A CARTUXA - II                                                   EDIÇÃO DA ASSOCIAÇÃO CULTURAL                                                               A VOZ DE PAÇO DE ARCOS        A CASA DA PESCA             QUINTA DE CIMA - OEIRAS    O SUPLEMENTO CULTURAL A CARTUXA É PARTE INTEGRANTE DO JORNAL A VOZ DE PAÇO DE ARCOS    EDIÇÃO DEDICADA À CANDIDATURA - OEIRAS CAPITAL EUROPEIA DA CULTURA 2027                            Diretor: José Manuel Marreiro | Bimestral | N.º 2, JUNHO de 2021                                                                                                                                                                                                               DISTRIBUIÇÃO GRATUÍTA
A CARTUXA - II                    Editorial                    Por José Marreiro    AAssociação Cultural A             Justiça, tendo sido desconti-        Convidamos os nossos lei-           Voz de Paço de Arcos,     nuado aquando da redefinição       tores a participar com os seus           proprietária do jornal A  do modelo do estabelecimento,      conhecimentos, e ideias, que           Voz de Paço de Arcos,     que pôs fim às atividades de       possam gerar um maior inte-  decidiu criar um suplemento cul-   ensino profissional. O jornal era  resse pelas nossas “coisas”, e  tural para acompanhar a candi-     feito nas suas oficinas gráficas.  proporcionar aos oeirenses um  datura de Oeiras à Capital Euro-                                      reforçado espírito de pertença.  peia da Cultura em 2027.             Embora o título remeta para                                     a Cartuxa, o seu âmbito esten-       Serão publicados, nesta pri-    Para realçar a recente entrega   de-se a todo o território do Con-  meira fase, 4 suplementos,  do Mosteiro da Cartuxa, à CMO,     celho. Pretende divulgar o patri-  até ao fim do ano. Brevemente  e a importância deste patrimó-     mónio cultural, e acompanhar       anunciaremos o nosso futuro  nio para a cultura do Concelho,    o efeito na sua vida cultural, do  projeto.  e, desde logo, poder afirmar-se    dinamismo gerado com a can-  como uma peça importante na        didatura, desde logo com a sua       Muito obrigado por nos acom-  Candidatura, dada a sua ri-        aprovação.                         panhar nesta tarefa de divulga-  quíssima história e o que agora                                       ção da nossa riqueza cultural. l  nele vai ser implantado, um  Centro de Arte Contemporânea,  ao referido suplemento foi dado  o nome de A CARTUXA.      É de referir, que este título  foi editado por muitas décadas  pelo Reformatório, depois Insti-  tuto Padre António de Oliveira,  dependente do Ministério da    Colaboradores deste suplemento: Alexandra de Carvalho Antunes;    Assoc. Espaço e Memória; M. Barão da Cunha; Sofia Nunes; Vasco Faria Leal;  Vítor Henriques e Tânia Rocha    Capa: “A Casa da Pesca” - Aguarela de Serrão de Faria    2
A CARTUXA - II    A CARTUXA DE LAVEIRAS    A História apaixonante de um antigo mosteiro contemplativo no seu passado,  presente e futuro. (Continuação da edição anterior)     Por Victor M T Henriques          Vista geral do primeiro mosteiro da Ordem Cartuxa em Portugal: Cartuxa                                     de Santa Maria Scala Coeli, nos arredores da cidade de Évora. Observa-  I- A ORDEM DA CARTUXA              -se o edifício da igreja, ladeado por dois pequenos claustros (em Vallis     EM PORTUGAL.                    Misericordia e só se construiu um) e no espaço atrás,tal como o projetado       A Ordem da Cartuxa, nas-      paraVallis Misericordiae,o grande claustro - o maior em Portugal - ladeado     cida em 1084 com São Bruno      pelas celas individuais dos monges eremitas.   como já o vimos, só chegou a   Portugal em 1587, pela mão        tíssima amizade com estes         sas minhas, algum mosteiro, o   do então Arcebispo de Évora,      religiosos. Por que possa intro-  que será de grande consolação   D. Teotónio de Bragança, que      duzir em Portugal esta Sagrada    para mim, e para este reino um   tinha estudado enquanto jovem     Ordem, fabricando-lhe a expen-    grande benefício”.   em Paris e conhecia de lá os   monges Cartuxos, que escreve   a 1 de janeiro de 1583 ao Papa   Gregório XIII a seguinte carta:       “Beatíssimo Padre: Com par-   ticular estima, venerei e prezei   todas as Ordens religiosas,   porém, minha inclinação e afeto   foi, em especial pela Santíssi-   ma Ordem da Cartuxa, não só   pelo conhecimento que tenho   do seu contínuo exercício em   todas as virtudes, senão pela   experiência do cuidado da sua   primitiva Regra e modo de   viver angélico. Com ocasião de   ter passado muitas horas em   seus mosteiros, pude alcançar   conhecimentos dos insígnes   varões que possuí, que são   muitos, e de rara piedade e   santidade. Havendo eu assis-   tido por algum ano na famosa   cidade de Paris, contraí estrei-                                                                                                                   3
A CARTUXA - II    A capela da comunidade monástica, onde os monges Cartuxos de            solo português. A acompanhar  Scala Coeli, se reúnem em comunidade três vezes durante o dia. Desde    D. Luís Telm, vieram os padres  1960, data da restauração da vida monástica na Cartuxa eborense, que a  D. Jerónimo Ardio, e D. Francis-  antiga sacristia, tinha sido convertida em capela da Comunidade.        co Ardio Monroig e mais quatro  Abaixo: cemitério da Cartuxa eborense. Todos os mosteiros Cartuxos      monges irmãos. (De referir, que  possuem no espaço do grande claustro, o cemitério da Comunidade         estes três sacerdotes, todos  monástica.                                                              eles, vieram a ser também                                                                          Priores da futura Cartuxa de    Com autorização papal, o Ca-   envia o Prior da Cartuxa catalã        Lisboa-Laveiras).  pítulo Geral da Ordem Cartu-     de Scala Dei (Tarragona), D.  siana (consistório bi-anual dos  Luís Telm, amigo de D. Teotó-            Foram assim precisamente  Priores de todos os mosteiros    nio de Bragança, para fundar o         sete, os monges fundadores da  da Ordem) celebrado em 1587,     primeiro mosteiro Cartuxo em           primeira Casa em Portugal, tal                                                                          como em em 1084, aquando                                                                          da primeira fundação por São                                                                          Bruno.                                                                              Depois da escolha da loca-                                                                          lização do novo mosteiro (op-                                                                          tou-se pela herdade do Azinhal                                                                          a cinco quilómetros de Évora,                                                                          em detrimento de uma primei-                                                                          ra localização pensada para                                                                          Pinhel), a comunidade instala-                                                                          -se no Paço de São Francisco                                                                          na cidade de Évora, enquanto                                                                          se dá inicio às obras de constru-                                                                          ção da Cartuxa. Dado o empe-                                                                          nho de D. Teotónio em receber                                                                          os monges Cartuxos na sua                                                                          diocese, o piedoso Arcebispo                                                                          conseguiu autorização do Rei                                                                          Filipe I (II de Espanha) autoriza-                                                                          ção para hospedagem deles no                                                                          Paço, propriedade régia, onde                                                                          adaptou parte dos aposentos                                                                          a celas, para viverem o mais                                                                          perfeitamente possível a vida                                                                          eremítica até à sua transferên-                                                                          cia para a nova Cartuxa.                                                                              Foi portanto a 8 de setem-                                                                          bro de 1587, dia da festa da    4
A CARTUXA - II    Natividade de Nossa Senhora,      desejavam ver uma segunda          rem de alojamento provisório,  que os primeiros sete monges      fundação da Ordem Cartusiana       à formação de uma segunda  cartuxos espanhóis iniciam a      em Lisboa. Por sua vez, a pró-     comunidade de monges cartu-  sua vida monástica em Portu-      pria Ordem também o desejava.      xos em Portugal, enquanto não  gal pela primeira vez, na cidade                                     houvesse mosteiro definitivo, tal  de Évora. Uma curiosidade:          Em 1594, o Prior da comu-        como o Paço de São Francisco  nesse mesmo dia entrava para      nidade cartusiana eborense,        serviu de alojamento à comu-  a Cartuxa o primeiro monge        D. Luis Telm adoeceu e pediu       nidade eborense, enquanto se  cartuxo português, um pároco      a exoneração do cargo, tendo       construía Scala Coeli.  da cidade, de nome Frei Pedro     o Arcebispo de Évora, D. Teo-  Bruno. Em fevereiro do ano se-    tónio o enviado a médicos em         Vale a pena escrevermos  guinte, já eram 17 os monges      Lisboa. O facto extemporâneo,      aqui o que o padre D. Luis Telm  da comunidade cartusiana.         veio-se a tornar a oportunidade    escreveu ao Prior da Casa-                                    histórica para o efeito. 1594 foi  -Mãe da Ordem da Cartuxa, a    Em julho de 1588, a Ordem       também o ano do falecimento        Grande-Chartreuse em França  da Cartuxa confirmava a nova      de uma nobre viúva São-tomen-      a pedir-lhe companheiros para  fundação do novo mosteiro,        se em Lisboa, negra, bastante      a nova fundação: “Escolha V.  nomeando-o de Cartuxa Santa       rica, proprietária de diversas     Reverência atentamente as  Maria Scala Coeli (Escada do      fazendas de café em São-Tomé       pedras que vai enviar apara qui,  Céu), em memória da Cartuxa       entre muito outro património, e    porque esta é uma cidade cé-  Scala Dei (Escada de Deus)        benemérita da Santa Casa da        lebre, onde chegam gentes de  na Catalunha, que oferecera       Misericórdia de Lisboa. A conju-   todas as terras, e onde o culto  os primeiros monges à Cartuxa     gação destes dois fatos distan-    divino se celebra com muito  portuguesa.A devoção a Nossa      tes e estranhos entre si, dariam   zelo; aqui todas as Ordens reli-  Senhora ocupa um lugar proe-      origem ao futuro segundo mos-      giosas são observantes e fervo-  minente na espiritualidade car-   teiro português da Cartuxa em      rosas, mas a nossa é conside-  tusiana, sendo os mosteiros lhe   Laveiras.                          rada pelos habitantes de Reino  geralmente dedicados.                                                como a primeira de todas, mos-                                      Tal como em Évora, a Cartu-      trando-nos a conseguinte honra  A CARTUXA SANTA MARIA             xa de Laveiras, a 13 quilómetros   e veneração. Os portugueses  VALLIS MISERICORDIAE              de Lisboa, teve primórdios se-     tem inclinação às coisas divi-                                    melhantes aos da Scala Coeli.      nas e piedosas, e gostam de as  Os monges cartuxos, os filhos     Quando D. Luis Telm se encon-      manifestarem pelo qual se es-  de São Bruno, eram conheci-       trava sob tratamento médico em     candalizam facilmente se vêem  dos e estimados em Portugal       Lisboa, encontrou-se com um        imperfeições nos religiosos.  mesmo muito antes da sua          admirador e protetor da Cartu-     Aliás, já encontrei até seculares  vinda. Compreende-se por isso     xa, o bispo emérito de Viseu D.    tão espirituais que ultrapassam  os ciúmes da Capital do Reino,    Jorge de Ataíde, capelão-mor       mesmo as vias comuns da  ao saber instalados na Pro-       de Filipe I (II de Espanha), que   oração, e praticam as alturas  víncia. Rapidamente surgiram      disponibilizou a D. Luis Telm      da contemplação que chamam  vozes, dentro da Igreja, que      umas casas suas na Pampulha        de “teologia mística” e sabem                                    (Santos-O-Novo) para servi-                                                                         5
A CARTUXA - II    da divina oscuridão de que fala  de religiosas que se interes-     tuxos não eram “frades” mas  Dionísio o Areopoagita”.         sasse pela “quinta de Laveiras”   sim “monges” e que também                                   (certamente pelo seu extremo      não eram “pobres”. A Justiça    Adianta-se que o padre D.      isolamento e proximidade do       e a sua interpretação sempre  Luís Telm (Prior em três Car-    mar, permitindo o ataque de       foi um reduto de defesa dos  tuxas diferentes: Scala Dei      corsários, não oferecendo a       interesses instalados e dos  em Terragona; Scala Coeli em     segurança necessária a que        poderosos. Não é de agora.  Évora e Vallis Misericordiae em  uma comunidade de religio-        A realidade é que havia uma  Laveiras) é considerado como     sas ali se instalasse), surgiu a  outra Ordem religiosa interes-  um dos cartuxos mais santos      oportunidade que D. Luis Telm     sada na “quinta de Laveiras”,  daquela época. O seu Vigário     esperava. Escreve ao Rei, em      os frades Capuchos da Pro-  em Scala Coeli chegou a escre-   Madrid, sobre este Legado         víncia da Arrábida. E sendo o  ver que qualquer outra Ordem     pio, candidatando a Ordem da      rei “espanhol” e a maioria dos  religiosa teria promovido a sua  Cartuxa à herança testamen-       membros da Ordem da Car-  canonização em Roma. Só a        tária da “quinta de Laveiras”     tuxa em Portugal, tal como D.  obstinação histórica da Ordem    de D. Simoa Godinho. A sua        Luis Telm… é normal que sen-  da Cartuxa em não encorajar      carta é recebida na Corte a 4     tissem e sofressem alguma  beatificações ou canonizações    de dezembro de 1594. A 30 de      resistência para a atribuição de  de seus membros, remeteram       janeiro de 1595, El-Rei escreve   Legado testamentário de Dona  a grande figura de D. Luis Telm  à Santa Casa da Misericórdia      Simoa.  para o esquecimento da His-      de Lisboa (que era a entidade  tória. No entanto, a fundação    administradora do Testamen-         Após várias intrigas judi-  lisboeta começava, pois, san-    to de D. Simoa Godinho) para      ciais, a SCM de Lisboa atribui  tamente.                         que o convento a ser construí-    a “Quinta de Laveiras” aos                                   do na Quinta de Laveiras de       padres Capuchos da Província    Mas os primeiros anos iam      Dona Simoa Godinho, fosse         da Arrábida como consta de  decorrer à procura de terreno    dos Cartuxos.                     carta de D. Luis Telm ao Prior  para edificar a nova Casa da                                       da Cartuxa de Évora em no-  Ordem em Lisboa, e a em-           No entanto, a decisão não       vembro de 1597: “Eis algumas  presa não se estava a afigurar   foi satisfeita pela SCM Lisboa,   coisas que se referem à nossa  fácil. É, entretanto, divulgado  que analisando a carta do rei,    fundação e que me parece que  as vontades testamentárias       lhe respondeu dizendo que         devo comunicar aV.Reverência.  do Legado de D. Simoa Go-        não seria possível fazer-se       Há quinze dias a granja durante  dinho, a tal nobre e viúva rica  ali convento dos Cartuxos,        tanto tempo desejada e pedida  São-Tomense, que num vasto       pois não obedeceria em letra      por nós foi entregue aos Capu-  Testamento, deixa uma sua        à vontade de Dona Simoa:          chos pela Misericórdia, pois era  “quinta de Laveiras a freiras    pois se sua vontade era que       esta quem devia decidir. Vossa  pobres para ali construírem      fosse convento de “freiras”, e    Reverência me encomende  seu convento, e que se não       quando não, de “frades”, e a      a Deus nas suas orações por  pudesse ser destas, fosse de     Mesa Administrativa da SCM        amor de Cristo. Até aqui, D.  frades”. Como não houve ne-      Lisboa, entendia que os Car-      Luis”.  nhuma comunidade feminina    6
A CARTUXA - II      Mas a cartada final dos Car-   de vez o litigio que se tinha tor-  Santa Maria Vallis Misericor-  tuxos, neste jogo de nervos      nado um braço-de-ferro politi-      diae, Cartuxa de Santa Maria do  ainda iria ser dada. Tendo che-  co em Lisboa. O Arcebispo de        Vale da Misericórdia.Um tributo  gada a notícia da entrega da     Lisboa ainda demorou tempo a        mariano na melhor tradição da  quinta de Laveiras de Dona       publicar a decisão papal, só o      Ordem, mas também uma agri-  Simoa aos frades Capuchos        fazendo a 10 de dezembro de         doce lembrança, de quem fora  aos ouvidos do Rei D. Filipe I,  1598.                               a entidade gestora das terras: a  e tendo ele mesmo se empe-                                           Santa Casa de Misericórdia de  nhado na decisão a favor dos       Assim, os padres Capuchos,        Lisboa. Apesar desta Entidade  Cartuxos, apelou a Roma,         quanto muito, não chegaram a        tudo ter feito para não atribuir  diretamente ao Papa, interce-    estar na posse do espaço da         a propriedade da Quinta de  dendo pelos Cartuxos, alegan-    “Quinta de Laveiras” por mais       Laveiras aos Cartuxos, estes a  do que os frades Capuchos já     do que três meses. E os Car-        honraram e a perpetuaram no  possuíam na cidade de Lisboa     tuxos, graças ao empenho de-        nome da nova Fundação. Um  e seu termo, vários conven-      notado, aguerrido e incansável      gesto elegante sem hard-fee-  tos (Sintra, Barreiro, Dafundo,  do padre D. Luis Telm, torna-       lings. O novo mosteiro seria a  Algés, Loures, Torres Vedras)    ram-se os legítimos proprietá-      Cartuxa mais ocidental de toda  e os Cartuxos nenhum.            rios da Quinta de Laveiras. O       a Ordem, quase à beira mar,                                   padre D. Luis Telm, o verdadei-     olhando o sul, uma Cartuxa    Ora o Papa, Clemente VIII      ro fundador da Cartuxa lisboe-      praticamente na praia.  na Santa Sé, recebeu a em-       ta, não saboreou o fruto do seu  baixada de Filipe I, e ouvindo   trabalho, pois faleceu a 08 de        E com a tomada posse da  a exposição acerca do litigio    agosto de de 1598, quando se        Quinta de Laveiras, agora iria-  entre os Capuchos e os Car-      encontrava na qualidade de Vi-      se iniciar a construção da nova  tuxos acerca da herança tes-     sitador na Cartuxa de Cazalla,      Cartuxa.  tamentária de Dona Simoa         na Andaluzia.  Godinho, emite um Breve,                                               A par das semelhanças e  dirigido ao Excelentíssimo e       A 12 de dezembro de 1598          até contemporaneidades das  Reverendíssimo D. Miguel de      a Cartuxa tomava posse da           duas cartuxas portuguesas,  Castro, Arcebispo de Lisboa,     antiga Quinta de Dona Simoa         uma diferença iria marcar de-  dado em São Pedro, Roma, a       Godinho, três dias antes de         finitivamente o resto das suas  8 de dezembro do ano de 1597     também em Évora, os cartu-          histórias: a generosidade de  da encarnação do Senhor,         xos darem entrada na recém-         um Arcebispo D. Teotónio de  Dia da Imaculada Conceição,      -construída Cartuxa de Scala        Bragança, faltaram em Lisboa,  sexto ano do seu Pontificado,    Coeli.                              e com isso, a Cartuxa do Vale  notificando de que por deci-                                         da Misericórdia foi uma Casa  são da Santa Sé, a “Quinta         Em todo o caso, só em 1 de        pequena, com uma Comuni-  de Laveiras” mencionada no       julho de 1603 a Santa Casa de       dade exígua, abaixo do normal  testamento de Dona Simoa         Misericórdia de Lisboa redige       na Ordem. A quinta também  Godinho seria entregue aos       o documento final da entrega        era pequena. l  monges Cartuxos, arrumando       da Quinta à Cartuxa para ali                                   fazer o seu mosteiro.               (Continua na próxima edição)                                       Batizou-se a nova Casa:                                                                         7
A CARTUXA - II    O Palácio da Terrugem e a sua quinta –  património singular em Paço d’Arcos    por Alexandra de Carvalho Antunes    Oconjunto formado por Quinta e Palá-                 1. Introdução            cio da Terrugem é a memória, quase         A Quinta da Terrugem localiza-se na encosta            sempre esquecida, do que terá sido         virada a Sul entre Caxias e Paço de Arcos,            uma parte do Reguengo de Oeiras.           distando cerca de 500 metros da linha de  A quinta já não é mais que um jardim e a parte       costa e da Avenida Marginal. Da vasta  edificada resulta de mais de quatro séculos de       quinta de produção agrícola e de recreio,  profundas transformações empreendidas pelos          propriedade do município oeirense desde 3  seus inúmeros proprietários.                         de Janeiro de 1978 e, em 2004, classificada  Do conjunto há a destacar a fachada nobre,           como Imóvel de Valor Concelhio, resta cerca  orientada a sul, exibindo singular loggia dupla.     de meio hectare de um bem cuidado jardim.  O piso térreo ostenta colunas quinhentistas com      A Quinta e o Palácio da Terrugem de Baixo  capitéis dissemelhantes, revestimento azulejar       têm sido objeto de estudos de âmbito ge-  enxaquetado de colocação diversa da conven-          nealógico dos seus ancestrais proprietários.  cional, datável do início do século XVII, e lintéis  O edifício, também conhecido por Palácio  ornamentados das portas de entrada principal e       Flor da Murta, em alusão a D. Luiza Clara  de acesso à capela. A capela, originalmente uma      de Portugal (1702-1779), uma das suas pro-  ermida de que haverá memória de culto desde          prietárias, tem sido recorrentemente citado  pelo menos o ano de 1528, está adossada à edi-       em obras acerca dos amores de D. João  ficação principal. Eis alguns encantos deste ele-    V, atendendo à ligação estabelecida entre  mento patrimonial oeirense raramente lembrado.       ambos.    Fig. 1 – Palácio da Terrugem, alçado principal/sul,                    2. A quinta da Terrugem  em set. 2009. (CMO)                                                    O topónimo Terrugem en-                                                                         globa a Terrugem [de Cima]                                                                         – o lugar altaneiro – e a                                                                         Terrugem de Baixo (onde                                                                         se situa a quinta), sendo                                                                         comum desde pelo menos                                                                         o séc. XIX a denominação                                                                         Quinta da Terrugem (Fig.                                                                         2). Existem relatos que                                                                         comprovam a utilização da                                                                         quinta para fins de produ-                                                       ção agrícola e também referência às soirées                                                       que tiveram lugar no palácio.    8
A CARTUXA - II                                                               espécies tropicais no jardim); em 1934 por Sara                                                             Sofia Abecassis Seruya; e em 1970 pela firma                                                             TERIMO – Construções Urbanas e Turísticas.    Fig. 2 – Quinta da Terrugem e principais topónimos da      Fig. 3 – Implantação do Palácio da Terrugem enquadrado                                                             com os limites atuais da quinta (a vermelho) e a indicação  sua envolvente, sobre excerto do Plano Hydrographico da    dos limites da propriedade antes da urbanização concluí-                                                             da na década de 1980 (a azul). Implantação sobre Planta  Barra do Porto de Lisboa, de 1857, sondado e retificado    de Localização. (CMO/AMO)    em 1879. (Instituto Geográfico Português). Legenda: 1 –    O prolongado processo de loteamento parcial da                                                             quinta resultou na urbanização da maior parte da  Quinta da Terrugem; 2 – Terrugem [de Cima]; 3 – Laveiras;  área verde (Fig. 3) e incluiu a doação do edifício                                                             e parte da quinta à Câmara Municipal de Oeiras.  4 – Moinho da Cartuxa; 5 – Quinta da Cartuxa; 6 – Alto do  O ano de 1971 marcou a instalação, no palácio,                                                             de diversos serviços camarários, situação que  Chafariz; 7 – Fonte de Maio; 8 – Paço d’Arcos; 9 – Quinta  se manteve por mais de uma década. Depois de                                                             inúmeras discussões, ideias e pareceres acerca  das Covas; 10 – Quinta da Lagoinha; 11 – Quinta Real de    do destino a dar ao conjunto quinta e palácio, em                                                             1996 foi decidida a sua cedência à Sanest, Sa-  Caxias; 12 – Caxias; 13 – Foz da Ribeira de Paço d’Arcos;  neamento da Costa do Estoril, S.A. pelo período                                                             – já findo – de 35 anos. O contrato firmado exigia  14 – Foz da Ribeira de Barcarena. (BNP)                    que esta empresa promovesse intervenção de                                                             conservação e reabilitação do conjunto.  Desde a sua fundação, no início do séc. XVI, e  por cerca de quatro séculos, a quinta esteve, se-          3. O Palácio daTerrugem  quentemente e por herança, na posse das famí-              A atual edificação resultará de quase cinco sé-  lias: Barém, Jacques de Magalhães e Menezes.               culos de alterações e ampliações. Uma peça  Terá sido Pêro Jacques de Magalhães (fidalgo  da casa real, 1.º visconde de Fonte Arcada e 5.º  senhor do Paul da Bordeira) a instituir, em 1681,  o morgadio da Terrugem, depois herdado por  D. Jorge Francisco de Meneses (neto de Pêro  Jacques e 5.º neto de António Correia Barém).  Durante o séc. XX são inúmeros os proprietários.  Estão registadas as aquisições: em 1900 por Al-  berto Júlio da Costa Lobo da Bandeira (3.º conde  de Porto Covo da Bandeira); em 1920 por Afonso  Henriques Botelho de Sá Teixeira (comendador  das Ordens de Santiago da Espada e Militar de  Avis); em 1922 por Artur António da Costa Piano  (banqueiro no Brasil);em 1930 por Fritz OttoWirth  (que fez algumas obras na edificação e introduziu                                                               9
A CARTUXA - II    cartográfica datada de 1810 (Fig. 4) revela a im-              Fig. 5 – Alçado principal, sul, do Palácio da Terrugem,  plantação de uma construção em U, seguida de                   1985. (CMO/AMO)  duas outras, destacadas, de planta retangular, a  sul da edificação principal – acreditamos serem  as construções que vieram a dar origem ao atual  palácio e edificações anexas.    Fig. 4 – Implantação do Palácio da Terrugem no dealbar         Fig. 6– Palácio da Terrugem, detalhes de base e capitéis,                                                                 1985. (CMO/AMO)  do século XIX, pormenor de William CHAPMAN, A topo-                                                                 Fig. 7– Vista parcial da loggia, porta de acesso à capela  graphical chart of the entrance of the river Tagus: the coast  e as colunas com os capitéis 5 a 8, em nov. 2013. (ACA)    from Cape Roca to Sacavem, London, Wm. Faden, 1810.            O corpo principal, configurado pelo palácio,                                                                 com pátio interior e capela adossada, foi  (BNP)                                                          construído em franca adequação ao declive                                                                 da encosta. Desenvolve-se em dois pisos e  Segundo a escritura de doação ao municí-                       tem na sua fachada principal (Fig. 5), orien-  pio, de 1978, o total de área construída per-                  tada a sul, o alçado nobre de todo o conjunto,  fazia 2240 m2, distribuídos por, entre outros:  prédio formado por rés-do-chão e primeiro  andar, com 3 pátios e capela (superfície co-  berta de 527m2, 3 pátios somando 389m2),  casas abarracadas, adega e lagar, garagem  e cocheira, residência de caseiro, arribana  destinada a palheiro, casa com forno de  cozer, alpendre para guarda de instrumentos  de lavoura, casa em tijolo para galinheiros,  cocheiras e pombal.  Com a amputação da década de 1980 e as  intervenções ocorridas entre 1997 e o início  do novo milénio, perdeu-se por completo a  feição de quinta agrícola. As construções  mais débeis (abarracadas) foram demolidas,  enquanto as construções de alvenaria se  mantiveram e adequaram aos novos usos.    10
A CARTUXA - II    com loggia dupla. A do piso 1 é embelezada            a capela detém peculiar valor enquanto me-  por sete arcos, sendo o central arco abati-           mória das edificações originais; inicialmente  do e os outros seis, que o ladeiam, arcos             seria uma ermida, isolada e destacada na  de volta perfeita. As oito colunas de capitéis        fértil encosta da quinta de produção agrícola.  quinhentistas, dissemelhantes, exibem orna-           Segundo Jorge Miranda, há registo de que  mentação geométrica e vegetalista (Figs. 6            Frei Bartolomeu dos Mártires (1514-1590)  e 7). O piso superior é também valorizado             possa ter ali realizado, em 1528, a sua pri-  por seis colunas, mais esbeltas do que as do          meira missa.  piso térreo.                                          O acesso nobre ao interior do corpo princi-  A porta de acesso à capela (Fig. 8) é orlada          pal faz-se por porta com emolduramento em  por molduras escalonadas. A padieira é en-            cantaria com bom grau de compacidade e  cimada pelas armas do escrivão da fazenda             com lintel valorizado por elementos geomé-  d’El Rei D. João III Damião Dias (o leopardo          tricos (Fig. 9).  rampante, ao centro) – que surgem ladeadas  por módulos vegetalistas, um dos quais re-  gista o ano de 1549 e outro a inscrição “Ave  Maria”.                                                          Fig. 9– Pormenor do emolduramento da porta de entrada                                                        nobre, na loggia, fachada sul, em nov. 2013). (ACA)    Fig. 8– Pormenor do emolduramento da porta de acesso  O acervo azulejar do Palácio da Terrugem é  à capela e pormenor com data, em nov. 2013). (ACA)    diverso quanto à sua datação e motivos repre-                                                        sentados. Os elementos decorativos em azu-  Em finais de 2013 a capela carecia, ainda, de         lejo serão provenientes de outras edificações.  alguns trabalhos de conservação e restauro.           É o caso dos “azulejos enxaquetados, com  Os andaimes então ali colocados não per-              placas brancas separadas por tarjas esmalta-  mitiram a sua análise adequada, no entanto            das a verde, do início do século XVII”, consi-  não foram observados quaisquer elementos              derados por José Meco “os azulejos mais an-  de particular interesse artístico. Cremos que         tigos do Concelho de Oeiras”. Do interior há a                                                        registar um painel com o jogo das quilhas, do                                                        terceiro quartel de Setecentos, alegadamente                                                        furtado; e um outro painel, datável de finais do                                                        século XIX, de uma sala inferior da casa.                                                        São também notáveis e merecedores de cui-                                                        dada abordagem: as espécies vegetais, os                                                        dois lagos ornamentais (um a poente e outro,                                                        menor, defronte da fachada nobre do palácio)                                                        e o relógio de sol.                                                          11
A CARTUXA - II    Algumas fontes e bibliografia: Alexandra de    Passeio de Lisboa a Cascais por mar e terra,  Carvalho ANTUNES, “Quinta e Palácio da         Lisboa, Imprensa Nacional, 1868; Fernando  Terrugem, em Paço d’Arcos: contributo para     LOPES, Os Barém e a Terrugem de Oeiras,  o seu estudo”, A Villa Renascentista – Arqui-  comunicação apresentada a 24.08.2015,  tetura, Jardins e Paisagem. Visão Pluridisci-  nos Diálogos em Noites de Verão da Espaço  plinar dos Espaços e Vivências da Quinta de    e Memória – Associação Cultural de Oeiras;  Recreio de Conceção Renascentista, 2016,       José MECO, “Azulejaria no Concelho de  Caleidoscópio, p. 315-326; Arquivo Muni-       Oeiras, Palácio Pombal e a Casa da Pesca”,  cipal de Oeiras (AMO), Livro 92 das Escri-     Cadernos da Biblioteca Operária Oeirense,  turas Notariais da CMO, P.º 1478/1972, SP      Oeiras, 1982; José MECO, Azulejaria Por-  16/85; Maria ARCHER e Branca de Gonta          tuguesa, Lisboa, Bertrand Editora, 1985;  COLAÇO, Memórias da Linha de Cascais,          José MECO, “Património artístico de Oeiras  Parceria A.M.Pereira,1943; CMO Plano de        – séculos XVI a XIX”, 1.º Ciclo de Estudos  Salvaguarda do Património Construído e         Oeirenses. Oeiras – a Terra e os Homens,  Ambiental do Concelho de Oeiras, ed. CMO,      Oeiras, Ed. Celta e Câmara Municipal de  Oeiras, 1999; Digressão Recreativa – Pas-      Oeiras, p. 137-154; Jorge MIRANDA, “Frei  satempo Alegre ou Revista do Viver das         Frei Bartolomeu dos Mártires: reconheci-  Praias, na epocha dos banhos do mar, no        mento da santidade do Beato da Terrugem  corrente anno de 1870, Lisboa, Typogra-        demorou quatro séculos”, Jornal da Região,  phia Portugueza, 1871; Rogério de Oliveira     n.º 235, ano 5.º, 15.11.2001, p. 9; Amílcar  GONÇALVES, O palácio dos Arcos meio            Gil PIRES, A Quinta de Recreio em Portu-  milénio, Oeiras, ed. CMO, 1989; Rogério        gal: vilegiatura, lugar e arquitectura, Casal  de Oliveira GONÇALVES, Terrugem. Terra e       de Cambra, Caleidoscópio, 2013; Anne de  gente de Paço de Arcos, Oeiras, Município      STOOP, Quintas e palácios nos arredores  de Oeiras, 1995; Lívio da Costa GUEDES,        de Lisboa, Barcelos, Livraria Civilização,  O Arco Belém – S. Julião da Barra, contor-     1989; M.P. VIDEIRA, Monografia de Paço de  no da enseada de Paço de Arcos, Lisboa,        Arcos, Caxias, Tip. do Reformatório Central  1986; D. José Coutinho de LENCASTE,            de Lisboa, 1947. l    12
A CARTUXA - II                              SOBRE UM POTENCIAL EFEITO                            BORBOLETA, SOBRE A                            BIBLIOTECA OPERÁRIA OEIRENSE                              Por Sofia Nunes @cameraindiscrete    No centro da vila de Oeiras, no número 119            da Rua Cândido dos Reis, encontra-se            um edifício ligeiramente avançado, que al-            berga uma biblioteca cujo propósito ultra-  passa, em larga escala, a definição dessa mesma    palavra.Sentei-me à conversa com a Isabel Domin-    gos, a atual presidente da Biblioteca Operária Oei-    rense (BOO), para desvendar um pouco da história    deste emblemático local.    Tudo começou, oficialmente, a 17 de julho 1933.         Foi neste espaço, em pleno Estado Novo, que  Um grupo de jovens, na sua maioria operários,         várias pessoas se juntaram também para partici-  juntou-se com o intuito de ensinar os seus colegas    par nos debates e conferencias que ali decorriam.  a ler. Tinham como mote “Depois do pão a instru-      O objetivo era gerar conhecimento, trocar e trans-  ção”. Existia, na altura, uma grande percentagem      mitir ideias, respeitando sempre o próximo e a sua  de analfabetismo, pelo que a sua missão consistiu     ideologia. Era algo de diferente para a época.Trata-  em reunir um conjunto de livros e criar as condi-     va-se de um local para todos, com muita abertura  ções necessárias para os ler. Com esse objectivo,     e comunicação, realidade que se mantém nos dias  foi criada uma comissão instaladora, composta por     de hoje.  Fernando Gomes Bonvalot, Cipriano Martins, Joa-  quim Duarte e Carlos Nobre, que levou a cabo as         A biblioteca teve assim um importante papel na  tarefas necessárias à fundação da BOO. Arranca        alfabetização e instrução dos trabalhadores de  com 25 sócios fundadores, contando com o apoio        Oeiras, papel que se foi mantendo ao logo dos  de Agostinho José Fortes, então Professor catedrá-    anos, cobrindo, entre outras, a necessidade de  tico na Faculdade de Letras de Lisboa que, à data,    ensino noturno, que praticamente ainda não exis-  elaborou os respectivos estatutos.                    tia, apoiando alunos mais velhos, portugueses ou                                                        de outras origens.    No início, a coleção de livros apenas contempla-  va autores clássicos, oferecidos espontaneamente        Em 1976, após a revolução de abril, um grupo de  pelos membros fundadores ou por outras pessoas        jovens oeirenses voluntariou-se para iniciar outras  que desejavam contribuir para o seu património.       atividades na biblioteca. A função de alfabetização  Com o passar do tempo, o número de volumes            e de biblioteca ainda existiam, mas viriam a perder  foi aumentando e nos anos 50, 60 e 70 a coleção       paulatinamente a sua expressão com a difusão do  ganhou mais romances, o género mais requisitado,      ensino noturno, com o surgimento das bibliotecas  incluindo até alguns livros em Esperanto.             escolares e, mais tarde, com a criação da biblio-                                                                 13
A CARTUXA - II    teca municipal. A BOO foi então mudando o seu          artistas convidados liam os seus poemas, a BOO  percurso. Em 1981 já contava com variadíssimas         realizava este evento, mais informal, onde sócios e  oficinas, nomeadamente de música, construção de        não sócios podiam declamar os seus poemas ou  instrumentos, comunicação visual e comunicação         outros que desejassem. Este espaço seguro de  social. Incluía ainda atividades ligadas à animação    partilha, serviu de palco a vários talentos locais,  infantil, fantoches, chegando a promover uma feira     criando as condições necessárias para que pudes-  do livro que decorreu até 1989.                        sem seguir o seu caminho. Miguel Partidário come-                                                         çou a declamar na biblioteca com apenas 6 anos,    Num pequeno vídeo do programa Inventário Mu-         tendo neste momento dois livros publicados. Carlos  sical, realizado por Francisco d’ Orey, para a RTP,    Pedro, Jorge Castro e Luís Macara, são outros dos  sobre as actividades da BOO, denota-se um claro        nomes que por lá passaram e que hoje em dia são  foco na diversidade da oferta, com o intuito de criar  poetas editados.  um espaço que servisse toda a população. Natu-  ralmente que esse facto contribuiu para diversificar     Ainda no âmbito do apoio e da divulgação, a  o leque de pessoas que iam integrando a “família”.     BOO também criou a possibilidade de os artistas                                                         poderem expor e vender o seu trabalho. Alguns    A BOO desconstruiu a ideia de que era necessá-       destes artistas cresceram graças a esta oportu-  rio um curso para aprender, acabando por fugir, no     nidade, tendo desenvolvido posteriormente os  caso da música, do conceito de ensino tradicional.     seus próprios negócios. A BOO funcionou como  Tinha uma abordagem inovadora. Os alunos eram          incubadora, criando as condições necessárias à  integrados em grupos para poderem ter uma apli-        promoção destes artistas, dando-lhes a oportu-  cação prática do que iam aprendendo nas aulas,         nidade de testar, no mercado real, o potencial da  solução bastante motivadora. É importante frisar       sua arte. Hoje em dia, possivelmente pelo desen-  que ainda não existiam escolas de música nessa         volvimento das plataformas digitais, as pessoas  altura.Mais uma vez a BOO dava um passo no sen-        já não procuram tanto esta solução mas, à data,  tido de colmatar as necessidades locais, apoiando,     existiam poucos locais onde se pudesse expor sem  divulgando e promovendo a cultura.                     títulos e preconceitos. As vitrines que albergavam                                                         essas obras de arte, expõem agora o trabalho    Para além das atividades descritas, foram            que vai sendo realizado nas oficinas. E com este  também realizadas variadíssimas exposições e           mote voltamo-nos para o presente. A BOO conta,  ateliers, de onde viriam a nascer alguns dos grupos    atualmente, com cerca de 3500 associados, dos 8  musicais que podemos ver na atualidade. Destaco,       aos 80 anos. Antes da pandemia, estavam em ati-  a título de exemplo, o Cramol, um grupo de canto       vidade cerca de 300. A biblioteca oferece um vasto  tradicional de mulheres, que celebrou o seu qua-       conjunto de atividades que passam pela azulejaria,  dragésimo aniversário em setembro de 2019. O           pintura e ateliers de técnica vocal e de instrumentos  seu reportório provem, essencialmente, dos can-        (piano, guitarra clássica, guitarra portuguesa, baixo  cioneiros existentes e dos aquivos etno-musicais       elétrico, bateria e violino). As aulas são individuais  de Vergílio Pereira e de Michel Giacometti. Cantam     e, em vez de regidas por um programa específico,  a vivência das populações rurais, que passa pelas      adaptam-se aos objetivos de cada um, quer seja re-  canções de embalar, de trabalho no campo, religio-     cordar, começar do zero, reforçar ou preparar para  sas e de amor.                                         o futuro. Deste modo, a BOO continua a pautar-se                                                         pelos valores que estiveram na sua génese, man-    Há uma outra atividade que decorre há mais de        tendo-se ali um espaço de descoberta e incentivo  20 anos e que merece ser destacada.A Madrugada  da Poesia.Na sequência das sessões de poesia or-  ganizadas pela Câmara Municipal de Oeiras, onde    14
A CARTUXA - II    ao gosto pela música e outras artes.                    para promover a entrada de novos elementos.    Existem ainda três grupo corais: o Cramol, des-         Este é um espaço que me é muito caro, por ter    crito anteriormente; o coro misto ComSonante e o        sido aqui que dei os meus primeiros passos oficiais  coro À Quinta Voz, também misto, mas com alguns         na música e por onde, ainda hoje, vagueio nesta  instrumentos tradicionais; três grupos instrumen-       procura do eu e da minha voz. A BOO ensinou-me  tais: o Cantabilé, um sexteto de música de câmara;      a ver o mundo de uma forma diferente.Talvez tenha  o Fado em Nós, um grupo de fado e o Grupo Har-          contribuído para construir em mim esta ideia de  monia, um grupo de harmónicas; e dois grupos de         que nunca é tarde para aprender. Que há sempre  teatro juvenil.                                         tempo, que tudo é possível, desde que haja von-                                                          tade, naturalmente. Não sei quem era a senhora,    E com todas estas atividades, será que a BOO          mas sei que tinha mais de 70 anos, cruzei-me com  ainda funciona como biblioteca? A resposta é “Nim”.     ela num dos corredores e disse-me que estava a  A sua coleção de livros, que conta com de cerca de      aprender piano. Piano, aquele instrumento com 88  7000 exemplares guardados e devidamente catalo-         desafios que habitualmente se atacam com tenra  gados no rés-do-chão, pode ser explorada através        idade.  do site da Biblioteca Municipal de Oeiras. Já não  é possível levar livros para casa, dada a sua pro-        Espaços como este têm magia. Não se esgotam  vecta idade, mas podem ser consultados. Ocasio-         nas aprendizagens da sala de aula e nas trocas  nalmente, são visitados por historiadores que ainda     com os professores. Abrem-nos os horizontes e  procuram esses tesouros.O nome mantém-se para           ajudam-nos a ver o mundo e algumas das suas po-  homenagear a sua história e quem a fundou.              tencialidades. Criam-nos a possibilidade de explo-                                                          rar a nossa arte, em segurança e ao nosso ritmo,    A pandemia veio gerar novos desafios que estão        adaptando-se às nossas particularidades.  a contribuir para desenhar o futuro.A BOO continua  a adaptar-se aos sinais dos tempos e aos estímu-          Pela sua história, percebemos que a BOO esteve  los da população, funcionando neste momento em          sempre alinhada com as necessidades que vão  regime misto, entre o presencial e o virtual. O futuro  surgindo na população e arrisco mesmo dizer  está no digital e a pandemia veio fazer ecoar essa      que esteve sempre um passo à frente. Agrada-me  necessidade, quer a nível interno, quer ao nível da     pensar que pode ter contribuído para o facto de,  população. Fala-se de alfabetização digital, mas,       hoje em dia, Oeiras ser um dos municípios com  neste momento, o foco está na recuperação da ati-       maior número de licenciados e doutorados, sendo  vidade. Num futuro próximo, terão alguns projetos       também um dos mais inovadores. Imagino que seja  ligados ao Cramol, designadamente conferências          longa a lista de escritores, artistas plásticos e músi-  sobre a mulher e o canto e workshops de canto,          cos que por aqui passaram e continuarão a passar.                                                          A missão e percurso da BOO alimentam a minha                                                          convicção de que todos os pequenos passos con-                                                          tribuem para um mundo melhor. Resta-me deixar                                                          o convite para visitarem e descobrirem o que de                                                          bom se faz neste espaço. Talvez algum dos seus                                                          mundos ecoe em vós.Vale a pena espreitar o edifí-                                                          cio pré-pombalino, dos finais do século XVII, princí-                                                          pios do século XVIII, onde se encontram sediados,                                                          guardando as suas paredes magníficos azulejos                                                            que resistiram ao grande terramoto. l                                                            15
A CARTUXA - II                PARQUE DOS POETAS                             Por M. Barão da Cunha  Aúltima edição e           n.º 34 de A Voz de  Foram o escultor Francis-      bom catálogo e a participa-           Paço de Arcos e o   co Simões, que agora vive      ção do professor David Mou-           seu suplemento A    na Madeira, e o, entretan-     rão-Ferreira, o que achei ex-                               to falecido, doutor e poeta    celente.                                                              Existe uma edição monu-  Cartuxa fizeram-me pensar David Mourão-Ferreira, meu        mental ilustrada, em formato                                                              A4, da Câmara Municipal de  no início do Parque dos professor em Românicas,             Oeiras, Parque dos Poetas,                                                              poesia, escultura e paisa-  Poetas, outro emblema de na Faculdade de Letras de          gem, de 2007, com 352 pá-                                                              ginas. Integra vários textos,  Oeiras.                      Lisboa.                        sendo o de abertura da au-                                                              toria do presidente da CMO,  Este pensamento foi reforça- Quando me encarregaram         dr. Isaltino de Morais que                                                              inclui, em pp. 6/8:  do pelo amável convite que de preparar a inauguração        «O Parque dos Poetas é                                                              uma obra única, nascida  recebi ontem, da parte da da Verney, pensei no escultor     dos sonhos de uns e da ca-                                                              pacidade de concretização  Câmara Municipal de Oeiras Cutileiro e ainda fui falar com  de tantos outros, irmanados                                                              todos pela vontade de tornar  e através da Livraria-Galeria ele a Évora. Ele recebeu-me   possível o que muitos outros                                                              julgavam impossível. (…) Fe-  Municipal Verney, para parti- bem, mas disse que não        lizmente há sempre alguém                                                              que não esquece que “o  cipar no evento relativo aos contasse com ele «para dar     sonho comanda a vida” (…)                                                              A história remete-nos para  25 anos de falecimento do votos ao Isaltino» … Achei        20 de Maio de 1995, quando                                                              na (inauguração da) Galeria  grande escritor e professor estranho, pois ele acedera a    Verney tive o grato gosto                                                              de conhecer dois homens  David-Mourão. Ferreira.      um convite de Cavaco Silva;    que marcaram os passos    A Verney foi inaugurada, em penso é que não acreditou    1995.05.20, pela arte do no projeto, o que me obrigou    escultor Francisco Simões, a procurar outro artista, cuja    associada à poesia de David obra também apreciava, o    Mourão-Ferreira. E daí escultor Francisco Simões.    nasceu o Parque dos Poetas. Fui a Sintra com algum    O «sonho» do Parque dos receio, pois um socialista já    Poetas foi inspirado numa rejeitara a hipótese e Simões    sugestão dos primeiros ar- tinha sido vereador de um    tista plástico e escritor a par- município comunista. Mas    ticiparem na Livraria-Galeria foi uma agradável surpresa a    Municipal Verney, em 1995, reação dele, que me pareceu    que eu tive o gosto de coor- bem mais sensata. Aceitou    denar até 2007, salvo erro. com condições, incluindo um    16
A CARTUXA - II    seguintes: o escritor David     mais relevantes, a serem        aos outros e bom senso.  Mourão-Ferreira e o escultor    executadas pelo escultor        Antes de vir trabalhar na  Francisco Simões. A partir      Francisco Simões. O sonho       Câmara Municipal de Oeiras,  de uma exposição conjunta       começava a ganhar forma         em 1993, graças à interven-  da obra destes dois mes-        (…) de uma acalorada e ines-    ção do maestro José Atala-  tres da cultura portuguesa,     quecível discussão surgiu a     ya, fui o 1.º diretor do De-  construiu-se uma relação de     ideia de ir mais além. Passar   partamento de Cultura da  amizade e uma ideia que,        da alameda para o parque,       Câmara Municipal de Lisboa,  desde logo, despertou o         dos poetas do século XX         em 1989/92, tendo assistido  meu entusiamo: associar a       para a poesia e a língua por-   a uma atitude diferente da  poesia e a escultura num tri-   tuguesa, em Portugal e no       que aconteceu em Oeiras,  buto à cultura portuguesa do    Mundo (…)                       onde o presidente da CMO  século XX. Algo que consti-     Surgia assim a primeira for-    acolheu a ideia inicial de «20  tuísse uma marca distintiva     mulação da ideia do Parque      poetas do século XX no ano  do concelho de Oeiras e que     dos Poetas (…) este Parque      2000», encarregando o autor  representasse uma homena-       é o principal cartão-de-visita  da mesma, escultor Francis-  gem ao legado que poetas e      da excelência ambiental de      co Simões, de a concretizar,  artistas plásticos transmitiam  Oeiras.»                        embora o seu sonho tivesse  às novas gerações de Portu-                                     sido maior, acrescentando  gueses.                         Este testemunho do nosso        outras fases de outros auto-  Assim surgiu a ideia de uma     Presidente recorda-me mais      res ao Parque dos Poetas.  Alameda dos Poetas: 20 re-      uma diferença no âmbito de      Para mais pormenores, ver  presentações escultóricas       «o homem sonha, a obra          O Homem Sonha? edição da  dos 20 poetas portugueses       nasce», mas com atenção         CMO, 2020.12.28. l                                                                    17
A CARTUXA - II    ORIGEM E PERCURSO ATRIBULADO DA  CARTUXA DE LAVEIRAS  Por EMACO                                   particular protector da Ordem     da Pólvora Negra situadas  Laveiras: a vontade              Cartusiana nos territórios do     a montante, acabava então         testamentária de D.       seu império.                      numa vasta praia precedida         Simoa Godinho                                               de um “lagoar”(lagoal). Em         cA Ordem dos Filhos de      Ainda que Ulyssoponensis        ambas as margens, uma  São Bruno, ordo cartusiensis,    (de Lisboa), a segunda Cartu-     extensa várzea propiciava  fundada em 15.08.1084, dia       xa será reconhecida, mesmo        o fabrico das ricas terras  da solenidade de N.S. da As-     na documentação, pela proxi-      de aluvião. Será aqui, como  sunção, expandiu-se por toda     midade da localidade que a viu    noutros lugares do termo  a Europa Católica a partir da    frutificar (1). Várias vontades   de Lisboa, que o fidalgo da  Casa Mãe, situada na Char-       e circunstâncias vieram a de-     Casa d´El Rei Luis de Almei-  treuse, perto de Grenoble,       terminar a sua localização, na    da, enriquecido com os ne-  nos Alpes franceses. Porém,      margem esquerda da Ribeira        gócios de escravos e açúcar  só em 1587 os sete primei-       de Barcarena, próximo de La-      no Golfo da Guiné, vem ad-  ros monges cartuxos viriam a     veiras, lugar de escassa popu-    quirir uma quinta que, nos  instalar-se em Portugal, sob o   lação no século XVI e, princi-    finais do século XVI, estava  patrocínio do Arcebispo Dom      palmente, a suficiente distância  entregue a caseiros que a  Teotónio de Bragança que a       do “deserto” semi-eremítico (2)   faziam produzir. Falecido e  suas expensas, em vida e por     tão ansiado pelos monges car-     sem descendência, a sua  legado, vai promover o seu       tuxos, adeptos do isolamento e    viúva, Dona Simoa Godinho,  acolhimento e instalação no      contemplação. Ao contrário, na    natural de São Tomé, “mulher  mosteiro de Santa Maria Scala    populosa Lisboa, onde os pri-     parda”, com residência em  Coeli (escada do céu) que faz    meiros cartuxos se instalaram     Lisboa, às Portas do Mar,  erigir nos arredores da cidade   em casas na Pampulha, cedi-       paredes meias com casas  de Évora.                        das por Dom Jorge de Ataíde       da alta nobreza, pressentin-                                   - capelão-mor do reino e Bispo    do a proximidade da morte,     Pouco tempo após a funda-     de Viseu, os seguidores de São    manda elaborar ao seu con-  ção da Cartuxa Eborensis, en-    Bruno não encontravam o si-       fessor franciscano da Provín-  viados desta Casa são incum-     lêncio que procuravam, apesar     cia da Arrábida, em Fevereiro  bidos de procurar na capital     de aí terem mantido hospício      de 1594, um extenso testa-  do reino um lugar apropriado     próprio, ao Salitre, até ao pro-  mento, seguido de codicilo,  à instalação de outro mostei-    cesso de extinção das ordens      e nomeia a Misericórdia de  ro, por forma a cumprir-se a     religiosas no século XIX.         Lisboa sua principal herdeira  vontade dos principais benfei-                                     e testamenteira. Neste docu-  tores dos quais destacamos,        A Ribeira de Barcarena, cujo    mento notarial ficou expressa  pela sua influência, o novo rei  topónimo fluvial vai perdurar,    a sua firme vontade de que  de Portugal, Filipe II de Espa-  certamente devido à fama das  nha, devoto de São Bruno e       Ferrarias de El Rey e Fábrica    18
A CARTUXA - II    na sua Quinta de Laveiras        Entre conflitos: de “cabanas”      mente aos pedidos expostos                                   a “mosteiro”                       com que se procura o aumento  se edificasse, instalasse e                                         da religião e do divino culto, e                                     Sabedores do conteúdo do         para que esses votos surtam  sustentasse um mosteiro de       testamento, aberto no dia ime-     efeito conforme desejo do nosso                                   diato à morte de Dona Simoa,       coração, sobretudo porque isto  freiras ou frades pobres.        26 de Março de 1594, os re-        nos é solicitado pela piedosa                                   presentantes e partidários dos     devoção dos Reis Católicos,  “Se acaso morrer sem fazer       cartuxos em breve abrem uma        mandamos mudar algumas  de minha quinta de Lavei-        “guerra” pela posse da proprie-    disposições dos testadores,  ras Mosteiro de Religiosas       dade, procurando substituir-se     segundo vemos que convém  pobres, como desejo, e confio    aos capuchos, privilegiados        no Senhor.” (…) como aquele                                   pela testamenteira, argumen-       lugar por ser próximo ao mar e  fazer, ainda que quem me         tando que estes já possuíam        afastado de Lisboa e do trânsi-                                   vários convento no termo de        to humano, não se pode fazer  este meu testamento me faz       Lisboa. Não obstante, a Mise-      mosteiro de monjas(…). Nós                                   ricórdia de Lisboa permanece       que com gosto anuímos aos  poem dificuldade de estarem      firme, pretextando serem os        pedidos de quaisquer fiéis, es-                                   franciscanos, ao contrário dos     pecialmente dos Reis Católicos,  ali mulheres, eu desejo que      cartuxos, considerados pobres      (…)agora absolvemos e con-                                   e, portanto, conformes com a       sideramos absolvidos o Prior  se celebre ali o ofício Divino,  decisão testamentária de Dona      e demais pessoas, apenas                                   Simoa. Instado a fazer valer a     para este assunto, (…) que  pelo que peço ao Senhor          sua autoridade, o todo-podero-     concedas a nossa autorização                                   so Filipe II é confrontado com a   (…)para construírem edificarem  Provedor e a meus testa-         oposição jurídica da Misericór-    nesse lugar um mosteiro para                                   dia e os escrúpulos dos mesá-      doze o menos irmãos dessa  menteiros façam na mesma         rios, acabando o monarca por       Ordem. O qual uma vez cons-  quinta Mosteiro de Religio-      solicitar um Breve Apostólico      truído assignarás, com a auto-  sas pobres, e quando nam         do Papa Clemente VIII (1597),      ridade predita, os réditos anuais                                   capaz de alterar o sentido da      com os bens preditos, conforme  puderem bem serem freiras,       interpretação testamentária feita  a disposição da mesma Simoa.                                   pelo provedor e Mesa da Santa      Dado em Roma, em São Pedro,  sejão frades, de maneira que     Casa.                              no ano de 1597 da encarnação                                                                      do Senhor. Nos idus de Dezem-  nella se sirva o Nosso Senhor      “Clemente, Bispo, Servo de       bro do sexto ano do nosso Pon-                                   Deus, ao seu dilecto filho o       tificado.” (4)  Deus, por pessoas Ecclesiás-     Oficial de Lisboa, saudação e  ticas e Religiosas(…) Santa      apostólica benção. Procurando        In “Revista Espaço e Memória  Caza Misericórdia(..)minha       exercer, enquanto podemos, o       Nº2”, gentilmente cedido pela  universal        herdeira(…)     cuidado pastoral do múnus que,     Assoc. Espaço e Memória. l                                   embora indignamente, nos foi  depois de haveren incorpo-       incumbido, anuímos gostosa-                  (Continua no próx. Número)    rado o juro, que desejo seja    na Santa Caza perpétuo, tire    dele cem mil reis, (…) pera  se gastarem em compor a  quinta e a ordenar em Mos-  teiro, e depois de efectuada    o Senhor Provedor me faça    mercê e esmolla de querer    ser Padroeiro, e tirará do juro    ou rendimento da fazenda de    Sam Thomé (…)que bastará    pera ali se puderem sustentar    dez ou doze Religiosos, se    não for possível serem mu-    lheres (…)”.(3)                                                                        19
A CARTUXA - II    A CARTUXA VIVE-SE!    Por Tânia Rocha    Quando penso na                  Um lugar demasiado         cada dia que passava, a de-             Cartuxa, penso      bonito e cheio de história   gradar-se à vista de todos.             com o coração,      que não se podia deixar,     Mas nunca, infelizmente,             nem sei fazê-lo de  morrer e ainda bem.          nada passou do papel, par-  outra forma.                                                tilhado apenas com algu-  São memórias herdadas            Nestes anos de abando-     mas pessoas próximas, e  de uma criança que foi feliz   no, pensei, como artista     hoje arrependo-me por isso.  entre aquelas arcadas.         plástica de formação, que                                 se poderia fazer um movi-      Quando me pedem para    Quando penso na Cartuxa      mento, um manifesto, inter-  falar sobre a Cartuxa a  e exatamente por ter vivido    venções artísticas de forma  minha cabeça começa a  os anos mais importantes       a chamar a atenção para o    borbulhar de ideias, tenho  da vida de uma criança que     que se estava a passar ali,  as todas no papel e no  está a crescer e a apren-  der, penso na Cartuxa para  todos e de todos.      O seu lugar não é um  lugar de passagem, é um  lugar onde é preciso ir com  um propósito. E, portanto, há  que dar esse novo propósito  àquele lugar.      Saber que se vai reabilitar  a Cartuxa, enche-me a alma.  E acredito que não seja só  a mim. Mas a todos os que  têm memórias de lá, como  aos que não tem nenhuma,  porque aquele lugar é um  lugar que envolve e que se  deixa admirar por quem lá  passa e o conhece, já fiz  prova disso.    20
A CARTUXA - II                                   MANIFESTO – A CARTUXA VIVE!!!    amor que sinto por ela. A      Falo para os monges que habitam estas paredes, porque eles  Cartuxa Vive-se! Era o título  cuidaram daquilo que lhes pertencia.  do meu manifesto. Porque é  assim que a vejo.              Hoje aquilo que nos pertence é ignorado, deixado ao aban-                                 dono…    Vejo as pessoas a entra-  rem naquele lugar para o vi-   Não reconheço os modos do meu país, perante o património,  verem. Para o trabalharem.     perante a cultura! E por não me rever nele, faço este manifes-  Para o respirarem. Para        to: A Cartuxa Vive!”  o partilharem. Vejo espe-      Porque acredito no amor dos Homens, nas recordações que  táculos e concertos. Vejo      nascem desse amor, do amor que se guarda dos lugares  workshops. Vejo ensaios        onde fomos felizes.  de teatro. Aulas de música.    Apelo a quem viveu e a quem não viveu, mas podia ter vivido  Ateliês e intercâmbio de       e a todos os que podem vir a viver…este espaço abandona-  artistas. Um lugar vivo, um    do é de quem o queira promover, recuperar, recriar a quem  lugar em que as pessoas        o queira viver!  chamem de casa, um lugar  de todos.                      As coisas pertencem a quem cuida delas. A palavra é invadir!                                 É dar vida! É criar! É usar!    O potencial do espaço é  incrível. O que se pode fazer  Num mundo em crise e individual a palavra de ordem é unir -  daquele lugar também.          trabalhar em uníssono!      Há duas palavras que         A manifestação da mudança, não está nas grandes multi-  espero que venham definir a    dões, mas na coragem de se mover a si próprio!  Cartuxa do futuro: Partilha e  Vida E a cartuxa merece. l     A cartuxa a quem a queira cuidar!                                   … ou isso, ou o abandono e o silêncio, onde mortos, os mon-                                 ges dormem!                                                                                                   21
A CARTUXA - II    CENTRO DE LAZER DA CARTUXA CAXIAS    CULTURA - RECREIO - DESPORTO    Por Vasco Farial Leal    Pretende-se a criação            teriores                       2.4 Religião            de uma organização     3.2 Natação recreativa         Manter a igreja aberta ao            sem fins lucrativos,   3.3 Passeios/corrida           culto, com a sua recupera-            mas autossuficien-     3.4 Agricultura                ção e dos espaços próprios.   tes em termos de gestão fi-     3.5 Convívio   nanceira.                                                      3.2 Natação   Considera se o investimen-      4. Desporto                    - Recuperação do tanque da   to camarário como um bem        4.1 Futebol/futebol de 5       “Nogueira” para piscina re-   comunitário que deverá ser      4.2 Andebol, Basquete,         creativa   retribuído através do ser-      Vólei, Padle                   - Pequeno vestiário e casa   viço prestado, sem desen-       4.3 Ténis                      de banho   volvimento, e atenuado na       4.4 Equitação                  - Bar self-service com arran-   medida do possível.                                            jo exterior para convívio   Para tal considera se o recur-  5. Apoios                      - Criação de apoio a natação   so a voluntariado e funciona-   Serviços administrativos e     em águas livres (praia)   mento no máximo possível        gerais, restauração, cafés,   em regime de self-service,      hospedaria                     3.3 Passeios/Corrida   contando com a civilidade e                                    - Organizar percursos   respeito mútuo dos utentes.     2.1 Música                     - Balneários gerais aos Des-   Os utentes serão pagantes,      Aproveitamento da igreja,      portos   mas a preços muito reduzi-      julgo haver também um   dos.                            espaço em que se fazia         3.4 Agricultura                                   cinema e espetáculos, apro-    - Recuperar tanque de rega   2. Cultura                      veitamento de algumas salas    (Tanque em frente aos Santa   2.1 Música                      para lições: formação de con-  Martha), abastecimento de   2.2 Biblioteca e Núcleo Mu-     juntos, orquestras e coros.    água (era de Minas e poços   seológico                                                      com moinho de vento)   2.3 Promoção de exposições      2.2 e 2.3 Biblioteca/ Núcleo   - Atribuir os talões existen-   e conferências                  Museológico/Exposições/        tes, definidos pelas cercas   2.4 Religião (igreja)           Conferências                   de bucho, a agricultores                                   Aproveitamento da zona do      amadores ou grupos, para   3. Recreio                      claustro e anexos que julgo    pequenas hortas ou floricul-   3.1 Aproveitamento das an-      ser a área mais bonita         tura    22
A CARTUXA - II    - Os responsáveis pelos ta-   4.3 Ténis                       - Percursos Exteriores  lhões terão de manter as      - seriam recuperados os 2       teriam de ser estudados (até  sebes de bucho devidamen-     anteriores espaços              à praia no inverno)  te cortadas                   - No campo junto à cascata      - Formação de aulas espe-  - Desporto e um orientador    seria criado um espaço de       ciais?  (consultor e coordenador)     convívio e um bar self ser-  dos agricultores que regu-    visse (na Cascata)              5.1 Apoios  lará os horários de rega e                                    - Serviços - a estudar espa-  outros                        4.4 Equitação                   ços livres  - Organizar concursos         - Como cavalariças, poderia     - Hospedaria - aproveitar  anuais entre hortas e flores  ver-se o estado da antiga Va-   antigas celas dos frades                                caria?                          (depois salas de aula), com  4.1 e 4.2 Desporto            - As antigas garagens, por      criação de casas de banho  O local do antigo campo de    baixo do corpo das células dos  - Restauração - no edifício  futebol poderá ser utilizado  frades, também se prestariam    atual cozinha refeitório do  para futebol que não o de     à criação de boxes e serviços   reformatório? ou criar  11. poderão ser estudados     - Na zona das pedreiras seria   - junto ao Lago de Hércules:  outros espaços conforme se    possível criar picadeiros co-   criar de raiz com nova ponte  justifique                    berto e descoberto              pedonal para a Praceta. l                                                                  23
                                
                                
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