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diário_SEXUALIDADE

Published by izabel, 2021-09-21 12:58:32

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CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA PRÁTICAS INTEGRATIVAS EM PSICOLOGIA IV Discentes: Alexandre Miranda Ribeiro Camila Mariana Araújo Rivetti Maria dos Prazeres da Silva Pinto Sara Ingrid Lourenço de Medeiros Lamartine Adolescência e Sexualidade: Processo de Descoberta da Orientação Sexual. Docente: Izabel Feitosa Natal, 2021

Alexandre Miranda Ribeiro Camila Mariana Araújo Rivetti Maria dos Prazeres da Silva Pinto Sara Ingrid Lourenço de Medeiros Lamartine Relatório acadêmico apresentado à disciplina de Práticas Integrativas em Psicologia IV, dos alunos Alexandre Miranda Ribeiro, Camila Mariana Araújo Rivetti, Maria dos Prazeres da Silva Pinto e Sara Ingrid Lourenço de Medeiros Lamartine, para obtenção de nota parcial da U2, curso de Psicologia da Unifacex, sob a orientação da Prof.ª Izabel Feitosa. Natal, 2021

1. Apresentação: Este presente trabalho trata de uma construção de um diário ao qual relata as experiências de um adolescente fictício e que tem como objetivo a execução da proposta de atividade avaliativa da disciplina Práticas Integrativas de Psicologia IV (PIPsi IV) ministrada pela Professora Izabel Freitas e ofertada no Centro Universitário Facex para a turma do quarto período de Psicologia em 2021.1. O projeto da PIPsi IV visa a participação mais prática dos alunos e a interdisciplinaridade com as demais disciplinas obrigatórias do semestre, e a partir dos relatos do diário problematizar a temática Adolescência e Sexualidade: Processo de Descoberta da Orientação Sexual, onde pudemos abordar o processo de descoberta da orientação sexual de um jovem a partir de suas vivências e experiências, bem como, seus conflitos e acolhimento nos espaços de convivência. O diferencial deste trabalho é justamente o relato de conflitos de outros adolescentes que permeiam o espaço do personagem principal. Por fim, o estudo realizado tem caráter qualitativo e foi desenvolvido por intermédio da técnica de entrevista e questionário. Sendo assim, utilizamos de um questionário aberto no qual pudesse abarcar as vivências acerca do processo de descoberta da orientação sexual por parte do entrevistado.

Querido Jonh, Hoje mais um ciclo se encerra e outro começa, e com ele novas vivências surgem, talvez, algumas coisas mudem. Estamos lhe presenteando com este diário, para que possas registrar sua forma de sentir e enxergar o mundo, seja você mesmo e conte seus gostos. Lembre-se sempre que este é um espaço seguro para falar sobre você e, se precisar conversar, estamos abertas a te ouvir. Feliz aniversário, com amor, suas mães.

08/02/20 Um diário!!! Nunca pensei em escrever um diário, mas acho que a ideia é boa! Já vi com umas amigas, mas nem sei o que falar aqui rsrsrsr. Acho que vou começar me apresentando. Meu nome é Jonh, minhas mães, isso mesmo que eu disse, MINHAS MÃES escolheram esse nome em homenagem a Jonh Lennon, o vocalista da banda “The Beatles”. Bem, elas gostam muito do som deles e também das músicas dos anos 60. Eu curto também! Sou adotado, não conheço meus pais biológicos. Elas me acolheram quando tinha 1 ano e confesso que para mim são as melhores mães que eu poderia ter! Eu as amo demais! Foram elas que me deram este diário, para que eu possa escrever sobre mim, confesso que vou tentar não escrever sobre jogos eletrônicos e filmes. Aliás, vou escrever de tudo hehehehe Sim, antes que me esqueça fiz 16 anos e já tenho um pouco mais de liberdade. Às vezes, fico sozinho em casa, posso sair ou chamar meus amigos para minha casa e, geralmente, fico conversando até tarde nas redes sociais. Falando em amigos, a Joana e o Paulo são meus melhores amigos. Já é tarde e amanhã tem aula. Bem, e isso é tudo sobre mim por hoje.

09/02/20 Tivemos aula de física super chata nos primeiros horários. A vontade de mandar um zap pros migos durante a aula, era grande viu? Durante o intervalo ficamos no último andar. De lá a vista é maneira! Geralmente, vamos lá jogar umas conversas fora e tals. Os meus migos são da comunidade LGBTs. A Joana é bi e o Paulo é gay. Mesmo tendo ficado com garotas, eu ainda não me encontro em uma dessas caixinhas. Diferente da Joana e do Paulo, ainda tenho dúvidas sobre a minha orientação sexual, do que quero sabe? Apesar de hoje as pessoas LGBTs terem mais liberdade para ser quem são e expressar a sua sexualidade, ainda existe preconceito. Lembrei das aulas de sociologia, quando a professora falou do tal “Fato Social”, um conceito do Émile Durkheim. Parece até que estou ouvindo a voz dela falando dentro da minha cabeça: fato social é composto por três categorias, ou, características, são essas: a externalidade, coercitividade e generalidade (Durkheim, 1999 apud Pereira, 2012). Talvez, a LGBTfobia seja um fato social, pois ela é externa, não depende do indivíduo. Ela é geral, visto que acontece em todas as sociedades e é coercitiva, pelo motivo de exercer intimidação no outro. Antes de voltarmos para aula, a Joana e o Paulo falavam das gurias e guris que estavam afim na escola. A Joana tem um crush em uma garota da turma. Ela chama Raíssa, tem um cabelo ruivo e olhos castanhos claros bem próximo do verde, confesso que acho essa garota massa. O Paulo falava de vários garotos, mas um me chamou atenção. Não tinha notado ele antes do Paulo comentar. O garoto não é da nossa turma, porém, a gente sempre se esbarra pelos corredores. Confesso que ele é bem bonito, tem cabelos pretos e uma barba maravilhosa. Acho que é mais velho, uns 18 anos. Depois da escola voltei para casa e para o meu quarto.

10/02/20 A noite de ontem foi longa, me peguei várias vezes pensando naquele garoto e naquela barba. Isso parece loucura, pois eu me atraio pelo corpo de meninas, gosto delas e tals. Mas fico aqui pensando: se uso coisa de hétero, tenho postura de hétero, só posso ser hétero, né? Minhas mães sempre falam que sexualidade é algo fluido, ou seja, que durante toda a nossa vida podemos nos atrair por pessoas diferentes e em intensidades diferentes. Eu só acho o cara bonito, talvez, não me atraia por ele. Talvez seja que eu só queira ser tipo como ele, né?

13/02/20 Faz um tempo que não escrevo. Tenho pensado muito e minha cabeça é uma confusão agora. Mas, tenho que contar os últimos acontecimentos. Bem, antes de começarmos de fato a aula de teatro, geralmente, fazemos algum exercício corporal ou uma dinâmica. Hoje a profa. começou com alguns alongamentos. Pediu para relaxarmos e sentirmos o nosso corpo. Confesso que o fato de estarmos de olhos fechados me deixou muito mais confortável. Pareceu um pouco estranho no começo, mas depois consegui relaxar, e algo diferente me veio a mente, uma vontade de passar a mão sobre meu corpo, meu rosto, meus braços, e, como estávamos de olhos fechados aproveitei. Pq que a gente não se permite sentir? No segundo momento, ela colocou os alunos para abraçar quem estava do lado. Adivinha quem estava do meu lado? Sim, o garoto que o Paulo falou. As aulas de teatro reúnem todas as turmas do mesmo turno. A gente se abraçou e a barba dele tocou o meu pescoço, o corpo dele era forte. E confesso que gostei bastante da experiência! Depois, durante o intervalo, estávamos eu, a Joana e o Paulo no último andar. Costumamos ficar conversando por lá, pois só fica a gente. E aí, contei o que tinha acontecido. Falei algo do tipo “acho que também sinto atração por meninos” ... A Joana e o Paulo foram super de boas e falaram que eu deveria tirar a prova pra saber. Me indicaram um monte de filmes, séries e canais do youtube. Cheguei em casa e fui fuçar a internet… foi quando me dei conta que desde cedo, tipo, por volta dos 13 anos, eu não achava somente garotas interessantes, mas também garotos. No começo achei estranho, já que é normal achar as pessoas bonitas, porém, agora percebo que não era somente achar bonito, e sim atração.

14/02/20 Depois da aula, a Joana e o Paulo foram lá pra casa. Minhas mães adooooram eles. Sabe aquilo de espaço seguro que as minhas mães sempre falam? Penso que este é um espaço seguro, onde eles podem, sem medo, expressarem a sua sexualidade, tipo, falar abertamente. Assistimos a um filme em b&w, chamado “O Sétimo Selo” de 1956, que basicamente fala sobre o significado da vida e sobre a morte, onde um cavaleiro joga xadrez com a morte e barganha uns cinco dias de vida com ela. Durante esse tempo ele conhece novas pessoas e busca dar um sentido a esse tempo de vida. Isso me lembra as aulas de filosofia e os debates sobre a filosofia existencial e, mais especificamente, acerca da morte onde o Heidegger fala que a morte é a última situação-limite do homem e o homem é um “ser-para-o-fim”, e, portanto, um “ser-para-a- morte” (Penha, 1995). Mano do céu! não tem como não ficar reflexivo depois de ver um filme desses e ainda lembrar as falas existenciais. Fico aqui pensando que devo significar a minha existência e ser quem sou autenticamente, pois todos somos um ser-para-a-morte. Depois do filme, minhas mães comentaram que no fim de semana vão fazer uma viagem pro interior visitar o restante da família. Me perguntaram se eu gostaria de ir. Falei que não, pois preferia ficar em casa. Mas, não queria ficar sozinho, então perguntei se os meus amigos (Joana e Paulo) poderiam ficar aqui no final de semana. E elas deixaram!!!! Vai ser massa!!!! :3

17/02/20 Finalmenteeee!!!!! Chegou o final de semana!!!! Não sei o que os migos contaram para os pais deixarem eles dormirem na minha casa, mas funcionou. Jogamos videogame até! Claro, não poderia faltar uma pizza e umas baganas. E aí, em algum momento chegamos no assunto “X” (minha sexualidade). O Paulo perguntou se eu ainda gostava de meninas, falei que sim! Eu adoro as meninas e o quanto elas podem ser fortes, o corpo delas, o cheiro que elas têm! “E os garotos?” Confesso que fiquei pensando naquele garoto, na barba dele tocando meu pescoço e aquele abraço forte. A Joana falou então que eu sou bi. Fiquei pensando, acho que sim. Então deu a doida no Paulo e ele me saiu com aquelas loucuras dele: - Cara, você já sente alguma coisa! Agora você tem que tirar a prova. Sabe, a gente deveria ir a uma balada LGBT! Podemos ir na Hera Bárbara. Lá é maneiro demais! Ainda estou me perguntando como topei ir. Antes, passamos no centro pra descolar uma carteirinha de estudante falsa. O Paulo garantiu que jovens como a gente também frequentam o lugar e que todo mundo faz isso. Então embarquei! Chegamos na boate, estava muito nervoso enquanto esperava na fila. Me borrando de medo de ser pego. Mas, a gente conseguiu passar de boas. Entramos e lá era muito show! Aquelas luzes, as bebidas, um estilo bem rústico. Eu amei aquele lugar! Eu, a Joana e Paulo dançamos um pouco. Eles beberam umas beritas lá. Eu não consegui. Bebida não rola pra mim. Não queria perder nada daquele lugar! A Joana começou a encarar uma guria. Não lembro quem chegou primeiro, mas que rolou beijo, isso sim eu lembro. Bem, depois disso, eu saí. Deixei a galera na pista e fui explorar outros cantos. E para onde eu fui? Sim, para o deck. Tive a impressão que alguém me seguiu. Era um espaço pequeno, intimista, uma vista boa. Sabe aqueles lugares bons para duas pessoas? Pronto, era ali viu? Fiquei alguns minutos ali sozinho, mas logo chegou um cara. Ele tinha a

mesma altura que a minha e talvez a mesma idade. Tinha cabelos claros, olhos escuros e uma barba bem feita. Ouvi um barulho e ele falou “o que você está fazendo aqui sozinho?”, respondi que estava curtindo o lugar. Passamos um tempo conversando sobre música, filmes e tals. Ele era tão legal! Aquele cara me atraia pra caramba. Provavelmente, estava muito nítido no meu rosto o quanto estava besta com ele… encontrei qualquer desculpa para tocar na tatuagem em seu braço. A gente se olhou e depois já estávamos nos beijando. Mano do céu! O que foi aquele beijo? Que barba maravilhosa! Que pegada forte! Poxah, eu gostei muito! Depois disso, voltei para a pista. A Joana estava bem, bem até demais rsrs, ela estava dançando e dando uns pegas em uma guria. Perguntei pelo Paulo, mas ela não o viu. Ficamos mega preocupados e então saímos procurando por ele. Ainda bem que nós o encontramos! Tava ele lá perto do banheiro, super doidoo, falávamos com ele e ele nem respondia. Parecia até que ele estava em outro mundo... A gente o levou para fora, pedimos um uber. O Paulo vomitou dentro do carro e a brincadeira ficou bem mais cara. Tivemos que pagar pro uber a limpeza do carro. Quando chegamos em casa cuidamos do Paulo e colocamos ele para dormir. Olha só as fotos que consegui tirar:

20/02/20 Três dias se passaram da minha maior aventura e eu ainda não acredito que vivi tudo aquilo. Aproveitei todos os instantes e ainda hoje sinto na boca o gosto daquele beijo, a química da pegada. Como é estranha essa sensação! Eu, Paulo e Joana não conseguimos falar de outra coisa. Hoje na aula de Redação a vontade que eu tive foi de redigir um texto contando todos os detalhes de meus sentimentos sobre aquela noite inesquecível, mas não posso. Tenho medo! Ah! Falei um pouco com minhas mães sobre a balada e tive a sensação que elas conseguiam imaginar tudo que aconteceu rsrsrsrrs, mas nada falaram.

21/02/20 Depois da aula fui a casa da Joana, tínhamos que montar um roteiro e ensaiar para uma peça da disciplina de Literatura. Fiquei preocupado com a Joana. Eu bem lá falando e ela viajando na batatinha. Sua mãe tinha deixado um bolo de chocolate sobre a mesa que comemos durante as pausas. Notei que ela comeu vários pedaços e do nada a mina ficou me perguntando se ela tava gorda, se eu achava que sua bunda tava grande demais. Eu hein!? Não entendi a da Joana. Enquanto comíamos as perguntas eram só essas. Eu querendo falar de outras coisas e ela voltando com essas neuras. Mas comer ela comia viu? Era só ela assaltando a geladeira! Parecia que ela estava perdendo o controle. Do nada ela disse que iria rapidinho ao quarto buscar o notebook para ajudar nas pesquisas. Ela demorou pra caramba e não contive a minha preocupação. Fui ver onde ela estava. Quando passei pelo banheiro pude ouvir o barulho de vômito, então voltei para a sala. Um tempo depois ela voltou com o notebook. Quando ela sentou na cadeira falei que tinha notado o quanto ela estava comendo e que acabei seguindo-a por preocupação e que foi impossível não ouvir o barulho que vinha do banheiro. Olhei pro rosto dela, notei que ela tava sem graça e perguntei: “Joana, você forçou o vômito?” Caramba! Aquele silêncio pareceu eterno e em seguida ouvi sair da boca dela uma resposta: “não posso engordar”. Passamos algum tempo conversando e ela me contou que a mãe lhe faz muitas cobranças quanto ao corpo. A Joana nunca foi aquele perfil de garota que costumamos ver nas redes sociais, revistas, novelas. Mas cara, pra mim a minha amiga é bonita do jeito que ela é! Nunca imaginei que ela tinha essas questões. Conversamos bastante e falei para ela que era importante se abrir com seus pais mesmo com as cobranças e comentários de sua mãe. Eles tinham que entendê-la e ajudá-la. Quando cheguei em casa fui direto pro meu quarto pesquisar alguma coisa na internet que me ajudasse a entender o que estava acontecendo com minha amiga. Encontrei

um texto do Paulo Dalgalarrondo (2019), que falava da bulimia nervosa. Ele dizia que bulimia nervosa era um transtorno alimentar, ao qual tem como característica a preocupação excessiva e frequente com o comer e um desejo incontrolável de jacar, além disso, existe a preocupação excessiva com o controle do peso, e isso leva, por exemplo, aos vômitos autoinduzidos. Enfim, depois dessas pesquisas todas vou tentar dormir. Nem vi a hora passar. Puts, já é 1h da madruga.

17/03/20 Passaram alguns dias desde que fui à casa da Joana e aconteceu aquilo tudo. Mais do que nunca quero estar mais próximo dela, quero estar sempre que possível ao seu lado para o que ela precisa! Passei a marcar mais rolês entre a gente. Eu e Paulo vamos com mais frequência na casa dela ou chamo eles lá pra casa. Hoje tive aula das disciplinas optativas de teatro e música, a Joana e o Paulo não pagam comigo, logo é o dia que fico sozinho no colégio. Durante a aula de música, percebi que havia uma garota me fitando e que garota bonita, hein? Não pensei duas vezes e correspondi o olhar. Chegando perto da hora do intervalo, discretamente apontei para porta, saí e não demorou muito ela saiu também. Fomos ao último andar. Papeamos por algum tempo, e em meio às conversas rolou uns beijos. Chegando em casa, notei que minhas mães não estavam. A casa tava um silêncio só. Fiquei bem pensativo. Poxah, a gente sabe o que a galera pensa sobre as pessoas que ficam com garotas e garotos. O povo fala que são pessoas pervertidas, confusas, indecisas, atiram para todos os lados, são infiéis… a sociedade constrói uma imagem cheia de preconceitos. A Joana sempre fala sobre essas questões. Isso me fez lembrar de um conceito que a professora de sociologia comentou: a representação social. “RS pode ser considerada como uma forma sociológica de Psicologia Social” (FARR, 1994, apud OLIVEIRA; WERBA, 2013). Fui pesquisar um pouco e encontrei a seguinte frase: “a representação social é uma interpretação pessoal e ao mesmo tempo não é pessoal, pois a sociedade impõe ao indivíduo como deve ser representada” (SALLES, 1995, p. 26). Acredito que isso diz muito desse movimento da sociedade de impor definições a determinados grupos. Então, ainda sobre a pesquisa encontrei um texto de Oliveira e Werba (2013), a coletividade ou senso comum cria conhecimentos (saberes populares) com intuito de interpretar as coisas reais.

Nessa busca louca (pesquisa rsrs) por entender o fato de a sociedade caracterizar grupos sociais, me coloquei a pensar que, a forma de representar a pessoa bi é carregada de uma interpretação do senso comum. Eu não deveria estar me sentindo culpado por ficar com meninas e meninos, mas estou… sei que minhas mães vão me aceitar do jeito que sou, mas e lá fora?

19/03/20 Hoje foi dia de sessão cinema com as minhas mães. Nós acompanhamos uma série chamada Sex Education, que por sinal é muuuuuito boaaaaa! O personagem principal é o Otis, um garoto filho de uma sexóloga e ele cria uma clínica para dar conselhos sobre problemas sexuais e relacionamentos na escola, isso tudo de forma clandestina. Por que gosto tanto de Sex Education? - Ah, a série tem uma diversidade de personagens seja na orientação sexual, na personalidade ou na expressão, e, voltando aos personagens, temos um garoto gay, um garoto que descobre sua bissexualidade rsrs, uma garota pansexual que durante a serie se relaciona com um garoto e depois com uma garota. Então, enquanto assistimos a série, minhas mães entraram em alguns assuntos papo cabeça como, orientação sexual, proteção, métodos contraceptivos e tals. Elas sabem que sou bi, tenho muita liberdade para falar sobre a minha sexualidade de forma muito aberta em casa. Sim, o mais legal é que na série tem uma cena muito show, onde um rapaz gay ensina os colegas a fazerem a chuca. Ouvi sair da boca de uma das minhas mães a seguinte frase enquanto víamos a série: “pq não falam sobre essas coisas na escola?” Como não amar essas mulheres? Confesso que fiquei bastante curioso e fui pesquisar para saber qual deve ser a conduta das escolas, e aí, eu encontrei um artigo que faz uma citação dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN. Mas o que é o PCN? São diretrizes elaboradas pelo governo ao qual orientam a educação, além da escola pública, a escola privada pode adotar tais diretrizes, mas não é obrigatório.

Tirei até um print da citação do artigo, olha só: Caramba! Como é importante que existam falas e debates sobre o tema sexualidade nas escolas. São tantos motivos que me levam a pensar o como é necessário a inclusão desse debate nos espaços, principalmente, em casa e nas escolas. Poderiam ajudar muito no processo de descoberta da orientação sexual, proporcionar mais respeito à diversidade sexual e de gênero, bem como, prevenir uma gravidez indesejada e as ISTs, como o HIV. Fui pesquisar um pouco sobre sexualidade, e aí, encontrei tal citação: “A sexualidade é uma energia que nos motiva a procurar amor, contacto, ternura e intimidade; que se integra no modo como nos sentimos, movemos, tocamos e somos tocados; é ser-se sensual e ao mesmo tempo sexual; ela influencia pensamentos, sentimentos..“ (OMS, 2001 apud PONTES, 2011 p. 23). E pensar que não temos esses espaços abertos para falar sobre sexualidade, vivências, corpo e tantas outras coisas na escola. E muitas vezes, a bissexualidade nem é comentada, parece até que não existe. Muitos pais, professores e diretores ainda pensam que falar sobre sexualidade é influenciar os alunos a transarem loucamente sem proteção. Quando na verdade, falar sobre sexualidade é algo bem mais amplo, é sobre sentir e se expressar no mundo, sobre desejo, afetividade, sobre conhecer o seu corpo e tantas outras coisas. Puts, como fico indignado por não termos esses espaços abertos...

28/03/20 Juro que não sei como estou conseguindo escrever neste diário agora. Ainda estou tentando me acalmar, a sensação que tenho é de que a adrenalina ainda corre em meu sangue. Por volta das 20hs, a Joana me ligou e disse que não estava bem, sua pressão estava baixa e pediu que fosse correndo para a casa dela. Meu coração estava saindo pela boca! Tanta coisa passou pela minha mente, não pude conter a minha preocupação, a ansiedade e, sei lá, mais o quê! Sai correndo para a garagem, mas lembrei que o carro não estava lá. Minhas mães tinham saído. Fui para a rua e na loucura, vi que os vizinhos deixaram o carro aberto, aproveitei que não estavam vendo, entrei e saí no carro. Tudo foi tão rápido! Estava tomado pela emoção, pelo impulso. Cheguei na casa da Joana, chamei loucamente. Os pais dela atenderam, perguntei por ela. Nem lembro o que responderam e passei correndo entre eles e fui até o quarto. Lá estava ela desmaiada no chão. Os pais chegaram bem depois de mim. Peguei ela no braço e fomos todos até o pronto socorro. A Joana foi atendida. O médico explicou a situação dela aos pais e ela ficou um tempo sob observação. Não pude ficar, tinha que voltar correndo e esperar que não houvesse consequências graves ao fato de ter roubado o carro dos vizinhos. Antes de ir, pedi aos pais da minha amiga que mandassem notícias. Cheguei em casa e entreguei o carro de volta. Expliquei o que aconteceu. Parece que eles me perdoaram. Me conhecem há tempos. Mas é lógico que não deixaram de me passar um sermão hahah, que era mais prudente ter peço que eles me levassem até a casa da Joana. É, realmente eles têm razão. Não sei o quê deu na minha cabeça, mas agi no calor do momento. Tenho que concordar com a psicóloga que deu uma palestra lá na escola um dia desses quando falou que os adolescentes são impulsivos. Ela falou do texto de uma tal de Papalia (2013), que dizia que o comportamento de risco tende a aumentar durante a

adolescência, e a explicação parece estar no fato de o cérebro adolescente ainda ser imaturo. Pensando melhor agora meu ato foi bastante arriscado. Contei para minhas mães e elas falaram a mesma coisa, eu poderia ter ligado e pedido que elas me levassem até a Joana. Por hoje é isso, vou tentar dormir depois de tudo que aconteceu.

18/04/20 Já faz alguns dias que não escrevo. A Joana está bem, os pais estão mais próximos dela, a mãe deixou de fazer cobranças quanto ao corpo da filha e ela está sendo acompanhada pelo psicólogo. Nesse tempo todo fiz amizade com o garoto da aula de teatro. A gente se aproximou, fizemos trabalhos e cenas juntos. O Paulo confidenciou que o Renato, esse menino que fico de olho nas aulas de teatro, fica com garotos. O Renato me chamou para ir a casa dele jogar videogame e é claro que fui rsrsr… jogamos, trocamos umas ideias e comemos pizza. Nem vimos a hora passar. Quando me dei conta já era tarde, pulei loucamente do sofá e avisei que iria embora, mas o Renato não deixou. Ele insistiu que ficasse. Veio com um papo que já era tarde e a brilhante ideia rolou: - Olhe, faça o seguinte, ligue para suas mães e avise que você vai dormir aqui. Confesso que gostei muito e foi isso que fiz. Ele me emprestou umas roupas, arrumou a sua cama para mim e colocou um colchão para ele do lado da cama. Durante a noite ouvi uma mensagem chegar no meu celular. Virei para ver onde estava meu celular e notei que o Renato estava acordado. Meu celular estava lá do outro lado sobre a mesinha de cabeceira. Tentei passar por cima do colchão que estava no chão para alcançar o telefone, mas, tropecei no colchão e caí em cima dele. Mds! Levantei o olhar e ele estava me fitando, não resisti àquele olhar e beijei ele. As coisas foram ficando mais quentes. Senti o contato do corpo dele no meu. O corpo forte, a pegada e logo o tesão aumentando. Que loucura! Era tudo tão intenso, era impossível resistir… senti meu pau endurecer… vou guardar o resto da história pra mim. Caso alguém em algum dia encontre meu diário, deixarei intencionalmente esta página sem um final. Assim, elas poderão completar o resto da história com a imaginação.

19/04/20 Contei para minhas mães e para os meus amigos o que rolou entre mim e o Renato. Elas foram logo perguntando se a gente usou camisinha e tals. Tranquilizei elas com um “sim, a gente usou”. Os detalhes ficaram com o Paulo e a Joana que faziam várias perguntas e, toda vez, que descrevia algo as sensações me invadiam a mente, os orgasmos, a pele, o gosto, os toqueis rsrs

11/05/20 Ontem o Paulo chamou na porta de casa, tínhamos acabado de jantar e quem atendeu foi uma das minhas mães. Ele estava aparentemente angustiado e os olhos inchados como alguém que estava chorando. Estranhei demais porque ele nunca aparece sem avisar. Ele chegou a contar para a família que é gay e como a família é bem tradicional a gente já sabe onde isso deu. Eles discutiram e rolou até insultos. Meu amigo estava super mal. Saiu perambulando até enfim chegar na nossa casa. Não queria voltar para casa. Precisava de tempo para pensar e oferecemos que dormisse na nossa casa. Minhas mães só exigiram uma condição: que ele ligasse para avisar que passaria a noite conosco. Como as adultas da casa, minhas mães esbanjam ponderação, de modo que elas o levaram refletir que mesmo que os pais tenham discutido com o Paulo, eles ainda assim se preocupam e não merecem passar a noite sem saber onde seu filho está. Pude conversar melhor com meu amigo depois que ele comeu algo. Escutei tudo o que ele quis colocar pra fora. Ver um amigo sofrer é de rasgar o coração. Ele contava o que aconteceu e chorava. Não deu para engolir o choro também. Choramos juntos. Estive naquele momento ao seu lado, ouvindo e acolhendo. Dando uma força, sabe? O Paulo voltou para casa hoje pela manhã. Ao longo do dia fui mandando um zap para saber como ele estava. Ele falou que o clima em casa estava estranho, ninguém tocava no assunto.

09/06/20 Eu encontrei com o Paulo e a Joana um espaço na escola e fora dela. Um lugar onde posso dividir minhas tristezas, angústias, decepções amorosas, questionamentos e tals. Um espaço seguro para ser quem sou, e, que sorte tenho por encontrar esse espaço antes mesmo de entender minha orientação sexual. Fiquei pensando como posso retribuir? - Fazendo deste um espaço seguro também, onde eles sintam-se acolhidos. Lembrei de uma citação de um desses livros lidos na vida: “Identidade pessoal (atributos específicos do indivíduo) e/ou identidade social (atributos que assinalam a pertença a grupos ou categorias)” (JACQUES, 2013). Sempre fiquei muito encucado com uma pergunta que geralmente é feita em dinâmicas, aquela que todo mundo já ouviu alguma vez na vida “quem é você?” Já passei noites sem dormir pensando sobre essa pergunta e, obviamente, tentando responder. Hoje penso que ser uma pessoa bi faz parte da minha identidade e ter a liberdade de falar sobre e me expressar nos espaços, ou seja, em casa e com os meus amigos, é expressar quem sou. Eu também sou com o grupo, pertencer ao grupo LGBT+ é parte da minha identidade como pessoa. Sexualidade é uma temática que me interessa muito. Depois de pensar sobre identidade fui pesquisar um pouco e encontrei na internet um texto de Cavalcanti (2007) que diz que a sexualidade humana é ampla, ou seja, existem diversas formas de expressar o desejo, o prazer, a atração e tals (sexualidade). A bissexualidade é uma identidade sexual flexível em comparação aos polos da orientação sexual (Hetero - Homo).

2. Relatos de Vivências: Com base na prática da PIPsi, realizada por intermédio da entrevista com aplicação de questionário, cada integrante do grupo pode participar de uma experiência aproximada da prática do psicólogo, sendo essa uma das propostas da PIPsi, seja pela aplicação do questionário, condução de dinâmica ou a observação. A prática também é bastante oportuna para o desenvolvimento da habilidade de escuta, bem como, as habilidades interpessoais. Logo, esse espaço de construção proporcionado pela disciplina; o ato de planejamento do projeto; escolha da temática, definição do público alvo e etc, bem como, a aplicação e a dimensão da materialização deste projeto, leva-nos a um preparo para a futura prática profissional. Apesar da nossa dificuldade em encontrar adolescentes que pudessem participar da entrevista, o único adolescente que tivemos acesso, colaborou e demonstrou interesse. Participou de uma roda de conversa com abertura contribuindo com suas vivências e experiências acerca do tema em pesquisa, o que nos deixou muito a vontade, porém, identificamos uma determinada turbulência em pensar em experiências para o nosso diário justamente pelo relato do jovem ser raso quanto a sua descoberta. Posterior a essa etapa adotamos um questionário feito no Google Forms de forma que pudéssemos encaminhar para o público de nossa pesquisa e estendemos a opção para adultos bissexuais onde pudessem relatar suas experiências na adolescência. Obtivemos apenas um retorno embora todos os três convidados se manifestassem abertos a participar. Mantivemos a identificação ao questionário anônima. Sobre esse relato pensamos e reforçamos que o tabu da sexualidade na sociedade ainda é muito aparente e respeitamos os espaços para que os convidados se manifestassem, inclusive com o silêncio para nossas perguntas. Ressaltamos ainda que, a dinâmica da interdisciplinaridade com as disciplinas do curso corrobora na fomentação de novos conhecimentos, favorecendo assim um melhor aprendizado e uma melhor integração dos conhecimentos, a partir de um olhar de entrelaçamento entre as disciplinas do semestre em uma temática comum.

3. Referências Bibliográficas: Psicologia Social Contemporânea: Livro-texto/ Marlene Neve Strey - et al. 21. Ed. — Petrópolis, RJ: Vozes. SALLES, F. M. L. Representação social do adolescente e da adolescência: um estudo em escolas públicas. Cad. Pesq., São Paulo, n. 94, p. 25-33, ago. 1995. CAVALCANTI, D. C. Visíveis e invisíveis: práticas e identidade bissexual. 2007. 106 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. Sociologia. Recife, 2007. PONTES, F. A. Sexualidade: vamos conversar sobre isso? - Promoção do desenvolvimento psicossexual na adolescência: implementação e avaliação de um programa de intervenção em meio escolar. 2011. 282 f. Tese (Doutorado em Saúde Mental) - Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto. Porto, 2011. Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997. 126p. Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1998. 436 p. Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais : terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília : MEC/SEF, 1998. 174 p. MARCONDES, M. A DIVERSIDADE EM DEBATE: UMA ANÁLISE DA SEXUALIDADE PROPOSTA NA EDUCAÇÃO. rev. eletrônica: LENPES-PIBID de ciências sociais - UEL. Londrina: 2012. PEREIRA, J. M. Notas sobre os clássicos da Sociologia e suas contribuições para os estudos sobre processos associativos. Revista Espaço Acadêmico, v. 12, n. 138, p. 149- 158, 10 out. 2012.

Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais [Recurso Eletrônico]/ Paulo Dalgalarrondo — 3. ed. — Porto Alegre: Artemed, 2019. PAPALIA, E. D.; FELDMAN, D. R. Desenvolvimento humano [recurso eletrônico]; tradução: Carla Filomena Marques Pinto Vercesi... [et al.]. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013. PENHA, J. O que é o Existencialismo? 12. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995. 89 p. (Coleção Primeiros Passos).

Apêndice A – Questionário Qual a sua idade? Mora com quem? Tem irmãos? Quantos? Como você entende sua relação com sua família? Trabalha e/ou estuda? Como você entende sua relação na escola e/ou trabalho? Você namora ou tem um relacionamento afetivo como alguém? Como você entende essa relação? Você gosta de meninos, meninas ou ambos? Qual sua orientação sexual? Em qual momento você percebeu a sua orientação sexual? Como foi essa descoberta? Como você se sentiu? Como foi o acolhimento familiar? Como foi contar para seus pais? O que te levou a falar para seus pais? Como você se sentiu? Como está sendo sua relação com seus pais depois de contar? Como foi dentro do seu próprio grupo de amigos? Você tem amigos da mesma orientação sexual? Você se sente acolhida por eles? Como foi o acolhimento por parte da escola e/ou trabalho? Você tem espaço para expressar seus sentimentos? Tem algum espaço que você não se sinta à vontade de se expressar?


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