Zita Santiago Sentada no Vento Zita Santiago 1
Zita Santiago 2
3 Zita Santiago
Zita Santiago É expressamente proibido reproduzir esta obra, no todo ou em parte, sob qualquer forma ou meio, NOMEADAMENTE FOTOCÓPIA. As transgressões serão passíveis das penalizações previstas na legislação em vigor. _________________________________________ [email protected] 4
Prefacio Zita Santiago Prefaciar Zita Santiago é deixar-se cair nos desvãos mais profundos e imprevistos da emoção e da sensibilidade. Poesia constantemente recarregada do sal da vida, transborda em efusões de profundíssimo lirismo, sempre adentro de um filão tão vincadamente intimista, que por vezes nem ela própria consegue conter: verseja a gritar, a implorar, a pedir, a doar, e, sobretudo a amar, mas sempre a tremer! O seu verso faz-nos amiúde mossa no coração, porque na sua poesia também somos convidados a ir, feitos viajantes de um caminho só. Aderimos e somos convidados a pronunciar-nos. A poetisa é aqui mais um ser do vulgo que dá, e por consequência nos convida a dar também o tal “golpe de asa” de que fala Mário de Sá Carneiro, para nos postarmos a uma outra dimensão do ser, do sentir, e do dizer. Do dizer, porque toda a poesia radica nesse verbo, mas um dizer sempre acrescentado com valências estéticas de sinal “+”. Potenciar a palavra poética de novas recargas semânticas no apaixonante jogo dos versos, é obra!... Para quem lê, com certeza, mas, sobretudo, para quem escreve. Zita Santiago navega a velas enfunadas adentro do dizer poético. Sabe remar, sabe rimar, é-lhe inato. E, já que utilizei uma metáfora do domínio marítimo (a navegação): “Mar, Amor, Amar” é de poeta! É um título de 5
Zita Santiago Zita. Porém, antes de falar no amor e no amar que fazem tema quase exclusivo da sua poesia, ou melhor, tema maior, começarei por esboçar, antes de mais, breve análise ao aspeto formal da poesia que ora temos o grato privilégio de haver entre mãos. A poetisa optou, e a meu ver, muito bem, por trilhar caminhos de liberdade no que respeita a esquemas métrico-estrófico- rimáticos. Resolveu não ser obediente aos formalismos da nossa tradição clássica. As estrofes são díspares quanto ao número de versos; a métrica variável, e a rima, embora presente, nunca sujeita a poetisa à busca de correspondências fónicas forçadas. Faz relevar a eufonia do verso e o sentido do ritmo do poema como dois elementos de importância decisiva na orquestração da sua escrita. Critério lexical e competência morfossintática impõem-se como traves- mestras da tessitura das malhas do seu tear poético. A nível semântico usa com mestria os alongamentos conotativos, a interrogação, a exclamação, a apóstrofe, e, sobretudo, a metáfora aplicada a modos de fonte de águas contínuas a vivificar a cada jorro a magna força dos sentidos e dos sentimentos. Poesia prenhe de emoção sentida, como barriga de pré mamã sempre inquieta pela espera, entra no êxtase e no seu contrário, “conclavada” de porquês, e sempre insatisfeita com o encontro efémero e fugidio de alguns 6
(poucos) porques. Radia luz, e, Zita Santiago propositadamente ou não, deixa-se apagar em sofridos apenumbramentos de pessimismo. Paradoxal é a vida. E também a poesia! Como mais atrás ficou já anunciado, o grande tema deste poetar sentido é, sem sombra da menor dúvida, o amor. Os outros semas correm paralela e adjacentemente a este grande e caudaloso rio temático que acaba por inundar (alagar?) a obra e também, em certo modo, talvez a vida desta grande poetisa. Ao lado do grande rio fluem, pois, feitas águas de menor profundidade, diria mesmo de quase superfície, outros afloramentos temáticos de tratamento sempre mais ligeiro, quase de fugida, face ao insuperável Amazonas desta escrita. Assim sendo, aparece tratada a natureza, sempre partícipe dos estados de alma do sujeito lírico, como uma espécie de “locus amoenus” da Antiguidade, ou, por outro lado, e em flagrante contraponto, uma espécie de périplo pelas cercanias de um tal “locus horrendus” tão caro ao chamado Romantismo do “terror grosso”, sem contudo forçar a entrada nos domínios do tétrico, do macabro ou do espectral. No primeiro caso deparamos com uma natureza eufórica, iluminada e bordejada a flores e aos verdes bem tonificados da folhagem do arvoredo. Este “locus” tanto pode ser mero constructo de uma abundante imaginação, como, decalcando mais o 7
Zita Santiago terra-a-terra, fazer-se situar em algum recanto idílico do nosso Almonda saltitando de Aire, como acontece em “Entrega”. Dia pleno> evocações positivas>esperança. Em “Casas brancas” palpa-se, saboreia-se e disfruta-se de uma certa “veritas rusticana” perfeitamente encantadora. Em “Recorte” é enorme a comoção sentida ante o esplendor da natureza num estio tipicamente português. Em campo oposto: tardes outonais, folhas cadentes feitas melancolias de alma são chamadas a enquadrar temática bem mais negativista: a não apreensão do tempo (tempus fugit) de radicação horaciana; a fugacidade da vida; uma visão caótica do universo criado em “O último dia na terra”, espécie de “Dies irae”, a balançar-se para as devesas do apocalíptico. Sem perspetivas de saída, em horizonte disfórico, uma crispa de pessimismo maior em “cérebro desconjuntado” lança a poetisa no pior de todos os lugares: “A tua rua”. “Não quero ver essa rua/ Porque nela só passa a lua/ E dessa… Tenho ciúmes!...”. Concomitantemente se lançam outros subtemas, como o nascimento, a vida, a morte, o dia e a noite, o sonho, a saudade, o silêncio, a máscara, a fenomenologia das coisas, o fluir do pensamento, a condenação dos vícios, os horrores da guerra, o Natal visto como o tempo da pureza edénica por excelência e o tempo da magia do divino. Para estes, porque mais há, aponto ora algumas nuances que 8
merecem ser assinaladas: a visão da noite como Zita Santiago amiga e confidente; o amor maternal que se vai degustando ao longo da vida como autêntico rebuçado a ser chupado contra a tosse constante do sofrimento. A inocência da meninice em “Sorri meu bem”, a remeter de imediato para o arquetípico “Menino de sua mãe” de Fernando Pessoa, continuado em “Anoitecer” em que se evoca a perda de um filho, potencial menino de todas as mães. Que sentido para a vida vivida e que espaço para a vida sonhada? Fala-nos ainda a poetisa acerca da saudade, tema intemporal da nossa literatura. Evoca a revolução de Abril. Fala da guerra que catapulta os medos a expoentes máximos do sofrimento. Grava, como em aguarela, a mole humana cercada de anonimato e incomunicabilidade, que enche a rua, apressada e exageradamente sisuda. Invoca e sacode o seu próprio estro de poeta. Recorda fantásticos sonhos de juventude a aportarem quase sempre à praia da desilusão. A espaços (raros) da sua equação poética coloca a “esperança” em um dos membros. Para finalizar, e a pinceladas muito rápidas, captemos de Zita alguns meandros de tratamento e desenvolvimento do tema maior de toda a sua poesia: amor é atração de corpo e alma, porém resvala amiúde para o mundo das incertezas, e, consequentemente, da desventura. Nota-se uma busca do amor 9
Zita Santiago perfeito em tempo ainda imaturo. Creio que a Zita procurou ser mulher plena muito tempo antes de outras em igual idade. Quase chega a aniquilar o ego para sustentar a obsessão, e consente no aniquilamento. Na senda da busca do amor, muitas vezes desespera: “Eu vejo-te/ Tu não me vês” leva-a a um “impossibilia” que a poetisa teima em não aceitar. A superlativação da pessoa amada é quase omnipresente, ode contínua de coração de apaixonada! Visão inexorável e pensamento obsessivo em choro quase sempre definitivo porque o desencontro toma as vezes e o lugar do encontro, a maior parte das vezes tracejado no inconcluso domínio do hipotético. Abre-se campo à vivência de uma estranha tortura, da qual a própria poetisa admite ser escrava. Paradoxalmente produz-se uma possessividade exacerbada, “Quis, quis, quis” “O tudo”, e um sentimento de exclusividade quase doentio, porque o amor é uma conta perfeita sempre a dividir por dois e a nunca poder dar resto zero. Vejo ainda carpidas mágoas da separação e desencontros de perda por morte. Zita conclui por vezes que não tem o “dom” face ao condão da outra parte. O amor que foi, contraposto ao amor que não é, dói sempre, e muito! Prazer, pecado, sensualidade, 10
carne? Sim, porém, se tudo morre, onde está, Zita Santiago ou o que é o amor perfeito? Faz-se, em alguns poemas, a revisitação do tema camoniano da “mudança”, sempre para pior, a exemplo do grande vate. A poetisa sente-se constantemente exilada, a tecer uma vida sem norte, e, por consequência “desarrumada” no sentido do sem rumo. “Diminuto eu/ Decrescendo sempre!...”. Cara amiga e colega Zita, vive o amor IMPERFEITAMENTE, porque amores-perfeitos só nos jardins ou nas auréolas concêntricas e vagas da quimera e do sonho mentiroso!... E continua a escrever PERFEITAMENTE, como sabes!... Sê feliz, e vai-nos dando “pulchra carmina” (belos versos). António das Neves Martins. 11
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A nossa noite Zita Santiago A noite foi nossa, amor A nossa noite a primeira Onde em ternura Eras tu sonhando em mim Noite de sonhos sem sonhos A nossa noite inteira E os nossos beijos Loucos beijos, não tinham fim Agora é manhã Em vestes de âmbar, meia despida E o sol dolente A espreguiçar-se em ar de sono. Olho o teu corpo adormecido… Toda a minha vida! Onde eu ergui, só para mim De amor um trono. É um suspiro teu Que acorda o silêncio, fundo Que te desperta agora E faz regressar ao mundo E nos teus braços delirantes Enlaçar-me em meigo nó E no morno irradiar Desse lento alvorecer Ainda era a noite A nossa noite, que vinha prender O meu, o teu, os nossos corpos Num corpo só! 13
Zita Santiago A tua rua Na tua rua sombria Despida de sentimento Húmida, escura e fria Tão própria de meu tormento Nela não quero passar P’ra ela olhar não me atrevo Pois que ameaça matar O que traz meu peito em enlevo Rua sem sol abandonada Rua triste, desolada Que apenas me trás queixumes. Não quero ver essa rua Porque nela só passa a lua E dessa …eu tenho ciúmes. 14
Amar... é um estado Zita Santiago Um estado de espírito Onde mora o anseio Em estado sólido Que se machucado Vira estado líquido De água límpida E cloreto de sódio... ... Estado mítico Perfumando o ar Estado presente Espalhando cores Não esquece o ausente E não sabe odiar... ... Estado de consciência Navegando no sonho Em doce dormência Sabendo a chocolate... Derrete na boca Toda a sua essência Deslizando em gota Na língua escarlate... ... Estado de euforia De tentação e pecado Do beijo suave, sensual Sendo sempre desejado Tendo, tanto de etéreo Como de desejo carnal... ... Estado de êxtase Que morre de vida Sentindo o prazer, Na terna união Do louco estado Da força do querer. 15
Zita Santiago Amo Amo este ar que respiro Amo o sol, amo o luar Amo as estrelas brilhantes Espelhando-se no mar. Foi no alto da montanha Que aprendi a sorrir Para a bela natureza Da Primavera a florir. Amo o céu azul intenso Nos dias quentes de verão Amo as noites silenciosas O canto dos rouxinóis Chorando triste canção O vento que vai sussurrando Por entre a densa folhagem A chuva que cai no caminho Em gotas de fino cristal… Amo o murmurar das fontes Amo o perfume da flor Amo a vida e sobretudo O que nos fala de amor. 16
Aeternum vale Zita Santiago De mãos em cruz O luar lhas banha No alvo esquife Como que adormecida Gélida e hirta Duma frieza estranha Pálida e linda De branco vestida. Em noite tão triste Há vibrações divinas Hieráticas sombras A soluçar baixinho. Cobrem-lhe o corpo níveo Sangrentas cravinas A corar de leve Suas faces de linho… Em seus braços Dois lírios perfumados Guardam cúmplices Silêncios quebrantados Da que foi outrora Imperatriz da vida Adeus amiga Eu vou seguir sem norte E quando for contigo Imperatriz da morte, A teu lado estarei Em igual guarida. 17
Zita Santiago Amor antes de o ser Gosto de sonhar contigo…é doce E mesmo sabendo o quanto efémero é Dá-me tudo o que a vida me não trouxe Ajuda-me de algum modo a encontrar a minha a fé Tenho todos os sonhos comigo guardados Almejando um dia vê-los verdade Deixo-os voar de vez em quando pelos prados Para poisarem de novo em mim em liberdade Quero afastar os fantasmas da minha vida Ter colado ao meu, teu corpo perfumado e quente Sentir meu coração e o teu numa só batida Libertar anseios e dar-te o que sou como presente E nesses sonhos aperto forte a emoção Procurando-te assim mesmo sem te ver… Ouvir a tua voz sussurrando, qual ilusão De ter esperança num amor antes de o ser. 18
Anoitecer Zita Santiago Cai a noite! Turbilhões de sombras se aproximam E a minha alma povoada de sofrimento, Chora pelos entes que se vão E tanto se estimam… O vento fustiga-me o rosto Qual açoite Recortando-me as faces humedecidas Pelas lágrimas que a angústia forcejou De repente tudo parou O dia, o ruído ,também cessou Tudo parou em meu redor E a noite vem caindo sobre mim. Gritos suplicantes abafados Gritos provocados pela dor Meu filho! Foram gritos dados Por ti Não posso lembrar-te debaixo do chão! Não posso viver porque tudo acabou. A vida sem ti é folha que morre A vida sem ti é muro que se desmoronou É criança assustada sentindo o terror Da morte chegada e da sua mão Criança de olhar tão cheio de amor Sem ti anoitece em meu coração. Eu já não sou eu As horas passam agonizantes e lentas, Vivo num mundo que já não é meu Vivo num mar sulcado de tormentas De tanto sofrer perdi a razão Não sou feliz nem o posso ser Sou página em branco Que ninguém quis escrever É noite escura no meu coração!... 19
Zita Santiago Apenas sonhei Naquela semi consciência matutina Ainda no doce e morno despertar Senti teus lábios tocando os meus E tua língua em minha boca penetrar Senti teus dedos de leve me tocando Como quem afaga pétalas duma flor Com delicada subtileza duma aragem A provocar aquele frémito devastador A pele em fogo se vestiu de prazer Acelerando o coração que disparou E meu espírito evolado feito éter Ascendeu às estrelas que encontrou O odor a alfazema intenso, inalei Do teu corpo a fazer-se ali presente Abri assim meus olhos, olhei à volta E, meu doce amado... não te encontrei!... 20
As estrelas do teu olhar Zita Santiago Quando o sol se escondeu Mais luz não havia Escureceu de repente… E em meu torno Apenas sentia Murmúrios afastados de gente. Quando o sol se escondeu No longínquo horizonte E o dia morreu, Olhando as estrelas Salpicando o infinito Somente fiquei eu - Lembrei-me de ti – Teu calmo sorriso Que me dedicavas Em noites assim Frementes de amor Serenas e calmas. Hoje, quando o sol partiu E a noite me envolveu No seu regaço Eu não senti medo Pois olhando as estrelas Senti teu abraço… Ainda seguindo O meu doce enlevo Eu tive um desejo: - Sentir tua boca Tocando meus lábios Num cálido beijo-. Mas mais do que isso Quero que essas noites Tornem a voltar E de novo sentir A luz das estrelas Que há no teu olhar… 21
Zita Santiago Caminho vazio Se eu pudesse encontrar Palavras certas, eu as diria Se soubesse o caminho certo, Eu o trilharia. Se os vôos retalhados Do meu sentir pousassem Nos teus, eu voaria... Há um ondular constante De hipotético que me invade Que se pudesses avaliar Tanta verdade Jamais deixarias incertezas, A pairar neste meu ser Diminuto E me envolvo aqui, Neste escasso minuto Em que o acender da manhã Trás a esperança e a magia De ter tua saudação, No passar de cada dia! E mais, eu não pediria! Saudade de ti E para ti, Esta espontânea poesia... 22
Ciclo vicioso Zita Santiago Este é o ciclo vicioso A espiral da forma Dum sistema interdito Envidraçado O lento deslizar Da água que se entorna A causa de um mal estar Fixo, atordoado. Invisível fúria Pedra lívida corrosiva Infrenemente sacudida E arrastada. Triângulos de translúcida Perspetiva De violar a tranquilidade Limitada. Quadrados negros De insinuante retrospeção Que cabalmente Origina a contusão Do círculo Intermitentemente desvairado. Eis a restrita reprodução Em espaço breve Em que a traços largos Obliquamente se descreve Toda a simetria Dum cérebro desconjuntado. 23
Zita Santiago Creio Eu creio no amor e o que almejo É compreender sua essência Quero-me em sua permanência Só nele em tudo me revejo Tantas almas por esse mundo Vivendo um vazio profundo Semeando a própria solidão Por não saber o que é dar Por nem sequer saber se amar Nem amar seu próprio irmão Quando olho ao meu redor Só vejo amor na natureza Que não habita a humanidade Vejo-o nos olhos das crianças Que vai esvaindo sem esperanças No declínio da ingenuidade Apenas julgam fazê-lo Dois seres que dizem se amar Poucos vivem sua grandeza Apenas vivem lado a lado Esperando o outro errar Perdendo toda a gentileza E eu vou assim sofrendo Por entregar meu coração Ao dito amor que não acalma Pois quem em minha alma entrou Não me despertou o corpo E os que me tocaram o corpo Jamais acordaram minha alma! 24
De mãos dadas Zita Santiago A saudade eterniza a presença De quem não se quer esquecer De quem não se quer perder E agarrar forte no coração. Guardar a imagem holográfica Bordar franjas de fina renda Para que nelas se prenda A memória fotográfica. Te vejo no descansar do sono E sinto teus beijos em mim Nos meus lábios carmesim Nos verdes prados que sonho. Olhar, sorrir de mãos dadas Te quero tanto, quero viver A firmeza do amor, o prazer Em nossas formas encaixadas. Meu amor vem, tenho vontade De não querer apenas sonhar Nem tua presença eternizar Nos doídos espinhos da saudade! 25
Zita Santiago Desalento Olhei dos altos montes Imponente a terra toda Abrangi com meu olhar de fogo O universo Senti os astros rasgarem o espaço Girar à roda E medi palmo a palmo As fieiras do progresso. Ouvi gritos de dor Fundos suspiros calados E vi homens comer homens Com raiva surda. Sofri como ninguém Os flagelos retalhados Da guerra fria Que tudo destrói e nada muda. Li em cada mão estendida A súplica desmedida Cerrei os olhos, quis abri-los E verguei vencida O peso é tanto, meu Deus Estou cansada… Do sofrimento, onde nem o sonho Se consente… Mas que sou eu O que é o mundo e toda a gente? Apenas um grão de poeira Dentro da tua mão fechada!... 26
Dia da mãe Zita Santiago Uma música longínqua Tocada pelos anjos Vem em louvor de ti Toca ela no seu fervor Enchendo a terra de bem Todo o carinho e amor Que tem a palavra MÃE Uma luz ténue se aproxima É a manhã que chega enfim E os anjos no seu cantar Pronunciam o teu nome Pelo Universo sem fim. 27
Zita Santiago Dom de amar Já sobre a terra O crepúsculo vem caindo E eu vejo com tristeza Quanto desespero Estou sentindo. Como um lamento Sussurra o vento E se confunde com minha voz E a tortura atroz Me desespera… Vem amor, vem Estou à tua espera Apenas me ouvem as sombras Sinto frio… E o desespero Me percorre o corpo Como um arrepio E como me apetece gritar… Crispam-se as minhas mãos Contra o meu rosto Já se não podem dominar… O céu já não é azul Já não há vida nem cor Olho os espectros feudais Quero que me devolvam O amor!… Mas eles não me ouvem mais E eu corro desesperada Procurando tudo E nada P’ra pouco depois estacar... Agora eu vejo, Agora pressinto... Eu não tenho o dom de amar…! 28
Parabéns Zita Santiago Abram portas e janelas Pelos cerros despertem rosas Sacuda o vento a lágrima Que a noite se descora Pelas estradas Sorriam zíngaras mimosas Transforme-se o espinho Em lírica flor, nesta hora Abram-se os livros De saudosas laudas amarelentas Sedas azuis de Primavera Que o mar tem a alma A desfazer-se em ondas lentas Trazendo frescor Às mais ardentes vestes de quimera Deixa que o cendal do tempo Te envolva, eu leio Que o sol ao nascer Transporta em seu seio Danças veladas Verdes de esperança, viva melodia Que venham musas Ornadas de oiro que em estrelas se desata Colocar o florido estema Em teus cabelos de prata Meu amigo, meu amor vê… É teu este dia! 29
Zita Santiago Amor perfeito Sinto em mim um amor tão perfeito Daquela forma que não se explica Duma forma que provoca um aperto Uma dor que corta a respiração Um querer inaudito tão presente Que me faz explodir o coração... Preciso de ti... Não na forma como invades meus sonhos Onde me percorres e te sinto, Mas não sei quem és De onde desperto com a angustia Cravada em meu eu ... Deste desejo sem freio que não controlo Na ânsia de descobrir tudo o que é teu... De me perder em ti como uma louca... No querer afogar-me na limpidez Do mar que trazes nos olhos Até ao fogo tentador do pecado Que impetuoso sai da tua boca... E sinto e sonho e acordo Em desespero de não saber teu nome No cruzar de conflitos que me consome E faz morrer em cada minuto que passa... Pressinto esta morte quando desperto Sabendo que nunca estarás por perto Nem que forma física terás... Só sei que minha alma não sossega E a minha mente em fogo não tem paz... Olho o horizonte onde não sei O que de facto se confunde... Se o céu com as verdes montanhas Ou o infinito com o mar imenso 30
Onde te imagino te vejo e te penso, Zita Santiago Nesta forma de amor tão intenso Sem rédeas que ultrapassa o universo E só tem expressão quando as palavras Se aglomeram e numa onda desfeita Se vêm deitar neste meu verso... Vem querido que tanto amo... Enxuga as lágrimas deste meu pranto Que vai lavando meus olhos verdes Por não saber onde andas E em que ocultos caminhos te perdes... Vem fazer de mim teu canteiro... Cultivar com carinho este amor Que me invade e sufoca Vem regar com ternura e transformar Aqueles amores de cujo seio brote Aquele amor mais que perfeito Que irás colher desse teu jeito E guardar em ti para sempre E para sempre a mim no teu peito... 31
Zita Santiago Beijos de chuva Sento-me num banco de jardim. As douradas folhas de Outono Deslizam em espiral com leveza Guardo tua imagem dentro de mim E espero aqui, teu desejado retorno No som do vento, em melodia acesa! Olho o céu que de nuvens se cobre E ouço a pequena cascata crepitar Nos reflexos azuis riscando o rio Que corre orgulhoso, altivo e nobre Nos verdes prados te sonho a chegar E sinto no corpo, um longo arrepio! Neste torpor a nostalgia me invade Sinto a tua boca suave e quente Num doce enlevo que me perturba Nesse engano de Marquez de Sade Abro meus olhos, em tom dolente E, apenas recebo... beijos de chuva! 32
Casas brancas Zita Santiago Triste, só, silenciosa Aldeia velhinha distante Igual a outras tantas… Telhados de negro espesso Tortas chaminés escuras Pequenas casas brancas… Passeiam gatos nas ruas Os cães rebolam-se ao sol E mugem as vacas nos prados A igreja perdida no morro Convida ao eterno descanso E à remissão dos pecados O pedregoso caminho Que nos conduz à montanha Ao moinho ou à seara Percorre toda a aldeia Num abraço apaixonado E dela jamais se separa. E a silenciosa aldeia, triste, Mais sozinha, mais distante, Igual a outras tantas… Tem telhados de negro espesso Tortas chaminés escuras Pequenas casas brancas. 33
Zita Santiago Como um rio A VIDA É como um rio... NASCE de um frágil, saltitante E fino fio CORRE Com coragem, Enfrentando destemido O que encontra No seu percurso E em nada é detido CRESCE Impetuoso e avança, Ora se deslumbrando Com o explendor luxuriante Das suas margens Ora sofrendo cortes E duros obstáculos Em outras paragens. Até que por fim, Já cansado e devagar MORRE E se entrega na fimbria De um qualquer mar! 34
Delito Zita Santiago Quis roubar ao vento Toda a fúria louca E ao ardente Arcturo Retirar a cor Quis arrebatar do mar Essa canção rouca Que os búzios entre si Tão bem sabem compor Quis desfiar as horas E escolher as mais ardentes Quis desprender do céu Risos de flor Roubar à madrugada Suspiros dolentes Despir do luto a noite Aliviar-lhe a dor Quis transformar Arcírias desoladas Em místicas doçuras De jasmim Sacudir o orvalho Das geadas E roubar o amor Que é todo teu Só para mim. 35
Zita Santiago Desengano Na madrugada do meu amor Pedi às nuvens a cor Para tecer meu vestido Pedi à espuma do mar P’ra meu véu poder armar E assim sonhar contigo. Nesse desejo de sonhar Vi teu olhar sobre meu olhar E como feliz me senti! Quem me dera o sonho realidade Poder gritar à vontade Sou de ti, só para ti! Estes sonhos de juventude Que assim louca se ilude No seu mundo de fantasia Pois teu olhar sobre o meu Que desengano me deu Não era a mim que me via…! 36
Dor... Zita Santiago Teu amor foi fonte que secou Foi a hora que ao fim não chegou Na desdita de alguém que partiu Vento que deu forte e se perdeu Lágrima que no rosto escorreu Da dor sentida que ninguém viu Foi nuvem que se esvaiu no céu Quando a chuva rasgou seu véu E o sol desesperado surgiu Mas já no término do seu caminho E por de trás das colinas de mansinho Atirou seu ultimo beijo e sumiu Teu amor foi água parada Foi folha seca, despedaçada Foi livro aberto que não fechou Estrela cadente que brilha agora Mas passados instantes da hora É estrela que não brilha, já brilhou Foi obra começada e desfeita Que uma mão fina e perfeita Tudo tentou para o refazer Assim foi teu amor louco Que quiseste dar, mas foi pouco E acabou por se perder. 37
Zita Santiago Dueto Tenho meu pensamento no teu Meu abraço, dentro do teu abraço Dentro do teu beijo um beijo meu Meu desejo dentro do teu desejo Meu olhar preso no teu olhar Meu corpo junto ao teu corpo Minha caricia em teu acariciar Teus cabelos em meus cabelos Meus dedos cruzando teus dedos E teu cheiro em mim instalado Meu calor fundido em teu calor Meu grito no teu grito abafado Meu prazer sentido em teu prazer E o auge da minha luz em tua luz... Me seduzes em tua pura sedução Lá fora gira o mundo pelo infinito Mas não temos nada mais bonito Que o dueto do nosso coração! 38
Em algum lugar Zita Santiago Sei que em algum lugar existes E sei que também me procuras Todo o mundo está conectado E eu te sinto tão perto... E sempre, sempre a meu lado Seja no mar ou no monte Na planície ... ou no deserto... Assim, bordo a alvura dos lençóis Ponho flores na almofada Teço rendas pela manhã Perfumo a cama onde me deito Ponho largos tapetes de lâ E as minhas vestes são nada Mostrando a nudez do meu peito Pinto as paredes de rosa Deixo a porta mal encostada.. Na mesa dois pães de trigo Nos meus olhos traço um poema Ponho bâton vermelho vivo E na língua mel de abelhas No ar, um cheirinho a alfazema Deixo os lábios entreabertos E deixo meu sonho voar Sinto tua boca me tocar De leve, como algodão doce... E vais entrando devagar Nesse templo tão desejado E sorves, de anseio arrebatado Tudo aquilo que aqui te trouxe! 39
Zita Santiago Enleio Deixa amor Beijar teus olhos tristonhos Amados e rútilos Sírios cor de mel… Deixa que desbrave Teus mais ignotos sonhos, E esculpi-los em marfim Com um cinzel. E quando do teu rosto Dúbio magoado Lentos brotarem Dúlcidos prantos Será ainda meu gesto imaculado Que irá secá-los Como em mim secara tantos. E assim serei de ti A escrava eterna Seguir-te-ei Suave e terna, Qual obra prima A seduzir fiel artista. Mas enleada dentro em mim Que sonho lindo, Será tua minha boca De corindo, Serão meus os teus lábios De ametista! 40
Esquecida Zita Santiago Eu sou a perdida Do mundo insano Aquela que mais chorou Do que sorriu A que entre dúbias lágrimas De desengano Incansável te buscou E não te viu! Em minhas mãos ebórias Mãos de luz... Teço quimeras Fios de seda nacarados Que a teus pés Com todo o amor eu depus Pondo no ar A doce essência dos brocados. Rosto macerado Alabastrino, o meu De quem a morte, por fim Também esqueceu E talvez para te encontrar Eu me perdi Mas como amor Não ser esquecida Se o fui do mundo Da própria vida Se fui amor Esquecida até de ti?!... 41
Zita Santiago Evocação outonal Olhai a tarde de Outono Sua veste pobrezinha Escutai o gemido tristonho Do vento que sopra à tardinha Vede a folha que desfalece Entre os braços da árvore mãe Senti a última prece Que a tarde de Outono tem Além muito além No horizonte Esconde-se o sol após o monte Na rude faina dos dias Que são seus E o Outono assim se esvai Na ultima folha que cai No sussurro de um adeus. 42
Fake Zita Santiago Foi falso o que sempre de ti veio Todo aquele meigo sorriso rasgado E o brilho que pairava em teu olhar Palavras que bailavam em tua boca Na constante conjugação do verbo Que proferias, dizendo amar... Promessas de um delicioso porvir De uma vida que ficou no sonho No além tudo, em brumas densas Anseios ternos de eternos abraços E a loucura que sempre mostravas Em veladas saudades, intensas... Tua sensual voz ficou gravada Em mim, de modo tão intenso De tanta admiração que sentias Hoje me ecoa dentro, falsamente Rasgando o sentir da confiança Nas subtis mentiras que dizias.. Que gelado coração aí mora Que não sei sequer se ele bate Na audaz conversa de enfeite Só sei que aquilo que de ti vem Agora posso, em pleno, afirmar É enganoso e tudo é ... fake. 43
Zita Santiago Virás Não olhes o poente Escaldante, ainda em chama Em cujo fundo rubro Morrem formas definidas Nem olhes meus olhos Em que o orvalho feito lama Vem perder-se debelado Nestas faces doloridas. Não ponhas no horizonte Teu olhar entristecido Saudoso de presenças E alegrias desprezadas Prende o sol entre os dedos E o vento estarrecido Deixa-o rugir louco De melenas revoltadas. Escuta este meu verso De requebros ambarinos Lago de meus sonhos Sem rédeas, libertinos Fantásticos, ilusórios Pássaros em folia E quando despertares Em cada novo alvorecer Sentires a solidão Como cilício a corromper Virás talvez…mais tarde… Algum dia!... 44
Falso alarme Zita Santiago Elevo até vós Senhor Todo esse sofrimento Que do mundo nos chega Num lamento A fome, a guerra e a dor… Mundo tumultuoso Onde só reina a traição E onde por toda a parte Todos esperam de face erguida A poderosa e negra mão. Espingardas, bombas, canhões Com seu ronco assustador… A angustiosa espera Põe nos semblantes terror. Escutai aquele ruido Um leve sussurrar apenas Aproxima-se o inimigo. Armas a postos… Sustém-se a respiração Corre o suor pelos rostos Bate forte o coração. Falso alarme! Desce a tensão ambiente, Mas são só alguns instantes… Senhor, porque será que no mundo A guerra tem de continuar? 45
Zita Santiago Força de um sorriso Mesmo que desabe a chuva Se rasguem as tempestades Se apaguem as estrelas no céu E a luz da lua não espelhe o mar Mesmo que se ativem vulcões Se transbordem rios dos leitos Mesmo que sequem as fontes Ou párem relógios as horas Mesmo que se esgote a ciência E a surpreendente tecnologia Mesmo que não amanheça Ou que o futuro não exista Mesmo que nunca te conheça E nunca me estreites nos braços Mesmo que não viva a loucura Que dizem haver no amor Mesmo que a voz me doa Ou a distância corroa Mesmo que acabe o mundo Nunca irei desesperar Tenho a força que preciso Dentro do meu sorriso E o Universo transformar .... E vou te reinventar! 46
Gente Zita Santiago Gente sem rosto Que passa na rua Gente que vai e que vem Insensível à dor alheia Por vezes tão crua! Pessoas que se cruzam Olhares que se trocam Lábios fechados Escondendo seus encantos… Entre essa multidão Um riso perdido Põe no ar vago calor Num ambiente sem sentido. Eu sou essa mesma gente Para a gente que me olha Talvez com certo desdém Não sou nada para ela Nada é ela p’ra mim também Um aglomerado em massa Levando alegria ou tristeza Levando gosto ou desgosto É sempre gente que passa Gente que passa sem rosto. 47
Zita Santiago Inspiração Já gastei rios de tinta a pedir inspiração Eu fiz da poesia o meu estudo Pedi os sentimentos ao coração E tenho meus silêncios como escudo Escrevo frases anelantes, mas rasgo tudo Em lugar de coração que tenho eu? E os silêncios que foram meu escudo Quem os destruiu, quem mos perdeu? Eu tento ainda Versos cruéis E continuo a rasgar papéis Buscando em mim um verso apenas E a chorar descobri enraivecida Que não vendo a tua imagem querida Como quero eu fazer poemas? 48
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