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Published by Paroberto, 2020-11-13 05:34:38

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Vilca Marlene Merízio Asipoléêticna dco io um corpo antropomorfo de escrita ARTE & LIVROS



A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escrita

2020 Editora Arte & Livros Rua João Meirelles, 1213 - Apto. 107, Torre C - Abraão | Florianópolis-SC CEP 88025-201 | Fone: (48) 99971-2285 [email protected]

A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escrita Introdução à obra poética de JOAQUIM ALICE: ... do mais profundo de (todos) nós, poemas em oito livros para serem lidos com o coração em silêncio Vilca Marlene Merízio ARTE & LIVROS

© 2020 Editora Arte & Livros Projeto gráfico, capa e editoração: pamalero artes Revisão: Vilca Marlene Merízio Ficha catalográfica M563p Merízio, Vilca Marlene A poética do silêncio : um corpo antropomorfo de escrita : introdução à obra poética de Joaquim Alice, – do mais profundo de (todos) nós , poemas em oito livros para serem lidos com o coração em silêncio [Recurso eletrô- nico on-line] / Vilca Marlene Merízio. – Florianópolis : Arte & livros, 2020. 98 p. Inclui referências e apêndice ISBN: 978-65-88719-08-4 (e-book) 1. Alice, Joaquim – Crítica e interpretação. 2. Poesia portuguesa – História e crítica. 3. Filosofia. 4. Arte. 5. Silêncio na literatura. I. Título. CDU: 869.0-1 Ficha Catalográfica elaborada por Onélia Silva Guimarães CRB-14/071 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, arquivada ou transmitida por qualquer meio ou forma sem prévia permissão por escrito dos autores. Impresso no Brasil

Sumário A obra poética de Joaquim Alice ... poemas em oito livros.............................................................. 7 A obra poética de Joaquim Alice, ... do mais profundo de (todos) nós, um corpo antropomorfo de escrita............. 9 O Autor ....................................................................................................15 O Nascimento e o Batismo da Obra Poética............................... 19 O Plano da Obra....................................................................................29 Separação do Corpus por Categorias: tripartição..................... 33 A obra poética em si........................................................................... 35 A voz lírica do caçador-solitário em busca da perfeição à semelhança da prática da arte do tiro ao arco...........................40 O corpo antropomorfo de escrita, a metáfora como fonte esclarecedora........................................................................................ 55 A poética do silêncio..........................................................................64 Apêndice.........................................................................................73 Subsídios para melhor entender Joaquim Alice e a sua obra. Os Corpos Sutis e os Chacras................................................ 75 A rede de sinergia humana: buscando entendimento na Medicina Ayurvédica. As dimensões Biopsicoespirituais....... 82 Quadros-Resumo: CHACRAS...........................................................87 Referências....................................................................................89 Sites recomendados........................................................................... 91 Conteúdo dos oito livros, com suas referidas páginas.........................................................................93



A obra poética de Joaquim Alice ... do mais profundo de (todos) nós ... poemas em oito livros Vilca Marlene Merízio Organização, Prefácio, Introduções e Notas



A obra poética de Joaquim Alice, ... do mais profundo de (todos) nós, um corpo antropomorfo de escrita Poesia é sentimento, emoção, Arte. Filosofia é pensamento, razão, Ciência. Quando Poesia e Filosofia se conjugam, o que brota é a criação perfeita em termos de literatura de fruição e aprendizado. Muitos de nós fomos educados na filosofia fundamentada nos princípios deontológicos,1 geridos pelos nossos pais e avós. Hoje, em muitas sociedades, a política do medo fez a população abandonar os conceitos ligados ao partilhamento, isolando as pessoas que, refugiadas no seu espírito de autoproteção, defendem-se ao criar apenas relacionamentos fugazes, sem vínculos, quase sempre virtuais, que não lhes proporcionam a satisfação de seus desejos de completude. Por temerem o desconhecido, essas pessoas fogem da convivência estreita com o outro. Contudo, apesar dos conflitos sociais que emergem do campo às cidades mais desenvolvidas, atualmente, destacam-se, 1 Princípios da filosofia moral contemporânea, do dever e da obrigação, herança deixada por nossos ancestrais; teoria sobre as escolhas dos indivíduos, o que é moralmente necessário e serve para nortear o que realmente deve ser feito. Disponível em: https://www.significados.com.br/deontologia/. Acesso em: 24 maio 2018.

A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escritaentre milhões de almas, não mais por dever, obrigação e hábito, mas, sobretudo, pela opção voluntária de contribuírem para a transformação do mundo, corações iluminados que incentivam o próximo a investir no seu bem-estar pessoal. E o poeta, de quem logo conheceremos a obra, é um exemplo dessa dedicação à felicidade do seu semelhante e à sua própria também. Em meio a tantas mudanças pelas quais passa o nosso tempo, principalmente levando em conta as infinitas possibilidades de conexões humanas, cósmicas e subatômicas, o homem que busca plenitude sabe que, em benefício próprio e da própria humanidade, precisa habilitar-se a trafegar entre Poesia e Ciência, no liame exato onde o incógnito se conjuga com o divino, com a intenção de esclarecer o que até agora foram suposições, teorias empíricas ou até mesmo profecias. Com a ampliação do acesso aos meios de comunicação por grande parte da humanidade, dizem os cientistas deste século,2 o conhecimento das leis que governam o mundo está mais próximo do homem comum, em razão da rapidez de divulgação de novas descobertas e, muito especialmente, da massificação dos conceitos da Física Quântica e de outras ciências. Também a nanotecnologia e a medicina nuclear estão desvelando mistérios que podem trazer alívio e conforto ao mundo, quando bem compreendidos. No entanto, o que agora está sendo propagado pela medicina vibracional, ortomolecular e outras, no sentido de cura e pevenção da saúde, já a tradição oriental utilizava há milhares de anos. Métodos, práticas e sistemas de energia natural, que até “ meados do século passado eram minimamente utilizados no 10 ocidente, estão sendo, neste século, respeitados e utilizados, 2 “O Pensamento Científico dos Filósofos do Futuro”. Resumo da palestra proferida por João Santos Fernandes, no Mosteiro de Santa Maria-Casa das Monjas Dominicanas-Lisboa/Portugal. Disponível em: http://pgl.gal/pensamento- cientifico-dos-filosofos-do-futuro/. Acesso em: 24 maio 2018.

principalmente pelos grupos alternativos que cuidam da Vilca Marlene Merízio saúde integral do indivíduo, com o fim de contribuir para o desenvolvimento das capacidades de regenerar e criar novas “ percepções sobre a interligação Seres Vivos/Natureza. 11 É de se considerar também o avanço das ciências no tocante às descobertas do mundo invisível em relação ao micro e ao macrocosmo, da parte mais ínfima da constituição do corpo humano à última estrela apontada pelos potentes aparelhos da ciência astrológica. Referências à energia dos chacras, aos sensores da fauna e da flora, ao comportamento das ondas gravitacionais e das leis desconhecidas que regem “pulsares, quasares, magnetares e buracos negros na evolução das galáxias”, estão em grande expansão, afirmam os cientistas de todos os quadrantes da Terra. São leis que, se trazem surpresas para uns, para outros, como para os adeptos da medicina vibracional, são práticas usuais. O universo, até há pouco apenas parcialmente conhecido, está cada dia mais próximo de se desvelar: “novas leis do pensamento, com sensações de êxtase, felicidade e perplexidade de cenários mentais, onde se visualiza a vida para além da morte na presença de ‘outras forças’ antes creditadas apenas à ficção”, atualmente estão sendo cuidadosamente estudadas.3 O mundo está mudando rapidamente: as famílias se formam a partir de outros valores e princípios, e as diferenças de gênero, etnia, religião e outras, são tratadas de maneira a preservar e a valorizar a identidade e o direito de ser de cada cidadão. A corrupção pública está sendo exposta, com rigorosas penas aos culpados, não importa quanta riqueza tenham acumulado. Na verdade, a sociedade é outra neste final da segunda década do século XXI: a crença na espiritualidade está voltando e aumentando (não na fé cega, mas na crença 3 Idem, ibidem.

A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escrita raciocinada).4 Uma nova leva de crianças superdotadas e com sensibilidade para os direitos do mundo animal e da consevação da natureza ambiental cresce e se estabelece em nossos dias. Também as teorias metafísicas de Gottfried William Leibniz,5 entre elas, as mônadas e o sistema dos subátomos da realidade metafísica, estão sendo ressignificados por boa parcela da humanidade que se encaminha para a quinta – e, alguns, até para sétima – dimensão, enquanto grande parte dos mortais ainda se mantém na tridimensionalidade dos sentidos. Ainda bem que existem os poetas! Ainda bem que a literatura, a filosofia e a arte continuam vivas! Ainda bem que a ciência caminha aceleradamente em muitos aspectos! Mas que pena que nem todos esses avanços levam o ser humano ao que mais importa, ao centro de sua alma, ao seu porto interno, onde possa encontrar o equilíbrio para todos os seus anseios pessoais e encontrar forças para contribuir para a paz coletiva. Felizmente, ainda há Poesia no mundo. E, repito, há poetas. E há livros. E há quem leia esses livros e quem se importe com versos que contêm beleza e sabedoria e que nos dão prazer na leitura. E aí é fácil caminhar pela filosofia até alcançar, se não toda, pelo menos, uma via que nos leva à compreensão da vida, dos seus avanços e tropeços, mas também dos seus sucessos e realizações através das possibilidades que nos abre a literatura de cariz poético. “ 4 Conforme pregava Hippolyte Léon Denizard Rivail (conhecido como Allan Kardec). 12 5 Filósofo, cientista e matemático alemão (1646-1716), Leibniz definiu Deus como “O ser mais perfeito”. Precursor da filosofia digital, da cosmologia e da mecânica quântica, criou o sistema numérico binário, e a teoria das mônadas, contribuindo com a metafísica. As mônadas são centros de forças, e cada uma delas seria um pequeno espelho do universo, trabalhando independentemente uma das outras. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Gottfried_Wilhelm_Leibniz. Acesso em: 28 maio 2018.

E, nada melhor para falar de poesia que estimula o ser humano ao bem, do que a obra que nos faz sentir, pensar e agir de modo a, depois de lida, saboreada e degustada, ser fonte de novas ações e decisões frente aos caminhos que a vida nos oferece. E essa dádiva preciosa podemos obter depois da fruição de ... do mais profundo de (todos) nós: poemas de Joaquim Alice, para ler com o coração, e em silêncio, coleção composta pelos oito livros que fazem parte deste Box Literário, mais este volume introdutório à obra. Quadro 1: Volumes que compõem o presente Box Literário: ... do mais profundo de (todos) nós. Obra poética de Joaquim Alice, em oito livros, com poemas para serem lidos com o coração, e em silêncio. Volume introdutório: A poética do silêncio: um corpo antropo- morfo de escrita. Introdução à obra poética de JOAQUIM ALICE: ... do mais profundo de (todos) nós, poemas em oito livros para serem lidos com o coração, e em silêncio. Livro UM ... do mais profundo de mim Livro DOIS ... do mais profundo de nós (os dois) Vilca Marlene Merízio Livro TRÊS ... do mais profundo da (minha) emoção Livro QUATRO ... do mais profundo do (meu) coração Livro CINCO ... do mais profundo da (minha) intenção Livro SEIS ... do mais profundo da (nossa) consciência “ Livro SETE ... do mais profundo da (nossa) essência 13 Livro OITO ... o TODO em TODOS nós, no estado perfeito do UM

Nestes oito livros físicos que dão vida à presente coleção, ainda inéditos em Portugal, mas cujos poemas veiculam, no Brasil, entre universitários da área de letras e pessoas ligadas ao estudo de práticas holísticas, pela internet e pelas redes sociais, desde o início deste século, é possível perceber o quão importante e decisiva é a presença do outro na vida do poeta. E o quanto a leitura poderá contribuir para a reconstrução de um novo sentir existencial, quando cada qual descobrirá a sua própria Verdade. Segundo o filósofo, só quando o que caminha ao nosso lado está alegre e feliz, e consciente do que é e do que faz, é que nós, cada um de nós à nossa maneira particular, podemo-nos considerar também alegres, felizes e realizados. E aquele que descobriu o caminho para a sua felicidade A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escrita como consequência do gesto poético que lhe tocou a alma, por nosso intermédio passa, quando em relação com o outro, a ser instrumento desse novo processo de regeneração consciente, também o “infectando” com o desejo de uma corrente e fluídica realização de felicidade. E, assim, ainda conforme o poeta, o mundo vai se modificando, agora num processo mais acelerado no que se refere aos resultados positivos, sanando velhas feridas que impediam a evolução do planeta. Poder, dinheiro em excesso para uns, miséria para a maioria, vícios abusivos, fome, desperdício, egoísmo, orgulho e outros males são substituídos por uma rede viva em cujos nós de conexão se estabelecem pessoas capacitadas – porque é esse o seu propósito de vida – dispostas a exercerem o seu papel de copartícipes na recriação de um mundo de progresso coletivo e de satisfações “ pessoais constantes. “Faça tudo que puder para ser feliz”,6 li há dias, num 14 cartaz, em uma casa de oração. E me lembrei do que uma amiga budista disse: “minha felicidade é a felicidade do outro”. 6 Cartaz em uma das paredes do N. E. Nosso Lar, Forquilhinhas, São José, Santa Catarina, em 22/11/2018.

Por isso, muito especialmente, alegro-me em apresentar-vos Vilca Marlene Merízio Joaquim Alice e a sua Poesia. “ Acompanhei, de longe, todo o percurso desta obra poética, desde os primeiros sintomas de gestação literária 15 ao nascimento, depois, a persistente e contínua evolução até que, finalmente, eis, agora, a obra pronta para ser publicada, pronta para consumo dos seus leitores, que, até o presente momento, foram raros e muito especiais. Da minha parte, sinto coração e mente satisfeitos depois de quase duas décadas deste apadrinhamento, prazer mil vezes revivido nas leituras e releituras de cada poema lido. Agora mesmo, custo a dar por terminado este trabalho de organização da obra, mas a possibilidade de mais corações e mentes estarem em contato com a poesia de Joaquim Alice, contida nestes livros, me faz abrir mão desta preciosidade “do ler primeiro”, tendo em vista os benefícios que advirão para o estudo e a divulgação da Literatura Portuguesa Contemporânea, objeto e bem- querência da minha vida profissional. O Autor Joaquim Alice é o pseudônimo escolhido pelo poeta aço- riano, filho de pais portugueses também nascidos no Arquipé- lago dos Açores, que optou por não usar seu nome de batismo, assim como também o fizeram grandes escritores da literatura universal na publicação de suas obras. O autor desta coleção de oito livros de poesia – ... do mais profundo de (todos) nós – só se assumiu como Joaquim Alice no segundo ano deste milênio. Alguns de seus “escritos” vêm sendo apreciados e estudados em Santa Catarina, Brasil, desde o tempo em que sua produção era apresentada como sendo de autoria do Monge, nome que deu título a um de seus poemas, incluído no Livro TRÊS:

A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escritaEste modo-de-ser é já tão velho, sabido, sentido, sensato, pensado, punido, ... de monge (sem ordem…), apenas da VIDA que se adivinha, Monge... … sofrido ao ponto da alegria… (dele) ter nascido. Entretanto, foi há poucos anos, exatamente no caminho que leva ao interior de uma das ilhas do Arquipélago dos Açores, que o autor, pessoalmente, assumindo-se como Joaquim Alice, manifestou sua anuência para continuarmos a trabalhar em sua obra, a qual eu já vinha apreciando e estimulando desde o início deste século. Retornei ao meu país e, permaneci fiel ao que me propu- sera: a publicação no ano de 2020, dois anos após o Estado de Santa Catarina comemorar os 270 anos da chegada dos açorianos e madeirenses na ilha; portanto, período propício para tal empreitada.7 Contou-me o autor que, na juventude, teve uma breve experiência poética, quando, ao receber um livro em branco, à semelhança de um diário íntimo, registrou um texto, do qual aproveito este excerto: a tua falta constrói um sonho, uma miragem/ e, seguindo-a... me supero a cada instante (obrigado!). Parece-me que o jovem açoriano traçou aí (poeta de verdade já nasce poeta, mesmo que leve tempo a se assumir como tal), talvez sem o saber, o programa de expressão escrita “ que o identificaria anos mais tarde, completamente baseado na 16 7 Lei Estadual no 17.463, de 10/01/2018 considerou 2018 o Ano dos Açores no Estado de Santa Catarina, em comemoração aos 270 anos da chegada dos primeiros imigrantes açorianos e madeirenses na ilha de Santa Catarina. A publicação da obra de um poeta e filósofo açoriano, organizada, introduzida, explicada e divulgada por uma catarinense pretende ser mais um passo para a integração intercultural entre Portugal e o Brasil.

filosofia do positivo, do bom humor e do sentir-se confortável Vilca Marlene Merízio e esperançoso apesar dos obstáculos e das situações dos momentos menos agradáveis da vida, de movimentar-se em “ estado de agradecimento e de integrar-se ao Todo, postura que ainda hoje predomina em sua obra: 17 Torno-me, assim, verdadeira e realmente integrado./ Fundo corpo e mente... em pura energia,/ as sensações ficam mais ricas,/ dotadas de mais intensa alegria,/ sutilidades... num espírito de Vitalidade.../ tudo vendo perfeito.8 Nesses últimos vinte anos – prova disso são seus “escritos”9 – conseguiu, talvez sem se ter dado conta, edificar este corpo antropomorfo de escrita. Sua produção é vasta; basta conferir as centenas de páginas a seguir. E a sua escrita literária não acaba aqui. Acumulam-se, nos Açores, novos originais à espera de publicação. Para além da poesia manuscrita no seu traçado original, guardada pelo autor em seu arquivo pessoal a que tive acesso, na minha memória, ecoa a voz de Joaquim Alice saída de centenas e centenas de páginas de correspondência eletrônica e de horas e horas de conversa fraterna por sobre as águas atlânticas. E o filósofo persiste na sua tarefa da escrita solitária, mas solidária, de escrever poesia nos Açores, com produção jamais interrompida desde aquele inverno10 europeu do princípio deste século, quando me deu para ler os seus primeiros versos: 8 Poema “PERFEITO”. Livro OITO. 9 Joaquim Alice classifica-os como “escritos”; eu os trato como poemas. 10 Cuja referência está registrada no Livro QUATRO desta coleção.

A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escritaO esforço que faço p‘ra te mostrar o meu universo pelo vento das palavras, depressa forma correntes e poços d’ar... ventanias, vácuos... e retrocessos... até perceber que a quietude e o silêncio são o meio... única forma de transpor a totalidade (p’ra ti...) Consigas tu captá-la, revendo-te nessa imensidão qual estátua absorta, sendo (apenas) capaz de, por momentos, SER !11 Vamos, então, a isso! “ 18 11 “O esforço que faço”, Livro QUATRO.

O nascimento da Obra Poética Vilca Marlene Merízio Para mim, a alegria de trabalhar e de me deliciar com os “ poemas de Joaquim Alice mantém-se renovada, desde aquele longínquo dia de março, quando, ao final de um curso,12 mi- 19 nistrado por mim, nos Açores, um jovem poeta, entre timidez e orgulho, me ofereceu para leitura a sua longa e recém-criada produção poética, a primeira a que havia dado atenção durante a sua vida. Ele próprio poematizara o momento em que, dias antes, despertara nele o Novo Ser que agora era. Nos últimos instantes do curso, ao participar da confraternização de despedida, quedou-se, sozinho, em reflexão: Abrem-se portas... e sorrisos,/ mentes, olhos e abraços.../ Beijos se trocam e olhares,/segredos, intimidades... /Do grupo... (o único) estranho é o próprio,/até desconhecido.../ surpreende-se consigo.../ e diz e faz e pensa e sente/ DIFERENTE... Que se passa ? Que é isto? ... Coisa estranha... ...não ‘tou bem, de certeza .../ Mas que bom... mas que bem.../ ‘tou contente, satisfeito(a)... / acho que até, F-E-L-I-Z . . ./ Bendita a dualidade,/ que preciso d’entender,/ como sendo o “eu” passado,/ que estranha o/ NOVO SER...13 O autor notava em si e nos outros colegas a mudança. Estava dado o primeiro passo na senda literária. Daquela hora em diante, levantava-se e assumia-se através da escrita. Também eu estou agradecida, por ter compartilhado dessa aventura literária, já que o manancial poético de Joaquim Alice, 12 Curso de Harmonização Pessoal, para o qual não havia se inscrito: apareceu porque um amigo lhe falara daquele evento apoiado por empresários, professores, artistas e profissionais da área da saúde, locados nos Açores. 13 “Novo Ser”. Livro UM.

A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escritana verdade, abriu as comportas e jorrou com abundância, a partir daquele momento. No dia seguinte, um domingo frio e chuvoso, procurou-me ele e deu-me a ler oito páginas de papel almaço quadriculado, onde registrara, à tinta azul de uma esferográfica, os seus primeiros poemas.14 Eram versos curtos, sem rima. Li os primeiros versos curtos e sem rimas daquelas oito páginas escritas à mão, e logo a emoção embargou-me a alma, impedindo-me de continuar a leitura em voz alta. Lágrimas escorriam-me pelo rosto. Passei, então, o manuscrito para que o autor continuasse a leitura. E ele leu: Se o meu coração, rejubila,/ a ti se deve.../AMOR. Se estou feliz, se me alegro,/ se aceito, se dou,/ se compreendo/ / se te abraço, / se te beijo,/ se te olho ternamente,/ se te toco na alma.../ se consigo,/ por momentos,/ ser tu.../ ... ao amor se deve:/ breve,/ leve.../ mas infinito.15 Um silêncio instalou-se. Olhamo-nos emocionados. Continuou, então, a ler. Mais emoção. Mais surpresa: Nada sou, no fundo.../ Bem que gostaria de ser remédio.../ para (te) saciar,/ para (te) curar.// Mas nada sou,/ no fundo.../ ... apenas vibração.../ onde possas encontrar algo maravilhoso,/ único, bom,/ sagrado,/ divino!16 Eu não estranhava a confissão do eu lírico, mas, sim, surpreendia-me o jogo de imagens a traduzir sentimentos “ tão puros, ditos com tamanha singeleza que as virtudes 20 14 O público do Brasil já os vem conhecendo desde 2002, por meu intermédio, ao trabalhar com eles em cursos de Literatura Portuguesa nas universidades de letras do Estado de Santa Catarina e em outros cursos de fundo holístico. 15 “Ser TU”. Livro QUATRO. 16 “Nada Sou”. Livro QUATRO.

transbordavam do papel. Não era novo o que me diziam Vilca Marlene Merízio aquelas palavras, mas a sua musicalidade estava a ser mani- festada de forma clara, mas nessa, para mim, nova linguagem “ afetiva, o conteúdo fazia-me pensar, ir além, porque o que eu ouvia fugia, em parte, do meu entendimento, da minha 21 compreensão lógica habitual. Mesmo que eu estivesse acostumada à poesia, parecia-me, naquele momento, ser a receptora única, a musa que fizera brotar aqueles versos tão reveladores por parte de alguém que eu já estava aprendendo a admirar. Porém, logo em seguida, à medida em que o autor ia lendo, com pausas, silêncios prolongados, ritmo e entonação que eu jamais ouvira ou sentira, meu cora- ção, espírito e mente, diziam que alguma coisa estava fora do lugar, que possivelmente existiria algo precioso para além daquilo que talvez eu quisesse: um amor comum, compartilhado entre homem e mulher (que, a princípio, eu havia suposto existir). Não, não era um sintonizar de amor usual de um homem para uma mulher. Era um encadeamento de alma. Eu ouvira: É a ti que te encontras/ no amor que me reveste. Tinha que assimilar aquela afirmativa tão estranha! Surgiu a dúvida: se era o meu amor que o amor dele refletia, era a mim mesma que eu amava. Estranho!!! Que amor seria esse? Aí começou o entendimento da minha parte; não, não era eu o amor da sua (do poeta) vida. A voz lírica, criando vida na voz do autor pedia: Vê claro, por favor.../ (suplico!), o caminho que leva ao destino... E o “suplico”, dito com tanta verdade, agitou a minha alma: Se te deténs,/ apoderando-te do caminho,/ falhas o destino... Nova pausa... Silêncio. Silêncio profundo, como se a me dar tempo para acompanhar o raciocínio. E o questionamento direto, faca afiada até o âmago: No amor que me reveste,/ julgas tu que me encontras?

A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escrita E a resposta, a princípio, um tanto constrangedora para mim, que, até então, me considerava a professora, a mestra, a que aponta caminhos: ILUSÃO, pura ilusão... E, diante do meu espanto, talvez sem esconder o ar de frustração que devia invadir todo o meu ser, devagar, com silêncios prolongados, com a voz mais terna que já ouvi, o poeta açoriano continuou: O amor que me reveste apenas te reflete. O que vês na tela do meu amor... é apenas (o) teu reflexo. P’ra que resistires? Solta-te... desprende-te, deixa-te ir... (sem rumo)17 E me considerei única, mesmo não sendo “aquela única” que eu supusera ser, enquanto o autor continuava na sua leitura pausada, quente, sentida: ... na amizade que nos une/ na afeição que te dedico,/ na intenção que me move,/ no meu bem-querer/ ... é que TE AMO! E aí, nesse exato momento, o meu intelecto reagiu. Sim, havia uma “intenção”, um propósito que levava aquele homem, que agora me parecia diferente do aluno aplicado, interessado e assíduo, a dizer-me o que eu não costumava ouvir: ... é ao dar(-te) o meu melhor, ... criado à tua medida, ÚNICO: “ por ser p’ra ti, 22 que me ENCONTRO, que me crio, que (me) amo/ em TI. Por isso respondo à tua pergunta: 17 “Nada Sou”. Livro QUATRO

– “Como sabes?” Vilca Marlene Merízio – SEI ... PORQUE ESTOU A SER ... “ ... TU!18 E veio o meu segundo espanto: o poeta depunha na minha 23 frente, de forma generosa e altruísta duas imagens comuns e bastante conhecidas no meio literário: o espelho e a imagem da exibição de mim mesma num momento em que estava prestes a vestir-me de uma indumentária nova (Seria um novo amor?). E diante do meu assombro que continuava, ele arremata, ligeiro: Deslumbrada comigo é como ficas .../ Apaixonada é que te sentes, por mim, para logo depois, acrescentar: Engano, puro engano...// Deslumbrada, sim !/ Apaixonada, sim !// ... Mas... E nova surpresa a confirmar o que queria que parecesse ser a sua humilde postura de um poeta sensível, observador: Apaixonada, sim ! ... Mas... pelo teu melhor, pelo teu eu superior,/ pelo Divino em ti... por todas as tuas qualidades... pelo mundo de capacidades e potencialidades que possuis e estão ao teu alcance. (Grifo nosso.) Poderia haver elogio mais eloquente, mais sedutor, mais surpreendente? E ele, o poeta, do seu lugar de emissor desse diálogo feito de sentimentos e de pensamentos não vertidos em linguagem verbal pela sua receptora, confirma, em mais um gesto de humildade poética: Nesse contexto, nada sou! Não existo!/ Sou antes mera ilusão, sou realidade VIRTUAL! 18 Ao conjunto desses últimos versos, mais tarde, Joaquim Alice deu o título de “Reflexos de um Espelho Mágico (de alfaiate)”, que, nesta coleção compõe o Livro QUATRO.

A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escritaQuero apenas que te fortaleças,/ te tornes consciente da tua imensidão.../ mergulhes nela e a desenvolvas sempre mais./ Não te detenhas comigo ou em mim... E justificou o porquê da sua decisão de “soltar-me” (soltar- me? Teria eu dado a perceber a ideia de que tinha intenções outras que não a de viver um amor incondicional? Não sei...), porque se eu ficasse, quer dizer se aquele “tu” ficasse, estagnaria:19 ... pois, se o fizeres, estagnas ..., e o pior – e impedes- me igualmente de brilhar. E perco o brilho.../ quer ceda à tentação.../ quer não ceda.../ e, nesse último caso, me entristeço,/ por não ter sido capaz,/ por ver a beleza em ti/ ... a Divindade .../ e não ter sido hábil como parteiro. O teu nascimento depende da tua libertação.../ E, se ficas presa a mim,/ ... é porque FALHEI na minha missão.../ Toquei a música,/ mas não criei harmonia;/ fiz o bolo ... que não levedou.../ toquei-te, mas não te fiz crescer.../ quis amar- te, mas pilhei-te,/ quis libertar-te,/ mas cativei-te... e depois te feri.20 E conclui, sabendo o que diz e porque o diz: ... quando consigo/ mostrar-te quem tu realmente ÉS.../ e te ESPANTO com esse fato../. e consigo também/ que “soltes a minha mão”/ e partas a caminho de ti mesmo(a)... Então, ... SIM!!!/ Fico feliz, / cresço,/ dou um salto no tempo e no espaço/ (ascendo),/ inspirado pela Divindade/ que “ nasceu... (que és tu). 24 Reverencio-te,/ amo-te / (incondicionalmente)/ e REALIZO- ME/ nesse ato. 19 A estagnação em Joaquim Alice é indicativo de perda, de morte, de prisão. 20 “Realidade Virtual”.

A comoção foi intensa. Eu estava diante de um poeta Vilca Marlene Merízio inato, de alguém que, com poucas palavras, muitas pausas e metáforas tiradas do cotidiano, fazia-me ter consciência de uma “ nova forma de poesia, a poética do silêncio, do entendimento dialogal, em que o que não é dito ganha foros de compreensão. 25 A comunicação entre nós, professora e aluno, naquele momento transformados em emissor e receptora, com todos os ruídos abafados pela emoção, se efetivava. A mensagem fora emitida e, mesmo com código cifrado pelos silêncios repetidos, a decifração por força do intelecto foi fortalecida pela vibração emocional tudo tornou de fácil compreensão e assimilação.21 No caso de Joaquim Alice, e aqui me refiro à leitura de seus poemas em geral, o leitor, ou o ouvinte, se o poema for lido ou declamado, muitas vezes, estupefato pelo que lê (na verdade, ouve, no sentido teórico da recepção literária, porque é a voz do poeta que se faz presente), precisa, às vezes, voltar mais vezes ao princípio do texto para que a comunicação se efetive. Joaquim Alice revela-se com um estilo peculiar. Instru- mento do bem, com bom humor e otimismo, com tiradas inesperadas, principalmente nos versos finais dos poemas, utiliza linguagem simples, valorizando metáforas do cotidiano doméstico, com o fim de sensibilizar o mais íntimo e central ponto da alma do ser que o lê ou ouve, justamente com a intenção de que esse possível leitor ou ouvinte, sinta em si a chama da Divindade, que também nele existe e sobre a Qual quer falar. Contudo, ele próprio, como autor, adverte: Não 21 Na dialética de Platão, o diálogo ocorre através de duas vozes que, intercalando opiniões e pontos de vista pessoais, buscam a verdade, até que, ao se processar a comunicação, a alma de cada um deles “se eleve, gradativamente, das aparências sensíveis às realidades inteligíveis ou ideias” compartilhada (Houaiss). Se não houver entendimento, não há comunicação humana. Entre nós, leitor e receptora, houve.

sou Deus! Mesmo que a Deus ele procure encaminhar seus semelhantes. [...] Não sou Deus, mas sou caminho,/ senda, vereda...// [...] sou atalho/ sem a frescura da seda/ antes (sou) mero retalho/ que, embora pouco, curto e rude,/ faz-te melhor d’agasalho, pois enganos não suscito,/ antes verdades apresento.// Como um apito t’alerto...//queiras tu ouvir o grito.22 E, eu ouço o grito... Ainda é assim que acontece, depois de quase uma vintena de anos, quando leio matéria nova de autoria de Joaquim Alice ou quando releio seus sempre novos poemas A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escrita (sempre que leio um dos seus “escritos”, não importa quantas vezes tenha-o lido, parece uma nova mensagem). Sinto como que se o autor me pusesse à prova, num jogo de palavras que tenho de ler com o coração; em que tenho de, compreendida a ideia que o poeta lançou, parar, em silêncio, para pensar no que realmente diz para mim aquela voz falante que vibra na minha direção. E só acontece o entendimento daquele poema quando eu me interiorizo, livre de todos os anseios e preconceitos, deixando nascer, no meu espaço interno, a disponibilidade de entender o que aquela voz disse, ou sobre o que me alertou. A possível aceitação – ou não – que faço dessa informação/ revelação sentida a partir do que me é dito por ele e do que sou capaz de incorporar ao meu novo modo de vida, só depende de mim enquanto leitora/ouvinte. Porque ler um poema de “ Joaquim Alice é um risco: ou entendo e vibro com sua poesia; ou deixo de lado o poema e abandono a leitura. No último caso, 26 nada aconteceu; eu perdi meu tempo, mas a intenção poética continua viva, eterna à espera de um novo leitor, quem sabe 22 “Não Sou Deus”. Livro SETE.

mesmo, à espera de que eu esteja preparada para uma nova Vilca Marlene Merízio experiência numa outra ocasião, porque ler Joaquim Alice é abrir-se, é renovar-se em todos os sentidos. A cada nova “ leitura, outros sentidos despertam. 27 E é assim, com a alma em suspenso e a mente integrada, presa à realidade e também ao mundo do sonho, que leio os versos de Joaquim Alice, versos que falam de amor, relações, mudanças, desencanto, desejo, sexo, amizade, compaixão, bondade, solicitude, espiritualidade, divindade, transcendência... E, que, sobretudo, não escondem a intenção de, passo a passo, ir tocando as pessoas, compondo o seu reino de transformações para o bem, ao atingir, cada um individualmente até alcançar a paz em todos os sentidos. E aí por meio dessa efetiva comunhão, em pequenas e importantes doses que se repetem ao nível do eterno, ele “infecta” o seu leitor/interlocutor, cria uma nova noosfera mental, onde avulta a imagem – não só, mas também – dos efeitos da sua Bomba do Amor. E é ler com alma e sentido seus poemas, deixar que eles atuem em nossa mente e coração e, se preciso for, voltar tantas vezes quantas forem necessárias ao primeiro verso de cada página até dominar todos os seus múltiplos sentidos. Assim, criados nestes últimos anos, em minhas mãos, pelo meu coração e minha mente, passaram centenas de textos poéticos dos quase outros tantos conservados no arquivo particular de Joaquim Alice. Uns via internet, outros, materialmente manuseados sob o abrigo das janelas e claraboias de um salão cheio de luz – semelhante ao santuário a que Lucia Simas23 chama Casa de Cristal – incrustado na encosta de uma 23 Na obra publicada em 2016, pela Editora Chiado – O Homem de Corfu, na sua segunda parte, Lúcia Simas, a escritora dos Açores, descreve o que se pode imaginar ser a ambientação em que vive o ser que, liberado de suas exigentes responsabilidades mundanas, se dedica à Liberdade, ao Bem, ao Amor

A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escritamontanha de formação vulcânica, de cujos vastos e coloridos jardins avista-se majestosamente o mar do Atlântico Norte a banhar placidamente as ilhas açorianas. “ 28 vivenciado na sua essência incondicional. A autora nominou esse local sagrado como sendo a casa de Cristal. Concordo com ela. A Casa de Cristal representa a Sétima Dimensão.

O Plano da Obra ... e o homem sem DEUS é somente uma semente ao vento... T.S.Eliot Em 2016, voltei aos Açores para organizar a obra poética Vilca Marlene Merízio do ex-aluno que se tornara amigo. E, num outono, numa mesa comprida voltada para o mar, tentei agrupar por categorias os “ poemas de Joaquim Alice, conforme os ia lendo. Logo pude perceber a ocorrência de vinte substratos poéticos que se 29 repetiam, os quais eu reconhecia a presença do Mito Pessoal do Autor, conforme teoriza Charles Mauron.24 A leitura em sequência cronológica dos poemas (como a mim foi possível fazer), fizeram-me observar recorrências frequentes a temas específicos, formando uma rede metafórica de sentidos figurados, alicerçada em um mesmo propósito: levar o leitor a autodescobrir-se, a transformar-se em pessoa melhor com o intuito de construir sua própria felicidade. Dessa forma, a leitura daqueles poemas fez-me perceber a intenção do autor ao sugerir que o leitor busque dentro de si mesmo respostas para o mistério de sua própria vida. Concentrada, e de posse de dados que, talvez, venham à tona a partir da interpretação da leitura que faz, é possível que a pessoa que lê ou ouve os poemas, passe a olhar para si mesma de uma forma mais amorosa. Terá possibilidades, assim, de transformar 24 Des métaphores obsédantes au mythe personnel, 1962. O processo criativo pode ser considerado uma espécie de autoanálise, mediante a qual o autor volta aos traumatismos iniciais e aos estádios infantis, e não como uma expressão direta do inconsciente: Hay un tránsito de la textualidad a la dimensión inconsciente del autor. Resumo disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0100-34372010000100015. Acesso em: 5 maio 2018.

A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escritaa sua maneira de ser e de agir, se o modo tal como vive não estiver de acordo com a busca da sua própria paz e felicidade. Em caso de acerto, quer dizer, de conclusões positivas, é quase certo que, vendo que funcionou a sua experiência, logo a compartilhará com quantos com ele interagem no seu cotidiano. Na poesia de Joaquim Alice, esse processo de formação de elos a partir da descoberta da necessidade de buscar caminhos que levem à felicidade interior é bastante perceptível, porque há traços contundentes de trânsito livre entre a textualidade poética e a dimensão consciente do autor que trabalha para a transformação do sofrimento individual em paz coletiva. É a compaixão transcendendo a literatura. Mas, voltando, às categorias, 20 categorias, quando as identifiquei, ainda eram muitas. Enxuguei-as para sete, mas outras se faziam perceber, e não tive outro jeito se não aninhar os poemas sobressalentes em mais uma categoria, enfeixando a obra que agora se oferece ao público, em oito livros (estes que aqui seguem), identificados pelas cores energéticas dos sete principais chacras do corpo humano (do vermelho ao violeta, encerrando com a teia multicolorida, com a predominância do branco cristal da transcendência), acrescido de mais um chacra espiritual – o oitavo – que ultrapassa a dimensão humana, alcançando os níveis das dimensões superiores, que promovem a liberação de todas as energias deletérias25 através da “sua imensa força gravitacional”.26 E por que sete categorias? E, ainda mais, por que oito, na realidade? A razão é simples: cada grupo de poemas remetia às “ 30 25 Segundo o Dicionário Houaiss: deletério: o que é prejudicial à saúde; insalubre; por extensão de sentido: que possui um efeito destrutivo, danoso, nocivo ao corpo e ao espírito. 26 “Existe uma quinta dimensão?” Disponível em: https://mundoestranho.abril. com.br/ciencia/existe-uma-quinta-dimensao/. Acesso em: 5 abr. 2018.

características que o sistema de chacras,27 teoria formulada pela Vilca Marlene Merízio medicina oriental, e muito utilizada pelo Sistema de Reiki,28 apontam para a compreensão da constituição de ser humano e, como, através das suas funções equilibradas e harmônicas, ao deixar fluir toda a energia, contribui para a saúde integral do indivíduo. É como uma ascensão espiritual que se inicia no chacra básico, voltado para as necessidades de sobrevivência, sexualidade e individuação, até alcançar os píncaros da Consciência Pura. E, assim, os poemas de Joaquim Alice, pelo seu conteúdo, e numa primeira abordagem crítica, foram agrupados sob a luz dos chacras.29 Não que o poeta fale deles, mas, devido à sua maneira de posicionar-se diante do mundo, do seu estado permanente de agradecimento, da sua compaixão pelos que acompanham a mesma trajetória da existência, do querer, em suma, que todos os seus leitores/ouvintes tenham a possibilidade de descobrirem-se possuidores das graças e das belezas do Eu Superior, que habita cada alma, tal qual repositário da Fagulha Divina. Esse acolhimento incondicional levou-me a reverenciar a trajetória simbólica que Joaquim Alice indica como caminho 27 Chacras: vórtices de luz ou campos energéticos, localizados na segunda “ camada que envolve o corpo humano e que conectam, através de fios ou cordões energéticos, o corpo material aos corpos sutis, distribuindo energias 31 físicas, mentais, astrais e etéreas conforme a necessidade do indivíduo. In: LEADBEATER, C. W. Os Chacras ou centros magnéticos vitais do ser humano. São Paulo: Pensamento, 2006. São acumuladores e distribuidores de força espiritual, pelos quais transitam os fluidos energéticos que dão vida à pessoa. 28 Método de cura criado por Mikao Usui, “sistema natural de harmonização e reposição energética que mantém ou recupera a saúde [...] e desperta o poder que habita dentro de nós, captando, modificando e potencializando energia”. In: DE’CARLI, Johnny. Reiki: apostilas oficiais. São Paulo: Ísis, 2013, p. 28. 29 Para melhor compreensão em relação ao emprego da teoria dos chacras e a metáfora do “corpo antropomorfo de escrita”, em Apêndice a este volume, apresento alguns subsídios teóricos.

para os seres que, na busca da LUZ, emergem com todas as possibilidades de êxito nesta existência terrena na direção do mais alto pendor. Se a vida ainda se apresenta conflituosa e conturbada para uns, é especialmente para esses que os “escritos” se abrem como se fossem alamedas a conduzir ao oásis perdido. Tal processo de encaminhamento que o poeta filósofo sugere, talvez até sem o saber, é visivelmente sentido nos poemas que, individualmente, no silêncio da alma, poderão ser compreendidos. Contudo, com o caminhar do estudo, novas descobertas foram acontecendo e sub-categorias foram aparecendo. Entre elas, apenas cito, deixando em aberto possiblidades para que futuros homens e mulheres das letras, estudantes universitários A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escrita e aficcionados da literatura, lancem mão desse instrumento tão valioso que é a crítica baseada na teoria literária, quando levada para o lado do bem, do estímulo e da confiança na competência dos escritores atuais, cujas obras serão aclamadas como imortais. Como sub-categorias a serem estudadas sugiro: as várias faces do silêncio; o bom humor dos últimos versos, que indicam a humana existência do autor, como se ele quisesse se fazer ver mais do que ser ouvido;30 as figuras de linguagem, em especial a metáfora e todo o seu (oculto) esquema comparativo; a fôrma livre com que foram utilizadas as formas livres do poemar em versos brancos; o estilo entre sério e jocoso do escritor; a religiosidade sem a edificação de um templo físico; a técnica do tiro com arco do caçador-solitário, sob o enfoque “ da criação literária abordada como motivação para o despertar do movimento do tu, na direção de si mesmo, o receptor lírico, 32 nos poemas de Joaquim Alice. 30 O efeito surpreendente e até por vezes, algo chocante dos últimos versos que de subito e inesperadamente estilhaçam o enfoque até ali criado pelo escrito e, de forma quase violenta, abrem ao leitor novas paisagens interiores.

Mais tempo tivéssemos de escrita, mais categorias Vilca Marlene Merízio poderiam ir sendo listadas, à proporção que as repetidas leituras desvendassem novos e cada vez mais profundos níveis “ de interpretação e de compreensão do texto. 33 Separação do Corpus por Categorias: tripartição Cada um dos oito livros de Joaquim Alice contém, poética e filosoficamente, correspondência às características e propósitos dos principais centros energéticos que regulam as funções vitais do ser humano, desde o chacra básico ou raiz (Livro UM – Vermelho) ao da coroa (Livro SETE – Violeta), passando pelo umbilical (Livro DOIS – Laranja), pelo plexo solar (Livro TRÊS – Amarelo), pelo cardíaco (Livro QUATRO – Verde/Rosa), pelo chacra laríngeo (Livro CINCO – Azul Claro, pelo mental (Livro SETE – Índigo), até alcançar mais um chacra que representa as dimensões superiores, menos conhecidas, quando se trata de campos de força de luz (Livro OITO – Da Transcendência), que se instalam quando a pessoa, depois de sofrimento prolongado e agudo, consegue sublimar e aceitar perdas e outros danos psicoemocionais. O agrupamento dos poemas pelos oito livros segue a tradição oriental de concepção setenária, que diz que o agregado homem-espírito compõe-se de extratos distintos: (1o) Primeira Parte: o Quaternário Inferior (ou Ego – Personalidade), com- posta pelos níveis Mental Inferior ou Concreto, Astral ou Emocional, Corpo Etérico, Duplo Etérico ou Corpo Vital e Corpo Físico ou Somático: (2o) Segunda Parte: a Tríade Divina ou Ternário Superior (Eu Superior), composta pelos níveis Átmico, Búdico e Mental Superior (ou Causal); e a (3o) Terceira Parte: da Transcendência, para além dos dois primeiros. Da obra ... do mais profundo de (todos) nós, os quatro primeiros livros que a compõem revelam poemas cuja

A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escrita funcionalidade em relação aos chacras é de estrutura mais densa, mais material, menos poeticizada. Nesse caso, estaría- mos falando dos Livros Um, Dois, Três e Quatro, que vão gradualmente saindo da densidade instintiva para a sutileza dos sentimentos e das emoções. Assim, essa primeira e grande arrumação deveu-se ao entendimento de que os quatro primeiros chacras (Básico ou de Raiz, Umbilical, Plexo Solar e Cardíaco), relacionando-se ao corpo físico, remetem às necessidades hu- manas de sobrevivência, amparo e acolhida pelo meio, ao reconhecimento próprio à autopreservação, às necessidades de companhia, aos processos de relacionamento onde o desejo físico ainda impera, à autovalorização, às emoções, aos sentimentos e à mente concreta do ser humano. Tudo isso são aspectos que encontramos nos poemas dos livros referidos. Do Terciário Superior, fazem grupo os corpos mais sutis, onde afloram a criatividade expressa pela arte, a comunicação e expressão e a memória; a mente abstrata (o poder que tudo organiza e comanda) e a divindade. Estamos, então, falando dos Livros Cinco, Seis e Sete. O Terciário Superior engloba os aspectos sutis31 dos niveis de consciência, da divindade em nós e da quinta dimensão onde o espírito encravado na matéria dá, em movimentos circunvoluntários, vida à alma humana que, num processo ativo de iluminação prepara-se para alcançar a sétima dimensão no seu aspecto divino e transcendental, expresso pela Terceira Parte que inclui o Livro Oito. 31 Corpos sutis – veículos de manifestação da consciência: inferiores (os mais densos relacionados com a materialidade da vida) e superiores (mentais, “ psíquicos e espirituais), que se subdividem de acordo com propriedades e 34 densidades próprias em diversas dimensões. Fragmentos da consciência humana que assumem diferentes aspectos de nossa natureza multidimensional. Cada corpo possui seu sistema de chacras: “centro de energia sutil localizado ao longo do canal vertebral e do cérebro, nodos importantes nos quais o espírito impregna a matéria no corpo” (NINIVAGGI, F. J. Saúde Integral com Medicina Ayurvédica. O Guia Completo para os ocidentais da mais tradicional escola da Medicina Indiana. São Paulo: Pensamento, 2015, p. 353).

A Terceira Parte da obra – Da Transcendência – é aquela onde o autor revela poeticamente as possibilidades de se acessar a mente superior abstrata, a Consciência Pura, sede do tesouro pessoal que se descobre pelo exercício da sublimação, a partir do autoconhecimento em relação com a aceitação da dor e do sofrimento, quando vencidos, através do mergulho interior e muito estudo, realiza-se no encontro da chama crística, conteúdo poético do Livro Oito, na sua clara e firme disposição de tratar de assuntos voltados para a sétima dimensão, a da transcendência. Quadro 2: Partes da obra poética de Joaquim Alice e livros que as compõem, seguido do chacra correspondente. Parte Livro Título Chacra 1o Quaternário UM Básico Inferior ... do mais profundo de (Vermelho) DOIS mim Umbilical 2o Ternário ... do mais profundo de nós (Laranja) Superior (os dois) Plexo Solar 3a Transcen- (Amarelo) dência TRÊS ... do mais profundo da (minha) emoção Cardíaco QUATRO ... do mais profundo do (Verde) (meu) coração ... do mais profundo da Laríngeo CINCO (Azul-claro) Vilca Marlene Merízio (minha) intenção ... do mais profundo da Frontal SEIS (Azul Índigo) (nossa) consciência Coronário SETE ... do mais profundo da (Violeta) (nossa) essência OITO ... o TODO em TODOS Transpessoal “ nós, no estado perfeito do (Translúcido) UM 35 A obra poética em si ... do mais profundo de (todos) nós é o título que encabeça a obra poética e filosófica de Joaquim Alice, cujos poemas

A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escrita foram criados nos Açores, de 2002 a 2018. Os que constam desta coleção de oito volumes foram selecionados pelo seu conteúdo humanístico para uma edição a ser publicada no Brasil e, consequentemente, oferecida aos leitores brasileiros, portugueses e demais falantes lusófonos. Assim, conforme já explicado, os poemas, seguindo a orientação holística do sistema de chacras, foram agrupados em oito categorias, cada uma delas constituindo um volume, como segue.32 Numerados de Um a Oito, todos com títulos específicos e outras identificações, os livros mantêm uma estrutura interna que centraliza todos os pontos da interconexão metafórica do corpo textual (o conjunto de poemas) e a imagem interpretativa do corpo da escrita no seu nível de significado literário: um corpo antropomorfo,33 com suas relações e combinações energéticas formadoras dos corpos densos e sutis do ser humano na sua completude (do chacra básico ao da coroa, mais o transcendental). O registro escrito do conjunto da obra de Joaquim Alice segue o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990),34 vigente no Brasil, respeitadas as formas de sintaxe da língua portuguesa de expressão açoriana, algumas vezes realizadas conforme variantes da linguagem oral coloquial. Muitos termos e frases se diferenciam das palavras e expressões 32 O presente volume introdutório, que faz parte da coleção como o Livro ZERO, por ser inteiramente de minha autoria, está excluído a relação. “ 33 Diz-se daquilo que apresenta uma aparência idêntica ou parecida com a do ser humano; com aspecto idêntico ao do ser humano, ao da espécie humana. 36 Disponível em: https://www.lexico.pt/antropomorfo/; https://www.dicio.com. br/antropomorfo/. Acesso em: 12 maio 2018. 34 O acordo de padronização da ortografia da língua portuguesa foi assinado em 1990 entre Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). No Brasil, sua vigência obrigatória está valendo desde janeiro de 2016.

da língua portuguesa falada no Brasil. Por isso, em nota Vilca Marlene Merízio de rodapé, há definições de termos e expressões de línguas estrangeiras e de outros de origem portuguesa cujo significado “ não é usado, ou até mesmo, desconhecido em Santa Catarina. A pesquisa sobre os significados realizou-se em dicionários 37 eletrônicos do Brasil e de Portugal.35 De forma geral, tentei ser fiel à escrita dos poemas que recebi da parte do autor. Paradoxalmente simples e complexo, ... do mais profundo de (todos) nós é o congraçamento do esforço lírico de quem nasce poeta. E filósofo. Joaquim Alice produz seus poemas de um fôlego só, numa única inspiração. E nascem perfeitos, sem precisar de ajustes, retoques, acréscimos ou exclusões. Nascem como são para ser: uns breves, sucintos; outros bastante longos, narrativos. Escritos em qualquer local e a qualquer hora, em papéis diversos, e sempre à mão, os originais datados pelo autor desta coleção são cuidadosamente guardados, em sequência cronológica, em arquivos especiais. São muitas, centenas... dos quais guardo grande número de cópias. A sintaxe36 utilizada pelo poeta, isto é, a disposição das palavras enquanto elementos da frase, de ordem e de relação, em alguns aspectos e, em alguns casos, diferencia-se da que usamos no Brasil, principalmente aqui no sul. Não é somente o sotaque; a disposição mental dos falantes e a estrutura frasal, tanto na escrita quanto na fala, sugere-nos atenção especial ao conteúdo expresso. Na verdade, é quase uma outra língua falada, mesmo provindo, ambas as expressões linguísticas, das mesmas fontes que deram origem à nossa Língua Portuguesa. Portanto, os poemas de Joaquim Alice, principalmente pelos leitores brasileiros, são para serem lidos devagar, muito devagarzinho, tão lentamente que se possa entrar 35 Houaiss, Priberam e outros. 36 ...“componente do sistema linguístico que determina as relações formais que interligam os constituintes da sentença, atribuindo-lhe uma estrutura” (Houaiss).

em cada palavra, em cada frase, em cada silêncio, em cada respiração contida, em cada pulsação do que se pressente como manifestação poética do filósofo em forma de canção sussurrada, do dizer ao pé do ouvido, ou de mansamente ser dito olhos nos olhos, mãos seguras pelo aconchego de outras mãos, pela alegria do sorriso aberto, nascido do mais profundo de um coração cheio de entusiasmo pela vida e mantido constantemente pela alegria do amor. Sim, na obra de Joaquim Alice, abundam silêncios de onde jorram ternura; mas outros há que contêm o grito da alma em crise, que cala a dor na intenção de que ela se transforme em apaziguadora esperança na resolução dos conflitos. São silêncios humanos à espera de que o outro, um seu semelhante, A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escrita os consiga captar na dimensão do seu acolhimento e compreensão. Por conseguinte, e porque existem variantes na forma de algumas locuções linguísticas, há necessidade de esforço de entendimento dos leitores, principalmente dos catarinenses, até se habituarem com a fluidez do conteúdo. Verão que as imagens são simples e adaptadas aos nossos dias, tiradas de ambientes naturais universais. O tom é coloquial. E se a obra está comprometida com a verdade do autor, é na posição crítica do leitor que ela se realiza. Na verdade, o conteúdo constitui- se de testemunhos vivos num plano onde o sofrimento pode estar presente, mas o movimento para sair dele traduz uma conquista, cuja vitória só é capaz de alcançar aquele que se aventura pelos caminhos internos da sua própria via crucis “ (dentro de si mesmo). Em toda a obra, deparamo-nos com sinais disfarçados em 38 narrativas poéticas que nos levam a retornar a atenção para o cuidado que a nós mesmos devemos ter. E isso não caracteriza egoísmo; pelo contrário, é a forma de assumirmos o que o autor descobriu antes e que escolheu (quiçá inconscientemente)

como instrumento para nos conduzir ao caminho que poderá Vilca Marlene Merízio nos ajudar a criar a coragem de sermos felizes, mesmo que tenhamos de, trabalhando muito para isso, fazer parar a roda “ insana da vida que tende, às vezes involuntariamente, para a rememoração triste dos acontecimentos que ainda nos 39 prendem ao passado, ao isolamento e ao medo. Fazer essa roda da fortuna girar na direção da esperança, do esquecimento e do perdão, pelo dínamo do altruísmo e da perseverança, parece ser o ato mais prudente que poderemos realizar se quisermos ter sucesso na identificação e na obtenção de nossos desejos e metas. Melhor ainda, se estivermos alicerçados no companheirismo, no compartilhamento do que é bom e no bom humor, práticas das quais, quase sempre, fugimos, por comodismo e aceitação cega ao status quo; essa visão é uma das que resulta da leitura dos poemas do poeta açoriano, nosso contemporâneo, Joaquim Alice. Lembra o autor, pelas lições que traz, que, quando o apego às lembranças negativas e às coisas materiais se agiganta, é o momento de a nós mesmos dar ouvidos. Sofrimentos, aflições, tristezas e doenças são passíveis de acontecer a todos os humanos. Mantermo-nos neles e nelas é que é o problema. Com disposição para o autoperdão e a criação de possibilidades outras abertas ao diálogo, diz-nos o poeta, criamos, socialmente, dispositivos capazes de nos favorecer no sentido da comunhão de interesses e prazer compartilhado. É mais fácil contribuir para a paz por meio de práticas que nos despertem para uma vida menos complicada, onde o fazer e o ser seguem os preceitos da simplicidade (voluntária). Para o desabrochar de uma vida compartilhada em felicidade, devemos considerar o outro com todos os seus atributos e capacidades, deixando-o agigantar-se diante de nós para que possamos também radiografar as suas necessidades. Ao detectá-las, indicá-las humanamente sob a forma de

A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escritapossibilidades na solução do que nem sempre é percebido pelo próprio que as sofre. Em outras palavras, cabe a cada um de nós ajudar o outro a se autoconhecer, a cuidar de si mesmo, a abrir coração e mente à luz cósmica. É isso que Joaquim Alice, no meu entendimento, provoca nos leitores. Seus poemas são ensinamentos que falam à nossa alma, como maneira amorosa de revelar, para além dos reflexos de um espelho, a profundidade do que somos, a distância que estamos de nós mesmos, ou ainda das mil virtudes que poderíamos cultivar no jardim do espírito. E isso quem aponta é Joaquim Alice, o filósofo que nos apanha pela poesia. A voz lírica do caçador-solitário em busca da perfeição à semelhança da prática da arte do tiro ao arco Sente-se que, em grande proporção, muitos seres humanos estão paralisados pela aniquilação do que para eles já teve sentido. As perdas econômicas e a caída do status social já alcançado, causadas pela depauperização a que os sistemas políticos levaram a sociedade, pelo menos nesta última década, prenderam o indivíduo na malha da globalização, isto é, no sofisma de que a individualização é menos importante do que a coletividade. E quando o espírito não é forte, torna-se difícil quebrar o encanto. Só a sensibilidade dos que ainda se consideram merecedores de estima, principalmente da autoestima, provoca, então, mudança “ no seu modo de agir e de pensar. E levar os leitores a essa 40 constatação fazem de Joaquim Alice o poeta de excelência neste final de década, quando busca a criação de momentos em que seja possível a inauguração de um tempo de tranquilidade, de um lampejo em que o leitor perceba que o que se quer é muito mais do que a paz aparente dos cemitérios.

A verdadeira tranquilidade provinda do silêncio interior Vilca Marlene Merízio é espelho da vida em sua forma absoluta – interna e externa – resultante do esforço próprio de cada um. Se as religiões “ apontam caminhos que levam a esse fim, as pessoas mais sensíveis vão além, numa busca própria da harmonia natural 41 da vida que leva ao encontro do Grande Espírito, estado único da Perfeição. Assim, em silêncio e quietude, mas também em estado permanente de dinâmica atitude voltada para o bem, sintamos os poemas de Joaquim Alice e reverberemos com ele na imensidão do UM Cósmico. Contudo, antes disso, é imprescindível lembrar a natureza da arte do Tiro ao Arco, exercício tão caro ao nosso Joaquim Alice, conforme ele deixa transparecer nestas centenas de páginas poéticas. Diferentemente do que a sociedade capitalista ensinou, Hoje se vive mais a cultura do ser do que a do ter. E poucos fazem do “fazer bem’, com consciência, o ideal de suas vidas. Querer uma obra bem feita exige algumas premissas no seu planejamento. Se estamos mais interessados no produto sem levarmos em conta seu processo criativo, corremos o risco de estagnar, de ficarmos pelo caminho. E se ficamos presos na inanição, não haverá progresso, evolução. É natural haver uma tensão entre o sujeito que deseja alcançar uma meta definida e o objeto que, a princípio, nega- se a ser apanhado. É quando trabalhamos sem objetivos, simplesmente para ocupar o tempo; essa tensão/desatenção impede a harmonia do processo. Para atingir a perfeição técnica de acertar no alvo, a prática pela repetição deve ser prazerosa. A tensão da obrigação de acertar deve ser substituída por um trabalho consciente de libertação até a satisfação que o fazer e o feito encontre unissonância. Assim, depois da tensão eliminada, a perfeição técnica é fruto do esforço pessoal. Enquanto houver desejo mecânico, unicamente pelo desejo de

A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escritaacertar, sem consciência do ato em si, não ocorre unissonância; ela acontece somente quando o sujeito se integra no objeto do seu querer. Só a pessoa com a mente voltada para a realização pode sentir o significado e a gratificação resultantes desse querer sem tensão: A perfeição é um caminho ... a percorrer (nunca um destino). Senão... nem chegas a pôr-te a caminho ... com receio ... de o falhares (como se fora algo de estático e material... que pudesses agarrar!). Só após a conclusão da “cestinha-e-do-ovo”, poderias aspirar a melhorar o trabalho, ou a partir para outro... munida, já, com a experiência no primeiro obtida. Caso contrário... é só “imaginação-em-círculo-vicioso”, “imaginação-no-vazio”. Sem chegar... sequer... à ação, fica muito embaraçoso... ... perfeita desilusão!!! Contenta-te com a “IMPERFEIÇÃO-DO-MOMENTO”, sabendo que, assim, percorres passo a passo... mas segura... ... a via da perfeição...37 “ 42 37 A PERFEIÇÃO DO IMPERFEITO (Livro OITO). [...] a verdadeira unissonância depende de a atividade ser levada a cabo sem a participação do ego. É a marca da profundidade inerente a toda a existência individual, na qual todo o processo natural é parte da Unidade Maior da Vida. Inicialmente, o homem atua com o ego; mas, ao desenvolver-se além dos limites que isso lhe impõe, capacita-se para alcançar o gozo da harmonia cósmica e experimentar, num plano mais alto, a Grande Unidade, a qual, até então, forçosamente estava oculta para ele.

A perfeição só pode ser alcançada quando o praticante Vilca Marlene Merízio morrer para si mesmo e se tornar um “órgão da vida”, isento de ego e imerso no Todo. A partir daí, manifesta-se na linguagem da imagem que a representa. Todas as coisas resultantes de um exercício repetido até a perfeição são fundamentalmente semelhantes porque todas partem da interiorização do indivíduo: a imobilidade corporal, a respiração, o concentrar-se no centro de ser,38 tudo para alcançar harmonia e tranquilidade mediante a supressão de tensões e de espaços diferenciais entre sujeito e objeto. No que se refere à Arte do Tiro com Arco,39 um dos aspectos mais significativos na sua prática é a isenção de qualquer propósito utilitário e de fruição estética. É simplesmente um exercício de consciência. Assim, não se pratica o tiro com arco com o mero intuito de acertar no alvo, bem como não se maneja a espada com o fim de vencer o adversário, nem a dança do bailarino sustenta-se no movimento rítmico; acima, e antes de tudo, nesses exercícios, pretende-se harmonizar o consciente com o inconsciente. No caso do tiro com arco, o arqueiro aponta para si mesmo e, como resultado, acerta nele próprio, isto é, provoca um autoencontro, sendo o alvo de si mesmo. Os conhecimentos técnicos dessa arte e de outras, tal como a Poesia, não são suficientes para tornar o praticante um Mestre. É preciso transcender a técnica, “para que o virtuosismo se 38 “O substrato que permanece quando nenhum sentimento se manifesta, o que “ – por assim dizer – perdura num estado transcendente ou supraconsciente, é o ser”. Citado por Jung e Wilhelm, in op. cit., p. 93. 43 39 “A arte do tiro é vista como herança do passado, não um desporto, mas uma prática ritual destinada a treinar a capacidade que tem suas raízes e objetivos num encontro espiritual: o arqueiro aponta para si mesmo e a ele mesmo se encontra. HERRIGEL, Eugen. Zen e a Arte do Tiro com Arco. Lisboa: Assírio & Alvim, 1997, p. 11-12.

A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escrita converta numa ‘arte sem artifício’, que brota do inconsciente”.40 É como Joaquim Alice admite neste poema: “Fusão”: Embrenho-me nelas, entro a fundo ... a minha intenção é (nelas) viajar ... até aos (seus) ... “nós-por-desatar” e, uma vez aí chegado ... paro, fico atento, calado (em máximo alerta e respeito) ouço, escuto com atenção, observo como se move, até descobrir como pode desatar o coração. Libertar-se ... ... coisa boa, limpa, lavada, polida, brilha intensa ... diamante com vibração desimpedida agora, ... até palpita, rejubila, dá luz, ilumina, seus olhos tornam-se claros, clara fica a sua mente e é ... como se sente ... A tristeza do não-ser passa a clareza e destreza de SER. “ A aflição e o pudor se transformam na fornalha 44 e a fusão nesse calor permite verter-se nos moldes da coragem e do amor. 40 SUSUKI, Daisetz, na “Introdução” de Zen e a Arte do Tiro com Arco, op. cit. p. 7.

Se, para o poeta, a Fusão acontece entre o observador Vilca Marlene Merízio e a alma observada, permitindo que os dois tornem-se um só – no não-ser, o SER, no que diz respeito ao tiro com arco, “ também atirador e alvo deixam de ser duas entidades opostas, para se unirem numa única realidade. O arqueiro já não tem 45 mais consciência de si como de alguém frente ao alvo: ele é o atirador e o próprio alvo. Liberto totalmente do seu ego, ele passa para um estado de não-consciência, exatamente quando funde ação à perfeição da perícia técnica. Esse momento é conhecido como sartori (“O que está para além da fronteira do ego”), que pode ser entendido como sabedoria transcendental. Como não há exatamente em português palavra que expresse esse fenômeno, pode-se tentar compreendê-lo como o instante em que a totalidade se funde simultaneamente com a individualidade de todas as coisas. Do ponto de vista lógico, seria a percepção da síntese ocorrida entre a afirmação e a negação, ou, ainda, em “termos metafísicos, é a apreensão intuitiva de que Ser é Devir e Devir é Ser”.41 Exatamente como Joaquim Alice nos diz em “Viagem/Caminho”: Integração é total/ MAJESTOSA .../ é coragem abrangente nada se faça sem a mente morna/ fria ou quente/ ardente.../ faz-se de novas ... e sente. // E tudo é matéria-prima/ p’ra transpores a torrente.// Uma vez na outra margem, /ainda a secares... na aragem/ revês (então) o processo/ e sabes que ... tudo-está-em-ti como o “ti”-em-tudo .// Queda-te... silencioso... //MUDO. Do confronto do arqueiro consigo mesmo espera-se um resultado positivo, mas esse resultado só vem quando a intenção está livre de ideias preconcebidas. Os mestres 41 O mesmo que dizer: “o Zero é o Infinito – e o Infinito é Zero”. HERRIGEL, E. Introdução, op. cit. p. 8.

A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escrita orientais explicam que o arqueiro é, ao mesmo tempo, o que alveja e o alvo, o que atinge e é atingido: mesmo na ação, ele se torna um centro imóvel. Nesse ponto, tudo muda e transcende: o tiro deixa de ser tiro e a arte deixa de ser arte, pois o objetivo interno prescinde do arco e da flecha. O professor volta a ser aluno e o mestre torna-se aprendiz: o fim torna-se o princípio perfeito. Tal filosofia japonesa, se para nós é complicada e desconcertante, aos orientais permite ascender a uma compreensão mais profunda de si mesmo, que não pode ser formulada pela razão;42 é um mergulho místico,43 um encontro com o amor, no seu aspecto divino: Se consigo por momentos ser tu... Ao amor se deve: breve, leve ... mas infinito Amor consciente, o olhar no outro, de quem quer ver a mão estendida, e o “atirador”, sem fazer qualquer força, age de maneira a que a força do adversário atue a seu favor. O arquétipo que representa essa função é a água dos sentimentos “que se esquiva sem nunca ceder”; ou como diz Lao Tse: “a água que nada recusando, a tudo se ajusta”. E, então, é chegada a hora do tiro ser disparado com toda a suavidade: relaxamento, libertação do ego, amplidão espiritual e precisão. Em outras palavras: ceder sem nenhuma resistência.44 Na poesia de Joaquim Alice, o exemplo da capacidade de se integrar no acontecer, esquecido de si para que o outro se “ 42 Como escreve H. Herrigel, esse objetivo é interior, está em nós próprios. Arco e seta são [...] apenas um pretexto para uma busca que os poderia dispensar, um 46 caminho possível para um objectivo, que não é o próprio objectivo [...]. Ibidem, p. 15. 43 Idem, ibidem, p. 21. 44 E então, tudo estará feito mesmo antes de o arqueiro saber. E continua H. Herrigel: É antes de todo o fazer e realizar, antes de todo o entregar-se e integrar- se que esta presença de espírito é convocada e assegurada [...].

descubra e tenha mais vida, sem qualquer necessidade de outra Vilca Marlene Merízio persuasão que não a do próprio amor que, esquecendo-se de si, tudo dá: “ Nada sou, no fundo, 47 Bem gostaria de ser remédio... Para (te) saciar, Para (te) curar. Mas nada sou, no fundo... Apenas vibração... É um ritual poético. O arqueiro e o artista sabem da necessidade de sintonização que deve haver na hora em que se defrontam consigo mesmo e, por extensão, com o outro. Só no momento em que se fundem completamente é possível o ato da criação; nesse momento se tem a certeza de que o Ego está morto, abrindo a possibilidade para a comunhão de espíritos. É como se uma vela acesa acendesse outra vela, como se um coração batesse em uníssono com outro coração para que ambos se iluminassem e a um fosse possível ver o outro. No tiro com arco, o arqueiro tem de estar desprendido de si mesmo. A tensão só existe até o tiro partir. Ele então se solta, desprende-se do arqueiro como “a neve acumulada na folha de bambu”, antes mesmo que ele se dê conta disso. Por isso, o resultado não depende do arco, mas do espírito, da vivacidade e da atenção com que ele é manejado. E o arqueiro atinge o alvo sem ter feito pontaria. Nesse duelo amoroso, qual um mestre que, livre de tensão, ensina a arte do tiro ao arco ao aprendiz, o poeta ainda clama: “O teu nascimento/ depende da tua libertação”. Assim, na Poesia, o tiro de Cupido não tenciona derrotar ou vencer o adversário, mas, acima de tudo, forjar o próprio espírito: “aquilo que meu adversário é depende do grau de perfeição de meu próprio espírito: só através disso é que uma

A poética do silêncio: um corpo antropomorfo de escritapessoa determina o que é seu adversário”.45 O homem que entra na posse da “verdadeira e maravilhosa espada adquire o poder de restaurar e tirar a vida”. Também aquele que gira na ciranda do amor ou que tenta acertar no alvo do seu próprio coração é mestre de si mesmo. “O mestre brinca com o adversário, deixando-o pôr em ação o seu plano de ataque, observando-o, calmamente, sem matá-lo; assim ele faz com que o outro reaja. Fica, então, o mestre, livre para matar ou dar a vida, à sua escolha”. Afinal, não é a espada que mata, mas o homem que a empunha. Dou o salto no escuro, No desconhecido E, confiante, Consigo cravar! Apenas guiado por intuição, Arrisco tudo E, assim, consigo criar! E só pode agir dessa forma quem está livre do desejo da posse e da vitória: Amo-te a ti/ Que nem sabes ser quem és... Amo, declara o poeta-caçador solitário, A todos os que se buscam Confusos, Desorientados, Feridos, magoados, Mas persistentes, Confiantes num futuro, Que apesar de “sem-rosto”, “ Se adivinha 48 E alimenta a enorme esperança Ao virar de cada esquina. 45 Dürckheim, K. G.von. op. cit. p. 64.


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