EDITORIAL A Faculdade Ratio torna público e divulga seu quarto número da RevistaTrabalho e Sociedade, voltada à reflexão, estudo e debates no contexto das CiênciasSociais e Humanas. Os artigos aprovados para publicação são frutos de pesquisas eanálises de seus autores, os quais se submetem na atualidade a pós-graduação stricto sensoe a grupos de pesquisa em suas respectivas áreas. O primeiro artigo, intitulado O racionalismo crítico de Karl Popper:Conjecturas e teorias, de autoria de Marcos Antônio Seixas de Melo, faz a crítica de KarlPopper em sua trajetória científica que permeia a chamada reconstrução racional em queas verdades são duvidadas quando a epistemologia valida a linha tênue entre veracidadee falseabilidade desde que a ciência demanda percepções, observações a partir darevelação de um problema. O artigo posterior, cujo título é O mediador circular-narrativoe a afetividade humana, de autoria de Ariovaldo Esteves Rogério, destina-se a refletiralguns elementos de antropologia personalista, no intuito de municiar o mediador cominformações que o ajudem na condução da sessão de mediação com melhor compreensãodos fenômenos afetivos que podem desfigurar a realidade material do conflito. O artigoposterior, de autoria de Fernanda de Castro Cunha, tem como título Breves consideraçõessobre a responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente e a importância doprincípio da prevenção ambiental. Seu principal objetivo é demonstrar a eficiência dosmeios de prevenção dos danos ambientais, promovendo conscientização ambientalista naqual o homem possa utilizar mecanismos que compatibilizem o desenvolvimentosocioeconômico em harmonia com a preservação ao meio ambiente. Na sequência MariaHelena de Andrade discorre sobre Reflexões da educação especial com foco na inclusãoescolar, como objetivo norteador trilhou a interpretação de teorias e uma análisebibliográfica que aborda a história da educação especial numa perspectiva inclusiva doimpério a contemporaneidade, com a pretensão de conhecer o processo histórico em quefoi organizada a educação especial brasileira para em seguida entender os motivos dainstalação da inclusão no sistema regular de ensino. E para encerar temos o artigo de LuísAlberto Ferreira Lopes, intitulado A Optometria, o conhecimento científico e amultidisciplinaridade. A produção teve como objetivo apresentar elementos paradiscursão no que se refere às atribuições da optometria no âmbito da atenção primária dasaúde visual, bem como difundir as possibilidades técnicas e digitais para realização doexame primário e sua otimização. A todos, ótima leitura!!! O editor
O RACIONALISMO CRÍTICO DE KARL POPPER: CONJECTURAS E TEORIAS THE RATIONALISM CRITICAL OF KARL POPPER: CONJECTURES AND THEORIES Marcos Antônio Martins Lima1 Marcos Antônio Seixas de Melo2 RESUMOEste artigo foi elaborado numa perspectiva exploratória, de natureza teórica, a partir dareflexão crítica de Karl Popper em que a trajetória científica permeia a chamada\"reconstrução racional\" em que as verdades são duvidadas quando a epistemologiavalida a linha tênue entre veracidade e falseabilidade desde que a ciência demandapercepções, observações a partir da revelação de um problema. Nesse caso procurou-seenfatizar que uma teoria pode ser falseada a fim de hipotetizar a dúvida no sentido dedetectar falhas nos enunciados e reformular argumentos que são difundidos etransversalmente propõe um axioma que descreve e relaciona posicionamento dehipóteses e teorias. Destaca que o conhecimento é adquirido e seu avanço pode sersucumbidos adaptando-se a novas realidades que superarão novos fatos que expliquemuma teoriaPalavras-chave: veracidade, falseabilidade, reflexão crítica. ABSTRACTThis article was prepared in an exploratory perspective, theoretical in nature, from thecritical reflection of Karl Popper on the scientific trajectory permeates the so-called\"rational reconstruction\" in which truths are doubted when epistemology validates thefine line between truth and falsification since that science demands perceptions,observations from the revelation of a problem. In this case it sought to emphasize that atheory can be falsified in order to hypothesize doubt in order to detect flaws in thestatements and reframe arguments that are widespread and across proposes an axiomthat describes and relates positioning hypotheses and theories. Highlights thatknowledge is acquired and their progress can be succumbed adapting to new realitiesthat will surpass new facts to explain a theoryKeywords: truth, falsification, critical reflection.1 Economista pela UFC (1993), Doutorado em Educação pela UFC (2004), Mestre em Administraçãopela UECE (2000), Professor Adjunto da Universidade Federal do Ceará.2 Administrador pela UNIFOR (1990) (UNIVERSIDADE DE FORTALEZA), Mestre em Administraçãoe Controladoria pela UFC (2014) - Auxiliar Técnico da Escola de Gestão Pública do Estado do Ceará -EGPCE. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
1 Introdução A inquietude em períodos de transição remete-se à reflexão do mundo sob oponto de vista de sua transformação fermentada pelo enfrentamento dos grandesproblemas à luz da ciência, que é possível elaborar indagações pelas mudançascorrentes, sendo elas naturais ou proporcionadas pela condição humana. E assim, pela busca da verdade evidente, impacta o rompimento entre adicotomia episteme (ciência) ou a doxa (opinião) como linha de pensamento ocidental,pois na concepção clássica grega, conhecimento racional (episteme) e doxa (opinião)são ordens diferentes de discurso, sendo que o primeiro, diz respeito às verdadesdemonstradas e o segundo sobre a opinião, que se aproxima ao “senso comum”, cujaopinião poderá ser falsa, dito inconsciente, falseado pela verdade, sob o ponto de vistaparcial, cuja subjetividade precisa ser reconhecida pelo conhecimento da intuição e pelodiscurso encadeado por ideias, juízos e raciocínios que levam a conclusões. SegundoMarias (1981, p.22) Aristóteles separa o que é científico do que é sensação, ou seja, “sese refere ao ponto de vista da verdade (ciência) ou simplesmente da doxa (opinião)”. Poderia colocar a epistêmê como algo palpável sobre o que o intelectoproduzido pode vislumbrar e tornar visível as coisas, pois ilumina de forma consistentea estrada do conhecimento, seriam aquela produção do intelecto que garantiria um lugarprivilegiado para se ver as coisas cognoscível e incognoscível; algo como aquilo quePUTNAM chamou de “o ponto de vista do Olho de Deus” (1981:77). Poderia destacar que sob esse ponto de vista, pra tudo tem uma causa e tornarciente, é dar causa ao conhecimento científico, sobretudo quando seguimos rastros pelaatenção àquilo que se quer descobrir, pois HEIDEGGER escreve sobre a palavra: O quediz epistêmê? O verbo que lhe corresponde é epistasthai, colocar-se diante de algumacoisa, ali permanecer e deparar-se, a fim de que ela se mostre em sua visão. Epistasissignifica também permanecer diante de algo, dar atenção a alguma coisa. Esse estardiante de algo numa permanência atenta, epistêmê, propicia e encerra em si o fato denos tornarmos e sermos cientes daquilo diante do que assim nos colocamos. Sendocientes podemos, portanto, tender para (vorstehen) a coisa em causa, diante da qual e naqual permanecemos na atenção. Poder tender para a coisa significa entender-se com ela.Traduzimos epistêmê, por “entender-se com-alguma-coisa”. (1994:204) Nessa configuração, a epistemologia é o ramo da filosofia que estuda a origem,a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento (daí também se designar por Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
filosofia do conhecimento), e trata dos problemas relacionados à crença e aoconhecimento, ou seja, estuda a origem, a estrutura, os métodos e a veracidade doconhecimento, que está atrelada com a lógica e o empirismo, é indispensável no estudoda ciência, cujos preceitos estão implícitos na investigação relacionada à metafísica, alógica e a psicologia. E dentro dos principais ramos da filosofia, talvez mesmo aquele que mais sedestaca, e os seus problemas compreendem a questão da possibilidade do conhecimento,na discussão de como acontece na essência à questão do saber pela prioridade da relaçãosujeito/objeto que nos coloca a dúvida se o ser humano conseguirá algum dia atingirrealmente o conhecimento total e genuíno, fazendo-nos oscilar entre uma respostadogmática ou empirista. Nessa perspectiva, tratar da condição humana é essencial para entender oconhecimento não como dogma, mas como uma disputa dialógica pela argumentação,cuja verdade deverá ser confrontada e desvanecida até que caminhos sejam definidospara o compartilhamento de ideias, razões e lógicas. Na construção dos elementos que constituem o conhecimento, o processo deconstrução da verdade está implícito entre conceitos e juízos que, tirados dasexperiências, da sensibilidade constituem precisamente o objeto próprio do nossoconhecimento sensível, que é o nosso primeiro conhecimento. Aristóteles estabelece uma continuidade entre o conhecimento sensitivo e ointeligível, acreditando que o conhecimento se dá na natureza, no mundo sensível(SOUZA; LEAL, 2008). Assim, Henri POINCARÉ (1854-1912), atesta que “a ciência,portanto, nada pode nos ensinar sobre a verdade, só pode nos servir como regra deação”. E como ação, o juízo serve como elemento constitutivo da ciência porevidências de fenômenos vinculados às leis universais como essência do intelectohumano, a priori analítico, induz à necessidade objetiva da transformação dos costumeshumanos. O processo de aquisição do conhecimento tomou forma a partir da introduçãode novas maneiras de pensar, estudar e usufruir da natureza. Assim com a revoluçãocientífica do século XVII, Galileu Galilei, René Descartes e Isaac Newton, contribuírampara romper radicalmente com a tradição científica aristotélica, a moderna ciência seimpõe graças a um poder e controle dos fenômenos naturais. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
Nesse percurso, o domínio da natureza torna-se imprescindível para aconstrução de um mundo racional ou empirista, posto em consideração que só a razãopode conhecer verdadeiramente as coisas, e do contrário, os empiristas, consideram quetodos os nossos conceitos derivam dos sentidos, portanto a experiência é a única fontedo conhecimento. E a máxima de Francis Bacon (1561-1626) “Conhecimento é poder”, serviu dedilema para as transformações que viriam para a humanidade, se transformar eminstrumento de um progresso geral da civilização, ao servir de base para um conjunto demudanças tecnológicas profundas com forte impacto na organização da vida social. Assim, estabeleceu o desenvolvimento da visão empírica do mundo, defendiaque o conhecimento científico seria provado a partir da observação pelo métodoindutivo, que tem intervenções do particular para o geral, dos fatos às teorias. Destaforma, todo fenômeno observado na sua sistematização buscava similitudes eexperiências recorrentes que daria a tônica do método científico tradicional por trêsséculos. Segundo BORGES (1996, p.23), o empirismo e a indução teriam contribuídopara constituir as bases para o positivismo no início do século XX. O conhecimentocientífico sob uma perspectiva positivista se apresentaria com as seguintescaracterísticas: objetivo, confiável, metódico, preciso, perfectível, progressivo,cumulativo, desinteressado, impessoal, útil, necessário, racional, empírico, hipotético,explicativo e prospectivo, uma vez que possui a capacidade de antecipar ou prever fatos. Tal perspectiva teria elaborado uma visão idealizada do conhecimentocientífico, através do estabelecimento dos “passos do método experimental”: observaçãodos fatos, formulação de hipóteses, experimentação e estabelecimento de leis. E para entender toda essa trajetória do método científico é preciso compreenderdentro do contexto em que DESCARTES estava inserido, estabelecia a evolução doparadigma moderno como avanço do pensamento filosófico nos séculos XVI e XVII,pois trazia a reflexão sobre a superação do escolasticismo pelo o cientificismo. Por Escolástica ou escolasticismo, em sentido restrito, entende-se aespeculação filosófico-teológica que se desenvolveu nas escolas da Idade Médiapropriamente dita, i. é, de Carlos Magno até a Renascença, tal como essa especulação se Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
apresenta, antes de tudo, na literatura de Summae e de Quaestiones3. Essas escolasforam a princípio as catedrais e as monacais e, mais tarde, as Universidades. Num sentido mais largo, designa a escolástica também o pensamento dessaépoca que, embora sem empregar um método rigorosamente escolar, racional-conceptual, repousa, porém nas mesmas bases metafísicas e religiosas, como p. e., amística. E também se pode incluir nessa denominação a filosofia arábico-judaica, namedida em que, durante esse período, entra em contato com a escolástica propriamentedita. (http://www.consciencia.org/filosofia_medieval8_escolastica.shtml). Os filósofos que defendiam a tese do pensamento escolástico refletem em seuspostulados como uma ciência do comentário, e, por mais magistrais e criativas quesejam as elaborações produzidas por seus mestres, existirá sempre uma série de textoscanônicos dos quais os mestres escolásticos deverão extrair toda a exposição de seuspensamentos. No entanto, Descartes destaca-se pelas considerações individualistas comimplicações políticas gerada por sujeitos racionais e reflexivos capazes de produzirconhecimentos válidos. Ou seja, “refletir sobre si mesmo enquanto indivíduo para tentardescobrir o que é conhecimento ou não” (DESCARTES, 2005, p.35). O método científico desenvolvido na modernidade superou a barreira temporale ainda reforça a importância da metodologia na construção de conhecimentoscientíficos ditos válidos. Marcado pelo desempenho um sujeito que se coloca comneutralidade sobre seu objeto de estudo, a metodologia científica da modernidade atuoucomo um paradigma que organizou e ao mesmo tempo limitou o pensamento ocidental.A ciência moderna se caracteriza por ser excludente em relação a quaisquer outrasformas de construção do conhecimento científico que, por vezes, apelam uma relaçãomais intersubjetiva com seu objeto de análise (PLASTINO, 2001, p.22). Na obra Discurso do Método, Descartes expressa aquilo que talvez possa serconsiderado o prefácio da modernidade. O filósofo inicia a obra com a seguinte frase:3A Summa era o seu típico gênero literário, um texto cuidadosamente elaborado, subdividido emonumental por excelência. Novo gênero que se mostra como uma das principais realizações do estiloescolástico em seu período de apogeu.Quaestiones – Da disputatio nasceu a literatura das quaestioncs, que compreendiam duas espécies — asQuaestiones disputatae e as Quaestiones quo delibetales. As primeiras contêm a matéria da disputatioordinária, que tem lugar regularmente todos os 14 dias; durante um mais largo espaço de tempodesenvolve-se um único tema (p. ex.,de veritate, de potentia, de maio). As ultimas são o resultado dedisputas mais solenes, realizadas duas vezes por ano, pela Natividade e pela Páscoa, sobre variadasquestões (quaestiones de quo-Ubet).Disponívelem:<http://www.consciencia.org/filosofia_medieval8_escolastica.shtml>. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
“o bom senso é a coisa do mundo melhor partilhada” (DESCARTES, 1973, p. 37), enessa partilha destaca-se o sentido cartesiano de democratizar o saber fundamentado narazão humana e remete-se à vida terrena como fluxo para melhorar as condições dahumanidade como principal função da faculdade intelectual dada por Deus ao homem. Segundo Descartes, é necessário suspender tudo o que se tomava como saber,para, então buscar um conhecimento evidente, claro e distinto. O objetivo cartesiano éanalisar a totalidade do saber em busca de alguma certeza, nem que seja um saber comcerteza que não existe nada de certo. Nesse cenário, o conhecimento deixa de ser privilégio de alguns e passa a sercapacidade de todos; a moralidade deixa de ser privilégio da religião e os direitospassam a ser inerentes a todos, daí o princípio de igualdade entre os seres humanos(DESCARTES, 2005, p.38). Dentre as Meditações Metafísicas, já na primeira meditação, Descartes afirma:“há já algum tempo que eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, receberamuitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei emprincípios tal mal assegurado não podia ser senão mui duvidoso eincerto”(DESCARTES, 1973, p. 93). O trecho expressa, claramente que, todo saber édinâmico, pois são nas evidências que se traça a verdade e toda a incerteza do sabertradicional (escolástico e antigo), quando cotejado com axiomas que pretendem serclaros e evidentes. O termo “Metafísico” para Kant significa um conhecimento não empírico ouracional. Combinando com o conceito de costumes, que designa todo o conjunto de leisou regras de conduta que normatizam a ação humana, Kant chega ao conceito deMetafísica dos Costumes, que é o estudo de leis que regulam a conduta humana sob umponto de vista essencialmente racional e não contaminado pela empiria. Desta forma, seguindo fielmente o princípio da dúvida metódica, Descartesacredita ser necessário “desfazer-se de todas as opiniões a que até então dera crédito ecomeçar tudo novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme ede constante nas ciências” (DESCARTES, 1973, p. 93). Kant no seu pensamento evolutivo supera a reflexão empirista até entãohegemônica, representado pela obra de David Hume, e inaugurou uma nova concepçãofilosófica, baseada na razão. Nessa ideia, “o empirismo filosófico de David Hume é umaatitude epistemológica que se vincula a uma determinada concepção política. Tantoentre os gregos, quanto entre os modernos, o empirismo esteve ligado à recusa do Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
racionalismo e refutação das compreensões teleológicas acerca da realidade” (KIRALY,2010, p.22) E para a compreensão dessa realidade em movimento, concentra-se pelo viésfilosófico dos costumes, é tanto que para Hume o que mais rege o conhecimento é ocostume é o hábito. Para Hume, o hábito é o princípio com base no qual, da simplesconstatação da contiguidade e sucessão entre dois fenômenos, se infere também anecessidade da conexão entre os dois fenômenos, considerando-os um como “causa” eum “efeito” (REALE, 2007, p. 137). O pensamento de David Hume se filia a uma compreensão de moral que partede uma teoria do conhecimento, não dogmática e atomística, para fundamentar umateoria política que não faz predições sobre o fenômeno institucional, mas o analisa doponto de vista das crenças estruturantes. As instituições não são racionais em si, massão observáveis sob o ponto de vista de seus valores e funcionalidade. As instituiçõespodem ser investigadas segundo as regras que apresentam, e parte para o conhecimentoobjetivo como direcionamento da relação do passado e o futuro na construção dopresente, e da experiência que transporta argumentos na transformação da realidadefundamentadas pressupostos indutivos, assim Hume destaca que ... todas as inferências a partir da experiência supõe, como seu fundamento, que o futuro irá assemelhar-se ao passado, e que poderes semelhantes estarão associados a qualidades sensíveis semelhantes. Se houver qualquer suspeita de que o curso da natureza possa vir a modifica-se, e que o passado possa não ser uma regra para o futuro, toda experiência se tornará inútil e incapaz de dar origem a qualquer inferência ou conclusão. É, portanto, impossível que algum argumento a partir da experiência possa provar essa semelhança do passado com o futuro, dado que todos esses argumentos estão fundados na pressuposição dessa mesma semelhança. Por mais regular que se admita ter sido até agora o curso das coisas, isso, isoladamente algum novo argumento ou inferência, não prova que, no futuro, ele continuará a sê-lo (HUME, 1999, p.58). Dentro da perspectiva Kantiana, a construção do conhecimento científico estásustentada a partir do conceito de existência sob o prisma do predicado real naperspectiva dos diferenciais entre a possibilidade lógica e a possibilidade real. Econsiderava a razão como princípio fundamental para a compreensão de todos osfenômenos. Conforme Kant (1986, p. 91) “não existe anteriormente no sujeito nenhumsentimento que se incline para a moralidade”. PEREIRA e PEREIRA (2012) esclarecemque a razão estabelece a conduta do homem, mas ele só age moralmente porque é livre.A liberdade é o que há de essencial para a fundação de sua moralidade, para o Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
desenvolvimento de sua racionalidade. Para Kant, é a liberdade que harmoniza ohomem, pois apesar de todas as determinações impostas do meio exterior, ainda é capazde recusá-las em prol da moralidade. A razão o faz senhor de si. A revolução industrial, fruto do desenvolvimento científico iniciada naInglaterra no século XVIII e rapidamente estendida a outros países no século XIX,desencadeou uma série de novas tecnologias que transformaram de forma rápida a vidado homem. O sucesso extraordinário nesses três séculos, principalmente da física,perceptível ao cidadão comum através de seus produtos tecnológicos, favoreceu noséculo XIX a disseminação da crença positivista, conhecida como cientificismo, que fazda ciência a chave não somente dos progressos materiais da sociedade, mas também dosprogressos espirituais e morais da humanidade. No entanto, o ideal cientificista não tardou a sofrer fortes abalos, pelaimposição de ideias critérios e finalidades que, quando impedidos de se concretizarem,forçam rupturas e mudanças teóricas profundas, fazendo desaparecer campos edisciplinas científicos ou levando ao surgimento de objetos, métodos, disciplinas ecampos de investigação novos. O alvorecer do século XX testemunhou marcadamente o desencanto. Após doisséculos de predominância newtoniana e o forte posicionamento positivista deramsignificado tanto para o progresso, como também, para a destruição. De fato, a buscapela sofisticação tecnológica trouxe inquietude acompanhada da suspeição. O podersobre a natureza, característica essencial da ciência moderna, corre o risco do homem serevelar inimigo mortal do seu próprio conhecimento e crer tanto que a ciência é em simesma má, quanto ingenuamente acreditar que ela é intrinsecamente boa. Nenhumcidadão pode se eximir da reflexão ética, política e epistemológica sobre o sentido daatividade científica. Rousseau (1978), em seus escritos: O Discurso sobre as Ciências e as Artespropõe uma pergunta a respeito das mudanças que as ciências podem aperfeiçoar aolongo dos processos de transformação: o progresso das ciências e das artes contribuiupara aprimorar ou para corromper os costumes? Eis o que é preciso examinar Rousseau (1978, p. 341), assim como a buscapelo conhecimento como eixo de ruptura para minimizar os abismos entre a teoria eprática no contexto científico. Concorda-se em Santos (1997) quando afirma quecompartilham a ideia de que se está numa fase de transição, também denominada de“transição paradigmática”. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
E nesse percurso de transição que geram mudanças, a inércia é um componenteque não se enquadra nesse processo de intervenção, pois quaisquer objetos de estudodinamizam o ambiente e se move em cadeia inserida nas particularidades humanas e devalores. Esta relação sujeito/objeto estabelece parâmetro de transformações complexasque implicam em superação do que estar aparente. Apresenta importantes implicações,demonstrando a interferência estrutural do sujeito no objeto observado. Neste sentido, Boaventura Santos (2000) sugere uma ruptura epistemológica,onde o conhecimento científico possa vir a se transformar num novo senso comum:ético, participativo, político e solidário. Muito mais vislumbrando a humanidadeimplícita nos perfis sociais. “O paradigma de um conhecimento prudente para uma vidadecente”, propõe a emancipação humana sob o prisma do conhecimento emancipatório,mais significativo e consistente, voltado para a autonomia, pela superação de atitudesisoladas e ações esporádicas e a união de causa e efeito, através da racionalidadeestético-expressiva. O que até então a racionalidade científica moderna separou eapresentam-se inacabadas. Por conseguinte, fomenta a mudança de paradigma pós-cartesiano-newtoniano,sobretudo, quando se questiona os pressupostos epistemológicos e consequências para asociedade, permitindo o desenvolvimento científico-tecnológico atuante no mundohodierno que imprime a magnitude da ciência e tecnologia, cujos questionamentossobre o antigo e a modernidade confirmam a transição das crescentes mudanças trazidaspelo método analítico moderno, fruto do racionalismo científico, e interpretado comosendo a explicação mais completa, a única abordagem válida do conhecimento, aofocalizar as partes, e conhecer a fragmentação do todo. Assim para (MORIN; LE MOIGNE, 2000, p. 55) tudo que é humano deve sercompreendido a partir de um jogo complexo, pois para conhecer melhor as partes deve-se conhecer o todo e vice-versa, como em um movimento circular ininterrupto quetranscorre em etapas pelos avanços a partir da magnitude das consequênciasinseparáveis de seu contexto histórico e social. Nesta visão, é necessário compreenderos avanços da ciência, sem deixar de perceber que as cegueiras para os problemassociais estão deslocando a realidade da ilusão científica, técnica e especializada, assim écompreensível quando Morin referenda que, […] é preciso compreender que “tanto no ser humano, quanto nos outros seres vivos, existe a presença do todo no interior das partes: cada célula contém a totalidade do patrimônio genético de um organismo poli celular; a Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
sociedade, como um todo, está presente em cada indivíduo, na sua linguagem, em seu saber, e suas obrigações e em suas normas. Dessa forma, assim como cada ponto singular de um holograma contém a totalidade da informação do que representa, cada célula singular, cada indivíduo singular contém de maneira ‘hologrâmica’ o todo do qual faz parte e que ao mesmo tempo faz parte dele.” (MORIN, 2003, p. 37/38) Desde então, ela se associou progressivamente à técnica, tornando-se a tecno-ciência, e progressivamente se introduziu no coração das universidades, das sociedades,das empresas, dos Estados, transformando-os e se deixando transformar, por sua vez, noque ela transformava. A ciência não é científica. Sua realidade é multidimensional. Osefeitos da ciência não são simples nem para o melhor, nem para o pior. Eles sãoprofundamente ambivalentes. [...] A ciência é, intrínseca, histórica, sociológica eeticamente, complexa. A ciência tem necessidade não apenas de um pensamento paraconsiderar a complexidade do real, mas desse mesmo pensamento para considerar suaprópria complexidade e a complexidade das questões que ela levanta para ahumanidade. (MORIN, p. 09; 2007). E nessa fundamentação Popper (2006, p. 94) esclarece que como acontecemcom todas as ciências, as ciências sociais também são bem-sucedidas ou fracassadas,interessantes ou ocas, frutíferas ou estéreis, na exata proporção com o significado ou ointeresse dos problemas de que tratam; e naturalmente também na exata proporção como significado ou o interesse dos problemas de que tratam; e naturalmente também naexata proporção com a honestidade, retidão e simplicidade com que esses problemas sãoatacados. Não se trata aqui, de modo algum, apenas de problemas teóricos. Problemaspráticos graves, como o problema da pobreza, do analfabetismo, da repressão política eda incerteza jurídica, constituíram pontos de partida importantes da pesquisa dasciências sociais. Gerando assim, prejuízos críticos proliferados pela ordem social e globalpresentes na humanidade baseado na concepção de vida em sociedade com a crença noprogresso material ilimitado a ser alcançado através do crescimento econômico etecnológico, extensivo à sociedade sobre a supervalorização do que é quantificável e apouca preocupação com o caráter social dos dados e os impactos que podem interferirna vida das pessoas. Assim, para SANTOS (1987), os privilégios epistemológico esociológico convergem num mesmo conhecimento, e os questionamentos críticos sobredeterminado conhecimento tendem a estar ligados à justificação ou contestação de seuimpacto social. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
E o conhecimento gera uma amplitude favorável a entender os diversosposicionamentos que estabelece um parâmetro entre as ciências naturais e sociaisvinculada a um pensamento mecanicista pela busca da superação da dicotomia ciênciasnaturais e sociais, e ao abordar a superação das ciências naturais e sociais, umimportante texto de (BOAVENTURA SANTOS, 2003, p. 72) afirma: “A concepçãohumanística das ciências sociais enquanto agente catalisador da progressiva fusão dasciências naturais e sociais coloca a pessoa, enquanto autor e sujeito do mundo, no centrodo conhecimento, mas ao contrário às humanidades tradicionais, coloca o que hojedesignamos por natureza no centro da pessoa. Não há natureza humana porque toda anatureza é humana...” E nessa linha, o conhecimento é amplo, e desperto sob a condição humana adisputa no ato de filosofar sobre as prisões ideológicas dos elementos contraditóriossustentados pelo debate, pela argumentação pela busca da verdade através da validaçãodas ciências. Pode-se dizer dessa forma que a Epistemologia configura dentro da validadedas ciências como condição de fixar uma ponte com a filosofia para indagar sobre aessência do conhecimento. Nesse contexto, todo ato de conhecer é a relação que seestabelece entre a consciência de quem conhece e o objeto a ser conhecido (ARANHA eMARTINS, 2003). Assim, é fundamental relatar, segundo Popper (2007) considerar como tarefada Epistemologia a de proporcionar o que se tem chamado “reconstrução racional” dasfases que conduziram o cientista à descoberta – ao encontro de alguma verdade nova. A questão é, porém, a seguinte: o que precisamente, desejamos reconstruir? Seforem os processos envolvidos na estimulação e produção de uma inspiração, devorecusar-me a considerá-los como tarefa da lógica do conhecimento. Desta feita, épossível criar a falseabilidade como critério de demarcação de proporcionar a validadecomo concepção epistemológica da assimetria entre verificabilidade e falseabilidade. Portanto, é pauta lógica conferir como Popper se baliza dentro da perspectivada falsidade de teorias e dos enunciados universais, assim postula que sua posição estáalicerçada numa assimetria entre verificabilidade e falseabilidade, assimetria quedecorre de forma lógica dos enunciados universais. Dessa forma, é importante salientarcomo estão expostos os fatos indutivos na construção das asserções de observações,assim, o mesmo autor acrescenta que estes enunciados nunca são deriváveis deenunciados singulares, mas podem ser contraditados pelos enunciados singulares. Sendo Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
essa transformação dedutiva em consequência da falsidade dos enunciados criando umparadoxo de terminações que definirá uma teoria, consequentemente, é possível, atravésde recurso a inferências puramente dedutivas, (com o auxílio do modus tollens,dialógica tradicional), concluir acerca da falsidade de enunciados universais a partir daverdade de enunciados singulares. E sob essa ótica destaca o que é verdadeiro e se épossível demonstrar a lógica ou fases empíricas acerca da conclusão da falsidade dosenunciados universais como a única espécie de inferência estritamente dedutiva queatua, por assim dizer, em “direção indutiva”, ou seja, de enunciados singulares paraenunciados universais”. Desta forma, todo conhecimento coloca o problema da verdade quando severifica se o que está sendo enunciado corresponde, ou não, à realidade. Os conceitos de“verdade” e “realidade” são distintos; quando nos referimos a um objeto dizemos queele é “real” e não que ele é “verdadeiro” ou “falso”, pois estas denominações não estãono objeto e sim no juízo, ou no valor de verdade da afirmação. “Algo é verdadeiro,quando é o que parece ser” (ARANHA e MARTINS, 2003).2 Epistemologia de Karl Popper Karl Raimund Popper (1902-1994), filósofo, nasceu em Viena na Áustria,naturalizado britânico. De família judaica, estudou na Universidade de Viena,concluindo o doutorado em filosofia. Fugiu do nazismo, viajou para a Nova Zelândiapara se refugiar da Segunda Guerra. Após o fim da guerra, conseguiu trabalhar comoassistente de ensino na London School of The Economics, se tornaria professor dainstituição em 1949. Colaborou com as teorias do liberalismo e da democracia noâmbito da filosofia social. Escreve livros como os títulos “A sociedade aberta e seusinimigos” e a “Lógica da Pesquisa Científica”. É reconhecido como um dos principais filósofos do século XX, época em queacompanhou o auge e as crises do capitalismo, o avanço das invenções iniciadas a partirda Revolução Industrial iniciada no século XVIII, e as possibilidades por meio doavanço das ciências. O filósofo verificou a rápida evolução material da humanidade, atéentão, alcançada em dois séculos de uma maneira mais veloz do que 4.000 anosanteriores. Popper ajudou a elaborar definições a respeito da teoria científica, analisando ocientificismo (conjunto de ideias que outorgavam à ciência a solução e o sentido de Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
todas as questões), na época considerada como um pensamento acima das demais linhasde pensamento. Popper (2007, p.35) reforça entre os velhos positivistas só desejavamadmitir como científicos ou legítimos os conceitos (ou noções, ou ideias) que, comodiziam, “derivassem da experiência”, ou seja, os conceitos que acreditavam serlogicamente reduzíveis a elementos da experiência sensorial, tais como sensações (oudados sensoriais), impressões, percepções, lembranças visuais ou auditivas, e assim pordiante. Segundo Popper, a teoria científica era regida pelo modelo matemático, quevisa descrever e interpretar as observações realizadas, com a capacidade de descreveruma imensa série de fenômenos a partir de postulados simples e de realizar previsões aserem testadas. Popper visava retirar as mistificações que existiam ao redor das ciências. Nesse caminho, Popper (2007. p.61) advoga que as teorias científicas sãoenunciados universais. Como todas as representações linguísticas, são sistemas designos ou símbolos, como também são redes, lançadas para capturar aquilo quedenominamos “o mundo”: para racionalizá-lo, explicá-lo, dominá-lo. Acrescenta o próprio Popper que são enunciados universais. Como todas asrepresentações linguísticas, são sistemas de signos ou símbolos. Além de sercaracterizado em muitos fenômenos ser de caráter temporário, pois Popper (2007, p.74)defende que as teorias científicas estão em perpétua mutação. Não se deve isso ao meroacaso, mas isso seria de esperar, tendo em conta nossa caracterização da Ciênciaempírica. E para compreender essa conjuntura, está implícito que toda ciência demandapercepções, observações a partir de um problema, pois Popper (2006, p. 94) esclareceque na medida em que se pode dizer em absoluto que a ciência ou o conhecimentocomeça em algum ponto, então é válido o seguinte: o conhecimento não se inicia compercepções ou observações ou com a coleta de dados ou fatos, mas com problemas. Não existe conhecimento sem problemas – mas tampouco problema semconhecimento. Pois todo problema nasce pela descoberta de que algo não está em ordemem nosso pretenso conhecimento; ou visto logicamente, pela descoberta de umacontradição interna em nosso pretenso saber e os fatos; ou, numa expressão ainda maiscerteira, pela descoberta de uma aparente contradição entre nosso pretenso saber e ospretensos fatos. Segundo Popper a ciência progride graças ao ensaio do erro, e as refutações. Aciência se inicia com enunciados, enunciados estes que estão associados à explicação de Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
alguns aspectos do mundo praticados sob decisões metodológicas cujas teorias setornariam acolhidas ou não, assim Popper (2007, p.82) assevera sobre as objeçõescontra sua proposta de adotar a falseabilidade como critério para decidir se um sistemateorético pertence ou não ao campo da Ciência empírica. Desta forma essas objeçõesestão impostas sob a égide daqueles que são influenciados pela escola do pensamento“convencionalismo”4. Nesse cenário abstrato, os critérios de falseabilidade, segundo Popper (2007)não conduz a uma classificação isenta de ambiguidade. E acrescenta que é impossíveldecidir, por análise de sua forma lógica, se um sistema de enunciados é um sistemaconvencional de definições implícitas irrefutáveis ou se é um sistema empírico, nosentido que se empresta a essa palavra, ou seja, um sistema refutável. E para compreender o sentido da teoria falseada dentro da disposição deenunciados que se contradizem como condição de imputar as ocorrências necessárias,propõe hipóteses falsificáveis para resolver o problema, estas são criticadas, testadas, ejustificadas, ou seja, revela aqui segundo Popper (2007, p.91) que somente se aceita ofalseamento se uma hipótese empírica de baixo nível, que descreva esse efeito, forproposta e corroborada. Para isso, nessa prospectiva de testar uma hipótese pela suasubmissão é preciso confrontar os enunciados como relação lógica em busca dosenunciados empíricos através de uma ocorrência que possivelmente postule acontradição. Portanto, Popper (2007) defende que a cada enunciado corresponderá a umevento, tal que os vários enunciados básicos pertencentes a esse evento comprovarãocada qual o enunciado puramente existencial. E acrescenta que, o fato dereciprocamente, um enunciado puramente existencial poder ser deduzido a partir decada enunciado básico, não serve de ponto de apoio para emprestar caráter empírico aosenunciados existenciais.4 A fonte da filosofia convencionalista parece residir no espanto diante da simplicidade austeramente belado mundo, tal como se revela nas leis da Física. Os convencionalistas parecem achar que estasimplicidade seria incompreensível e, em verdade, miraculosa, se nos inclinássemos a crer, com osrealistas, que as leis da natureza nos revelam uma simplicidade interior estrutural do mundo, sob suaaparência exterior de exuberante multiplicidade. Segundo esse modo de ver convencionalista, as leis danatureza não são falseáveis por observação; com efeito, são elas que se tornam necessárias paradeterminar o que sejam a observação e, mais especialmente, a mensuração científica. A teoria doconvencionalismo é digna de grande crédito, pela maneira como ajudou a esclarecer as relações existentesentre teoria e experimento. (POPPER, 2007, p. 83 e 84) Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
Quando se falsifica uma hipótese, surge um problema que é a invenção denovas hipóteses seguidas de novas provas e testes indefinidamente, por isso não se podeafirmar que uma teoria é verdadeira, para tal recomenda-se enunciados menos dispersose sim questões mais minuciosas. Popper (2007, p. 113) revela que enunciados básicossão aceitos como resultado de uma decisão ou concordância; nessa medida, sãoconvenções. As decisões são tomadas de acordo com um processo disciplinado por normas.Dentre elas, é de particular importância a que nos recomenda não aceitar enunciadosbásicos dispersos – isto é, logicamente desconexos – mas tão somente enunciadosbásicos que surjam no decorrer do processo de testes de teorias. E por mais provas que tenha superado ela somente estará mais próxima daverdade se o teórico de forma experimental consegue aperfeiçoar seus experimentosbaseado em enunciados e coincidências induzidos por percepções que se conectam composições desde a formulação da pergunta até os caminhos de desvendar o fenômenoestudado, pois para Popper (2007, p.114) salienta que uma Ciência requer pontos devista e problemas teóricos, no entanto, o próprio autor refuta que a concordância quantoa aceitação ou a rejeição de enunciados básicos é alcançada, geralmente, na ocasião deaplicar uma teoria; a concordância, em verdade, é parte de uma aplicação que expõe ateoria a prova. Chegar à concordância acerca de enunciados básicos é, como outrasformas de aplicação, realizar uma ação intencional, orientada por diversas consideraçõesteóricas. Nesse cenário de falseabilidade, inclui nessa condição a observação e ateorização, no sentido de desmistificar a verdade como transformadora e indagar quenem sempre a verdade sobrepõe à dúvida, pois bastasse aparecer um cisne negro emalgum local ou situação para derrubar a ideia monopolista da existência única de cisnesbrancos em qualquer lago do mundo. Uma observação poderia derrubar a outra para aafirmação de algo. Assim, uma conclusão científica não pode ser considerada absoluta,sendo a mesma questionada ou derrubada a partir de uma nova observação capaz dedetectar algo não observado antes. Popper (2007, p.95) reforça pelo propósito de uma teoria, mostrada comofalseável, que ela refeita ou proíbe não apenas uma ocorrência, mas sempre pelo menosum evento. Conceitualmente havia também a ideia de “falseabilidade” como uma teoriacientífica que poderia ser referida como científica caso pudesse ser duvidada ouconsiderada falsa por um tempo ou por um processo de análise. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
As principais ideias estão centradas na linha dos falsificacionistas - entre osquais Popper salienta sobre o valor do conhecimento científico a despeito do fator queas teorias não vêm da observação de experiências, mas da possibilidade de a teoria sercontrariada, ou melhor, falseada. Com a ideia de que a teoria precede a experiência, osfalsificacionistas admitem que toda explicação científica torna-se hipotética. Assim, para Popper (2007, p.95) referenda que a classe dos enunciados básicosproibidos, isto é, dos potenciais falseadores da teoria, conterá sempre, se não for vazia,um número ilimitado de enunciados básicos, pois uma teoria não se refere a indivíduoscomo tais. Acrescenta ainda Popper (2007, p.97) pela importância da condição decompatibilidade que se tornará patente se der conta de que um sistema autocontraditórioé não informativo. Assim, nenhum enunciado é particularmente como incompatível oucomo derivável, pois todos são deriváveis. Um sistema compatível, por outro lado,divide em dois, o conjunto de todos enunciados possíveis: os que ele contradiz e aquelescom os quais é compatível. E quanto mais uma teoria puder ser falseada, melhor seria ela. Por exemplo,ignorando a pressão atmosférica e outros fatores, se dissermos que \"a água ferve a 100graus Celsius\", qual a contradição possível, ou melhor, o que tornaria falsa essaafirmação? A resposta seria: ao chegar a 100 graus Celsius a água não ferveria ouferveria antes. No momento em que uma teoria é falseada, o cientista tentará melhorá-laou a abandonará. O fundamental é que tenhamos em mente o seu limite. Ou seja, quanto mais hipotetiza, mais o falseamento é evidente, e cada vezmais precisa ser repetida, pois é na compatibilidade que se detecta a fragilidade dosenunciados e define que evento precisa ser relacionado, dentro da condição de eventocomo sistema empírico ou não empírico, pois Popper (2007, p.98) adiciona que osenunciados que não satisfazem a condição de compatibilidade não podem permitir oestabelecimento de diferença entre dois enunciados quaisquer, dentro da totalidade dosenunciados possíveis, e reforça que os enunciados não satisfazem a condição defalseabilidade não podem permitir o estabelecimento de diferença entre dois enunciadosquaisquer, dentro da totalidade dos possíveis enunciados básicos empíricos. Assim, fica explícito como o conhecimento é gerado a partir da revelação deum problema, através da observação que instiga outros problemas, e dá qualidade a umproblema sob o efeito transformador, e na tentativa de experimentar tentativas desolução para seus problemas que conduzem à tentativa de experimentos elevando a Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
crítica sobre os experimentos em busca da verdade entre tentativas e erros, visto que osexperimentos são matérias de fato representadas por suas causas e efeitos, e quando arelação de causa é firmada os fatos se distanciam, os experimentos precisam estarautenticados pela repetição, desta feita a inferência indutiva necessita da imaginaçãopara estabelecer a ligação entre o particular e o universal. De qualquer modo, o conhecimento é adquirido e se apropria do que éproduzido por outrem em que os argumentos são difundidos e transversalmente propõeum axioma que descreve e relaciona posicionamento de hipóteses e teorias que impulsao avanço do conhecimento pela crítica racional, portanto as teorias podem sersucumbidas por outras se adaptando às novas realidades que podem ser contrapostas asrazões e criticadas em diversos pontos de vistas, e reconduzir e adaptar-se aos fatorespsicológicos de crenças e costumes que ressuscitarão novos fatos que expliquem umanova teoria, por isso que “Nenhuma teoria em particular, pode, jamais, ser consideradaabsolutamente certa: cada teoria pode se tornar problemática (...). Nenhuma teoriacientífica é sacrossanta ou fora de crítica” (Popper, 1975, p. 330). A contestação de qualquer juízo sintético por Popper recarrega sobre acapacidade inventiva da criação de teorias para sobreviver e a necessidade deconjecturar na seleção de respostas entre tentativas e erros na dinâmica das mudançascorrentes. O limite dos enunciados das leis não estão estáticas em fins de resultados,mas provocar novas conjecturas que reconstrue e reformule novas formas ouproposições universais através da indução a fim de explicar as ocorrências na mediaçãodos fatos entre a observação de um acontecimento e a afirmação da dúvida no futuro.3 Considerações Finais No decorrer desse artigo, procurou-se explicar o papel da teoria comodecorrência da demarcação entre teorias científicas e não científicas. Na contramão dospositivistas, Karl Popper assegura que as teorias podem ser superadas e se adaptar àsnovas realidades em sintonia com o verificacionismo em contra ponto do critériofalsificacionista na proposta demarcatória implicado na possibilidade de falsificarteorias afirmativas e precisas quando a manifestação das verdades são predisposta aofalsificacionismo quando no máximo são processados os erros. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
Nessa perspectiva Popper explica que o critério de demarcação que expõe osenunciados científicos ou não define-se a teoria científica poderá ser falseável desde quehaja mudança de critério. Sabendo que todo conhecimento está atrelado de teorias e vive uma dinâmicada realidade que muda com as reformulações, reconstruções em que todo conhecimentoé modificado com o auxílio do conhecimento anterior procurou-se explicitar aqui aconstrução do conhecimento a partir do ponto de vista de Karl Popper sob aargumentação que se segue dentro do eixo da discussão da transferência daracionalidade do sujeito para o método como sentido de elucidar os enunciados comocritérios que subsidiam a formulação de conjecturas que validam o método comoverdade através dos fatos, no entanto, Popper, propôs a falseabilidade de teorias ehipóteses como critérios de demarcação e sugerem como método científico deracionalidade crítica o método hipotético dedutivo de teste.REFERÊNCIASARANHA, Maria Lúcia de A.; Maria Helena P. Filosofando, 3.ed. São Paulo: Moderna,2003.BORGES, R. M. R. Em debate: cientificidade e educação em ciências. Porto Alegre:SE/CECIRS, 1996.DESCARTES, René. Discurso do método. Meditações. Objeções e respostas. Aspaixões da alma. Cartas. São Paulo: Abril Cultural, 1973. 336 p. (Os pensadores; 15).HEIDEGGER, Martin. Lógica. A doutrina heraclítica do logos; in Heráclito. Rio deJaneiro: Relume-Dumará, 1998. Este texto foi um curso de Heidegger ministrado em1944.HUME, D. Uma investigação sobre o entendimento humano. Trad. De José Oscar deAlmeida Marques. São Paulo: UNESP, 1999, p.58.KANT, Emmanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Artur Mourão. Lisboa:Edições 70, 1986.KIRALY, César. Os limites da representação: um ensaio desde a filosofia de DavidHume/Cesar Kiraly. São Paulo: Gis Editorial, 2010.MARIAS, J. História de la filosofia. 33. Ed. Madrid: Revista de Occidente, 1981.PEREIRA, R. C. B. e PEREIRA, R.O. Kant e os fundamentos do direito moderno.Cadernos da EMARF, Fenomenologia e Direito, Rio de Janeiro, v.5, n.1, p.1-150,abr./set.2012. Disponível:<http://www.ifcs.ufrj.br/~sfjp/revista/downloads/kant_e_os_fundamentos.pdf>. Acessoem: 31.05.2013 Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
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O MEDIADOR CIRCULAR-NARRATIVO E A AFETIVIDADE HUMANA THE CIRCULAR-NARRATIVE MEDIATOR AND HUMAN AFFECTIVITY Ariovaldo Esteves Rogerio1 Orientadora: Profa.Dra. Denise Almeida de Andrade RESUMOO modelo circular narrativo permite que o mediador seja mais ativo em suasintervenções, conduzindo cada parte a se desprender de narrativas iniciais que acristalizam no papel de vítima, para criar nova história onde papel de cada envolvidoserá o de protagonista que avalia a parcela que lhe cabe na causa do conflito. Omediador com o conhecimento da antropologia personalista, que estuda a afetividadehumana (emoções, paixões, sentimentos), terá ferramentas para avaliar maisprofundamente o comportamento de cada parte, ajudando a expurgar os sentimentos ouestados anímicos que possam distorcer a realidade, conduzindo-as à apreciação objetivado conflito.Palavras Chave: mediação de conflito, comportamento, mediador. ABSTRACTThe narrative circular model allows the mediator to be more active in theirinterventions, leading each party to let go of initial accounts that crystallize in the roleof victim, to create new history where the role of each involved will be the protagonistwho evaluates the portion it has assumed in the conflict. The mediator with theknowledge of personalist anthropology, which studies human affectivity (emotions,passions, feelings), will have tools to further evaluate the behavior of each part, helpingto purge the feelings or psychic states which can distort reality, conduzindo- theobjective assessment of the conflict.Keywords: conflict mediation, behavior, mediator.1. Introdução Em seu artigo “El modelo circular-narrativo de Sara Cobb y sus técnicas”, PilarMunuera Gomez, da Universidad Complutense de Madrid, (MUNUERA GÓMEZ,2007, p. 85), afirma que Sara Cobb desenvolveu o modelo de mediação chamadocircular-narrativo, e que um dos componentes teóricos que fundamenta esse modelo é a1 Ariovaldo Esteves Roggerio, Advogado (USP). Pós-graduação em Mediação de Conflitos (Unifor).Orientador Familiar. Articulista e Conferencista de temas voltados à educação da criança e doadolescente. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
psicologia do eu, formulada por Erikson e White, onde o mediador se propõe a reforçare facilitar a aprendizagem das funções do eu para estimular e orientar a motivação daspartes envolvidas em um conflito a mudar o perfil beligerante para o colaborativo. Munuera diz que o modelo clássico da ciência pura (MUNUERA GÓMEZ,2007, p. 86) considera a causalidade como processo linear, e para encontrar a causa deum efeito deve-se procurar alterar uma a uma suas variáveis, até isolar o fator que oproduziu. Mas ao se trabalhar com a premissa de que os aspectos significativos de umsistema são compreendidos se examinados em sua totalidade, e não em partes, se faznecessário considerar a etiologia do mesmo sob um ponto de vista diferente, comopropõe a Teoria Geral dos Sistemas, que considera a causalidade como um processocircular. Na causalidade linear desloca-se do passado ao presente; na circular se enfatizao aqui e agora, porque é no momento presente que se pode apreciar a conexão entre oselementos. O presente retorna ao passado como um espiral, e colore-o com esse ir e vir. O estudo da afetividade humana aplicada à mediação poderá ajudar naapreciação do conflito, pois sentimentos, emoções e paixões inundam o presente ecolocam em risco a consideração dos fatos passados, alterando-os em sua gênese pelaamplificação subjetiva dos estados anímicos, que crispam os ânimos e os conduzem àatitudes beligerantes, que se procura mudar com a mediação circular-narrativa. O presente artigo ao trazer alguns elementos de antropologia personalista,pretende municiar o mediador com informações que o ajudem na condução da sessão demediação com melhor compreensão dos fenômenos afetivos que podem desfigurar arealidade material do conflito.2. O mediador no modelo circular-narrativo A mediação circular-narrativa torna mais atuante a ação do mediador,principalmente nos conflitos familiares. Nas sessões privadas (caucus), o mediadordeverá avaliar o problema em sua real dimensão, flexibilizar posições e intenções,reformular os scripts ou discursos onde cada parte se põe no papel de vítima, reconstruira lógica da posição e ajudar na construção de novos cenários. Inicialmente o mediador procurará reduzir os temores e ansiedades do mediandoao estimular sua esperança de melhora, diminuindo nele a tendência a recorrer aosmecanismos de defesa inoperantes que dificultam a solução conjunta do problema; Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
ajudará a liberar as capacidades afetivas das partes para apreciar cognitivamente amaterialidade dos fatos em sua verdadeira dimensão. Ao aumentar a zona do eu liberada pelo expurgo de estados anímicos quedistorcem a realidade, o mediando visualiza com mais objetividade a materialidade doproblema que o afeta. O mediador ao ajudar nesse processo não atua como terapeuta,nem se serve de prática ou técnica da psicologia ou psiquiatria, mas apenas colaborapara que cada envolvido visualize suas próprias responsabilidades (MUNUERAGÓMEZ, 2007, p.85), a fim de não colocar sobre o outro a parte que lhe cabe noconflito. O conhecimento próprio é aprendizagem que permite melhor comunicaçãoentre as partes. “El primer contacto en mediación debe ser un proceso que permita a lapersona aprender a percibir, a reflexionar a actuar com relación a su problema”(MUNUERA GÓMEZ, 2007, p.88). O autoconhecimento é inerente a uma sadiapersonalidade. A percepção da influência do estado anímico sobre a razão –emdiscussão apaixonada ou exaltada, por exemplo- induz ao prudente calar para quedepois, serenados os ânimos, volte à questão para encontrar a luz que oriente a solução.O mediador circular-narrativo, diz Munuera, “busca reduzir os temores e ansiedades” decada parte, ou seja, as ajuda no autocontrole, na melhora das disposições, a diminuir atendência de recorrer a mecanismos de defesas inoperantes (MUNUERA GÓMEZ,2007, p. 86). A moral é modo especificamente humano de governar as próprias ações,diferente dos animais que agem automaticamente porque seguem os instintos. Só emrelação aos atos humanos se pode falar propriamente em conduta (RODRÍGUEZLUÑO, 2004, p. 21). O domínio sobre si mesmo é conhecimento que cabe a todos. Apenas casospatológicos ou de incontrole emocional severo, é que podem exigir a condução clínicarealizada por um terapeuta: “A la capacidade de gobernar la própria conducta está ligadala responsabilidad moral: el hombre puede responder (dar razón) de aquellas acciones ysólo de aquellas que há elegido, proyectado y organizado él mismo, es decir, sólo puederesponder de las acciones de las que él es verdadeiramente autor, causa y principio”(RODRIGUES LUÑO, Pamplona, 2004, p. 21).3.A psicologia do eu e a criação de novos relatos As partes comparecem a uma sessão de mediação com suas históriaspetrificadas, cada uma fazendo o papel de vítima das circunstâncias impostas pelo outro.O mediador circular-narrativo servindo-se de escuta e indagações incentiva cada parte a Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
reconstruir a narrativa, abrindo mão da primeira história. Propõe Pilar Munuera, aoreferir-se à psicologia do eu, que a ação do mediador é liberar as capacidades afetivas,cognitivas e ativas que permitem a pessoa resolver sua dificuldade, encontrar osrecursos necessários para a solução do problema colocado, e fazer acessíveis osobstáculos (MUNUERA GÓMEZ, 2007, p. 86). Tal proposta revela a necessidade domediador conhecer alguns princípios da afetividade humana para ajudar as partes aliberarem-se da influência negativa dos sentimentos desordenados que distorcem arealidade e reconstruir a história. Como foi retro afirmado, não se trata de açãoterapêutica do mediador, mas de “...ayuda a percibir una realidad diferente desde lashistorias de cada parte, que crean uma nueva realidade que deja a las personas libres”(MUNUERA GÓMEZ, 2007, p. 89). Livres ou não presas em si mesmas.4.Análise do conflito com objetividade Para analisar o conflito é preciso identificar as causas que estão em relação comos interesses, o contexto social em que é gerado, as tensões psicológicas que provoca, asdivergências de posicionamentos intelectuais e de princípios que provoca. A percepçãodo que está vivendo cada parte é necessária por parte do mediador, já que cada pessoacompreende a mesma realidade de modo diferente. Afirma MUNUERA GÓMEZ (2007, p. 92) que as partes chegam à mediaçãoem contexto adversarial onde sobram acusações, reprovações, negações. A narrativacontada em primeiro lugar chama-se “narrativa primária”. Quando a outra parte conta asua versão, a “segunda narrativa” está colonizada pela primeira versão, e se transformaem argumentos de justificação, defesa e de novas acusações. Com isso não se produzuma nova história, mas apenas uma transformação da narrativa primária. É função do mediador-narrativo ouvir com atenção principalmente as palavraschaves que se repetem, a fim de compreender como se construiu o problema e trabalharaté obter uma definição clara do mesmo, que inclui a contribuição de cada parte nagênese do conflito. As palavras-chaves, impregnadas de significados, estão carregadasde conteúdo emocional e se tornam a porta que se abre para a nova narrativa. Acomunicação entre as partes; a informação clara, veraz e direta é um benefício paratodos os envolvidos no conflito. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
No caucus, o mediador circular-narrativo explora os desenhos da história:valores e temas comuns, hierarquias, sequências de passado-presente-futuro, posições,ciclos e fases do conflito. Esse retorno ao passado faz os mediandos centrarem-se naobjetividade da questão, deixando de lado por momentos os sentimentos que osdominam permitindo, com isso, que sejam paulatinamente depurados para dar lugar àmútua compreensão.5.A antropologia personalista e a mediação O mediador necessita conhecer a dinâmica racional e afetiva do ser humano,pois “la primera fase de construcción del conflito vendrá dada por la percepción deuma persona de que sus necesidades no están siendo contempladas o cubiertas por laoutra, originándose um sentimiente de frustración, a partir del cual surge el conflito”(MUNUERA GÓMEZ, 2007, p. 96) : Cuando el conflito es latente, las personas inician, a nível interno, um reconocimiento de enfrentamento que les lleva a reafirmarse en posiciones contrapuestas definindo la naturleza del conflicto. Posteriomente, se evidencia el comportamiento ante el conflicto y se demuestra la voluntad o no de resolverlo. Aqui es importante observar qué soluciones se buscan, porque, em ocasiones, estas no hacen outra cosa que perpetuar el problema. Conductas como la evitación del encuentro, dejar passar el tempo son actitudes entre outras para no afrontar esta situación. Para solucionar el conflito, se han de dar unas condiciones previas como dejar de lado la conducta conflictiva y estar dispuesto a compartir un espacio de escucha respetuoso, donde se restabelezca la comunicación. (MUNUERA GÓMEZ, 2007, p. 96)E ainda: historias contem argumentos organizados em secuencias temporales y/o lógicas, que funcionan a veces como simples o puras descripciones o como interpretaciones de hechos y/o comportamientos, que ocurren em determinados escenarios o contextos, com personajes que cumplen roles, siendo estos roles ‘la razón’ de determinados comportamientos, que a su vez sirven impulsivamente para ‘consolidar el rol’ que se desempeña. (MUNUERA GÓMEZ, 2007, p. 87) . A realidade humana é rica e complexa. Estudar o homem como ser vivente e assuas faculdades são os objetivos da antropologia personalista, como mostra a obrachamada “Fundamentos de Antropologia – Um ideal de excelência humana” de Ricardo Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
Yepes Stork e Javier Aranguren Echevarría (2005). A antropologia funda-se no modeloclássico de natureza humana que entende ser o homem formado por uma parte sensitiva(material) e outra intelectiva (espiritual). A união dessas dimensões forma a natureza dohomem, sendo que a afetividade humana é considerada pelos clássicos como a parte daalma intermediaria entre o sensível e o intelectual. Na afetividade habitam ossentimentos, afetos, emoções, paixões. Sendo a vida intelectiva própria do homem, nela se rompe o circuito estimulo-resposta, característica da vida dos animais, que também possuem vida sensitiva, masnão conseguem se autodeterminar para agir contrariamente ao que sentem. O homemescolhe intelectualmente seus próprios fins e ações, liberando-se da ditadura dosinstintos, a que estão sujeitos os animais. Assim, a nossa vida sensível, como a dequalquer organismo biológico, é estimulada diante da realidade que nos cerca. Porém, anossa resposta não deve ser automática, mas racional. É fácil que a conduta humana sedeixe levar por emoções, sentimentos ou paixões, sem avaliar corretamente essesestados afetivos. Daí a importância para o mediador circular-narrativo conhecer algunsprincípios da rica natureza humana. a) Inteligência e vontade Inteligência é a capacidade humana que se projeta sobre as imagens elaboradaspela imaginação, abstrai conceitos e os conecta fazendo proposições, emitindo juízos(cachorro é branco), raciocinando e encadeando as proposições (o cachorro é umanimal; os animais morrem; os cachorros morrem). A vontade é uma função intelectual, não orgânica, mas espiritual; é o apetite dainteligência ou apetite racional, que nos inclina ao bem conhecido intelectualmente.Querer é ato próprio da vontade, que se dirige ao bem que nos convém. O amor residenessa inclinação da vontade, e não necessariamente na sensibilidade humana que apenasgosta ou desgosta das coisas ou ações à medida que sejam agradáveis ou desagradáveis,apetecíveis ou não. Pode-se amar sem nada sentir, ou sentir até movimentos de repulsaou desgosto quando, por exemplo, se socorre uma vítima de grave acidente; ou quandose recolhe um morador de rua coberto de chagas pelo corpo, mal cheirando, para levá-loa um hospital. É comum confundir o gostar, inclinação dos sentidos, com o querer, queé ato ou inclinação da vontade para algo apresentado pela como bom pela inteligência.Muitas separações ocorrem por entender alguém que já não “gosta” da outra parte, nãopercebendo que os sentimentos são mutáveis, cambiantes, e que o amor não reside Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
neles, mas na vontade, no sentido de compromisso. A vontade não atua à margem darazão, mas juntamente com ela: queremos aquilo que conhecemos; conhecemos a fundoo que amamos: amor e conhecimento se relacionam. A vontade se materializa naconduta dando origem às ações voluntárias. Uma ação voluntária é uma ação pensada,consciente. b) Os sentidos Além das duas potencias ou tendências puramente espirituais - inteligência evontade -, o homem tem outras capacidades ou potências mais orgânicas que espirituais,formando o mundo da sensibilidade. O conhecimento sensível é realizado pelos sentidos externos (olfato, audição,tato, visão e paladar) e pelos sentidos internos (percepção, imaginação, memória). Ossentidos recebem a forma sensível de algo, sem receber a matéria dele. É uma posseimaterial do outro ser. Essa atividade cognitiva começa pelos sentidos externos, cujo atoé a sensação, e continua se desenvolvendo nos sentidos internos: sinto cheiro dagasolina e ouço o ronco de um motor, concluindo, pela percepção -sentido comum queintegra e relaciona as sensações- que é um carro, sem mesmo vê-lo. c) Imaginação Temos outra potencia interior, sensível - a imaginação -, que arquiva aspercepções, reproduz objetos, faz sínteses (cavalo + homem = centauro). As ciências e odesenvolvimento tecnológico dependem muito da imaginação; as ferramentas criadaspara uso do homem são primeiramente imaginadas. d) Memória A memória é outra atividade ou potência sensível interior que conserva asapreciações da avaliação, retém a sucessão temporal da vida. A memória tem baseorgânica, sendo localizada no cérebro: basta um acidente nesse local para apagar onosso “HD”. Sem a memória perderíamos a história pessoal e familiar. e) Avaliação Outra potência interior é a avaliação, que relaciona a atividade exterior com aprópria situação orgânica: preferir uma coisa a outra ao se prever um malantecipadamente (não ingerir um alimento quem antecipadamente sabe que fará mal). f) Sentimentos Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
Os sentimentos são modos de sentir as tendências: tristeza é a aversão a um malpresente; inveja é a tristeza diante do bem alheio. Os sentimentos têm maior duraçãotemporal: amor, dor, ódio, esperança, medo, rancor... Não confundir sensação (sinto aschaves no bolso) com sentimentos, mais duradores. g) Emoções Emoções são perturbações momentâneas e intensas da sensibilidade: ao ver umleão diante de mim sobe a adrenalina, se o mesmo estiver solto, claro! A cenacomovente de um filme ou a leitura de um romance pode emocionar momentaneamente. h) Paixões As paixões são movimentos rápidos e veementes da sensibilidade frente diantede uma situação (a ira, por exemplo).6.O posto dos sentimentos no homem O posto da afetividade é central no homem ao impulsionar ou retrair suas ações:os sentimentos ou gostam ou desgostam. A escola racionalista de ética, representada porKant e Hegel, concede aos sentimentos um valor negativo, próprio de seres frágeis -dizYepes e Aranguren no já citado livro “Fundamentos de Antropologia” (2005, p. 63),com base nas afirmações de (PUELLES, 1993)-, porque veem neles um rebaixamentodo homem ao acreditar que na racionalidade pura se encontra a perfeição humana.Muitas filosofias orientais desprezam e maceram o corpo com seus afetos e sentidos,porque valorizam unicamente as atividades espirituais, consideradas mais elevadas queas de base orgânica. Desejar que o homem não viva seus sentimentos é forçar que não seja humano(YEPES E ARAGUREN, 2005, p. 63); é exigir que abra mão de sua plenitude corpórea.Quem quer algo é melhor que o queira apaixonadamente, se o objeto merece apreço: umprofessor apaixonado por ensinar realiza mais facilmente sua tarefa ao servir-se de seussentimentos para uma boa causa. Já apaixonar-se por um cachorro, carro, marca deroupa são desvios dos sentimentos que colocam o gostar, próprio dos sentimentos, namesma altura do amor ou querer como inclinação da vontade a um bem oferecido pelainteligência. 6.1 A avaliação dos sentimentos Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
“O lugar da afetividade e dos sentimentos na vida humana é central. São eles osque ajustam a situação anímica íntima, os que impulsionam ou retraem a ação, os quedefinitivamente juntam ou separam os homens” (YEPES e ARANGUREN, 2005, p.63). O mediador circular-narrativo necessita compreender os sentimentos dosmediandos para avaliar até que ponto esses estados irão obstaculizar a solução doproblema que os conduziram à mediação: “a possessão dos bens mais valorizados e apresença dos males mais temidos significam eo ipso, que nos retêm aqueles sentimentosque nos dão ou tiram a felicidade. A vivência subjetiva da felicidade está estreitamenterelacionada com o modo de sentir nossas tendências: estar confortável oudesconfortável, sentir-se existencialmente vazio ou pleno” (YEPES e ARANGUREN,2005, p. 63) Os sentimentos são irracionais quanto à sua origem, mas harmonizáveis à razão.O caráter irracional dos sentimentos faz que no homem nem tudo seja coerente,previsível, e favorecem ampla margem de mistério e fantasia: um mesmo fato podedesencadear reações diferentes nas pessoas. Hoje, já disse Yepes, corre-se o risco de valorizar excessivamente ossentimentos, outorgando-lhes o papel de reitor da conduta. Esse modo de agir chama-sesentimentalismo, que é atitude não prudente, pois o domínio dos sentimentos não estáassegurado pelo homem, sendo uma parte da alma não dócil à razão, já que nãopertencem a esse âmbito, mas são harmonizáveis a ela, como já foi dito. Platão dizia que os sentimentos são como o gato doméstico: pode-se amestrar,mas ele pode voltar-se contra nós. Para Aristóteles o domínio dos sentimentos pelarazão deve ser político, não autoritário (YEPES e ARANGUREN, 2005, p. 64): não édizendo alguém para si mesmo “não sinta isso ou aquilo”, que deixará de sentir. Maspoderá mudar seu sentimento lançando sobre ele outras proposições ou pensamentospara se liberar do anterior: uma criança por vezes não solta o brinquedo que tem emmãos, mesmo diante de insistentes pedidos; e só o faz quando lhe é apresentado outrobrinquedo. Mesmo assim o domínio dos sentimentos não está assegurado e podem nosatraiçoar. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
Em sua obra “A república e as leis”, Platão ensina como orientar os sentimentospara que colaborem com as tendências e a vontade; trata da harmonia entre as diversaspartes da alma, e como os sentimentos podem ser grandes companheiros do homem. Os sentimentos podem ir a favor ou contra as determinações da inteligência e davontade, que devem ser as reitoras da conduta. A aparição ou desaparição dossentimentos não é atitude voluntária: enamoramo-nos sem que tenhamos dado ordem aocoração para isso. Devemos, sim, administrar esse sentimento, renunciando-o: a dor deuma frustração profissional não é voluntária, sendo necessário saber administrá-la paraque não domine a pessoa. No campo familiar é preciso saber administrar os sentimentospara que não se atribua a eles a importância que não possuem, pois não são superioresaos compromissos assumidos ou a valores de grandeza maior que estão em jogo. Porexemplo, se alguém comprometeu seu coração com outra pessoa, estabeleceu umprojeto de vida comum e para sempre, gerando dessa decisão outras responsabilidades,como filhos, terá que administrar seus sentimentos, renunciando, ao sentir que seucoração se inclina pela secretária, vinte anos mais jovem do que a esposa. Então, deverádizer para si: -Já tenho o coração comprometido; não quero estragar minha vida e adaqueles que dependem de mim. É evidente que nada disso seria lógico se se tratasse dealguém sem tais compromissos que procura um amor. O valor universal –fazer o bem eevitar o mal, bastante claro no exemplo oferecido- se impõe sobre as paixões, quenecessitam da orientação racional para nos diferenciar essencialmente dos animais. Descobrir as características pessoais viciosas mais salientes e corrigi-las evitarámuitos problemas: impaciência, timidez, emotividade, desconfiança, hipersensibilidade,inconstância, excessiva condescendência, passividade, entre outros defeitos, fazemsurgir conflitos de todo tipo. Pelo canal do temperamento podem escorrer reações de iras, incertezas,preguiças, afobações. Cada parte envolvida em conflito deve examinar seus sentimentospara corrigi-los. Conhecer os pontos fracos pelo exame da própria conduta leva àreforma do temperamento e do caráter. O desejo de possuir, a cupidez, pode levar umapessoa a sentir tristeza diante do bem alheio, e criar conflitos familiares onde nãodeveriam existir, por exemplo, endividando-se ao comprar um carro importado porqueseu vizinho tem um estacionado na garagem do prédio. Tomás de Aquino diz que aavareza é um vício que se apresenta disfarçado de inquietação permanente quanto ao Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
futuro, mas por traz dela está a dureza de coração, a injustiça, a fraude, a traição. Quemnão lutar contra essas desordens causa dano a si próprio e aos demais. A variedade de sentimentos produz variedade de caracteres, e parte importanteda personalidade de cada pessoa depende dos sentimentos que desenvolve. Quando háexcesso de sentimentos, a pessoa se torna sentimental; quando há carência ou ausênciadele, torna-se cerebral, apática. Evitar essas dissonâncias é medida de prudência paranão sucumbir em frustrações e perda de objetividade frente à realidade: -o apaixonado põe paixão e intensidade nas coisas, ainda que às vezes nãomereça tanta valor; -o sentimental tende a ser flutuante, cambiante, porque se deixa levar pelossentimentos, que são instáveis; -o cerebral é inexequível à linguagem do coração, e pode aparentardesumanidade; -o sereno é tardo em manifestar os sentimentos. Sendo mais reflexivo, tende aser mais coerente e menos volúvel; -o apático carece de paixões e sente pouco porque conhece pouco; evitatendências ou metas. Ao mediando – e também ao mediador – é decisiva a observação daproporcionalidade entre os sentimentos manifestados e a realidade que os causou. Afalta de percepção entre os limites próprios e os da outra parte gera decepção, quepoderia ser menor se houvesse compreensão dos limites do outro, ao não esperar delemais do que poderia dar. Uma estimação correta da realidade leva cada um a rir umpouco de si mesmo e da capacidade dos demais. Se não há domínio da afetividade, como já foi afirmado, se pode amar realidadesque não merecem tanto sentimento, ou não amar realidades que mereceriam maissentimentos. Quantos conflitos familiares e de vizinhança ocorrem porque se atribui acoisas e animais valorações desproporcionadas? Yepes e Aranguren (2007, p. 67), elaboram algumas regras para melhoravaliação dos sentimentos: 1) Nem todas as realidades merecem o elevado sentimento que temos por elas(amor, temor, respeito); Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
2) Muitas realidades merecem melhores sentimentos do que aqueles que temospor elas: cuidado ao subordinar os julgamentos às primeiras impressões; Em consequência, as valorizações sentimentais – facilmente flutuantes – nãopodem dominar e ser guia da vida, mas devem ser corrigidas e retificadas para nãosubordinar a própria vontade a algo efêmero. Nossos sentidos ao gostar ou desgostar não estão preocupação com outrasconsequências: digamos que são exclusivistas e egoístas ao buscar apenas a suasatisfação, sem levar em conta o conjunto do corpo, motivo pelo qual a razão deveinterferir e corrigir. Tendo fome, um leão não terá dúvida em caçar a última espécie deantílope que corre pela savana, pois sendo irracional, apenas deseja satisfazer seuestômago. Porém, um homem que está caçando, ao observar que se trata de espécie deantílope em extinção, não o matará. Por ser inteligente, o homem pode mudar a ordemdada pelo seu instinto de caçador. Ter a satisfação dos sentimentos ou a do gosto dos sentidos como critério deconduta conduz a atitudes por vezes irreparáveis. O paladar descontrolado leva umapessoa à ingestão de alimentos que debilitam sua saúde: doce para o diabético; álcoolpara o alcoólatra. A curiosidade não criticada desordena o instinto sexual – por exemplo,a visita a sites pornográficos -, causando vícios que debilitam a conduta moral e afetama vida familiar e profissional. O preguiçoso ao deixar-se levar pela tristeza diante dotrabalho a ser realizado reduzirá a cinzas os possíveis ideais nobres de sua vida. A melhor maneira de se conseguir harmonia entre sentimentos e razão éencarregar esta última do mando da conduta. A inteligência é a faculdade superior queage conscientemente em direção a um fim, e deve dar finalidade maior aos sentimentos,submetendo-os a um juízo. Se a inteligência não tem o mando das ações, as tendênciassentimentais exacerbam-se e produzem desequilíbrios. 6.2 Os sentimentos e as narrativas conflitivas Para solucionar o conflito é condição prévia que cada parte deixe de lado osestados sentimentais e esteja disposta a compartilhar um espaço respeitoso de escuta. O“liberar-se de mecanismos de defesa inoperantes”, que fala Munuera, pode serentendido como livrar-se ou desprender-se de sentimentos desordenados que acabamamplificando o problema material a ser resolvido, introduzindo nele aspectos afetivosque atuam como espelhos convexos que aumentam e distorcem a realidade do Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
problema, fazendo que os sentimentos – irracionais em sua origem-, sejam os reitores daconduta, e não a inteligência. Como foi afirmado, a causalidade de um problema pode não ser linear - início,meio e fim da cadeia -, mas circular, onde não há começo e fim. A linearidade muitasvezes é interrompida pelos sentimentos, que podem alterar o rumo dos interesses e deapreciação dos fatos. A rica sensibilidade humana faz que a reação de cada pessoa diante de ummesmo acontecimento seja imprevisível porque não somos fabricados em série. Osnossos dados sensoriais, ligados à nossa sensibilidade, ao receber as informaçõesexternas da realidade podem alterar sua gênese, caso não estejam sob o controle dainteligência. Em sua criativa história “O monge e o executivo”, James C. Hunter (2004, p.116), afirma que Freud “plantou as sementes do determinismo que tem dado à nossasociedade todas as desculpas para os maus comportamentos, evitando assim assumir aresponsabilidade adequada por seus atos”. O determinismo afirma que cada evento temuma causa, principalmente no campo físico. Freud aplicou esse princípio à vontadehumana ao afirmar que os homens não fazem escolhas e que o livre-arbítrio é umailusão (HUNTER, 2004, p. 116). Dizia isso porque acreditava em forças inconscientesque predeterminavam o comportamento. Essa teoria pôs fim ao livre-arbítrio, e criou a“cultura da desculpa” pelo mau comportamento: age-se mal não por culpa própria, masmotivado pelo comportamento de outros ou influenciados por situações adversas.Podemos afirmar que a mediação circular-narrativa não aceita a teoria determinista aoprocurar que cada envolvido faça o esforço para descobrir a parte de culpa que lhe cabeno conflito. No mundo dos sentimentos não é fácil encontrar com clareza a causa e o efeito.G. Bateson, citado por Pilar Munuera, “demonstro que todo conocimiento de losacontecimentos externos proviene de las relaciones que existen entre ellos, se reconeceen el hecho de que, para adquirir uma percepción más exacta, um ser humano recurrirásiempre a los cambio en la relación entre él y el objeto externo” (MUNUERA GÓMEZ,2007, p.87). Nuestros datos sensoriales iniciales son siempre derivados primários, afirmaciones sobre las diferencias existentes entre los objetos externos o afirmaciones sobre los câmbios que se producen en ellos o en nuestras relaciones com ellos... Lo que se percibe es la difencia y el cambio, y a su vez Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
la diferencia es uma relación, [digamos, pessoal]” (MUNUERA GÓMEZ, 2007, p. 87). Nossos dados sensoriais iniciais sofrem mudanças, e com isso a nossa relaçãocom esses dados. A circularidade é o reconhecimento ou a convicção de se poder obteruma autentica informação; é o reconhecimento da informação extraída dessa relação. As situações se complicam aumentando as peças do quebra-cabeça quando, semo perceber, as pessoas são levadas pela imaginação incontrolada - considerada porTereza de Ávila como a “louca da casa”- a dramatizar seu relato. Uma das qualidades domediador circular-narrativo é ter a sensibilidade de perceber até que ponto asubjetividade se sobrepôs à realidade. Há um texto de autor anônimo que revela de modo plástico como a subjetividadealterada pode criar situações falsamente dramatizadas: Cuidado com os pensamentos: estes se transformam em palavras; cuidado com as palavras: estas se transformam em ações; cuidado com as ações: estas se transformam em hábitos; cuidado com os atos: estes moldam o caráter; cuidado com o caráter: este controla o destino. (MUNERA GOMEZ, p.88) O mediador circular-narrativo deve dirigir sua atuação para a construção denovas narrativas que desestabilizam as histórias que não deixam crescer ou revelar oprotagonismo de cada parte envolvida no conflito. O sentir, pensar e querer sãocaracterísticas que conduzem o ser humano à ação, e podem construir histórias sem basereal devido a força que possuem sobre os sentimentos. Os sentimentos produzemvalorações imediatas e espontâneas das pessoas, e predispõem à conduta. Dessasvalorações precipitadas podem surgir muitas incompatibilidades ou conflitosexatamente por não se entender ou reconhecer a verdadeira intenção do outro: antipatiassurgem sem que as queiramos, mas sendo seres racionais não podemos alimentá-las, esim lutar contra elas. Isso significa que, mais do que nos distanciarmos da pessoa quenos parece antipática, devemos lutar contra esse sentimento nos esforçando para crescerna amizade, compartilhando mais momentos com essa pessoa para conhecê-la melhor. As ações humanas devem ser pensadas, que é atitude racional Atuar sem pensaré reagir! Comporta-se irracionalmente quem se deixar guiar pelos sentimentos eimpulsos e não pela razão e vontade, que devem sempre orientar a conduta humana:quem reage não age! Uma pessoa de temperamento sensível poderá sentir forte humilhação porque ochefe não a cumprimentou quando chegou à empresa. Ao permitir que sua imaginação Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
produza sentimentos contrários à boa fé, mostra-se incapaz de se colocar na situação dooutro para pensar que o mesmo poderá ter passado uma noite horrível ao levar o filhopara o hospital, ou ter tido outras contrariedades.7 Análise objetiva dos conflitos Como já foi mencionado, um conflito constrói-se inicialmente pela percepçãoque uma pessoa tem de que suas necessidades não foram contempladas pela outra parte.Tal fato origina um sentimento de frustração que pode levar ao enfrentamento. Essesentimento de frustração nunca vem só, e pode ser alimentado por recordações trazidaspela memória e por situações criadas pela imaginação, gerando tristeza, raiva ou medo,podendo chegar até ao ódio e ao rompimento das relações. A hipertrofia dos própriossentimentos se torna obstáculo para medir a parcela de culpa própria no conflito. Amáxima ou ditado “ninguém é moeda de ouro que a todos agrade”, normalmente éesquecida pelos conflitantes. Por isso, é prudente que cada um examine as dores quepode ter causado à outra parte. O mediador procurará que cada envolvido em conflito ao invés de desejar mudarseu oponente, procure entendê-lo. O distanciamento de si mesmo para examinar comobjetividade as intenções próprias e compreender a verdade contida nas afirmações dooutro é ato pacificador e construtivo para solucionar o conflito.8 A atenção às histórias na mediação circular-narrativa A mediação circular-narrativa está muito atenta à construção de histórias quecontém argumentos organizados em sequências temporais e lógicas, que se tornam porvezes simples descrições ou interpretações de fatos onde os personagens cumprem seusscripts, sendo estes a razão de determinados comportamentos. Afirma Munuera (2007,p. 87) que quanto mais estáveis são as histórias, mais difícil será a desconstrução delas.Narrativas que contém argumentos organizados em sequências temporais ou lógicasfuncionam como simples descrições de fatos ou comportamentos, e consolidam oroteiro que cada pessoa desempenha nela. Essas histórias são mais ou menos estáveis, equanto mais estáveis, mais encarceradas nelas se encontra a pessoa, prejudicando asolução da disputa. O mediador circular-narrativo dirige a sua atuação para a construção de novasnarrativas que desestabilizam aquelas que não deixam crescer a pessoa; prefere históriaslibertadas dos falsos contextos que obscurecem o protagonismo de cada parte. O Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
primeiro contato com a mediação deve ser um processo onde cada parte aprende a atuarsobre o seu problema de modo seguro e livre de subjetividades que possam atá-lo, a fimde sentir um apoio até o momento desconhecido para lidar com o conflito. Coob, diz Munuera (2007, p. 88) valoriza a narrativa de cada parte construídasob três critérios: 1) Coerência narrativa: é a unidade apresentada das relações estabelecidas entreas partes, onde cada uma elabora um coerente relato tal como se monta um quebra-cabeça onde todas as peças se encaixam para dar a imagem final de infelicidade ou deculpabilidade do outro; 2) Fechamento narrativo formado pois dois fatores: plenitude da narrativa eressonância cultural. A pessoa que construiu durante anos uma narrativa onde seu papelno conflito foi não de autor, mas de vítima, construirá nova historia de protagonismodependendo do fechamento realizado. Quanto mais elementos ou peças há para encaixarno quebra-cabeça, mais difícil será construir a nova história. Por isso, a intervenção domediador terá em conta a organização vertical e horizontal da narrativa para conseguirsua ruptura ou desestabilização. 3) Interdependência narrativa, que funcionará como teoria da responsabilidade.O casal em processo de divórcio costuma responsabilizar a outra parte comoresponsável pela ruptura da união. Cada parte construirá um script onde seu papel será ode vítima, tendo a outra parte como agressora. A interdependência vem carregada demútua culpa, deslegitimando a ambos os envolvidos. O mediador ajudará a perceber arealidade diferente da história de cada parte, que diante dos novos fatos ficarão maislivres para trabalhar na solução do conflito. Para entender o conflito, o mediador-narrativo deve analisar diferentes aspectos:motivos ou interesses, com as divergências de posicionamentos; percepção sobre o queestá vivendo cada parte, que compreende a mesma realidade de forma diferente;comunicação; informação veraz, clara, direta; deve examinar os ciclos do conflito comas necessidades que não estão sendo contempladas; as condições prévias que serãonecessárias deixar de lado para a solução do conflito (MUNUERA GÓMEZ, 2007, p.96).9 O reconhecimento da culpa Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
Os conflitos interpessoais decorrem de percepções, valores e sentimentosdiferentes. Cabe a cada parte distanciar-se de si mesma para examinar com maisobjetividade as intenções próprias e discorrer sobre o que diz a outra parte, e qual averdade que há nas afirmações dela. Essa capacidade de desenvolver uma comunicação sem polêmicas tem caráterconstrutivo, edifica e plenifica as partes envolvidas no conflito, sendo sinal dematuridade humana que se manifesta, sobretudo, em certa estabilidade de ânimo e nacapacidade de ponderar com objetividade sobre a atuação própria e a dos demais. A maturidade humana se apoia no desenvolvimento afetivo e na capacidade dejuízo que considera a si mesmo e aos demais com realismo e objetividade, admitindo aslimitações próprias e a dos outros. Uma pessoa madura não é rígida, sabe compreender e resolver seus problemascedendo ou concedendo, mas também exigindo. O imaturo, ou quem se deixa guiarpelos sentimentos, pode viver em conflito consigo próprio e com os demais porque nãoconsegue plenitude humana, e pode enganar-se a si mesmo ao tender ao personalismo.Por vezes chega até a se utilizar da astúcia e artimanha para que as situações seconfigurem como deseja, tornando-se teimoso e petulante ao não querer escutar osdemais. Muitos conflitos são criados pela falta de conhecimento próprio, que podeconduzir à atitude de projetar nos demais os defeitos pessoais, conduzindo a situaçõesde injustiças. Cabe a cada um descobrir o seu defeito dominante, criado por atos voluntáriosdefeituosos – ou vícios – que vão deixando marcas e predispondo a conduta para arepetição deles. Para evitar isso se torna necessária uma educação baseada em virtudes,que não trataremos neste artigo. Ninguém deve encarar com desânimo seus própriosdefeitos, pois faz parte do crescimento pessoal a reforma de si próprio, a luta para irmelhorando, já que não nascemos prontos ou acabados. A luta por criar hábitos bons ou virtudes amadurece e dá retidão moral. O carátervai se moldando pela influencia da educação, pelo estudo, trabalho e pela luta pessoalpor melhorar. Defeitos de caráter são mais difíceis de perceber porque são menos físicose mais espirituais. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
Diferente do caráter, o temperamento é o jeito de ser de uma pessoa, herdadogeneticamente. Portanto, o temperamento tem base orgânica, sendo a parte irracional daconduta: apático, eufórico, tímido, etc. Mas não é inexorável ter esse ou aqueletemperamento. Por ser inteligente, o homem consegue lapidar o seu temperamento,retirando dele o que é nocivo pela aquisição de novos hábitos. O mediador circular-narrativo pode estimular a reflexão dos mediandos noentorno das quatro virtudes centrais que, se vividas por cada um, o número de conflitosdespencaria: 1) Prudência é a reta razão de agir. É a virtude da inteligência, do pedir conselho; é a que faz ver os prós e os contras antes de uma tomada de decisão. É virtude que faz diminuir o rol de conflitos ao colocar em consideração as dificuldades da outra parte. A prudência leva o mediando a refletir sobre seu modo de agir, ajudando-o a entender se reagiu ou agiu, se se deixou levar pelos sentimentos ou pela razão; 2) Justiça inclina ao bom relacionamento com as pessoas, evitando que sejam exploradas ou que expropriadas pelo egoísmo, inveja ou cupidez. Virtudes anexas à justiça: fidelidade, obediência, gratidão, respeito, lealdade. Quantos conflitos surgem dos vícios contrários a essa virtude. Também aqui o mediador poderá fazer com que o mediando pondere sobre suas pretensões ou intenções, sobre o que seria mais justo em tal ou qual situação; 3) Fortaleza faz perseverar no cumprimento do que é entendido como dever a cumprir. O forte resiste, chora, mas bebe as lágrimas. Virtudes anexas à fortaleza: magnanimidade, perseverança, paciência. Trata-se de virtude que vence o comodismo, a preguiça ou a covardia de ir procurar a outra parte para conversar. O tempo não é remédio para resolver conflitos, mas sim a atitude positiva de conversar. É salutar que o mediador faça cada parte perceber que o protelamento do diálogo fez o conflito ganhar proporções indesejadas; 4) A temperança modera as paixões, faz a inteligência imperar sobre os sentidos. O temperado modera suas alegrias e tristezas, suas aversões e desejos; regula seu gosto pelo prazer reclamado pelos sentidos. Com isso, evita conflitos porque as pessoas nem sempre estão dispostas a aceitar as Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
imoderações dos destemperados. Se o intemperado não for humilde, achará que é um incompreendido e passará a ver os outros como adversários. A temperança controla os sentimentos, não deixando que estes afoguem a razão e aumentem o problema, desfigurando-o.10 Conclusão São muitos os obstáculos ao conhecimento próprio. O mediador necessita desensibilidade para levar cada parte a reconhecer a o que lhe cabe na origem do conflito. O individualismo do tempo presente encerra as pessoas nos próprios interesses,no círculo do eu, sem sensibilidade para as necessidades do outro. O serviço ao próximoestá longe dos interesses da maioria das pessoas, que não se coloca a questão de gastartempo em obras sociais ou trabalhos que profissionalize ou ofereça afeto àqueles quedeles carecem. O número de conflitos tende a aumentar pela falta de conhecimento própriomotivado pelo ativismo ou mal do homem moderno. O pensamento contemporâneocedeu lugar a um pluralismo indefinido, fundado no pressuposto de que qualqueropinião é válida e tem estofo de verdade. Se um homem se nega a descobrir que existemverdades sobre si mesmo, sobre as demais pessoas e sobre as realidades que o cercam -família, trabalho, sociedade, laser, amizades-, tornar-se-á egoísta e criará muitosdesentendimentos. É fácil compreender que existem verdades no campo das ciências exatas, e todossão unânimes em aceitá-las, pois sua existência não depende da liberdade ou opinião.Porém, existem para o homem princípios que devem nortear sua vida em relação aosdemais, e que não dependem de opinião, mas devem ser aceitos livremente para quealicercem as relações humanas: fazer o bem e evitar o mal, por exemplo, não é umprincípio ou lei de comportamento opinável. Mas para fazer o bem é necessárioabandonar o círculo do eu e voltar-se às necessidades dos outros. Jacques Philippe em seu livro “La libertad interior” (2002), diz que uma dasnecessidades mais profundas do homem é a de identidade: temos necessidade de saberquem somos, de existir diante dos próprios olhos. Porém, num plano mais superficial,essa necessidade de ser, de identidade, tenta ser suprida pela necessidade de ter oupossuir bens materiais, de ostentar um estilo de vida, de identificar-se com a riqueza, Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
aparência física, dotes ou aptidões. Estabelece-se a terrível confusão de tentar suprir anecessidade de ser algo pela de ter algo. Qualquer diminuição que outros causem a essasqualidades transforma-se em conflito. Quem se apega aos seus talentos pessoais ou se identifica com o conjunto deles,certamente entrará em conflito –ao menos consigo próprio- se vier a perdê-los peladoença, velhice ou acidente. Outra vez se confunde o ter com o ser. Não se pode identificar as pessoas pela soma de suas aptidões. É bom que nossintamos capazes de fazer isso ou aquilo para melhor servir aos demais, mas a dignidadedo ser humano não está em possuir isto ou aquilo, mas em ser uma pessoa. Cada pessoaindividualmente considerada é um ser complexo, rico em dignidade e original. Ofundamento mais profundo da dignidade humana reside em que o homem é imagem deDeus e está ordenado a Ele. O homem capta o sentido de sua dignidade à medida quedescobre o que é verdadeiramente ser livre. Só a compreensão da verdadeira dignidadedo homem pelo homem tornará possível a criação de uma sociedade solidária e menosconflituosa, porque os interesses pessoais não impedirão de dedicar-se às necessidadesdos demais, de buscar o estabelecimento da justiça e da paz de buscar não apenas oprogresso pessoal, mas o de toda a sociedade.REFERÊNCIASARISTÓTELES, Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2012.CASTILLO, Gerardo, La realización personal em el ámbito familiar”. Pamplona,EUNSA, 2009.CINTRA, Luiz Fernando. O sentimentalismo. São Paulo: Quadrante, 2004..MUNUERA GÓMEZ, Pilar Munuera. El modelo circular narrativo de Sara Cobb ysus técnicas. Disponível em:http://eprints.ucm.es/5678/1/_Modelo_circular_narra_P_Munuera.pdf Portuãria Vol.VII, n. 1-2. 2007, ´85-106[, ISSN 1578-0236. © Universidade de Huelva.HUNTER, James C., O monge e o executivo. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.PHILIPPE, Jacques. La libertad interior. Madrid: Patmos, 2002.VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas.2. ed. São Paulo: M~etodo, 2012. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
YEPES, Ricardo Stork; ECHEVARRÍA, Javier Aranguen, Fundamentos deantropologia – Um ideal de excelência humana”, tradução do Instituto RaimundoLúlio, São Paulo, 2005. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE E A IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO AMBIENTALBRIEF OBSERVATIONS ON CIVIL LIABILITY FOR DAMAGE CAUSED TO THE ENVIRONMENT AND THE IMPORTANCE OF THE PRINCIPLE OF ENVIRONMENTAL PREVENTION Fernanda de Castro Cunha1 RESUMOO presente artigo intitulado: “Breves considerações sobre a Responsabilidade Civil porDanos causados ao Meio Ambiente e a importância do princípio da Prevençãoambiental” tem por finalidade primeira demonstrar a eficiência dos meios de prevençãodos danos ambientais, promovendo conscientização ambientalista na qual o homempossa utilizar mecanismos que compatibilizem o desenvolvimento socioeconômico emharmonia com a preservação ao meio ambiente. Geralmente, essa intervenção dohomem no meio ambiente por meio de suas atividades acarreta impactos ou danosambientais, colocando em risco a sobrevivência da sua própria espécie. Para tanto, opresente trabalho aborda a responsabilidade civil ambiental do Poder Público e dasociedade pelas degradações que sobrevierem de ações destinadas ao crescimentoeconômico, delimitando as possíveis formas de reparação cível, por vezes insuficientesou ineficazes ante a irreversibilidade dos seus efeitos nocivos. Dessa forma, demonstra-se a importância de delinear mecanismos e ações preventivas, no intuito de minimizar asconseqüências dos prejuízos ambientais que vêm abalando as condições de vida dohomem e do nosso planeta.Palavras-chave: Meio Ambiente. Danos Ambientais. Responsabilidade CivilAmbiental. Princípio da Prevenção do Dano Ambiental.1 . Bacharel em direito pela Unifor, especialista em direito processual pela faculdade Sete de Setembro.Professora do curso técnico em serviços jurídicos da faculdade e cursos técnicos Apoena. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
ABSTRACTThis article entitled \"Brief observations on Civil Liability for Damage caused to theenvironment and the importance of the principle of environmental prevention\" has theprimary purpose to demonstrate the effectiveness of prevention of environmentaldamage means, promoting environmental awareness in which man can use mechanismsthat reconcile economic and social development in harmony with the preservation of theenvironment. Generally, the intervention of man on the environment through itsactivities causes impacts or environmental damage, endangering the survival of theirown kind. To this end, this paper addresses the environmental liability of thegovernment and society by degradations that come upon actions aimed at economicgrowth, delimiting the possible forms of civil repair, sometimes insufficient orineffective at the irreversibility of its harmful effects. Thus demonstrates the importanceof delineating mechanisms and preventive actions in order to minimize theconsequences of environmental damages that have shaken the living conditions of manand our planet.Keywords: Environment. Environmental damage. Environmental Liability. Principle ofthe Environmental Damage Prevention.1. Introdução Ao longo dos tempos, o nosso planeta vem sofrendo graves crises ambientaisdecorrentes da Revolução Industrial que, apesar do crescimento econômico e doprogresso tecnológico, gerou devastadores danos ambientais de difícil reparação,juntamente com a exploração desregrada dos recursos naturais, atingindo as geraçõesatuais e futuras, cujo desafio será proteger o patrimônio ambiental para que a naçãopossa usufruir o direito de viver num ambiente ecologicamente equilibrado, previsto naCarta Magna atual. O homem, no momento em que se apodera indistintamente da natureza,utilizando-a para satisfazer seus interesses individuais, colocando-se como centro, natentativa de justificar a satisfação de suas necessidades, mesmo que estas signifiquemdegradações ao ambiente, tem caracterizadas as suas atitudes como antiéticas; elecontinua a ser fiel parasita do meio ambiente, e assim buscou-se castigá-lo legalmentepelas suas atitudes antropocêntricas, conferindo encargos para seus egoísmos. A sociedade industrial, surgida no século XIX, estruturou-se na ideologia doliberalismo, tendo como princípio a livre concorrência, cujos padrões de produção e Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
consumo geraram aumento de poluição pelas fábricas e veículos automotores,consumismo desregrado, uso irracional de recursos naturais, acúmulo de lixo nãodegradável. O progresso econômico do século XX teve como marco o usoindiscriminado dos recursos naturais, antes considerados inesgotáveis. Inúmerasmanifestações surgiram sobre a escassez desses recursos, o que levaram à percepção dafinitude deles. Atualmente, a visão é outra. O ser humano, ao cometer tanta atitude irracional,provocando degradações da qualidade ambiental, tornou o meio ambiente fonteesgotável de matéria-prima, com recursos naturais limitados, dependendo a suapermanência do uso racional desses recursos. Com o crescente desenvolvimento desordenado das atividades industriais e oprogressivo adensamento das populações, surgiram abusos decorrentes de atividadeslesivas e danosas ao meio ambiente, desastres ecológicos, ocasionando graves danosambientais, que são lesões causadas aos elementos naturais e patrimoniais do meioambiente, podendo ter causas acidentais ou estruturais, tendo como elementos osseguintes: suas conseqüências são, geralmente, irreversíveis; a acumulação de danospode ter conseqüências catastróficas; os seus efeitos podem se manifestar no todo; trata-se de danos coletivos, difusos; têm efeitos direto e indireto. Os resultados desses desgastes são de responsabilidade do próprio ser humano,agindo sozinho, com reflexos no todo, ou por meio de atividades sob o seu patrocínio. Quando há a ocorrência desses danos ambientais em razão de uma atividadedesenvolvida, o poluidor será responsável pela sua reparação, pois quem exerce umatarefa deve assumir os seus riscos. A legislação constitucional e infraconstitucionalimpõe àquele que, por ação ou omissão, lesar direito de outrem, fica-lhe obrigado areparar o dano. Então, os constantes desastres ecológicos vêm despertando uma consciênciaambientalista por todo o mundo, passando-se a exigir, tanto do Estado, como doparticular, uma atuação eficaz no sentido de fazer com que as suas ações sejamdesenvolvidas de maneira racional, para evitar que causem lesões irreversíveis ao meioambiente e prejudiquem a si mesmos. Considerando a importância dos bens tutelados, o direito ambiental adota aresponsabilidade civil objetiva, onde não há a necessidade da demonstração do trinômio Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
dano, culpa e nexo de causalidade, mas sim, assenta no binômio dano e autoria doevento danoso. A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6938/81), anterior àConstituição Federal de 1988, já previa a responsabilidade objetiva do poluidor no seuart. 14, § 1º. A Carta Magna recepcionou tal norma infraconstitucional, fundamentadono seu art. 225, § 3º. Diante dessas notas introdutórias, buscar-se-á desenvolver um trabalho científicocom enfoque nos seguintes questionamentos: 1 Quais as consequências, para o meio ambiente em geral, dos danos causadospelo poluidor? 2 Quais as possíveis formas de reparação cível por danos ao meio ambiente? 3 De que forma o Poder Público e a sociedade civil vêm sendo responsabilizadospor seus atos e omissões quanto aos danos causados ao meio ambiente? 4 Qual a importância do princípio da prevenção para o meio ambiente?2. O meio ambiente e a responsabilidade civil objetiva por danos ambientais O meio ambiente, definido no art. 3º, inciso I, da Lei n. 6.938/81 (Lei da PolíticaNacional do Meio Ambiente), constitui-se no conjunto de elementos naturais, artificiaise culturais, indispensáveis à sobrevivência da espécie humana, que favorecem odesenvolvimento pleno da vida em todas as suas formas. Acontece que, os progressosda humanidade, em especial nos séculos XIX e XX, acarretaram-lhe inúmerasproblemáticas devido, principalmente, a ação predatória e inconsequente do homem,comprometendo o equilíbrio ecológico, decorrentes de danos ambientais, quase sempreirreversíveis. Quando há a ocorrência desses danos ambientais em razão de uma atividadedesenvolvida, o poluidor será responsável pela sua reparação, pois quem exerce umatarefa, deve assumir os seus riscos. A legislação constitucional e infraconstitucionalimpõe àquele que, por ação ou omissão, lesar direito de outrem, fica-lhe obrigado areparar o dano. Então, os constantes desastres ecológicos vêm despertando umaconsciência ambientalista por todo o mundo, passando-se a exigir, tanto do Estado, Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
como do particular, uma atuação eficaz no sentido de fazer com que as suas ações sejamdesenvolvidas de maneira racional, para evitar que causem lesões ambientaiscatastróficas, além de prejudicarem a si próprios. Sendo assim, o direito ambiental adotaa responsabilidade civil objetiva, onde não há a necessidade da demonstração dotrinômio dano, culpa e nexo de causalidade, mas sim, assenta no binômio dano e autoriado evento danoso. Paulo de Bessa Antunes (2007, p. 199), faz o seguinte comentáriosobre o assunto em questão: O Direito e ordem jurídica por ele estabelecida existem para serem observados e cumpridos. No caso do Direito Ambiental, a sua existência somente se justifica se ele for capaz de estabelecer mecanismos aptos a intervir no mundo econômico de forma a fazer com que ele não produza danos ambientais além daqueles julgados socialmente suportáveis. Quando tais limites são ultrapassados, necessário se faz que os responsáveis pela ultrapassagem sejam responsabilizados e arquem com os custos decorrentes de suas condutas ativas ou omissivas. Tal sistema de imposição de custos, sejam eles financeiros, morais ou políticos é o que se chama de responsabilidade. O sistema de responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente foiintroduzido pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) eposteriormente recepcionada pela Constituição Federal de 1988. A Lei 6.938/81 (Lei daPolítica Nacional do Meio Ambiente) estabeleceu a possibilidade de responsabilização,na esfera civil, de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, em seu art. 14, § 1º,in verbis: § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. Esta norma foi posteriormente reforçada pelo disposto no art. 225, § 3º, da CartaMagna: § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Nesse caso, observa-se que o poluidor, seja pessoa física ou jurídica, ao lesionar omeio ambiente, não ficará impune, sendo responsabilizado pelos danos ambientais que,direta ou indiretamente causar, independentemente da existência de culpa, isso porquefoi consagrada no âmbito do Direito Ambiental, a responsabilidade objetiva do Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
degradador, fundada no simples risco ou no simples fato da atividade devastadora,independentemente da culpa do agente causador do dano. Para a responsabilização do poluidor do meio ambiente, basta ademonstração do evento danoso e do nexo de causalidade; o primeiro elemento resultade atividades que, direta ou indiretamente, causem a degradação do meio ambiente; osegundo, é a relação de causa e efeito entre as atividades e o dano dela advindo. A teoriada responsabilidade objetiva ambiental se funda no risco, a teor da qual não se perquirea licitude da atividade, já que tão somente a lesividade é suficiente a provocar a tutelajurisdicional. Paulo Affonso Leme Machado (2007, p.347) faz o sseguinte comentário sobre aresponsabilidade objetiva ambiental: A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos “danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade” (art. 14, § 1º da Lei 6938/81). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico – jurídico da imputação civil objetiva ambiental. Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente. O principal objetivo da reparação do dano ambiental é o retorno da sua qualidadeao estado anterior ao dano, porém, como, muitas vezes, os danos ambientais sãoirreversíveis, sempre restam seqüelas dos desgastes, insuscetíveis de serem eliminadas.Porém, isso não significa que os danos ambientais não sejam reparáveis. O seuressarcimento pode ser feito de duas formas: a reparação natural, ou ressarcimento “innatura” (conhecido como reparação específica) e a indenização em dinheiro.Primeiramente, deve-se verificar a possibilidade do retorno ao status quo ante, e sódepois é que deve recair a condenação em pecúnia, pois esses tipos de dano são dedifícil valoração. Entretanto, ao se tratar de responsabilidade civil por danos ao meio ambiente,comprova-se a dificuldade de se identificar, com precisão, os autores dos danos, asvítimas, haja vista o caráter difuso do bem jurídico meio ambiente e, além disso, muitosdesses danos são oriundos de condutas lentas, imperceptíveis. Daí, diante da Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
complexidade do tema, vê-se que não se discute somente o enfoque patrimonialista aose pleitear uma indenização do dano ambiental, mas sim, reclama-se a disciplina dohomem e do meio ambiente, de molde a preservar a vida do planeta de maneira saudávele equilibrada. Diante da complexidade do tema, vê-se que não se discute somente o enfoquepatrimonialista ao se pleitear uma indenização do dano ambiental, mas sim, reclama-sea disciplina do homem e do meio ambiente, de molde a preservar a vida do planeta demaneira saudável e equilibrada. José Ricardo Alvarez Vianna (2004, p. 90) comentaesse foco: De se salientar, por oportuno, que o regramento e a releitura dos institutos que envolvem a responsabilidade civil não se limitam à adoção da responsabilidade objetiva, contentando-se com a dispensa da demonstração do elemento culpa para se lograr a indenização. Isso não basta. Conforme já alertado, o dano ambiental abarca em si um caráter multifacetário, podendo afetar não só o meio ambiente natural, mas também o meio ambiente construído, o meio ambiente do trabalho, além do meio ambiente cultural, todos clamando por proteção compatível com seus valores. Além disso, a ocorrência do dano ambiental, em muitas situações, traz consigo a marca indelével da irreversibilidade. A propósito, como substituir “a boa saúde na formação de um feto?” Ou ainda, como ressarcir, via indenização, práticas ambientais lesivas que conduziram à extinção de uma determinada espécie?2.1 A tutela processual civil ambiental como instrumento de eficácia aos danoscausados ao meio ambiente Diante da extrema importância dos bens ambientais tutelados, a ação civil públicaé a técnica processual que oferece mais segurança à tutela jurisdicional do meioambiente, embasada na Lei nº 7.347/1985, surgida com a necessidade de seregulamentar o artigo 14, parágrafo 1º, da Lei nº 6.938/1981 (Lei da Política Nacionaldo Meio Ambiente). Referida lei é um diploma processual recheado de técnicas efetivasem prol da tutela dos interesses difusos e coletivos, incluídos o meio ambiente,contendo princípios e instrumentos próprios voltados à tutela jurisdicional coletiva. Entende-se por interesses ou direitos difusos “os transindividuais, de naturezaindivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstânciasde fato”, conforme dispõe o art. 81, parágrafo único, inciso I, do Código de Defesa doConsumidor, fundando-se essencialmente o meio ambiente no interesse difuso, inverbis: Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. O caráter difuso do bem ambiental e a sua essencialidade à vida fazem com que aidentificação do conceito de legitimado ativo seja tomada em sentido ampliativo, e nãorestritivo. Assim, a parte na demanda ambiental é o condutor da ação, aquele que olegislador apontou como representante da coletividade. Já no pólo passivo da demandadeve ocupar, solidariamente, aqueles que, direta ou indiretamente, causarem odesequilíbrio ecológico, conforme dispõe o art. 3º, inciso IV, da Lei nº 6.938/1981, quefixou o nexo causal entre a degradação ambiental e o poluidor. O pedido é a tutela desejada, o provimento adequado, denominado de pedidoimediato, que tem natureza processual; já o bem da vida, ou seja, a solução ofertadapelo direito material requerida pelo jurisdicionado e que será imposta pelo PoderJudiciário é denominado de pedido mediato. A causa de pedir, como preceitua MarceloAbelha Rodrigues (2011, p. 112), “é o fato jurídico ou o fundamento do pedido, ou –sendo um pouco mais cartesiano – o encaixe do fato com o seu suporte fático: fatogerador com sua hipótese de incidência”. A competência das ações ambientais é descrita no art. 2º da Lei 7.347/1985(critério geográfico), fixada a competência funcional no caput do referido artigo e, noparágrafo único, a previsão de demandas conexas quando lhes for comum o objeto ou acausa de pedir. O rito processual da ação civil pública ambiental observará asprescrições do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária à Lei nº 7.347/85, nostermos do art. 19 da referida lei, ressaltando que a petição inicial seguirá as regras doprocedimento comum, observando tanto a liturgia do rito ordinário (art. 282), quanto dorito sumário (art. 275), do Código de Processo Civil. Em caso de desistência ou abandono da ação, o art. 5º, parágrafo 3º, da Lei7.347/85 estabelece que “em caso de desistência infundada ou abandono da ação porassociação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidadeativa”. Além do que foi explanado, importante destacarmos o compromisso deajustamento de conduta, que possui natureza jurídica de transação, e pode evitar a Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
propositura da ação civil pública ou pôr-lhe fim, quando a ação estiver em andamento,conforme prevê o art. 5º, parágrafo 6º, da Lei nº 7347/85. A transação judicial pode dar-se tanto no processo, como em procedimento avulso levado à homologação judicial,devendo observar todos os requisitos de validade exigidos para o ajuste extrajudicial.Em relação à prescrição, Édis Milaré (2007, p. 1047) pontua o seguinte: No primeiro caso, ou seja, de ação civil pública veiculadora de pretensão reparatória de dano ambiental coletivo, não conta nosso ordenamento com disciplina específica em matéria prescricional. Tudo conduz, portanto, à conclusão de que se inscreve no rol das ações imprescritíveis. De fato, o estabelecimento de um prazo para o ajuizamento de ação tendente à composição de lesão ambiental resulta por completo inadequado para o sistema de prescrição. Por não tratar-se de direito patrimonial ao se falar em tutela do meio ambiente(direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado), as pretensões da ação civilpública, nesse caso, se relacionam com a defesa de um direito fundamental,indisponível, portanto, inatingível pela prescrição. Pode-se perceber, do que foi exposto, que o regime jurídico da ação civil públicaaplica-se adequadamente à tutela jurisdicional do meio ambiente. A referida lei nãomuda significativamente os critérios de preservação ambiental, ela apenas tipificainfrações e crimes, define punições e multas, contribuindo para que sejam obedecidoscritérios hoje já existentes. Para tanto, faz-se necessário uma larga adoção da tutelapreventiva como regra no direito ambiental, partindo do princípio de que os recursosambientais são finitos e irreparáveis, bem como a questão ambiental é pressuposto paraa vida, e, portanto, exigindo-se novas condutas do ser humano para viver em harmoniacom o meio ambiente, mesmo que às custas de rigorosas sanções.3. O Princípio da Prevenção e a sua importância para o meio ambiente Há doutrinadores que utilizam o termo prevenção, outros, precaução. ParaSirvinskas (2008, p. 57), “prevenção é gênero da espécie precaução, ou seja, é o agirantecipadamente, é antecipar o fato”. Este princípio decorre do Princípio 15 da Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
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