52A TEORIA PSICANALÍTICA COMO UMA POSSIBILIDADE DEINOVAÇÃO PEDAGÓGICAque esteja devidamente habilitado e preparado o suficiente, e encontrar nesse profissional aforça necessária para conduzir sua vida, obtendo o reconhecimento das pessoas que estão asua volta. Esse sofrimento é retratado por Otto Fenichel (2000), ao relatar sobre ossintomas das neuroses traumáticas, que são, (a) bloqueio ou decréscimo de várias funções do ego; (b) ataques de emoções incontroláveis, particularmente de ansiedade e, muitas vezes, cólera; às vezes, até ataques convulsivos; (c) insônia ou transtornos severos do sono, com sonhos típicos nos quais se experimenta repetidamente o trauma; e também repetições mentais, durante o dia, da situação traumática, total ou parcialmente sob a forma de fantasias, pensamentos ou sentimentos; (d) complicações secundárias neuróticas (FENICHEL, 2000, p. 108). Mesmo com a inexistência de Lei específica que proíba a existência de cursos depsicanálise, não há impedimento ou limites para o exercício da profissão. Essa liberdadepossibilita a criação de cursos com as mais diversas regras no exercício dessa profissão,além da existência de cursos de mestrado e doutorado em teoria psicanalítica nãoregulamentados pelo Ministério da Educação (MEC), chamados de cursos livres, mas queno ato da conclusão, o candidato estudante recebe Diploma para o exercício da profissão. Não obstante a crença de que tais cursos contribuem para a valorização edisseminação do saber psicanalítico, é sabido que alguns deles não dispõem daqualidade mínima suficiente para a contribuição necessária à sociedade, principalmente noque tange a questão clínica. Desde a segunda metade do século XX, diversos autores convergem em dizer quea Psicanálise está vivendo um momento de crise a nível mundial. Esta afirmativa deve-seao fato de pensarem a teoria como se estivesse sendo esquecida pela sociedade. A fragmentação da teoria psicanalítica contribui significativamente para suabanalização, e é bem colocada por Elisabeth Roudinesco (2000) no livro Por que aPsicanálise?, ao escrever no capítulo intitulado O futuro da psicanálise, onde afirmaque: A reorganização do campo psicanalítico traduziu-se, entre 1996 e 1999, num processo duplo: multiplicação das cisões, de um lado, e federalismo, de outro. Assim, a Associação Mundial de Psicanálise (AMP), criada por Jacques-Alain Miller, implodiu e deu origem a uma diversidade de movimentos autônomos. As instituições centralizadoras passaram a ser muito menos dignas de crédito do Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.42-64
53A TEORIA PSICANALÍTICA COMO UMA POSSIBILIDADE DEINOVAÇÃO PEDAGÓGICA que as unidades pequenas, mais vivas, mais criativas e sempre prontas a se federar, para melhor trocar entre si a experiência clínica e os saberes (ROUDINESCO, 2000, p. 159-160). A tentativa, a nível mundial, de se cientificar a teoria psicanalítica foi marcada peloinsucesso de seus protagonistas. A busca da organização caiu por terra devido à ausênciade uma instituição com fortaleza suficiente para se manter ante as pressões das vaidadesimpostas pelos supostos detentores do saber, saber este que entra em contra ponto àprópria essência da teoria que diz que o psicanalista nada sabe, apenas se supõe saber. Justifica-se a natureza dos questionamentos aqui colocados, esta ideia de inovação,sem fazer, obviamente, desmerecer o sucesso ou a evolução dos campos de estudos játrilhados pelo ensino superior no Brasil, todavia, portanto, não obstantemente,devemos referendar alguns cursos de nível superior um tanto quanto específicos,singulares e incomuns, conforme segue: cursos de Acupuntura e Arbitragem,ambos pela Universidade Anhanguera de São Paulo - ; Graduação em Beleza, pelaUniversidade Luterana do Brasil – ULBRA; Curso de Graduação em ProduçãoJoalheira, pela Faculdade de Tecnologia do Instituto Europeu e Design – IED SP;Graduação em Visagismo e Estética Capilar, pela Universidade Anhembi Morumbi –UAM; Curso Superior em Produção de Plásticos, pela Faculdade de Tecnologia deSorocaba – FATEC SO; Graduação em Musicoterapia, pela Faculdade Paulista de Artes –FPA; Graduação em Futebol, pela Faculdade de Tecnologia Carlos Drummond deAndrade – CSET DRUMMOND; Curso de superior em Autor Roteirista Tom Jobim, pelaUniversidade Estácio de Sá – UNESA (Fonte: http://emec.mec.gov.br/). Diante doexposto, fica-nos o questionamento: a Teoria Psicanalítica não estaria em um patamar deconhecimento suficiente para contribuir mais significativamente no desenvolvimento dasociedade? Obviamente, que a riqueza cultural do futebol brasileiro, enquantodesenvolvimento das emoções de uma nação e de um povo tão sofrido, bem como a arte ea letra da música de Tom Jobim, que arrebatou e arrebata ainda nos dias de hoje paixõesavassaladoras nas pessoas que o conclamam, são fundamentais para o estudo aprofundadode tais conhecimentos, mas há que se ressaltar que a Psicanálise também contribuiu econtribui para o desenvolvimento intelectual da humanidade, transcendendo asfronteiras dos países, das raças e das culturas. O verdadeiro caráter científico pode ser encontrado na única instituição queRevista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.42-64
54A TEORIA PSICANALÍTICA COMO UMA POSSIBILIDADE DEINOVAÇÃO PEDAGÓGICAainda sobrevive desde a época da antiga Grécia: a universidade, como instituição deensino especializado, compreendendo um conjunto de faculdades para a qualificaçãocientífica e profissional, garantindo a conservação e o progresso dos diversos ramos doconhecimento, através do ensino e da pesquisa. Local onde se pode praticar ainterdisciplinaridade como um fator de mudança na atitude de entender o mundo, afavorecer a visão epistemológica, abrindo as portas para o verdadeiro conhecimentopela experiência pedagógica significativa, articulando os saberes num produto de relações.Pensamos ser a única alternativa para a psicanálise se manter viva. 4. A LINGUAGEM INCONSCIENTE: UM SABER ENIGMÁTICO Talvez o maior dos dificultadores para que a Psicanálise se torne uma ciência capazde ser ensinada na universidade de maneira mais acurada, se dá pelo seu objeto de estudo:o sujeito do Inconsciente. Apesar da comprovação de sua existência na teoria e na pratica, sobretudo no setanalítico, na relação analista e analisante, o homem resiste em dar voz a esse saber que nãose sabe da onde vem e nem para onde vai, que escapa à consciência e coloca o homem amercê de si mesmo, enquanto objeto do desejo inconsciente. A vaidade humana é tãovoraz que não admite a possibilidade de não estar sob controle de algo. Na história da humanidade o homem sempre buscou o saber. No início, naGrécia antiga, o homem colocou o saber nas mãos dos deuses, depois na mão de um únicodeus, pois quase todas as coisas eram consideradas enigmáticas. A partir da IdadeModerna, o pensamento teocêntrico, centrado na figura de Deus, dá lugar ao homemmoderno, iniciando sua caminhada para se colocar como centro de seus interesses edecisões, dando voz à objetividade e destacando a consciência como instância depossibilidades ilimitadas. À época, o conceito de conhecimento se aproxima do conceito desaber, e é bem colocado por Aranha e Martins (1993), que diz: O conhecimento é o pensamento que resulta da relação que se estabelece entre o sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido. A apropriação intelectual do objeto supõe que haja regularidade nos acontecimentos do mundo; caso contrário, a consciência cognoscente nunca poderia superar o caos (ARANHA e MARIA, 1993, p. 21).Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.42-64
55A TEORIA PSICANALÍTICA COMO UMA POSSIBILIDADE DEINOVAÇÃO PEDAGÓGICA O caos, citado pelas autoras, nos deixa clara a ideia de que é por meio daconsciência e da apropriação do objeto que o homem adquire o conhecimento, com oobjetivo de dominação do saber. Apreender o saber, nada mais seria do que poder ter acapacidade de se conscientizar das coisas, na parcialidade ou na sua totalidade. É nessemomento que o homem supervaloriza a consciência como o lócus central para se obter opoder e para se alcançar o saber, com vistas à solução dos males que assolam ahumanidade. Nesse contexto, a teoria psicanalítica torna-se uma via na contramão, pois a propostacolocada por Freud é de que a consciência, nada mais é, do que a ponta do iceberg, e que averdade está submersa. E, mais ainda, que o submerso jamais será entendido em suatotalidade, e a realidade humana está fadada ao caos. Segundo Leonardo Danziato(2000), no livro A Fortaleza da Psicanálise, onde discorre acerca da história domovimento psicanalítico, ao escrever sobre a prática discursiva da teoria, diz: Se o desejo é o que há de mais singular para o sujeito, cujo conhecimento não é possível, pois apenas o suportamos – como um suporte -, este desejo jamais alguém – nem mesmo Freud – poderia conhecer mais do que o próprio sujeito, já que ele é sempre de um âmbito inconsciente (DANZIATO, 2000, p. 22). Se não temos ou jamais teremos controle sobre o inconsciente, e se este se apropriada consciência como uma manifestação de sua energia catexial, em incessante movimento,regido por um princípio tal que, o homem, em sã consciência, não controla; e, mais ainda,se é o sujeito do inconsciente que nos rege, por um desejo alheio à consciência, então,cabe-nos questionar: como estudar um objeto que nos faz de objeto? Talvez seja esse questionamento que tornam os especialistas em educação tãoresistentes à aceitação da teoria psicanalítica como uma ciência de fato capaz de estarnos anais das universidades, como curso devidamente regulamentado e com pesquisadoresenvolvidos e comprometidos em estudar mais a fundo o inconsciente e os resultadosobtidos pelos casos clínicos nas infinidades de associações e sociedades existentes. Em 1924, Freud escreve um texto intitulado “As Resistências à Psicanálise”, onde,no auge de sua carreira, já imaginava que a transmissão de seu arcabouço teórico e da suaprática vivida enquanto médico neurologista e psicanalista encontraria muita resistência nasociedade, principalmente no meio acadêmico. Ele coloca os diversos motivos pelos quaisos estudiosos e o censo comum rejeita a psicanálise, onde um dos quais seria a resistênciaRevista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.42-64
56A TEORIA PSICANALÍTICA COMO UMA POSSIBILIDADE DEINOVAÇÃO PEDAGÓGICAque ocorre diante da descoberta de algo novo. Ele afirma: Em assuntos científicos não deveria haver lugar para recuar-se ante a novidade. A ciência, em sua perpétua falta de compleição e insuficiência, é impelida a esperar sua salvação em novas descobertas e novas maneiras de olhar as coisas. A fim de não ser enganada, ela procede bem em armar-se de ceticismo e não aceitar nada novo, a menos que tenha sofrido o mais estrito exame (FREUD, Obras Completas, Volume XIX, 1924, p. 239). Hoje, 91 anos depois deste escrito, a psicanálise já não estaria colocada à prova, ecom “exames” suficientes para ser considerada uma ciência capaz de “comprovar” suaeficácia teórica e clínica? Por mais paradoxal que pareça, a resistência em aferir a psicanálise como umaciência, e colocá-la no patamar que lhe convém de fato, vêm da própria classe dospsicanalistas, que se reservam e se ocultam dentro de seus cartéis, fechados a setechaves, como se fossem apropriar da teoria como unicamente deles. Somente eles, sãocapazes de tê-la em suas mãos, por muitas vezes alegando e se amparando nos dizeres dosseus mestres, deturpando suas ideias, interpretando-as em benefício próprio. Quando Jacques Marie Émile Lacan (1968), ao se referir sobre a formação dopsicanalista, diz: “O psicanalista só se autoriza por si mesmo”; ele não quis dizer que opasse será dado pelo outro enquanto autoridade para fazê-lo, mas sim que, ao longo dopercurso, o paciente se sente de tal modo capaz de compreender e aceitar o grande outroque há em si, que se sinta com a força suficiente para continuar caminhando da maneiramenos sofrível possível, ou seja, o paciente dá-se o passe. 5. O ENSINO NA UNIVERSIDADE: SABER VERSUS CONHECIMENTO Como já havíamos dito na introdução deste artigo, há que se levar em consideração,para efeito da transmissão da teoria psicanalítica, mas especificamente nasuniversidades, o fato de que existem diferenças muito significativas no que diz respeito àconcepção do saber enquanto conjunto de conhecimentos adquiridos ao longo da trajetóriade vida do sujeito, e o saber proposto pela psicanálise. Esta diferença de conceitosdificulta por demais a aceitação da psicanálise como uma linguagem, também, científica,além de uma prática voltada para a clínica, no set analítico, como uma mística queenvolve a relação analista e analisante.Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.42-64
57A TEORIA PSICANALÍTICA COMO UMA POSSIBILIDADE DEINOVAÇÃO PEDAGÓGICA Há certa dificuldade num considerável número de estudiosos em compreender eaceitar a possibilidade de haver um conceito tão complexo e até, de certa forma,enigmático, como o sujeito dividido proposto pelos psicanalistas de um modo geral.Esta maneira de ver a relação sujeito/objeto vai de encontro aos ideais da ciênciapositivista, ainda muito forte na sociedade atual, principalmente nos países ocidentais. É sabido que, a partir do final do século XIX e começo do século XX iniciou-se ummovimento formulado, inicialmente por Edmund Hussel (1859-1938), no qualobjetivou repensar os fundamentos da racionalidade imposta pelas ciências ditaspositivistas, mostrando que as ciências humanas e a filosofia também poderiam ser viáveispara a sociedade. A proposta abriu caminho para filósofos como Jean-Paul Sartre(1905-1980), com a filosofia existencialista; Martin Heidegger (1889-1976), que elaboroua teoria do Ser; Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), filósofo francês, autor da célerefrase “A ciência explica o mundo, mas se recusa a habitá-lo”, ao se referir criticamente àobjetividade das ciências como solução dos problemas humanos; dentre outros autores.Aranha e Martins (1993) retrata a proposta da fenomenologia da seguinte forma: A fenomenologia propõe a superação da dicotomia, afirmando que toda consciência é intencional, o que significa que não há pura consciência, separada do mundo, mas toda consciência tende para o mundo. Da mesma forma, não há objeto em si, independente da consciência que o percebe. Portanto, o objeto é um fenômeno, ou seja, etimologicamente, “algo que aparece” para uma consciência (ARANHA e MARTINS, 2002, p. 171). É nesse contexto histórico que a psicanálise surge como um método interpretativo,enquanto hermenêutica, uma forma de tratamento psicoterápico e uma teoria. Tendo comopano de fundo o descrédito na teoria positivista dos cientistas que acreditam numa verdadeabsoluta que o homem poderá alcançar essa verdade, a partir das descobertasproporcionadas pelas ciências exatas. Não obstante a Psicanálise há décadas estar sendo assunto constantemente nos anaisdos estudos interdisciplinares das ciências de um modo geral, devemos acrescentar asubstância que este saber proporciona também para à cultura, dando explicações a saberesaté então obscuros de conhecimento, como é o caso da Maçonaria, bem definida por JoãoAnatalino Rodrigues (2013), em O Tesouro Arcano: A Maçonaria e seu SimbolismoIniciático, como “... uma sociedade universal de homens de boa vontade, cujo objetivo éRevista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.42-64
58A TEORIA PSICANALÍTICA COMO UMA POSSIBILIDADE DEINOVAÇÃO PEDAGÓGICAdefender a liberdade de pensamento, a igualdade entre as pessoas e a fraternidade entre ospovos da terra (RODRIGUES, 2013, p. 41).” A arte milenar da Maçonaria, se encaixamuito bem na ideia de Freud e seus discípulos, sobretudo, Carl Gustav Jung, concernenteao conceito de Inconsciente e da proposta da interpretação dos sonhos como via deacesso direto do sistema inconsciente para a consciência humana, sendo esta última aquase insignificante ponta do iceberg do saber. João Anatalino Rodrigues muito bem explicita a contribuição da psicanálise para osesclarecimentos e a elucidação dos mistérios que envolvem a mística do pensamentoMaçônico. Ele discorre: Freud, a quem se atribui a sistematização dos conteúdos do inconsciente humano, confessou a influência que recebeu desse tipo de pensamento quando elaborou sua tese sobre o significado dos sonhos. Jung, principalmente, deve sua fama as descobertas que fez sobre as relações que o inconsciente humano mantém com o mundo mágico dos símbolos e dos arquétipos (RODRIGUES, 2013, p. 26). A corrida pela busca de respostas nos confins do universo, com o envio deespaçonaves, a conquista da lua, as experiências que ainda estão em andamento paraencontrar resquícios ou provas da existência de vida no planeta marte e em outros planetasda constelação ainda são muito significativas na caminhada da humanidade. Quanto maislonge conseguirmos ir, seja pela lente do telescópio, seja pela lente do microscópio, maisconhecimento o homem terá. Esta é a proposta positivista da ciência empírica. Numa outra perspectiva, podemos nos deparar com cientistas que fazem o caminhoinverso, vislumbrando a contramão dessa ideia e propondo um caminho para um mundoparalelo, o mundo interno do ser humano, que jamais poderá ser visto pelo olho humano,mas que será provado, não empiricamente, mas, sobretudo, por meio da subjetividade,onde o fundamental é ter como princípio a admissão de um saber que o homem jamaisconhecerá em sua plenitude. Freud, em sua trajetória de científica, fiel aos princípios e morais de sua época,como um médico competente, amparado nas positividades de uma ciência exata, na buscadas verdades do sofrimento humano passou sua vida inteira na tentativa de soluçãopara o fim do sofrimento humano. Toda grandiosidade de sua obra foi resumida por elemesmo ao escrever em 1937, pouco antes de morrer, onde afirma que “educar, ao ladode governar e psicanalisar, é uma profissão impossível” (FREUD, 1937, p.3361).Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.42-64
59A TEORIA PSICANALÍTICA COMO UMA POSSIBILIDADE DEINOVAÇÃO PEDAGÓGICA Com efeito, tais dizeres são pouco compreendidos em sua essência, pois suatradução ao pé da letra não responde a contento sua significação, na medida em que temosque levar em consideração o fato de que Freud, antes de tudo, é um escritor que articulasuas ideias, por vezes, de maneira ambígua e pessimista. Esta característica peculiar estájustificada pela própria teoria psicanalítica, como muito bem explicitou Joel Birman(1999), em Mal-estar na atualidade, quando diz: A afirmação sobre o desamparo do sujeito indica o ponto de chegada do discurso freudiano. Foi com este enunciado conciso que Freud delineou a posição de fragilidade estrutural do sujeito, ao relacionar este á sua corporeidade, às ameaças da natureza e aos horrores gerados nas relações ambivalentes com os outros (BIRMAN, 1999, p. 36). Leny Magalhães Mrech (2009) num artigo intitulado “Lacan, a educação e oimpossível de educar”, Revista Educação, encontra uma explicação muita próxima damenção que Freud fez das três profissões impossíveis: educar, psicanalisar e governar. Elase coloca no lugar do leitor que ao se deparar com tal dito de Fred, se questiona o queele, Freud, quis dizer com isso. Leny explica que o educador não consegue educar daforma que quer; o político nunca faz política da maneira como quer; assim como opsicanalista nunca psicanalisa da maneira como quer. Isso se dá por conta de que existealgo – o Inconsciente - que se sobressai à consciência e não permite que esse controle seestabeleça. Sempre há um algo a desejar. Nesse sentido podemos pensar que nenhumaciência consegue dar explicações suficientes para satisfazer na totalidade o desejodemandado pelo sujeito do inconsciente na busca da compreensão e dominação doobjeto estudado. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para a transmissão da psicanálise no campo da ciência e no âmbito da universidade,se faz necessário, por parte de quem se propõe a exercer o papel de professor, acompreensão da teoria em suas premissas básicas; perceber que a psicanálise não éuma ciência exata, que respeita os diversos discursos nos quais ela está inserida, por contade sua interdisciplinaridade enquanto ciência que dialoga com os demais saberes seja nocampo das ciências humanas, sociais e da saúde; estar alerta para a influência doinconsciente como um saber que está presente o tempo todo na relação docente/discente,com poder suficiente para usufruir da empatia como mecanismo de defesa entre os Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.42-64
60A TEORIA PSICANALÍTICA COMO UMA POSSIBILIDADE DEINOVAÇÃO PEDAGÓGICAsujeitos, seja de maneira negativa ou positiva, de forma que o professor deva saber lidarcom isso e ter a capacidade de transmitir ao aluno essa possibilidade, deixando-o tambémcapaz de saber lidar com essa força; e, por fim, o professor deverá ter a perspicácia deentender a psicanálise nas suas diversas peculiaridades conceituais e dinâmicas, pois apsicanálise como teoria e ciência, necessariamente, é diferente da psicanálise clínica no setanalítico, assim como diverso também da psicanálise como discurso antropológico, aolidar com a história da humanidade. Freud faz essa distinção ao longo de sua história e através de seus escritos. Eleamplia o conhecimento da sua ciência aos vários campos de estudo, e não deixa restrito aoestudo da medicina, como uma especialização em psiquiatria, ou restrito ao campo dapsicologia, como o estudo do comportamento humano. Freud amplia os horizontes dapsicanálise, separa os campos de atuação, como metodologia, teoria e práxis. Em 1918,ele diz: Na investigação dos processos mentais e das funções do intelecto, a psicanálise segue seu próprio método especifico. A aplicação desse método não está de modo algum confinada ao campo dos distúrbios psicológicos, mas entende-se também à solução de problemas da arte, da filosofia e da religião. Nessa direção já produziu diversos novos pontos de vista e deu valiosos esclarecimentos a temas como a história da literatura, a mitologia, a história das civilizações e a filosofia da religião. Assim, o curso psicanalítico geral seria também aberto aos estudantes desse ramo do conhecimento (FREUD, Obras Completas, Volume XVII, 1918, p. 188). É fundamental salientar que a proposta para a criação de cursos de licenciatura emteoria psicanalítica nas universidades seria um bom caminho e um bom começo para findaras polêmicas existentes quanto ao exercício da profissão de psicanalista, na medida emque o aluno que concluísse um curso de licenciatura estaria apto a exercer a profissão deprofessor naquela ciência na qual passou anos estudando e aprendendo para transmitir seusconhecimentos na qualidade de profissional habilitado para tal. Obviamente que oprofissional licenciado em teoria psicanalítica não estaria capacitado para exercer aprofissão de psicanalista, ou seja, não seria um psicanalista, mas sim um docente com acapacidade suficiente para transmissão a teoria psicanalítica, o que é bastante diferente doque exercer a profissão como clínico. A polêmica na qual me refiro arrola há anos no Brasil, e atinge principalmente aosprofissionais psicólogos que tentam, de certa forma, controlar o grande número de cursosRevista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.42-64
61A TEORIA PSICANALÍTICA COMO UMA POSSIBILIDADE DEINOVAÇÃO PEDAGÓGICAque existem no Brasil para formação de psicanalistas. Um exemplo disso está nacampanha de mobilização realizada pelo Conselho Regional de Psicologia do estado deSão Paulo, na qual foi solicitado a todos os psicólogos filiados ao conselho paramanifestação junto às Comissões da Câmara dos Deputados, com vista a lutar contra aaprovação do Projeto de Lei nº 3.944/2000, do então Deputado Federal Eber Silva, quepropunha regulamentar a profissão de psicanalista no Brasil. Essa manifestação foiamplamente divulgada, e em um dos trechos do texto convidando os psicólogos paraintervirem contra o Projeto do Deputado, diz: O segundo projeto em tramitação no Congresso é o PL 3.944, proposto no ano passado pelo pastor e deputado Eber Silva (PDT/RJ), que quer tornar a psicanálise profissão. Os Conselhos de Psicologia entendem que também a psicanálise é uma “especialização interdisciplinar” e não deve constituir profissão. Defende que o aprendizado e a qualificação do psicanalista sejam alvos de um maior controle, mas sem que haja necessidade de ela ser regulamentada como profissão. (http://www.crpsp.org.br/crp/midia/jornal_crp/130/frames/fr_mobilizacao.as px). Mesmo assim, em 2002, o referido Projeto de Lei foi aprovado, onde teve comorelator o Deputado Freire Júnior, que foi favorável à aprovação com “substitutivo”, PL nº.3.944-A, de 2000, que desde então passou a regulamentar o exercício da profissão dePsicanalista no Brasil. Contudo, ainda existem questionamentos acerca do referido PL, e oque vigora de fato é que a psicanálise é considera uma ocupação, devidamenteclassificada no Ministério do Trabalho, e não uma profissão, conforme foi comentadoanteriormente neste artigo. Consta no referido Projeto de Lei que a formação de psicanalistas está condicionadaaos possuidores de diplomas de nível superior em Medicina, Psicologia ou em cursos afins,e deverá ser orientada pelos institutos das Sociedades de Psicanálise filiadas à AssociaçãoBrasileira de Psicanálise (ABP), hoje intitulada Federação Brasileira de Psicanálise(FEBRAPSI). Acontece que a maioria das Sociedades e Associações existentes no Brasilnão é afiliada da FEBRAPSI, assim como muitas sequer nem a reconhecem comoórgão máximo do País para receber tal atributo. Outro fator que gera polêmica se dá pelo seguinte questionamento: Quais são oscursos de nível superior afins à Psicanálise, ou à Medicina e Psicologia, no qual serefere o Artigo 3º do Projeto de Lei? Por fim, entendemos que é fundamental a regulamentação da profissão de Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.42-64
62A TEORIA PSICANALÍTICA COMO UMA POSSIBILIDADE DEINOVAÇÃO PEDAGÓGICApsicanalista, assim como é necessário a existência de profissionais devidamentequalificados para a transmissão da teoria nas instituições superiores de ensino, maisespecificamente nas universidades, havendo assim a distinção entre tais profissionais, namedida em que ser um bom psicanalista não quer dizer ser um bom professor, e vice- versa. Para que essa transformação ocorra, inicialmente deverá ser incorporada uma culturade inovação pedagógica dentre do campus universitário, por meio da verdadeirainterdisciplinaridade, tendo como pano de fundo a culminação do desejo de tornar a teoriapsicanalítica uma ciência capaz de colaborar significativamente para a sociedade, sob penado futuro da psicanálise estar em jogo, assim como sua técnica, sua teoria e suas práxis serquestionadas e caírem no esquecimento. É preciso que os intelectuais psicanalistas unam-se e comecem a pensar que apsicanálise não é deles, nem tampouco de Freud, mas sim da sociedade, que precisa e sebeneficia com ela. Sabemos, ainda, que uma das técnicas psicanalíticas é “frustrar” o outropara que este possa compreender que não precisa do passe do outro para se tornar capaz deseguir sua própria vida, mas sim que ele precisa do passe do outro que está dentro delemesmo, pois é na discórdia com o que está fora de si, que acordamos para a voz do sujeitodo inconsciente que emerge de dentro de si. Contudo, também é preciso ter em mente queessa técnica só é válida no set analítico, ou seja, no consultório, e não na sociedadeenquanto grupo coletivo. Na coletividade a melhor maneira de se chegar a um lugarconfortável e satisfatório para o grupo é pelo caminho inverso do set analítico, ou seja, éatravés do entendimento e do acordo, com a mínima frustração possível. A dinâmica das relações sociais é oposta à dinâmica da clínica. A mudança qualitativa na prática pedagógica, a princípio, envolve umposicionamento crítico das práticas tradicionais. Com relação a essas mudanças, CarlosNogueira Fino (2007), diz: Inovação pedagógica como ruptura de natureza cultural, se tivermos como fundo as culturas escolares tradicionais. E abertura para a emergência de culturas novas, provavelmente estranhas aos olhares conformados com a tradição. Para os olhos assim, viciados pelas rotinas escolares tradicionais, é evidente que resulta complicado definir inovação pedagógica, e tornar definição consensual. No entanto, o caminho da inovação raramente passa pelo consenso ou pelo senso comum, mas por saltos premeditados e absolutamente assumidos por direcção ao muitas vezes inesperado. Aliás, se a inovação não fosse heterodoxa, não era inovação (FINO, 2008, p. 2). Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.42-64
63A TEORIA PSICANALÍTICA COMO UMA POSSIBILIDADE DEINOVAÇÃO PEDAGÓGICA No intuito de responder ao questionamento interposto na introdução deste artigo,temos a inferir que a Psicanálise pode e deve ser considerada, de fato e de direito, umaCiência, com teoria, práxis e material de trabalho suficientes para ser inserida como ensinono âmbito das Faculdades e Universidades do país, e com bases cientificas sólidas esuficientes para criação de cursos de graduação de nível superior na modalidade delicenciatura para transmissão desse saber, conferindo ao graduado o direito a lecionar asdisciplinas inerentes ao curso, na medida em que, conforme reza o Artigo 62 da Lei nº9.394/96, de 20 de dezembro de 1996, que diz: A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013). É nesse contexto que pensamos a inclusão da psicanálise na Universidade,enquanto curso de licenciatura, como uma inovação pedagógica, onde sabemos haverlegislação suficiente para justificar o pleito.REFERÊNCIASARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando:Introdução à Filosofia. Editora Moderna, São Paulo, 2002.BIRMAN, Joel. Mal-estar na atualidade: A psicanálise e as novas formas desubjetivação. Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1999.CBO. Classificação Brasileira das Ocupações, 2009. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.42-64
64A TEORIA PSICANALÍTICA COMO UMA POSSIBILIDADE DEINOVAÇÃO PEDAGÓGICACRP-SP. Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, 2009.DANZIATO, Leonardo. A Fortaleza da Psicanálise: A história da Psicanálise emFortaleza. Relume Dumará, Rio de Janeiro, 2000.FENICHEL, Otto. Teoria Psicanalítica das Neuroses: Fundamentos e Bases daDoutrina Psicanalítica. Editora Atheneu, São Paulo, 2000.FINO, Carlos Nogueira. Inovação Pedagógica: Significado e Campo (de investigação).In Alice Mendonça & António V. Bento (Org). Educação em Tempo de Mudança.Funchal : Grafimadeira, 2008, pp 277-287.FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1992.FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: EdiçãoStandard Brasileira; com comentários e notas de James Strachey e Alan Tyson;traduzido do alemão e do inglês sob a direção geral de Jayme Salomão. – Rio deJaneiro: Imago, 1996.Volume XII – O caso de Schreber, artigos sobre a técnica e outros trabalhos, 1911 –1913; Volume XVII – Uma neurose infantil e outros trabalhos, 1917-1919; Volume XIX– O Ego e o Id e outros trabalhos, 1923 – 1925.LAPLANCHE, Jean e PONTALIS, J.-B. Vocabulário de Psicanálise. Editora MartinsFontes, São Paulo, 2000.NASIO, J.-D. Cinco Lições sobre a Teoria de Jacques Lacan. Editora Jorge Zahar,Rio de Janeiro, 1992.RODRIGUES, João Anatalino. O Tesouro Arcano: A Maçonaria e seu SimbolismoIniciático. Madras Editora Ltda., 1ª edição, São Paulo, 2013.ROUDINESCO, Elisabeth. Por que a Psicanálise? Editor Jorge Zahar, Rio de Janeiro,2000.Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.42-64
65A TEORIA PSICANALÍTICA COMO UMA POSSIBILIDADE DEINOVAÇÃO PEDAGÓGICAZIMERMAN, David E. Fundamentos Psicanalíticos: Teoria, técnica e clínica.Editora Artmed, Porto Alegre, 1999.Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.42-64
EDITORIAL É com satisfação que a Faculdade Ratio torna público e divulga seu terceironúmero da Revista Trabalho e Sociedade sendo esta uma edição especial emcomemoração ao mês do trabalho. Os artigos aprovados para publicação enaltecemáreas profissionais significativas no contexto da sociedade do trabalho. Durante o mêsvigente grande parte da sociedade global festeja e reflete o trabalho enquanto açãohumana edificadora, suas conquistas, impasses e dilemas são amplamente debatidospelos mais variados setores. No bojo dessas acaloradas discussões encontram-se determinadas profissões embusca de reconhecimento, legitimidade e visibilidade social. Dito isto, temos comoprimeiro artigo publicado a produção que trata dos aspectos jurídicos pós 88envolvendo a Optometria no Brasil. O autor, José Robeto Lopes da Silva Filho, serespalda em argumentos jurídicos e científicos para demonstrar quão necessária erelevante é a área da Optometria para a sociedade brasileira, tendo em vista as grandesdemandas e carências no ramo da saúde visual. Posteriormente, o pesquisador LuizCarlos Mendes de Vasconcelos discorre sobre as contribuições das teorias psicanalíticasàs práticas pedagógicas no âmbito acadêmico. Dentre outros objetivos traçados peloautor, submete-se a refletir sobre as possibilidades do ensino das teorias psicanalíticasno âmbito das universidades, sua importância para o campo dos demais saberes, quaissejam a sociologia, a antropologia, as ciências exatas, mais especificamente a biologia, afilosofia, a psicologia, a psiquiatria, e tantas outras. No último artigo, Raimunda ElianirCavalcante de Castro propõe-se a demonstrar o grau de satisfação da sociedade cearensesobre as técnicas de arrecadação da Secretaria da Fazenda do Estado, Sefaz. Seuprincipal objetivo foi dialogar com o sistema de informação proposto pelo órgão juntoao contribuinte local, verificando avanços, liquidez e possíveis entraves. Desejamos a todos uma leitura produtiva e enriquecedora, salientando que embreve lançaremos mais uma edição alinhada com a pluralidade cultural e a formação dasociedade brasileira. Boa leitura!!! Editor Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.1
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