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APOSTILA - FARMACOGENÉTICA

Published by Grupo Longevidade Saudável, 2019-10-25 16:31:20

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FARMACOGENÉTICA

FARMACOGENÉTICA PÓS-GRADUAÇÃO MASTER EM CIÊNCIAS DA LONGEVIDADE HUMANA

Grupo Longevidade Saudável Academia Longevidade Saudável Diretor Científico: Dr. Ítalo Rachid Coordenadora Técnico-científica: Dra. Virna da Costa e Silva 1ª. Edição 2019 FARMACOGENÉTICA – Academia Longevidade Saudável, São Paulo, 2018. (Em processo de catalogação)

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO..................................................................................................................................06 2. DNA E SÍNTESE PROTÉICA..........................................................................................................08 3. VARIAÇÕES GENÉTICAS............................................................................................................. 16 3.1G ENÉTICA VERSUS GENÔMICA.......................................................................................... 19 4. MicroRNA E TRATAMENTO FARMACOLÓGICO..................................................................... 22 5. INFLUÊNCIA GENÉTICA SOBRE A FARMACOCINÉTICA, FARMACODINÂMICA E RESPOSTA AO TRATAMENTO......................................................................................................... 26 5.1. FARMACOCINÉTICA E FARMACODINÂMICA............................................................... 26 5.2. A PASSAGEM DE FÁRMACOS PELA MEMBRANA....................................................... 31 5.3. FARMACOEPIGENÉTICA - NOVOS DESAFIOS CIENTÍFICOS EM MEDICINA PERSONALIZADA.................................................................................................................. 33 6. FARMACOGENÉTICA E FARMACOGENÔMICA APLICADAS A PREVENÇÃO DE REAÇÕES ADVERSAS A MEDICAMENTOS...................................................................................................... 36 7. APLICAÇÕES DA FARMACOGENÉTICA E DA FARMACOGENÔMICA...............................40 8 . TESTES GENÉTICOS (SELEÇÃO, INTERPRETAÇÃO E AJUSTE FARMACOLÓGICO)..... 52 9. REFERÊNCIAS................................................................................................................................. 53 05

Farmacogenética 1. INTRODUÇÃO O tratamento medicamentoso e a previsão de seus resultados têm sido importantes no campo da farmacogenômica e farmacogenética. O campo oferece soluções para minimizar os efeitos e a ocorrência de reações adversas a medicamentos. Um olhar preciso na área da medicina requer uma estratégia multicomponente visando tanto o hospedeiro humano quanto seu ambiente. O ambiente pode desempenhar um papel decisivo na medida em que os indivíduos são diferencialmente suscetíveis à doença, bem como à toxicidade associada às intervenções terapêuticas. Fatores ambientais incluem política de tecnologia e inovação, mas nem sempre recebem o mesmo grau de interesse entusiástico da comunidade científica, em comparação com, por exemplo, variáveis r​​elacionadas ao hospedeiro, como variações genômicas e proteômicas entre pessoas e populações. Ao analisar a resposta de uma população homogênea a uma determinada droga, com uma mesma dosagem, entre indivíduos do mesmo sexo, idade e peso, com mesmos hábitos diários e condições físicas semelhantes, é possível perceber que o efeito produzido apresenta diferenças significativas. A resposta farmacológica a um tratamento medicamentoso não é a mesma em todos os pacientes. Na verdade, essa resposta apresenta varia- bilidade de efeito terapêutico e de toxicidade para pacientes diferentes, onde uma mesma dose padronizada de medicamento pode conduzir a uma resposta efetiva, resposta pouco eficiente, não produzir efeitos signi- ficativos ou, o que é pior, conduzir a reações adversas ao medicamento. As variações na resposta ao tratamento podem ser decorrentes de vários fatores tais como: doenças; diferenças na farmacocinética e farmacodinâ- mica dos medicamentos; fatores ambientais e fatores genéticos. Partindo desse princípio, a variabilidade de resposta às drogas entre pacientes, excluindo-se as variáveis físicas e ambientais, pode ser atribuída, em partes, à composição genética única que cada indivíduo apresenta. Assim, chamamos de farmacogenética o ramo da Farmacologia Clínica que estuda as variabilidades de resposta às drogas em função das varia- ções genéticas na população. A farmacogenética dedica-se ao estudo da base genética sobre a resposta não usual do organismo à ação dos medicamentos, ou seja, como a variabilidade genética contribui para a variabilidade da resposta aos medicamentos. 06

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana Apesar do conceito simples, a importância desse estudo é impressio- nante, assim como todo estudo que visa reduzir os riscos e aumentar a eficiência nos medicamentos, uma vez que os danos causados pelos efeitos adversos ou sub-terapêuticos dos fármacos são catastróficos. Somente nos Estados Unidos, mais de dois milhões de hospitalizações (3% a 6% das admissões hospitalares) foram resultantes de efeitos a medicamentos. 30% desses pacientes internados têm uma segunda reação durante sua permanência no hospital. Outros dois milhões de pacientes ficam grave- mente doentes. Além das consequências terapêuticas, há também um custo anual estimado em US$ 3 milhões, decorrente do longo período de internações associadas à toxicidade dos medicamentos. Estima-se que, na Europa e Estados Unidos, 20% a 30% dos pacientes hospitalizados apresentam efeitos indesejáveis após o uso de medicamentos. Como número expressivo, 100.000 mortes por ano são decorrentes de reações adversas a medicamentos. Outro dado ressaltado é que cerca 4% dos medicamentos lançados no mercado são em seguida retirados devido às reações adversas. Isso acontece, como é de amplo conhecimento dos profissionais da área médica, porque a ação do princípio ativo de um fármaco sobre o organismo varia de indivíduo para indivíduo. É claro que o organismo humano é complexo, com cerca de 25.000 genes, todos atuantes em ao menos alguns momentos. Assim, não se pode esperar que as variações a resposta às drogas, em função de variações genéticas, ocorram todas de forma separada. Desta maneira, a farmacogenética foca os efeitos de genes isoladamente. Por sua vez, um ramo de estudo companheiro da farmacogenética, chamado farmacogenômica, estuda os efeitos de vários genes simulta- neamente (efeitos do genoma como um todo), bem como suas interações. Contudo, para alguns pesquisadores farmacogenética e farmacogenô- mica podem ser usadas, de forma geral, como conceitos sinônimos. Já para outros, a farmacogenômica busca, nos genes de indivíduos ou de grupos, marcadores genéticos relevantes que permitam prever efeitos tóxicos, efetividade clínica de determinados medicamentos. De qualquer maneira, estas áreas da Farmacologia buscam identificar genes que: predisponham às doenças; modulem respostas aos medica- mentos; afetem a farmacocinética e farmacodinâmica de medicamentos; e estejam associados a reações adversas ao medicamento. Com isso, esses dois ramos objetivam o melhor tratamento através da personalização terapêutica, com base nas diferenças genéticas entre os indivíduos. 07

Farmacogenética 2. DNA E SÍNTESE PROTÉICA A síntese protéica é um processo biológico no qual as células produzem proteínas, determinado pelo DNA, no qual a informação que está presente no DNA da célula é transformada em proteínas, uma das macromolé- culas mais importantes para a subsistência do organismo. O processo de síntese proteica envolve três etapas: a transcrição, a ativação e a tradução. O processo acontece intracelular e participam o DNA da célula; RNA transportador, mensageiro e ribossômico; além dos ribos- somos, enzimas e aminoácidos. Em resumo, DNA é transcrito pelo RNA mensageiro (RNAm) e depois a informação é traduzida pelos ribossomos (compostos RNA ribossômico e moléculas de proteínas) e pelo RNA trans- portador (RNAt), que transporta os aminoácidos, cuja sequência deter- minará a proteína a ser formada. As proteínas são sintetizadas em etapas pela polimerização de aminoá- cidos de uma maneira unidirecional, começando no terminal N e termi- nando no terminal C. Os aminoácidos estão ligados pela formação de ligações peptídicas e a cadeia polipeptídica resultante contém um de 20 aminoácidos diferentes em cada posição. Para a síntese de proteínas, uma molécula de RNA mensageiro (mRNA) copiada do DNA fornece a instrução para a síntese de uma proteína específica. A informação codifi- cada na sequência de bases no mRNA é traduzida por moléculas de RNA de transferência (tRNA) que se ligam ao mRNA em uma extremidade, e carregam aminoácidos específicos na outra extremidade. A síntese da cadeia polipeptídica em crescimento é realizada nos ribossomos, que contêm RNA e proteínas associadas. Os fatores proteicos específicos adicionais auxiliam na iniciação, alongamento e terminação da síntese proteica. A informação genética é codificada como uma série de três bases, ou tripletos, no mRNA. Os 64 trios e os aminoácidos que eles especi- ficam são chamados de código genético. Na maioria dos organismos, três (e às vezes duas) dos trigêmeos sinalizam a terminação da cadeia. A tradução é o processo pelo qual a informação transportada no RNA mensageiro (mRNA) é traduzida em uma sequência de aminoácidos chamada polipeptídeo pelos ribossomos. Dos três tipos principais de RNA, o mRNA é o único tipo que já foi traduzido em proteína. Tanto o RNA ribos- sômico (rRNA) quanto o RNA de transferência (tRNA) funcionam como moléculas de RNA na síntese de proteínas. O rRNA faz parte da estrutura 08

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana de um ribossomo e catalisa a reação química entre dois aminoácidos. O tRNA transporta aminoácidos para o ribossomo. As etapas do processo de síntese das proteínas são reguladas pelos genes. Expressão gênica é o nome do processo pelo qual a informação contida nos genes (a sequência do DNA) gera produtos gênicos, que são as moléculas de RNA (na etapa de transcrição gênica) e as proteínas (na etapa de tradução gênica). Existem quatro bases - adenina, timina, citosina e guanina - e cada uma delas é geralmente representada pela primeira letra em seu nome: A, T, C e G, respectivamente. Quando combi- nadas, essas bases formam o código genético. Na primeira etapa, uma enzima presente — a RNA-polimerase — liga-se a uma extremidade da molécula de DNA do gene. Quando isso acontece, quebram-se as ligações de hidrogênio entre as bases nitrogenadas das duas fitas do DNA, a estrutura de dupla-hélice se desfaz e as fitas se separam. Depois, a RNA-polimerase começa a sintetizar uma molécula de RNAm, isto é, RNA mensageiro. Para isso, a sequência de bases nitro- genadas da fita do DNA é lida, modelando a sequência do RNAm com bases complementares. A relação de complementaridade entre as bases é a seguinte: DNA > RNA - Adenina (A) > Uracila (U); Timina (T) > Adenina (A); Guanina (G) > Citosina (C); Citosina (C) > Guanina (G). Uma vez que a leitura e a modelagem acabam, o RNAm separa-se da fita de DNA. Então, as ligações de hidrogênio e a estrutura helicoidal se refazem. Na segunda etapa, o RNAt, ou RNA transportador, leva os aminoá- cidos que estão soltos no citoplasma da célula até o ribossomo. Para que o RNAt reconheça em que parte do RNAm devem ser deixados os aminoácidos, ele tem uma sequência de três bases complementares ao códon do RNAm, chamada de anticódon. Nesse processo de trans- porte, a célula consome ATP. O códon é um conjunto de três nucleotí- deos, que corresponde a um aminoácido. Existem 64 códons possíveis, a partir da combinação dos nucleotídeos. Alguns aminoácidos podem ser codificados por mais de um códon. Na terceira etapa, o RNAm é decodificado pelo ribossomo. Para que isso aconteça, são necessários três momentos distintos. Formação da cadeia polipeptídica: Nesse momento, o ribossomo, o RNAm e um RNAt especial se associam. O RNAt transporta o aminoácido metionina, e contém o anticódon UAC, necessário para emparelhar com o códon AUG do RNAm, que é o responsável por determinar onde a informação para a cadeia peptídica tem início. Também é importante dizer que, nesse momento, o 09

Farmacogenética RNAt que carrega a cadeia peptídica que está se formando vai se alojar no Sítio P, enquanto o RNAt que carrega o aminoácido para ser incorpo- rado na cadeia vai se alojar no Sítio A. Esses dois sítios ficam na subuni- dade maior do ribossomo. Crescimento da cadeia polipeptídica - Nesse momento, o ribossomo desloca-se sobre o RNAm. A cada deslocamento, o RNAt que estava no Sítio A passa para o Sítio P, e um novo aminoácido é incorporado à cadeia em formação, por meio de uma ligação peptí- dica. Conclusão da cadeia polipeptídica - Nesse momento, o ribossomo chega a um códon de parada, que é um dos três códons (UAA, UAG e UGA) para os quais não há um aminoácido correspondente. Para formar uma proteína de 60 aminoácidos, por exemplo, é necessário 1 RNAm, 60 códons (cada um corresponde a um aminoácido), 180 bases nitrogenadas (cada sequência de 3 bases dá origem a um aminoácido), 1 ribossomo e 60 RNAt (cada RNAt transporta um aminoácido). Pode-se notar, então, que se trata de um processo altamente complexo, já que há a intervenção de vários agentes. - Do DNA a proteína: DNA e seus blocos de construção • Nucleotídeos: blocos de construção dos ácidos nucléicos: Os nucleotí- deos, um dos diferentes compostos de um anel contendo nitrogênio (muitas vezes referidos como bases para combinar o H+ em soluções ácidas), estão conectados a um açúcar de cinco carbonos, ou uma desoxirribose ou uma ribose, o qual carrega um grupo fosfato. Os nucleotídeos podem atuar como moléculas carregadoras de energia química. A ATP (éster trifosfato de adenina), acima de todos, participa na transferência de energia de centenas de reações celulares individuais. Seu fosfato terminal é adicionado utilizando energia da oxidação de alimentos, e este fosfato pode ser dividido prontamente por hidrólise para liberar energia, a qual aciona reações biossintéticas energicamente não favoráveis em outro local da célula. O significado especial dos nucleotídeos está no armaze- namento da informação biológica. Nucleotídeos servem como blocos de construção para a produção de ácidos nucléicos, longos polímeros, nos quais as subunidades de nucleotídeos estão covalentemente ligadas pela formação de um éster fosfato entre o grupo 3’-hidroxil do resíduo de açúcar de um nucleotídeo e o grupo 5’ do nucleotídeo adjacente. 10

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana Os nucleotídeos apresentam uma variedade de funções no metabo- lismo celular. Eles são a moeda energética nas transações metabólicas; são as ligações químicas essenciais nas respostas da célula a hormônios e a outros estímulos extracelulares; e também são os componentes estru- turais de uma estrutura ordenada de cofatores enzimáticos e interme- diários metabólicos. E, por último, mas não menos importante, eles são os constituintes dos ácidos nucleicos: ácido desoxirribonucleico (DNA) e ácido ribonucleico (RNA), os repositórios moleculares da informação genética. A estrutura de cada proteína – e, em última análise, de cada biomolécula e componente celular – é o produto da informação progra- mada na sequência nucleotídica dos ácidos nucleicos da célula. A capaci- dade de armazenar e transmitir a informação genética de uma geração a outra é uma condição fundamental para a vida. • Ligações fosfodiéster entre os nucleotídeos: Sua interação ocorre por ligações fosfodiéster, formando pontes de fosfato entre si. O grupo hidro- xila do carbono-3 da pentose do primeiro nucleotídeo se une ao grupo fosfato ligado à hidroxila do carbono-5 da pentose do segundo nucleotídeo através da ligação fosfodiéster. Desta forma, os nucleotídeos se unem, constituindo uma fita de ácido desoxirribonucleico. Quando observamos o DNA, percebemos que suas duas fitas não seguem a mesma orientação: é a chamada disposição antiparalela. É como se uma fita estivesse de “ponta-cabeça” em relação à outra. As ligações entre as fitas de DNA – estrutura do DNA: O DNA está tão compactado no núcleo celular, que se fosse possível esticá-lo, ele teria 2 metros de comprimento. A estrutura secundária do DNA é a dupla-fita torcida como uma hélice (dupla-hé- lice). Esta estrutura é enrolada em proteínas-histonas como um carretel e se compacta de forma altamente organizada em vários ‘carretéis’. Esta compactação em estruturas com maior tamanho, num nível terciário • SNP – polimorfismo de um único nucleotídeo: mudanças genômicas de um par de bases que ajuda a distinguir uma espécie para outra ou um subgrupo de indivíduos em uma população. Polimorfismos de um único nucleotídeo (SNPs) são trocas ocorridas no DNA onde um nucleotídeo é trocado por outro qualquer (A/T, A/G, A/C, G/C, G/T) e vice-versa. Essas modificações pontuais nas sequências de DNA são encontradas tanto nas 11

Farmacogenética regiões do genoma codificantes de proteínas (éxons – genes) quanto nas não codificantes (íntrons). Lembremos que o código genético é degene- rado, isso indica que a maioria dos aminoácidos – constituintes das proteínas – são representados por mais de uma trinca de bases de nucleotí- deos (códons). Códons diferentes que codificam o mesmo aminoácido são considerados sinônimos. Muitos SNPs são denominados de «silenciosos» porque resultam em substituições sinônimas de códons. Esses SNPs silen- ciosos não alteram a composição de aminoácidos da proteína resultante. Tem sido largamente assumido que tais mudanças não exercem nenhum efeito distinguível na função gênica ou no fenótipo do indivíduo modifi- cado. Contudo, é de grande importância estudar os SNPs (silenciosos ou não) porque eles podem ser utilizados como marcadores moleculares de predisposição do indivíduo a certos tipos de doenças, dentre elas o câncer, ou ainda como alvos terapêuticos no desenvolvimento de novas drogas. • Compactação da cromatina: Cromatina: complexo filamentoso de DNA, histonas e outras proteínas, que constituem o cromossomo eucarió- tico. Na célula, o DNA não existe normalmente por conta própria, mas se associa a proteínas especializadas que o organizam e lhe conferem estru- tura. Nos eucariontes, essas proteínas incluem as histonas, um grupo de proteínas básicas (de carga positiva) que formam “bobinas” ao redor das quais o DNA, de carga negativa, pode se enrolar. Além de organizar o DNA e de torná-lo mais compacto, as histonas possuem um papel impor- tante na determinação de quais genes são ativos. O complexo de DNA mais histonas e outras proteínas estruturais é chamado de cromatina. Na maior parte da vida da célula, a cromatina está descondensada, ou seja, ela existe em fitas longas e finas que parecem rabiscos ao micros- cópio. Neste estado, o DNA pode ser acessado com relativa facilidade pelo maquinário da célula (como as proteínas que leem e copiam o DNA), e isso é importante para que a célula cresça e funcione. Descondensada pode parecer um termo estranho para esse estado – filamentoso – mas faz mais sentido quando se descobre que a cromatina também pode se condensar. A condensação ocorre quando a célula está próxima de se dividir. Quando a cromatina se condensa, pode-se ver claramente que o DNA eucariótico não é apenas um filamento longo. Na verdade, ele é partido em pedaços lineares e avulsos chamados cromossomos. 12

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana Elementos de um cromossomo: Os cromossomos são filamentos espiralados de cromatina, que é o complexo de DNA e proteínas locali- zados no interior do núcleo celular nas células eucarióticas. Durante o processo de divisão celular, a cromatina apresenta-se bastante condensada, formando os cromossomos. A cromatina é constituída de nucleoproteínas que, em sua maior parte, são o RNA e DNA, além de proteínas globulares denominadas histonas, fosfatídeos e elementos minerais, como cálcio e magnésio. Na situação em que se encontra a cromatina, isto é, altamente condensada, o material genético está dupli- cado e, desta maneira, os cromossomos apresentam duas cromátides que estão unidas pelo centrômetro. As moléculas de DNA são os consti- tuintes fundamentais do cromossomo, e são formados por bases nitro- genadas, dentre as quais estão as purinas, representadas pela adenina e guanina; e as piridimindas, representadas pela citosina e timina. 13

Farmacogenética • Estruturalmente, o cromossomo apresenta a unidade estrutural filamentosa de DNA em forma de espiral, e é envolvido por uma substância proteica. Pode-se destacar as seguintes partes de um cromossomo: • Cromômeros – Em toda a sua extensão, a cromatina apresenta engrossamentos irregulares com aspectos de granulações, denomi- nados cromômeros; • Cromatídeos – Resulta da divisão longitudinal dos cromossomos durante o processo de divisão celular; • Centrômero – É a constrição primária que divide o cromossomo em dois braços e permite movimento durante a divisão celular; • Satélite – É a porção terminal de material cromossômico. Apresen- ta-se separado do cromossomo por uma constrição secundária; • Zona SAT – Região que se relaciona com a formação do nucléolo durante a telófase (fase mitótica em que os cromossomos começam a se desespiralizar). Sequencia simples (genes), repetições dispersas e múltiplas origens de replicação. • De acordo com a posição relativa do centrômero, os cromossomos são classificados em quatro tipos: • Metacêntrico – possuem o centrômero no meio e, desta maneira, formam dois braços de mesmo tamanho; • Acrocêntrico – neste caso o centrômero está próximo a uma das extremidades do cromossomo; • Telocêntrico – possuem o centrômero na extremidade do cromos- somo, em sua região estritamente terminal, formando um único braço; • Submetacêntrico – apresenta-se em forma de J e, neste caso, formam dois braços de tamanhos desiguais. • Organização dos genes em um cromossomo: 14

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana Os cromossomos não se apresentam uniforme ao longo de todo o seu comprimento, uma vez que possuem uma contrição primária, o centrô- mero, que divide o cromossomo em dois braços (braço curto – p; braço longo – q) e podem apresentar constrições secundárias, como as regiões organizadoras do nucléolo. Além dessas diferenças, cada cromossomo apresenta um padrão característico de bandas. Por meio de técnicas de coloração especial, que coram seletivamente o DNA, cada par cromos- sômico é individualmente identificado; isto ocorre por apenas um breve período, durante a mitose, na metáfase, quando estão condensados ao máximo e quando os genes são transcritos em baixos níveis. As técnicas de bandeamento cromossômico “expandiram” os horizontes da citoge- nética, e a primeira aplicação do bandeamento deu-se no pareamento cromossômico. Essas técnicas têm possibilitado compreender melhor as alterações cromossômicas que se estabelecem em cada genótipo. Uma das principais aplicações do bandeamento cromossômico é a identificação de cromossomopatias, que são definidas como quaisquer síndromes causadas por anomalias cromossômicas. Como a informação genética está contida nos cromossomos, é de se esperar que os zigotos que apresentam anomalias cromossômicas (aberrações ou mutações cromossômicas) mostrem, na maioria das vezes, desenvolvimento alterado, visto que as aberrações cromossômicas devem provocar desor- ganização daquela informação. A estimativa do percentual de concep- ções com aberrações cromossômicas é de, no mínimo, 10%. Nem todas as aberrações cromossômicas numéricas são compatíveis com a sobrevivência ou a continuidade reprodutiva das células somáticas por elas afetadas. O estudo sistemático das cromossomopatias revelou que no caso das aberrações autossômicas, todas as alterações numéricas e estruturais, não importa qual o autossomo afetado, estão fortemente associadas a retardamento neuropsicomotor, anomalias esqueléticas e cardiopatias congênitas. Os sinais mais frequentes são: deficiência mental, peso corporal baixo ao nascer, atraso do desenvolvimento físico, tônus muscular alterado e diminuição dos reflexos. 15

Farmacogenética 3. VARIAÇÕES GENÉTICAS O estudo da variação genética e genômica é o pilar conceitual para a genética na medicina e para o campo mais amplo da genética humana. Durante o curso da evolução, o fluxo constante de nova variação de nucleotídeos tem assegurado um alto grau de diversidade genética e individualidade, e este tema se estende através de todos os campos da genética médica e humana. A diversidade genética pode manifestar-se como diferenças na organização do genoma, como alterações de nucleo- tídeos na sequência do genoma, como variações no número de cópias de grandes segmentos de DNA genômico, como alterações na estrutura ou na quantidade de proteínas encontradas em vários tecidos, ou como qualquer um destes no contexto de doenças clínicas. A sequência de DNA nuclear é aproximadamente 99,5% idêntica entre dois seres humanos não aparentados. Ainda, é precisamente a diferença na pequena fração da sequência de DNA entre indivíduos que é respon- sável pela variabilidade geneticamente determinada, a qual é evidente tanto na existência diária quanto na medicina clínica. Muitas diferenças nas sequências de DNA têm pouco ou nenhum efeito na aparência externa, ao passo que outras diferenças são diretamente responsáveis por causar doença. Entre esses dois extremos está a variação respon- sável pela variabilidade geneticamente determinada na anatomia, na fisiologia, nas intolerâncias alimentares, na suscetibilidade à infecção, na predisposição ao câncer, nas respostas terapêuticas ou nas reações adversas a medicamentos, e talvez até mesmo a variabilidade em vários traços de personalidade, aptidão atlética e talento artístico. Um dos conceitos importantes da genética humana e médica é que doenças com um componente claramente hereditário são apenas a manifestação mais óbvia e muitas vezes mais extrema de diferenças genéticas, uma das extremidades de um continuum de variação que se estende desde variantes deletérias raras que causam doença, através de variantes mais comuns que podem aumentar a suscetibilidade à doença, até a variação mais comum na população, a qual apresenta relevância incerta em relação à doença. Mudanças genômicas em um par de bases ajuda a distinguir uma espécie para outra ou um subgrupo de indivíduos em uma população. A capacidade de uma população para se adaptar a um ambiente em 16

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana mudança depende da variabilidade genética. Indivíduos com determi- nados alelos ou combinações de alelos podem ter precisamente as carac- terísticas necessárias para sobreviverem e se reproduzirem sob novas condições. Dentro de uma população, a frequência de um dado alelo pode variar entre muito comum ou muito raro. Estes novos alelos surgem na população tanto através de mutações aleatórias, como pela migração de indivíduos provenientes de outras populações. A variabilidade genética é o resultado da recombinação genética e o acumulo de mutações, em um indivíduo ou em um grupo, que ocorrem em decorrência dos processos naturais do próprio organismo ou por exposição a fatores externos, deriva genética ou novas combinações a partir da reprodução sexuada. Estas variações se acumulam com o tempo, se tornam hereditárias e se fixam na população. A variabilidade genética surge através de mutações e recombinações gênicas, sendo a matéria prima sobre a qual a seleção natural atua. A fonte primária de toda a variabilidade genética é a mutação. Ela corresponde a qualquer alteração no material genético de um organismo. A mutação promove o aparecimento de novos alelos, o que pode alterar a expressão de um determinado fenótipo. Essa situação promove a variabilidade genética e pode favorecer ou prejudicar a adaptação de uma espécie. A recombinação gênica refere-se à mistura de genes provenientes de diferentes indivíduos que ocorre durante a repro- dução sexuada. A reprodução sexuada é um importante mecanismo que proporciona a variabilidade genética entre os indivíduos de uma população. A mutação e a recombinação gênica são responsáveis pela variabilidade genética. A principal importância da variabilidade genética é que através dela ocorre a evolução e adaptação dos organismos ao ambiente. A variabilidade genética contribui para a persistência evolu- tiva das espécies. Variação gênica é qualquer movimento de genes de uma população para outra e é uma importante fonte de variação genética. Embora o cariótipo seja em princípio um carácter unificador de cada espécie de ser vivo, o reconhecimento de variações a nível cromossó- mico pode ter grande interesse. Na constituição cromossómica de cada indivíduo está a descrição citológica do seu genótipo, sendo, pois, as varia- ções na constituição cromossómica uma fonte importante de informação explicativa de variações (frequentemente, anomalias) a nível fenotípico, isto é: certos fenótipos “mutantes”, por serem consistentes com certos padrões de variação cariotípica, serão provavelmente causados por essas variações. Os cromossomos podem sofrer alterações estruturais de 17

Farmacogenética diversa ordem, com diversas implicações nos fenótipos dos indivíduos ou na sua fertilidade. As consequências fenotípicas das anomalias estru- turais derivam de um efeito de dose atribuível ao número incorreto de certos genes (a mais nas duplicações e a menos nas deleções), ou de um efeito de posição resultante da presença de um locus numa localização anormal (inversões, translocações, etc). Polimorfismo é uma variação fenotípica que pode ser separada em classes distintas e bem definidas. O controle genético se dá por um ou poucos loci, sendo a característica pouco suscetível a fatores ambientais. As variações nas sequências de DNA são chamadas de polimorfismos genético. No genoma humano é frequente a ocorrência do fenômeno concei- tuado polimorfismo genético que corresponde a aproximadamente 90% das variações interindividuais, algumas das quais podem estar relacio- nadas com respostas diferenciadas aos medicamentos. Com o avanço das investigações da Farmacogenética e da Farmacogenômica possibi- litou-se o estudo de alguns fatores interferentes na resposta terapêutica dos fármacos, ocorrentes devido algum tipo de polimorfismo. Dentre esses fatores estão as variações em genes que alteram a expressão e/ou atividade de sítios de ligação de medicamentos, por afetarem a estabili- dade do RNA mensageiro ou modificarem a estrutura conformacional de uma proteína. Como consequência dessas alterações há a redução ou aumento da atividade da proteína, podendo desencadear a intoxicação medicamentosa. Os mais simples e comuns de todos os polimorfismos são os polimor- fismos de nucleotídeo único (SNPs, do inglês, single nucleotide polytttor- phisms). Um locus caracterizado por um SNP geralmente tem apenas dois alelos, que correspondem a duas bases diferentes que ocupam uma localização específica no genoma. Como mencionado anteriormente, os SNPs são comuns e são observados em média uma vez a cada 1.000 pb no genoma. Entretanto, a distribuição de SNPs é desigual em todo o genoma; muito mais SNPs são encontrados em regiões não codificantes do genoma, em íntrons e em sequências que estão a alguma distância de genes conhecidos. No entanto, há ainda um número significativo de SNPs que ocorrem em genes e em outros elementos funcionais conhecidos no genoma. Para o conjunto de genes codificantes de proteínas, mais de 100.000 SNPs exônicos foram documentados até o momento. Cerca de metade desses não alteram a sequência de aminoácidos prevista para a proteína codificada e são assim denominados de sinônimos, enquanto 18

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana a outra metade altera a sequência de aminoácidos e compreende os chamados não sinônimos. Outros SNPs introduzem ou alteram um códon de parada, e outros ainda alteram um sítio de spliciitg conhecido; esses SNPs são candidatos a apresentar consequências funcionais significativas. O fato de os SNPs serem comuns, não significa que eles não apresentem efeito na saúde e na longevidade. Isto quer dizer que qualquer efeito de SNPs comuns está mais provavelmente envolvido na alteração relativamente sutil de susce- tibilidade a doenças do que na causa direta de doenças sérias. 3.1 Genética versus genômica Genética Genômica Nutri ou Fármaco: Ciência que estuda o papel dos Ciência que estuda os efeitos das varia- nutrientes e compostos alimentares ções genéticas sobre as respostas a bioativos na expressão gênica dieta ou de medicamentos A genética trata da hereditariedade, ou seja, como os traços individuais são herdados através dos genes – em pequena escala ou escala molecular. O estudo se dá pela investigação dos genes, que é a unidade fundamental da hereditariedade. Os genes estão distribuídos ao longo dos cromos- somos, que são longas sequências de DNA. Um gene é uma sequência de unidades de DNA, ou nucleotídeos (adenina [A], citosina [C], guanina [G] e timina [T]). Para um gene que determina uma proteína, a ordem dos nucleotídeos dita precisamente a estrutura de um intermediário de RNA e um produto proteico subsequente. Os genes são de centenas a milhares de nucleotídeos, regiões longas não traduzidas (UTRs) possuem centenas de nucleotídeos de comprimento e os promotores têm tipicamente pelo menos 40 nucleotídeos de comprimento. Cada gene e seu DNA relacio- nado podem ser divididos em segmentos: • Região Promotora: A maquinaria genética se ancora aqui para começar a construir o RNA intermediário; A variação da sequência nessa região pode alterar o acesso do maquinário ao gene e, assim, afetar sua taxa de produção de RNA e proteína. 19

Farmacogenética • Exons: O maquinário genético transcreve esses segmentos em um intermediário de RNA, então traduz o intermediário de RNA (exceto o RNA que veio das UTRs) na sequência de aminoácidos que constitui o produto de proteína; a variação da sequência dentro dos éxons pode alterar esse produto. • Introns: O maquinário genético transcreve esses segmentos em RNA, mas os elimina antes da tradução em aminoácidos. • UTRs: Estas regiões servem funções regulatórias e contribuem para a estabilidade do RNA intermediário; no entanto, eles não são tradu- zidos em proteína. Cada gene possui uma codificação específica [sequência de ácidos nucleicos (DNA/RNA) ] que representará uma função bem definida. É por causa dele que seu cabelo pode ser preto e com cachos, ou ter olhos azuis ou castanhos. Cada sequência de nucleotídeos do gene codifica (fornece um modelo para) um produto molecular, geralmente uma proteína. A variação na sequência pode resultar em alterações no produto do gene, o que, por sua vez, pode ter um efeito nos fenótipos (caracterís- ticas como uma doença ou resposta a uma droga) influenciadas pelo produto. Pesquisadores genéticos usam vários tipos de estudos para estabelecer e explorar as relações gene-fenótipo. Estudos de herdabili- dade podem indicar as contribuições relativas de influências genéticas e não genéticas (por exemplo, ambientais) a um fenótipo particular. Estudos de ligação analisam tipos de indivíduos relacionados e marca- dores genéticos para aprimorar regiões do genoma que podem abrigar genes associados a fenótipos de interesse. Estudos de associação de genes candidatos podem ser usados p​​ ara investigar as relações gene-fe- nótipo sugeridas por estudos de ligação, bem como para se concentrar em genes selecionados por sua relevância fisiológica ou farmacológica para um fenótipo. Os estudos de associação genômica ampla procuram por relações gene-fenótipo comparando simultaneamente centenas de milhares de variantes genéticas em amostras de DNA retiradas de um grande número de indivíduos. Nutrigenética ou Farmacogenética é a ciência que estuda os efeitos das variações genéticas sobre as respostas a dieta ou de medicamentos. Tradicionalmente, a farmacogenética tem se concentrado no papel da variação genética na farmacocinética (por exemplo, absorção, distri- buição, metabolismo e excreção de drogas) e farmacodinâmica (por exemplo, proteínas de resposta a medicamentos, como receptores, canais 20

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana e transportadores). No entanto, os estudos de genes candidatos e, mais recentemente, os estudos de associação genômica ampla identificaram influências genéticas adicionais no abuso e dependência de drogas. Como os estudos de associação genômica ampla lançaram uma ampla rede e não têm hipóteses sobre quais genes estão envolvidos, eles são teoricamente excelentes ferramentas para descobrir novas variantes genéticas comuns e novos biomarcadores genéticos que se associam a fenótipos específicos. Por exemplo, estudos de associação genômica ampla mostraram que genes envolvidos na adesão celular, atividades enzimáticas, regulação transcricional e muitos outros processos e funções podem estar associados a fenótipos de dependência. Já a genômica trata do estudo de todos (ou muitos) genes num genoma e suas interações com o ambiente – em larga escala. Apesar de estar relacionado com a genética, são diferentes, visto que a genética trata de estudo individual dos genes e sobre o que se leva de uma geração para outra. Nutrigenômica ou farmacogenômica é a ciência que estuda o papel dos nutrientes e compostos alimentares bioativos na expressão gênica. A genômica funcional utiliza os dados produzidos pelas análises genômicas para descrever funções e interações dos genes e das proteínas. O foco da genômica funcional é compreender as funções do DNA através dos genes, da transcrição, da tradução, e das interações proteína-proteína. As técnicas mais usadas nessa área são a análise da expressão diferen- ciada (Diferencial Display – DD), a análise serial da expressão gênica (Serial Analysis of Gene Expression - SAGE) e os microarranjos de DNA (Microarrays). A genômica estrutural estuda a organização e estrutura dos genes, e pode descrever a estrutura tridimensional de cada proteína codificada por um dado genoma. Esta abordagem baseada no genoma permite a determinação da estrutura por uma combinação de aborda- gens experimentais e de modelagem. A Metagenômica ou genômica ambiental é o estudo de metagenomas, o DNA total de microrganismos presentes em amostras ambientais. São dois os elementos principais da pesquisa metagenômica: a análise da diversidade microbiana não-cultivável e a análise funcional de genes de organismos presentes no ambiente de interesse. A Epigenômica é o estudo do conjunto de modificações epigenéticas no material genético de uma célula. E a epigenética é o estudo das mudanças na expressão gênica que são hereditárias, mas não implicam em alteração na sequência de DNA. 21

Farmacogenética 4. MicroRNA E TRATAMENTO FARMACOLÓGICO Os microRNAs (miRNAs) são pequenas moléculas de RNA não-codifi- cantes, altamente conservadas, que ocorrem naturalmente nos genomas de plantas e animais. Estudos mostraram que milhares de genes codifi- cadores de proteínas humanas são regulados por miRNAs, indicando que os miRNAs são “reguladores mestres” de muitos processos biológicos importantes. Os microRNAs (miRNAs), essa família de pequenos RNAs não-codifi- cadores, parecem desempenhar um importante papel regulatório na expressão gênica, regulando negativamente a expressão gênica no nível pós-transcricional. Evidência substancial de que a expressão gênica é importante na resposta a drogas forneceu o ímpeto para estudar o papel do miRNA na resposta a drogas. No entanto, uma vez que a maioria dos resultados atuais são indiretos, in vitro ou ambos, ainda há muito pouca evidência sobre como os miRNAs afetam os resultados dos pacientes após o tratamento com o medicamento. Dadas suas associações universais com várias doenças, uma tentativa de integrar os níveis de expressão de miRNA nos estudos farmacogenômicos atuais poderia ajudar a construir um modelo mais abrangente de resposta a drogas e fornecer novos insights antes dos miRNAs se tornarem parte da terapêutica molecular. Esta revisão enfoca alguns progressos recentes sobre o papel emergente dos miRNAs na resposta a drogas. Alterações na expressão gênica têm sido implicadas nas etiologias de doenças comuns, como cânceres, doenças cardiovasculares e trans- tornos psiquiátricos. Clinicamente, o perfil de expressão gênica permitiu a classificação de tumores e a identificação de biomarcadores que podem ser úteis no diagnóstico, triagem e avaliação da eficácia da terapia, bem como na previsão da agressão tumoral (por exemplo, câncer pulmonar de células não pequenas, câncer de próstata). Nos últimos anos, o ensaio simultâneo de expressão gênica e variação genética em todo o genoma (por exemplo, polimorfismos de nucleotídeo único, SNPs) permite o 22

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana mapeamento dos fatores genéticos que sustentam a variação natural na expressão gênica (expressão de loci de características quantita- tivas, eQTLs). A disponibilidade de informações de eQTL sistematica- mente geradas forneceu informações sobre a base biológica de doenças complexas através de estudos de associação genômica ampla (GWAS) e ajudou a identificar redes de genes envolvidos na patogênese da doença. Progressos recentes na farmacogenômica sugeriram que a resposta a tratamentos terapêuticos também é provável que seja um fenótipo complexo que é parcialmente determinado por fatores genéticos que atuam através da regulação gênica. Notavelmente, durante os últimos anos, modelos usando linhas celulares linfoblastóides humanas (LCLs) (células transformadas do vírus Epstein-Barr) foram aplicadas para identificar loci farmacogenómicos ou eQTLs responsáveis ​pela resposta ao fármaco. Por exemplo, modelos usando o International HapMap Project amostras derivadas de indivíduos de ascendência africana, européia e asiática foram usados ​para estabelecer relações entre variação genética através da regulação gênica e citotoxicidade de alguns agentes quimio- terápicos de vários mecanismos, como o etoposídeo (inibidor da topoiso- merase II), a cisplatina (um agente platinante) e a citarabina (um antime- tabólito do DNA). A expressão gênica em si é um fenótipo complexo e quantitativo que é regulado por vários fatores genéticos e não genéticos. A contribuição da genética, especialmente na forma de SNPs singulares que atuam como cis ou trans, foi ilustrada usando os modelos LCL. Por exemplo, estudos usando LCLs humanos (por exemplo, as amostras do International HapMap Project bem como os LCLs originais derivados de caucasianos em Utah coletados pelo Centre d’Etude du Polymorphisme Humain) demonstraram que variantes genéticas comuns incluindo SNPs e variantes do número de cópias (CNVs) contribuem substancialmente para a variação natural na expressão gênica dentro de uma população e entre populações. Embora substanciais, variações genéticas como SNPs e CNVs podem apenas parcialmente explicar a variação natural total na expressão gênica observada entre indivíduos e populações. Outros fatores, incluindo ambiente, epigenética (por exemplo, metilação de DNA em regiões promo- toras) também podem contribuir para o status dinâmico da expressão 23

Farmacogenética gênica em células, tendo assim o potencial de afetar os fenótipos de um indivíduo, incluindo a resposta a tratamentos terapêuticos (por exemplo, quimioterápicos citotoxicidade induzida). Portanto, inves- tigar as relações entre outros fatores genéticos ou não genéticos e a resposta a medicamentos pode nos fornecer uma compreensão mais abrangente desse complexo fenótipo, beneficiando, assim, a reali- zação final da medicina personalizada. MiRNAs têm 17 a 27 nucleotídeos de comprimento e regulam a expressão de RNAm pós-transcricional, tipicamente ligando-se à região 3 ‘não traduzida (3’-UTR) da sequência de mRNA complementar, resultando em repressão translacional e silenciamento gênico. Até agora, cerca de 700 miRNAs foram identificados experimentalmente ou computacionalmente em humanos. Como a atual tecnologia de clonagem favorece miRNAs altamente expressos, esforços de clonagem mais exaustivos podem ser necessários para catalogar todos os miRNAs (estimados> 800 em humanos) que devem cobrir mais tipos de tecidos e estágios de desenvolvimento. Além da clonagem, a predição computa- cional foi utilizada para identificar miRNAs que compartilham sequên- cias homólogas com espécies intimamente relacionadas. O miRBase do Sanger Institute (um banco de dados de registro de microRNA) contém anotações atualizadas para todos os miRNAs publicados que foram validados experimentalmente para a expressão de miRNAs maduros ou computacionalmente previstos para as estruturas de gancho de cabelo correspondentes. O crescente banco de dados contém cerca de 721 produtos de miRNA maduros distintos em humanos e sequências de 10.000 miRNA em 115 outras espécies. MiRNAs foram descobertos para desempenhar importantes papéis regulatórios na expressão gênica. Pelo menos para aqueles com alvos genéticos caracterizados, verificou-se que os miRNAs regulam negativamente a expressão gênica no nível pós-transcricional (isto é, através da repressão translacional e degradação do mRNA) pela ligação às regiões 3 ‘não traduzidas (3’UTRs), embora o mecanismo molecular preciso ainda precise ser ilustrado. Além disso, as previsões computacionais de alvos de miRNA revelaram uma variedade de vias regulatórias que podem estar sujeitas à regulação da mediação de miRNA. 24

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana Portanto, a imagem emergente é que miRNAs, através de seus papéis na regulação do gene, têm o potencial de regular quase todos os aspectos das condições fisiológicas, incluindo riscos de doenças comuns (por exemplo, câncer), bem como resposta a tratamentos terapêuticos. Por exemplo, verificou-se que alterações ou assinaturas de miRNAs estão envolvidas na iniciação, progressão ou prognós- tico de vários cânceres humanos (por exemplo, leucemia, câncer de próstata, câncer gástrico, câncer de pulmão, câncer de mama e câncer de fígado). Assim, os miRNAs tem sido estudado como poten- ciais preditores diagnósticos / biomarcadores ou alvos terapêuticos. Através da regulação da expressão gênica no tempo e no espaço, os miRNAs contribuem para doenças comuns, como o câncer. Os MiRNAs podem também contribuir para a resposta ao fármaco, por exemplo, através da regulação de genes chave que metabolizam o fármaco, tais como a família do citocromo P450 (CYP). Embora polimorfismos (por exemplo, SNPs) nesses genes sejam muito comuns e muitos estudos foram realizados para entender como essas variações genéticas afetam a farmacocinética da droga, os miRNAs começaram a emergir como uma classe crítica de reguladores de sua expressão, potencial- mente afetando resposta individual a drogas. Por exemplo, a fuga de miR-519c por truncagem 3’UTR foi encontrada para permitir que células resistentes a drogas mantenham alta expressão de ABCG2 (cassete de ligação a ATP, subfamília G, membro 2), um transportador que é relacionado com a absorção, distribuição e excreção de drogas e citotoxinas. 25

Farmacogenética 5. INFLUÊNCIA GENÉTICA SOBRE A FARMACOCINÉTICA, FARMACODINÂMICA E RESPOSTA AO TRATAMENTO 5.1. Farmacocinética e farmacodinâmica Farmacogenética enfoca a variação dentro do genoma humano. O genoma humano consiste em cerca de 30.000 genes, cada um composto por uma sequência de centenas a milhares de nucleotídeos (unidades de ácido desoxirribonucléico ou DNA). Cada pessoa herda duas cópias da maioria dos genes, uma de cada pai. Embora o DNA de quaisquer dois indivíduos seja 99% idêntico, o número de nucleotídeos é tão grande - aproximadamente 3 bilhões - que milhões de sequências variantes ainda ocorrem em toda a população humana. Variantes que são encontradas em mais de 1% da população são chamadas de polimorfismos. O tipo mais abundante de variante é o polimorfismo de nucleotídeo único (SNP, pronunciado “snip”); outros tipos comuns são exclusões, inserções e repetições em série. Farmacocinética Farmacodinâmica Estudo dos processos de absorção, Estudo da interação do fármaco com distribuição, metabolismo e excreção seus receptores (mecanismo de ação) de fármacos (Goodman e Gilman, 11 ed.) A farmacocinética é um dos principais ramos da farmacologia. O conhecimento do comportamento da droga no organismo auxilia na análise dos dados farmacológicos e toxicológicos e para decidir o regime de dosagem nos estudos clínicos de eficácia e toxicidade. A farmacociné- tica de uma droga inclui os processos de absorção, distribuição, biotrans- formação e eliminação, enquanto que a farmacodinâmica compreende a resposta fisiológica. São parâmetros farmacocinéticos: fator de biodispo- nibilidade; volume de distribuição; clearance e tempo de meia-vida. Na prática, farmacocinética é o que o corpo faz com a droga enquanto que farmacodinâmica é o que a droga faz para o corpo. 26

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana A farmacocinética clínica tenta prover boa relação quantitativa entre dose e efeito além de um quadro em que a interpretação das concen- trações plasmáticas do fármaco nos fluidos dos pacientes resulte em benefício para eles. A importância no tratamento, portanto, baseia-se no aperfeiçoamento da terapia, evitando-se efeitos indesejados que possam ser alcançados pela aplicação de seus princípios quando os esquemas terapêuticos são escolhidos e mudados. A farmacodinâmica envolve ligações a receptores, efeito pós-receptor e interações químicas. A farmacocinética de um fármaco determina o início, a duração e a intensidade de seu efeito. Fórmulas que relatam esses processos resumem o comportamento farmacocinético da maioria dos fármacos. A farmaco- cinética de um fármaco depende de fatores relacionados com o paciente, bem como de suas propriedades químicas. Alguns fatores relacionados ao paciente podem ser utilizados para prever os parâmetros farmacocinéticos em populações. Por exemplo, a meia-vida de alguns fármacos, em especial os que exigem biotransfor- mação e excreção, pode ser notavelmente longa no idoso. De fato, altera- ções fisiológicas que ocorrem com o envelhecimento afetam diversos aspectos da farmacocinética. Outros fatores estão relacionados com a fisiologia individual. Os efeitos de alguns fatores individuais (p. ex., insufi- ciência renal, obesidade, insuficiência hepática e desidratação) podem ser razoavelmente previsíveis, mas outros fatores são idiossincrásicos e, assim, têm efeitos imprevisíveis. Em decorrência de diferenças indivi- duais, a administração dos fármacos deve basear-se na necessidade de cada paciente — tradicionalmente, ela é feita pelo ajuste empírico da dose até que se alcance o objetivo terapêutico. Essa abordagem é, com frequência, inadequada, pois pode retardar a resposta ótima ou resultar em efeitos adversos. O conhecimento dos princípios farmacocinéticos ajuda os médicos a ajustar a posologia com mais precisão e rapidez. A aplicação dos princípios farmacocinéticos para individualizar a farma- coterapia é denominada de monitoramento farmacológico terapêutico. A velocidade com que os medicamentos entram no organismo e dele saem varia amplamente entre diferentes pessoas. Muitos fatores podem afetar a absorção, a distribuição, o metabolismo, a excreção e o efeito final de determinada droga. Entre outras razões, as pessoas respondem de modo diverso aos medicamentos por causa de diferenças genéticas ou da ingestão simultânea de dois ou mais medicamentos que interagem entre si, ou ainda pela presença de moléstias que influenciam os efeitos medicamentosos. Genética Diferenças genéticas (hereditárias) entre 27

Farmacogenética indivíduos afetam a cinética das drogas, ou seja, a velocidade com que as drogas se movimentam dentro do corpo. O estudo da influência das diferenças genéticas sobre a resposta às drogas é chamado farmacoge- nética. Em razão de sua constituição genética, algumas pessoas metabo- lizam medicamentos lentamente, promovendo um acúmulo do medica- mento no organismo, o que causa toxicidade. Outras pessoas possuem uma constituição genética que faz com que metabolizem rapidamente as drogas; determinado medicamento pode ser metabolizado com tanta rapidez que seus níveis no sangue nunca se tornam suficientemente altos para que seja eficaz. Às vezes, diferenças genéticas afetam de outra forma o metabolismo das drogas. Assim, por exemplo, nos níveis decorrentes da dose habitual, um medicamento pode ser metabolizado em velocidade normal, mas, quando administrado em doses mais altas ou no caso de outro medicamento que usa o mesmo sistema para seu metabolismo, o sistema pode estar sobrecarregado e a droga pode atingir níveis tóxicos. Para ter certeza de que o paciente tomou medicamento suficiente para a ocorrência do efeito terapêutico com pouca toxicidade, os médicos devem individualizar a terapia, isto é, selecionar o medicamento certo; levar em consideração fatores como idade, sexo, estatura, dieta, raça e origem étnica da pessoa; e ajustar cuidadosamente a dose. A presença de moléstia, o uso simultâneo de outros medicamentos e o limitado conhecimento acerca das interações desses fatores complicam esse processo. A insuficiência das diferenças genéticas sobre o modo com que os medicamentos afetam o corpo (farma- codinâmica) é muito menos comum que as diferenças no modo com que o corpo afeta os medicamentos (farmacocinética). Ainda assim, as diferenças genéticas são particularmente importantes em certos grupos étnicos e raças. Cerca de metade da população dos Estados Unidos tem baixa atividade de N-acetiltransferase, uma enzima hepática que ajuda a metabolizar algumas drogas e muitas toxinas. Pessoas com baixa atividade dessa enzima metabolizam muitas drogas lentamente, as quais tendem a atingir níveis sanguíneos mais elevados e a permanecer no corpo mais tempo que nas pessoas com atividade intensa de n-acetiltransferase. Cerca de uma entre cada 1.500 pessoas tem baixos níveis de pseudocolinesterase, uma enzima do sangue que inativa drogas como a succinilcolina, que é administrada com a anestesia para relaxar temporariamente os músculos. Embora a deficiência dessa enzima não seja comum, suas conseqüências são importantes. Se não for inativada, a succinilcolina causará paralisia dos músculos, inclusive 28

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana os envolvidos na respiração. Essa situação pode exigir o uso prolongado de um ventilador mecânico. A glicose-6-fosfato desidrogenase, ou G6PD, é uma enzima normalmente presente nas hemácias, que protege essas células de certos agentes químicos tóxicos. Cerca de 10% dos homens negros e uma porcentagem um pouco menor das mulheres negras têm deficiência de G6PD. Algumas drogas (por exemplo, a cloroquina, a pamaquina e a prima- quina, usadas no tratamento da malária, e a aspirina, a probenecida e a vitamina K) destroem as hemácias em pessoas com deficiência de G6PD, causando anemia hemolítica. Certos anestésicos provocam febre muito alta (transtorno chamado hipertermia maligna) em cerca de uma entre cada 20.000 pessoas. A hipertermia maligna tem origem em um defeito genético dos músculos, que os torna excessivamente sensíveis a alguns anestésicos. Os músculos enrijecem, o coração dispara e a pressão arterial cai. Embora não seja comum, a hipertermia maligna é um problema que repre- senta risco à vida. O sistema enzimático P-450 é o principal mecanismo do fígado para a inativação das drogas. Os níveis de atividade do P-450 determinam não apenas a velocidade com que as drogas são inativadas, como também o ponto a partir do qual o sistema enzimático torna-se sobrecarregado. Muitos fatores podem alterar a atividade do P-450, e diferenças na atividade desse sistema enzimático influenciam profun- damente os efeitos dos medicamentos. É o que acontece, por exemplo, com o indutor do sono flurazepam: em pessoas com níveis enzimáticos normais, os efeitos duram dezoito horas; em pessoas com baixos níveis da enzima, os efeitos podem se prolongar por mais de três dias. Para alcançar seu local de ação, a droga, na maioria dos casos, é obrigada a atravessar diversas barreiras biológicas: epitélio gastrintes- tinal, endotélio vascular, membranas plasmáticas. Quando essa travessia leva a droga até o sangue, temos a absorção. A absorção tem por finali- dade transferir a droga do lugar onde é administrada para fluidos circu- lantes, representado especialmente pelo sangue. Não se deve confundir o conceito de vias de administração de drogas com a noção de absorção de drogas. Uma droga pode ser ingerida ou mesmo injetada e não ser absor- vida, isto é, não chegar até a corrente sanguínea. Só há uma possibilidade nas quais os dois conceitos se equivalem: quando se administram drogas por via intravenosa ou intra-arterial. Alguns parâmetros podem influen- ciar a absorção de drogas, dentre eles destaca-se: Membranas biológicas, Propriedades físico-químicas das moléculas das drogas; Forças respon- 29

Farmacogenética sáveis pela passagem das drogas através das membranas; Modalidade de absorção das drogas; Locais de absorção das drogas; Vias e sistemas de administração das drogas. Mecanismos de transporte transmembrana: • Difusão direta através da membrana • Combinação com proteínas transportadoras • Difusão através de poros que atravessam a membrana • Transportadores de captação e de efluxo: • Mecanismos moleculares de absorção: • Difusão passiva de drogas hidrossolúveis • Difusão passiva de drogas lipossolúveis • Difusão facilitada • Transporte ativo • Endocitose ou exocitose • Passagem de drogas via paracelular A membrana celular é um envoltório que delimita todas as células. Ela estabelece a fronteira entre o meio intra-celular e o meio extra- celular (que pode ser a matriz dos diversos tecidos). Tem cerca de 7 a 10nm de espessura e figura nas eletromicrografias como duas linhas escuras separadas por uma linha central clara. Esta estrutura trila- minar é comum às outras membranas encontradas nas células, sendo por isso chamada de unidade de membrana ou membrana unitária. Nessa estrutura encontram-se moléculas de lipídeos e proteínas unidas por intermédio de forças fracas (pontes de hidrogênio e forças hidrofóbicas). Os lipídeos das membranas são moléculas que em soluções aquosas, formam camadas bimoleculares extensas, pois possuem uma porção hidrofílica polar (solúvel em água), e uma parte hidrofóbica apolar (insolúvel em água). A membrana celular não é estanque, mas uma “porta” seletiva que a célula usa para captar os elementos do meio exterior e para eliminar as substâncias que a célula produz e que devem ser enviadas para o exterior, sejam elas produtos de excreção ou secreções que a célula utiliza para várias funções relacionadas com o meio. As bicamadas lipídicas 30

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana das membranas são impermeáveis à maioria das moléculas polares e aos íons, sendo, entretanto, permeáveis às moléculas das drogas não polares. Essas últimas substâncias, por terem a capacidade de atravessar a membrana lipídica, o fazem porque se dissolvem na gordura, são lipos- solúveis. Consequentemente as drogas lipossolúveis serão facilmente absorvidas. Aquelas que não forem lipossolúveis precisarão de processos especiais para atravessar as membranas biológicas, como por exemplo, canais hidrofílicos funcionais, formados por proteínas das membranas ou por sistemas específicos de transporte. As membranas celulares formam as barreiras entre os compartimentos do corpo. O comparti- mento intracelular é separado do compartimento extracelular por uma única camada de membrana. A barreira epitelial, como a mucosa gastrin- testinal ou túbulo renal, consiste numa camada de células estreitamente unidas umas às outras, de modo que as moléculas devem atravessar pelo menos duas membranas celulares (a interna e a externa) para passar de um lado para outro. O endotélio vascular é mais complexo e sua disposição anatômica e permeabilidade varia de um tecido para outro. As lacunas entre as células endoteliais são preenchidas por uma matriz frouxa de proteínas que atuam como filtros, retendo as grandes moléculas e deixando passar os menores. O limite de tamanho molecular não é exato: a água é rapida- mente transferida, enquanto moléculas de 80.000 a 100.000 têm a sua transferência muito lenta. Em alguns órgãos, especialmente no SNC e placenta existem junções firmes (tight junctions) entre as células, e o endotélio é envolvido numa camada impermeável de células periendoteliais. Essas características impedem a passagem de moléculas potencialmente deletérias para esses órgãos e possuem importante impacto farmacocinético na distribuição de drogas para estes locais. Em outros órgãos o endotélio é descontínuo, permitindo a livre passagem de moléculas entre as células (endotélio fenestrado). Fármacos inibidores da Glicoproteína P: A glicoproteína P é o produto do gene de multirresistência à fármacos (MDR1) responsável pelo transporte de efluxo de fármacos e xenobióticos. A glicoproteína P foi descoberta em células tumorais multirresistentes a diferentes agentes quimioterápicos. Atualmente, sabe-se que ela não está expressa somente em células tumorais, mas também em tecidos normais e em barreiras hemato-teciduais. Adicionalmente, tem sido descrita a relação entre a glicoproteína P e o CYP3A na membrana apical do enterócito, a qual 31

Farmacogenética aumentaria o metabolismo de fármacos que são seus substratos. Uma variação genética no gene MDR1 influencia a absorção e a distribuição tecidual de fármacos transportados por essa proteína. A importância da glicoproteína P em interações medicamentosas está bem caracterizada. A glicoproteína P afeta a farmacocinética de diversos fármacos distintos estrutural e farmacologicamente. Uma inibição ou indução da glicopro- teína P mediante a co-administração de fármacos, alimentos ou consti- tuintes de extratos vegetais pode resultar em interação farmacocinética, causando toxicidade ou subtratamento. Fatores que afetam a absorção de fármacos: metabolismo de primeira passagem, interação com alimentos, forma farmacêutica, tempo de esvaziamento gástrico, motilidade intestinal, microbiota, via de adminis- tração. A forma farmacêutica influencia a velocidade de absorção de um fármaco de acordo com o estado em que o princípio ativo se encontra na mesma. Nas soluções aquosas, o fármaco é mais rapidamente absorvido do que nas emulsões, suspensões e formas farmacêuticas sólidas. Independente da via de administração empregada a maioria dos fármacos tem como destino final a corrente sanguínea. Ao chegar ao sangue tem inicio um outro parâmetro farmacocinético conhecido como distribuição. Enquanto que a absorção é caracterizada como a passagem do fármaco do local onde foi administrado para a corrente sanguínea, a distribuição é caracterizada como a passagem do fármaco da corrente sanguínea para os órgãos e tecidos. Fatores que afetam a distribuição de fármacos: permeabilidade capilar, relação entre fluxo sanguíneo e massa tecidual, diferenças de pH, disponibilidade de mecanismos de transporte, características de permeabilidade de membranas específicas, ligação a proteínas plasmáticas. Nos processos farmacocinéticos de absorção, distribuição e excreção as proteínas transportadoras são os principais alvos para as alterações farmacogenética. 32

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana Quando se pensa em farmacogenética e farmacocinética, os pontos de busca por informação envolvem as proteínas transportadoras relacio- nadas com os processos de absorção, distribuição e excreção e ainda, as enzimas relacionadas ao metabolismo de xenobióticos. O receptor é uma macromolécula celular ou conjunto de macromoléculas celulares, que estão relacionadas direta e especificamente com a sinalização química entre ou dentro das células. Proteínas receptoras são molécula-alvo com a qual um fármaco vai se combinar para produzir um efeito específico. 6.3. Farmacoepigenética - Novos desafios científicos em Medicina Personalizada A epigenética é concebida como uma extensão natural da genética para explicar a expressão de genes e o diálogo do genoma com o ambiente externo. No entanto, a amplitude conceitual da epigenética cresceu em paralelo com o conhecimento atual dos mecanismos que compõem o fenômeno epigenético. Algumas das características mais genuínas da epigenética são: A herança transgeracional de certos caracteres fenotípicos sem mudanças aparentes na estrutura do DNA; A regulação da expressão gênica nos níveis transcricional e pós-trans- cricional sob o controle promíscuo do mecanismo epigenético (metilação do DNA, modificação da cromatina e das histonas, regulação por micro- -RNAs); e 33

Farmacogenética A reversibilidade potencial de todos esses fenômenos através de inter- venção exógena (farmacológica, nutricional, modificação ambiental). Dada a pluralidade de ações nas quais a epigenética participa, é difícil imaginar qualquer atividade celular ou biológica na qual a epigenética esteja ausente. Esse fenômeno universal da comunicação entre o ambiente interno e o ambiente externo ocupará as biociências por décadas para se estabelecer como a língua oficial entre o genoma e seu perímetro. Consequentemente, esta ciência emergente trans- formará, junto com a genômica, nosso conceito de saúde e doença. O desenvolvimento embrionário-fetal, a maturação dos tecidos, os mecanismos de diferenciação e especialização associados às células- -tronco pluripotenciais e uma infinidade de condições fisiológicas e patológicas estão sujeitos às regras da epigenética. O impacto que certos eventos iniciais de desenvolvimento (por exemplo, a exposição a fatores ambientais positivos e negativos nos períodos embrionário, fetal e perinatal) têm sobre a saúde futura de uma pessoa e seus descendentes está oculto por trás de mecanismos epigenéticos. A epigenética médica revolucionará a prática médica em três áreas: etiologia-patogênese, diagnóstico e tratamento. Atualmente, apenas 10% dos mecanismos patogênicos relacionados a doenças que afetam a espécie humana são conhecidos. Nas próximas décadas, a genômica estrutural e funcional, a epigenética, a transcriptômica, a proteômica e a metabolômica nos permitirão compreender as causas e mecanismos patogênicos de muitas doenças que hoje ignoramos. Com isso, o projeto e a implementação de um medicamento preditivo e a consequente intervenção profilática para retardar ou prevenir a ocorrência de muitas doenças previsíveis serão viáveis. De fato, hoje sabemos que centenas de aberrações epigenéticas estão associadas a um grande número de doenças prevalentes (cardiovasculares, cerebrais, metabólicas, oncológicas). A medicina convencional sempre associa uma doença a um sintoma ou conjunto de sintomas e sinais, de modo que conceitualmente, com base em postulados clássicos, sem sintomas não há doença. É óbvio que esse conceito clássico está errado. Qualquer pessoa pode estar morrendo sem sintomas de alarme clínico perceptíveis para o paciente ou para o médico na ausência de evidência objetiva. A combinação 34

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana de pegadas genômicas e epigenéticas permitirá que a probabilidade de sofrer de uma determinada doença seja identificada com 20 ou mais anos de antecedência. Este diagnóstico preditivo (pré-sintomá- tico) é essencial para a implementação de programas preventivos. Certos perfis epigenéticos também ajudam a estabelecer um diagnós- tico diferencial, tipificando o status e a progressão da doença, e o monitoramento terapêutico em termos de segurança e eficácia. Nesse contexto, a epigenética complementa a experiência da farmacogené- tica em termos de personalização do tratamento farmacológico. A informação passada de uma geração a outra – para células filhas na divisão celular ou dos pais para sua prole - não codificada em sequências de DNA, é denominada informação epigenética. A maior parte dessa informação está em forma de metilação do DNA, modifi- cação covalente das histonas e/ou posicionamento de variantes de histonas nos cromossomos. A metilação ocorre preferencialmentenas chamadas ilhas citosina fosfato guanina (CpG), regiões do DNA com grande números de resíduos de citosina e guanina adjacentes locali- zados na região promotora de vários genes. A DNA (citosina-5) -metiltransferase 1 é uma enzima que catalisa a transferência de grupos metila para estruturas específicas de CpG no DNA, um processo chamado metilação do DNA. Em humanos, é codifi- cado pelo gene DNMT1. O DNMT1 faz parte da família das enzimas DNA metiltransferase, que consiste principalmente de DNMT1, DNMT3A e DNMT3B. Esta enzima é responsável pela manutenção da metilação do DNA, que assegura a fidelidade de replicação dos padrões epigenéticos herdados. Tem uma preferência muito distinta de CpGs metilantes no DNA hemimetilado. Padrões de metilação aberrantes estão associados a certos tumores humanos e anormalidades de desenvolvimento. São tipos de DNMTs: • DNMTs de manutenção: responsáveis por manter os padrões de metilação durante o processo de replicação celular incluindo DNMT1, que utiliza como substrato DNA hemimetilados • DNMTs com função de metilação propriamente dita dos genes, as DNMT3A e DNMT3B, as quais estão envolvidas na transferência de grupos metil para sítios previamente não metilados 35

Farmacogenética 6. FARMACOGENÉTICA E FARMACOGENÔMICA APLICADAS A PREVENÇÃO DE REAÇÕES ADVERSAS A MEDICAMENTOS A pesquisa no âmbito da farmacogenômica/farmacogenética tem-se focado no conhecimento dos mecanismos moleculares inerentes às reações adversas e na descoberta de biomarcadores (genéticos) que permitam identificar pessoas em risco. Nos Estados Unidos 6 a 7% das hospitalizações são devidas a reações adversas a medicamentos e estas são responsáveis por 100 mil mortes por ano neste país. As reações adversas medicamentosas são também um grande problema ao longo do processo de desenvolvimento de um novo fármaco. Aproximadamente 4% de todos os novos fármacos são impedidos de entrar no mercado devido a reações adversas medica- mentosas como por exemplo, efeitos tóxicos ao nível do sistema cardiovascular ou hepático. A procura de biomarcadores farmacoge- nômicos ou farmacogenéticos que possam ser utilizados para identi- ficar doentes em risco aumentado de efeitos tóxicos relacionados com fármacos tem-se focado na variação de genes que codificam proteínas chave da farmacocinética e da farmacodinâmica dessas mesmas substâncias. As alterações na sequência de aminoácidos das enzimas do metabolismo por exemplo, que provocam atividade enzimática aumentada, podem levar a níveis elevados de substrato ou, em alter- nativa, no caso dos pró-fármacos, níveis elevados de metabolito ativo, que poderão causar efeitos tóxicos. São ainda poucos os biomarca- dores identificados com elevado nível de especificidade. A pesquisa nesta área tem tido limitações ao nível do design dos ensaios. Além disso, as influências poligênicas responsáveis por muitas reações adversas são resultado, entre outras situações, de tratamentos com múltiplos fármacos e a variação na severidade dessas reações torna difícil a identificação do contributo particular de cada gene. Como resultado, só um número limitado de resultados de uma associação positiva entre as características genéticas e as reações adversas específicas foi reconhecido. Nos Estados Unidos, a FDA publicou uma listagem de biomarca- dores válidos e que deverão ser pesquisados através de testes farma- 36

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana cogenéticos aquando da administração de determinados fármacos (FDA, 2009). Esta pesquisa poderá por um lado, ser obrigatória para o caso de alguns fármacos, poderá por outro lado ser recomendada para o caso de algumas populações de risco, ou poderá ser feita apenas para melhorar a informação para o prescritor. Um exemplo de pesquisa mandatória é a detecção do “cromossoma Philadelfia” antes da prescrição de Busolfan® em doentes com leucemia mieloide crônica. Este fármaco é usado no tratamento paliativo só sendo efetivo em doentes que têm presente o “cromossomo de Philadelfia”. Algumas variantes genéticas alteram o risco de dependência de um fármaco; outros afetam as respostas a vários medicamentos. Uma variante que altera uma enzima que metaboliza uma droga específica ou um receptor ativado por uma droga específica prova- velmente desempenha um papel na vulnerabilidade à dependência apenas daquela droga. Em contraste, a vulnerabilidade a uma varie- dade de drogas pode resultar de uma variante que afeta as vias de recompensa do cérebro ou a neuroplasticidade (a formação de novas conexões neurais em resposta à experiência ou exposições a drogas). A variação genética que contribui para a vulnerabilidade e depen- dência de diferentes classes de medicamentos tem sido demonstrada para as enzimas do citocromo P450 (CYP) que metabolizam drogas, receptores como o receptor D2 da dopamina (DRD2) e o receptor opioide mu (OPRM1), transportadores como o transportador de seroto- nina (5-HTT) e o transportador de dopamina (DAT1), e enzimas como dopamina β-hidroxilase (DβH) e monoamina oxidase (MAO). A variação no CYP2A6, o gene da enzima CYP2A6 que metaboliza a nicotina, influencia os aspectos da dependência do tabaco, alterando a farmacocinética da nicotina. O CYP2A6 é o principal responsável pela conversão da nicotina em cotinina, tornando-a inativa, e a enzima também metaboliza a cotinina em trans-3’-hidroxicotinina. Indiví- duos com diferentes variantes do CYP2A6 podem ser agrupados de acordo com a atividade da enzima CYP2A6 resultante como metaboli- zadores normais, intermediários (aproximadamente 75% do normal) ou lentos (menos de 50% do normal). O genótipo CYP2A6 (o par de variantes específicas, ou alelos, em um gene que uma pessoa herda, um de cada pai) tem sido associado ao risco de ser um fumante e com numerosos comportamentos de fumar. Por exemplo, estudos em adolescentes fumantes iniciantes descobriram que metabolizadores lentos e normais diferem em seu risco de conversão para dependência, 37

Farmacogenética conforme definido na Classificação Internacional de Doenças, 10ª Revisão (CID-10) e na taxa em que progredirão para uma dependência cada vez mais grave. Entre os fumantes adultos, os metabolizadores lentos são menos prevalentes que os metabolizadores intermediários ou normais; eles fumam menos cigarros por dia, exibem redução de cigarro, diminuem a dependência, esperam mais tempo para fumar o primeiro cigarro do dia e têm menos sintomas de abstinência de nicotina; e constituem uma porção menor de fumantes à medida que a duração do tabagismo aumenta, sugerindo que eles pararam de fumar mais cedo. Esses achados sugerem que os níveis de nicotina permanecem elevados por mais tempo em fumantes com variantes do metabolismo lento do CYP2A6 do que naqueles com variantes de rápido metabolismo, resultando em menor necessidade de acender ou inalar com frequência para evitar a abstinência. Esta frequência reduzida de exposição à nicotina ao longo do tempo pode diminuir as alterações induzidas pela nicotina no cérebro, resultando numa dependência menos grave e, talvez, tentativas de abandono mais eficazes. Embora nem todos os estudos concordem com essas associa- ções, a variação na inativação metabólica da nicotina pelo CYP2A6 parece, no balanço, estar associada à variação no comportamento de fumar e pode alterar as taxas de cessação. Drogas de abuso ativam a via dopaminérgica mesolímbica, que desempenha um papel essencial na recompensa e reforço da droga. Um mecanismo chave nessa via é a ativação da dopamina de recep- tores DRD2 em neurônios dopaminérgicos na área tegmentar ventral. Assim, estudos examinaram o impacto da variação genética no DRD2 nas respostas a várias drogas de abuso, e vários polimorfismos têm sido implicados na suscetibilidade e dependência. Por exemplo, uma variante de DRD2, chamada TaqI A, resulta de um SNP (32806C> T) que ocorre no domínio de repetição de anquina e domínio quinase contendo DRD2 vizinho de DRD2 (ANKK1). Embora esta variante não esteja na região do DNA que codifica a proteína DRD2, ela está associada a uma menor densidade de receptores DRD2 e consequente- mente à diminuição da atividade dopaminérgica. O polimorfismo TaqI A pode contribuir para a vulnerabilidade ao abuso de substâncias e tem sido associado ao abuso da polissubstância, ao uso de heroína e à dependência de cocaína e abuso de polissubstância psicoestimu- lante. Alguns estudos sugeriram que a TaqI A é um fator de risco para comportamentos tabagísticos, enquanto outros estudos não encon- 38

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana traram essas associações. Outra variante associada ao gene DRD2, chamada TaqI B, localizada no exon 2, também resulta em menor densidade de receptores DRD2 no estriado. Indivíduos com essa variante são mais propensos do que aqueles sem ela a fumar e ter começado a fumar mais cedo como dependentes de cocaína e abusar de psicoestimulantes. Além disso, uma variante de deleção (−141C Del) na região promotora foi associada com maior densidade de receptores DRD2 no estriado e com maior probabilidade de abuso de heroína por inalação, mas não por injeção. Esses dados sugerem que, de acordo com o papel fundamental do receptor de dopamina na via de recom- pensa, a variação no DRD2 pode alterar múltiplos aspectos da depen- dência de muitas drogas de abuso. O transportador de serotonina (5-HTT) é codificado pelo gene SLC6A4 e dirige a recaptação da serotonina da sinapse para o neurônio pré-si- náptico. A região promotora deste gene (5-HTTLPR) ocorre em variantes curtas e longas, dependendo se uma sequência de 44 nucleótidos é eliminada ou não. A variante curta reduz a eficiência transcricional do promotor do gene, levando à diminuição da produção de 5-HTT e, portanto, a um mecanismo de recaptação da serotonina disfuncional. O genótipo em que ambas as cópias do gene são curtas (s/s) tem sido associado à dependência de heroína, particularmente em usuários violentos dependentes de heroína, entre os caucasianos italianos. Este achado é consistente com uma hipótese que liga o genótipo 5-HTTLPR s/s a ​um distúrbio comportamental geral caracterizado por agressivi- dade, impulsividade e vulnerabilidade à dependência. No entanto, um estudo em chineses não encontrou uma associação entre a variação de 5-HTTLPR e a dependência de heroína. Estudos sugeriram um possível papel para a transmissão da serotonina na suscetibilidade à depen- dência da nicotina com o genótipo 5-HTTLPR s/s associado a traços de personalidade (por exemplo, neuroticismo) típicos do comportamento de fumar. No entanto, nem todos os estudos concordam. Em adoles- centes, a frequência do genótipo s/s foi significativamente maior entre os fumantes em comparação com os não fumantes, e entre os fumantes pesados ​que começaram a fumar cedo em comparação com os fumantes moderados que começaram a fumar mais tarde. Outros estudos descobriram que indivíduos com o genótipo s/s estavam menos propensos a fumar ou não encontraram associação entre o 5-HTTLPR e o tabagismo. 39

Farmacogenética 7. APLICAÇÕES DA FARMACOGENÉTICA E DA FARMACOGENÔMICA A Food and Drug Administration (FDA) reconhece a utilidade da farma- cogenética no desenvolvimento de medicamentos e no atendimento ao paciente, fornece informações para entender o papel de tais descobertas em julgamentos regulatórios e aprovou a inclusão de informações sobre testes farmacogenéticos na rotulagem de medicamentos selecionados. No entanto, os desafios precisarão ser atendidos antes que o pleno poten- cial das descobertas farmacogenéticas possa avançar na prática clínica. Demonstrar a validade clínica e a utilidade dos testes farmacogené- ticos está entre os maiores obstáculos enfrentados pela ampla aplicação da farmacogenética na prática clínica. Para ser aceito, o uso de testes farmacogenéticos para orientar o tratamento deve comprovadamente melhorar os desfechos clínicos. No entanto, as tentativas de replicar os estudos que mostraram benefícios para esses testes muitas vezes falharam. Surge a pergunta: que grau de benefício clínico é suficien- temente robusto para garantir a implementação clínica? Uma vez que os benefícios clínicos e os riscos da otimização farmacogenética de um tratamento estejam claramente definidos, a questão da relação custo-efetividade ainda pode permanecer. Questões complexas de ética e privacidade levantadas pelo uso de testes farmacogenéticos são levantadas. Se o teste farmacogenético deve ser amplamente aceito como uma ferramenta de diagnóstico clínico, quem deve realizar os testes? Atual- mente, o teste é feito usando dispositivos e kits de diagnóstico in vitro aprovados pelo FDA, nos EUA, vendidos pelos fabricantes ou, mais comumente, por laboratórios clínicos que não são aprovados pelo FDA. Com essa variedade de opções de testes, são necessários sistemas de monitoramento rigorosos para garantir resultados confiáveis .​ A disponibilidade limitada e o custo dos testes farmacogenéticos são desafios adicionais. Estudos mostraram que a variação farmacoge- nética pode alterar significativamente a suscetibilidade e a resposta ao tratamento da dependência de drogas. É importante avaliar as abordagens atuais e abordar as preocupações de forma adequada, a fim de otimizar o gerenciamento da dependência de drogas por meio do uso de farmacogenética. 40

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana Em uma grande população de pacientes, um medicamento que é comprovadamente eficaz em muitos pacientes muitas vezes não funciona em outros pacientes. Além disso, quando funciona, pode causar sérios efeitos colaterais, até mesmo a morte, em um pequeno número de pacientes. Embora se saiba que existe grande variabilidade individual na eficácia e segurança do medicamento desde o início da medicina humana, a compreensão da origem da variação individual na resposta ao medicamento tem se mostrado difícil. Por outro lado, a demanda para superar tal variação recebeu mais atenção agora do que nunca. Está bem documentado que a grande variabilidade da eficácia da droga e reações adversas a medicamentos em pacientes é um dos principais determinantes do uso clínico, regulação e retirada do mercado de drogas clínicas e um gargalo no desenvolvimento de novos agentes terapêuticos. Fatores que causam variações na resposta a drogas são múltiplos e complexos, alguns dos quais envolvem aspectos fundamentais da biologia humana, porque uma resposta a drogas afeta diretamente o bem-estar e a sobrevivência. A variação genética em humanos foi reconhecida como um determinante importante da variabilidade individual da resposta de drogas a partir de observações clínicas no final da década de 1950. Nesses casos, foram identificados pacientes com concentrações muito altas ou baixas de plasma ou de droga na urina que correspondem a um fenótipo específico de uma resposta à droga, e as características bioquímicas que levaram à variação das concentrações da droga foram herdadas. A observação de que a variação individual de uma resposta à droga é geralmente maior entre os membros de uma população (variabilidade populacional) do que dentro da mesma pessoa em diferentes momentos (variabilidade intra-paciente) apoia ainda mais a herança como principal determinante da resposta à droga. Esses achados clínicos e populacionais promoveram a formação de farmacogenética para abordar especificamente a contribuição genética para a variabilidade individual na terapia medicamentosa. A sequência do genoma humano fornece um registro especial da evolução humana que varia entre populações e indivíduos. Variações sequenciais em proteínas alvo de drogas, enzimas que metabolizam drogas e transportadores de drogas podem alterar a eficácia do medica- mento, os efeitos colaterais do medicamento, ou ambos, para causar respostas variáveis a​​ medicamentos em pacientes individuais. A partir dessa perspectiva, a disponibilidade da sequência completa do genoma humano tornou possível analisar o impacto das variações da sequência 41

Farmacogenética do genoma humano na patogênese de doenças importantes e a resposta à terapia medicamentosa em um ritmo acelerado nos últimos anos. O rápido acúmulo de conhecimento sobre genoma-doença e interações genoma-droga também impulsionou a transformação da farmacogené- tica em uma nova entidade da genética humana - a farmacogenômica - e, ao mesmo tempo, forneceu uma justificativa para a esperança de que a medicina individualizada ser alcançado no futuro próximo. É evidente que tanto a farmacogenômica quanto a terapia medica- mentosa individualizada estão influenciando cada vez mais a pesquisa médica e biomédica em muitas áreas, incluindo medicina clínica, desenvolvimento de medicamentos, regulação de medicamentos, farmacologia e toxicologia, uma reflexão temática da era pós-genô- mica da medicina atual. - Resposta a Medicamentos e Herança A. Variabilidade Individual na Terapia Química A eficácia do fármaco e as reações adversas ao medicamento deter- minam de forma dependente o resultado clínico de um medicamento. Uma dose maior aumenta o efeito terapêutico da droga, mas simulta- neamente aumenta a propensão para novos ou maiores efeitos colaterais indesejáveis. A dosagem da droga, entre seu efeito terapêutico e aparente reação adversa, define a janela terapêutica. Para muitos medicamentos, a dose ideal necessária para uma terapia eficaz e segura varia significa- tivamente de paciente para paciente. Uma dose de medicamento dentro da janela terapêutica para a maioria da população de pacientes pode ser muito baixa ou muito alta para um pequeno número de pacientes que têm uma curva dose-resposta atípica para um efeito terapêutico medica- mentoso, toxicidade, ou ambos, resultando em desfechos indesejáveis n​ os pacientes. A variabilidade individual geralmente tem um impacto maior sobre drogas que têm uma janela terapêutica estreita do que aquelas com uma janela larga. Por exemplo, a varfarina é um anticoagulante essencial para o tratamento de doenças tromboembólicas, mas tem uma faixa de dose terapêutica muito estreita e efeitos colaterais poten- cialmente letais. Além disso, a dose diária necessária de varfarina para inibição de trombose e embolia em muitas condições de doença varia de 20 a 30 vezes de paciente para paciente. Portanto, testes frequentes de coagulação sanguínea em pacientes que recebem terapia com varfarina são obrigados a atingir anticoagulação efetiva e segura. 42

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana B. Fatores que Afetam a Resposta Individual a Medicamentos Fatores genéticos e não genéticos afetam a variabilidade individual de uma resposta medicamentosa através da modulação das curvas dose-res- posta da eficácia do fármaco e toxicidade farmacológica dos pacientes. O resultado clínico é alterado se a dose do medicamento não for ajustada de acordo. Fatores genéticos geralmente causam mudanças permanentes nas funções proteicas, enquanto fatores ambientais e fisiológicos e seu impacto na resposta a drogas são transitórios na maioria dos casos. No primeiro caso, as variações individuais são estáveis ​a​ o longo de toda a vida e são herdadas através da transmissão da linha germinativa, mas uma resposta do fármaco modulada por um fator não genético muitas vezes retorna a um estado normal após o fator ser corrigido ou removido. Polimorfismos genéticos de proteínas envolvidas no direcionamento de drogas (isto é, farmacodinâmica) e metabolismo de drogas e transporte (isto é, farmacocinética) são provavelmente as fontes mais importantes de variabilidade individual na eficácia de drogas. O alvo de fármaco responsável por uma reação adversa ao medicamento pode ser o mesmo ou diferente do alvo terapêutico do medicamento, resultando em efeitos colaterais no alvo ou fora do alvo. Variações na farmacocinética da droga alteram a concentração de um medicamento tóxico ou metabólito no tecido alvo, causando toxicidade variável. Algumas variações genéticas afetam a eficácia do fármaco e a segurança do fármaco indiretamente, modulando o contexto biológico em que ocorre uma reação ao fármaco. No nível molecular, as variações genéticas podem alterar a estru- tura de uma proteína alvo por meio de mutações na região codifica- dora do gene ou a quantidade da proteína expressa pela modulação da regulação gênica, sendo que ambas alteram a função da proteína ou a taxa e constantes cinéticas no caso de uma enzima. As mutações também podem modular a expressão gênica por meio de regulação epigené- tica. Mudanças estruturais de receptores ou enzimas podem afetar a interação entre o receptor do fármaco ou a interação fármaco-enzima e, consequentemente, a resposta do fármaco. Os polimorfismos genéticos de enzimas e transportadores que metabolizam drogas podem afetar a absorção, a distribuição, o metabolismo e a eliminação de drogas e, assim, modular suas concentrações no plasma e no tecido-alvo. As enzimas de reparo de DNA defeituosas reduzem a capacidade das células de reparar mutações induzidas por agentes quimioterápicos alquilantes. Mutações que alteram a estrutura ou reduzem a quantidade de enzimas envolvidas 43

Farmacogenética na biossíntese da glutationa tendem a reduzir o conteúdo intracelular da glutationa, o que é crítico na proteção das células contra o estresse oxidativo e intermediários reativos comumente encontrados em reações adversas a medicamentos. Químicos ambientais, drogas coadministradas, constituintes dieté- ticos, tabagismo e uso de álcool são todos conhecidos por induzir ou inibir os P450s, outras enzimas que metabolizam drogas e transportadores de drogas; alterar a eficácia da droga; e induzir interações droga-droga e droga-química e efeitos colaterais de drogas. A grande variabilidade individual na indução e inibição de enzimas P450 humanas tem sido bem documentada. Fatores ambientais também podem interagir com alvos de drogas para produzir antagonismo ou sinergia com drogas para alterar efeitos terapêuticos ou toxicidade de drogas. Fatores fisiológicos, incluindo idade, sexo, estados de doença, gravidez, exercício, inanição e ritmo circadiano, também podem contribuir significativamente para variações individuais das propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas dos medicamentos administrados. Algumas características fisiológicas também são genéticas - geralmente de natureza poligênica, como sexo, peso corporal e suscetibilidade a doenças crônicas. C. Genética Humana na Resposta a Drogas Os primeiros exemplos clínicos de influência genética na resposta do fármaco envolveram variações em genes únicos (ie, herança monogê- nica) nos quais polimorfismos de um único gene que codifica uma enzima metabolizadora de fármaco responsável pelo metabolismo e disposição de um fármaco substrato causaram uma resposta aberrante ao gene A variação fenotípica pode ser dramática, especial- mente quando não existe caminho alternativo para realizar a mesma função. Exemplos de estudos incluem a identificação de uma forma atípica de butirilcolinesterase (pseudocolinesterase) como causa de paralisia muscular prolongada e apnéia pelo relaxante muscular succinilcolina; a fenotipagem da tiopurina S-metiltransferase (TPMT) para identificar pacientes com câncer com baixa atividade em drogas anticancerígenas metilantes tóxicas, uma via de inativação das drogas; a identificação de “acetiladores lentos” (variantes N-ace- tiltransferase 2 ou NAT2) para a acetilação da isoniazida no trata- mento da tuberculose e a fenotipagem de “metabolizadores fracos” do CYP2D6 para a hidroxilação da debrisoquina. 44

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana Nesses exemplos, a chamada “abordagem tradicional” foi usada para estabelecer uma conexão genótipo-fenótipo em três etapas: identificação de fenótipos individuais (metabolizadores normais ou extensos versus metabolizadores fracos ou lentos) pela medição dos níveis de droga na urina ou plasma antes da mecanismo genético era conhecido; estabelecer uma correlação entre a farmacocinética da droga e a resposta à droga (eficácia ou toxicidade); e, finalmente, identificar os defeitos genéticos responsáveis ​p​ ela baixa ou falta da atividade enzimática anos depois. Embora esse processo seja geralmente lento e tedioso, o resultado dos estudos de polimorfismo genético de enzimas que metabolizam drogas é freqüentemente clinicamente significativo e significativo. Por outro lado, numerosas variantes de enzimas metabolizadoras de drogas foram descobertas desde a conclusão do projeto do genoma humano. Com poucas exceções, no entanto, o significado dessas variações genéticas na farmacocinética e no resultado clínico da terapia medicamentosa não foi estabelecido. Portanto, embora a análise de variantes baseada na sequência de DNA seja muito mais rápida do que a abordagem clássica na identificação de novas variantes, estabelecer o impacto das variantes genéticas recém-identificadas a partir de estudos genômicos sobre terapia medicamentosa continua sendo um grande desafio. A herança monogênica pode exibir efeitos de dosagem de genes que se manifestam na distribuição fenotípica de polimorfismos genéticos em uma população. Três tipos de distribuições de fenótipos genéticos associados à resposta a drogas foram reconhecidos: bimodal, multi- modal ou amplo, sem antimode aparente. A acetilação da isoniazida ilustra uma distribuição bimodal monogênica na qual os indivíduos são separados em subpopulações de acetilador rápido ou acetilador lento que correspondem a genótipos de NAT2. A 4-hidroxilação da debrisoquina pela CYP2D6 segue uma distribuição multimodal monogênica que inclui metabolizadores fracos (PM) que possuem CYP2D6 inativo, metaboliza- dores ultra-rápidos (UM) que possuem múltiplas cópias de CYP2D6 e ativi- dades muito altas de 2D6, metabolizadores intermediários que têm ativi- dades reduzidas de CYP2D6 e metabolizadores extensos (EM) que têm uma taxa normal de metabolismo. Algumas respostas a drogas exibem uma ampla distribuição sem um antimodo claro. Embora uma distribuição quase normal de variações geralmente sugira influências de múltiplos fatores, esse padrão de resposta também pode incluir um componente genético proeminente, como sugerido por estudos com gêmeos. Para respostas a drogas que refletem efeitos combinados de múltiplos genes 45

Farmacogenética (isto é, herança poligênica), a distribuição fenotípica de características poligênicas e seu impacto na terapia medicamentosa pode ser complexa e obscura. Por exemplo, a deficiência de CYP3A5 ocorre em aproximada- mente 75% das pessoas brancas e 50% das pessoas negras devido a um polimorfismo de nucleotídeo único (CYP3A5 * 3, 6986A G) no intron 3 que introduz um códon de parada e truncamento prematuros da proteína. Como muitas drogas metabolizadas pelo CYP3A5 também são substratos do CYP3A4, os efeitos clínicos do polimorfismo CYP3A5 * 3 podem ser obscurecidos pela presença do CYP3A4 funcional, ou vice-versa. As variações genéticas podem resultar do polimorfismo de nucleo- tídeo único (SNP), inserção, deleção ou duplicação de sequências de DNA. O SNP é provavelmente a variação mais comum. Mais de 90% dos genes humanos contêm pelo menos um SNP, e quase todos os genes humanos são marcados por uma variação de sequência. Mais de 14 milhões de SNPs foram identificados no genoma humano. Mais de 60.000 SNPs estão localizados nas regiões de codificação dos genes. A maioria dos SNPs parece não ter efeito aparente na função dos genes. No entanto, alguns SNPs têm profundo impacto sobre a função dos genes associados, sejam os SNPs nas regiões codificadoras ou a uma distância significativa do local de início da transcrição do gene. Certos SNPs são conhecidos por estarem associados a mudanças significativas na eficácia da droga e disposição do medicamento. No entanto, é cada vez mais claro que a identificação de um único SNP pode não ser suficiente para relacionar a variação de uma proteína alvo a uma doença ou a uma resposta a um medicamento. Um haplótipo define um conjunto de variantes genéticas que são herdadas juntas em desequilíbrio de ligação e, portanto, é particu- larmente útil em análises de genoma-fenótipo. Por esta razão, novas técnicas estão sendo desenvolvidas para integrar conjuntos de SNPs em todo o genoma para identificar loci genéticos que existem em desequilíbrio de ligação. Essa abordagem aumenta a probabilidade de sucesso na identificação de polimorfismos de drogas, enzimas que metabolizam drogas, transportadores de drogas e outros genes que influenciam a resposta à droga, bem como novos genes e vias de susceti- bilidade a doenças que são importantes na etiologia e na patogênese da doença doenças crônicas. Polimorfismos em genes que codificam alvos de drogas afetam direta- mente a função da proteína alvo, a interação entre o fármaco e o alvo, ou ambos, para produzir efeitos profundos na resposta do fármaco. 46

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana A varfarina é o anticoagulante oral mais utilizado em todo o mundo. A enzima vitamina K epoxido redutase (VKOR) foi reconhecida como alvo da warfarina há mais de 30 anos. No entanto, a proteína alvo direta foi identificada como subunidade 1 do complexo VKOR (VKORC1) apenas em 2004. A VKOR catalisa a conversão do epóxido de vitamina K em vitamina K reduzida, o que é necessário para a carboxilação pós-tradução dos resíduos de ácido glutâmico dos fatores de coagulação II, VII, IX e X e das proteínas anticoagulantes C, S e Z por glutamil carboxilase (GGCX). Inibição de VKORC1 pela varfarina leva à depleção de vitamina K reduzida e, consequentemente, à produção de fatores de coagulação hipofuncio- nais, resultando em anticoagulação. Várias mutações na região codifica- dora de VKORC1 foram identificadas, incluindo A41S, V45A, R58G, V66M e L128R. Essas mutações são geralmente raras em populações humanas (± 0,1%), refletindo a natureza altamente conservada da VKORC1, mas todas as mutações estão associadas à resistência à varfarina, exigindo uma dose diária maior que 15 mg / dia. A41S está associado a uma dose diária de 16 mg; R58G, 32-36 mg; V66M, 27-35 mg; L128R, ~ 45 mg; e V45A com razão normalizada internacional alvo (INR; tempo padrão de protrombina) nunca alcançado. Por outro lado, a maioria dos polimor- fismos VKORC1 estão dentro das regiões regulatórias ou intrônicas do gene e influenciam a dose de warbird no intervalo de dosagem normal. Por exemplo, o polimorfismo C1173T no intron 1 de VKORC1 tem sido consistentemente associado com a variabilidade interindividual na dose de varfarina. Em geral, os polimorfismos da VKORC1 foram estimados para responder por cerca de 25% da variação na dose de varfarina. A enzima conversora da angiotensina I (ECA) codificada pelo gene da ECA catalisa a conversão do decapeptídeo angiotensina I em octapep- tídeo angiotensina II (um vasoconstritor potente) e a degradação da bradicinina (um potente vasodilatador). A ECA é um alvo primário no tratamento da hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, neuropatia diabética e diabetes tipo 2. Foi demonstrado que um polimorfismo de inserção (I) / deleção (D) da ECA afeta a terapia de inibição da ECA em várias condições de doença. O efeito antiproteinúrico da inibição da ECA depende, em parte, da redução da pressão arterial sistêmica. Pacientes com hipertensão e albuminúria com diabetes mellitus insulino-depen- dente foram particularmente suscetíveis ao tratamento com inibição da ECA se carregassem o genótipo I/I homozigoto. Por outro lado, o polimor- fismo de eliminação da ECA, particularmente o homozigoto D / D, é um fator de risco para uma perda acelerada da função renal que reduz o 47

Farmacogenética efeito benéfico a longo prazo da inibição da ECA sobre a progressão de doentes diabéticos e não-diabéticos. Em pacientes com hipertensão essencial e hipertrofia ventricular esquerda que participaram de terapia com inibidor da ECA a longo prazo, as magnitudes de regressão da espes- sura da parede septal e índice de massa ventricular esquerda durante a terapia foram menores no grupo D/D do que na I/I grupo, indicando que pacientes com hipertensão que têm o genótipo D/D são menos propensos a ter regressão da hipertrofia ventricular esquerda com terapia com inibidor da ECA do que aqueles com outros genótipos da ECA. Em um estudo recente com 96 pacientes que apresentavam hipertensão essencial e receberam monoterapia com metoprolol por 8 semanas, os pacientes com o genótipo I / I da ECA apresentaram maior redução na frequência cardíaca média de 24 horas do que aqueles com I/D ou D/Genótipos D. Farmacogenômica é o estudo da relação entre a variabilidade interin- dividual de um gene candidato e a influência dessa variação na distri- buição das drogas e de seus efeitos. O campo da farmacogenômica começou com um foco no metabolismo das drogas, porém tem se esten- dido atualmente para abarcar o amplo espectro da distribuição das drogas, incluindo receptores e uma crescente lista de transportadores que influenciam a absorção, distribuição e excreção das drogas, assim como de outros alvos celulares que podem modular a resposta das drogas. As variações inerentes na resposta às drogas são comuns e alguns testes que incorporaram a farmacogenômica dentro da prática clínica estão agora disponíveis. Isto significa que os médicos poderão usar esses testes para promover uma terapia individualizada. Entretanto, o fenótipo droga- -resposta é uma complexa peculiaridade poligênica também influen- ciada por outros fatores. As combinações de fatores genéticos, ambien- tais, fisiológicos e estados doentios afetam a distribuição das drogas, com relativa contribuição de cada um desses fatores na dependência de uma determinada droga/paciente. Para as principais classes de drogas uma substancial proporção de pacientes não responde adequadamente ou podem experimentar reações adversas às drogas em resposta a doses recomendadas. Algumas dessas classes principais de drogas incluem inibidores da enzima conversora de angiotensina (ACE), betabloquea- dores, inibidores seletivos de recaptura de serotonina, antidepressivos tricíclicos, inibidores da HMG-Coa redutase ou estatinas e agonistas do receptor beta. O metabolismo da droga se refere ao processo metabólico das drogas, sua modificação bioquímica ou degradação, geralmente através de 48

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana sistemas enzimáticos especializados. O metabolismo das drogas geral- mente converte compostos químicos lipofílicos em produtos mais pronta- mente excretados. Sua taxa é um determinante importante da duração e intensidade da ação farmacológica das drogas. Esclarecer o que seja toxicidade e xenobióticos parece-me ser importante para o entendi- mento dessa nova frente que nos cabe assimilar. Portanto, aí vai: todos os medicamentos, para poderem entrar no organismo, têm de sofrer uma bateria de testes, entre os quais a avaliação de toxicidade (“toxicity assessement”). Esta consiste na determinação do potencial de uma dada substância atuar como tóxico, as condições em que esse potencial se evidencia e a caracterização dessa ação. A avaliação de risco (“risk assessement”), por outro lado, é uma avaliação quantitativa da proba- bilidade de ocorrerem efeitos negativos no organismo vivo sob determi- nadas condições. Todo o processo de avaliação da toxicidade é complexo e inicia-se em estudos “in vivo” que permitem identificar órgãos alvo e estabelecer os mecanismos de toxicidade. Há também testes “in vitro” de avaliação da toxicidade. Exemplos de sistemas usados como modelos “in vitro” para estudo da toxicidade: Órgãos isolados; Tecidos isolados; Células isoladas; Constituintes ou frações subcelulares. Depois da absorção de um xenobiótico (substância estranha ao organismo), ele vai se distribuir pelo organismo e não só exerce a sua ação como também é alvo dos mecanismos de metabolização. Estes podem destoxificá-lo, mas, também, podem bioativá-lo, tornando-o mais tóxico. O objetivo desses mecanismos é tornar o composto mais polar e, portanto, mais fácil de eliminar. É no fígado, rins, intestino, pulmões e outros órgãos onde ocorre esta biotransformação, que está dividida em três fases: • Fase I: alteração da forma original da molécula, como adição de um grupo funcional que possibilita a reação da fase II; • Fase II: conjugação com ácido glucônico, sulfatos, grupos acetil, metil, glutationa e aminoácidos. Acontece um aumento da hidrofilia. • Fase III: simplificação molecular que tem alguma toxicidade associada. 49

Farmacogenética Um dos principais sistemas enzimáticos do organismo que atua sobre xenobióticos é o sistema citocromo P450, também chamado de sistema CYP450 ou sistema P450. Localiza-se no retículo endoplas- mático liso, mitocôndrias e outras membranas. Está intimamente ligado a outro componente vital do sistema: NADPH citocromo P450 redutase. O nome citocromo P450 é derivado do fato de que estas são proteínas celulares (‘cyto’) coloridas (‘cromo’), com um “pigmento de 450nm”, assim chamada pela característica “pico Soret” formada pela absorção da luz de comprimento de ondas próximo a 450 nm quando o ferro hemo é reduzido (frequentemente com ditionito de sódio) e complexado em monóxido de carbono. É acreditado que há 3,5 bilhões de anos haveria apenas um gene P450. O gene ancestral teria sofrido multiplicações e subsequentes mutações no curso da evolução até alcançar, nos dias atuais, uma superfamília de genes. O citocromo P450 é constituído por 40 isoenzimas cuja expressão genética está em 27 famílias de genes. A nomenclatura destas isoenzimas inclui a família, subfamília e o gene. Por exemplo: CYP 3C3 (CYP=Família; 3=Subfamília; C3=Gene). A indução ou inibição destas enzimas, também chamadas de microssomiais, podem originar fenômenos de toxicidade aumen- tada ou atividade diminuída. A alteração dos níveis de citocromo 450 é influenciada por: Medicamentos; Alimentação; Hábitos sociais (ex: álcool, tabaco); Estados de saúde (ex: diabetes, hipertiroidismo). Os xenobióticos sofrem biotransformação por ação do citocromo P450 e são ativados em compostos altamente reativos que podem interagir com macromoléculas, como o DNA, causando mutações, as quais são capazes de evoluir ao surgimento de até células cancerígenas. A indução do citocromo P450 é menos importante que a inibição, pois esta origina um aumento rápido dos níveis sanguíneos da droga, exacer- bando seus efeitos tóxicos, podendo chegar até a dose excessiva. Em contraste, a indução do citocromo P450 diminui os níveis sanguíneos, o que compromete a eficácia terapêutica. É estimada que a genética pudesse ser a razão de 20 a 95% da variabilidade na biodisponibili- dade da droga e em seus efeitos. O fármaco, uma vez administrado, é absorvido e distribuído até o seu sítio de ação, onde interage com enzimas ou receptores sendo metabolizado e depois excretado. Cada um desses processos pode envolver variações genéticas clinicamente 50

Pós-graduação Master em Ciências da Longevidade Humana significativas, tendo a capacidade de influenciar uma resposta terapêutica. Nos últimos anos, a família das enzimas metabolizadoras do citocromo P450 (CYP450) tem sido o foco da maioria das pesquisas farmacogenéticas. As enzimas CYP450 são conhecidas por controlar o metabolismo e distribuição de muitos medicamentos, dentre eles diversos psicofármacos. Nos seres humanos as enzimas codificadas pelos genes da família CYP450 são encontradas principalmente no fígado, onde são responsáveis pelo metabolismo de drogas, toxinas e outras substâncias. Estas enzimas modificam esses compostos de forma a aumentar a sua solubilidade e facilitar a sua excreção. Alguns medicamentos precisam ser metabolizados pelas CYPs para, só então, tornarem-se efetivos. Estes processos afetam (facilitando ou dificultando) os níveis sanguíneos dos fármacos. As enzimas CYP2D6 e CYP2C19 têm um papel reconhecido no metabolismo das drogas antidepressivas. Todos os genes que codificam as enzimas da família P450 são polimórficos e podem apresentar modificações em um único nucleotídeo, pequenas deleções ou inserções, e ainda, no caso do CYP2D6, deleção, duplicação ou multiplicações de todo o gene. Para o gene CYP2D6 foram descritas mais de 90 variações alélicas até o momento e aproximadamente 20 desses alelos têm alguma influência no metabolismo de fármacos. Os alelos diferem na frequência da sua distribuição em diferentes grupos étnicos. Para o gene CYP2C19 foram identificadas cerca de 20 variações alélicas, porém apenas quatro possuem repercussão funcional identificada até o momento, sendo que o alelo CYP2C19 foi descrito recentemente e seus portadores apresentam um fenótipo rápido. 51


APOSTILA - FARMACOGENÉTICA

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