O RACIONALISMO CRÍTICO DE KARL POPPER: CONJECTURAS E TEORIAS THE RATIONALISM CRITICAL OF KARL POPPER: CONJECTURES AND THEORIES 1 Marcos Antônio Martins Lima 2 Marcos Antônio Seixas de Melo RESUMO Este artigo foi elaborado numa perspectiva exploratória, de natureza teórica, a partir da reflexão crítica de Karl Popper em que a trajetória científica permeia a chamada 'reconstrução racional' em que as verdades são duvidadas quando a epistemologia valida a linha tênue entre veracidade e falseabilidade desde que a ciência demanda percepções, observações a partir da revelação de um problema. Nesse caso procurou-se enfatizar que uma teoria pode ser falseada a fim de hipotetizar a dúvida no sentido de detectar falhas nos enunciados e reformular argumentos que são difundidos e transversalmente propõe um axioma que descreve e relaciona posicionamento de hipóteses e teorias. Destaca que o conhecimento é adquirido e seu avanço pode ser sucumbidos adaptando-se a novas realidades que superarão novos fatos que expliquem uma teoria Palavras-chave: veracidade, falseabilidade, reflexão crítica. ABSTRACT This article was prepared in an exploratory perspective, theoretical in nature, from the critical reflection of Karl Popper on the scientific trajectory permeates the so-called 'rational reconstruction' in which truths are doubted when epistemology validates the fine line between truth and falsification since that science demands perceptions, observations from the revelation of a problem. In this case it sought to emphasize that a theory can be falsified in order to hypothesize doubt in order to detect flaws in the statements and reframe arguments that are widespread and across proposes an axiom that describes and relates positioning hypotheses and theories. Highlights that knowledge is acquired and their progress can be succumbed adapting to new realities that will surpass new facts to explain a theory Keywords: truth, falsification, critical reflection. 1 Economista pela UFC (1993), Doutorado em Educação pela UFC (2004), Mestre em Administração pela UECE (2000), Professor Adjunto da Universidade Federal do Ceará. 2 Administrador pela UNIFOR (1990) (UNIVERSIDADE DE FORTALEZA), Mestre em Administração e Controladoria pela UFC (2014) - Auxiliar Técnico da Escola de Gestão Pública do Estado do Ceará - EGPCE. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
1 Introdução A inquietude em períodos de transição remete-se à reflexão do mundo sob o ponto de vista de sua transformação fermentada pelo enfrentamento dos grandes problemas à luz da ciência, que é possível elaborar indagações pelas mudanças correntes, sendo elas naturais ou proporcionadas pela condição humana. E assim, pela busca da verdade evidente, impacta o rompimento entre a dicotomia episteme (ciência) ou a doxa (opinião) como linha de pensamento ocidental, pois na concepção clássica grega, conhecimento racional (episteme) e doxa (opinião) são ordens diferentes de discurso, sendo que o primeiro, diz respeito às verdades demonstradas e o segundo sobre a opinião, que se aproxima ao “senso comum”, cuja opinião poderá ser falsa, dito inconsciente, falseado pela verdade, sob o ponto de vista parcial, cuja subjetividade precisa ser reconhecida pelo conhecimento da intuição e pelo discurso encadeado por ideias, juízos e raciocínios que levam a conclusões. Segundo Marias (1981, p.22) Aristóteles separa o que é científico do que é sensação, ou seja, “se se refere ao ponto de vista da verdade (ciência) ou simplesmente da doxa (opinião)”. Poderia colocar a epistêmê como algo palpável sobre o que o intelecto produzido pode vislumbrar e tornar visível as coisas, pois ilumina de forma consistente a estrada do conhecimento, seriam aquela produção do intelecto que garantiria um lugar privilegiado para se ver as coisas cognoscível e incognoscível; algo como aquilo que PUTNAM chamou de “o ponto de vista do Olho de Deus” (1981:77). Poderia destacar que sob esse ponto de vista, pra tudo tem uma causa e tornar ciente, é dar causa ao conhecimento científico, sobretudo quando seguimos rastros pela atenção àquilo que se quer descobrir, pois HEIDEGGER escreve sobre a palavra: O que diz epistêmê? O verbo que lhe corresponde é epistasthai, colocar-se diante de alguma coisa, ali permanecer e deparar-se, a fim de que ela se mostre em sua visão. Epistasis significa também permanecer diante de algo, dar atenção a alguma coisa. Esse estar diante de algo numa permanência atenta, epistêmê, propicia e encerra em si o fato de nos tornarmos e sermos cientes daquilo diante do que assim nos colocamos. Sendo cientes podemos, portanto, tender para (vorstehen) a coisa em causa, diante da qual e na qual permanecemos na atenção. Poder tender para a coisa significa entender-se com ela. Traduzimos epistêmê, por “entender-se com-alguma-coisa”. (1994:204) Nessa configuração, a epistemologia é o ramo da filosofia que estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento (daí também se designar por Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
filosofia do conhecimento), e trata dos problemas relacionados à crença e ao conhecimento, ou seja, estuda a origem, a estrutura, os métodos e a veracidade do conhecimento, que está atrelada com a lógica e o empirismo, é indispensável no estudo da ciência, cujos preceitos estão implícitos na investigação relacionada à metafísica, a lógica e a psicologia. E dentro dos principais ramos da filosofia, talvez mesmo aquele que mais se destaca, e os seus problemas compreendem a questão da possibilidade do conhecimento, na discussão de como acontece na essência à questão do saber pela prioridade da relação sujeito/objeto que nos coloca a dúvida se o ser humano conseguirá algum dia atingir realmente o conhecimento total e genuíno, fazendo-nos oscilar entre uma resposta dogmática ou empirista. Nessa perspectiva, tratar da condição humana é essencial para entender o conhecimento não como dogma, mas como uma disputa dialógica pela argumentação, cuja verdade deverá ser confrontada e desvanecida até que caminhos sejam definidos para o compartilhamento de ideias, razões e lógicas. Na construção dos elementos que constituem o conhecimento, o processo de construção da verdade está implícito entre conceitos e juízos que, tirados das experiências, da sensibilidade constituem precisamente o objeto próprio do nosso conhecimento sensível, que é o nosso primeiro conhecimento. Aristóteles estabelece uma continuidade entre o conhecimento sensitivo e o inteligível, acreditando que o conhecimento se dá na natureza, no mundo sensível (SOUZA; LEAL, 2008). Assim, Henri POINCARÉ (1854-1912), atesta que “a ciência, portanto, nada pode nos ensinar sobre a verdade, só pode nos servir como regra de ação”. E como ação, o juízo serve como elemento constitutivo da ciência por evidências de fenômenos vinculados às leis universais como essência do intelecto humano, a priori analítico, induz à necessidade objetiva da transformação dos costumes humanos. O processo de aquisição do conhecimento tomou forma a partir da introdução de novas maneiras de pensar, estudar e usufruir da natureza. Assim com a revolução científica do século XVII, Galileu Galilei, René Descartes e Isaac Newton, contribuíram para romper radicalmente com a tradição científica aristotélica, a moderna ciência se impõe graças a um poder e controle dos fenômenos naturais. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
Nesse percurso, o domínio da natureza torna-se imprescindível para a construção de um mundo racional ou empirista, posto em consideração que só a razão pode conhecer verdadeiramente as coisas, e do contrário, os empiristas, consideram que todos os nossos conceitos derivam dos sentidos, portanto a experiência é a única fonte do conhecimento. E a máxima de Francis Bacon (1561-1626) “Conhecimento é poder”, serviu de dilema para as transformações que viriam para a humanidade, se transformar em instrumento de um progresso geral da civilização, ao servir de base para um conjunto de mudanças tecnológicas profundas com forte impacto na organização da vida social. Assim, estabeleceu o desenvolvimento da visão empírica do mundo, defendia que o conhecimento científico seria provado a partir da observação pelo método indutivo, que tem intervenções do particular para o geral, dos fatos às teorias. Desta forma, todo fenômeno observado na sua sistematização buscava similitudes e experiências recorrentes que daria a tônica do método científico tradicional por três séculos. Segundo BORGES (1996, p.23), o empirismo e a indução teriam contribuído para constituir as bases para o positivismo no início do século XX. O conhecimento científico sob uma perspectiva positivista se apresentaria com as seguintes características: objetivo, confiável, metódico, preciso, perfectível, progressivo, cumulativo, desinteressado, impessoal, útil, necessário, racional, empírico, hipotético, explicativo e prospectivo, uma vez que possui a capacidade de antecipar ou prever fatos. Tal perspectiva teria elaborado uma visão idealizada do conhecimento científico, através do estabelecimento dos “passos do método experimental”: observação dos fatos, formulação de hipóteses, experimentação e estabelecimento de leis. E para entender toda essa trajetória do método científico é preciso compreender dentro do contexto em que DESCARTES estava inserido, estabelecia a evolução do paradigma moderno como avanço do pensamento filosófico nos séculos XVI e XVII, pois trazia a reflexão sobre a superação do escolasticismo pelo o cientificismo. Por Escolástica ou escolasticismo, em sentido restrito, entende-se a especulação filosófico-teológica que se desenvolveu nas escolas da Idade Média propriamente dita, i. é, de Carlos Magno até a Renascença, tal como essa especulação se Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
3 apresenta, antes de tudo, na literatura de Summae e de Quaestiones . Essas escolas foram a princípio as catedrais e as monacais e, mais tarde, as Universidades. Num sentido mais largo, designa a escolástica também o pensamento dessa época que, embora sem empregar um método rigorosamente escolar, racional- conceptual, repousa, porém nas mesmas bases metafísicas e religiosas, como p. e., a mística. E também se pode incluir nessa denominação a filosofia arábico-judaica, na medida em que, durante esse período, entra em contato com a escolástica propriamente dita. (http://www.consciencia.org/filosofia_medieval8_escolastica.shtml). Os filósofos que defendiam a tese do pensamento escolástico refletem em seus postulados como uma ciência do comentário, e, por mais magistrais e criativas que sejam as elaborações produzidas por seus mestres, existirá sempre uma série de textos canônicos dos quais os mestres escolásticos deverão extrair toda a exposição de seus pensamentos. No entanto, Descartes destaca-se pelas considerações individualistas com implicações políticas gerada por sujeitos racionais e reflexivos capazes de produzir conhecimentos válidos. Ou seja, “refletir sobre si mesmo enquanto indivíduo para tentar descobrir o que é conhecimento ou não” (DESCARTES, 2005, p.35). O método científico desenvolvido na modernidade superou a barreira temporal e ainda reforça a importância da metodologia na construção de conhecimentos científicos ditos válidos. Marcado pelo desempenho um sujeito que se coloca com neutralidade sobre seu objeto de estudo, a metodologia científica da modernidade atuou como um paradigma que organizou e ao mesmo tempo limitou o pensamento ocidental. A ciência moderna se caracteriza por ser excludente em relação a quaisquer outras formas de construção do conhecimento científico que, por vezes, apelam uma relação mais intersubjetiva com seu objeto de análise (PLASTINO, 2001, p.22). Na obra Discurso do Método, Descartes expressa aquilo que talvez possa ser considerado o prefácio da modernidade. O filósofo inicia a obra com a seguinte frase: A Summa era o seu típico gênero literário, um texto cuidadosamente elaborado, subdividido e 3 monumental por excelência. Novo gênero que se mostra como uma das principais realizações do estilo escolástico em seu período de apogeu. Quaestiones – Da disputatio nasceu a literatura das quaestioncs, que compreendiam duas espécies — as Quaestiones disputatae e as Quaestiones quo delibetales. As primeiras contêm a matéria da disputatio ordinária, que tem lugar regularmente todos os 14 dias; durante um mais largo espaço de tempo desenvolve-se um único tema (p. ex.,de veritate, de potentia, de maio). As ultimas são o resultado de disputas mais solenes, realizadas duas vezes por ano, pela Natividade e pela Páscoa, sobre variadas questões (quaestiones de quo-Ubet).Disponível em:<http://www.consciencia.org/filosofia_medieval8_escolastica.shtml>. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
“o bom senso é a coisa do mundo melhor partilhada” (DESCARTES, 1973, p. 37), e nessa partilha destaca-se o sentido cartesiano de democratizar o saber fundamentado na razão humana e remete-se à vida terrena como fluxo para melhorar as condições da humanidade como principal função da faculdade intelectual dada por Deus ao homem. Segundo Descartes, é necessário suspender tudo o que se tomava como saber, para, então buscar um conhecimento evidente, claro e distinto. O objetivo cartesiano é analisar a totalidade do saber em busca de alguma certeza, nem que seja um saber com certeza que não existe nada de certo. Nesse cenário, o conhecimento deixa de ser privilégio de alguns e passa a ser capacidade de todos; a moralidade deixa de ser privilégio da religião e os direitos passam a ser inerentes a todos, daí o princípio de igualdade entre os seres humanos (DESCARTES, 2005, p.38). Dentre as Meditações Metafísicas, já na primeira meditação, Descartes afirma: “há já algum tempo que eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios tal mal assegurado não podia ser senão mui duvidoso e incerto”(DESCARTES, 1973, p. 93). O trecho expressa, claramente que, todo saber é dinâmico, pois são nas evidências que se traça a verdade e toda a incerteza do saber tradicional (escolástico e antigo), quando cotejado com axiomas que pretendem ser claros e evidentes. O termo “Metafísico” para Kant significa um conhecimento não empírico ou racional. Combinando com o conceito de costumes, que designa todo o conjunto de leis ou regras de conduta que normatizam a ação humana, Kant chega ao conceito de Metafísica dos Costumes, que é o estudo de leis que regulam a conduta humana sob um ponto de vista essencialmente racional e não contaminado pela empiria. Desta forma, seguindo fielmente o princípio da dúvida metódica, Descartes acredita ser necessário “desfazer-se de todas as opiniões a que até então dera crédito e começar tudo novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e de constante nas ciências” (DESCARTES, 1973, p. 93). Kant no seu pensamento evolutivo supera a reflexão empirista até então hegemônica, representado pela obra de David Hume, e inaugurou uma nova concepção filosófica, baseada na razão. Nessa ideia, “o empirismo filosófico de David Hume é uma atitude epistemológica que se vincula a uma determinada concepção política. Tanto entre os gregos, quanto entre os modernos, o empirismo esteve ligado à recusa do Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
racionalismo e refutação das compreensões teleológicas acerca da realidade” (KIRALY, 2010, p.22) E para a compreensão dessa realidade em movimento, concentra-se pelo viés filosófico dos costumes, é tanto que para Hume o que mais rege o conhecimento é o costume é o hábito. Para Hume, o hábito é o princípio com base no qual, da simples constatação da contiguidade e sucessão entre dois fenômenos, se infere também a necessidade da conexão entre os dois fenômenos, considerando-os um como “causa” e um “efeito” (REALE, 2007, p. 137). O pensamento de David Hume se filia a uma compreensão de moral que parte de uma teoria do conhecimento, não dogmática e atomística, para fundamentar uma teoria política que não faz predições sobre o fenômeno institucional, mas o analisa do ponto de vista das crenças estruturantes. As instituições não são racionais em si, mas são observáveis sob o ponto de vista de seus valores e funcionalidade. As instituições podem ser investigadas segundo as regras que apresentam, e parte para o conhecimento objetivo como direcionamento da relação do passado e o futuro na construção do presente, e da experiência que transporta argumentos na transformação da realidade fundamentadas pressupostos indutivos, assim Hume destaca que ... todas as inferências a partir da experiência supõe, como seu fundamento, que o futuro irá assemelhar-se ao passado, e que poderes semelhantes estarão associados a qualidades sensíveis semelhantes. Se houver qualquer suspeita de que o curso da natureza possa vir a modifica-se, e que o passado possa não ser uma regra para o futuro, toda experiência se tornará inútil e incapaz de dar origem a qualquer inferência ou conclusão. É, portanto, impossível que algum argumento a partir da experiência possa provar essa semelhança do passado com o futuro, dado que todos esses argumentos estão fundados na pressuposição dessa mesma semelhança. Por mais regular que se admita ter sido até agora o curso das coisas, isso, isoladamente algum novo argumento ou inferência, não prova que, no futuro, ele continuará a sê-lo (HUME, 1999, p.58). Dentro da perspectiva Kantiana, a construção do conhecimento científico está sustentada a partir do conceito de existência sob o prisma do predicado real na perspectiva dos diferenciais entre a possibilidade lógica e a possibilidade real. E considerava a razão como princípio fundamental para a compreensão de todos os fenômenos. Conforme Kant (1986, p. 91) “não existe anteriormente no sujeito nenhum sentimento que se incline para a moralidade”. PEREIRA e PEREIRA (2012) esclarecem que a razão estabelece a conduta do homem, mas ele só age moralmente porque é livre. A liberdade é o que há de essencial para a fundação de sua moralidade, para o Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
desenvolvimento de sua racionalidade. Para Kant, é a liberdade que harmoniza o homem, pois apesar de todas as determinações impostas do meio exterior, ainda é capaz de recusá-las em prol da moralidade. A razão o faz senhor de si. A revolução industrial, fruto do desenvolvimento científico iniciada na Inglaterra no século XVIII e rapidamente estendida a outros países no século XIX, desencadeou uma série de novas tecnologias que transformaram de forma rápida a vida do homem. O sucesso extraordinário nesses três séculos, principalmente da física, perceptível ao cidadão comum através de seus produtos tecnológicos, favoreceu no século XIX a disseminação da crença positivista, conhecida como cientificismo, que faz da ciência a chave não somente dos progressos materiais da sociedade, mas também dos progressos espirituais e morais da humanidade. No entanto, o ideal cientificista não tardou a sofrer fortes abalos, pela imposição de ideias critérios e finalidades que, quando impedidos de se concretizarem, forçam rupturas e mudanças teóricas profundas, fazendo desaparecer campos e disciplinas científicos ou levando ao surgimento de objetos, métodos, disciplinas e campos de investigação novos. O alvorecer do século XX testemunhou marcadamente o desencanto. Após dois séculos de predominância newtoniana e o forte posicionamento positivista deram significado tanto para o progresso, como também, para a destruição. De fato, a busca pela sofisticação tecnológica trouxe inquietude acompanhada da suspeição. O poder sobre a natureza, característica essencial da ciência moderna, corre o risco do homem se revelar inimigo mortal do seu próprio conhecimento e crer tanto que a ciência é em si mesma má, quanto ingenuamente acreditar que ela é intrinsecamente boa. Nenhum cidadão pode se eximir da reflexão ética, política e epistemológica sobre o sentido da atividade científica. Rousseau (1978), em seus escritos: O Discurso sobre as Ciências e as Artes propõe uma pergunta a respeito das mudanças que as ciências podem aperfeiçoar ao longo dos processos de transformação: o progresso das ciências e das artes contribuiu para aprimorar ou para corromper os costumes? Eis o que é preciso examinar Rousseau (1978, p. 341), assim como a busca pelo conhecimento como eixo de ruptura para minimizar os abismos entre a teoria e prática no contexto científico. Concorda-se em Santos (1997) quando afirma que compartilham a ideia de que se está numa fase de transição, também denominada de “transição paradigmática”. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
E nesse percurso de transição que geram mudanças, a inércia é um componente que não se enquadra nesse processo de intervenção, pois quaisquer objetos de estudo dinamizam o ambiente e se move em cadeia inserida nas particularidades humanas e de valores. Esta relação sujeito/objeto estabelece parâmetro de transformações complexas que implicam em superação do que estar aparente. Apresenta importantes implicações, demonstrando a interferência estrutural do sujeito no objeto observado. Neste sentido, Boaventura Santos (2000) sugere uma ruptura epistemológica, onde o conhecimento científico possa vir a se transformar num novo senso comum: ético, participativo, político e solidário. Muito mais vislumbrando a humanidade implícita nos perfis sociais. “O paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente”, propõe a emancipação humana sob o prisma do conhecimento emancipatório, mais significativo e consistente, voltado para a autonomia, pela superação de atitudes isoladas e ações esporádicas e a união de causa e efeito, através da racionalidade estético-expressiva. O que até então a racionalidade científica moderna separou e apresentam-se inacabadas. Por conseguinte, fomenta a mudança de paradigma pós-cartesiano-newtoniano, sobretudo, quando se questiona os pressupostos epistemológicos e consequências para a sociedade, permitindo o desenvolvimento científico-tecnológico atuante no mundo hodierno que imprime a magnitude da ciência e tecnologia, cujos questionamentos sobre o antigo e a modernidade confirmam a transição das crescentes mudanças trazidas pelo método analítico moderno, fruto do racionalismo científico, e interpretado como sendo a explicação mais completa, a única abordagem válida do conhecimento, ao focalizar as partes, e conhecer a fragmentação do todo. Assim para (MORIN; LE MOIGNE, 2000, p. 55) tudo que é humano deve ser compreendido a partir de um jogo complexo, pois para conhecer melhor as partes deve- se conhecer o todo e vice-versa, como em um movimento circular ininterrupto que transcorre em etapas pelos avanços a partir da magnitude das consequências inseparáveis de seu contexto histórico e social. Nesta visão, é necessário compreender os avanços da ciência, sem deixar de perceber que as cegueiras para os problemas sociais estão deslocando a realidade da ilusão científica, técnica e especializada, assim é compreensível quando Morin referenda que, […] é preciso compreender que “tanto no ser humano, quanto nos outros seres vivos, existe a presença do todo no interior das partes: cada célula contém a totalidade do patrimônio genético de um organismo poli celular; a Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
sociedade, como um todo, está presente em cada indivíduo, na sua linguagem, em seu saber, e suas obrigações e em suas normas. Dessa forma, assim como cada ponto singular de um holograma contém a totalidade da informação do que representa, cada célula singular, cada indivíduo singular contém de maneira ‘hologrâmica’ o todo do qual faz parte e que ao mesmo tempo faz parte dele.” (MORIN, 2003, p. 37/38) Desde então, ela se associou progressivamente à técnica, tornando-se a tecno- ciência, e progressivamente se introduziu no coração das universidades, das sociedades, das empresas, dos Estados, transformando-os e se deixando transformar, por sua vez, no que ela transformava. A ciência não é científica. Sua realidade é multidimensional. Os efeitos da ciência não são simples nem para o melhor, nem para o pior. Eles são profundamente ambivalentes. [...] A ciência é, intrínseca, histórica, sociológica e eticamente, complexa. A ciência tem necessidade não apenas de um pensamento para considerar a complexidade do real, mas desse mesmo pensamento para considerar sua própria complexidade e a complexidade das questões que ela levanta para a humanidade. (MORIN, p. 09; 2007). E nessa fundamentação Popper (2006, p. 94) esclarece que como acontecem com todas as ciências, as ciências sociais também são bem-sucedidas ou fracassadas, interessantes ou ocas, frutíferas ou estéreis, na exata proporção com o significado ou o interesse dos problemas de que tratam; e naturalmente também na exata proporção com o significado ou o interesse dos problemas de que tratam; e naturalmente também na exata proporção com a honestidade, retidão e simplicidade com que esses problemas são atacados. Não se trata aqui, de modo algum, apenas de problemas teóricos. Problemas práticos graves, como o problema da pobreza, do analfabetismo, da repressão política e da incerteza jurídica, constituíram pontos de partida importantes da pesquisa das ciências sociais. Gerando assim, prejuízos críticos proliferados pela ordem social e global presentes na humanidade baseado na concepção de vida em sociedade com a crença no progresso material ilimitado a ser alcançado através do crescimento econômico e tecnológico, extensivo à sociedade sobre a supervalorização do que é quantificável e a pouca preocupação com o caráter social dos dados e os impactos que podem interferir na vida das pessoas. Assim, para SANTOS (1987), os privilégios epistemológico e sociológico convergem num mesmo conhecimento, e os questionamentos críticos sobre determinado conhecimento tendem a estar ligados à justificação ou contestação de seu impacto social. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
E o conhecimento gera uma amplitude favorável a entender os diversos posicionamentos que estabelece um parâmetro entre as ciências naturais e sociais vinculada a um pensamento mecanicista pela busca da superação da dicotomia ciências naturais e sociais, e ao abordar a superação das ciências naturais e sociais, um importante texto de (BOAVENTURA SANTOS, 2003, p. 72) afirma: “A concepção humanística das ciências sociais enquanto agente catalisador da progressiva fusão das ciências naturais e sociais coloca a pessoa, enquanto autor e sujeito do mundo, no centro do conhecimento, mas ao contrário às humanidades tradicionais, coloca o que hoje designamos por natureza no centro da pessoa. Não há natureza humana porque toda a natureza é humana...” E nessa linha, o conhecimento é amplo, e desperto sob a condição humana a disputa no ato de filosofar sobre as prisões ideológicas dos elementos contraditórios sustentados pelo debate, pela argumentação pela busca da verdade através da validação das ciências. Pode-se dizer dessa forma que a Epistemologia configura dentro da validade das ciências como condição de fixar uma ponte com a filosofia para indagar sobre a essência do conhecimento. Nesse contexto, todo ato de conhecer é a relação que se estabelece entre a consciência de quem conhece e o objeto a ser conhecido (ARANHA e MARTINS, 2003). Assim, é fundamental relatar, segundo Popper (2007) considerar como tarefa da Epistemologia a de proporcionar o que se tem chamado “reconstrução racional” das fases que conduziram o cientista à descoberta – ao encontro de alguma verdade nova. A questão é, porém, a seguinte: o que precisamente, desejamos reconstruir? Se forem os processos envolvidos na estimulação e produção de uma inspiração, devo recusar-me a considerá-los como tarefa da lógica do conhecimento. Desta feita, é possível criar a falseabilidade como critério de demarcação de proporcionar a validade como concepção epistemológica da assimetria entre verificabilidade e falseabilidade. Portanto, é pauta lógica conferir como Popper se baliza dentro da perspectiva da falsidade de teorias e dos enunciados universais, assim postula que sua posição está alicerçada numa assimetria entre verificabilidade e falseabilidade, assimetria que decorre de forma lógica dos enunciados universais. Dessa forma, é importante salientar como estão expostos os fatos indutivos na construção das asserções de observações, assim, o mesmo autor acrescenta que estes enunciados nunca são deriváveis de enunciados singulares, mas podem ser contraditados pelos enunciados singulares. Sendo Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
essa transformação dedutiva em consequência da falsidade dos enunciados criando um paradoxo de terminações que definirá uma teoria, consequentemente, é possível, através de recurso a inferências puramente dedutivas, (com o auxílio do modus tollens, dialógica tradicional), concluir acerca da falsidade de enunciados universais a partir da verdade de enunciados singulares. E sob essa ótica destaca o que é verdadeiro e se é possível demonstrar a lógica ou fases empíricas acerca da conclusão da falsidade dos enunciados universais como a única espécie de inferência estritamente dedutiva que atua, por assim dizer, em “direção indutiva”, ou seja, de enunciados singulares para enunciados universais”. Desta forma, todo conhecimento coloca o problema da verdade quando se verifica se o que está sendo enunciado corresponde, ou não, à realidade. Os conceitos de “verdade” e “realidade” são distintos; quando nos referimos a um objeto dizemos que ele é “real” e não que ele é “verdadeiro” ou “falso”, pois estas denominações não estão no objeto e sim no juízo, ou no valor de verdade da afirmação. “Algo é verdadeiro, quando é o que parece ser” (ARANHA e MARTINS, 2003). 2 Epistemologia de Karl Popper Karl Raimund Popper (1902-1994), filósofo, nasceu em Viena na Áustria, naturalizado britânico. De família judaica, estudou na Universidade de Viena, concluindo o doutorado em filosofia. Fugiu do nazismo, viajou para a Nova Zelândia para se refugiar da Segunda Guerra. Após o fim da guerra, conseguiu trabalhar como assistente de ensino na London School of The Economics, se tornaria professor da instituição em 1949. Colaborou com as teorias do liberalismo e da democracia no âmbito da filosofia social. Escreve livros como os títulos “A sociedade aberta e seus inimigos” e a “Lógica da Pesquisa Científica”. É reconhecido como um dos principais filósofos do século XX, época em que acompanhou o auge e as crises do capitalismo, o avanço das invenções iniciadas a partir da Revolução Industrial iniciada no século XVIII, e as possibilidades por meio do avanço das ciências. O filósofo verificou a rápida evolução material da humanidade, até então, alcançada em dois séculos de uma maneira mais veloz do que 4.000 anos anteriores. Popper ajudou a elaborar definições a respeito da teoria científica, analisando o cientificismo (conjunto de ideias que outorgavam à ciência a solução e o sentido de Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
todas as questões), na época considerada como um pensamento acima das demais linhas de pensamento. Popper (2007, p.35) reforça entre os velhos positivistas só desejavam admitir como científicos ou legítimos os conceitos (ou noções, ou ideias) que, como diziam, “derivassem da experiência”, ou seja, os conceitos que acreditavam ser logicamente reduzíveis a elementos da experiência sensorial, tais como sensações (ou dados sensoriais), impressões, percepções, lembranças visuais ou auditivas, e assim por diante. Segundo Popper, a teoria científica era regida pelo modelo matemático, que visa descrever e interpretar as observações realizadas, com a capacidade de descrever uma imensa série de fenômenos a partir de postulados simples e de realizar previsões a serem testadas. Popper visava retirar as mistificações que existiam ao redor das ciências. Nesse caminho, Popper (2007. p.61) advoga que as teorias científicas são enunciados universais. Como todas as representações linguísticas, são sistemas de signos ou símbolos, como também são redes, lançadas para capturar aquilo que denominamos “o mundo”: para racionalizá-lo, explicá-lo, dominá-lo. Acrescenta o próprio Popper que são enunciados universais. Como todas as representações linguísticas, são sistemas de signos ou símbolos. Além de ser caracterizado em muitos fenômenos ser de caráter temporário, pois Popper (2007, p.74) defende que as teorias científicas estão em perpétua mutação. Não se deve isso ao mero acaso, mas isso seria de esperar, tendo em conta nossa caracterização da Ciência empírica. E para compreender essa conjuntura, está implícito que toda ciência demanda percepções, observações a partir de um problema, pois Popper (2006, p. 94) esclarece que na medida em que se pode dizer em absoluto que a ciência ou o conhecimento começa em algum ponto, então é válido o seguinte: o conhecimento não se inicia com percepções ou observações ou com a coleta de dados ou fatos, mas com problemas. Não existe conhecimento sem problemas – mas tampouco problema sem conhecimento. Pois todo problema nasce pela descoberta de que algo não está em ordem em nosso pretenso conhecimento; ou visto logicamente, pela descoberta de uma contradição interna em nosso pretenso saber e os fatos; ou, numa expressão ainda mais certeira, pela descoberta de uma aparente contradição entre nosso pretenso saber e os pretensos fatos. Segundo Popper a ciência progride graças ao ensaio do erro, e as refutações. A ciência se inicia com enunciados, enunciados estes que estão associados à explicação de Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
alguns aspectos do mundo praticados sob decisões metodológicas cujas teorias se tornariam acolhidas ou não, assim Popper (2007, p.82) assevera sobre as objeções contra sua proposta de adotar a falseabilidade como critério para decidir se um sistema teorético pertence ou não ao campo da Ciência empírica. Desta forma essas objeções estão impostas sob a égide daqueles que são influenciados pela escola do pensamento 4 “convencionalismo” . Nesse cenário abstrato, os critérios de falseabilidade, segundo Popper (2007) não conduz a uma classificação isenta de ambiguidade. E acrescenta que é impossível decidir, por análise de sua forma lógica, se um sistema de enunciados é um sistema convencional de definições implícitas irrefutáveis ou se é um sistema empírico, no sentido que se empresta a essa palavra, ou seja, um sistema refutável. E para compreender o sentido da teoria falseada dentro da disposição de enunciados que se contradizem como condição de imputar as ocorrências necessárias, propõe hipóteses falsificáveis para resolver o problema, estas são criticadas, testadas, e justificadas, ou seja, revela aqui segundo Popper (2007, p.91) que somente se aceita o falseamento se uma hipótese empírica de baixo nível, que descreva esse efeito, for proposta e corroborada. Para isso, nessa prospectiva de testar uma hipótese pela sua submissão é preciso confrontar os enunciados como relação lógica em busca dos enunciados empíricos através de uma ocorrência que possivelmente postule a contradição. Portanto, Popper (2007) defende que a cada enunciado corresponderá a um evento, tal que os vários enunciados básicos pertencentes a esse evento comprovarão cada qual o enunciado puramente existencial. E acrescenta que, o fato de reciprocamente, um enunciado puramente existencial poder ser deduzido a partir de cada enunciado básico, não serve de ponto de apoio para emprestar caráter empírico aos enunciados existenciais. 4 A fonte da filosofia convencionalista parece residir no espanto diante da simplicidade austeramente bela do mundo, tal como se revela nas leis da Física. Os convencionalistas parecem achar que esta simplicidade seria incompreensível e, em verdade, miraculosa, se nos inclinássemos a crer, com os realistas, que as leis da natureza nos revelam uma simplicidade interior estrutural do mundo, sob sua aparência exterior de exuberante multiplicidade. Segundo esse modo de ver convencionalista, as leis da natureza não são falseáveis por observação; com efeito, são elas que se tornam necessárias para determinar o que sejam a observação e, mais especialmente, a mensuração científica. A teoria do convencionalismo é digna de grande crédito, pela maneira como ajudou a esclarecer as relações existentes entre teoria e experimento. (POPPER, 2007, p. 83 e 84) Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
Quando se falsifica uma hipótese, surge um problema que é a invenção de novas hipóteses seguidas de novas provas e testes indefinidamente, por isso não se pode afirmar que uma teoria é verdadeira, para tal recomenda-se enunciados menos dispersos e sim questões mais minuciosas. Popper (2007, p. 113) revela que enunciados básicos são aceitos como resultado de uma decisão ou concordância; nessa medida, são convenções. As decisões são tomadas de acordo com um processo disciplinado por normas. Dentre elas, é de particular importância a que nos recomenda não aceitar enunciados básicos dispersos – isto é, logicamente desconexos – mas tão somente enunciados básicos que surjam no decorrer do processo de testes de teorias. E por mais provas que tenha superado ela somente estará mais próxima da verdade se o teórico de forma experimental consegue aperfeiçoar seus experimentos baseado em enunciados e coincidências induzidos por percepções que se conectam com posições desde a formulação da pergunta até os caminhos de desvendar o fenômeno estudado, pois para Popper (2007, p.114) salienta que uma Ciência requer pontos de vista e problemas teóricos, no entanto, o próprio autor refuta que a concordância quanto a aceitação ou a rejeição de enunciados básicos é alcançada, geralmente, na ocasião de aplicar uma teoria; a concordância, em verdade, é parte de uma aplicação que expõe a teoria a prova. Chegar à concordância acerca de enunciados básicos é, como outras formas de aplicação, realizar uma ação intencional, orientada por diversas considerações teóricas. Nesse cenário de falseabilidade, inclui nessa condição a observação e a teorização, no sentido de desmistificar a verdade como transformadora e indagar que nem sempre a verdade sobrepõe à dúvida, pois bastasse aparecer um cisne negro em algum local ou situação para derrubar a ideia monopolista da existência única de cisnes brancos em qualquer lago do mundo. Uma observação poderia derrubar a outra para a afirmação de algo. Assim, uma conclusão científica não pode ser considerada absoluta, sendo a mesma questionada ou derrubada a partir de uma nova observação capaz de detectar algo não observado antes. Popper (2007, p.95) reforça pelo propósito de uma teoria, mostrada como falseável, que ela refeita ou proíbe não apenas uma ocorrência, mas sempre pelo menos um evento. Conceitualmente havia também a ideia de “falseabilidade” como uma teoria científica que poderia ser referida como científica caso pudesse ser duvidada ou considerada falsa por um tempo ou por um processo de análise. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
As principais ideias estão centradas na linha dos falsificacionistas - entre os quais Popper salienta sobre o valor do conhecimento científico a despeito do fator que as teorias não vêm da observação de experiências, mas da possibilidade de a teoria ser contrariada, ou melhor, falseada. Com a ideia de que a teoria precede a experiência, os falsificacionistas admitem que toda explicação científica torna-se hipotética. Assim, para Popper (2007, p.95) referenda que a classe dos enunciados básicos proibidos, isto é, dos potenciais falseadores da teoria, conterá sempre, se não for vazia, um número ilimitado de enunciados básicos, pois uma teoria não se refere a indivíduos como tais. Acrescenta ainda Popper (2007, p.97) pela importância da condição de compatibilidade que se tornará patente se der conta de que um sistema autocontraditório é não informativo. Assim, nenhum enunciado é particularmente como incompatível ou como derivável, pois todos são deriváveis. Um sistema compatível, por outro lado, divide em dois, o conjunto de todos enunciados possíveis: os que ele contradiz e aqueles com os quais é compatível. E quanto mais uma teoria puder ser falseada, melhor seria ela. Por exemplo, ignorando a pressão atmosférica e outros fatores, se dissermos que 'a água ferve a 100 graus Celsius', qual a contradição possível, ou melhor, o que tornaria falsa essa afirmação? A resposta seria: ao chegar a 100 graus Celsius a água não ferveria ou ferveria antes. No momento em que uma teoria é falseada, o cientista tentará melhorá-la ou a abandonará. O fundamental é que tenhamos em mente o seu limite. Ou seja, quanto mais hipotetiza, mais o falseamento é evidente, e cada vez mais precisa ser repetida, pois é na compatibilidade que se detecta a fragilidade dos enunciados e define que evento precisa ser relacionado, dentro da condição de evento como sistema empírico ou não empírico, pois Popper (2007, p.98) adiciona que os enunciados que não satisfazem a condição de compatibilidade não podem permitir o estabelecimento de diferença entre dois enunciados quaisquer, dentro da totalidade dos enunciados possíveis, e reforça que os enunciados não satisfazem a condição de falseabilidade não podem permitir o estabelecimento de diferença entre dois enunciados quaisquer, dentro da totalidade dos possíveis enunciados básicos empíricos. Assim, fica explícito como o conhecimento é gerado a partir da revelação de um problema, através da observação que instiga outros problemas, e dá qualidade a um problema sob o efeito transformador, e na tentativa de experimentar tentativas de solução para seus problemas que conduzem à tentativa de experimentos elevando a Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
crítica sobre os experimentos em busca da verdade entre tentativas e erros, visto que os experimentos são matérias de fato representadas por suas causas e efeitos, e quando a relação de causa é firmada os fatos se distanciam, os experimentos precisam estar autenticados pela repetição, desta feita a inferência indutiva necessita da imaginação para estabelecer a ligação entre o particular e o universal. De qualquer modo, o conhecimento é adquirido e se apropria do que é produzido por outrem em que os argumentos são difundidos e transversalmente propõe um axioma que descreve e relaciona posicionamento de hipóteses e teorias que impulsa o avanço do conhecimento pela crítica racional, portanto as teorias podem ser sucumbidas por outras se adaptando às novas realidades que podem ser contrapostas as razões e criticadas em diversos pontos de vistas, e reconduzir e adaptar-se aos fatores psicológicos de crenças e costumes que ressuscitarão novos fatos que expliquem uma nova teoria, por isso que “Nenhuma teoria em particular, pode, jamais, ser considerada absolutamente certa: cada teoria pode se tornar problemática (...). Nenhuma teoria científica é sacrossanta ou fora de crítica” (Popper, 1975, p. 330). A contestação de qualquer juízo sintético por Popper recarrega sobre a capacidade inventiva da criação de teorias para sobreviver e a necessidade de conjecturar na seleção de respostas entre tentativas e erros na dinâmica das mudanças correntes. O limite dos enunciados das leis não estão estáticas em fins de resultados, mas provocar novas conjecturas que reconstrue e reformule novas formas ou proposições universais através da indução a fim de explicar as ocorrências na mediação dos fatos entre a observação de um acontecimento e a afirmação da dúvida no futuro. 3 Considerações Finais No decorrer desse artigo, procurou-se explicar o papel da teoria como decorrência da demarcação entre teorias científicas e não científicas. Na contramão dos positivistas, Karl Popper assegura que as teorias podem ser superadas e se adaptar às novas realidades em sintonia com o verificacionismo em contra ponto do critério falsificacionista na proposta demarcatória implicado na possibilidade de falsificar teorias afirmativas e precisas quando a manifestação das verdades são predisposta ao falsificacionismo quando no máximo são processados os erros. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
Nessa perspectiva Popper explica que o critério de demarcação que expõe os enunciados científicos ou não define-se a teoria científica poderá ser falseável desde que haja mudança de critério. Sabendo que todo conhecimento está atrelado de teorias e vive uma dinâmica da realidade que muda com as reformulações, reconstruções em que todo conhecimento é modificado com o auxílio do conhecimento anterior procurou-se explicitar aqui a construção do conhecimento a partir do ponto de vista de Karl Popper sob a argumentação que se segue dentro do eixo da discussão da transferência da racionalidade do sujeito para o método como sentido de elucidar os enunciados como critérios que subsidiam a formulação de conjecturas que validam o método como verdade através dos fatos, no entanto, Popper, propôs a falseabilidade de teorias e hipóteses como critérios de demarcação e sugerem como método científico de racionalidade crítica o método hipotético dedutivo de teste. REFERÊNCIAS ARANHA, Maria Lúcia de A.; Maria Helena P. Filosofando, 3.ed. São Paulo: Moderna, 2003. BORGES, R. M. R. Em debate: cientificidade e educação em ciências. Porto Alegre: SE/CECIRS, 1996. DESCARTES, René. Discurso do método. Meditações. Objeções e respostas. As paixões da alma. Cartas. São Paulo: Abril Cultural, 1973. 336 p. (Os pensadores; 15). HEIDEGGER, Martin. Lógica. A doutrina heraclítica do logos; in Heráclito. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1998. Este texto foi um curso de Heidegger ministrado em 1944. HUME, D. Uma investigação sobre o entendimento humano. Trad. De José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: UNESP, 1999, p.58. KANT, Emmanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Artur Mourão. Lisboa: Edições 70, 1986. KIRALY, César. Os limites da representação: um ensaio desde a filosofia de David Hume/Cesar Kiraly. São Paulo: Gis Editorial, 2010. MARIAS, J. História de la filosofia. 33. Ed. Madrid: Revista de Occidente, 1981. PEREIRA, R. C. B. e PEREIRA, R.O. Kant e os fundamentos do direito moderno. Cadernos da EMARF, Fenomenologia e Direito, Rio de Janeiro, v.5, n.1, p.1-150, abr./set.2012. Disponível: <http://www.ifcs.ufrj.br/~sfjp/revista/downloads/kant_e_os_fundamentos.pdf>. Acesso em: 31.05.2013 Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
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O MEDIADOR CIRCULAR-NARRATIVO E A AFETIVIDADE HUMANA THE CIRCULAR-NARRATIVE MEDIATOR AND HUMAN AFFECTIVITY 1 Ariovaldo Esteves Rogerio Orientadora: Profa.Dra. Denise Almeida de Andrade RESUMO O modelo circular narrativo permite que o mediador seja mais ativo em suas intervenções, conduzindo cada parte a se desprender de narrativas iniciais que a cristalizam no papel de vítima, para criar nova história onde papel de cada envolvido será o de protagonista que avalia a parcela que lhe cabe na causa do conflito. O mediador com o conhecimento da antropologia personalista, que estuda a afetividade humana (emoções, paixões, sentimentos), terá ferramentas para avaliar mais profundamente o comportamento de cada parte, ajudando a expurgar os sentimentos ou estados anímicos que possam distorcer a realidade, conduzindo-as à apreciação objetiva do conflito. Palavras Chave: mediação de conflito, comportamento, mediador. ABSTRACT The narrative circular model allows the mediator to be more active in their interventions, leading each party to let go of initial accounts that crystallize in the role of victim, to create new history where the role of each involved will be the protagonist who evaluates the portion it has assumed in the conflict. The mediator with the knowledge of personalist anthropology, which studies human affectivity (emotions, passions, feelings), will have tools to further evaluate the behavior of each part, helping to purge the feelings or psychic states which can distort reality, conduzindo- the objective assessment of the conflict. Keywords: conflict mediation, behavior, mediator. 1. Introdução Em seu artigo “El modelo circular-narrativo de Sara Cobb y sus técnicas”, Pilar Munuera Gomez, da Universidad Complutense de Madrid, (MUNUERA GÓMEZ, 2007, p. 85), afirma que Sara Cobb desenvolveu o modelo de mediação chamado circular-narrativo, e que um dos componentes teóricos que fundamenta esse modelo é a 1 Ariovaldo Esteves Roggerio, Advogado (USP). Pós-graduação em Mediação de Conflitos (Unifor). Orientador Familiar. Articulista e Conferencista de temas voltados à educação da criança e do adolescente. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
psicologia do eu, formulada por Erikson e White, onde o mediador se propõe a reforçar e facilitar a aprendizagem das funções do eu para estimular e orientar a motivação das partes envolvidas em um conflito a mudar o perfil beligerante para o colaborativo. Munuera diz que o modelo clássico da ciência pura (MUNUERA GÓMEZ, 2007, p. 86) considera a causalidade como processo linear, e para encontrar a causa de um efeito deve-se procurar alterar uma a uma suas variáveis, até isolar o fator que o produziu. Mas ao se trabalhar com a premissa de que os aspectos significativos de um sistema são compreendidos se examinados em sua totalidade, e não em partes, se faz necessário considerar a etiologia do mesmo sob um ponto de vista diferente, como propõe a Teoria Geral dos Sistemas, que considera a causalidade como um processo circular. Na causalidade linear desloca-se do passado ao presente; na circular se enfatiza o aqui e agora, porque é no momento presente que se pode apreciar a conexão entre os elementos. O presente retorna ao passado como um espiral, e colore-o com esse ir e vir. O estudo da afetividade humana aplicada à mediação poderá ajudar na apreciação do conflito, pois sentimentos, emoções e paixões inundam o presente e colocam em risco a consideração dos fatos passados, alterando-os em sua gênese pela amplificação subjetiva dos estados anímicos, que crispam os ânimos e os conduzem à atitudes beligerantes, que se procura mudar com a mediação circular-narrativa. O presente artigo ao trazer alguns elementos de antropologia personalista, pretende municiar o mediador com informações que o ajudem na condução da sessão de mediação com melhor compreensão dos fenômenos afetivos que podem desfigurar a realidade material do conflito. 2. O mediador no modelo circular-narrativo A mediação circular-narrativa torna mais atuante a ação do mediador, principalmente nos conflitos familiares. Nas sessões privadas (caucus), o mediador deverá avaliar o problema em sua real dimensão, flexibilizar posições e intenções, reformular os scripts ou discursos onde cada parte se põe no papel de vítima, reconstruir a lógica da posição e ajudar na construção de novos cenários. Inicialmente o mediador procurará reduzir os temores e ansiedades do mediando ao estimular sua esperança de melhora, diminuindo nele a tendência a recorrer aos mecanismos de defesa inoperantes que dificultam a solução conjunta do problema; Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
ajudará a liberar as capacidades afetivas das partes para apreciar cognitivamente a materialidade dos fatos em sua verdadeira dimensão. Ao aumentar a zona do eu liberada pelo expurgo de estados anímicos que distorcem a realidade, o mediando visualiza com mais objetividade a materialidade do problema que o afeta. O mediador ao ajudar nesse processo não atua como terapeuta, nem se serve de prática ou técnica da psicologia ou psiquiatria, mas apenas colabora para que cada envolvido visualize suas próprias responsabilidades (MUNUERA GÓMEZ, 2007, p.85), a fim de não colocar sobre o outro a parte que lhe cabe no conflito. O conhecimento próprio é aprendizagem que permite melhor comunicação entre as partes. “El primer contacto en mediación debe ser un proceso que permita a la persona aprender a percibir, a reflexionar a actuar com relación a su problema” (MUNUERA GÓMEZ, 2007, p.88). O autoconhecimento é inerente a uma sadia personalidade. A percepção da influência do estado anímico sobre a razão –em discussão apaixonada ou exaltada, por exemplo- induz ao prudente calar para que depois, serenados os ânimos, volte à questão para encontrar a luz que oriente a solução. O mediador circular-narrativo, diz Munuera, “busca reduzir os temores e ansiedades” de cada parte, ou seja, as ajuda no autocontrole, na melhora das disposições, a diminuir a tendência de recorrer a mecanismos de defesas inoperantes (MUNUERA GÓMEZ, 2007, p. 86). A moral é modo especificamente humano de governar as próprias ações, diferente dos animais que agem automaticamente porque seguem os instintos. Só em relação aos atos humanos se pode falar propriamente em conduta (RODRÍGUEZ LUÑO, 2004, p. 21). O domínio sobre si mesmo é conhecimento que cabe a todos. Apenas casos patológicos ou de incontrole emocional severo, é que podem exigir a condução clínica realizada por um terapeuta: “A la capacidade de gobernar la própria conducta está ligada la responsabilidad moral: el hombre puede responder (dar razón) de aquellas acciones y sólo de aquellas que há elegido, proyectado y organizado él mismo, es decir, sólo puede responder de las acciones de las que él es verdadeiramente autor, causa y principio” (RODRIGUES LUÑO, Pamplona, 2004, p. 21). 3.A psicologia do eu e a criação de novos relatos As partes comparecem a uma sessão de mediação com suas histórias petrificadas, cada uma fazendo o papel de vítima das circunstâncias impostas pelo outro. O mediador circular-narrativo servindo-se de escuta e indagações incentiva cada parte a Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
reconstruir a narrativa, abrindo mão da primeira história. Propõe Pilar Munuera, ao referir-se à psicologia do eu, que a ação do mediador é liberar as capacidades afetivas, cognitivas e ativas que permitem a pessoa resolver sua dificuldade, encontrar os recursos necessários para a solução do problema colocado, e fazer acessíveis os obstáculos (MUNUERA GÓMEZ, 2007, p. 86). Tal proposta revela a necessidade do mediador conhecer alguns princípios da afetividade humana para ajudar as partes a liberarem-se da influência negativa dos sentimentos desordenados que distorcem a realidade e reconstruir a história. Como foi retro afirmado, não se trata de ação terapêutica do mediador, mas de “...ayuda a percibir una realidad diferente desde las historias de cada parte, que crean uma nueva realidade que deja a las personas libres” (MUNUERA GÓMEZ, 2007, p. 89). Livres ou não presas em si mesmas. 4.Análise do conflito com objetividade Para analisar o conflito é preciso identificar as causas que estão em relação com os interesses, o contexto social em que é gerado, as tensões psicológicas que provoca, as divergências de posicionamentos intelectuais e de princípios que provoca. A percepção do que está vivendo cada parte é necessária por parte do mediador, já que cada pessoa compreende a mesma realidade de modo diferente. Afirma MUNUERA GÓMEZ (2007, p. 92) que as partes chegam à mediação em contexto adversarial onde sobram acusações, reprovações, negações. A narrativa contada em primeiro lugar chama-se “narrativa primária”. Quando a outra parte conta a sua versão, a “segunda narrativa” está colonizada pela primeira versão, e se transforma em argumentos de justificação, defesa e de novas acusações. Com isso não se produz uma nova história, mas apenas uma transformação da narrativa primária. É função do mediador-narrativo ouvir com atenção principalmente as palavras chaves que se repetem, a fim de compreender como se construiu o problema e trabalhar até obter uma definição clara do mesmo, que inclui a contribuição de cada parte na gênese do conflito. As palavras-chaves, impregnadas de significados, estão carregadas de conteúdo emocional e se tornam a porta que se abre para a nova narrativa. A comunicação entre as partes; a informação clara, veraz e direta é um benefício para todos os envolvidos no conflito. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
No caucus, o mediador circular-narrativo explora os desenhos da história: valores e temas comuns, hierarquias, sequências de passado-presente-futuro, posições, ciclos e fases do conflito. Esse retorno ao passado faz os mediandos centrarem-se na objetividade da questão, deixando de lado por momentos os sentimentos que os dominam permitindo, com isso, que sejam paulatinamente depurados para dar lugar à mútua compreensão. 5.A antropologia personalista e a mediação O mediador necessita conhecer a dinâmica racional e afetiva do ser humano, pois “la primera fase de construcción del conflito vendrá dada por la percepción de uma persona de que sus necesidades no están siendo contempladas o cubiertas por la outra, originándose um sentimiente de frustración, a partir del cual surge el conflito” (MUNUERA GÓMEZ, 2007, p. 96) : Cuando el conflito es latente, las personas inician, a nível interno, um reconocimiento de enfrentamento que les lleva a reafirmarse en posiciones contrapuestas definindo la naturleza del conflicto. Posteriomente, se evidencia el comportamiento ante el conflicto y se demuestra la voluntad o no de resolverlo. Aqui es importante observar qué soluciones se buscan, porque, em ocasiones, estas no hacen outra cosa que perpetuar el problema. Conductas como la evitación del encuentro, dejar passar el tempo son actitudes entre outras para no afrontar esta situación. Para solucionar el conflito, se han de dar unas condiciones previas como dejar de lado la conducta conflictiva y estar dispuesto a compartir un espacio de escucha respetuoso, donde se restabelezca la comunicación. (MUNUERA GÓMEZ, 2007, p. 96) E ainda: historias contem argumentos organizados em secuencias temporales y/o lógicas, que funcionan a veces como simples o puras descripciones o como interpretaciones de hechos y/o comportamientos, que ocurren em determinados escenarios o contextos, com personajes que cumplen roles, siendo estos roles ‘la razón’ de determinados comportamientos, que a su vez sirven impulsivamente para ‘consolidar el rol’ que se desempeña. (MUNUERA GÓMEZ, 2007, p. 87) . A realidade humana é rica e complexa. Estudar o homem como ser vivente e as suas faculdades são os objetivos da antropologia personalista, como mostra a obra chamada “Fundamentos de Antropologia – Um ideal de excelência humana” de Ricardo Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
Yepes Stork e Javier Aranguren Echevarría (2005). A antropologia funda-se no modelo clássico de natureza humana que entende ser o homem formado por uma parte sensitiva (material) e outra intelectiva (espiritual). A união dessas dimensões forma a natureza do homem, sendo que a afetividade humana é considerada pelos clássicos como a parte da alma intermediaria entre o sensível e o intelectual. Na afetividade habitam os sentimentos, afetos, emoções, paixões. Sendo a vida intelectiva própria do homem, nela se rompe o circuito estimulo- resposta, característica da vida dos animais, que também possuem vida sensitiva, mas não conseguem se autodeterminar para agir contrariamente ao que sentem. O homem escolhe intelectualmente seus próprios fins e ações, liberando-se da ditadura dos instintos, a que estão sujeitos os animais. Assim, a nossa vida sensível, como a de qualquer organismo biológico, é estimulada diante da realidade que nos cerca. Porém, a nossa resposta não deve ser automática, mas racional. É fácil que a conduta humana se deixe levar por emoções, sentimentos ou paixões, sem avaliar corretamente esses estados afetivos. Daí a importância para o mediador circular-narrativo conhecer alguns princípios da rica natureza humana. a) Inteligência e vontade Inteligência é a capacidade humana que se projeta sobre as imagens elaboradas pela imaginação, abstrai conceitos e os conecta fazendo proposições, emitindo juízos (cachorro é branco), raciocinando e encadeando as proposições (o cachorro é um animal; os animais morrem; os cachorros morrem). A vontade é uma função intelectual, não orgânica, mas espiritual; é o apetite da inteligência ou apetite racional, que nos inclina ao bem conhecido intelectualmente. Querer é ato próprio da vontade, que se dirige ao bem que nos convém. O amor reside nessa inclinação da vontade, e não necessariamente na sensibilidade humana que apenas gosta ou desgosta das coisas ou ações à medida que sejam agradáveis ou desagradáveis, apetecíveis ou não. Pode-se amar sem nada sentir, ou sentir até movimentos de repulsa ou desgosto quando, por exemplo, se socorre uma vítima de grave acidente; ou quando se recolhe um morador de rua coberto de chagas pelo corpo, mal cheirando, para levá-lo a um hospital. É comum confundir o gostar, inclinação dos sentidos, com o querer, que é ato ou inclinação da vontade para algo apresentado pela como bom pela inteligência. Muitas separações ocorrem por entender alguém que já não “gosta” da outra parte, não percebendo que os sentimentos são mutáveis, cambiantes, e que o amor não reside Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
neles, mas na vontade, no sentido de compromisso. A vontade não atua à margem da razão, mas juntamente com ela: queremos aquilo que conhecemos; conhecemos a fundo o que amamos: amor e conhecimento se relacionam. A vontade se materializa na conduta dando origem às ações voluntárias. Uma ação voluntária é uma ação pensada, consciente. b) Os sentidos Além das duas potencias ou tendências puramente espirituais - inteligência e vontade -, o homem tem outras capacidades ou potências mais orgânicas que espirituais, formando o mundo da sensibilidade. O conhecimento sensível é realizado pelos sentidos externos (olfato, audição, tato, visão e paladar) e pelos sentidos internos (percepção, imaginação, memória). Os sentidos recebem a forma sensível de algo, sem receber a matéria dele. É uma posse imaterial do outro ser. Essa atividade cognitiva começa pelos sentidos externos, cujo ato é a sensação, e continua se desenvolvendo nos sentidos internos: sinto cheiro da gasolina e ouço o ronco de um motor, concluindo, pela percepção -sentido comum que integra e relaciona as sensações- que é um carro, sem mesmo vê-lo. c) Imaginação Temos outra potencia interior, sensível - a imaginação -, que arquiva as percepções, reproduz objetos, faz sínteses (cavalo + homem = centauro). As ciências e o desenvolvimento tecnológico dependem muito da imaginação; as ferramentas criadas para uso do homem são primeiramente imaginadas. d) Memória A memória é outra atividade ou potência sensível interior que conserva as apreciações da avaliação, retém a sucessão temporal da vida. A memória tem base orgânica, sendo localizada no cérebro: basta um acidente nesse local para apagar o nosso “HD”. Sem a memória perderíamos a história pessoal e familiar. e) Avaliação Outra potência interior é a avaliação, que relaciona a atividade exterior com a própria situação orgânica: preferir uma coisa a outra ao se prever um mal antecipadamente (não ingerir um alimento quem antecipadamente sabe que fará mal). f) Sentimentos Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
Os sentimentos são modos de sentir as tendências: tristeza é a aversão a um mal presente; inveja é a tristeza diante do bem alheio. Os sentimentos têm maior duração temporal: amor, dor, ódio, esperança, medo, rancor... Não confundir sensação (sinto as chaves no bolso) com sentimentos, mais duradores. g) Emoções Emoções são perturbações momentâneas e intensas da sensibilidade: ao ver um leão diante de mim sobe a adrenalina, se o mesmo estiver solto, claro! A cena comovente de um filme ou a leitura de um romance pode emocionar momentaneamente. h) Paixões As paixões são movimentos rápidos e veementes da sensibilidade frente diante de uma situação (a ira, por exemplo). 6.O posto dos sentimentos no homem O posto da afetividade é central no homem ao impulsionar ou retrair suas ações: os sentimentos ou gostam ou desgostam. A escola racionalista de ética, representada por Kant e Hegel, concede aos sentimentos um valor negativo, próprio de seres frágeis -diz Yepes e Aranguren no já citado livro “Fundamentos de Antropologia” (2005, p. 63), com base nas afirmações de (PUELLES, 1993)-, porque veem neles um rebaixamento do homem ao acreditar que na racionalidade pura se encontra a perfeição humana. Muitas filosofias orientais desprezam e maceram o corpo com seus afetos e sentidos, porque valorizam unicamente as atividades espirituais, consideradas mais elevadas que as de base orgânica. Desejar que o homem não viva seus sentimentos é forçar que não seja humano (YEPES E ARAGUREN, 2005, p. 63); é exigir que abra mão de sua plenitude corpórea. Quem quer algo é melhor que o queira apaixonadamente, se o objeto merece apreço: um professor apaixonado por ensinar realiza mais facilmente sua tarefa ao servir-se de seus sentimentos para uma boa causa. Já apaixonar-se por um cachorro, carro, marca de roupa são desvios dos sentimentos que colocam o gostar, próprio dos sentimentos, na mesma altura do amor ou querer como inclinação da vontade a um bem oferecido pela inteligência. 6.1 A avaliação dos sentimentos Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
“O lugar da afetividade e dos sentimentos na vida humana é central. São eles os que ajustam a situação anímica íntima, os que impulsionam ou retraem a ação, os que definitivamente juntam ou separam os homens” (YEPES e ARANGUREN, 2005, p. 63). O mediador circular-narrativo necessita compreender os sentimentos dos mediandos para avaliar até que ponto esses estados irão obstaculizar a solução do problema que os conduziram à mediação: “a possessão dos bens mais valorizados e a presença dos males mais temidos significam eo ipso, que nos retêm aqueles sentimentos que nos dão ou tiram a felicidade. A vivência subjetiva da felicidade está estreitamente relacionada com o modo de sentir nossas tendências: estar confortável ou desconfortável, sentir-se existencialmente vazio ou pleno” (YEPES e ARANGUREN, 2005, p. 63) Os sentimentos são irracionais quanto à sua origem, mas harmonizáveis à razão. O caráter irracional dos sentimentos faz que no homem nem tudo seja coerente, previsível, e favorecem ampla margem de mistério e fantasia: um mesmo fato pode desencadear reações diferentes nas pessoas. Hoje, já disse Yepes, corre-se o risco de valorizar excessivamente os sentimentos, outorgando-lhes o papel de reitor da conduta. Esse modo de agir chama-se sentimentalismo, que é atitude não prudente, pois o domínio dos sentimentos não está assegurado pelo homem, sendo uma parte da alma não dócil à razão, já que não pertencem a esse âmbito, mas são harmonizáveis a ela, como já foi dito. Platão dizia que os sentimentos são como o gato doméstico: pode-se amestrar, mas ele pode voltar-se contra nós. Para Aristóteles o domínio dos sentimentos pela razão deve ser político, não autoritário (YEPES e ARANGUREN, 2005, p. 64): não é dizendo alguém para si mesmo “não sinta isso ou aquilo”, que deixará de sentir. Mas poderá mudar seu sentimento lançando sobre ele outras proposições ou pensamentos para se liberar do anterior: uma criança por vezes não solta o brinquedo que tem em mãos, mesmo diante de insistentes pedidos; e só o faz quando lhe é apresentado outro brinquedo. Mesmo assim o domínio dos sentimentos não está assegurado e podem nos atraiçoar. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
Em sua obra “A república e as leis”, Platão ensina como orientar os sentimentos para que colaborem com as tendências e a vontade; trata da harmonia entre as diversas partes da alma, e como os sentimentos podem ser grandes companheiros do homem. Os sentimentos podem ir a favor ou contra as determinações da inteligência e da vontade, que devem ser as reitoras da conduta. A aparição ou desaparição dos sentimentos não é atitude voluntária: enamoramo-nos sem que tenhamos dado ordem ao coração para isso. Devemos, sim, administrar esse sentimento, renunciando-o: a dor de uma frustração profissional não é voluntária, sendo necessário saber administrá-la para que não domine a pessoa. No campo familiar é preciso saber administrar os sentimentos para que não se atribua a eles a importância que não possuem, pois não são superiores aos compromissos assumidos ou a valores de grandeza maior que estão em jogo. Por exemplo, se alguém comprometeu seu coração com outra pessoa, estabeleceu um projeto de vida comum e para sempre, gerando dessa decisão outras responsabilidades, como filhos, terá que administrar seus sentimentos, renunciando, ao sentir que seu coração se inclina pela secretária, vinte anos mais jovem do que a esposa. Então, deverá dizer para si: -Já tenho o coração comprometido; não quero estragar minha vida e a daqueles que dependem de mim. É evidente que nada disso seria lógico se se tratasse de alguém sem tais compromissos que procura um amor. O valor universal –fazer o bem e evitar o mal, bastante claro no exemplo oferecido- se impõe sobre as paixões, que necessitam da orientação racional para nos diferenciar essencialmente dos animais. Descobrir as características pessoais viciosas mais salientes e corrigi-las evitará muitos problemas: impaciência, timidez, emotividade, desconfiança, hipersensibilidade, inconstância, excessiva condescendência, passividade, entre outros defeitos, fazem surgir conflitos de todo tipo. Pelo canal do temperamento podem escorrer reações de iras, incertezas, preguiças, afobações. Cada parte envolvida em conflito deve examinar seus sentimentos para corrigi-los. Conhecer os pontos fracos pelo exame da própria conduta leva à reforma do temperamento e do caráter. O desejo de possuir, a cupidez, pode levar uma pessoa a sentir tristeza diante do bem alheio, e criar conflitos familiares onde não deveriam existir, por exemplo, endividando-se ao comprar um carro importado porque seu vizinho tem um estacionado na garagem do prédio. Tomás de Aquino diz que a avareza é um vício que se apresenta disfarçado de inquietação permanente quanto ao Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
futuro, mas por traz dela está a dureza de coração, a injustiça, a fraude, a traição. Quem não lutar contra essas desordens causa dano a si próprio e aos demais. A variedade de sentimentos produz variedade de caracteres, e parte importante da personalidade de cada pessoa depende dos sentimentos que desenvolve. Quando há excesso de sentimentos, a pessoa se torna sentimental; quando há carência ou ausência dele, torna-se cerebral, apática. Evitar essas dissonâncias é medida de prudência para não sucumbir em frustrações e perda de objetividade frente à realidade: -o apaixonado põe paixão e intensidade nas coisas, ainda que às vezes não mereça tanta valor; -o sentimental tende a ser flutuante, cambiante, porque se deixa levar pelos sentimentos, que são instáveis; -o cerebral é inexequível à linguagem do coração, e pode aparentar desumanidade; -o sereno é tardo em manifestar os sentimentos. Sendo mais reflexivo, tende a ser mais coerente e menos volúvel; -o apático carece de paixões e sente pouco porque conhece pouco; evita tendências ou metas. Ao mediando – e também ao mediador – é decisiva a observação da proporcionalidade entre os sentimentos manifestados e a realidade que os causou. A falta de percepção entre os limites próprios e os da outra parte gera decepção, que poderia ser menor se houvesse compreensão dos limites do outro, ao não esperar dele mais do que poderia dar. Uma estimação correta da realidade leva cada um a rir um pouco de si mesmo e da capacidade dos demais. Se não há domínio da afetividade, como já foi afirmado, se pode amar realidades que não merecem tanto sentimento, ou não amar realidades que mereceriam mais sentimentos. Quantos conflitos familiares e de vizinhança ocorrem porque se atribui a coisas e animais valorações desproporcionadas? Yepes e Aranguren (2007, p. 67), elaboram algumas regras para melhor avaliação dos sentimentos: 1) Nem todas as realidades merecem o elevado sentimento que temos por elas (amor, temor, respeito); Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
2) Muitas realidades merecem melhores sentimentos do que aqueles que temos por elas: cuidado ao subordinar os julgamentos às primeiras impressões; Em consequência, as valorizações sentimentais – facilmente flutuantes – não podem dominar e ser guia da vida, mas devem ser corrigidas e retificadas para não subordinar a própria vontade a algo efêmero. Nossos sentidos ao gostar ou desgostar não estão preocupação com outras consequências: digamos que são exclusivistas e egoístas ao buscar apenas a sua satisfação, sem levar em conta o conjunto do corpo, motivo pelo qual a razão deve interferir e corrigir. Tendo fome, um leão não terá dúvida em caçar a última espécie de antílope que corre pela savana, pois sendo irracional, apenas deseja satisfazer seu estômago. Porém, um homem que está caçando, ao observar que se trata de espécie de antílope em extinção, não o matará. Por ser inteligente, o homem pode mudar a ordem dada pelo seu instinto de caçador. Ter a satisfação dos sentimentos ou a do gosto dos sentidos como critério de conduta conduz a atitudes por vezes irreparáveis. O paladar descontrolado leva uma pessoa à ingestão de alimentos que debilitam sua saúde: doce para o diabético; álcool para o alcoólatra. A curiosidade não criticada desordena o instinto sexual – por exemplo, a visita a sites pornográficos -, causando vícios que debilitam a conduta moral e afetam a vida familiar e profissional. O preguiçoso ao deixar-se levar pela tristeza diante do trabalho a ser realizado reduzirá a cinzas os possíveis ideais nobres de sua vida. A melhor maneira de se conseguir harmonia entre sentimentos e razão é encarregar esta última do mando da conduta. A inteligência é a faculdade superior que age conscientemente em direção a um fim, e deve dar finalidade maior aos sentimentos, submetendo-os a um juízo. Se a inteligência não tem o mando das ações, as tendências sentimentais exacerbam-se e produzem desequilíbrios. 6.2 Os sentimentos e as narrativas conflitivas Para solucionar o conflito é condição prévia que cada parte deixe de lado os estados sentimentais e esteja disposta a compartilhar um espaço respeitoso de escuta. O “liberar-se de mecanismos de defesa inoperantes”, que fala Munuera, pode ser entendido como livrar-se ou desprender-se de sentimentos desordenados que acabam amplificando o problema material a ser resolvido, introduzindo nele aspectos afetivos que atuam como espelhos convexos que aumentam e distorcem a realidade do Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
problema, fazendo que os sentimentos – irracionais em sua origem-, sejam os reitores da conduta, e não a inteligência. Como foi afirmado, a causalidade de um problema pode não ser linear - início, meio e fim da cadeia -, mas circular, onde não há começo e fim. A linearidade muitas vezes é interrompida pelos sentimentos, que podem alterar o rumo dos interesses e de apreciação dos fatos. A rica sensibilidade humana faz que a reação de cada pessoa diante de um mesmo acontecimento seja imprevisível porque não somos fabricados em série. Os nossos dados sensoriais, ligados à nossa sensibilidade, ao receber as informações externas da realidade podem alterar sua gênese, caso não estejam sob o controle da inteligência. Em sua criativa história “O monge e o executivo”, James C. Hunter (2004, p. 116), afirma que Freud “plantou as sementes do determinismo que tem dado à nossa sociedade todas as desculpas para os maus comportamentos, evitando assim assumir a responsabilidade adequada por seus atos”. O determinismo afirma que cada evento tem uma causa, principalmente no campo físico. Freud aplicou esse princípio à vontade humana ao afirmar que os homens não fazem escolhas e que o livre-arbítrio é uma ilusão (HUNTER, 2004, p. 116). Dizia isso porque acreditava em forças inconscientes que predeterminavam o comportamento. Essa teoria pôs fim ao livre-arbítrio, e criou a “cultura da desculpa” pelo mau comportamento: age-se mal não por culpa própria, mas motivado pelo comportamento de outros ou influenciados por situações adversas. Podemos afirmar que a mediação circular-narrativa não aceita a teoria determinista ao procurar que cada envolvido faça o esforço para descobrir a parte de culpa que lhe cabe no conflito. No mundo dos sentimentos não é fácil encontrar com clareza a causa e o efeito. G. Bateson, citado por Pilar Munuera, “demonstro que todo conocimiento de los acontecimentos externos proviene de las relaciones que existen entre ellos, se reconece en el hecho de que, para adquirir uma percepción más exacta, um ser humano recurrirá siempre a los cambio en la relación entre él y el objeto externo” (MUNUERA GÓMEZ, 2007, p.87). Nuestros datos sensoriales iniciales son siempre derivados primários, afirmaciones sobre las diferencias existentes entre los objetos externos o afirmaciones sobre los câmbios que se producen en ellos o en nuestras relaciones com ellos... Lo que se percibe es la difencia y el cambio, y a su vez Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
la diferencia es uma relación, [digamos, pessoal]” (MUNUERA GÓMEZ, 2007, p. 87). Nossos dados sensoriais iniciais sofrem mudanças, e com isso a nossa relação com esses dados. A circularidade é o reconhecimento ou a convicção de se poder obter uma autentica informação; é o reconhecimento da informação extraída dessa relação. As situações se complicam aumentando as peças do quebra-cabeça quando, sem o perceber, as pessoas são levadas pela imaginação incontrolada - considerada por Tereza de Ávila como a “louca da casa”- a dramatizar seu relato. Uma das qualidades do mediador circular-narrativo é ter a sensibilidade de perceber até que ponto a subjetividade se sobrepôs à realidade. Há um texto de autor anônimo que revela de modo plástico como a subjetividade alterada pode criar situações falsamente dramatizadas: Cuidado com os pensamentos: estes se transformam em palavras; cuidado com as palavras: estas se transformam em ações; cuidado com as ações: estas se transformam em hábitos; cuidado com os atos: estes moldam o caráter; cuidado com o caráter: este controla o destino. (MUNERA GOMEZ, p.88) O mediador circular-narrativo deve dirigir sua atuação para a construção de novas narrativas que desestabilizam as histórias que não deixam crescer ou revelar o protagonismo de cada parte envolvida no conflito. O sentir, pensar e querer são características que conduzem o ser humano à ação, e podem construir histórias sem base real devido a força que possuem sobre os sentimentos. Os sentimentos produzem valorações imediatas e espontâneas das pessoas, e predispõem à conduta. Dessas valorações precipitadas podem surgir muitas incompatibilidades ou conflitos exatamente por não se entender ou reconhecer a verdadeira intenção do outro: antipatias surgem sem que as queiramos, mas sendo seres racionais não podemos alimentá-las, e sim lutar contra elas. Isso significa que, mais do que nos distanciarmos da pessoa que nos parece antipática, devemos lutar contra esse sentimento nos esforçando para crescer na amizade, compartilhando mais momentos com essa pessoa para conhecê-la melhor. As ações humanas devem ser pensadas, que é atitude racional Atuar sem pensar é reagir! Comporta-se irracionalmente quem se deixar guiar pelos sentimentos e impulsos e não pela razão e vontade, que devem sempre orientar a conduta humana: quem reage não age! Uma pessoa de temperamento sensível poderá sentir forte humilhação porque o chefe não a cumprimentou quando chegou à empresa. Ao permitir que sua imaginação Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
produza sentimentos contrários à boa fé, mostra-se incapaz de se colocar na situação do outro para pensar que o mesmo poderá ter passado uma noite horrível ao levar o filho para o hospital, ou ter tido outras contrariedades. 7 Análise objetiva dos conflitos Como já foi mencionado, um conflito constrói-se inicialmente pela percepção que uma pessoa tem de que suas necessidades não foram contempladas pela outra parte. Tal fato origina um sentimento de frustração que pode levar ao enfrentamento. Esse sentimento de frustração nunca vem só, e pode ser alimentado por recordações trazidas pela memória e por situações criadas pela imaginação, gerando tristeza, raiva ou medo, podendo chegar até ao ódio e ao rompimento das relações. A hipertrofia dos próprios sentimentos se torna obstáculo para medir a parcela de culpa própria no conflito. A máxima ou ditado “ninguém é moeda de ouro que a todos agrade”, normalmente é esquecida pelos conflitantes. Por isso, é prudente que cada um examine as dores que pode ter causado à outra parte. O mediador procurará que cada envolvido em conflito ao invés de desejar mudar seu oponente, procure entendê-lo. O distanciamento de si mesmo para examinar com objetividade as intenções próprias e compreender a verdade contida nas afirmações do outro é ato pacificador e construtivo para solucionar o conflito. 8 A atenção às histórias na mediação circular-narrativa A mediação circular-narrativa está muito atenta à construção de histórias que contém argumentos organizados em sequências temporais e lógicas, que se tornam por vezes simples descrições ou interpretações de fatos onde os personagens cumprem seus scripts, sendo estes a razão de determinados comportamentos. Afirma Munuera (2007, p. 87) que quanto mais estáveis são as histórias, mais difícil será a desconstrução delas. Narrativas que contém argumentos organizados em sequências temporais ou lógicas funcionam como simples descrições de fatos ou comportamentos, e consolidam o roteiro que cada pessoa desempenha nela. Essas histórias são mais ou menos estáveis, e quanto mais estáveis, mais encarceradas nelas se encontra a pessoa, prejudicando a solução da disputa. O mediador circular-narrativo dirige a sua atuação para a construção de novas narrativas que desestabilizam aquelas que não deixam crescer a pessoa; prefere histórias libertadas dos falsos contextos que obscurecem o protagonismo de cada parte. O Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
primeiro contato com a mediação deve ser um processo onde cada parte aprende a atuar sobre o seu problema de modo seguro e livre de subjetividades que possam atá-lo, a fim de sentir um apoio até o momento desconhecido para lidar com o conflito. Coob, diz Munuera (2007, p. 88) valoriza a narrativa de cada parte construída sob três critérios: 1) Coerência narrativa: é a unidade apresentada das relações estabelecidas entre as partes, onde cada uma elabora um coerente relato tal como se monta um quebra- cabeça onde todas as peças se encaixam para dar a imagem final de infelicidade ou de culpabilidade do outro; 2) Fechamento narrativo formado pois dois fatores: plenitude da narrativa e ressonância cultural. A pessoa que construiu durante anos uma narrativa onde seu papel no conflito foi não de autor, mas de vítima, construirá nova historia de protagonismo dependendo do fechamento realizado. Quanto mais elementos ou peças há para encaixar no quebra-cabeça, mais difícil será construir a nova história. Por isso, a intervenção do mediador terá em conta a organização vertical e horizontal da narrativa para conseguir sua ruptura ou desestabilização. 3) Interdependência narrativa, que funcionará como teoria da responsabilidade. O casal em processo de divórcio costuma responsabilizar a outra parte como responsável pela ruptura da união. Cada parte construirá um script onde seu papel será o de vítima, tendo a outra parte como agressora. A interdependência vem carregada de mútua culpa, deslegitimando a ambos os envolvidos. O mediador ajudará a perceber a realidade diferente da história de cada parte, que diante dos novos fatos ficarão mais livres para trabalhar na solução do conflito. Para entender o conflito, o mediador-narrativo deve analisar diferentes aspectos: motivos ou interesses, com as divergências de posicionamentos; percepção sobre o que está vivendo cada parte, que compreende a mesma realidade de forma diferente; comunicação; informação veraz, clara, direta; deve examinar os ciclos do conflito com as necessidades que não estão sendo contempladas; as condições prévias que serão necessárias deixar de lado para a solução do conflito (MUNUERA GÓMEZ, 2007, p. 96). 9 O reconhecimento da culpa Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
Os conflitos interpessoais decorrem de percepções, valores e sentimentos diferentes. Cabe a cada parte distanciar-se de si mesma para examinar com mais objetividade as intenções próprias e discorrer sobre o que diz a outra parte, e qual a verdade que há nas afirmações dela. Essa capacidade de desenvolver uma comunicação sem polêmicas tem caráter construtivo, edifica e plenifica as partes envolvidas no conflito, sendo sinal de maturidade humana que se manifesta, sobretudo, em certa estabilidade de ânimo e na capacidade de ponderar com objetividade sobre a atuação própria e a dos demais. A maturidade humana se apoia no desenvolvimento afetivo e na capacidade de juízo que considera a si mesmo e aos demais com realismo e objetividade, admitindo as limitações próprias e a dos outros. Uma pessoa madura não é rígida, sabe compreender e resolver seus problemas cedendo ou concedendo, mas também exigindo. O imaturo, ou quem se deixa guiar pelos sentimentos, pode viver em conflito consigo próprio e com os demais porque não consegue plenitude humana, e pode enganar-se a si mesmo ao tender ao personalismo. Por vezes chega até a se utilizar da astúcia e artimanha para que as situações se configurem como deseja, tornando-se teimoso e petulante ao não querer escutar os demais. Muitos conflitos são criados pela falta de conhecimento próprio, que pode conduzir à atitude de projetar nos demais os defeitos pessoais, conduzindo a situações de injustiças. Cabe a cada um descobrir o seu defeito dominante, criado por atos voluntários defeituosos – ou vícios – que vão deixando marcas e predispondo a conduta para a repetição deles. Para evitar isso se torna necessária uma educação baseada em virtudes, que não trataremos neste artigo. Ninguém deve encarar com desânimo seus próprios defeitos, pois faz parte do crescimento pessoal a reforma de si próprio, a luta para ir melhorando, já que não nascemos prontos ou acabados. A luta por criar hábitos bons ou virtudes amadurece e dá retidão moral. O caráter vai se moldando pela influencia da educação, pelo estudo, trabalho e pela luta pessoal por melhorar. Defeitos de caráter são mais difíceis de perceber porque são menos físicos e mais espirituais. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
Diferente do caráter, o temperamento é o jeito de ser de uma pessoa, herdado geneticamente. Portanto, o temperamento tem base orgânica, sendo a parte irracional da conduta: apático, eufórico, tímido, etc. Mas não é inexorável ter esse ou aquele temperamento. Por ser inteligente, o homem consegue lapidar o seu temperamento, retirando dele o que é nocivo pela aquisição de novos hábitos. O mediador circular-narrativo pode estimular a reflexão dos mediandos no entorno das quatro virtudes centrais que, se vividas por cada um, o número de conflitos despencaria: 1) Prudência é a reta razão de agir. É a virtude da inteligência, do pedir conselho; é a que faz ver os prós e os contras antes de uma tomada de decisão. É virtude que faz diminuir o rol de conflitos ao colocar em consideração as dificuldades da outra parte. A prudência leva o mediando a refletir sobre seu modo de agir, ajudando-o a entender se reagiu ou agiu, se se deixou levar pelos sentimentos ou pela razão; 2) Justiça inclina ao bom relacionamento com as pessoas, evitando que sejam exploradas ou que expropriadas pelo egoísmo, inveja ou cupidez. Virtudes anexas à justiça: fidelidade, obediência, gratidão, respeito, lealdade. Quantos conflitos surgem dos vícios contrários a essa virtude. Também aqui o mediador poderá fazer com que o mediando pondere sobre suas pretensões ou intenções, sobre o que seria mais justo em tal ou qual situação; 3) Fortaleza faz perseverar no cumprimento do que é entendido como dever a cumprir. O forte resiste, chora, mas bebe as lágrimas. Virtudes anexas à fortaleza: magnanimidade, perseverança, paciência. Trata-se de virtude que vence o comodismo, a preguiça ou a covardia de ir procurar a outra parte para conversar. O tempo não é remédio para resolver conflitos, mas sim a atitude positiva de conversar. É salutar que o mediador faça cada parte perceber que o protelamento do diálogo fez o conflito ganhar proporções indesejadas; 4) A temperança modera as paixões, faz a inteligência imperar sobre os sentidos. O temperado modera suas alegrias e tristezas, suas aversões e desejos; regula seu gosto pelo prazer reclamado pelos sentidos. Com isso, evita conflitos porque as pessoas nem sempre estão dispostas a aceitar as Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
imoderações dos destemperados. Se o intemperado não for humilde, achará que é um incompreendido e passará a ver os outros como adversários. A temperança controla os sentimentos, não deixando que estes afoguem a razão e aumentem o problema, desfigurando-o. 10 Conclusão São muitos os obstáculos ao conhecimento próprio. O mediador necessita de sensibilidade para levar cada parte a reconhecer a o que lhe cabe na origem do conflito. O individualismo do tempo presente encerra as pessoas nos próprios interesses, no círculo do eu, sem sensibilidade para as necessidades do outro. O serviço ao próximo está longe dos interesses da maioria das pessoas, que não se coloca a questão de gastar tempo em obras sociais ou trabalhos que profissionalize ou ofereça afeto àqueles que deles carecem. O número de conflitos tende a aumentar pela falta de conhecimento próprio motivado pelo ativismo ou mal do homem moderno. O pensamento contemporâneo cedeu lugar a um pluralismo indefinido, fundado no pressuposto de que qualquer opinião é válida e tem estofo de verdade. Se um homem se nega a descobrir que existem verdades sobre si mesmo, sobre as demais pessoas e sobre as realidades que o cercam - família, trabalho, sociedade, laser, amizades-, tornar-se-á egoísta e criará muitos desentendimentos. É fácil compreender que existem verdades no campo das ciências exatas, e todos são unânimes em aceitá-las, pois sua existência não depende da liberdade ou opinião. Porém, existem para o homem princípios que devem nortear sua vida em relação aos demais, e que não dependem de opinião, mas devem ser aceitos livremente para que alicercem as relações humanas: fazer o bem e evitar o mal, por exemplo, não é um princípio ou lei de comportamento opinável. Mas para fazer o bem é necessário abandonar o círculo do eu e voltar-se às necessidades dos outros. Jacques Philippe em seu livro “La libertad interior” (2002), diz que uma das necessidades mais profundas do homem é a de identidade: temos necessidade de saber quem somos, de existir diante dos próprios olhos. Porém, num plano mais superficial, essa necessidade de ser, de identidade, tenta ser suprida pela necessidade de ter ou possuir bens materiais, de ostentar um estilo de vida, de identificar-se com a riqueza, Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
aparência física, dotes ou aptidões. Estabelece-se a terrível confusão de tentar suprir a necessidade de ser algo pela de ter algo. Qualquer diminuição que outros causem a essas qualidades transforma-se em conflito. Quem se apega aos seus talentos pessoais ou se identifica com o conjunto deles, certamente entrará em conflito –ao menos consigo próprio- se vier a perdê-los pela doença, velhice ou acidente. Outra vez se confunde o ter com o ser. Não se pode identificar as pessoas pela soma de suas aptidões. É bom que nos sintamos capazes de fazer isso ou aquilo para melhor servir aos demais, mas a dignidade do ser humano não está em possuir isto ou aquilo, mas em ser uma pessoa. Cada pessoa individualmente considerada é um ser complexo, rico em dignidade e original. O fundamento mais profundo da dignidade humana reside em que o homem é imagem de Deus e está ordenado a Ele. O homem capta o sentido de sua dignidade à medida que descobre o que é verdadeiramente ser livre. Só a compreensão da verdadeira dignidade do homem pelo homem tornará possível a criação de uma sociedade solidária e menos conflituosa, porque os interesses pessoais não impedirão de dedicar-se às necessidades dos demais, de buscar o estabelecimento da justiça e da paz de buscar não apenas o progresso pessoal, mas o de toda a sociedade. REFERÊNCIAS ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2012. CASTILLO, Gerardo, La realización personal em el ámbito familiar”. Pamplona, EUNSA, 2009. CINTRA, Luiz Fernando. O sentimentalismo. São Paulo: Quadrante, 2004.. MUNUERA GÓMEZ, Pilar Munuera. El modelo circular narrativo de Sara Cobb y sus técnicas. Disponível em: http://eprints.ucm.es/5678/1/_Modelo_circular_narra_P_Munuera.pdf Portuãria Vol. VII, n. 1-2. 2007, ´85-106[, ISSN 1578-0236. © Universidade de Huelva. HUNTER, James C., O monge e o executivo. Rio de Janeiro: Sextante, 2004. PHILIPPE, Jacques. La libertad interior. Madrid: Patmos, 2002. VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. 2. ed. São Paulo: M~etodo, 2012. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
YEPES, Ricardo Stork; ECHEVARRÍA, Javier Aranguen, Fundamentos de antropologia – Um ideal de excelência humana”, tradução do Instituto Raimundo Lúlio, São Paulo, 2005. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE E A IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO AMBIENTAL BRIEF OBSERVATIONS ON CIVIL LIABILITY FOR DAMAGE CAUSED TO THE ENVIRONMENT AND THE IMPORTANCE OF THE PRINCIPLE OF ENVIRONMENTAL PREVENTION 1 Fernanda de Castro Cunha RESUMO O presente artigo intitulado: “Breves considerações sobre a Responsabilidade Civil por Danos causados ao Meio Ambiente e a importância do princípio da Prevenção ambiental” tem por finalidade primeira demonstrar a eficiência dos meios de prevenção dos danos ambientais, promovendo conscientização ambientalista na qual o homem possa utilizar mecanismos que compatibilizem o desenvolvimento socioeconômico em harmonia com a preservação ao meio ambiente. Geralmente, essa intervenção do homem no meio ambiente por meio de suas atividades acarreta impactos ou danos ambientais, colocando em risco a sobrevivência da sua própria espécie. Para tanto, o presente trabalho aborda a responsabilidade civil ambiental do Poder Público e da sociedade pelas degradações que sobrevierem de ações destinadas ao crescimento econômico, delimitando as possíveis formas de reparação cível, por vezes insuficientes ou ineficazes ante a irreversibilidade dos seus efeitos nocivos. Dessa forma, demonstra- se a importância de delinear mecanismos e ações preventivas, no intuito de minimizar as conseqüências dos prejuízos ambientais que vêm abalando as condições de vida do homem e do nosso planeta. Palavras-chave: Meio Ambiente. Danos Ambientais. Responsabilidade Civil Ambiental. Princípio da Prevenção do Dano Ambiental. 1 . Bacharel em direito pela Unifor, especialista em direito processual pela faculdade Sete de Setembro. Professora do curso técnico em serviços jurídicos da faculdade e cursos técnicos Apoena. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
ABSTRACT This article entitled 'Brief observations on Civil Liability for Damage caused to the environment and the importance of the principle of environmental prevention' has the primary purpose to demonstrate the effectiveness of prevention of environmental damage means, promoting environmental awareness in which man can use mechanisms that reconcile economic and social development in harmony with the preservation of the environment. Generally, the intervention of man on the environment through its activities causes impacts or environmental damage, endangering the survival of their own kind. To this end, this paper addresses the environmental liability of the government and society by degradations that come upon actions aimed at economic growth, delimiting the possible forms of civil repair, sometimes insufficient or ineffective at the irreversibility of its harmful effects. Thus demonstrates the importance of delineating mechanisms and preventive actions in order to minimize the consequences of environmental damages that have shaken the living conditions of man and our planet. Keywords: Environment. Environmental damage. Environmental Liability. Principle of the Environmental Damage Prevention. 1. Introdução Ao longo dos tempos, o nosso planeta vem sofrendo graves crises ambientais decorrentes da Revolução Industrial que, apesar do crescimento econômico e do progresso tecnológico, gerou devastadores danos ambientais de difícil reparação, juntamente com a exploração desregrada dos recursos naturais, atingindo as gerações atuais e futuras, cujo desafio será proteger o patrimônio ambiental para que a nação possa usufruir o direito de viver num ambiente ecologicamente equilibrado, previsto na Carta Magna atual. O homem, no momento em que se apodera indistintamente da natureza, utilizando-a para satisfazer seus interesses individuais, colocando-se como centro, na tentativa de justificar a satisfação de suas necessidades, mesmo que estas signifiquem degradações ao ambiente, tem caracterizadas as suas atitudes como antiéticas; ele continua a ser fiel parasita do meio ambiente, e assim buscou-se castigá-lo legalmente pelas suas atitudes antropocêntricas, conferindo encargos para seus egoísmos. A sociedade industrial, surgida no século XIX, estruturou-se na ideologia do liberalismo, tendo como princípio a livre concorrência, cujos padrões de produção e Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
consumo geraram aumento de poluição pelas fábricas e veículos automotores, consumismo desregrado, uso irracional de recursos naturais, acúmulo de lixo não degradável. O progresso econômico do século XX teve como marco o uso indiscriminado dos recursos naturais, antes considerados inesgotáveis. Inúmeras manifestações surgiram sobre a escassez desses recursos, o que levaram à percepção da finitude deles. Atualmente, a visão é outra. O ser humano, ao cometer tanta atitude irracional, provocando degradações da qualidade ambiental, tornou o meio ambiente fonte esgotável de matéria-prima, com recursos naturais limitados, dependendo a sua permanência do uso racional desses recursos. Com o crescente desenvolvimento desordenado das atividades industriais e o progressivo adensamento das populações, surgiram abusos decorrentes de atividades lesivas e danosas ao meio ambiente, desastres ecológicos, ocasionando graves danos ambientais, que são lesões causadas aos elementos naturais e patrimoniais do meio ambiente, podendo ter causas acidentais ou estruturais, tendo como elementos os seguintes: suas conseqüências são, geralmente, irreversíveis; a acumulação de danos pode ter conseqüências catastróficas; os seus efeitos podem se manifestar no todo; trata- se de danos coletivos, difusos; têm efeitos direto e indireto. Os resultados desses desgastes são de responsabilidade do próprio ser humano, agindo sozinho, com reflexos no todo, ou por meio de atividades sob o seu patrocínio. Quando há a ocorrência desses danos ambientais em razão de uma atividade desenvolvida, o poluidor será responsável pela sua reparação, pois quem exerce uma tarefa deve assumir os seus riscos. A legislação constitucional e infraconstitucional impõe àquele que, por ação ou omissão, lesar direito de outrem, fica-lhe obrigado a reparar o dano. Então, os constantes desastres ecológicos vêm despertando uma consciência ambientalista por todo o mundo, passando-se a exigir, tanto do Estado, como do particular, uma atuação eficaz no sentido de fazer com que as suas ações sejam desenvolvidas de maneira racional, para evitar que causem lesões irreversíveis ao meio ambiente e prejudiquem a si mesmos. Considerando a importância dos bens tutelados, o direito ambiental adota a responsabilidade civil objetiva, onde não há a necessidade da demonstração do trinômio Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
dano, culpa e nexo de causalidade, mas sim, assenta no binômio dano e autoria do evento danoso. A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6938/81), anterior à Constituição Federal de 1988, já previa a responsabilidade objetiva do poluidor no seu art. 14, § 1º. A Carta Magna recepcionou tal norma infraconstitucional, fundamentado no seu art. 225, § 3º. Diante dessas notas introdutórias, buscar-se-á desenvolver um trabalho científico com enfoque nos seguintes questionamentos: 1 Quais as consequências, para o meio ambiente em geral, dos danos causados pelo poluidor? 2 Quais as possíveis formas de reparação cível por danos ao meio ambiente? 3 De que forma o Poder Público e a sociedade civil vêm sendo responsabilizados por seus atos e omissões quanto aos danos causados ao meio ambiente? 4 Qual a importância do princípio da prevenção para o meio ambiente? 2. O meio ambiente e a responsabilidade civil objetiva por danos ambientais O meio ambiente, definido no art. 3º, inciso I, da Lei n. 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), constitui-se no conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais, indispensáveis à sobrevivência da espécie humana, que favorecem o desenvolvimento pleno da vida em todas as suas formas. Acontece que, os progressos da humanidade, em especial nos séculos XIX e XX, acarretaram-lhe inúmeras problemáticas devido, principalmente, a ação predatória e inconsequente do homem, comprometendo o equilíbrio ecológico, decorrentes de danos ambientais, quase sempre irreversíveis. Quando há a ocorrência desses danos ambientais em razão de uma atividade desenvolvida, o poluidor será responsável pela sua reparação, pois quem exerce uma tarefa, deve assumir os seus riscos. A legislação constitucional e infraconstitucional impõe àquele que, por ação ou omissão, lesar direito de outrem, fica-lhe obrigado a reparar o dano. Então, os constantes desastres ecológicos vêm despertando uma consciência ambientalista por todo o mundo, passando-se a exigir, tanto do Estado, Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
como do particular, uma atuação eficaz no sentido de fazer com que as suas ações sejam desenvolvidas de maneira racional, para evitar que causem lesões ambientais catastróficas, além de prejudicarem a si próprios. Sendo assim, o direito ambiental adota a responsabilidade civil objetiva, onde não há a necessidade da demonstração do trinômio dano, culpa e nexo de causalidade, mas sim, assenta no binômio dano e autoria do evento danoso. Paulo de Bessa Antunes (2007, p. 199), faz o seguinte comentário sobre o assunto em questão: O Direito e ordem jurídica por ele estabelecida existem para serem observados e cumpridos. No caso do Direito Ambiental, a sua existência somente se justifica se ele for capaz de estabelecer mecanismos aptos a intervir no mundo econômico de forma a fazer com que ele não produza danos ambientais além daqueles julgados socialmente suportáveis. Quando tais limites são ultrapassados, necessário se faz que os responsáveis pela ultrapassagem sejam responsabilizados e arquem com os custos decorrentes de suas condutas ativas ou omissivas. Tal sistema de imposição de custos, sejam eles financeiros, morais ou políticos é o que se chama de responsabilidade. O sistema de responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente foi introduzido pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) e posteriormente recepcionada pela Constituição Federal de 1988. A Lei 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) estabeleceu a possibilidade de responsabilização, na esfera civil, de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, em seu art. 14, § 1º, in verbis: § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. Esta norma foi posteriormente reforçada pelo disposto no art. 225, § 3º, da Carta Magna: § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Nesse caso, observa-se que o poluidor, seja pessoa física ou jurídica, ao lesionar o meio ambiente, não ficará impune, sendo responsabilizado pelos danos ambientais que, direta ou indiretamente causar, independentemente da existência de culpa, isso porque foi consagrada no âmbito do Direito Ambiental, a responsabilidade objetiva do Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
degradador, fundada no simples risco ou no simples fato da atividade devastadora, independentemente da culpa do agente causador do dano. Para a responsabilização do poluidor do meio ambiente, basta a demonstração do evento danoso e do nexo de causalidade; o primeiro elemento resulta de atividades que, direta ou indiretamente, causem a degradação do meio ambiente; o segundo, é a relação de causa e efeito entre as atividades e o dano dela advindo. A teoria da responsabilidade objetiva ambiental se funda no risco, a teor da qual não se perquire a licitude da atividade, já que tão somente a lesividade é suficiente a provocar a tutela jurisdicional. Paulo Affonso Leme Machado (2007, p.347) faz o sseguinte comentário sobre a responsabilidade objetiva ambiental: A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos “danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade” (art. 14, § 1º da Lei 6938/81). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico – jurídico da imputação civil objetiva ambiental. Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente. O principal objetivo da reparação do dano ambiental é o retorno da sua qualidade ao estado anterior ao dano, porém, como, muitas vezes, os danos ambientais são irreversíveis, sempre restam seqüelas dos desgastes, insuscetíveis de serem eliminadas. Porém, isso não significa que os danos ambientais não sejam reparáveis. O seu ressarcimento pode ser feito de duas formas: a reparação natural, ou ressarcimento “in natura” (conhecido como reparação específica) e a indenização em dinheiro. Primeiramente, deve-se verificar a possibilidade do retorno ao status quo ante, e só depois é que deve recair a condenação em pecúnia, pois esses tipos de dano são de difícil valoração. Entretanto, ao se tratar de responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, comprova-se a dificuldade de se identificar, com precisão, os autores dos danos, as vítimas, haja vista o caráter difuso do bem jurídico meio ambiente e, além disso, muitos desses danos são oriundos de condutas lentas, imperceptíveis. Daí, diante da Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
complexidade do tema, vê-se que não se discute somente o enfoque patrimonialista ao se pleitear uma indenização do dano ambiental, mas sim, reclama-se a disciplina do homem e do meio ambiente, de molde a preservar a vida do planeta de maneira saudável e equilibrada. Diante da complexidade do tema, vê-se que não se discute somente o enfoque patrimonialista ao se pleitear uma indenização do dano ambiental, mas sim, reclama-se a disciplina do homem e do meio ambiente, de molde a preservar a vida do planeta de maneira saudável e equilibrada. José Ricardo Alvarez Vianna (2004, p. 90) comenta esse foco: De se salientar, por oportuno, que o regramento e a releitura dos institutos que envolvem a responsabilidade civil não se limitam à adoção da responsabilidade objetiva, contentando-se com a dispensa da demonstração do elemento culpa para se lograr a indenização. Isso não basta. Conforme já alertado, o dano ambiental abarca em si um caráter multifacetário, podendo afetar não só o meio ambiente natural, mas também o meio ambiente construído, o meio ambiente do trabalho, além do meio ambiente cultural, todos clamando por proteção compatível com seus valores. Além disso, a ocorrência do dano ambiental, em muitas situações, traz consigo a marca indelével da irreversibilidade. A propósito, como substituir “a boa saúde na formação de um feto?” Ou ainda, como ressarcir, via indenização, práticas ambientais lesivas que conduziram à extinção de uma determinada espécie? 2.1 A tutela processual civil ambiental como instrumento de eficácia aos danos causados ao meio ambiente Diante da extrema importância dos bens ambientais tutelados, a ação civil pública é a técnica processual que oferece mais segurança à tutela jurisdicional do meio ambiente, embasada na Lei nº 7.347/1985, surgida com a necessidade de se regulamentar o artigo 14, parágrafo 1º, da Lei nº 6.938/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente). Referida lei é um diploma processual recheado de técnicas efetivas em prol da tutela dos interesses difusos e coletivos, incluídos o meio ambiente, contendo princípios e instrumentos próprios voltados à tutela jurisdicional coletiva. Entende-se por interesses ou direitos difusos “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”, conforme dispõe o art. 81, parágrafo único, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, fundando-se essencialmente o meio ambiente no interesse difuso, in verbis: Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. O caráter difuso do bem ambiental e a sua essencialidade à vida fazem com que a identificação do conceito de legitimado ativo seja tomada em sentido ampliativo, e não restritivo. Assim, a parte na demanda ambiental é o condutor da ação, aquele que o legislador apontou como representante da coletividade. Já no pólo passivo da demanda deve ocupar, solidariamente, aqueles que, direta ou indiretamente, causarem o desequilíbrio ecológico, conforme dispõe o art. 3º, inciso IV, da Lei nº 6.938/1981, que fixou o nexo causal entre a degradação ambiental e o poluidor. O pedido é a tutela desejada, o provimento adequado, denominado de pedido imediato, que tem natureza processual; já o bem da vida, ou seja, a solução ofertada pelo direito material requerida pelo jurisdicionado e que será imposta pelo Poder Judiciário é denominado de pedido mediato. A causa de pedir, como preceitua Marcelo Abelha Rodrigues (2011, p. 112), “é o fato jurídico ou o fundamento do pedido, ou – sendo um pouco mais cartesiano – o encaixe do fato com o seu suporte fático: fato gerador com sua hipótese de incidência”. A competência das ações ambientais é descrita no art. 2º da Lei 7.347/1985 (critério geográfico), fixada a competência funcional no caput do referido artigo e, no parágrafo único, a previsão de demandas conexas quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir. O rito processual da ação civil pública ambiental observará as prescrições do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária à Lei nº 7.347/85, nos termos do art. 19 da referida lei, ressaltando que a petição inicial seguirá as regras do procedimento comum, observando tanto a liturgia do rito ordinário (art. 282), quanto do rito sumário (art. 275), do Código de Processo Civil. Em caso de desistência ou abandono da ação, o art. 5º, parágrafo 3º, da Lei 7.347/85 estabelece que “em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa”. Além do que foi explanado, importante destacarmos o compromisso de ajustamento de conduta, que possui natureza jurídica de transação, e pode evitar a Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
propositura da ação civil pública ou pôr-lhe fim, quando a ação estiver em andamento, conforme prevê o art. 5º, parágrafo 6º, da Lei nº 7347/85. A transação judicial pode dar- se tanto no processo, como em procedimento avulso levado à homologação judicial, devendo observar todos os requisitos de validade exigidos para o ajuste extrajudicial. Em relação à prescrição, Édis Milaré (2007, p. 1047) pontua o seguinte: No primeiro caso, ou seja, de ação civil pública veiculadora de pretensão reparatória de dano ambiental coletivo, não conta nosso ordenamento com disciplina específica em matéria prescricional. Tudo conduz, portanto, à conclusão de que se inscreve no rol das ações imprescritíveis. De fato, o estabelecimento de um prazo para o ajuizamento de ação tendente à composição de lesão ambiental resulta por completo inadequado para o sistema de prescrição. Por não tratar-se de direito patrimonial ao se falar em tutela do meio ambiente (direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado), as pretensões da ação civil pública, nesse caso, se relacionam com a defesa de um direito fundamental, indisponível, portanto, inatingível pela prescrição. Pode-se perceber, do que foi exposto, que o regime jurídico da ação civil pública aplica-se adequadamente à tutela jurisdicional do meio ambiente. A referida lei não muda significativamente os critérios de preservação ambiental, ela apenas tipifica infrações e crimes, define punições e multas, contribuindo para que sejam obedecidos critérios hoje já existentes. Para tanto, faz-se necessário uma larga adoção da tutela preventiva como regra no direito ambiental, partindo do princípio de que os recursos ambientais são finitos e irreparáveis, bem como a questão ambiental é pressuposto para a vida, e, portanto, exigindo-se novas condutas do ser humano para viver em harmonia com o meio ambiente, mesmo que às custas de rigorosas sanções. 3. O Princípio da Prevenção e a sua importância para o meio ambiente Há doutrinadores que utilizam o termo prevenção, outros, precaução. Para Sirvinskas (2008, p. 57), “prevenção é gênero da espécie precaução, ou seja, é o agir antecipadamente, é antecipar o fato”. Este princípio decorre do Princípio 15 da Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
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