia ao trabalho escravo voltado para a produção da lavoura.Assim, restringiu-se a previsão de oportunidades de trabalho para o conjunto de habitantesda colônia brasileira. A manifestação do desemprego neste período abre espaço para anegação do pensamento conservador e atribuiu ao povo indígena um caráter indolente. Essa característica foi fruto da falta de condições de trabalho próprias do regime econômico mesquinho que a colonização implantou, levando o Brasil a ter um aspecto de estagnação; transformando a Colônia em detentora de um padrão econômico que gerou baixo nível de vida e alto nível de pobreza econômica, social, política e cultural (SILVA, 2008, p. 36). Assim, as classes desfavorecidas encontraram dificuldades em conseguiremprego e prover o sustento de suas vidas, em decorrência do preconceito. Desta forma, ascondições de vida e trabalho dos negros continuam precarizadas e, aqui, já observamos omisto de pobreza e exclusão social. “Ao longo da evolução histórica, o caráter degradanteda pobreza, do ponto de vista econômico, social e cultural, afigura-se de mododiferenciado, sendo também diversos os contextos em que se manifesta”. (SIQUEIRA,2009, p. 3). Na transição do império para a república a sociedade brasileira tinha umapopulação de aproximadamente um milhão de escravos negros e mestiços com alto índicede analfabetismo, sendo considerada, portanto, mão de obra com baixo nível dequalificação técnica para uma economia ainda patriarcal, porém agora voltada paraexportação. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95
85QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO EREPERCUSSÕESJailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro eMirnna Vasconcelos da Silva Com o advento da República em 1889, se estabeleceu no Brasil um novodesenho político e administrativo, com traços de uma modernidade capitalista e industrial.A partir de então, a Questão Social surge como produto da acumulação capitalista e passaa ser tratada como uma questão política e não mais como caso de polícia. Nestaperspectiva, o Estado passa a criar estratégias de enfrentamento às expressões da QuestãoSocial, objetivando conter os trabalhadores que são os mais afetados por este fenômeno. O processo de modernização brasileira é marcado por traços patrimonialistas ecoloniais, reatualizando traços conservadores transformados com as novas marcas da“soberania financeira”, no contexto de proliferação do capital no mundo moderno. Dessemodo, a nova realidade socioeconômica do país é construída por intermédio dos processosarcaicos e conservadores. Segundo Iamamoto (2008), A revolução burguesa no País nasce marcada com o selo do mundo rural, sendo a classe dos proprietários de terra um de seus protagonistas. Foi a agricultura que viabilizou historicamente a acumulação de capital de âmbito do comercio e da indústria. Aos fazendeiros, juntaram-se os imigrantes que vinham cobrir as necessidades de suprimento de mão-de-obra no campo e na cidade. Uma vez desfeitas as ilusões do enriquecimento rápido e do sonho de retorno ás regiões de origem, os imigrantes deslocam-se do meio rural, mas levam consigo as concepções rurais de organização de vida. Assim, as origens e o desenvolvimento da revolução burguesa explicam a persistência e tenacidade de um horizonte que colide com as formas de concepção do mundo e organização de vida inerentes a uma sociedade capitalista [...]. (IAMAMOTO, 2008, p. 136). Destaca-se a seguinte premissa: a modernidade no país surge comodesdobramento do “velho”, esta se torna explicativa para as relações conservadoras esubmissas que marcam setores avançados da economia brasileira. À medida quejuntamente com implantação de máquinas e tecnologias de ponta, acentua-se aprecarização das relações de trabalho. A transição do capitalismo concorrencial ao monopolista no Brasil temcaracterísticas também distintas dos outros países. Esse processo foi marcado pelaimplantação das filiais de multinacionais na economia brasileira, dividindo a acumulaçãoeconômica do país com o exterior, acentuando o desenvolvimento do capitalismomonopolista nos países centrais. Somente por volta dos anos 1950 que o Brasil aparece Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95
86QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO EREPERCUSSÕESJailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro eMirnna Vasconcelos da Silvacomo região econômica dinamizada da periferia deixando de exercer papel desubalternidade na economia central. Ou seja, o desenvolvimento monopolista brasileiro, deu-se por uma oposiçãoentre soberania do imperialismo e profundas diferenças no desenvolvimento dos paísesditos desenvolvidos, em relação aos países periféricos, como o Brasil. Essas diferençasacentuam as desigualdades econômicas, sociais e regionais, contribuindo com aconcentração de renda, e reconhecimento e poder de determinadas regiões, em nível. O Estado exerceu papel central nesse processo de “modernização pelo alto”(IAMAMOTO, 2008, p.132), pois, com o objetivo de manter a ordem nas relações sociaise a subordinação do capital nacional ao capital internacional as pressões populares foramevitadas. Nesta perspectiva, a grande propriedade foi transformada em empresa agrária e ainserção do capital estrangeiro no Brasil deu visibilidade ao país, enquanto sociedademoderna, urbanizada, mas com estrutura social embaraçosa. Desse modo a exclusão dasclasses populares e os acordos realizados “pelo alto” pelos grupos financeiros dominantessão fatos que caracterizam o desenvolvimento da sociedade brasileira. Na cena contemporânea, a volatilidade do desenvolvimento e por consequênciaa concentração de renda e a multiplicação da pobreza, acentuam a desigualdaderegionalmente distribuída, bem como, a distância entre o salário dos trabalhadores e ocapital produzido. A tendência inesperada de abertura da economia dos países periféricos,sob orientação das instituições financeiras mundiais, resultou no aumento da taxa de juros,fechamento de empresas nacionais, aprofundamento no déficit da balança comercial e nasólida entrada de capital especulativo. Sendo um dos principais elementos agravantes daquestão social o desemprego, tendo a subalternidade da produção em relação aosinvestimentos de caráter especulativos como a raiz da queda no nível de emprego. Nesse contexto, segundo Iamamoto, a antiga questão social, ganha novasroupagens. Evidenciada no distanciamento entre as relações sociais e o progresso da forçade trabalho social, sendo a primeira caracterizada como a mola propulsora da segunda.Esse processo resulta na vulgarização da vida humana, na violência obscurecida pelofetiche do dinheiro e na penetração do capital em todas as dimensões da vida. Entendemosassim, que todo esse contexto não atinge apenas as esferas políticas e econômicas do país,mas também suas condições de sociabilidade. Como afirma Iamamoto: Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95
87QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO EREPERCUSSÕESJailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro eMirnna Vasconcelos da Silva As configurações assumidas pela questão social integram tanto determinantes históricos objetivos que condicionam a vida dos indivíduos sociais, quanto dimensões subjetivas, fruto da ação dos sujeitos na construção da historia (IAMAMOTO, 2008, p. 156). Atualmente a questão social passa por um processo de criminalização, trazendode volta discursos conservadores de classes perigosas e não mais, a classe de trabalhadoresvulneráveis a repressão e extinção. Criando-se assim, um processo de naturalização daquestão social acompanhado da transformação desta em objeto de intervenções estatais.4. O SERVIÇO SOCIAL NO ENFRENTAMENTO ÀS EXPRESSÕES DAQUESTÃO SOCIAL Historicamente, o Serviço Social institui-se como profissão que atua noenfrentamento das desigualdades sociais. Neste tópico, trataremos de abordar como oServiço Social tem desenvolvido sua prática profissional no enfrentamento às expressõesda questão social enquanto profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho, aomesmo tempo em que, ganham escopo na sociedade brasileira a lógicaneodesenvolvimentista e suas “novas” formas de enfrentamento à questão social. O surgimento do Serviço Social no Brasil: [...] não se baseará, no entanto em medidas coercitivas emanadas do Estado. Surge da iniciativa de grupo e frações de classe, que se manifestam principalmente por intermédio da Igreja Católica. Possui em seu início uma base social bem delimitada e fontes de recrutamento e formação de agentes sociais informados por uma ideologia igualmente determinada. (CARVALHO et al., 1981 apud SPOSATI et al., 2010, p. 43). Neste sentido, entende-se que o Serviço Social iniciou sua prática profissionalno enfrentamento a questão social como mecanismo da Igreja pautado sob um carizfilantrópico e caritativo apresentando assim, uma ausência de legitimidade8 e decompreensão acerca das refrações deste fenômeno social. Segundo Iamamoto & Carvalho (2011, p. 83-84), a questão social pode ser8 No nosso entendimento, esta ausência de legitimidade refere-se ao fato de que o Serviço Social se originade uma demanda que não fora requisitada pelos trabalhadores, mas, ao contrário, provém de uma demanda dotrinômio: Igreja, Estado e Classe Burguesa. Esta legitimidade só se efetiva partir do rompimento com otradicionalismo e o conservadorismo. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95
88QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO EREPERCUSSÕESJailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro eMirnna Vasconcelos da Silvaentendida como: A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão. À medida que a questão social – fruto das contradições do modo capitalista deprodução – tornou-se um fenômeno evidente na sociedade brasileira não podendo mais serenfrentada pela caridade da Igreja, o Estado passa a interferir no modo como a questãosocial era tratada com políticas de proteção social e a demandar profissionais habilitadospara amenizar as sequelas da questão social. O Serviço Social é então requisitado a uma ação profissional mais técnicadesvinculando-se da dependência das ações apostolares. “Este traço da busca dorompimento da dependência, marca a trajetória da profissão e lhe confere uma face decompromisso com a justiça e a liberdade” (SPOSATI et al., 2010, p. 44). Ao longo da evolução histórica da sociedade brasileira, o Serviço Social vaiadquirindo maior compreensão e reflexão crítica de seu fazer profissional, apreendendo deforma mais consolidada a questão social, a partir do entendimento de Iamamoto &Carvalho (2011), já citado anteriormente. Sua trajetória profissional enveredou porcaminhos que plasmaram no rompimento com o conservadorismo profissional9. Ospróprios fundamentos sócio-históricos do Serviço Social, atestam que não há comodesvincular estes três elementos: a história da profissão, a questão social e a história social,econômica e política brasileira. Dessa forma, a questão social constitui-se como um elemento fundamental paracompreensão do papel da profissão nesta sociabilidade burguesa. Nos termos de Iamamoto(2011), estabelece-se como o objeto de trabalho do Serviço Social, pois suas múltiplasexpressões são alicerce para o trabalho do assistente social na apreensão dos processossociais experimentados pelos sujeitos e assim, base de fundação da profissão comoespecialização do trabalho através da prestação de serviços socioassistenciais.9 Segundo Netto (2011), o rompimento com o conservadorismo profissional ocorreu no chamado Movimentode Reconceituação do Serviço Social, mais especificamente na fase de intenção de ruptura. Cf. NETTO, JoséPaulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2011 Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95
89QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO EREPERCUSSÕESJailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro eMirnna Vasconcelos da Silva Sabemos, no entanto, que a concepção e abrangência conceitual da questãosocial, diz respeito não somente ao Serviço Social, mas também a outras profissões quepossuem suas atuações determinadas por este fenômeno. Neste sentido, ao destacarmos aquestão social como objeto de trabalho do Serviço Social, fazemos referência tanto àsdeterminações que as expressões da questão social incidem na profissão, quanto o grau deempoderamento da profissão em sua especificidade de atuação. Vivemos em tempos de flexibilização e precarização do trabalho, onde asexpressões da questão social passam por um momento de naturalização que, ora focalizamo seu enfrentamento no “combate à pobreza”, ora focalizam seu enfrentamento no“combate à violência”. Desse modo, Iamamoto (2011, p. 28) aponta que: [...] decifrar as novas mediações por meio das quais se expressa a questão social, hoje, é de fundamental importância para o Serviço Social em uma dupla perspectiva: para que se possa tanto apreender as várias expressões que assumem, na atualidade, as desigualdades sociais – sua produção e reprodução ampliada – quanto projetar e forjar formas de resistência e de defesa da vida. (grifos originais). Para compreendermos estas nuances que envolvem a questão social, foi defundamental importância para a profissão à apropriação de um arcabouço teóricoconsolidado, a saber, a Teoria Social Crítica. Teoria, que propiciou ao Serviço Social umavisão mais reflexiva, crítica e totalizante não só das imbricações às quais as expressões daquestão social estão imersas, mas, sobremaneira, de sua própria constituição enquantoprofissão na divisão social e técnica do trabalho. Possibilitou ainda a profissão, um olharmais apurado acerca de sua intervenção no campo das políticas sociais desenvolvendo suaprática profissional com habilidade e competência teórica, ética e política. Contudo, outra perspectiva vem sendo disseminada na sociedade. Perspectivaessa, que sorrateiramente vem buscando (re)configurar as formas de enfrentamento aquestão social, bem como busca promover uma visão alienante das transformaçõessocietárias em curso. Nesta ótica, o Serviço Social deve estar atento a estas implicaçõesconjunturais, a fim de que sua prática profissional não se conforme a este discursodiametralmente e ideologicamente oposto àquele defendido pela categoria profissional. A citada perspectiva faz referência ao chamado neodesenvolvimentismo que, Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95
90QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO EREPERCUSSÕESJailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro eMirnna Vasconcelos da Silvasegundo Castelo (2012, p. 624), “surgiu no século XXI, após o neoliberalismoexperimentar sinais de esgotamento, e logo se apresentou como uma terceira via, tanto aoprojeto liberal quanto do socialismo”. Dessa forma, mediante os sinais de esgotamentosociais do neoliberalismo sentidos na década de 1990, bem como: A crise de estrangulamento cambial e a subsequente tutela da política econômica pelo FMI jogavam por terra qualquer possibilidade de camuflar a absoluta impotência do Estado brasileiro diante dos ditames do capital financeiro. (SAMPAIO JR., 2012, p. 678-679). Castelo (2012) destaca a figura de Luiz Carlos Bresser Pereira10 como um dosprimeiros apoiadores do neodesenvolvimentismo, de forma que, em um artigo publicadona Folha de S. Paulo, Bresser defendeu o neodesenvolvimentismo como “uma estratégiade desenvolvimento nacional para romper com a ortodoxia convencional doneoliberalismo” (CASTELO, 2012, p. 624). Para Bresser, o novo desenvolvimentoapresenta-se como possibilidade de superação ao neoliberalismo, conforme já citado, maslevando em consideração três características fundamentais que com ele surgem, a saber:abertura ao comércio internacional, investimento privado na infraestrutura e maior atençãoà estabilidade econômica. O neodesenvolvimentismo expressou-se de forma mais visível, a partir dosegundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. As transformações ocorridas em seugoverno, como por exemplo, retomada do crescimento econômico, sinais de recuperaçãodo salário e a “aparente” resistência brasileira diante da crise mundial seriam, por assimdizer, a materialização desse novo desenvolvimento (SAMPAIO JR., 2012). Segundo Sampaio Jr. (2012, p. 679), o desafio do neodesenvolvimentismoconsiste em: [...] conciliar os aspectos “positivos” do neoliberalismo — compromisso incondicional com a estabilidade da moeda, austeridade fiscal, busca de competitividade internacional, ausência de qualquer tipo de discriminação contra o capital internacional — com os aspectos “positivos” do velho desenvolvimentismo — comprometimento com o crescimento econômico, industrialização, papel regulador do Estado, sensibilidade social.10 “Ex‑ministro da Reforma do Estado, professor emérito da FGV‑SP e então intelectual orgânico do PSDB”(CASTELO, 2012, p. 624). Cf. CASTELO, Rodrigo. O novo desenvolvimentismo e a decadência ideológicado pensamento econômico brasileiro. Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, n. 112, p. 613-636,out./dez. 2012. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95
91QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO EREPERCUSSÕESJailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro eMirnna Vasconcelos da Silva Desse modo, apresentam-se como principais correntes do novodesenvolvimento: 1) a primazia do mercado e a atuação reguladora do Estado nas falhasapresentadas pelo mercado na produção da riqueza, tendo foco nas políticas cambiais e dejuros; 2) o papel do Estado em auxiliar o setor privado nas tomadas de decisões deinvestimentos, atuando na diminuição das incertezas do setor econômico; 3) a afirmaçãodo mercado interno via consumo em massa estando às políticas macroeconômicassubordinadas ao desenvolvimento. (CASTELO, 2012). E como a política social, campo de trabalho do assistente social, se configurano neodesenvolvimentismo? A resposta que ousamos aludir é que a política social comomecanismo de enfrentamento das refrações da questão social acabou por “migrarostensivamente do atendimento as necessidades humanas às necessidades do capital”(GOUGH, 2003 apud PEREIRA, 2012, p. 737). [...] voltou-se prioritariamente para satisfazer as necessidades de lucro do capital, como condição universal e necessária para a completa sobrevivência do capitalismo, que agora, na sua versão financeira/especulativa/rentista, sujeita a constantes endividamentos e bancarrotas, se tornou o alvo preferencial da assistência do Estado (PEREIRA, 2012, p. 737). Nesse sentido, as formulações defensoras do neodesenvolvimentismo partemda falácia de que o crescimento econômico é a chave para o enfrentamento dasdesigualdades sociais e com isso vem reduzindo as lutas de classe ao controle de “forçasexternas” 11 ocasionando no lugar do confronto, a conformação a estas forças. Assim, oque se evidencia é a preocupação em discutir a aplicabilidade da política econômica parasuperar os entraves do crescimento, a fim de conciliar o trinômio: equilíbriomacroeconômico, política industrial e política social. Dessa forma, o “impacto devastadorda ordem global sobre o processo de formação da economia brasileira não é considerado[...]. A discussão não ultrapassa o horizonte da conjuntura imediata.” (SAMPAIO JR.,2012, p. 680). Nesse contexto, o Serviço Social acaba sofrendo as inflexões dessastransformações conjunturais sob dois âmbitos: em suas relações contratuais como11 Referimo-nos, ao direcionamento político das organizações internacionais e suas formas reguladoras decontrole. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95
92QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO EREPERCUSSÕESJailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro eMirnna Vasconcelos da Silvatrabalhadores que vendem sua força de trabalho e como profissionais que em sua atuaçãovisualizam cotidianamente a materialização do neodesenvolvimentismo nas políticassociais através do engessamento das possibilidades de ação dessas políticas e/ou mesmo asua naturalização no enfrentamento as desigualdades sociais. Se, antes, no movimento de intenção de ruptura, a aproximação com a teoriasocial crítica possibilitou reflexões e posicionamento crítico que plasmaram o rompimentoda profissão com o conservadorismo, hoje, torna-se urgente à profissão a constância destavisão crítica para a análise de conjuntura da realidade brasileira, a fim de que as inflexõesdo neodesenvolvimentismo sejam, antes de tudo, compreendidas e, de modo algumabraçadas, mas ao contrário, questionadas em sua gênese e formação para que se processeo seu real enfrentamento.5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo de planetarização em consonância com o sistema capitalista nosremete a consequências extremamente desiguais em relação ao modo de viver dasociedade, no que diz respeito à reprodução de suas relações sociais, tais como: pobreza,desemprego estrutural, violência, exclusão social etc. A sociedade do capital tem comoobjetivo o lucro e a geração de massa de trabalhadores controlados pelo sistema paraservirem e produzirem bens de consumo, sendo estes trabalhadores impedidos deacessarem os bens produzidos por eles próprios. O cenário da sociedade contemporânea, em moldes neoliberal, marcado pelasconstantes crises do capital e sua incansável reinvenção, cresce a ponto de configurarindivíduos em busca constante de satisfação pessoal e prazer, na perspectiva da lógica doconsumo que seduz através de uma economia que produz não só bens de consumo, mas“felicidade plena”. Desse modo, entendemos que questão social não se caracteriza somentea partir de suas expressões, as quais foram supracitadas neste trabalho, mas, também,enquanto categoria ontológica e reflexiva acerca do que permeia a sociedade problemáticae distópica do capital. Nesse sentido, não temos somente um presente gritante em termos dedesigualdades sociais e de classes, vivemos em meio a ausência de sujeitos detentores de Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95
93QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO EREPERCUSSÕESJailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro eMirnna Vasconcelos da Silvasua autonomia, sensibilizados para uma sociedade justa e igualitária. Com base no foiexposto, presenciamos as imposições do capitalismo invadindo todas as esferas da vidahumana. Em face disto, a temática abordada no presente trabalho teve como objetivo, apossibilidade de discutir, dialeticamente, acerca da questão social e as formas deenfrentamento por parte do profissional de Serviço Social, considerando que enquantoprofissionais de Serviço Social e assistentes sociais em formação, nos deparamos com oque os autores denominam de questão social e suas expressões cotidianamente. A partir disto, verifica-se que o papel do assistente social no enfrentamento àsexpressões da questão social caracteriza-se na promoção e viabilização dos direitos dapopulação, possibilitando que esta se reconheça enquanto sujeitos de sua própria historia. Guerra (2000) afirma que, enquanto profissão, a categoria se apropria de meiosque legitimem sua intervenção profissional, como um arsenal de instrumentais que vãopara além de técnicas, mas que se referem à capacidade teórica que o profissional adquireao longo de sua trajetória sócio-histórica e acadêmica. A atividade profissional, portanto, ésocialmente determinada e seu norte se estabelece num direcionamento de ordem social, demodo que impulsione a transformação da sociedade. Faz-se necessária a capacidade doprofissional de Serviço Social, a partir de sua instrumentalidade, promover a integralidadeentre as políticas sociais de modo que drible as estratégias do capital na busca pelaigualdade. À vista disto, no cotidiano profissional, é indispensável um trabalhocaracterizado enquanto intelectual, um movimento que configura a dimensão investigativafrente às ações interventivas do assistente social à luz de conhecimentos mais amplos, nodesvelamento das questões que se configuram no imediato, no aparente. Estas basespermitem ao assistente social a segurança necessária para que sua prática profissional nãose resuma ao pragmatismo e imediatismo, ao contrário, concedem uma maior solidez paraque o enfrentamento as expressões da questão social proceda na perspectiva daviabilização do direito e emancipação humana, perspectivas essas abraçadas pela profissãono movimento de reconceituação e descritas nos princípios éticos fundamentais daprofissão. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95
94QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO EREPERCUSSÕESJailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro eMirnna Vasconcelos da SilvaREFERÊNCIASCARTA ENCÍCLICA Quadragésimo Anno. Papa Pio XI. Sobre a restauração eaperfeiçoamento da ordem social. Disponível em:<http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_pxi_enc_19310515_quadragesimo-anno_po.html>. Acesso em: 02.fev.2012.CARTA ENCÍCLICA Rerum Novarum. Papa Leão XII. Sobre a condição dos operários.São Paulo. Disponível em:<http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_lxiii_enc_15051891_rerum-novarum_po.html>. Acesso em: 02.fev.2012.CASTELO, Rodrigo. O novo desenvolvimentismo e a decadência ideológica dopensamento econômico brasileiro. Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, n. 112,p. 613-636, out./dez. 2012.GUERRA, Y. A instrumentalidade no trabalho do assistente social. In: Capacitação emServiço Social e Política Social, módulo 4: o trabalho do assistente social e as políticassociais. CFESS/ABEPSS- UNB, 2000.IAMAMOTO, Marilda Villela; CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Socialno Brasil: Esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 34. ed. São Paulo: Cortez,2011.______________________. Serviço Social em Tempo de Capital Fetiche: capitalfinanceiro, trabalho e questão social. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2008.______________________. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho eformação profissional. 21.ed. São Paulo: Cortez, 2011.MAINWARING, Scott. Igreja Católica e política no Brasil (1916/1985). São Paulo:Cortez, 1989.MANRIQUE Castro, Manuel. História do Serviço Social na América Latina (Traduçãode: José Paulo Neto e Balkys Villalobos). 4.ed. São Paulo: Cortez, 1993.NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 8. ed. São Paulo: Cortez,2011.PEREIRA, Potyara A. P. Utopias desenvolvimentistas e política social no Brasil. ServiçoSocial & Sociedade. São Paulo: Cortez, n. 112, p. 729-753, out./dez. 2012.PINHO, Carlos Eduardo Santos. O nacional-desenvolvimentismo e o novodesenvolvimentismo no Brasil: expansão interna, externa e o discurso social-democrata.Revista de Ciências Políticas Achegas, Ano. 2012, n. 45, Janeiro, p. 5. Disponível em:<http://www.achegas.net/numero/45/carlos_eduardo_45.pdf>. Acesso em: 29.jan.2014. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95
95QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO EREPERCUSSÕESJailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro eMirnna Vasconcelos da SilvaSAMPAIO JR, Plínio de Arruda. Desenvolvimentismo e neodesenvolvimentismo: tragédiae farsa. Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, n. 112, p. 672-688, out./dez.2012.SILVA, Maria Ferreira da Silva. Questão Social e Serviço Social no Brasil: FundamentosSócio-históricos. Campo Grande, MT: Editora UFMT, 2008.SIQUEIRA, Maria da Penha Smarzaro. Pobreza no Brasil colônia. 2009. Disponível em:<http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao34/materia01/>.Acesso em: 29 jan.2014.SPOSATI, Aldaíza et al. Assistência na Trajetória das Políticas Sociais Brasileiras:uma questão em análise. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2010. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95
O USO DO ENTERPRISE RESOURCE PLANNING (ERP) PELOS CONTADORES: PERCEPÇÕES ACERCA DOS IMPACTOS E PROBLEMAS EXISTENTES Luiz Daniel Albuquerque Dias1 José Borges da Silva Neto2 Sheila Raquel de Moraes Rego Lima³RESUMOChama-se a atenção para o desafio a ser enfrentado pelos contadores nos tempos atuais,que diz respeito à possibilidade de atender as necessidades informacionais dasorganizações para que as mesmas possam cumprir os seus objetivos, os funcionários dediferentes áreas deverão conhecer e utilizar o sistema integrado de gestão empresarial,buscando tornar eficaz a entrada, o processamento e a saída e uso das informações.Objetiva-se, aqui, investigar a respeito do ERP e seu uso nas organizações, notadamente noâmbito contábil. O tipo de pesquisa empregado neste estudo será exploratória e descritiva.Como instrumento de coleta de dados, utilizamos um questionário misto, com perguntasfechadas e abertas. Os resultados indicaram que grande parte das organizações possuemERP, e buscam utiliza-lo de forma eficaz e por conta disto, a empresa usufrui decontribuições advindas de tais sistemas.Palavras-Chave: ERP. Sistemas de Informação. Contabilidade. Tecnologias deInformação.ABSTRACTCalled attention to the challenge faced by accountants in current times, as regards thepossibility to meet the informational needs of organizations to allow them to meet theirgoals, employees from different areas should know and use the system integrated businessmanagement, seeking to make effective input, processing and output, and use ofinformation. The purpose is here to investigate about ERP and its use in organizations,especially in the accounting framework. The type of research used in this study isexploratory and descriptive. As an instrument of data collection, we used a mixedquestionnaire with closed and open questions. The results indicated that most organizationshave ERP, and seek to use it effectively and because of this, the company enjoyscontributions coming from such systems.Keywords: ERP. Information Systems. Accounting. Information Technology.1Orientador Mestre em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP)2 Orientando Graduado em Contabilidade3 Mestre em Administração e Controladoria pela UFC e professora da FAMETRO Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.96-112
O USO DO ENTERPRISE RESOURCE PLANNING (ERP) PELOS CONTADORES: PERCEPÇÕES ACERCA DOS IMPACTOS E PROBLEMAS EXISTENTES1 INTRODUÇÃO Em todos os seguimentos da sociedade atual, a informação passou a serelemento fundamental e flui em velocidade e quantidade inimagináveis. Do grande volumede informações disponíveis surgiu o paradoxo excesso de informação e dificuldade paraacessá-la. A “explosão” da informação gerou barreiras ao seu acesso: o custo elevado pelasua busca, número ilimitado de fontes de informação, desconhecimento de novasferramentas informacionais e a falta de habilidade em lidar com tais ferramentas. Nesse contexto o enterprise resource planning (ERP) com suas ferramentasassinalam-se como um fator facilitador para que o indivíduo melhor transite no universoinformacional, instrumento capaz de gerir a organização das informações, e tornar eficientea apresentação, o armazenamento, a busca, facilitando o acesso e disposição dasinformações, procurando assim, atender de forma satisfatória a necessidade dasorganizações. Portanto, é preciso que os indivíduos que fazem uso da informação e atransmitem adquiram competência para fazer uso eficiente dos sistemas integrados degestão empresarial e principalmente a transforme em resultados desejados. Diante desses fatos, surgem questionamentos referentes ao uso do ERP nasorganizações, ou seja, os ERP’s estão dispostos para uso, contudo os profissionais aoacessarem conseguem utilizar de maneira adequada os mecanismos disponíveis. Estetrabalho se propõe a expor sobre o ERP e indica-lo como ferramenta de gerenciamentoinformacional eficiente, quando bem utilizado. A implantação e uso dos ERP’s visa facilitar a realização de diferentesatividades, bem como promover a recuperabilidade das informações desejadas. Diantedeste cenário, surgiu o interesse do autor em analisar os efeitos contábeis do uso dos ERP’sno âmbito contábil. Este estudo tornasse relevante, uma vez que tais organizações sãocaracterizadas pela sua mera rotina de escrituração contábil e fiscal. Isso significa dizer que Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.96-112
98O USO DO ENTERPRISE RESOURCE PLANNING (ERP) PELOSCONTADORES: PERCEPÇÕES ACERCA DOS IMPACTOS E PROBLEMASEXISTENTESLuiz Daniel Albuquerque Dias, José Borges da Silva Neto e Sheila Raquel de MoraesRego Limao profissional contábil deve estar atento aos novos paradigmas, sendo necessáriasmudanças, atualização, objetividade, etc. Outro fator para a realização desta pesquisa deve-se a atualidade das discussõesacerca da disposição de tais recursos tecnológicos para a realização das tarefas quecondizem com o fazer do profissional contábil, que merece maiores explorações pelosmeios acadêmicos. O objetivo principal para efetivação deste trabalho é investigar a respeito doERP e seu uso nas organizações, notadamente no âmbito contábil e, especificamente:abordar um breve histórico do ERP; apresentar alguns conceitos de ERP; conhecer osaspectos relacionados a sua implantação, bem como abordar as vantagens e desvantagensembutidas ao ERP; e analisar os problemas e impactos no uso dos ERP’s pelos contadores,caso existam. Desse modo, a fim de alcançar a proposta deste artigo, o mesmo possui cincocapítulos. Neste primeiro capítulo foi feita a introdução, que expôs sobre a justificativaacerca da escolha do tema, os objetivos e a metodologia utilizada. No segundo capítulo,faz-se um breve relato sobre o ERP, com apresentações a respeito de origem, conceitos ealgumas colocações relevantes sobre o assunto, à luz de alguns teóricos estudados. Noterceiro capítulo, apresenta-se a metodologia e, no quarto capitulo, expõem-se osresultados obtidos através da análise de relatos de contadores pesquisados sobre osproblemas e impactos existentes no uso do ERP. Por fim, apresentam-se as consideraçõesfinais.2 ENTERPRISE RESOURCE PLANNING (ERP) O excesso de informação é um problema que vêm atingindo o mundo, noBrasil, em particular, acompanhamos casos ligados à disposição exacerbada deinformações e a rapidez com que as mesmas são atualizadas, tal questão vem atingindo asociedade no todo, independente da área de conhecimento, classe social ou atuaçãoprofissional.Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.96-112
99O USO DO ENTERPRISE RESOURCE PLANNING (ERP) PELOSCONTADORES: PERCEPÇÕES ACERCA DOS IMPACTOS E PROBLEMASEXISTENTESLuiz Daniel Albuquerque Dias, José Borges da Silva Neto e Sheila Raquel de MoraesRego Lima As informações estão elencadas aos diferentes procedimentos realizados nasorganizações, com isso deve-se ter uma atenção voltada para a sua organização,armazenamento e recuperabilidade a fim de utiliza-las nas tomada de decisões. Neste capítulo, pretende-se abordar o pensamento que predominava sobre oSistema Integrado de Gestão Empresarial (ERP), com destaque para sua origem, suasconcepções e tipos. Os primeiros Enterprise Resource Planning (ERP) surgiram do MaterialRequirimente Planning MRP, mais especificamente do MRP II. Os sistemas MRPtrabalhavam em módulos, que trocavam informações entre si, possuíam como objetivoprincipal o planejamento das solicitações de materiais, controlando assim os estoques e assolicitações de materiais para reposição (ALBERTÃO, 2001). Na década de 80 e 90 o sistema e o conceito do planejamento das necessidadesde materiais expandiram e foram integradas a outras partes da empresa. Estabelece-seassim, a versão ampliada do MRP conhecida como MRP II, esse novo sistema objetivava oplanejamento dos recursos de manufatura, que passou a controlar outras atividades comomão-de-obra e maquinário (RILLO, 2007). Nesse sentido, com a rede de computadores, tem-se a agilidade na troca deinformações nos procedimentos empresariais e no estabelecimento da comunicação entreos diversos setores do departamento na organização. Portanto, podemos perceber que o desenvolvimento tecnológico veio ocasionardiferentes modelos no que se refere à organização, arquivamento e uso da informação. Namedida em que, as tecnologias se expandiram os sistemas passavam a vislumbrardiferentes oportunidades de gerenciamento das informações organizacionais, com isso, eracomum trocarem informações estratégicas com maior facilidade. De acordo com Guskuma (1999), historicamente, pode-se afirmar que oconceito de MRP foi estendido para cobrir as mais diversas áreas funcionais da empresa,tais como Recursos Humanos, Marketing, Projetos, etc. Nessa perspectiva o surgimento do ERP representou o próximo estágio daevolução do MRP II. Com isso tem-se que o ERP surgiu na década de 90, quando sepassou a visualizar a integração dos departamentos de uma organização, incorporandoRevista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.96-112
100O USO DO ENTERPRISE RESOURCE PLANNING (ERP) PELOSCONTADORES: PERCEPÇÕES ACERCA DOS IMPACTOS E PROBLEMASEXISTENTESLuiz Daniel Albuquerque Dias, José Borges da Silva Neto e Sheila Raquel de MoraesRego Limafuncionalidades de finanças, custos, vendas, recursos humanos, e outras, diminuindo assim,redundâncias encontradas nos sistemas anteriores, além de gerar um único banco de dados. Nessa perspectiva, é importante destacar que os sistemas integrados dividem-seem módulos a fim de permitir que a empresa implante apenas aquelas partes do sistemaque sejam viáveis (JUNGES, 2007). Diante disso verifica-se que o ERP surge para atender as novas demandasimpostas pela sociedade. De acordo com Padoveze (2010, p. 49) o sistema integrado degestão empresarial (ERP): … são sistemas que unem e integram todos os subsistemas componentes dos sistemas operacionais e dos sistemas de apoio à gestão, através de recursos da tecnologia de informação, de forma tal que todos os processos de negócios da empresa possam ser visualizados em termos de um fluxo dinâmico de informações, que perpassam todos os departamentos e funções. Guskuma (1999, p. 4) apresenta outro conceito para ERP que seria identificadocomo: “softwares que permitem a existência de um sistema de informação unificado paratodas as áreas (Finanças, RH, Marketing, Produção etc.) de uma empresa”. Já Buckhout et al. (1999 apud MENDES; ESCRIVÃO FILHO, 2002, p. 279)acrescenta que, “um ERP é um software de planejamento dos recursos empresariais queintegra as diferentes funções da empresa para criar operações mais eficientes”. Por outro lado Davenport (1998 apud MENDES; ESCRIVÃO FILHO, 2002, p.280) diz que o ERP é “um software que promete a integração das informações que fluempela empresa”. De acordo com Moraes (2004, p. 5): […] A sigla ERP, traduzida literalmente, significa algo como \"Planejamento dos Recursos da Empresa\", o que pode não refletir o que realmente um sistema ERP se propõe a fazer. Estes sistemas, também chamados no Brasil de Sistemas Integrados de Gestão Empresarial, não atuam somente no planejamento. Eles controlam e fornecem suporte a todos os processos operacionais, produtivos, administrativos e comerciais da empresa. Todas as transações realizadas pela empresa devem ser registradas, para que as consultas extraídas do sistema possam refletir ao máximo possível sua realidade operacional […]. A Deloitte Consulting (1998) define ERP como sendo “um pacote de softwarede negócios que permite a uma companhia automatizar e integrar a maioria de seusRevista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.96-112
101O USO DO ENTERPRISE RESOURCE PLANNING (ERP) PELOSCONTADORES: PERCEPÇÕES ACERCA DOS IMPACTOS E PROBLEMASEXISTENTESLuiz Daniel Albuquerque Dias, José Borges da Silva Neto e Sheila Raquel de MoraesRego Limaprocessos de negócio, compartilhar práticas e dados comuns através de toda a empresa eproduzir a acessar informações em um ambiente de tempo real. Segundo a Tech Enciclopedya (1999), o ERP é um sistema de informaçõesintegrado que serve a todos os departamentos em uma empresa. Tendo sido desenvolvido apartir de indústrias de manufatura, o ERP implica no uso de pacotes de software ao invésde sistemas desenvolvidos internamente ou apenas exclusivo para um cliente. Portanto verifica-se que o conceito de sistema de gestão integrado é bemamplo, considerando as diversas possibilidades de sua ocorrência, uma vez que seuconceito encontra-se associado a suas funções, características, etc. É importante apresentara estrutura de funcionamento do ERP a fim de que se tenha uma melhor compreensão doseu significado. Figura 1 – estrutura de funcionamento de um ERP. Fonte – <http://logisticacrm.blogspot.com.br/2013/10/estrutura-tipica-dos-sistemas-erp.html>. O conceito de sistema de gestão integrado é apresentado por diferentes autoresde forma extensa, no entanto fica evidente que o ERP é um pacote de ferramenta queintegra todos os setores de uma empresa, permitindo a automatização e melhoria de Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.96-112
102O USO DO ENTERPRISE RESOURCE PLANNING (ERP) PELOSCONTADORES: PERCEPÇÕES ACERCA DOS IMPACTOS E PROBLEMASEXISTENTESLuiz Daniel Albuquerque Dias, José Borges da Silva Neto e Sheila Raquel de MoraesRego Limaprocessos de negócios, como a compra, a venda, a produção ou distribuição ao fornecerinformações em tempo real de tais operações para a tomada de decisão. É importante salientar que mesmo com a oferta de inúmeros benefícios, o ERPsó promoverá transformação na organização quando é amplamente conhecido e adotado. Afalta de conhecimento sobre o uso adequado do ERP ocasiona incertezas e barreiras; dentreelas podemos citar alimentação do sistema com dados errados que tende a gerarinformações inconsistentes, podendo levar a empresa a ter grandes prejuízos. Conforme Souza e Zwicker (2000, p. 52) a implementação de um sistema ERPpode ser definida como “o processo pelo qual os módulos do sistema são colocados emfuncionamento em uma empresa”. Por certo a implementação do sistema de gerenciamentointegrado (ERP) impactará diretamente na organização, pois corrobora com o acesso asinformações, vindo beneficiar os diferentes profissionais que atuam na empresa e que seutilizam deste aparato tecnológico de forma adequada. Nessa linha de abordagem destaca-se que os indivíduos que atuam na organização possuem necessidades diversas, com issoevidencia-se que o sucesso da implantação do ERP estará vinculado a observância egerenciamento dessa diversidade de interesses. Pode-se ressaltar que antes de implantar o ERP deve-se, analisar todos osaspectos possíveis, no intuito de verificar os elementos envolvidos no processo quepoderão ocasionar o sucesso ou o fracasso, em seguida, tem-se o planejamento das açõesque possibilitarão uma escolha acertada. Com o planejamento a empresa decidirá commaior segurança qual ERP será adquirido, uma vez que permitirá serem visualizados quaismódulos lhe serão úteis, como os procedimentos dentro do diferentes setores da empresaserão viabilizados, bem como outros fatores que também deverão ser levados emconsideração para que se tome a decisão correta. Tal como propõe Albertão (2001); Souza e Zwicker (2000) quando tratam deelementos a serem analisados na aquisição do ERP: custo/benefício, retorno esperado dosistema, a possibilidade de migrar dados, interface usuário/máquina, segurança, atualizaçãoe manutenção, entre outros. É fundamental destacar que vários fatores tornarão o processo deimplementação complexo, uma vez que requer entender os processos da empresa como umtodo exigindo modificações nos métodos de trabalho e investimentos em tecnologias.Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.96-112
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