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EIXO 8 - Cultura, Sociedade e Identidades

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2021-01-22 22:40:39

Description: Cultura, Sociedade e Identidades

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ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 3510

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas Universidade Federal do Piauí/Brasil Campus Ministro Petrônio Portela Centro de Ciências Humanas e Letras Cidade: Teresina/ Piauí/ Brasil - CEP: 64049-550 Tel. +55 86 3215-5808 [email protected] www.sinespp.ufpi.br Anais SINESPP: https://sinespp.ufpi.br/anais.php 3511

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI CULTURA, SOCIEDADE E IDENTIDADES EIXO TEMÁTICO 8 3512

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EIXO TEMÁTICO 8 | CULTURA, SOCIEDADE E IDENTIDADES PERCEPÇÃO DA IDENTIDADE ALIMENTAR: UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DO CONSUMIDOR EM UM MERCADO PÚBLICO DE TERESINA, PI1 PERCEPTION OF FOOD IDENTITY: AN ANALYSIS FROM THE PERSPECTIVE OF THE CONSUMER IN A PUBLIC MARKET IN TERESINA, PI Bianca Lourrany dos Santos Silva2 Monique da Silva Rocha3 Martha Teresa Siqueira Marques Melo4 Cecilia Maria Resende Gonçalves de Carvalho5 RESUMO A alimentação está envolta por diversos significados, questões socioculturais, experiências pessoais. O estudo objetivou descrever o perfil do indivíduo que consome alimentos habitualmente em um mercado público da capital teresinense e conhecer as principais motivações que os levam a fazer suas refeições nesse espaço. Trata-se de uma pesquisa de campo transversal, de natureza quantitativa, com aspectos qualitativos. O mercado é um local frequentado por um público diversificado, representado em maior parte por adultos jovens, em maioria do sexo masculino, casados ou solteiros, pardos, com pelo menos o ensino médio e com prevalência de baixa renda. Sabor, tempo e preço foram valores destacados pelos entrevistados, mostrando que a gastronomia local contribui para a motivação da escolha alimentar. Ficou evidenciado que a comida do mercado é dotada de simbolismo e o espaço é um replicador da cultura local, uma vez que fornece à população produtos e pratos típicos da região. Palavras-Chave: Alimentação Coletiva. Comportamento Alimentar. Tradições Alimentares. ABSTRACT 1 APOIO: FNDE/MEC 2 Estudante de Graduação do 9° período do Curso de Nutrição na Universidade Federal do Piauí – UFPI. Bolsista do PET Integração (UFPI). E-mail: [email protected] 3 Estudante de Graduação do 8° período do Curso de Nutrição na Universidade Federal do Piauí – UFPI. Bolsista do PET Integração (UFPI). E-mail: [email protected] 4 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Alimentos e Nutrição, Docente na Universidade Federal do Piauí – UFPI. E-mail: [email protected] 5 Tutora do PET Integração, Doutora e Professora do Departamento de Nutrição da UFPI. E-mail: [email protected] 3514

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Food is surrounded by different meanings, socio-cultural issues, personal experiences. The study aimed to describe the profile of the individual who normally consumes food in a public market in the Teresian capital and to know the main motivations that lead them to eat in this space. It is a cross-sectional field research, of a quantitative nature, with qualitative aspects. The market is a place frequented by a diverse audience, represented mostly by young adults, mostly male, married or single, brown, with at least high school and with a low income prevalence. Flavor, time and price were values highlighted by the interviewees, showing that local cuisine contributes to the motivation of food choice. It became evident that the food on the market is endowed with symbolism and the space is a replicator of the local culture, since it provides the population with typical products and dishes from the region. Keywords: Collective Feeding. Feeding Behavior. Food Traditions. INTRODUÇÃO A alimentação é uma necessidade fisiológica básica, um direito humano e um ato sujeito a tabus culturais, crenças e diferenças no âmbito social, étnico, filosófico, religioso e regional. O ato de alimentar-se incorpora tanto a satisfação das necessidades do organismo, como também oportuniza a integração de pessoas e união de costumes, representando assim, um ótimo método de socialização. Destacam-se os hábitos alimentares como sendo atos concebidos pelos indivíduos onde há seleção, utilização e consumo de alimentos disponíveis (MEZOMO, 2015). Os diferentes significados da comida e suas representações indicam a necessidade de compreender as práticas alimentares como uma relação à qual os fatores fisiológicos, simbólicos e culturais da alimentação podem estar atrelados (LEONELL; MENASCHE, 2017). Em vista disso, as formas de alimentação, o sentido imaginário e simbólico atribuídos pelos indivíduos ao consumir alimentos tradicionais e os novos alimentos elaborados e introduzidos, necessitam ser discutidos e compreendidos à luz da ciência. Dessa forma, o entendimento dessas questões complexas e repletas de significados poderá melhor conduzir as tradições culinárias, não apenas nos aspectos voltados ao simbolismo que a alimentação representa, mas também, com a certificação e garantia de qualidade atendendo aos princípios da Segurança Alimentar e Nutricional 3515

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI (SAN). Frente a isso, a temática sobre SAN abrange vários aspectos, envolvendo desde a produção, desenvolvimento, armazenamento e comercialização, ou seja, compreende todo o processamento dos alimentos (BURLANDY; MAGALHÃES, 2013; LEÃO, 2013; BRASIL, 2013). No âmbito biológico, por uma questão de sobrevivência, a alimentação constitui- se como fator imprescindível à manutenção da vida de todos os seres humanos. Relaciona-se diretamente a aspectos como vitalidade do indivíduo, necessidade fisiológica de ingestão e absorção de nutrientes, a fim de possibilitar a manutenção do funcionamento corporal, sendo sob essa perspectiva, uma reação relativa à natureza humana. Quais alimentos ingerir, bem como quantidades a serem ingeridas de modo a suprir as necessidades individuais, variam conforme fatores como idade, peso, altura, tipo de atividade realizada, situação clínica, dentre outros (LIMA; NETO; FARIAS, 2015). Como um dos espaços públicos que possibilitam essa prática do comer, têm-se os Mercados, locais constituintes do ambiente urbano, onde os indivíduos se encontram cotidianamente movidos por interesses comuns e/ou diferentes. Consequentemente, esses espaços possuem uma centralidade que atrai pessoas, objetos, signos, estabelecendo entre esses elementos relações de trocas, seja econômica, seja simbólica, as quais sustentam os processos de interação social (XAVIER, 2016). A aproximação que se teve com o tema a partir de um projeto de tese de doutorado propiciou aos pesquisadores a formular as seguintes questões: qual o valor percebido pelo consumidor em relação à comida consumida em mercado público e quais os significados atribuídos pelos comensais sobre a comida no referido local. Diante disso, o presente estudo objetivou descrever o perfil do indivíduo que consome alimentos habitualmente no mercado; bem como conhecer as principais motivações que os levam a fazer suas refeições nesse espaço. 2 MÉTODOS Trata-se do recorte de um trabalho de iniciação científica voluntária em andamento (2019 – 2020; ICV/CNPq) realizado no âmbito da Universidade Federal do Piauí (UFPI), sendo este configurado com um estudo de campo transversal, com 3516

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI abordagem quantitativa e aspectos qualitativos. A pesquisa está inserida em um projeto maior, uma tese de doutorado intitulada “Avaliação das preparações culinárias tradicionais piauienses: um diagnóstico sob a ótica gastronômica e da segurança alimentar e nutricional em mercado público”, do Programa de Pós-Graduação em Alimentos e Nutrição (PPGAN-UFPI). O cenário do estudo abrangeu os restaurantes distribuídos na praça de alimentação do Mercado Municipal da Piçarra, localizado em Teresina. O referido ambiente foi escolhido por ser um mercado antigo e que faz parte da cultura local, com aspectos importantes no que diz respeito à simbologia e tradição culinária; o mesmo possui um espaço amplo de alimentação constituído por 22 boxes de produção e comercialização de refeições, onde diariamente são fornecidas preparações típicas e populares, logo, esse mercado caracteriza-se por ser o único a receber o título de Patrimônio Histórico e Cultural da capital teresinense. Para a identificação do perfil da clientela do setor de alimentação desse mercado, usou-se um questionário que investigou os dados referentes ao sexo, idade, estado civil, escolaridade e renda, no universo de 108 participantes da pesquisa. Ressalta-se que o instrumento de coleta somente foi aplicado após a realização de vários testes no sentido de obter respostas confiáveis. Os dados quantitativos foram codificados, digitados, tabulados e analisados no Software Excel 2013, onde se obteve somatórias e médias das categorias pesquisadas, sendo essa técnica usada para a obtenção do perfil dos comensais. No que consiste a abordagem qualitativa, foram feitas observações diretas juntamente com a produção de diários de campo e entrevistas semiestruturadas, ou seja, com perguntas abertas e fechadas, realizadas individualmente entre aqueles que consumiam refeições habitualmente nesses restaurantes, a fim de se identificar as diferentes motivações atribuídas ao consumo da comida de mercado e que contribuíram para a compreensão do objeto de estudo. A autorização para participar da pesquisa foi expressa por meio de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido recomendado para pesquisas com seres humanos pela Resolução CNS Nº 466/12, do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2012). O projeto 3517

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí (parecer n. 2.139.962), cadastrado na Pró-Reitoria de Pesquisa (Cadastro n.26/2017). 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO O mercado público da Piçarra funciona diariamente, no horário de 04 a 15 horas, inclusive nos feriados, atendendo diariamente 600 indivíduos. No local são preparados e comercializados o café da manhã e o almoço, compostos por uma culinária tradicional característica da região piauiense (MOURA; CARVALHO, 2019; MELO et al., 2020). Em geral, o público que frequenta as unidades produtoras de alimentação é diverso, com idades variadas, provenientes de vários locais da cidade e do interior do estado. O perfil dos indivíduos que fazem suas refeições no mercado está descrito na tabela 1 e figura 1. Foram entrevistados 108 indivíduos, dos quais 78,7% correspondiam ao sexo masculino. Com relação à faixa etária, o maior percentual encontrado mostrou que a maioria dos comensais tinha idade igual ou superior a 18 anos e inferior a 40 anos (55,6%). No que diz respeito à raça ou etnia, a cor parda foi a mais autorreferida. A clientela do mercado era constituída por indivíduos casados e solteiros. Esses indivíduos tinham renda entre 1 a 2 SM. Quanto ao nível de escolaridade, predominou o ensino médio completo (47,2%), seguido de indivíduos com formação superior (20,4%). (Tabela 1). Analisando-se os dados da tabela 1, observa-se que as características dos participantes da pesquisa estão de acordo com outros estudos (BEYDOUN; POWELL; WANG, 2009; ORFANOS, 2007; BEZERRA, 2010; BEZERRA, 2017), os quais mostram que adultos jovens, do sexo masculino e com maior escolaridade são os que apresentam maior frequência de alimentação fora do domicílio. Nesse sentido, vale destacar dados apontados pelo Anuário Brasileiro da Alimentação de 2011, no qual estima que em menos de uma década o brasileiro poderá gastar em torno de 50% das despesas com alimentação em refeições fora do lar. O estudo afirma que a tendência é o indivíduo expandir o consumo de uma refeição diária para duas, incluindo o hábito de tomar o café da manhã, o lanche da tarde ou jantar fora de casa (ANUÁRIO, 2011). 3518

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Tabela 1 – Perfil sociodemográfico e econômico dos consumidores de refeições do mercado. Teresina, 2019. VARIÁVEIS nº % Sexo Masculino 85 78,7 Feminino 23 21,3 Idade (anos) 18 e <40 60 55,6 40 e <60 42 38,9 60 6 5,5 Raça/Etnia Branca 14 13,0 Preta 21 19,4 Parda 72 66,7 Amarela 1 0,9 Situação Conjugal Solteiro 46 42,6 Casado/ União Estável 53 49,0 Separado/divorciado/Viúvo 9 8,4 Escolaridade Sem escolaridade 1 0,9 Ensino Fundamental Incompleto 11 10,2 Ensino Fundamental 16 14,8 Ensino médio 51 47,2 Ensino Superior 22 20,4 Pós-Graduação 7 6,5 Renda em Salários Mínimos (SM) Menos de 1 SM 7 6,4 De 1 a 2 SM 51 47,2 De 2 a 5 SM 28 26,0 Mais de 5 SM 12 11,1 Não possui renda 9 8,3 NS/NR* 1 1,0 Total 108 100,0 Fonte: dados da pesquisa, 2019. *Não sabe/Não sabe responder. A Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) realizada em 2008-2009 (IBGE, 2010), também aponta uma maior aquisição de alimentos fora do domicílio pela população masculina, conforme também foi verificado no mercado estudado. A escolaridade configura-se como um importante marcador do nível socioeconômico dentre os participantes. De acordo com Barros (2017), estudos sobre fatores socioeconômicos indicam que a escolaridade influencia a escolha dos alimentos, estando inclusive relacionada ao maior acesso à informação, assim como a renda, possibilitando escolhas mais variadas e saudáveis. Em relação à renda média dos comensais, observou-se maior 3519

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI frequência de indivíduos assalariados, cuja renda variou entre 1 e 2 salários-mínimos (47,2%), evidenciando, portanto, um menor poder aquisitivo entre esses indivíduos. Por outro lado, no âmbito das principais motivações que levaram os entrevistados a se alimentarem no Mercado da Piçarra, evidenciou-se um destaque ao sabor (45%) e à praticidade (27%), seguidos de falta de tempo (15%) e preço acessível (9%), dentre outras motivações menos frequentes, conforme expressas na figura 1. Pelos relatos, o apelo sensorial (sabor) apresentados pela maioria dos participantes conduz a reflexão de que a gastronomia tradicional deve contribuir como motivação para a escolha alimentar. As manifestações dos entrevistados refletem a importância de manter a tradição nas preparações culinárias já que aspectos da cultura e dos hábitos locais permanecem (MOURA, 2019; MELO et al., 2020). Dentre os pratos típicos relatados pelos entrevistados destacam-se aqueles feitos com molho envolvendo carnes bovina, suína e ovina, vísceras, tripas e aves (MELO et al., 2020). Figura 1 – Motivações do indivíduo para fazer refeições no mercado. Teresina, 2019. . 50 45 45 40 35 27 30 nº 25 20 15 15 9 55 10 11 5 0 Características das escolhas Fonte: Dados da pesquisa, 2019. Para Cavalcante (2017), as construções simbólicas referentes à alimentação e a representação em torno do alimento orientam as escolhas alimentares no senso comum. As comidas de mercado são popularmente conhecidas como “pesadas”, ou seja, que são aquelas com alta densidade energética. Desse modo, acredita-se que o elevado teor de gordura e a alta palatabilidade da maioria das preparações servidas, 3520

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI justificam o sabor como o principal motivo para o consumo de refeições nesse espaço. Pressupõe-se que praticidade e falta de tempo se devem ao pequeno intervalo para almoço dos que trabalham nas redondezas do estabelecimento. A respeito do preço, geralmente as comidas servidas em mercados são populares, cujo custo é menor quando comparadas a outros tipos de locais que fornecem refeições. Por outra ótica, os mercados populares se apresentam como potencial turístico no tocante a reunião de vários aspectos culturais que dão ao visitante, a possibilidade de conhecer a cultura local de forma presencial, vivenciando a singularidade de cada aspecto. Nesse ponto, a gastronomia se apresenta como marca da identidade local a partir da representação e da degustação dos sabores e cheiros da região (BRANDÃO; LUCENA FILHO, 2012). 4 CONCLUSÃO O mercado constitui-se como um local frequentado por um público diversificado, todavia, o perfil sociodemográfico e econômico dos comensais pôde ser caracterizado por adultos jovens, em grande parte do sexo masculino, casados ou solteiros pardos, com pelo menos o nível médio e baixa renda. Diante do exposto, é notável que os mercados públicos, em particular o mercado da Piçarra, é um espaço dotado de simbolismo e replicador da cultura local, uma vez que fornece à população produtos e pratos típicos da região. Além disso, são favorecedores da socialização e comensalidade entre os usuários dos seus serviços de alimentação, que dentre diversos atributos são atraídos principalmente pelo sabor das preparações servidas, pela falta de tempo, praticidade em encontrar o alimento pronto para o consumo e pelo baixo custo das refeições. REFERÊNCIAS ANUÁRIO BRASILEIRO DA ALIMENTAÇÃO. Os números da alimentação fora do lar. p.10-19, 2011. Disponível em: <http://www.alimentacaoforadolar.com.br/default.asp>. Acesso em: 15 mai. 2020. BARROS, F. A. G. Avaliação do impacto da informação nutricional nas escolhas dos consumidores do refeitório de profissionais de uma unidade hospitalar. Repositório Aberto, 2017. 3521

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI BRANDÃO, P. C. R., FILHO, S. A. L. O Mercado Público Central de João Pessoa como Pólo Gastronômico e Turístico. Anais do VII Seminário de Pesquisa em Turismo do Mercosul. Universidade Federal da Paraíba – UFPB, 2012. BRASIL. Direito à alimentação adequada. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2013. ______. Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Brasília: Diário Oficial da União, 2012. BEYDOUN, M. A.; POWELL, L. M.; WANG, Y. Reduced away-from-home food expenditure and better nutrition knowledge and belief can improve quality of dietary intake among US adults. Public Health Nutrition, v. 12, n. 3, p. 369-381, 2009. BEZERRA, I. N. et al. Consumo de alimentos fora do lar no Brasil segundo locais de aquisição. Revista de Saúde Pública, v. 51, n.15, p.1-8, 2017. BEZERRA, I. N.; SICHIERI, R. Características e gastos com alimentação fora do domicílio no Brasil. Revista de Saúde Pública, v. 44, p. 221-229, 2010. BRANDÃO, P. C. R.; LUCENA FILHO, S. A. O Mercado Público Central de João Pessoa como Polo Gastronômico e Turístico. Anais do VII Seminário de pesquisa em turismo do Mercosul. Universidade Federal da Paraíba, Brasil, 2012. BURLANDY, C. R.; MAGALHÃES, L. R. Segurança Alimentar E Nutricional: Perspectivas, Aprendizados e Desafios para as Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013. 225 p. CAVALCANTE, C. M. B. As comidas que alimentam o meu povo do Alto Oeste Potiguar. Orientador: Célia Márcia Medeiros de Morais. 2017. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Nutrição) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Rio Grande do Norte, 2017. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Pesquisa de Orçamentos familiares 2008-2009: antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Rio de Janeiro, IBGE, 2010. LEÃO, M. O direito humano à alimentação adequada e o sistema nacional de segurança alimentar e nutricional. Brasília: ABRANDH, 2013. LEONELL, A.; MENASCHE, R. Comida, ato alimentar e outras reflexões consumidas. Contextos da Alimentação – Revista Comportamento, Cultura e Sociedade, v. 5, n.2, p. 1-11, 2017. 3522

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI LIMA, R. S.; NETO, J. A. F.; FARIAS, R. C. P. Alimentação, comida e cultura: o exercício da comensalidade. DEMETRA: Alimentação, Nutrição & Saúde, v. 10, n. 3, p. 507-522, 2015. MELO, M. T. M.; MOURA, A. C. C; SANTOS, M. D. C.; SILVA, B. L. S.; NUNES, I. F. O. C.; BARRETO, S. C. S.; SANTOS, M. M.; PAZ, S. M. R. S.; CARVALHO, C. M. R. G. Public Market Breakfast: a food tradition. Journal of Food and Nutrition Research, v.8, n.2, p.74-79, 2020. MELO, M. T. M.; MOURA, A. C. C.; SILVA, B. L. S.; SANTOS, M. D. C.; PAZ, S. M. R. S.; SANTOS, M. M.; CARVALHO, C. M. R. G. Nutritional Characterization of teh typical food menu offered in the public market and its reflection on the health. Journal of Culinary Science & Technology, v.35, n.2, 2020. MEZOMO, I. F. B. Os serviços de alimentação: planejamento e administração. 6. ed. Barueri (SP): Manole, 2015. MOURA, A. C. C. O mercado público de Teresina: a lógica das escolhas alimentares determinantes no comportamento do consumidor do mercado da Piçarra. Orientadora: CARVALHO, C. M. R. G. 2019. Dissertação (Mestrado em Alimentos e Nutrição). Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2019. ORFANOS, P. et al. Eating out of home and its correlates in 10 European countries. The European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition (EPIC) study. Public Health Nutrition, v. 10, n. 12, p. 1515-1525, 2007. XAVIER, A. E. V. A Revitalização do Mercado Público de Pelotas e sua Ressignificação Social. RELACult-Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade, v. 2, n. 4, p. 72-89, 2016. 3523

EIXO TEMÁTICO 8 | CULTURA, SOCIEDADE E IDENTIDADES O CONSUMO DE IDENTIDADES NO CAMPO MUSICAL: UM ESTUDO SOBRE A BANDA DONA ZEFINHA NO CEARÁ Jane Meyre Silva Costa 1 RESUMO Este artigo versa sobre o processo de apropriação exposto no campo musical brasileiro, os sujeitos participantes deste processo recriam e reelaboram novas identidades no percurso de sua trajetória artística transitando mais livremente em meio a estéticas que atravessam o local/nacional/internacional. O campo empírico desta pesquisa se constitui no estudo de caso de uma banda integrante do cenário musical cearense intitulada como Banda Dona Zefinha, nessa perspectiva a proposta deste artigo busca compreender como o Nordeste é retratado por este coletivo de artistas, os quais se apropriam de símbolos culturais associados historicamente a essa região, recriando os mesmos, por meio de linguagens e performances específicas. Os dados aqui apresentados foram colhidos por meio de observação durante os shows da banda, entrevistas com os músicos, material fonográfico e meios virtuais pelos quais estes sujeitos compartilham a partir de um viés qualitativo, além de um amplo referencial bibliográfico como ferramenta de análise. Palavras-Chave: Banda Dona Zefinha. Nordeste. Hibridização. Identidades. ABSTRACT This article deals with the appropriation process exposed in the Brazilian musical field, the subjects participating in this process recreate and re-elaborate new identities along the path of their artistic trajectory, moving more freely amid aesthetics that cross the local / national / international. The empirical field of this research is the case study of a band from the Ceará music scene called Banda Dona Zefinha, in this perspective the proposal of this article seeks to understand how the Northeast is portrayed by this collective of artists, who appropriate symbols historically associated with this region, recreating them, through specific languages and performances. The data presented here were collected through observation during the 1 Professora e Coordenadora do Curso de Serviço Social da UNIFAMETRO. Doutora em Sociologia. E-mail: [email protected] 3524

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI band's shows, interviews with the musicians, phonographic material and virtual means by which these subjects share from a qualitative bias, in addition to a broad bibliographic reference as an analysis tool. Keywords: Banda Dona Zefinha. Northeast. Hybridization. Identities. INTRODUÇÃO O objetivo deste artigo é apresentar resultados de parte de uma pesquisa finalizada de tese de doutoramento cujo título “Dona Zefinha: Apropriação e recriação regionais de uma banda musical”, tratando-se, ainda de uma pesquisa bibliográfica, documental e de campo. Os dados aqui apresentados foram colhidos por meio de observação durantes os shows da banda, entrevistas com os músicos, material fonográfico e meios virtuais pelos quais estes sujeitos compartilham a partir de um viés qualitativo. A perspectiva deste artigo visa compreender como estes músicos cearenses recriam e reelaboram novas identidades no percurso de sua trajetória artística transitando mais livremente em meio a estéticas que atravessam o local/nacional/internacional. 2 A BANDA DONA ZEFINHA A banda musical Dona Zefinha surgiu no cenário público em 2001, no interior cearense, com os irmãos Orlângelo Leal, Paulo Orlando e Ângelo Márcio. Amparando-se numa proposta inovadora que buscava romper com formações estéticas resultantes de um suposto “tradicionalismo nordestino”, o grupo buscou unir folguedos musicais inspirados em bandas cabaçais, e cujas apresentações são atravessadas pelo bom humor, além de trazer outras influências claras de bandas latino-americanas, árabes e medievais. O coletivo de artistas se tornaria uma das principais referências do cenário musical cearense contemporâneo, bastante pujante no período, principalmente após lançaram seu primeiro disco, intitulado Cantos e causos, em 2002. O coletivo musical, após seu primeiro trabalho, foi identificado tanto pelos meios de comunicação como pelo público como uma banda com expressivas características intituladas de “regionais”. 3525

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Isso aconteceu devido aos elementos presentes nos espetáculos, como: reisados, a temática da feira nordestina nas apresentações, o sotaque, a musicalidade das bandas cabaçais, suas indumentárias e os personagens que se inspiravam em festas bastante presentes na região nordestina. As viagens realizadas, as influências e os diálogos com culturas de outros estados e países, e os recursos tecnológicos cada vez mais acessíveis, fizeram com que a banda modificasse o olhar sobre o seu trabalho artístico. A internet passou a ser um recurso utilizado pelos artistas para conhecer novas bandas, estéticas e novos ritmos tanto nacionais como internacionais. Esse recurso revelou para o grupo uma gama de possibilidades estéticas para elaboração de seus novos trabalhos. Dessa forma, a banda percebe que os antigos conceitos apresentados em seu primeiro trabalho não mais condizem com o que seus componentes buscavam expor nas apresentações. Sendo assim, a banda Dona Zefinha apresenta-se como um movimento cultural que pode ser percebido para além das oposições erudito/popular, tradição/modernidade, autenticidade/comercial, pois representa uma miscelânea de práticas culturais com uma característica específica: rearranjar temáticas locais e colocá- las em vários patamares, seja estereotipando ou afirmando, criando, portanto, várias práticas, trazendo, assim, uma especificidade. 3 A DEMANDA POR “NOVAS IDENTIDADES” A partir das análises realizadas sobre o trabalho artístico da banda Dona Zefinha, percebe-se que um dos conceitos que giram em torno de suas criações seria a afirmação identitária presente em suas criações e performances. Conforme Woodward (2000), uma das formas de expressar um vínculo identitário é a relação estabelecida com emblemas culturais. Para a autora, “a identidade é marcada por meio de símbolos”. Com a banda Dona Zefinha não foi diferente; no início de sua trajetória artística, alguns elementos representativos foram escolhidos para demonstrar o vínculo de suas produções artísticas à chamada “cultura nordestina” como forma de reconhecimento social. Contudo percebe-se que, no trabalho artístico da banda Dona Zefinha, a “identidade” não é utilizada como um termo estanque, e sim apresenta-se por meio de um movimento em 3526

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI que o contexto e as influências locais e internacionais interferem na condução de suas criações, sofrendo adaptações. Muito se tem discutido sobre a terminologia “identidade” nos tempos atuais. Conforme o relato da autora Kathryn Woodward (2000), a identidade só se torna um problema quando está em crise, quando algo que se supõe fixo e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza. Dessa forma, o que se observa no contexto contemporâneo representa o que Stuart Hall (2003) designou como “crise da identidade”, ou seja, um deslocamento das velhas identidades que por muito tempo estabilizaram o mundo social, fazendo assim surgir novas identidades. Acredito que a banda Dona Zefinha, em seu trabalho artístico, amparou-se em várias expressões identitárias com as quais os artistas entraram em contato no percurso de sua trajetória, desde os folguedos nordestinos vistos no interior do Ceará, os quais já foram adaptados contemporaneamente, juntando-se as influências de viagens e experiências, trazendo assim um novo olhar sobre o que convencionou-se designar como “identidade nordestina”. Houve desta forma, em seu trabalho artístico, um deslocamento da concepção de “identidade” do que antes era tratado como algo invariável e ligado à natureza do indivíduo, trazendo assim a exibição de novas expressões identitárias em suas criações. Por muito tempo se admitiu que a discussão sobre “identidade” se centrava no argumento de que na configuração de um sujeito apenas existia uma única identidade fixa e estável. Contudo, por meio de estudos teóricos, constatou-se que o indivíduo manifesta não apenas uma, mas várias identidades, sendo assim definidas historicamente e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em momentos distintos da vida, com os quais se identifica temporariamente, não sendo assim algo inato, mas sim formado ao longo do tempo. Para Hall, a própria terminologia está equivocada; no lugar de identidade, o autor entende que o melhor termo que se adéqua a este processo é identificação. Assim, em vez de falar ‘identidade’ como uma coisa acabada, deveríamos falar de ‘identificação’, vê-la como um processo em andamento. A identidade surge não tanto como um processo em plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é 3527

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ‘preenchida’ a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros (HALL, 2005, p. 39). Outro ponto bastante comentado que cerca a discussão sobre identidade se refere aos efeitos que a globalização traria a este conceito. Muito se dizia que as representações identitárias tenderiam a desaparecer ao entrar em contato com este processo. Stuart Hall (2003) mais uma vez elaborou um pensamento contrário a estas suposições. Conforme o autor, as identidades permanecem fortes apesar dos efeitos globais, tendo se tornado ainda mais importantes nesse momento. Pois, concomitante ao “impacto global”, existe um maior interesse pelas identidades locais e regionais, havendo dessa forma uma nova articulação entre o “local” e o “global”, gerando assim um novo produto. Desta forma, no lugar da substituição, haveria uma fascinação pela diferença que, juntamente com o processo de mundialização, traria um novo interesse pelo “local”. Assim, em vez de pensar no “global” substituindo o “local”, deveríamos pensar em sua articulação e seu diálogo. Contudo, para se pensar nesta articulação entre o “local” e o “global”, necessita- se primeiro a compreensão do significado da temática “globalização cultural”, tornando- se preciso compreender este termo e sua influência na sociedade moderna. Muitas teorias acerca de quando iniciou o processo de globalização são controversas. Conforme Canclini (2007), há dois posicionamentos para a compreensão deste processo: o primeiro seria que a globalização teria iniciado no século XVI, no início da expansão capitalista – os autores que coadunam com esta posição privilegiam como principal característica da globalização o aspecto econômico; e a segunda tese data a globalização e sua origem em meados do século XX, quando as inovações tecnológicas articularam os mercados. Conforme esta segunda teoria, o privilégio é dado às dimensões políticas, culturais e comunicacionais, sendo assim a segunda hipótese compreendida pelo autor como a mais pertinente. Outra controvérsia relaciona-se com sua própria terminologia. Tomando de empréstimo a visão de Ortiz (2001), o referido autor considera a designação mais pertinente para se referir a esse tipo de movimento global como “mundialização” cultural, que constitui, particularmente, as transformações ocorridas na cultura e os elementos envolvidos. Para ele, o processo de globalização considerado refere-se a uma 3528

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI estrutura única, já a esfera cultural não pode ser percebida da mesma maneira, sofrendo constantemente transformações, pois ele acredita que “uma cultura mundializada não implica no aniquilamento das outras manifestações culturais, ela coabita e se alimenta delas” (2003, p. 27). Na esfera do mundo atual, torna-se indispensável tecer comparações entre o “local” e o “global”, percebendo de que modo interagem e entram em conflito mútuo. Dessa forma, Ortiz conceitua o processo de mundialização cultural: “O processo de mundialização é um fenômeno social total que permeia o conjunto das manifestações culturais. Para existir, ela deve se localizar, enraizar-se nas práticas cotidianas dos homens, sem os quais seria uma expressão abstrata das relações sociais” (2000, p. 31). Hall demonstra que este espaço denominado como “local/regional” não deve naturalmente ser confundido com velhas identidades, firmemente enraizadas em localidades bem delimitadas. Em vez disso, ele atua no interior da lógica da mundialização. Por isso, torna-se improvável que esta simplesmente consiga destruir as identidades nacionais, como muito se revelou, trazendo a possibilidade de produzir, simultaneamente, novas identificações “globais” e novas identificações “locais”. Dessa forma, haverá um “alargamento do campo das identidades”, a mundialização deslocará as identidades centradas de uma “cultura nacional”, gerando, assim, um efeito pluralizante sobre estas identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições de identificação e tornando as identidades mais posicionais, mais plurais e menos fixas. As culturas híbridas constituem um dos diversos tipos de “identidade” distintivamente novos, produzidos na era da modernidade. A partir desse contexto, percebe-se que em toda parte emergem “identidades culturais” que não são fixas, mas que estão suspensas, em transição, entre distintas posições, que retiram seus recursos, ao mesmo tempo, de diferentes tradições culturais, e que são o produto destes complicados cruzamentos e das misturas culturais que são cada vez mais comuns nesse mundo globalizado. A tradução é relatada por Hall como outra possibilidade dentro do processo de globalização; este conceito envolve pessoas que retêm fortes vínculos com seu local de origem e suas tradições, mas sem a ilusão de um retorno ao passado, pois negociam estas tradições com as novas culturas em que vivem sem se distanciar de suas referências identitárias. 3529

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Desta forma, o que se anuncia por mundialização está gerando inter-relações regionais. O cerne desta discussão não está em defender a globalização ou a identidade, e sim encarar este processo tendo como pressuposto o estabelecimento de interconexões entre culturas e circuitos que potencializem novas produções e iniciativas sociais. Com a expansão global dos imaginários, incorporam-se ao nosso horizonte culturas que, até poucas décadas atrás, sentíamos estranha à nossa existência. Com isso, os estereótipos com os quais representávamos como distantes se decompõem na medida em que os encontramos com frequência através dos meios de comunicação, como a internet, por exemplo. Seguindo o pensamento de Canclini (2007, p. 33): “Deve- se compreender as maneiras como o global ‘estaciona’ em cada cultura e com os modos como o local se reestrutura para sobreviver, e talvez tirar algum proveito das trocas que se globalizam.”. 3.1 A interconexão entre o “local” e o “global” Para Woodward (2000), a globalização pode levar a um movimento contrário de resistência, fortalecendo e reafirmando identidades nacionais e locais, ou levar ao surgimento de novas posições de “identidade”. Dessa forma, a dispersão de pessoas em torno do globo, cujas identidades são moldadas em diferentes lugares, a partir da diáspora, permite compreender que a essas identidades não podem ser atribuídas uma única fonte, por não terem uma pátria definida. As mudanças e transformações globais colocam em relevo as questões de identidade, proporcionando uma relativa certeza em um clima que é de mudança e fluidez. Giddens (2002) irá contribuir com essa discussão. De acordo com o autor, nas sociedades tradicionais, é a tradição e o parentesco que limitam a identidade social dos indivíduos. Na sociedade contemporânea, conceituada como moderna ou “pós- tradicional”, sua característica se revela a partir do rompimento com as práticas e os preceitos preestabelecidos, podendo identificá-la com ênfase no cultivo das potencialidades individuais, possibilitando ao indivíduo uma identidade “móvel” e mutável. De acordo com o autor, na modernidade, a tradição perde o lugar privilegiado de 3530

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI que dispunha nas sociedades pré-modernas/tradicionais como mecanismo de coordenação das práticas sociais. As ações sociais são permanentemente renovadas e reavaliadas mediante a apropriação dos conhecimentos que vão sendo produzidos sobre as próprias ações e os sistemas sociais nos quais elas têm lugar. Contudo isso não significa que a tradição irá desaparecer. Ela passa a subordinar-se ao crivo do que denomina de “avaliação reflexiva”, ou seja, as tradições podem ser articuladas e defendidas discursivamente, justificadas como tendo valor em um universo de valores plurais em competição. Sem dúvida, uma grande característica desse projeto reflexivo é estar relacionado a um mundo cada vez mais constituído de informação e procurar problematizar modos preestabelecidos de conduta, conduzindo o indivíduo a realizar escolhas sucessivas, permitindo que este componha a sua narrativa de identidade, sempre aberta a revisões. Para Giddens (1991), o fato de viver numa sociedade moderna/pós-tradicional estimula o indivíduo, a (re)inventar tradições e se afastar dos valores radicalmente vinculados ao passado pré-moderno, manifestando-se como uma das características da globalização cultural, denominado por este como um caráter de “descontinuidade da modernidade”, ou seja, a separação entre o que se apresenta como o novo e o que persiste como herança do velho. Conforme ele afirma: O local e o global, em outras palavras, tornaram-se inextrincavelmente entrelaçados. Sentimentos de ligação íntima ou de identificação com lugares ainda persistem. Mas eles mesmos são desencaixados: não expressam apenas práticas e envolvimentos localmente baseados, mas se encontram também salpicados de influências muito mais distantes (1991, p. 110). É importante compreender que a globalização cultural se constitui como um termo indispensável na compreensão da proposta da banda Dona Zefinha. Com base nesse conceito, percebo, através da leitura de alguns estudiosos sobre o tema, existir uma forma de conceber a “identidade” e sua interação com a globalização cultural: a “desterritorialização”. Ao pensar sobre a banda Dona Zefinha tendo como condução essa reflexão teórica, percebe-se que ao mesmo tempo em que os artistas procuravam valorizar suas referências identitárias, se “desterritorializavam” do seu local de origem para poder dialogar com a cultura mais “globalizada”, como ritmos da cultura pop rock, ferramentas do mundo informacional, que são utilizados como recursos em suas 3531

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI canções. O termo se ajusta, portanto, à saída do espaço individualizado para conquistar outro, de sentido mais abrangente, perpassando por várias identidades no percurso de sua trajetória. Os autores Canclini (1997), Hall (2003) e Ortiz (2001), que pesquisaram sobre a fusão entre diversas esferas culturais, tratam do termo “desterritorialização” não como um afrouxamento da cultura de seu local de origem. Com a “desterritorialização”, elimina-se, portanto, o enorme peso que as raízes e a tradição exercem sobre a sociedade, permitindo que haja uma mobilidade dos elementos culturais. Canclini (1997), fazendo um estudo comparativo, discorre sobre a existência de uma tensão entre os processos de “territorialização” e “desterritorialização”, isto é, entre a relativização das referências com relação aos aspectos tradicionais e a configuração de encadeamento cultural. Esta última é geradora de uma gama de possibilidades no que se refere à articulação entre a urbe e o processo de mundialização, o que dá margem a uma nova configuração cultural. Concebe-se que o processo de desterritorialização é imanente à mundialização, portanto não tem sentido realizar uma oposição entre “local” versus “global”. Canclini acredita que o processo de globalização, em vez de tender de modo exclusivo à homogeneização cultural, pode também gerar diversificação e reavivamento das culturas locais. A discussão principal neste momento se refere a compreender como as identidades se reconstroem em processos de “hibridização cultural” e como a diversidade de repertórios artísticos e de meios de comunicação contribui para a reelaboração das identidades. Para os artistas da banda Dona Zefinha, as influências externas não representam um prejuízo na construção de seu trabalho; pelo contrário, diversificam, trazendo novos olhares e diferenciando suas criações artísticas. A narrativa dos integrantes da banda Dona Zefinha coaduna com o pensamento de Sahlins (1998); para ele, adotar o pensamento de que a cultura se dá apenas de uma forma dicotômica, como a oposição modernidade/tradição, local/global, é restrito e não permite uma análise mais profunda. Por isso ele afirma que “do ponto de vista do nativo, uma exploração pelo sistema mundial pode representar um enriquecimento do sistema local” (p. 54). Conforme o 3532

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI autor, “[...] não há sentido em lamentar por ‘inautêntica’ as formas de diálogo dos povos locais ao Sistema Mundial (...) é assim que se faz hoje a história cultural, em um intercâmbio dialético do global com o local” (SAHLINS, 1998; p. 133). Ao refletir sobre a banda Dona Zefinha, torna-se um equívoco pensar que o capitalismo mundial fez dessa banda apenas objetos passivos (SAHLINS, 1998) de resignação do mercado cultural vigente. Torna-se necessário pensar que estes músicos são atores históricos que agem e sofrem influências do espaço em que estão inseridos. Percebe-se então que, após o processo de mundialização cultural, a oposição entre “local” e “global” é redefinida, trazendo, assim, outra dimensão para o campo cultural de forma representativa, a econômica. Para Ortiz (2008), a indústria fonográfica irá evidenciar-se como uma das atividades mais expressivas neste momento; segundo ele, “a criatividade do letrista, do compositor, do arranjador, do músico, é permeada pelas injunções de caráter comercial” (2008; p. 13). Neste momento pode-se refletir sobre o cenário musical, no qual se encontram composições que fundem tradições outrora distantes, construindo o processo de transnacionalização. A partir deste contexto em que se inserem os movimentos culturais, a desterritorialização dos produtos, o desenraizamento, torna-se um dos principais aspectos para que o produto sobreviva no mercado global, a “universalidade” do produto garante o elo entre as diversidades. Canclini (2007) afirma que o imperativo neste momento então é “flexibilizar-se”. A apropriação de conteúdos culturais mundializados combinada com uma perspectiva fortemente ancorada regionalmente, realizada pelos artistas da banda Dona Zefinha, criou formas de produção cultural que dialogam criativamente com algumas tradições cearenses. O regional e o identitário neste sentido deixam de ser um local de oposição à globalização para transformar-se em espaço de estratégia. Ou seja, para participar da globalização, o “local” tem de proceder a um compromisso com o global, compromisso este também vinculado ao mercado. No caso da banda Dona Zefinha, conclui-se com base na análise de seu trabalho artístico que a adaptação se constitui como recurso presente na articulação de inúmeros símbolos. A flexibilização parece ser uma das palavras-chave para a condução do trabalho artístico da banda Dona Zefinha. Os artistas, em muitas de suas narrativas, conceituam a banda Dona Zefinha como “música, teatro e outras invenções”. Isso porque 3533

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI adaptam seus shows e suas criações conforme a demanda dos compradores do setor público ou privado. Com esta discussão, pode-se constatar com base em suas características que a banda Dona Zefinha faz parte de um movimento híbrido. O que é necessário pensar é que o hibridismo pode ter características diferentes de acordo com o contexto, a época e a necessidade de seus agentes. No caso da banda Dona Zefinha, a “hibridização” está presente desde suas aproximações musicais visualizadas na trajetória dos artistas com a presença de gêneros como o hip-hop, o reggae e o rock como também pode ser percebida de um ponto de vista estético, com base no diálogo entre as fronteiras “locais”/“globais” e em sua relação com o mercado musical e as novas tecnologias. Neste sentido, as reformulações advindas do mercado musical contemporâneo estimularam a constituição de um movimento híbrido específico no cenário musical vivenciado por inúmeras bandas nos anos 2000; dentre elas, a banda Dona Zefinha. Para Netto (2014) as identidades irão assumir funções estratégicas no espaço global, pois a identidade na globalização traz a marca da diferença; neste sentido, os artistas de várias partes do mundo utilizam-se dessa articulação por meio de diferentes “identidades”, em busca de ganho simbólico em suas produções artísticas, independentemente de sua intencionalidade. Canclini (2012) discorreu sobre este processo em seu livro Sociedade sem Relato. Para o autor, uma das características das produções artísticas atuais resulta da localização aberta e flutuante das práticas artísticas que tornam flexível seus vínculos com as instituições e os circuitos habituais da arte. Desta forma, devido às transformações no mercado, a arte não se restringe apenas às instituições culturais; ela interage com outros campos, redesenhando espaços e circuitos nos quais se acumulam recursos; assim, a preocupação com a sobrevivência orienta as escolhas. A ligação da arte com a economia, o turismo, a publicidade, o comércio demonstraM um aspecto diferencial para sua compreensão, evidenciando a inserção dos artistas em outros cenários além do artístico. Existe, portanto, uma reorganização do cenário artístico e de seus padrões e sua legitimação graças aos avanços de novos 3534

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI agentes na valorização da estética e da economia. Para Canclini (2012), “[...] a autonomia dos campos culturais não se dissolve nas leis globais do capitalismo, mas se subordina com laços inéditos”. Neste sentido, a biografia de uma mercadoria é baseada em uma concepção prévia do que deve ser priorizado no enfoque da banda Dona Zefinha; é o caráter “identitário”, que não é estanque, que se reconfigura, se atualiza, adequando-se às influências e transformações sociais. A circulação desses objetos culturais é exposta a partir da construção de memórias e reputações, a partir de uma busca de distinção social por meio de estratégias de parcerias evocadas, a partir de complexos modos de valoração. Appadurai, ao discutir sobre o sistema do kula, citado por Malinowski, revela a importância deste no que se refere a um sistema não monetário, no qual colares e braceletes eram trocados nas Ilhas Trobriand. Neste contexto, a banda Dona Zefinha, por meio da articulação de símbolos identitários, revela um conhecimento destes emblemas culturais, com a perspicácia de evocá-los. Esses símbolos representam uma característica que se torna fundamental no campo artístico musical. Por meio da mobilização destes artefatos culturais, o grupo readapta suas criações e as tradições a novos contextos, criando dessa forma um estilo próprio. Apesar da flexibilidade e da pluralidade artística, a definição identitária no mercado torna-se necessária para sua mercantilização e inserção em determinados espaços. Neste sentido, o grupo lidou com as tradições locais de forma positiva; isso ocorreu porque estas tradições foram tratadas como cultura viva e presente no cotidiano, e não como folclore, tradição passada ou fossilizada. Assim, a relação que se estabeleceu entre as formas estéticas tradicionais e contemporâneas promoveu mais proximidade entre gerações. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo deste artigo, procurei explorar a hipótese de que a banda Dona Zefinha se revela como um movimento cultural contemporâneo, expondo uma forma particular de articulação de símbolos culturais representativos locais, de origem ora nordestina, ora cearense, possibilitando seu ingresso no mercado musical contemporâneo. De fato, 3535

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI o caráter particular da banda Dona Zefinha evidencia-se na combinação de suas características com aquelas do contexto contemporâneo, podendo-se afirmar que a banda Dona Zefinha realizou uma (re)apropriação de diferentes lugares sociais de símbolos culturais presentes em seu ritmo, sua performance e suas canções. Neste sentido, os usos e as articulações das “identidades” podem ser percebidos no trabalho artístico da banda Dona Zefinha como uma estratégia no espaço global que, independentemente de sua intencionalidade, lhe confere um ganho simbólico em suas produções artísticas. Essa discussão pode ser pensada por intermédio de Bauman, que reflete sobre a construção das identidades no contexto contemporâneo: “Em nosso mundo fluido, comprometer-se com uma única identidade para toda a vida, ou até menos do que a vida toda, mas por um longo tempo à frente, é um negócio arriscado. As identidades são para usar e exibir, não para armazenar e manter” (BAUMAN, 2005, p. 96). Desta forma, as “identidades” são conduzidas pela banda por meio da transmissão de símbolos de forma performática e representativa presente em emblemas utilizados como recursos para estas manifestações artísticas, como pode-se observar na banda Dona Zefinha por meio de alguns elementos como o teatro de bonecos, a feira e o humor caracterizado pelos personagens e pela linguagem utilizada a partir de expressões e piadas locais. REFERÊNCIAS ANJOS, Moacir dos. Local/global: arte em trânsito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. APPADURAI, Arjun. Introdução: Mercadorias e a política de valor. In A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Tradução de Agatha Bacelar. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2008. BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vechi/Zygmunt Bauman. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade. Tradução: Heloísa Pezza Cintrão, Ana Regina Lessa. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 1997. ___________________. Globalização Imaginada. Tradução: Sérgio Molina. 1. Reimp. São Paulo: Iluminuras, 2007. 3536

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EIXO TEMÁTICO 8 | CULTURA, SOCIEDADE E IDENTIDADES PAISAGENS CULTURAIS NAS TOADAS DO BUMBA MEU BOI NO MARANHÃO Luciléa Ferreira Lopes Gonçalves1 Domingos Bandeira Gonçalves2 RESUMO O presente texto é uma apresentação de discussões do Bumba meu boi no Maranhão por meio das toadas. O objetivo é analisar paisagens culturais do Maranhão, contidas no Bumba meu boi no Maranhão, por meio das toadas dos grupos de Boi Rama Santa e Maioba. É digno de destaque que as paisagens culturais são compreendidas neste trabalho pelo viés geográfico cultural e humanista, que compreende a paisagem não somente como materialidade visível, mas também, como intangível. Os procedimentos da pesquisa foram revisões bibliográficas da geografia cultural e leituras e audição das letras das toadas. O Bumba meu boi no Maranhão é uma paisagem cultural e imaterial e possui elementos como:- manifestações religiosas, linguagem, culinária, arte, folclore, música e artesanato -. Como parte dessas experiências, as toadas estão carregadas de elementos paisagísticos, pois expressam sentimentos, sentidos e estética formadas na experiência dos brincantes com seus lugares de vida no Maranhão. Palavras-Chave: Paisagens Culturais. Toadas. Bumba meu boi ABSTRACT This text is a presentation of discussions of Bumba meu boi in maranhão, through the tunes. The goal is to analyze cultural landscapes in Maranhão, contained in the Bumba meu boi in Maranhão, through the tunes of the groups of boi Rama Santa e Maioba. It is Worth mentioning that the cultural landscapes are understood on this paper as geographic, cultural and humanistic bias, which comprehend the landscape not as visible materiality, but also, as intangible. The research procedures were bibliographic reviews of cultural geography, and also, with readings and listening to the lyrics 1 Professora Doutora do Curso de Geografia da UEMASUL- Campus Imperatriz [email protected] 2 Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional, professor do Curso de Pedagogia e Economia- FACIMP-Wyden- [email protected] 3538

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI of the songs. Bumba meu boi in Maranhão is a cultural and immaterial landscape and has experiences such as: - religious manifestations, language, cuisine, art, folklore, music and handicrafts -. As part of these elements, the tunes are loaded with landscape elements, as they express feelings, senses and aesthetics formed in the experience of the players with their places of life in Maranhão. Keywords: Cultural Landscapes. Tunes. Bumba meu boi INTRODUÇÃO As toadas do Bumba meu boi do Maranhão, carregam significados e sentidos sociais em versos de narrativas cotidianas na voz de seus cantadores. Assim sendo, expressam a natureza, amores e desamores, a política entre outros sentimentos. Constituem-se em espaços de paisagens culturais da cultura maranhense, bem como a memória musical desse povo. Nos grupos de Boi, as toadas são compostas e cantadas em geral pelo dono do Boi que é também seu cantador ou por cantadores. O cantador de toadas tem respeito e confiança diante da comunidade a que pertence o Boi, evidenciando sua importância no grupo. O objetivo deste texto é analisar paisagens culturais do Maranhão, contidas no Bumba meu boi no Maranhão, por meio das toadas dos grupos de Boi Rama Santa e Maioba, dos sotaques de costa de mão e matraca. É digno de destaque que as paisagens culturais são compreendidas neste trabalho pelo viés geográfico cultural e humanista, que compreende a paisagem não como materialidade visível, mas também como intangível. Conforme Dardel, (2011, p, 31), não como um “[...] um circuito fechado, mas um desdobramento”. Os procedimentos da pesquisa foram cronologicamente, efetivados em: revisões bibliográficas da geografia cultural, geografia das festas e geografia humanista com aporte fenomenológico e também, com leituras e audição das letras das toadas. A pesquisa foi realizada durante o doutorado no Programa de Pós-Gradução em Geografia – Mestrado e Doutorado da Universidade Federal do Paraná (UFPR). 3539

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2 O BUMBA MEU BOI COMO OBJETO DE ESTUDO DA GEOGRAFIA CULTURAL HUMANISTA A festa do Bumba meu boi apresenta elementos do conjunto cultural maranhense formado pelas manifestações religiosas, pela culinária, arte, folclore, música e artesanato. É uma festa rica em simbologia, sendo um encontro de homens, mulheres e crianças ao redor de uma armação que representa um Boi, para tocar, cantar, dançar e se emocionar. Os estudos da geografia cultural voltam-se para a percepção dos indivíduos, para a subjetividade dos grupos sociais, buscando compreender o significado que os homens atribuem ao espaço. Nesse contexto, de acordo com Claval (1997), a geografia cultural moderna, buscou: [...] fazer do homem o centro de sua análise, com novas abordagens que constituem-se em três eixos igualmente necessários e complementares: Sensações e percepções (o homem apreende o mundo pelos sentidos); a cultura é estudada através da ótica da comunicação (que é, pois, compreendida como uma criação coletiva) e a cultura é apreendida na perspectiva da construção de identidades (insiste-se então no papel do indivíduo e nas dimensões simbólicas da vida coletiva) (CLAVAL, 1997, p. 92). Ao inserir o estudo do Bumba meu boi no Maranhão na geografia cultural, possibilita-se uma discussão do conceito de cultura enquanto construção social e dinâmica, sendo sistema simbólico, composto de valores, crenças e estilos de vida compartilhados por diferentes grupos. Claval (2007, p.63) assevera: A cultura é a soma dos componentes, dos saberes, das técnicas, dos conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante suas vidas e, em outra escala, pelo conjunto dos grupos de que fazem parte. A cultura é herança transmitida de uma geração a outra. Ela tem suas raízes num passado longínquo, que mergulha no território onde seus mortos são enterrados e onde seus deuses se manifestaram. Como construção coletiva, a festa do Bumba meu boi apresenta aportes harmônicos com a geografia cultural, pois, conforme Almeida (2008, p. 50), “Uma das mais marcantes características da geografia cultural contemporânea é a percepção de 3540

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI que o conhecimento é múltiplo e situacional, de que existem muitas maneiras de ver e ler a paisagem.” A geografia ao pesquisar as festas busca a experiência geográfica e festiva do lugar expressada pelas festas. Estudar o Bumba meu boi sob o aporte da Geografia Cultural - Humanista, com enfoque na fenomenologia, é estuda-lo como fenômeno. Conforme Franck (1986, p.30) “Fenômeno significa o que se mostra em si mesmo e essa determinação está no fundo de todas as outras acepções que a palavra fenômeno pode, ou pôde assumir”. Conforme Holzer (2008, p. 142), a orientação humanista para a geografia, compreende: [...] o objetivo do novo campo disciplinar não era se deter na exploração de um tema único, mas de fazer uma nova leitura de todos os temas geográficos, de construir o conhecimento científico, de modo crítico, procurando na filosofia um ponto de vista para a avaliação dos fenômenos humanos. 2.1 A festa do Bumba meu boi no Maranhão O Bumba meu boi do Maranhão ou Bumba boi ou brincadeira de Boi ou simplesmente, Boi, como é conhecido no Maranhão é um Complexo Cultural conforme o (INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL 2011), da cultura popular brasileira e, em 2019 foi aprovado pela Organização da Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) para integrar a lista internacional de Patrimônio Cultural e Internacional da Humanidade. Neste texto usaremos os termo Bumba-meu-boi e Boi. De acordo com esse documento, essa brincadeira, considerada celebração, tem diversos elementos centrais e estruturantes no qual se destacam: o Boi, a festa, os rituais, a devoção aos santos - Antônio, São João, São Pedro e São Marçal-, a música, a dança, o teatro, o artesanato, as personagens, os instrumentos, os diversificados estilos de brincar o Boi e o caráter lúdico. A festa do Boi é considerada de longo calendário com várias etapas de um ciclo que inicia com reuniões estratégicas para assegurar recursos, a apresentação do homenageado e a escolha das toadas. A culminância da festa acontece no mês de junho, 3541

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI mas estende-se até setembro ou outubro. Assim, os Bois estão classificados, tanto pelos grupos como pelas entidades (associações, mídia, governo municipal e estadual) que organizam as apresentações, por “estilos” ou “sotaques” de: Zabumba ou de Guimarães desenvolveu-se na região do Litoral Ocidental maranhense nos municípios de Guimarães e Cururupu, mais especificamente nas comunidades negras. O som característico desse sotaque (lento e socado) é produzido por grandes tambores ou tantãs (as zabumbas), maracás e uma espécie de tamborim tocado com a mão. Possui uma composição conhecida como rajado que é formado por homens que fecham a brincadeira em forma de círculo e, assim, chamam a atenção pelos grandes e pesados chapéus de fitas coloridas. Seus brincantes usam roupas com golas e saiotes de veludo preto bordado com miçangas e canutilhos. A figura do boi é menor do que as do sotaque de orquestra e matraca, sendo seu “couro” todo bordado com miçangas e canutilhos. É o mais antigo dos sotaques. Costa de mão ou de Cururupu localizado no município de Cururupu, no Litoral Ocidental do Maranhão produz som com caixa, maracá e pandeiro, que é pendurado com auxílio de fio no pescoço, para facilitar a batida de costa de mão. Os homens usam bermudões de veludo bordados, com meias até a altura do joelho e chapéus afunilados e enfeitados com fitas coloridas e grinaldas de flores. As mulheres, com exceção das índias, usam saias bordadas. Matraca ou da Ilha por ser predominante na Ilha de São Luís. Tem um som estridente produzido pelas batidas uma contra a outra das matracas (feitas de madeira de diferentes tamanhos) e pandeirões (arcos de madeira coberto com pele de animais ou industrializado). São destaques, nesse grupo, os caboclos de pena que usam grandes coroas confeccionadas com penas de ema; pai Francisco usa um facão feito de madeira e a burrinha feita de buriti, coberta com veludo bordado e uma grande barra de pano estampado com um buraco ao centro, a fim de possibilitar a entrada de um brincante. Outro personagem do boi de Matraca é o tapuia que junto com os caboclos de pena formam o cordão de rajados e dançam um forte bailado. Os mais famosos na Ilha são o boi da Maioba, de Maracanã e o de São José de Ribamar. Orquestra originou-se na região do rio Munim, onde se encontram as comunidades do Boi de Morros e de Axixá, porém um grande número de brincadeiras 3542

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI desse sotaque existe na Ilha de São Luís e região circunvizinha. Com um som alegre produzido por banda de instrumento de sopro e corda (piston, saxofone, clarinete, banjo e bumbo), suas indumentárias têm uma grande variedade de cores. Dessa forma, os brincantes que formam o cordão de pessoas usam peitinho (espécie de babador) e saiote bordados, além de chapéu com fitas e maracás. Com danças coreografadas e bailado alegre, realizadas por pessoas vestidas como índias e índios, juntamente com os demais brincantes, tal sotaque possui um forte apelo popular nos festejos juninos. Baixada ou de Pindaré predominante na Baixada Maranhense, tem como marcas principais os instrumentos percussivos como tambor-onça, caixas, pandeiros, maracás e pequenas matracas. Seus personagens são os rajados, os cazumbas, as índias, o amo e os vaqueiros. Peitorais e saiotes bordados enfeitam as indumentárias dos vaqueiros que usam calça e camisa de cetim de manga longa. Os rajados usam chapéu alargado na aba frontal dobrada para cima, bordada e adornada com penas de ema. Longas fitas coloridas são fixadas ao chapéu, pendendo para trás. Os cazumbas, também chamados cazumbás, utilizam máscaras em formato animalesco e túnicas longas bordadas ou pintadas. 3 GEOGRAFIA DAS PAISAGENS NAS FESTAS DO BUMBA MEU BOI NO MARANHÃO Na Geografia, o conceito de paisagem está associado à evolução do pensamento da própria ciência. O Geógrafo Carl Sauer (1998), representante da geografia cultural clássica, discutiu a paisagem em um caráter morfológico tanto no aspecto natural como humano. Debateu a paisagem e a cultura associada à materialidade e aos artefatos. Nas afirmações de Cosgrove (1998, p. 101), sobre paisagem na geografia cultural, têm-se abordagens para uma geografia cultural mais moderna “que move-se teoricamente” e discute: cultura e consciência, cultura e natureza e cultura e poder. A exposição do autor em destaque vai além da materialidade e entra, de maneira sensível, no campo das formas simbólicas. Berque (1998, p. 85) contribui com o entendimento de que a paisagem “existe, em primeiro lugar, na sua relação com o sujeito coletivo: a sociedade que a produziu, 3543

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI que a transforma em função de uma certa lógica”. E que, ao “procurar definir essa lógica”, a geografia cultural tenta compreender o sentido da sociedade. Ainda, em relação ao conceito de paisagem, Claval (2007, p. 420-421) compreende: Não há compreensão possível das formas de organização do espaço contemporâneo e das formas de organização do espaço contemporâneos e das tensões que lhes afetam sem levar em consideração os dinamismos culturais. Eles explicam a nova atenção dedicada à preservação das lembranças do passado e a conservação das paisagens. Essa afirmação deixa clara a ação do homem nas transformações da paisagem, são seus sistemas culturais mais do que os elementos físicos da paisagem que atuam e estão materializados na paisagem. Em uma abordagem sobre objetos que marcam a paisagem sonora do Bumba meu boi (a matraca, o pandeiro, zabumba e a matraca), busca-se a discussão de Cosgrove (1998, p. 102) sobre cultura e natureza, na qual afirma que “qualquer intervenção humana na natureza envolve sua transformação em cultura, apesar de essa transformação poder não estar sempre visível, especialmente para um estranho”. A madeira de uma árvore e o couro de um boi transformados em instrumentos tornaram-se objetos da paisagem sonora do Bumba- meu- boi do Maranhão, pois “[...] foi-lhe atribuído um significado”. Nessa perspectiva, Cosgrove (1998, p. 103), também considera que “revelar os significados na paisagem cultural exige a habilidade imaginativa de entrar no mundo dos outros de maneira auto-consciente e, então re-presentar essa paisagem num nível no qual seus significados possam ser expostos e refletidos”. Kozel, (2012, p.69), igualmente, corrobora com essa compreensão de paisagem vinculada à abordagem emocional, quando discute sobre natureza, paisagem e representação; apoiada em Andreotti (2005), entende [...] “que a percepção não se limita ao sentido da visão, o estudo da paisagem na abordagem cultural da Geografia propõe ir além dos aspectos visuais, considerando toda a sua dimensão subjetiva; desvendar a “alma do lugar.”. Andreotti (2012, p.9, 11) em discussão sobre o senso ético e estico da paisagem, a autora em questão expõe que: - “O símbolo é o prólogo intuitivo do problema que se quer enfrentar e resolver. Vale dizer que representa o imaginário 3544

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI que influenciará o equilíbrio do juízo, do elemento estético e epifânico que contêm em si, tudo escrito, o significado da paisagem.” É eurritmia que “[...] significa também encontrar na interpretação da paisagem o motivo de confiança, de correspondência à própria imaginação, em conformidade às abordagens derivadas de símbolos”. Beringuier (1991) apud Almeida (2018, p. 161) se refere a paisagens culturais como: “A paisagem cultural é um objeto concreto, material, físico e factual percebido pelos sujeitos por meio dos cinco sentidos. Dessa forma, este objeto é assimilado afetiva e culturalmente pelos homens. A paisagem cultural é assim, a imagem sensorial, afetiva, simbólica e material dos territórios”. 3.1 Paisagens Culturais nas toadas do Bumba meu boi Rama Santa e Boi da Maioba A justificativa para pesquisar o sotaque Costa de mão, pelo Boi Rama Santa, deve-se à ausência de análises acadêmicas, por ser um dos sotaques mais antigos do Maranhão, quanto à escolha do sotaque de Matraca ou da Ilha, deve-se ao fato de representar São Luís e seu entorno, espaço que concentra todos os sotaques do Maranhão. No que se refere ao Boi da Maioba, a escolha é pelo motivo oposto, pois foi o que mais encontramos trabalhos acadêmicos em diferentes áreas e, por ser esse Boi o mais famoso, o que atrai maior público e de mais visibilidade entre os do sotaque de matraca no Maranhão. As toadas do Bumba meu Boi do Maranhão carregam significados e sentido do mundo vivido dos seus cantadores, autores e brincantes. Expressam natureza, política, amores e desamores. As toadas embalam as apresentações que compreendem o guarnecer, quando o amo do Boi chama o grupo para começar a apresentação, o lá vai, o aviso de que a brincadeira está se dirigindo ao local da apresentação; a licença, que é a permissão para que o grupo se apresente ao público; a saudação, quando são cantadas toadas de louvação ao dono da casa e ao Boi; o urrou, a celebração da alegria de todos pelo restabelecimento do Boi depois de ter sido sacrificado e a despedida, quando a apresentação é encerrada. Para cada parte da festa do Boi tem uma toada, conforme apresentamos: 3545

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Se não existisse o Sol como seria pra terra se aquecer, Se não existisse o mar, Como seria pra natureza sobreviver, Se não existisse o luar, o homem viveria na escuridão, Mas como existe, tudo isso meu povo. Eu vou guarnicê o meu batalhão de novo. (Toada Se não Existisse o Sol, Boi da Maioba, 2005) Lá Vai Boi da Maioba Minha Trincheira está formada Na sombra da noite Ou na luz do dia O meu Touro é brabo E eu dou Show de cantoria (Toada Lá Vai, Boi da Maioba, 2012) Querida eu recebi o seu convite De uma forma ou de outra estou aqui para te atender Porque todo o meu contrato é sério Se Deus quiser eu duvido eu não me comparecer Só que houve o motivo da demora Que eu mesmo faço questão de explicar É que o gado pasta longe Fica difícil pro meu vaqueiro apanhar Mesmo assim eles fizeram o sacrifício Meu pedido é uma ordem, ninguém pode negar Eu também faço tudo por você Na medida do possível é para te agradar Pode avisar suas convidadas Que o show está começando O Boi acabou de chagar Quando meu Boi chega no terreiro Brincando com elegância fazendo e acontecendo Querida então aceita meu convite Pra nos fazer companhia e apanhar sereno (Toada Cheguei, Boi Rama Santa, 2015) As toadas manifestam-se por meio de poesias que refletem sonho, encanto, desencanto, respeito à natureza, devoção, valentia, sincretismo religioso, entre outros sentimentos. Convém anotar que as toadas são canções, portanto, trazem melodia e voz. A voz é a do Amo que, com o apito e o maracá, comanda o Boi. Criar, cantar, responsabilizar-se com o batalhão essa é a função do Amo. Todo ano nesse tempo eu venho aqui/ Trago uma brincadeira de um sotaque diferente Vale a pena apreciar/ nossa cultura, nosso luxo e nossa gente Trago um batalhão de respeito/ que brinca muito e faz evolução Nosso instrumento de percussão batido sempre com a costa da mão/ 3546

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI É a nossa sonorização/pra fazer parte da festa de São João/ Hoje é só festa/ Se vocês vão/ eu também vou Parabéns pra São Luís do Maranhão/ porque tu és/ a mais maravilhosa Ilha do amor. (Toada Sotaque Diferente, Boi Rama Santa) Pra conhecer o bumba-boi de São João Visite as fortalezas Da Ilha do Maranhão Que você vai ver nos cantadores Um modesto cidadão Que se sacode como as folhas das palmeiras Que se balança como as ondas do mar (Toada Brincando na madrugada, Boi da Maioba) Em grande parte das toadas do Bumba meu boi, o conceito de paisagem em forma de texto se faz presente. As paisagens são evidenciadas nos sentimentos topofílicos e nas metáforas encontradas nos versos das toadas. São espaços de desabafo, emoção, e descrição dos lugares do Boi. Será que ninguém faz alguma coisa Para que a sociedade viva com mais esperança Nós estamos por conta da violência Que mata nossas crianças Cadê nossa segurança Socorro até pelo amor de Deus! Por favor, nos mande a paz, a educação e a saúde E mais educação para nossos jovens Para que no futuro tenha uma boa juventude. (Toada de apresentação, Boi Rama Santa,2014) Eu já vou Saindo devagar Vou levando meu batalhão Já brinquei no seu terreiro Satisfaz o seu desejo Consolei teu coração Maioba está em festa com o povão Brincando, dançando, pedindo bis Pelos 400 anos que completou minha São Luís. (Toada de despedida, Boi da Maioba,2012) Convém anotar que as toadas são canções, portanto, trazem melodia e voz. A voz é a do Amo que, com o apito e o maracá, comanda o Boi. Criar, cantar, 3547

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI responsabilizar-se com o batalhão essa é a função do Amo. Na Geografia as percepções ganham espaço no estudo das paisagens sonoras. Em seus estudos sobre essa temática, Torres (2010, p. 47) expõe: A música, enquanto elemento que integra a paisagem sonora pode retratar o lugar onde foi produzida, pelas sonoridades peculiares dos instrumentos musicais, ou ainda pelas falas e sotaques nela empregada, diretamente relacionadas à cultura e à história do seu povo. A musicalidade do Bumba meu boi se insere nesse contexto, pois, apesar de ter um caráter itinerante no período de apresentação, a execução de uma toada dos diferentes sotaques em qualquer lugar, tem, a partir dos instrumentos usados, a capacidade de identificar lugares. O ouvinte, que já possui internamente essa paisagem sonora, expressa sentimento com o sotaque, pois esse sotaque lhe conduz a lugares próprios, nos quais o sentimento de pertencimento aflora. Dessa forma, o toque do pandeiro e da matraca invadem seus ouvidos, seu corpo, projetando valores, sentidos e significados. 4 CONCLUSÃO O objetivo deste texto foi analisar paisagens culturais do Maranhão, contidas nas toadas do Bumba meu boi no Maranhão. Apoiada nas leituras da geografia cultual e humanista concluímos, que os aportes teóricos apresentados, corroboram para a compreensão de paisagem como experiência da vida, que não é algo dos sentidos da visão, mas de todos os sentidos. Assim, a paisagem é resultante das relações que as pessoas possuem com o lugar, com base dos acontecimentos da vida em particular de cada um. O Bumba meu boi no Maranhão é uma paisagem cultural e imaterial que possui vários elementos como:- manifestações religiosas, linguagem, culinária, arte, folclore, música e artesanato -. Como parte desses elementos, as toadas estão carregadas de elementos paisagísticos, pois expressam sentimentos, valores, sentidos e estética formadas na experiência dos brincantes com seus lugares de vida no Maranhão. 3548

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI REFERÊNCIAS ALMEIDA, Maria Geralda. Aportes Teóricos e os Percursos Epistemológicos da Geografia Cultural. Geonordeste. Ano 1, n.1, p. 31-52, Jul. 2008. Sergipe. ______. Geografia Cultural: um modo de ver. Goiânia: Gráfica UFG, 2018 ANDREOTTI, Giuliana. O Senso Ético e Estético da Paisagem. RA’EGA. UFPR v. 24, p. 05-17. 2012. Disponível em: <www.geografia.ufpr.br/raega>. Acesso em: 31 out., 2012. BERQUE, Augustin. Paisagem Marca, Paisagem- Matriz: Elementos da Problemática para uma Geografia Cultural. In: CORRÊA Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny. (Org.) Paisagem, tempo e cultura. EDIUERJ: Rio de Janeiro, 1998. p. 84- 91. CLAVAL, Paul. As Abordagens da Geografia Cultural. In: CASTRO, Iná Elias de, GOMES, Paulo César da Costa, CORRÊA, Roberto Lobato (Org.) Explorações Geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. ______. Geografia cultural. 3. ed. Florianópolis: UFSC, 2007. COSGROVE, Denis. A Geografia Está em Toda Parte: Cultura e Simbolismo nas Paisagens Humanas. In: CORRÊA Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny. (Org.) Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro. EDIUERJ: 1998. p. 92- 123. DARDEL, Eric. O Homem e a terra: natureza da realidade geográfica (Primeira edição 1952); Tradução Werther Holzer. São Paulo: Perspectiva, 2011 HOLZER, Werther. Geografia humanista: Espaço e Cultura, UERJ, RJ, Edição comemorativa, 1993-2008, p.137-147. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Complexo Cultural do Bumba-meu-boi do Maranhão: dossiê do registro como Patrimônio Cultural do Brasil. São Luís: Iphan/MA, 2011. KOZEL, Salete. Geopoética das paisagens: olhar, sentir e ouvir a “natureza”. Caderno de Geografia, v.22, n.37, p. 65- 78, 2012. Disponível em: <periodicos.pucminas.br/index.php/geografia/article/download>. Acesso em 31. out. 2012. TORRES, Marcos Alberto. Da Paisagem Sonora à Produção Musical: Contribuições geográficas para o estudo da paisagem. Revista Geografar, v. 5, n.1, p. 46-60, jan.jun. 2010. Disponível em www.ser.ufpr.br/geografar. 3549

EIXO TEMÁTICO 8 | CULTURA, SOCIEDADE E IDENTIDADES DIFERENTES CONCEPÇÕES DE CULTURA E A ESPECIFICIDADE DA ABORDAGEM GRAMSCIANA DIFFERENTS CONCEPTIONS OF CULTURE AND THE SPECIFICITY OF THE GRAMSCIAN APPROACH Cristiana Costa Lima1 Laís Dourado Lobão2 Nailza Pinto Amaral3 RESUMO Análise do conceito de cultura em Antonio Gramsci. Resgata breve histórico da elaboração do conceito de cultura, desde sua etimologia, passando pela Antropologia, até a abordagem gramsciana. A partir de pesquisa bibliográfica, objetiva caracterizar a cultura como categoria que sustenta a luta de classes pela hegemonia. Com base nos estudos de Gramsci, conclui que o debate atual sobre a cultura requer a reafirmação de conceitos e convicções críticos para travar a batalha das ideias pela emancipação humana, Projeto Ético-Político da profissão da/do assistente social. Palavras-Chave: Cultura. Gramsci. Pensamento crítico. ABSTRACT Analysis of the concept of culture in Antonio Gramsci. It retrieves a brief history of the elaboration of the concept of culture, from its etymology, through Anthropology, to the Gramscian approach. Based on bibliographic research, it aims to characterize culture as a category that supports the class struggle for hegemony. Based on the studies by Gramsci, it concludes that the current debate on culture requires the reaffirmation of concepts and critical convictions to fight the battle of ideas for human emancipation, Ethical-Political Project of the profession of the social worker. Keywords: Culture. Gramsci. Critical thinking. 1 Professora do Departamento de Serviço social da UFMA (DESES/UFMA), doutora em Políticas Públicas. E-mail: [email protected] 2 Graduanda do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), bolsista de iniciação científica do CNPQ. E-mail: [email protected] 3 Graduanda do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), bolsista de iniciação científica. E-mail: [email protected] 3550

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI INTRODUÇÃO O estudo acerca da categoria cultura demarca a complexidade e as inúmeras determinações presentes em torno da temática. Tal complexidade nos impõe um primeiro desafio que é delimitarmos a abordagem desenvolvida neste trabalho, destacando autores que compreendemos centrais para o debate que nos propomos, a fim de centrarmos na contribuição do pensador sardo Antônio Gramsci. Assim, optamos por um recorte teórico-conceitual que se justifica pela inserção das pesquisadoras no Núcleo de Estudos Pesquisas e Debates Gramsci, Marx e Marxismo (NEGRAM). O referido Núcleo tem como principal objetivo contribuir para o aprofundamento do conhecimento e da análise do pensamento de Gramsci, com atenção para sua influência e atualidade, mediante a verticalização dos estudos de suas obras fazendo interlocução com o marxismo. Este trabalho se propõe a levantar questões formuladas por Gramsci sobre o tema da cultura, destacando algumas de suas principais formulações, entre tantas, enquanto reafirma e demonstra a centralidade do tema no pensamento do filósofo italiano a partir dos Cadernos do Cárcere. No Brasil, a primeira tradução da obra de Gramsci foi feita pela Civilização Brasileira e os editores seguiram a mesma lógica da tradução temática italiana feitas por Palmiro Togliatti e Felice Platone: “Concepção dialética da história” e “Os intelectuais e a organização da cultura”. Vale ressaltar que “Concepção dialética da história” é um título sugerido pelo editor brasileiro da primeira edição; na versão temática italiana, o título é Materialismo historico e la filosofia di Benedetto Croce. Gramsci escreveu 29 cadernos temáticos, organizados em “cadernos miscelâneos” (1 a 9, 14, 15 e 17) e “cadernos especiais” (10 a 13, 16, 18 a 29). Nos Cadernos Miscelâneos, Gramsci redige notas sobre vários temas. Já os cadernos especiais reúnem apontamentos sobre assuntos específicos, alguns deles com títulos dados pelo próprio Gramsci. Na nova versão brasileira, traduzida por Carlos Nelson Coutinho e publicado pela Civilização Brasileira, tem um projeto original, organizando em seis volumes, onde são reunidos os seguintes eixos temáticos: “Introdução ao estudo da Filosofia. A Filosofia de Beneditto Croce”; “Os intelectuais. Princípio educativo. 3551

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Jornalismo”; “Maquiavel – notas sobre o Estado e a Política”; “Temas de cultura, Ação Católica. Americanismo e Fordismo”; “O Risorgimento. Notas sobre a História da Itália”; “Literatura. Folclore. Gramática”. Esse trabalho foi elaborado como parte da sistematização da metodologia de trabalho do NEGRAM que consiste no Ciclo de estudos e debates sobre o pensamento de Gramsci, organizados a partir desses seis volumes dos Cadernos do Cárcere, em torno de temáticas centrais do pensamento de Gramsci. A partir dos Ciclos, são extraindo os conteúdos das principais categorias teóricas de análises de Gramsci. Tendo como referência as reflexões marxistas, centrada nas análises trazidas por Gramsci, partimos do entendimento de que cultura é um termo que tem a potencialidade de pensar o homem enquanto unidade materializada na condição de ser social. Assim, este estudo constitui-se como uma pesquisa de natureza bibliográfica acerca da concepção de cultura, compreendendo que este tema se constituiu resultado de interpretações do contexto histórico em que foi estudado e que indubitavelmente passa por constantes reformulações. Nesse sentido, objetiva-se compreender como o conceito de cultura foi se moldando ao longo do tempo, perpassando novas teorias e áreas do conhecimento. Neste processo, iniciamos pela concepção de cultura intrínseca à área da Antropologia Cultural. Nela, contextualizamos o conceito ao complexo de crenças, artes, moral, lei, costume ou qualquer hábito que tenha como função a inserção do homem em sociedade. Em seguida, resgatamos a contribuição marxista, a partir de Antonio Gramsci, para demonstrarmos como o debate de cultura se torna essencial para uma abordagem mais ampla e propícia para a reflexão que também pretende uma ação transformação da realidade. 2 ELEMENTOS PARA O DEBATE CRÍTICO SOBRE A CULTURA 2.1 Da origem etimológica ao sentido antropológico atribuído à cultura A categoria cultura é, sem sombra de dúvidas, uma das mais estudadas nas diversas áreas das Ciências Sociais e Humanas, como Sociologia, Antropologia, História, Comunicação, dentre outras, o que reflete a polissemia do vocábulo. De um modo 3552

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI amplo, relaciona-se cultura às mais diferentes manifestações culturais e artísticas de um povo, como teatro, música, pintura ou mesmo como um conjunto de festas, cerimônias, lendas e crenças. O termo se generalizou e passou a ser comum ouvimos falar em “cultura política”, “cultura empresarial”, “cultura de massa”, dentre outros. Diante disso, é mister demarcar que, ao nos referirmos à categoria cultura, é preciso ter claro os seus diversos conceitos. A palavra cultura vem do latim colore, cujo sentido voltava-se para o cultivo e cuidado com as plantas, com a terra, com o crescimento da colheita ou criação e reprodução de animais. De colore surge culturae. Assim, no percurso histórico da humanidade, a expressão vai ganhando novas conformações, passando por várias áreas de conhecimento e ganhando novas determinações. No final do século XVIII, a palavra cultura, no alemão e no inglês, tornou-se um “nome para configuração ou generalização do ‘espírito’ que informava o ‘modo de vida global’ de determinado povo” (WILLIAMS, 1992, p. 10 – grifo do autor). E ressalta Raymond Williams (1992) que Johann Gottfried von Herder, em sua obra “Ideias sobre a Filosofia da História da Humanidade”, foi [...] o primeiro a empregar o significado plural, ‘culturas’, para intencionalmente diferenciá-lo de qualquer sentido singular ou, como diríamos hoje, unilinear de ‘civilização’. Esse termo pluralista amplo foi, pois, de especial importância para a evolução da antropologia comparada no século XIX, onde continuou designando um modo de vida global e característico. (WILLIAMS, 1992, p. 10) Assim, cultura passou a ter uma gama de sentidos: um estado mental desenvolvido, entendido como “pessoa culta”, educação escolástica, por exemplo; mas, de modo geral, essas conceituações coexistem com os sentidos antropológico e sociológico, nos quais é entendido como “modo de vida global” de determinado povo ou de algum grupo social. (WILLIAMS, 1992). No âmbito da Antropologia, a cultura tornou-se um dos objetos de estudo centrais. Destaca-se, nessa área de conhecimento, as contribuições de Edward Tylor, Franz Boas e Bronisław Malinowski4. Para Tylor, cultura relaciona-se a uma totalidade 4 Edward Burnett Tylor (1832-1917) é filiado à escola antropológica do evolucionismo social, considerado na Antropologia como o responsável pelo conceito moderno de cultura; Franz Uri Boas (1858-1942) foi um dos pioneiros da antropologia moderna, conhecido como “Pai da Antropologia Americana”; e Bronisław Kasper Malinowski (1884-1942) é considerado um dos fundadores da antropologia social. 3553

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI que “[...] inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (TYLOR apud LARAIA, 2003, p. 25). Tylor enfatiza a cultura pelo viés evolucionista, entendendo-a a partir das vivências dos sujeitos e suas relações ao longo de sua vida em sociedade. No entanto, com o desenvolvimento da Antropologia, outro pensador, Franz Boas, contesta as ponderações de Tylor e afirma que o ambiente em que estão os sujeitos não determinam seu modo de ser. Em suma, Boas tem grande importância para o estabelecimento do que hoje se conhece como Antropologia Cultural, uma vez que estabeleceu novos conceitos acerca do tema e determinou a cultura como elemento explicativo da diversidade humana, compreendendo a maneira de existir das pessoas, além de determinar que os estudos naturais não são suficientes para a explicação da vida social. Boas detinha-se sob as particularidades de cada sociedade pautando-se no conceito de relativismo cultural. Outro importante pensador sobre o estudo da cultura foi Malinowski. Para ele, a cultura é uma totalidade em funcionamento, que integra hábitos, costumes, técnicas e crenças, e todo elemento cultural deve ser estudado em seu contexto. As abordagens aqui expostas nos remetem à essencialidade da compreensão da cultura enquanto significados morais e subjetivos dos sujeitos, e em sua diversidade de delimitações ao longo da história. Consonante a isso, percebe-se a importância da perspectiva interdisciplinar na abordagem do tema, visto o movimento histórico da sociedade e dos processos sociais vivenciados na sociedade contemporânea. Essa aproximação inicial ao tema nos foi importante para a reflexão pretendida neste trabalho que almeja o debate acerca da concepção de cultura no âmbito das Ciências Sociais, especificamente buscando a tradição marxista como referência, a partir da leitura e sistematização da concepção de Antônio Gramsci. O pensador italiano, desde os seus primeiros escritos, anteriores aos Cadernos do Cárcere (1929-1935), elabora sobre o que denominaria de “organização da cultura”. Ou seja, como os organismos de uma sociedade são constituídos com a função ideológica de difundir uma determinada cultura, um determinado modo de pensar e agir na sociedade. Gramsci volta-se especialmente para estudar os elementos de formação da cultura das classes 3554

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI subalternas, pois tinha como inquietação teórico e política a tarefa da organização das massas, o problema da construção de uma nova cultura das classes subalternas. 2.2 A abordagem gramsciana sobre a cultura No que tange ao debate sobre o tema da cultura no campo do marxismo, os estudos feitos por Antônio Gramsci nos remetem a uma nova e complexa abordagem. Para Gramsci, a cultura está intrinsecamente ligada à hegemonia e à política. Ele desenvolve uma concepção de cultura que se pauta na divisão de classes, que compreende, assim, a existência tanto a cultura da classe dominante quanto a cultura da classe dominada. Em vista disso, situa a disputa de hegemonia entre elas. Para as classes subalternas, portanto, há a necessidade da organização de sua própria concepção de cultura, a fim de elaborar uma nova cultura, aquela que viria nascer a organização da chamada classe para si. Nessa direção, sobre as ponderações de Gramsci acerca da cultura, Abreu (2002, p. 24) afirma que: No pensamento gramsciano, as exigências históricas da construção da hegemonia pelas classes subalternas como estratégia revolucionária redefinem o lugar da cultura como condição necessária do processo de emancipação político-ideológica dessas classes, do qual faz parte a luta pela constituição e redimensionamento das relações de força e a conquista do poder do Estado. Assim sendo, pode-se perceber com nitidez a disparidade existente entre os conceitos de cultura anteriormente explanados, nos quais a Antropologia e os clássicos determinam critérios muito mais voltados à subjetividade dos sujeitos, de suas vidas em sociedade, por meio da transmissão de crenças e costumes, e o que Gramsci nos traz: uma visão voltada para as determinações político-ideológicas da categoria. Amplia, assim, a abordagem no debate trazido pelas interpretações anteriormente expostas. Interessa-nos, pois, enfatizar as contribuições desse filósofo, que permitem alçar significativas interpretações para a compreensão da cultura enquanto um fenômeno contemporâneo que apresenta significados muito mais complexos, que se relacionam com a conversão dos sujeitos como intelectuais na proposição de uma nova cultura voltada à construção de uma nova hegemonia para as classes subalternas. A qual 3555

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI emergiria de um movimento orgânico de criação de uma nova cultura, capaz de levar os sujeitos a alcançarem a consciência, mas não qualquer uma, mas a consciência de sua classe. A análise feita por Gramsci situa-se contexto de sua reflexão sobre a necessária renovação da cultura socialista na Itália. Desenvolve-a a partir de seus escritos acerca dos processos históricos de 1916 a 1918, evoluindo até seus estudos de 1922. Notadamente refere-se às revoltas de operários, ao objetivo de organizar conselhos de fábrica e à fundação do Partido Comunista na Itália. Nessa situação histórica turbulenta, Gramsci inicia suas reflexões acerca do papel da cultura na estrutura e na superestrutura da sociedade. Em 1916, no seu escrito “Socialismo e Cultura”, Gramsci faz um paralelo entre duas concepções de cultura, abordando, de um lado, um saber conservador e “enciclopédico, uma espécie de “intelectualismo deletério”. É preciso perder o hábito e deixar de perceber a cultura como saber enciclopédico, no qual o homem é visto apenas sob a forma de um recipiente a encher e entupir de dados empíricos, de fatos brutos e desconexos, que ele depois deverá classificar em seu cérebro como nas colunas de um dicionário, para poder em seguida, em cada ocasião concreta, responder aos vários estímulos do mundo exterior. Essa forma de cultura é realmente prejudicial, sobretudo para o proletariado. (GRAMSCI, [1916] 2004, p. 57). Em Gramsci, uma nova cultura tem como viés a conscientização crítica, desvencilhada da concepção ideológica burguesa e elitista. O conceito gramsciano de cultura não se encontra numa definição dada, específica e acabada. Para alcançar a reflexão dele acerca da cultura é preciso investigar o enfeixado conjunto de outros conceitos que vão se complementando, tais como intelectuais, ideologia, estrutura e superestrutura, sociedade civil, sociedade política, bloco histórico, moral, educação, trabalho, hegemonia, etc. Não obstante, é possível destacar a seguinte tentativa de síntese feita pelo próprio autor: [...] Mas o que significa “cultura” neste caso? Significa, indubitavelmente, uma coerente, unitária e nacionalmente difundida “concepção da vida e do homem”, uma “religião laica”, uma filosofia que tenha se transformado precisamente em “cultura”, isto é, que tenha gerado uma ética, um modo de viver, um comportamento cívico e individual. [Caderno 23]. (GRAMSCI, 2002a, p. 64). 3556

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Assim, para Gramsci “cultura não é somente saber, mas é também viver” (GRAMSCI, 2002b, p. 236). E, na vida, há uma multiplicidade de dimensões a serem consideradas. Gramsci, em seu conceito de cultura, procura, pois, reafirmar todas as dimensões presentes na cultura, as quais, didaticamente recortando, podemos assim destacá-las: a dimensão da pluralidade e da diversidade; a dimensão processual, gradual e lenta; a dimensão da multiplicidade; a dimensão classista; a dimensão religiosa; a dimensão histórica; a dimensão transformadora latente; dimensão humanista; a dimensão do tradicional; dimensão total, integral, do homem na sociedade (DOUGLAS, 2019). Temos, pois, em nosso autor, que a construção de uma nova cultura requer um trabalho árduo, repetitivo, constante e criador de novos valores e práticas, pois: [...] as modificações nos modos de pensar, nas crenças, nas opiniões, não ocorrem mediante “explosões” rápidas, simultâneas e generalizadas, mas sim, quase sempre, através de “combinações sucessivas”, de acordo com “fórmulas de autoridade” variadíssimas e incontroláveis [...] assim, também se combinam variadamente, na esfera da cultura, as diversas camadas ideológicas [...]. Na esfera da cultura, aliás, as “explosões” são ainda menos frequentes e menos intensas do que na esfera da técnica [...] a cultura é produto de uma complexa elaboração [...] [Caderno 24]. (GRAMSCI, 2001, p. 207). Nesse rumo de construção de uma nova cultura que possibilite a emergência da hegemonia das classes subalternas, orienta Gramsci: Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas “originais”; significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, “socializá-las” por assim dizer; e, portanto, transformá-las em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. (GRAMSCI, 2004a, p. 96). E ressalta ele: Pela própria concepção do mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que compartilham um mesmo modo de pensar e de agir. Somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homens-massa ou homens-coletivos. [...] Quando a concepção do mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homens-massa, nossa própria personalidade é compósita [...] (GRAMSCI, 2004a, p. 94). 3557

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A concepção gramsciana de cultura, portanto, enseja a ideia do projeto popular de transformação da sociedade. Eis, aqui, a principal contribuição trazida pelo pensador sardo, a que eleva a luta de classes a um processo muito mais profundo e denso, ligado ao que o autor denominará de uma guerra de posição – em oposição a uma guerra de movimento – cujo terreno da sociedade complexa e gelatinosa que vislumbrava na Itália, e no ocidente, diferenciava-se da opção bolchevique, no oriente (Rússia), ao qual, em sua estratégia, Gramsci não exatamente rompe, mas continua superando, nos trazendo subsídios muito mais complexos para a luta da classe trabalhadora, especialmente em nossa contemporaneidade. Eis porque temos, em Gramsci, um autor fundamental para o debate da cultura na configuração que buscamos destacar neste trabalho. 3 CONCLUSÃO No âmbito do Serviço Social as categorias gramscianas são imprescindíveis para a formação profissional crítica dos assistentes sociais. No que diz respeito à categoria cultura, é indispensável assinalar a disputa dos projetos profissionais, pois há na profissão uma luta intermitente pela hegemonia de dois projetos: a cultura conservadora, que assombra a profissão, e a relativa ao Projeto Ético Político da profissão, cuja base é a perspectiva emancipatória das classes subalternas. Pauta-se práxis profissional crítica que inclina a uma direção político-ideológica que evidencia a ruptura com o conservadorismo e a luta constante por uma cultura emancipatória. Segundo Marina Maciel Abreu (2002), o tema da organização da cultura trazido pela interpretação gramsciana conduz as classes subalternas à necessária reflexão acerca da relação entre o movimento histórico real e sua organização de classe em si. Neste processo, acontece uma ruptura gerada pelo meio que influencia esta tomada de consciência entre a classe proletária e a classe burguesa, e tem como intuito uma busca pela hegemonia a partir de um novo projeto societal, uma nova civilização. A cultura é o plano no qual os seres humanos exercem plenamente seu poder de invenção, criatividade e liberdade. Assim, a análise da cultura representa um importante espaço de constituição do ser social, de reflexão e de crítica de sua vida social, de suas relações com a natureza e com os outros homens. 3558

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Nessa perspectiva, é indispensável que se expandam os estudos sobre a influência de Gramsci e seus conceitos essenciais como o estudo da hegemonia e cultura, o que este artigo buscou contemplar, no intuito de apreender as especificidades da hegemonia burguesa que se instaurou com a globalização e se acirra com a constante ofensiva neoliberal. Sobretudo no tempo atual, no qual a batalha das ideias acentua a necessidade de o campo do pensamento crítico ter firme seus conceitos e convicções para a defesa do projeto alternativo, de outra hegemonia, como propugna Antonio Gramsci. REFERÊNCIAS ABREU, Marina Maciel. Serviço social e a organização da cultura: perfis pedagógicos da prática profissional. São Paulo: Cortez, 2002. GRAMSCI, Antonio. Escritos políticos. Volume 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Volumes 1, 2, 3, 4, 5, 6. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, 2002a, 2002b, 2004a. DOUGLAS, Franklin. A ideologia e o “poder” da comunicação na formação da cultura de massa no Brasil. Anais IX Jornada Internacional de Políticas Públicas, São Luís – MA, 2019. Disponível em: <http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2019/images/trabalhos/trabalho_submis saoId_1731_17315cca801d90122.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2020. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 14º ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. REVISTA IDEAS INTERFACES EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE. Gramsci e as culturas Subordinadas. Unicamp. Santa Maria - RS. v. 4, n. 1, jun./julho de 2010, p 11-13. Disponível em: <https://revistaideas.ufrrj.br/ojs/index.php/ideas/article/view/58/58> Acesso: 30 mar. 2020 WILLIAMS, Raymond. Cultura. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 3559


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