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Etnografia

Published by Paroberto, 2021-01-15 21:47:33

Description: Etnografia

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Etnografia, fotografia e memórias quilombolasMorro do Cambambi Sonia Regina lourenço Abenizia Auxiliadora Barros COLEÇÃO DIDÁTICA ARTE INSTITUTO BRASIL PLURAL & LIVROS



Etnografia, fotografia e memórias quilombolas

COMITÊ EDITORIAL DA COLEÇÃO DIDÁTICA Vânia Zikán Cardoso (Coordenadora da Coleção) Alicia Castells Esther Jean Langdon Márcia Grisotti COMITÊ GESTOR DO INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISA BRASIL PLURAL Esther Jean Langdon (UFSC) – (Coordenadora) Sônia Weidner Maluf (UFSC) – (Coordenadora Executiva) Deise Lucy Montardo (UFAM) Eliana Elisabeth Diehl (UFSC) Vânia Zikán Cardoso (UFSC) 2020 Editora Arte & Livros Rua João Meirelles, 1213 - Apto. 107, Torre C - Abraão | Florianópolis-SC CEP 88025-201

Sonia Regina Lourenço Abenizia Auxiliadora Barros Etnografia, fotografia e memórias quilombolas ARTE & LIVROS 2020

Copyright © 2020 Sonia Regina Lourenço | Abenizia Auxiliadora Barros Projeto gráfico, capa e editoração: Paulo Roberto da Silva Pesquisa, texto e fotografias: Sonia Regina Lourenço Revisão: Maria Isabel de Castro Lima Ficha catalográfica L892e Lourenço, Sonia Regina Etnografia, fotografia e memórias quilombolas [Recurso eletrônico on-line] / Sonia Regina Lourenço, Abenizia Auxiliadora Barros. 1. ed. – Florianópolis : Arte & Livros, 2020. 104 p. : il. : tabs. , fotos. Mapas ; 21 x 29 cm (Didática : Insti- tuto Brasil Plural) ISBN 978-65-88719-12-1 (e-book) Inclui referências 1. Etnologia. 2. Africanos – História – Mato Grosso. 3. Comu- nidades Quilombolas – Aspectos antropológicos. 4. Festas folclóricas. 5. Fotografia. 6. Memória. I. Barros, Abenizia Auxiliadora. II. Título. CDU: 391/397 Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, arquivada ou transmitida por qualquer meio ou forma sem prévia permissão por escrito do Instituto Brasil Plural.

Sumário Apresentação | Etnografia, fotografia e memórias quilombolas............................................................ 7 Africanos e quilombolas no Estado de Mato Grosso, Brasil.............8 Africanos(as) em Mato Grosso............................................................... 15 Onde estão localizadas as comunidades quilombolas no estado de Mato Grosso?.........................................................................23 A cozinha e o quintal.............................................................................. 29 O quilombo na cidade.............................................................................32 Comida de santo é comida de gente!..................................................37 Festas de santo....................................................................................... 38 Plantas e benzeções............................................................................... 40 História e Memória Quilombola .......................................................... 54 Territórios Negros, festas de santo e congadas em Vila Bela da Santíssima Trindade...........................................................................73 Maxixe, lundu e ritmos negros: dança dos mascarados em Poconé........................................................................................................78 Referências............................................................................................... 93 Ficha técnica............................................................................................ 96



Apresentação Etnografia, fotografia e memórias quilombolas Estas ações entre a Universidade e os coletivos quilombolas propiciaram a construção de políticas públicas de inclusão étnico-racial, como o Programa de Inclusão de Estudantes Quilombolas (PROINQ), o reconhecimento e divulgação da diversidade cultural de sujeitos como os coletivos quilombolas no processo de formação histórica e cultural de diversos municípios, regiões e cidades do estado de Mato Grosso e do Brasil. As pesquisas e ações de extensão foram realizadas nos quilombos de Lagoinha de Cima, Morro do Cambambi e Ribeirão Itambé, de Chapada dos Guimarães, Poconé e Vila Bela da Santíssima Trindade. O livro digital é uma forma de salvaguardar a produção de conhecimento e a memória visual, cultural e étnica – constituída de imagens, cenários, objetos, paisagens e pessoas – dos coletivos afro-quilombolas em Mato Grosso. São fotografias e narrativas de momentos etnográficos que procuramos registrar no projeto Etnografia, fotografia e memórias quilombolas – Projeto de extensão “Territórios Negros – Quilombos em Chapada dos Guimarães – Programa de Apoio à Cultura, Esporte e Vivência Universitária/PROCEV/UFMT”. O projeto visa, sobretudo, promover a transferência de conhecimento antropológico e do acervo fotográfico produzido durante as atividades de pesquisa e extensão nos últimos sete anos para as comunidades negras e quilombolas no estado de Mato Grosso: 1) Territórios Negros – Quilombos em Chapada dos Guimarães Sonia Regina Lourenço | Abenizia Auxiliadora Barros 7

– Laudos Antropológicos” (2018-2020); 2) Cosmopolíticas Quilombolas: a relação afroindígena, a terra e os territórios, aprovado no Edital Universal MCTI/CNPq no 28/2018. Vigência: 2019-2020. Registro PROPEq 124/201; 3) Cosmopolíticas, territórios, memórias e performances de comunidades negras de Chapada dos Guimarães (MT). Registro PROPEq 168/2015-2017; 4) Para uma antropologia da performance ritual: a dança dos mascarados de Poconé– MT. Edital Universal CNPq, 2014. Registro PROPEq 105/2015-2018; 5) Comida de quilombo no Brasil: saberes, práticas alimentares e experiências em contextos do Sul, Centro-Oeste e Norte (UFPA/UFMT), CNPq). Período: 01/10/2016-Final: 05/05/2020; 6) Projeto de extensão Patrimônio cultural quilombola de Mato Grosso: territórios, memórias e performances de comunidades negras (2015); 7) Projeto de extensão Patrimônio cultural quilombola de Mato Grosso: territórios e memórias de comunidades negras (2016); 8) Patrimônio cultural e saberes tradicionais quilombolas de Chapada dos Guimarães (MT). Edital PROEXT/MEC 2013-2014. Africanos e quilombolas no Estado de Mato Grosso, Brasil A ideia de territórios negros remete à existência de quilombos em toda a extensão do estado de Mato Grosso ao longo do processo histórico do século XVII ao século XX, estruturado na lógica do sistema escravista que buscou aprisionar, exterminar e controlar a população indígena e a população africana transformadas em mão de obra escrava. A região da Amazônia recebeu a metade de africanos das grandes rotas do atlântico negro. Essa população era forçada ao trabalho nas fazendas de cana-de-açúcar e café na Bahia, Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro, e na mineração de ouro e diamantes em Mato Grosso, Goiás, Paraná e Minas Gerais. A presença de escravos em Chapada dos Guimarães está conectada com o sistema de escravização de africanos que perdurou aproximadamente 350 anos, deslocando mais de 12,5 milhões de pessoas. Os mapas, alguns reproduzidos abaixo, sintetizam e ilustram as rotas usadas pelos navios, portos e lugares de comércio e troca de pessoas. Só o Caribe e a América do Sul receberam 95% dos africanos que chegaram às Américas, e 4% desembarcaram na América do Norte e cerca de 10 mil na Europa. Os portos brasileiros da Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco, assim como a região da Amazônia, receberam a metade de africanos que desembarcaram nas Américas. Os africanos eram forçados ao trabalho nas fazendas de cana- 8 Etnografia, fotografia e momórias quilombolas

de-açúcar e café na Bahia, Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro, e na mineração de ouro e diamantes em Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais. Vale destacar o trabalho nos portos do sul do Brasil, nas fazendas e criação de gado como em Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. Além do trabalho nas zonas rurais, trabalhavam nos serviços domésticos, no comércio das ruas e nas atividades de ofício como alfaiates, ferreiros, marceneiros, em obras públicas, entre outros ofícios nas zonas urbanas. O Brasil foi um epicentro das rotas de comércio, troca, embarque e desembarque de africanos para as regiões internas do país e para outros países como Argentina, Uruguai, Lisboa e outros países da Europa. Tabela 1. Comércio Transatlântico de Escravos – Base de Dados Faixa de Mainland Spanish ano Europe North Caribbean Mainland Brazil Africa Other Totais 0 0 1.307 America Americas 1501-1525 624 0 683 0 0 1526-1550 0 0 6.810 14.926 0 0 1.516 23.252 1551-1575 0 0 9.998 35.841 388 0 0 46.227 1576-1600 266 0 19.888 159.811 597 399 36.225 217.186 1601-1625 449 0 15.759 196.979 1.670 0 10.706 225.563 1626-1650 0 0 12.453 104.260 38.779 240 7.382 163.114 1651-1675 1.306 1.675 123.835 24.100 8.199 3.595 5.883 168.593 1676-1700 1.116 10.474 327.414 17.248 82.202 207 8.122 446.783 1701-1725 377 39.729 480.938 40.654 237.067 1.063 16.792 816.620 1726-1750 3.962 98.682 684.317 15.792 420.804 589 40.977 1.265.123 1751-1775 1.151 122.638 1.117.699 2.589 351.687 1.403 26.111 1.623.278 1776-1800 18 23.829 1.158.551 12.993 454.392 2.095 12.579 1.664.457 1801-1825 0 65.582 546.556 28.930 1.037.451 34.933 20.941 1.734.393 1826-1850 0 585 363.893 3.849 876.467 105.289 15.256 1.365.339 1851-1875 0 2.409 190.555 0 9.798 19.186 0 221.948 Sonia Regina Lourenço | Abenizia Auxiliadora Barros 9

Mapa 1: Rota dos africanos para as Américas Fonte: https://www.slavevoyages.org. ELTIS, David; RICHARDSON, David. Atlas of the Transatlantic Slave Trade (The Lewis Walpole Series in Eighteenth-Century Culture and History) (p. iv). Yale University Press. Edição digital, 2010. p. 4. 10 Etnografia, fotografia e momórias quilombolas

Mapa 2: Rota dos africanos para as Américas Fonte: https://www.slavevoyages.org. ELTIS, David; RICHARDSON, David. Atlas of the Transatlantic Slave Trade (The Lewis Walpole Series in Eighteenth-Century Culture and History) (p. iv). Yale University Press. Edição digital, 2010. p. 5. Sonia Regina Lourenço | Abenizia Auxiliadora Barros 11

Os dados da Tabela 02 e 03 indicam a cifra de 3.184.209 africanos que desembarcaram no Brasil, de um total de 3.537.010 que embarcaram em África. Destes, a Bahia recebeu de 1576-1600 até 1866, 1.550.355 africanos. A Bahia fornecia grande número de escravos para as regiões de Goiás e Mato Grosso. Para Florentino et al. (2004, p. 91), O fato de que parte dos cativos remetidos de Salvador para Minas Gerais acabassem nas vilas, fazendas e veios de Goiás e Mato Grosso, onde entre fins do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX os escravos provenientes da África Ocidental eram maioria entre os africanos. Tabela 2: Regiões de desembarque de africanos no Brasil Continente Caribe Continente África Outros Totais Período Europa América do América Brasil Norte Espanhola 1514-1525 464 251 715 1526-1550 987 268 856 2,111 1551-1575 1.064 1,665 332 300 3,361 1576-1600 188 2.459 37.819 823 168 12.098 53.555 1601-1625 85 6.056 79.513 1.037 5.908 92.599 1626-1650 100 8.655 39.958 33.408 155 2.964 85.240 1651-1675 2.813 1.695 97.965 17.962 5.845 502 1,488 128.270 1676-1700 1.262 8.284 254.109 10.498 70.015 190 344.358 1701-1725 238 31.878 379.839 29.996 212.417 5 654.373 1726-1750 3.238 83.019 574.702 13.576 373.614 269 805 654.373 1751-1775 1.024 103.699 954.571 1.573 322.801 951 864 1.385.483 1776-1800 15 20.174 1.038.908 9.409 417.066 1,433 1,064 1.488.069 1801-1825 56.103 446.025 22.059 943.437 28,857 567 1.497.048 1826-1850 526 321.142 3.540 795.514 95.055 1.215.777 1851-1866 1.844 158.688 16.578 185.010 Totais 9.327 307.322 4.245.421 267.836 3.184.209 144.163 26.914 8.185.192 Fonte: www.slavevoyages.org/tast/database/search.faces 12 Etnografia, fotografia e momórias quilombolas

No Rio de Janeiro, estima-se algo em torno de 1.262.000 africanos para o período de 1700 a 1830. Em Pernambuco, desembarcou, de 1551-1575 até 1866, um total de 853.833. Na região Amazônica, os números indicam o desembarque de 142.231 de 1676 a 1866 (Florentino et al. 2004, p. 91). Os dados do IBGE disponíveis em 2000, por sua vez, estimam que entre o século XVII e XIX, o desembarque de africanos com procedência da Costa do Marfim e Angola alcançou um total de 1.891.400 pessoas. Mas, se observarmos os dados atualizados que remontam desde o século XVI, conforme as tabelas disponíveis no Transatlantic Slave Trade Database, a soma de africanos que desembarcaram no Brasil é quase a metade dos 11 milhões de escravos desembarcados nas Américas. Tabela 3: Estimativa de desembarque de africanos no Brasil Procedência | Angola Costa do Marfim Total Período 1701-1710 70000 83700 153700 1711-1720 55300 83700 139000 1721-1730 67100 79200 146300 1731-1740 109300 56800 166100 1741-1750 130100 55000 185100 1751-1760 123500 45900 169400 1761-1770 125900 38700 164600 1771-1780 131500 29800 161300 1781-1790 153900 24200 178100 1791-1800 16800 53600 221600 1801-1810 151300 54900 206200 Fonte: Brasil 500 anos, IBGE, Rio de Janeiro, 2000. No século XVII, a Bahia recebia africanos do Golfo de Benin, região sudoeste da Nigéria. Os africanos que desembarcaram no Brasil pertenciam a outras etnias como as etnias nagôs, jejes, haussás, benguelas, entre outras. Segundo os dados do IBGE (2000), um grande contingente de africanos era originário da África Ocidental, região atual de Angola. No século XVIII, os Sonia Regina Lourenço | Abenizia Auxiliadora Barros 13

estados do Rio de Janeiro, Recife e São Paulo recebiam a população negra da costa leste africana, particularmente de Moçambique. Na Tabela 4, os dados do IBGE indicam as parcelas da população brasileira segundo a cor entre 1872 e 1991. Na segunda metade do século XIX, a população considerada “preta” alcançava a cifra de 1.954.452 de pessoas, 4.188.737 de pessoas pardas e 3.787.289 de pessoas brancas. Certamente o número de pardos era mais expressivo do que o número de pretos e brancos devido à presença dos povos ameríndios. Os contatos interétnicos entre brancos e ameríndios ou entre negros e ameríndios culminaram em alianças, casamentos, misturas e enfrentamentos, aumentando, assim, nos censos populacionais no Brasil, a expressividade da cor parda como categoria classificatória. Não obstante, pretos e pardos, juntos, aparecem, sempre, excedendo a população branca desde o século XIX. Tabela 4: Evolução da população brasileira segundo a cor de 1872-1991 Cor/ano 1872 1890 1940 1950 1960 1980 1991 Brancos 3.787.289 6.302.198 26.171.778 32.027.661 42.838.639 64.540.467 75.704.927 Pretos 1.954.452 2.097.426 6.035.869 5.692.657 6.116.848 7.046.906 7.335.136 Pardos 4.188.737 5.934.291 8.744.365 13.786.742 20.706.431 46.233.531 62.316.064 Amarelos 242.320 329.082 482.848 672.251 630.656 Sem declaração 41.983 108.255 46.604 517.897 534.878 Total 9.930.478 14.333.915 41.236.315 51.944.397 70.191.370 119.011.052 146.521.661 Fonte: Brasil 500 anos, IBGE, Rio de Janeiro, 2000. Para Manuela Carneiro da Cunha, “em todo o Brasil do século XIX, até a Abolição, a população negra e parda sempre excedeu a população branca” (2012, p. 35). A existência dos quilombos dos séculos XVIII e XIX inseridos no sistema da escravidão participaram ativamente como a principal força produtiva empregada nas lavouras e na mineração, nos engenhos e nos serviços domésticos (LEITE, 2000; HARTUNG, 2005; GOMES; REIS, 1996; GOMES, 2012, 2015). 14 Etnografia, fotografia e momórias quilombolas

Africanos(as) em Mato Grosso A criação da capitania de Mato Grosso, em 1748, se deu com a instituição de sua capital em Vila Bela da Santíssima Trindade, evento que marca a chegada dos primeiros africanos escravizados à região (BANDEIRA, 1988, p. 71-83; VOLPATO, 1993). No século XVIII, Cuiabá e Vila Bela receberam um contingente expressivo de africanos destinados a trabalhar nas minas de ouro e diamantes, especialmente com o estabelecimento da rota amazônica e as atividades da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão a partir de 1757. A rota comercial entre o rio Guaporé e o rio Madeira, encerrada em 1798, fez com que o tráfico de pessoas de várias regiões de África voltasse a ser feito por Cuiabá. Se muitos africanos tinham procedência de congo-benguela, haussá, nagô, uma parcela significativa de africanos de Vila Bela era oriunda de outras províncias como Bahia, Pernambuco, Minas Gerais e Paraná. No Paraná, tanto no litoral quanto no planalto, o trabalho na mineração em suas fases iniciais era feito por africanos, indígenas e descendentes de portugueses, mas logo, com a chegada do contingente africano, passa a ser trabalho da população africana a fase mais produtiva das faisqueiras e lavras (HARTUNG, 2005, p. 145-146). A decadência desta economia, já em fins do século XVII, fez com que o trabalho de exploração aurífera se voltasse para o trabalho agrícola de pequena produção. A política colonial, ao descobrir a existência de ouro nas terras da província de Mato Grosso e Minas Gerais, agravou ainda mais a economia do Paraná com a transferência de escravos para essas regiões. A população das minas de Mato Grosso era formada então por africanos procedentes de outras províncias do Brasil colonial e por aqueles trazidos pela Companhia do Grão-Pará. Esta companhia fazia o comércio de africanos escravizados, distribuindo-os para a cidade de Cuiabá e Vila Bela entre nas décadas de 1752 e 1778. A população africana, ao chegar à região, passava a trabalhar na mineração, agricultura, pecuária e obras públicas, como a construção de guarnições militares e edificações sede do governo provincial. A instabilidade econômica encontrada no Paraná com a escassez das lavras de ouro se faz presente também nas minas de Mato Grosso. Vila Bela foi uma região marcada por essa instabilidade, alcançando sua fase de decadência econômica da política colonial em 1835, quando é instituída a Lei nº 19 de 28 de agosto, formalizando Cuiabá como capital da Província de Mato Grosso. “Em mais de cem anos de existência instável, Vila Bela dos Brancos se sustentou à custa do trabalho, da vida e das mortes dos pretos escravos livres que para aí vieram” (BANDEIRA, 1988, p. 113). Sonia Regina Lourenço | Abenizia Auxiliadora Barros 15

Volpato (1993) situa o ano de 1719, a partir da descoberta de ouro nas margens do rio Coxipó, como marco espaço-temporal de ocupação e povoamento de Cuiabá, local de criação do primeiro núcleo populacional, o Arraial da Forquilha. Miguel Sutil é considerado como um dos primeiros que encontrou jazida de ouro nas imediações do córrego da Prainha, junto ao Morro do Rosário, transferindo para lá o povoamento da pequena vila (1993, p. 25-26). Se o século XVIII é considerado o marco histórico e social de criação da cidade de Cuiabá, não significa que havia um “vazio demográfico” no estado de Mato Grosso. Durante a sociedade colonial dominada pelo império português, a província de Mato Grosso já era habitada pelos povos indígenas, que hoje conta com aproximadamente 43 povos indígenas, entre eles, o povo Bororo, Umutina, Paresi, Xavante, Bakairi, Guató, Chiquitano, Karajá, Kayapó, e todos os povos do Alto, Médio e Baixo Xingu, contemporâneos da população de Cuiabá como outrora. O estado de Mato Grosso contava com aproximadamente 5.000 africanos em 1864, aumentando para 7.054 em 1874 e se manteve com 5.782 no ano de 1884, totalizando, na década de 1887, 3.233 pessoas, conforme os dados do IBGE sobre a população escrava no Brasil no século XIX, feito por regiões entre as décadas de 1864/1887. A população local de Cuiabá era composta por senhores de terras, lideranças políticas e militares, soldados, e majoritariamente pela população negra e indígena escravizada que circulava tanto pelas ruas da cidade transportando água, realizando vários serviços domésticos e comércio ambulante, no transporte de alimentos entre uma freguesia e outra, dando suporte às redes de comércio e a toda a cadeia produtiva da região. A pequena província de Cuiabá era constituída por irmandades associadas às Igrejas, como a Irmandade de São Benedito, pertencente aos negros, a igreja de Nossa Senhora do Bom Despacho, a igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, as freguesias urbanas como a de São Gonçalo, Nossa Senhora da Guia, Nossa Senhora do Livramento e Santana da Chapada dos Guimarães. Segundo Volpato (1993), “núcleos surgidos durante o século XVIII, em meados da centúria seguinte tinham suas vidas ligadas à pecuária e à agricultura e eram responsáveis pelo abastecimento de Cuiabá”. Tal como em outras cidades brasileiras, conforme mostrou Manuela Carneira da Cunha (2012) nos estados da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, o Código de Posturas do município de Cuiabá operava como um dispositivo de controle da população escravizada ou liberta como meio de evitar possíveis fugas e resistências de homens e mulheres negras. As propriedades rurais localizadas na serra de São Jerônimo, no atual município de Chapada dos Guimarães, também conhecida como Serra Acima, e nas cabeceiras do Pantanal de Mato Grosso, no atual município de Nossa Senhora do Livramento, foram concedidas aos senhores proprietários rurais pelo sistema de sesmaria, criado em Portugal durante o século XIV. A Lei das Sesmarias de 1374, implantada nas terras brasileiras sob 16 Etnografia, fotografia e momórias quilombolas

o domínio português, garantiu, assim, a instalação da plantation açucareira na colônia. Nas propriedades de Chapada dos Guimarães, a população escravizada trabalhava no plantio da cana-de-açúcar e nos engenhos de produção de açúcar produzindo rapadura e aguardente, criava gado e outros víveres, cultivava a terra plantando mandioca para a produção de farinha, milho, bananas, entre outros produtos. Em Vila Bela, as sesmarias foram destinadas à produção de aguardente e açúcar em plena vigência da Provisão Régia de 12/06/1743, que ordenava a destruição de todos os engenhos e proibia a fabricação de outros. Maria de Lourdes Bandeira menciona que “por volta de 1765, 13 engenhos de aguardente e 3 engenhos de cana-de-açúcar e rapadura operavam em Vila Bela, florescendo às margens do rio Guaporé, do Alegre, do Barbado” (1988, p. 106). A economia baseada na produção de engenhos também foi um marco na Freguesia de Santana. Para muitas pessoas das comunidades quilombolas contemporâneas de Lagoinha de Cima, Lagoinha de Baixo e Água Fria, especialmente as senhoras e senhores afrodescendentes mais idosos, com idades entre 80 e 99 anos, os engenhos, os locais de garimpo e as ruínas de troncos usados para o açoitamento de pessoas escravizadas ainda povoam a memória coletiva como lugares de trabalho dos “troncos velhos”, seus ancestrais. O trabalho que a população negra e indígena escravizada desenvolvia nas fazendas e engenhos dos municípios de Chapada dos Guimarães e Nossa Senhora do Livramento abastecia a cidade de Cuiabá com uma diversidade de gêneros alimentícios. Havia ainda as pequenas propriedades ou “sítios”, que somavam até 20 pessoas escravizadas trabalhando na plantação de gêneros alimentícios e criação de animais (BANDEIRA, 1988; VOLPATO, 1993, p. 36). Os jornais publicados em Mato Grosso entre 1880 e 1888, como A Província de Mato Grosso e O Liberal, trazem matérias reproduzidas dos abolicionistas do Rio de Janeiro e São Paulo favoráveis à aprovação da Lei Áurea, ao fim da escravidão. No entanto, como em muitos estados brasileiros, estes segmentos exigiam indenizações aos senhores proprietários de terras e ex-donos de “escravos” como medidas compensatórias de suas possíveis perdas econômicas. Volpato (1993, p. 101) menciona que especialmente os proprietários sediados na Chapada dos Guimarães defendiam “a preservação da escravidão”, pois estes haviam acumulado riquezas desde a década de 1860 com os “plantéis de escravos”. O sistema escravocrata era hierárquico, ancorado na propriedade privada e em código e leis que excluíam tanto “forros”, “libertos” e “escravos” e os colocavam na condição de subalternidade. A formação dos quilombos no Brasil do século XVIII e XIX deve ser compreendida não apenas como formas de resistência à escravidão, mas como modos de organização social e econômica, experiências culturais e políticas vividas pela população negra. Alguns quilombos marcaram o contexto histórico do século XIX no estado de Mato Grosso: o Sonia Regina Lourenço | Abenizia Auxiliadora Barros 17

quilombo de Rio do Manso, localizado na Chapada dos Guimarães, formado antes de 1859, o quilombo de Sepotuba, situado no município de Vila Maria, e o maior quilombo de todos, chamado de Quariterê ou Piolho. Conforme Bandeira (1988, p. 118), “este quilombo era formado por escravos fugidos das minas de Mato Grosso, de pretos e índios” e governado pela rainha Teresa, assistida por um capitão-mor e um conselheiro, organização política distinta dos quilombos de Alagoas e Minas Gerais, de chefia masculina. Em 1770, foi abatido por uma bandeira que havia partido de Vila Bela. Os estudos de documentos históricos feitos por Bandeira (1988) e Volpato (1993) apontam que esse quilombo era habitado por aproximadamente 100 pessoas, 79 negros e 30 indígenas. Décadas mais tarde, os remanescentes do quilombo reorganizaram-se em outra localidade, permanecendo ativo até 1795, quando uma nova bandeira foi organizada, saindo novamente de Vila Bela, no rio Guaporé, em missão para aprisionar os quilombolas. A bandeira conseguiu destruir o quilombo Quariterê e seguiu adiante para encontrar e destruir outros quilombos na chapada dos Parecis, rios da Galera, Sararé e Pindaituba (BANDEIRA,1988). Os remanescentes deste último formaram outro quilombo no córrego de Mutuca, dividido em dois núcleos próximos, um, chefiado por Antônio Brandão, e o outro, por Joaquim Feliz. Conforme o estudo de Bandeira (1988, p. 121), a diligência da bandeira localizou o quilombo de Joaquim Telles já abandonado e, mais adiante, prendeu o grupo deste quilombo que havia parado no caminho para cuidar de uma mulher que se encontrava doente. Segundo os dados de Volpato (1996, p. 224-228), Mutuca contava com um grupo de quatorze negros, cinco deles escravos. As bandeiras encontraram nos quilombos plantações de feijão, milho, mandioca, tubérculos, bananas e ananás, fumo e algodão. Em outras palavras, as organizações sociais como os quilombos mostravam que eram compostas de hábeis trabalhadores e que conseguiam produzir sua economia de subsistência de forma independente do sistema colonial e do trabalho escravizado. Hoje, a população afrodescendente de Vila Bela está organizada em diversos coletivos: Fórum Permanente das Entidades Negras de Vila Bela – MT; Conselho Municipal Quilombola (CONSEQ); Associação Cultural Dança do Congo; Associação Cultural Dança do Chorado; Tradicionais Irmandades de Vila Bela; Cooperativa do Kanjinjin COPERBELA; Instituto Tereza de Benguela; Instituto Kiloa Kongo os quilombos articulados nas seguintes associações: 1) Associação Quilombola Território ACOREBELA; 2) Associação Quilombola Território BELACOR; 3) Associação Quilombola Território Casalvasco/Manga; e 4) Associação Quilombola Território Vale do Alegre. A chegada dos africanos no Brasil sinaliza um longo processo de fricções interétnicas entre índios e africanos, gerando o aumento da população oriunda de alianças e casamentos interétnicos entre europeus e indígenas, e destes com africanos. O historiador Schwartz (2003 p. 34-38) mostra que todas 18 Etnografia, fotografia e momórias quilombolas

as categorias intermediárias, “mulatos”, “caboclos”, “mamelucos”, “tapuias”, “carijós”, “curibocas” e “caborés” tendiam a ser agregadas como pardas, Uma descrição do século XVIII registra que o termo carijó era originariamente atribuído aos falantes do guarani do sul do Brasil, tornando-se depois um rótulo para os mestiços ou filhos de índios com mulheres negras. O termo carijó se distingue de caboclos, “aqueles que vivem na costa e falam língua geral”, e tapuias, os que não falam essa língua. Os curibocas eram descritos como descendentes de mulatos e negros ou de mamelucos e negros, e no sertão também podiam ser chamados de “salta atrás”. Essa terminologia é cronológica e regionalmente específica. O termo caboclo no Nordeste, designava geralmente mestiço, enquanto no Pará este era referido como índio domesticado. Curibocas ou caborés, no Mato Grosso, eram aqueles nascidos da união de negros e índios. Apesar da caracterização negativa da mistura afroindígena, os contatos não podiam ser impedidos. Schwartz (2003, p. 24) sugere pensar que os indígenas e negros livres eram empregados não apenas como força para as táticas de aprisionamento dos “escravos” e “indígenas” que resistiam ao regime colonial, mas especialmente “como uma espécie de guerrilha”. Em 1774, o Conselho Ultramarino determinou que a região de Mato Grosso empregasse a força dos guerreiros indígenas contra outros indígenas, brancos e negros. Numa carta de autocongratulação, em 1695, Domingos Jorge Velho, líder da expedição que derrotou Palmares, clamava que suas tropas eram as mais eficazes na destruição dos quilombos, graças às habilidades marciais dos gentios sob seu comando. Dizia também que os paulistas e seus índios eram como a Grande Muralha da China contra os índios hostis e negros fugidos, exceto por serem mais efetivos e menos sujeitos às forças da natureza do que a famosa fortificação asiática (SCHWARTZ, 2003, p. 24). Para a historiadora Volpato (1993, p.186, 1996), a Guerra do Paraguai teria sido um dos elementos que provocou o crescimento da formação destes quilombos em Mato Grosso. Além da guerra, a população de Cuiabá havia sofrido com a epidemia de varíola durante o ano de 1868, e naquela mesma década vivia o constante “medo” das consequências da Guerra do Paraguai, do “ataque dos silvícolas” em terras de grandes proprietários e senhores de escravos, e com a iminência dos “desertores”, escravos “fugidos”, “forros” e “libertos” que se aliavam às organizações quilombolas como a do Rio Manso e Rio Sepotuba, expressão do “medo negro”, como apontou Cunha (2012). Por outro lado, é possível argumentar que a Guerra do Paraguai tenha sido mais um dos motivos que colaborou para o crescimento dos quilombos, mas não a razão principal. O regime de escravidão, assim como a política colonial nas Américas que sujeitou ameríndios e africanos à condição de subalternidade e às práticas de terror, (TAUSSIG, 1993) não pode ser minimizado, pois foi a principal razão que desencadeou a formação de quilombos ou mocambos em todo território brasileiro. Sonia Regina Lourenço | Abenizia Auxiliadora Barros 19

Nos relatos sobre o quilombo de Rio Manso, Volpato (1993, p. 188) menciona que “foi nessa situação de profunda crise que os habitantes do Quilombo de Rio Manso tornaram-se ainda mais ousados, causando danos a uma população já apavorada”. Os quilombolas por essa época saíam de seus esconderijos e dirigiam-se aos sítios da região para atacá-los e roubar mulheres. Nessas empreitadas, “raptaram tanto mulheres escravas quanto livres”. Para Volpato (1993, p. 196) Segundo as informações que Borges (sitiante Antônio Bruno Borges) passou para o Presidente, recebidas do crioulo Manuel, o Quilombo do Rio Manso era assim constituído: possuía quatro arranchamentos, sendo dois situados às margens do rio Manso do Sul, afluente do rio Cuiabá, e outros dois, às margens do Rio Manso, que corre para o norte”. Os arranchamentos eram bem armados, e os quilombolas cuidavam de suas armas com bastante zelo. [...] “Cultivavam roças, plantando alguns legumes que, juntamente com a caça, pesca, extração do mel e algumas rapaduras, compunham a alimentação do grupo. Fabricavam um tecido grosseiro com o qual faziam suas roupas. Criavam galinhas e cachorros”. (cf. 189). E continua: “A formação de quilombos era uma das possibilidades que se apresentava para o escravo que não se conformava com sua condição. Se no início da colonização a fuga para a mata se colocava quase como única alternativa para o cativo evadido, no fim do período escravista a ida para o quilombo era quase uma opção. O escravo poderia tentar – como muitos o fizeram – passar por pessoa livre ou liberta em outra cidade ou província onde não fosse reconhecido. A busca do quilombo significava também a tentativa de viver num outro tipo de sociedade, entre seus iguais. A “resistência” ao sistema escravista é fartamente estudada pelas ciências sociais e pela história, conforme os estudos de Gomes (2012, 2015), Reis (1996, 2003), Florentino (1997, 2004) e Cunha (2012), entre outros, que atestam diferentes formas e meios que a população negra encontrou para se contrapor à escravidão, especialmente na constituição de centenas de organizações sociais como os quilombos. Algumas organizações quilombolas marcaram o contexto histórico do século XVIII e XIX no estado de Mato Grosso: o maior quilombo de todos chamado de Quariterê ou Piolho e o quilombo de Sepotuba, na região de Vila Bela da Santíssima Trindade; o quilombo de Rio do Manso, localizado em Chapada dos Guimarães, formado antes de 1859. No ano de 1770, as constantes notícias de fugas de escravos para os matos ou para o quilombo Grande (Quariterê ou Piolho) fez com que o governador da província, Luís Pinto de Souza Coutinho, criasse uma companhia de soldados, ordenando a destruição do quilombo, recomendando ao sargento-mor “o inviolável segredo que devia haver na saída para o tal quilombo, a fim de que os negros não tivessem notícia dessa nunca pensada determinação” (AMADO e ANZAI, 2006, p. 138-141). 20 Etnografia, fotografia e momórias quilombolas

Assim, na noite de 22 de julho do ano de 1770, a companhia de soldados parte para a aniquilação do quilombo Grande, conforme a narrativa oficial, registrada nos Anais de Vila Bela. Desse encontro fatal, 37 fugiram pelas matas, 41 foram presos e 9 mortos. A diligência entregou ao Senado 18 orelhas como provas do aniquilamento do quilombo. Registram ainda a presença de 30 mulheres indígenas, mas não informa se estas foram mortas ou permaneceram presas. O quilombo de Sepotuba localizava-se nos territórios dos Umutina, que viviam na margem direita do rio Paraguai, entre os rios Sepotuda e Bugres, estendendo-se até as proximidades do rio Cuiabá. As mulheres encontradas pelas bandeiras coloniais no quilombo Sepotuba eram, provavelmente, dos grupos Umutina. O quilombo Grande ficou conhecido como Quariterê ou Piolho, liderado por Teresa, da nação Benguela, a rainha negra e ex-escrava do capitão Timóteo Pereira Gomes. Teresa de Benguela governou o quilombo após a morte do seu esposo, José Piolho, assassinado com tiros numa emboscada de soldados da corte. Antes de ser executada, Teresa de Benguela foi aprisionada e permaneceu em silêncio até o dia em que lhe cortaram a cabeça e a penduraram num poste no meio da praça do quilombo como exemplo da ação da coroa contra a resistência. Esse quilombo era constituído por “índios caborés” (como chamavam os indivíduos filhos das relações entre negros e indígenas, os “misturados”) e negros que sobreviveram à primeira expedição bandeirante nos rios Guaporé e São José (Piolho). Os sobreviventes se reorganizaram em outro assentamento, chamado Aldeia Carlota. Neste lugar, teriam sido tomados como exemplo do regime disciplinar do poder colonial para controlar os “ataques” de indígenas e evitar novas fugas e retaliações de escravos. Em 1768, o governador exigia “a restituição dos escravos que tinham fugido para os domínios do Peru, em conformidade com as leis da boa correspondência, subsistente entre as duas monarquias” (AMADO e ANZAI, 2006, p. 125-188). Em 1773, consta o registro da fuga de 51 escravos para os domínios de terras espanhola. Nove anos depois, em 23 de fevereiro de 1779, o governador e capitão- general Luís Pinto de Souza Coutinho ordenou que um grupo de cinco soldados examinasse o rio Barbados e todas as cabeceiras, até onde fosse possível navegar, em busca de negros aquilombados. No dia seguinte, os capitães do mato chegaram com 13 escravos que foram aprisionados no quilombo do rio Sepotuba (AMADO e ANZAI, 2006, p. 219). Os quilombos localizados em Chapada dos Parecis, rios da Galera, Sararé, Mutuca e Pindaituba, além do quilombo de Quariterê, foram todos atacados e destruídos pelas companhias de soldados, as bandeiras, que seguiam ordens do governador da província, desejoso em consolidar o domínio sobre os territórios no interior do estado de Mato Grosso (BANDEIRA, 1998, p. 118). Sonia Regina Lourenço | Abenizia Auxiliadora Barros 21

A chegada dos africanos no Brasil pelo tráfico negreiro iniciou um longo processo de relações interétnicas entre índios e africanos, gerando o aumento da população oriunda de alianças e casamentos entre europeus e indígenas, e destes com africanos. O historiador Schwartz (2003, p. 34-38) mostra que todas as categorias intermediárias, “mulatos”, “caboclos”, “mamelucos”, “tapuias”, “carijós”, “curibocas” e “caborés” tendiam a ser agregadas como pardas, categoria de cor polissêmica e deslizante, que não permite a identificação étnica de qualquer coletivo. Todos os nascidos da relação afroindígena, de negros com indígenas, eram classificados como curibocas ou caborés. Nas cartas de chefes de polícia e relatórios de províncias, bem como de viajantes e demais publicações do século XIX e XX da historiografia oficial, os quilombos são definidos como “organizações perigosas”, constituídas por “escravos fugidos”, “cativos”, “forros” e “libertos” (GOMES, 2015; REIS, 1996). Descritos como “cativos fugidos”, “desertores” e como sujeitos ameaçadores da sociedade colonial, os quilombos não foram reconhecidos como organizações sociais com singularidades étnico-culturais e capazes de reprodução sociocultural e econômica, produzindo relações sociais e de troca com outras comunidades, vilarejos, e até mesmo com os senhores de engenho. Conforme o estudo de Almeida (2011, p. 71): Houve escravo que não fugiu, que permaneceu autônomo dentro da esfera da grande propriedade e com atribuições diversas: houve aquele que sonhou em fugir e não pode ou conseguiu fazê-lo; houve aquele que fugiu e foi capturado e houve esse que não pode fugir porque ajudou os outros a fugirem e o seu papel era ficar. Assim, depreende-se que nem todos os quilombos são originários de fugas e de organizações embrenhadas na floresta ou cerrado, distantes da Casa Grande, dos engenhos e das fazendas. Muitos deles, como mostra a literatura antropológica, são originários de compra de terras por parte de famílias de escravos alforriados ou herdadas pelos escravos por meio de testamento, que foram efetivamente ocupadas por escravos, ex-escravos e seus descendentes, formando uma territorialidade específica e um campo de ocupação predominantemente negro (ALMEIDA, 2011; LEITE, 2004, p. 47; STUCCHI; FERREIRA, 2014). Ressalta-se que os quilombos se organizaram no interior das matas ou nas proximidades das fazendas e engenhos, criando organizações sociais na forma de grupos étnicos que ocuparam as terras de uso comum, ou terras de preto, terras de santo, comumente chamadas por várias comunidades quilombolas em todo o território nacional (ALMEIDA, 2011). Desta forma, consolidaram unidades familiares e unidades territoriais, alcançando condições de produção não apenas de novas redes de sociabilidades, mas de economia e subsistência que lhes permitiram viver seus modos de existência como comunidades quilombolas do presente. 22 Etnografia, fotografia e momórias quilombolas

O estudo de Carneiro da Cunha (2012) aponta que mesmo a população negra que conseguia a alforria, passando a viver na condição de pessoas livres, não conseguia o acesso à terra, porque a legislação do período proibia que qualquer pessoa negra, ex-escrava ou forra fosse proprietária de algum quinhão de terra. Esta exclusão fortaleceu a concentração de terras nas mãos de latifúndios e de segmentos abastados que continuavam a sujeitar a população “livre” ao trabalho dependente como assalariados e diaristas, agregados, lavradores de cana e empregados das áreas de garimpo, como em Chapada dos Guimarães. A população negra livre do sistema escravocrata encontrava-se agora destituída de qualquer reparação histórica, de direitos sociais e diante da inevitabilidade de continuar trabalhando para seus antigos ex-proprietários. Essa condição de trabalho análogo ao trabalho escravo ainda permanece nas áreas rurais brasileiras, como se observou durante o trabalho de campo com as comunidades negras Ribeirão Itambé, Lagoinha de Cima, Lagoinha de Baixo e Morro do Cambambi, no município de Chapada dos Guimarães. Muitos homens e mulheres trabalham como diaristas para seus próprios antagonistas, ou seja, para os fazendeiros que se apropriaram das terras de quilombo. Onde estão localizadas as comunidades quilombolas no estado de Mato Grosso? O Quadro Geral 1. apresenta o resultado de um levantamento de dados disponíveis nos sites do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, da Fundação Cultural Palmares, na publicação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ, 2018) e informações coletadas na pesquisa de campo com os quilombos. Os coletivos quilombolas são definidos como sujeitos de direito, conforme o Art. 68 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal, que estabelece que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. A existência de mais de 6.000 coletivos que se identificam como quilombolas em todo o Brasil não é suficiente para que sejam reconhecidos como sujeitos de direito, efetivamente (CONAQ, 2018). Sonia Regina Lourenço | Abenizia Auxiliadora Barros 23

Balsa - Lago do Manso Morro do Cambambi Estrada Territórios Quilombola Morro do Cambambi - Sertão Chapada dos Guimarães Morro do Cambambi Rastro de onça pintada. Morro do Cambambi onte sobre o Rio Quilombo. 10/06/2018 Cachoeira Pingador. Morro do Cambambi. Registrada no IPHAN – Sítio Arqueológico e Aricá Rosa – Estrada de terra do quilombo Morro do Cambambi. 09/09/2018. Cachoeira Pingador. Morro do Cambambi. Registrada no IPHAN - Sítio Arqueológico. Aricá Rosa - Estrada de terraEMdsotrroarodaqdotueCrriailtmóorbimoamqbubiiloo–mMbolaorro do Chapada dos Guimarães Estrada Territórios Quilombola Morro do Cambambi - Sertão Chapada dos Guimarã Ponte sobre o Rio Quilombo. 10/06/2018 e Balsa – Lago do Manso nte sobre o Rio Quilombo. 10/06/2018 Balsa - Lago do Manso

Quadro geral 1 – 92 comunidades remanescentes de quilombos no estado de Mato Grosso Município Comunidade quilombola Alcorizal – 2 CRQ Aldeias, Distrito de Baú Barra do Bugres – 10 Vermelhinho, Vaca Morta, Baixio, Voltinha, Vãozinho, Tinga, CRQ Queimada, Morro Redondo, Camarinha, Buriti Fundo. Cáceres – 5 CRQ Santana, São Gonçalo, Ponta do Morro, Chapadinha, Exu Cuiabá – 4 CRQ Aguassú, Coxipó-Açu, Abolição, São Gerônimo Chapada dos Lagoinha de Baixo, Lagoinha de Cima, Itambé, Morro do Cambambi, Guimarães – 5 CRQ Mata Grande Nossa Senhora do Mata Cavalo, Mata Cavalo de Cima, Mata Cavalo de Baixo, Água Sul, Livramento – 9 CRQ Capim Verde e Ribeirão da Mutuca – Complexo Mata Cavalo Campina Verde, Barreiro, Estrada do Bananal, Cabeceiras do Poconé – 32 CRQ Santana, Figueiral, Tatu, Ponte da Estiva/Ourinhos e Jacaré de Cima (dos pretos) Capão Verde, Laranjal, Cágado, Jejum, Varal, Sete Porcos, Campinas 2, Exu, Monjolo, Morrinhos, Coitinho, Morro Cortado Aranha, São Benedito, Curralinho, Canto do Agostinho,Jacaré, Passagem de Carro, Imbé, Rodeio, Campina de Pedra, Céu Azul, Chafariz/20urubamba, Retiro, Pantanalzinho, Minadouro 2, Chumbo, Pedra Viva, Espinhal, Cangas, Boi de Carro, Tanque do Padre, Pinhal Porto Estrela – 2 CRQ Bocaina, Voltinha/Vãozinho Santo Antônio de Sesmaria Bigorna/20Estiva, Agua Branca, Arruda Pinto, Barranco Leverger – 12 CRQ Alto I, Barranco Alto II, Manquinho, Morrinho, Quilombo, Sangradouro, São José da Boa Vista/Capim Agua, São Sebastião/ Perdigão, Serrana Várzea Grande – 1 CRQ Capão do Negro/Cristo Rei Vila Bela da Manga, Bela Cor, Boqueirão (Vale do Rio Guaporé, Porto Bananal), Santíssima Trindade – Acorebela, Capão Negro, Vale do Alegre “Valentim e Martinho”, Vale 10 CRQ do Rio Alegre, Boa Sorte, Várgea São José, Porto Bananal Total 92 comunidades remanescentes de quilombos No último levantamento da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e Terra de Direitos, sobre Racismo e Violência Contra Quilombos no Brasil (2018, p. 135), apenas 116 títulos de terras foram emitidos para mais de 3.000 comunidades remanescentes de quilombos reconhecidas pelo Estado brasileiro, em um horizonte estimado pela CONAQ de aproximadamente 6.000 comunidades em todo o território nacional. A nova conjuntura política do governo federal está estruturada pela Emenda Constitucional nº 95, publicada em 15 de dezembro de 2016, que instituiu um “Novo regime fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Sonia Regina Lourenço | Abenizia Auxiliadora Barros 25

Seguridade Social da União, que vigorará por vinte exercícios financeiros, nos termos dos arts. 107 a 114 deste Ato das Disposições Transitórias”. Até recentemente, muitas pessoas do quilombo diziam “carambolas” ou “quilhambolas”, em referência à identidade estabelecida pelo Estado de “comunidades remanescentes de quilombos”. A relação que estabelecem com os africanos escravizados nos engenhos e na mineração dos séculos XVII, XIX e até as primeiras décadas do século XX, é de diferença. Para algumas pessoas, os “negros escravos” são outros, enquanto para outras, os “negros antigos” são seus ancestrais, os troncos velhos, as “raízes da terra” de quem se dizem “herdeiras”. Outras ainda se identificam como indígenas, da “raça de índios” em referência aos avós e bisavós indígenas, provavelmente Kurâ- Bakairi e Boé-Bororo, povos indígenas originários no estado de Mato Grosso que habitavam a região de Chapada dos Guimarães muito antes da invasão colonial portuguesa em meados do século XVIII. Os coletivos das comunidades Morro do Cambambi, Lagoinha de Cima, Lagoinha de Baixo e Ribeirão Itambé atribuem sua formação e origem aos africanos e indígenas escravizados nos engenhos em vigor em meados do século XIX na região de Serra Acima, nome antigo do município de Chapada dos Guimarães e local de alta concentração de engenhos e senzalas. O estado de Mato Grosso contava com aproximadamente 5.000 africanos em 1864, aumentando para 7.054 em 1874 e se manteve com 5.782 no ano de 1884, totalizando, na década de 1887, 3.233 pessoas conforme os dados do IBGE sobre a população africana escravizada no Brasil no século XIX, feito por regiões entre as décadas de 1864/1887. Décadas anteriores a 1864, a população de Serra Acima foi recenseada em 1815 e classificada em “brancos”, “pardos forros”, “pardos cativos”, “pretos forros” e “pretos cativos”. O número de “pretos cativos” alcançou a cifra de 1.706 pessoas o que significa que eram a maioria ou quase o dobro da população local. O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão em 13 de maio de 1888. Os dados do IBGE de 2018 estimam um total de 19.588 indivíduos no município de Chapada dos Guimarães, cidade com presença expressiva de população autodeclarada “preta” ou “parda. Da população total, 61,9% corresponde à população residente em área urbana, o equivalente a 11.037 pessoas, e 38,1% em área rural, somando 6.784. Os habitantes somam 52,2% de população masculina e 47,9% de população feminina. Os dados não fazem referência às especificidades das comunidades negras que habitam tradicionalmente o território de Chapada dos Guimarães. É provável que tenham sido classificadas no conjunto das categorias de cor preta ou parda. No Censo do IBGE (2010), a população se autodeclara a partir das cinco “cores” ou “raças” branca, preta, parda, amarela e indígenas: 12.921 pessoas se autodeclararam como pardas, 2.545 como brancas, 1.339 como pretas, 41 como amarelas e 67 como indígenas. 26 Etnografia, fotografia e momórias quilombolas

Mapa 3: Chapada dos Guimarães Fonte: Google Earth – Google Landsat/Copernicus Câmera 135km 15° 37’ 14’’ S 55 06’ 50’’W 626m Os quilombos Lagoinha de Baixo, Lagoinha de Cima, Itambé e Morro do Cambambi habitam territórios contíguos entre os rios Quilombo, rio Manso, rio da Casca, rio Acorá e rio Lagoinha, que atravessam e fazem divisas entre elas, no sertão da zona rural do município de Chapada dos Guimarães, cidade distante 65 km de Cuiabá, estado de Mato Grosso. Estas comunidades aguardam a regularização de seus territórios desde que abriram os processos junto ao INCRA em 2005 para elaboração de laudos antropológicos, com vistas à identificação e delimitação dos territórios quilombolas em conformidade com o artigo 68 do ADCT/CF-1988 e o Decreto 4.887/03. Os topônimos dos quilombos, Lagoinha de Cima, Lagoinha de Baixo, Ribeirão Itambé e Cambambi, fazem referência aos rios, córregos e morros, bocainas e buritizais que compõem o território e a paisagem de Chapada dos Guimarães. Sonia Regina Lourenço | Abenizia Auxiliadora Barros 27

e onça pintada. Morro do Cambambi Rastro de onça pintada. Morro do Cambambi RPioonLtaegdooinRhiao eLacgaominphoadeecfaumtepboodl.eQfuuitleobmobl.oQLuaigloominbhoa LdaegBoainixhoa. d2e2/B0a6ix/2o0. 2122/. 06/2012. Ponte do Rio Lagoinha e campo Entrada para o quilombo Lagoinha de Cima.dEesfturtaedbaol.MQTu-i2lo5m1b. oTeLrargaosindheaqdueilombo griladas por fazendeiros e uso de produtos qBuaíimxoi.co22s/(0a6g/r2o0t1ó2x.icos) na monocultu soja. 2018 Rastro de onça pintada. Morro do Cambambi sa - Estrada de terra do tqeurirlaomdoboquMiloomrrobodoMCoarmrobdaomCbai.m0b9a/m09b/i2. 00198/0. 9/20Rq1uio8iloA.mcobroás––dMivoisraroddoos Aricá Rosa - Estrada de territórios Cambambi e Itambé aErnatroadqauiploamrabooqLuaiglominbhoa dLaegCoiimnhaa. dEestCraimdaa.METs-t2r5ad1a. TMerTr-a2s5d1e. Tqeurirlaosmdbeoquilombo 8sosgtorriojflaa.ddz2eae0ns1odp8neoiçraofaspzeeinnutdsaoedidraoe.spMerooudsrourotdoedsopqRruCiooímadAmucicotobrása-(mqdauigvbíirmsioaitdcóooxssitc(eoarsrgi)tróonrtaioósmxqicouoinlsoo)mcnbuaoltsmuMroaonrdrooecduoltCuarmabdaembi e Itambé Entrada para o quilombo Lagoinha de Cima e Estrada MT-251. Ponte do Rio Lagoinha e campo de futebol. Quilombo Lagoinha de Baixo. 22/06/2012. Monocultura de algo e milho dão em terra de quilombo 18/08/2018. Terras de quilombo griladas por fazendeiros e uso de produtos químicos (agrotóxicos) na monocultura de soja. 2018 R-idoivAicsaordáo-sdtievrisriatódroiossteqruriltoómriobsosquMilormrobodsoMCaomrrboadmobCiaemItbaammbbéi e Itambé cEántrRadoaspaara- oEqsutilroamdboaLdageointheardreaCidmoa. qEsutrialdoamMTb-2o51M. TeorrrarsodedqouiloCmabmo bambi. 09/09/2018. griladas por fazendeiros e uso de produtos químicos (agrotóxicos) na monocultura de soja. 2018 Monocultura de algo e milho dão em terra de quilombo 18/08/2018. uMraondoecaulgtuorea mdeilhalogodãeomeimlhotedrãraodeemqtueirloramdbeoq1u8i/lo0m8/b2o018./08/2018. Rio Acorá - divisa dos territórios quilombos Morro do Cambambi e Itambé

A cozinha e o quintal É em torno da cozinha, das festas de santo e do muxirum (mutirão) que o quilombo produz e percorre por linhas que atravessam os centros de poder, fazendas e instituições para se expandir pelas ruas e bairros da cidade. A casa de quilombo inclui o quintal, a roça, o buritizal e o pequeno córrego de água fresca. A cozinha opera como uma matriz relacional por onde circulam histórias, contos, causos, devoção, risos, fofocas e políticas. A cozinha situada nos quilombos da zona rural e sertão de Chapada dos Guimarães se encontra nos quintais das famílias desterritorializadas que vivem nas zonas urbanas de Cuiabá e Várzea Grande. A cozinha é o lugar de encontros de homens, mulheres, jovens e crianças, é o lugar da política e da aliança. Além da mandioca, cultivam abóbora, cará, batata-doce, rúcula, alface, cebolinha, pimenta, coentro e cuidam dos pomares compostos de frondosas árvores de caju, seriguela, laranja, limão, jenipapo, jacalima, goiaba, pitanga, tamarindo, buriti e mamão. Destas frutas as mulheres fazem o furrundu, doce preparado com mamão verde, rapadura, gengibre, cravo e canela. Após ralar o mamão, vai ao fogo com todos os ingredientes de uma só vez para cozinhar em fogo brando até ficar com consistência adequada. A rapadura é feita com babaçu que é encontrado em abundância no cerrado, polpa e doce de buriti. O doce de leite é produzido eventualmente quando uma família possui vaca de leite. A foto abaixo são os potes de doce de leite produzidos por dona Chica, apelido de Durvalina Dias Rodrigues, irmã de Juvenita Dias Rodrigues. Além do doce de leite, dona Chica criou a receita de rapadura de coco de babaçu, fruta colhida entre o pomar e a roça. No encontro com dona Juvenita Dias da Cruz, seu esposo Adalberto Pinto da Cruz e sua irmã dona Durvalina Rodrigues Rondon (conhecida como dona Chica), seu Adalberto conta como produz a farinha de mandioca, enquanto mostra o forno artesanal de torrar farinha, ao lado da horta. Adalberto: “A farinha é o seguinte, a senhora arranca a casca da mandioca, aí rala ela, imprensa ali, como está ali e aí, depois de imprensada, côa e vem pro forno pra torrar. Hoje vi beirar um saco, um saco de farinha dá quarenta e cinco quilos!” Sonia: Essa farinha é feita pra vocês comerem ou pra vender também? Adalberto: “Pra consumo é pouco né! É que o pessoal encomenda muito e aí nós pegamos pra fazer e já tiramos o do nosso consumo, a gente não faz todo dia, é conforme as encomendas, conforme eles encomendam a gente vai fazendo! Porque os mercados, eles estão muito exigentes pra senhora vender o saco de farinha, eles querem tudo embalado, aí a gente vende assim particular dos mercados, pra outras pessoas! Ali, bem ali na frente, essa é a Sonia Regina Lourenço | Abenizia Auxiliadora Barros 29

mandioca liberata, sempre que nós plantamos agora é só a liberata. Outras qualidades eu não plantei aqui!” Sonia: Aprendeu fazer farinha com quem? Adalberto: “Ah, eu aprendi com meu pai, o nome dele era Guilherme, ele morreu em setenta e nove! Ele tocava lavoura grande, aí tinha os filhos, aí ele fazia farinhada e todo mundo ajudava, as criançadas ajudavam! Então, a gente cresceu sabendo”. Em sua residência, dona Maria Salomé, de 83 anos, da comunidade Cachoeira Bom Jardim, narrou um momento de sua experiência no tempo das terras de uso comum quando “a vida era mais farta”. Salomé: “Da vida na roça eu lembro, do muxirum, tinha milho, feijão, arroz, cana-de-açúcar, cará, quiabo, abóbora, fazia muita farinha, vendia pra fora, fazia rapadura. Coisa que a gente aguentava fazer, ia montada a cavalo até a serra abaixo, eram cinco dias para ir e mais cinco dias para voltar. Carregava matula (farofa), café e açúcar para a viagem. Era um tempo bom”. O tempo da “vida farta” vivida nas terras de uso comum contrasta com o tempo da violência a que foram expulsos de suas terras por fazendeiros que chegavam “de fora” e no final dos anos 1990 foram desterritorializados com a construção da Usina de Manso. Seu Adelino Fernandes da Conceição e dona Melícia Alves da Conceição, relembram esse período. Adelino: “Antes, há setenta, há oitenta anos as áreas que existiam, as pessoas eram analfabeto, não tinham cultura e as pessoas vinham de fora e chegavam já chamando a gente de compadre, de comadre e essas coisas assim pra aproximar, e assim os avós da gente, o pai da gente, os tios faziam qualquer... O povo mato-grossense e principalmente nós, sertanejos, nós temos muita vontade de conhecer as pessoas, e por isso eles aproxima mais da gente e os pensamentos da gente às vezes não é aquilo ali, mas eles aproveitam dessa boa chegada e acaba convencendo a gente, que a cultura da gente é completamente diferente... E a gente quer agradar com o quase nada que a gente colhe, com a simplicidade da gente e com isso eles aproveitam das pessoas, por aí (silêncio). Foi por onde começou que nós ficamos no escanteio, sem nada…” Sonia: Com essa intenção o que eles faziam? Como era a troca? Adelino: “O sistema deles... Eles vinham de lá com um pão de guaraná às vezes um pacote de café, às vezes até uma roupinha usada dos filhos deles pra dar pro filho da gente, fumo e assim sucessivamente eles vinham convencendo a gente. Não, mas ele está ajudando a gente, está trazendo... Às vezes na hora de pagar os impostos que vinha... Eles conseguiam fazer o seguinte: “não, deixa esse imposto que eu vou pagar pro compadre”, pegava o documento, ia lá no INCRA, no Estado e começava fazer os pagamentos, as 30 Etnografia, fotografia e momórias quilombolas

vezes a esposa lembrava e falava: “Mas você está deixando fulano pagar lá?” E o marido falava “não, o compadre está pagando pra nós, ele é gente boa!” O documento é o ITR, e aí ele acabava pegando todos os dados da gente e colocava lá noutro documento e acabava que a gente ficava com medo de não conseguir pagar os impostos e ele falava: “não compadre, eu compro e vou pagando lá e vocês podem continuar fazendo a roça que vocês precisam, criando uma vaquinha, um porco”. Aí a gente aceitou aquilo ali e de repente a gente fazia uma roça lá no local, aí eles traziam um gado e colocavam dentro da roça da gente, o gado comia a planta que a gente tinha plantado. E assim, sucessivamente, eles iam destruindo a gente, nós fomos ludibriados por eles durante muitos anos. E depois que eles tomam posse dessa situação eles começam a ameaçar! Foi muito tempo de ameaças que eles faziam pra gente, diziam: “não, vocês vão ter que mudar daqui, porque aqui não é mais seu, é meu, você não pode fazer essa casa assim desse jeito”, mudando todo o pensamento da gente! Desde o tempo de nossos avós é que nós vimos sofrendo esse tipo de desgaste”! Melícia: “Tenho saudade de que a gente lavava roupa lá no córrego, luz não tinha mesmo e ele comprava querosene e nós tinha roça ali no Bom Jardim (outra localidade do quilombo), era saudável porque nós juntávamos as vizinhas com as crianças e nós fazíamos farinhada no ralo, os homens tinham outro serviço e nós fazíamos farinha, ia à tarde, eles ia lá pescavam peixe, aí nós fazíamos a janta! Passava o dia lá e tinha as meninas aqui, eu levava Fidélis (seu filho) e mais duas crianças pequenas, aí ficavam mais três aí, duas ia pra escola e a outra ficava! Moía cana, fazia rapadura, fazia melado. As crianças pegavam melado pra comer. Quando nós íamos ver, estava açucarado, aí nós tomávamos café com açúcar do melado que virou! Aí vinha bastante gente pra ver esse osso lá do Cambambi, né! Nós fazíamos o café e dava pra eles e eles falavam: “hum, mas isso aqui é gostoso”! Em todos os quintais quilombolas encontra-se a horta, uma continuidade da cozinha. Situada entre as linhas que dividem a roça e a pequena mata ou buritizal, há uma variedade de temperos como salsinha, alho-porro, cebolinha, coentro, pés de pimenta, quiabo, abóboras, pomar de frutas como graviola, mamoeiro, banana, laranjeira, limoeiro, seriguela, carambola, cana, babaçu, bocaiúva, buriti, bacuri, tamarindo, entre outras frutas do cerrado. As mulheres são agentes diretas das hortas e jardins, as responsáveis pelo cultivo das plantas medicinais, comestíveis e ornamentais, transformando o entorno das casas em ricos jardins, reaproveitando velhos carrinhos de mão, tachos, panelas, pneus, latas e garrafas em suportes e recipiente para cebolinhas, salsinhas, orquídeas, rosas, entre muitas outras plantas e flores. Nas linhas que separam as hortas das roças, galinhas, patos e pintinhos circulam soltos pelos quintais, enquanto os porcos se encontram nos chiqueiros entre o quintal e o início das roças de mandioca. Muitas famílias Sonia Regina Lourenço | Abenizia Auxiliadora Barros 31

criam suínos para o consumo próprio. São criações de 5 a 15 unidades de suínos alimentados com os produtos da roça ou parcialmente com ração. A criação de suínos garante a produção de banha, toucinho e carne, divididas entre as famílias que compõe a irmandade. As roças, os pomares e os quintais fornecem os principais alimentos do sistema alimentar e culinário dos quilombos. O arroz e o feijão são comprados nos mercados da cidade. A fonte de proteínas é retirada da carne do porco, da galinha caipira, galinha d’angola, patos, marrecos e da carne de caça (porco queixada, caititu, veado mateiro e paca), os carboidratos são oriundos da mandioca, arroz e milho do qual preparam a pamonha doce e salgada. Do cará, preparam o doce de leite e pão, duas receitas criadas por dona Vanilde Oliveira Valentim do quilombo Lagoinha de Cima. É dela também a receita de geleia de tomate doce. O quilombo na cidade Na residência das irmãs Manoelina da Silva Fernandes, Clarice Alves da Silva Pedroso, Petronila da Silva Santos e Maria da Silva Alves, localizada no bairro Pedregal, na cidade de Cuiabá, realizam com regularidade encontros com os parentes, que somam mais de 100 pessoas que se auto-identificam como quilombolas do Ribeirão Itambé. O quintal para esta família é um microcosmo do quilombo. Nele há cantinhos com os temperos, plantas, árvores frondosas e frutas como mamão e pitanga, bancos de madeira, fogão de barro, um cenário que atualiza a memória coletiva de quando viviam em suas terras. A comida que se põe à mesa é feita de memórias e afetos, servidos junto com a farofa de banana-da-terra, ventrecha de pacu (costelas em postas feitas com farinha de rosca), arroz, feijão e mojica de pintado. Esta última é uma das comidas mais conhecidas em todo o estado de Mato Grosso. A palavra mojica se refere a língua do povo indígena Boé-bororo que alude ao modo de comer o peixe pintado cozido com mandioca. Trata-se de um cozido de pintado com mandioca, pimenta, alho e cebola, coentro e tomates, servido como prato principal. Em torno da mesa, a geração de mulheres, das mais velhas às mais novas, atualizam os nomes de parentes que já faleceram, contam sobre o nascimento de sobrinhos, filhos e netos e manifestam o desejo de retorno ao território tradicional. Não há encontro de parentes que não seja um encontro de comensalidade e preparativos para o próximo encontro. Os encontros são regulares e sempre são regados pela comensalidade. Essa é uma das (re)composições que o coletivo quilombola encontrou de reterritorializar-se do ponto de vista do território físico e 32 Etnografia, fotografia e momórias quilombolas

A cozinha e o quintal Produção de pimentas e tomate - roça d de Baixo. 22/06/2012 Produção de pimentas e tomate Cozimento de toucinho em tacho de bar – roça de Tatiana Reis de Crisóstomo. Varginha, Quilombo Morro d Castro. Lourenço. Quilombo Lagoinha de Baixo. 22/06/2012 Produção de pimentas e tomate - roça de Tatiana Reis de Castro. Quilombo Lagoinha de Baixo. 22/06/2012 Produção de pimentas e tomate - roça de T de Baixo. 22/06/2012 Cozimento de toucinho em Cozimento de toucinho em tacho de barro. Cozinha da residência de dona Anacleta tacho de barro. Cozinha da Crisóstomo. Varginha, Quilombo Morro do Cambambi. 13/10/2018. Crédito: Sonia R. residência de dona Anacleta Lourenço. Crisóstomo. Varginha, Quilombo Morro do Cambambi. 13/10/2018. Crédito: Sonia R. Lourenço. Doce de leite e doce de caju, Cozimento de toucinho em tacho de barro. feitos por Durvalina Rodrigues Crisóstomo. Varginha, Quilombo Morro do Rondon, 09/2015. Lourenço. Doce de leite e doce de caju, feitos po

Doce de leite e doce de caju, feitos por Durvalina Rodrigues Rondon, 09/2015. Forno de torrar farinha – Casa de Adalberto Pinto da Cruz e Juvenita Dias Rodrigues 03/10/2015. Quilombo Itambé Foto : Forno de torrar farinha – Casa de Adalberto Pinto da Cruz e Juvenita Dias Rodrigues 03/10/2015. Quilombo Itambé Foto : Forno de torrar farinha – Casa de Adalberto Pinto da Cruz e Juvenita Dias Rodrigues 03/10/2015. Quilombo Itambé Foto : Forno de torrar farinha – Casa de Adalberto Pinto da Cruz e Juvenita Dias Rodrigues 03/10/2015. Quilombo Itambé Roça orgânica de Aloísio Oliveira Valentim. Quilombo Lagoinha de Cima. 30/11/2013. Roça orgânica de Aloísio Oliveira Valentim. Quilombo Lagoinha de Roça orgânica de Aloísio Oliveira Valentim. Quilombo LagCoinimhaad. e3C0i/m1a1./3200/1113/.2013. sio Oliveira Valentim. Quilombo Lagoinha de Cima. 30/11/2013. RoçaRoorçgaâonricgaândiecaAldoeísAioloOísliivoeOiralivVeairleanVtiamle.nQtiumilo. QmubioloLmagbooinLhaagodienhCaimdae.C3i0m/1a1. /3200/1131./2013. iveira Valentim. Quilombo Lagoinha de Cima. 30/11/2013. Plantação de mandioca. Pingador. Quilombo Morro do Cambambi. CaC0m3rbé/a1dm1itb/o2i.0S013o8/n1.i1a/2L0o1u8.renço Plantação de mandioca. Pingador. Quilombo Morro do Crédito Sonia Lourenço Plantação de mandioca. Pingador. Quilombo Morro do Cambambi. 03/11/2018. Crédito Sonia Lourenço PlantPalaçãnotadçeãomdaendmioacnad.iPoicnag.aPdionrg.aQduoirl.oQmubioloMmobroroMdoorrCoadmobCamambbi.a0m3/b1i.10/230/181./2018.

RoçaPorrogdâunçicãao ddee Amlaoxísixioe Oe lqivueeiirjoa mVainleanst-imRe. sQiduêilnocmiabdoeLAalgciooinnehaSoduezaCiNmeav.e3s0e/A1n1a/2P0e1d3r Correa. Campestre. Quilombo Morro do Cambambi. 15/04/2018. Crédito: Sonia Lourenço Produção de maxixe e queijo minas – Residência de Alcione Souza Neves e Ana QuiPloe1md5br/o0os4oM/2Co0r1or8orr.edCao.réCCdaaitmmo:bpSaemsotnrbeiai..CQiPCumroiorladroeu.maç2.ãbC3oao/dm0eIp7tmea/sa2mtxr0iexb1.eéQ6e.u.qBiluooemlijoboomdMeinoacrsrao-rRdáeo,sCfideaêmintobciaapmdobeir.A1Vlc5ia/o0nn4ei/ld2So0eu18zOa. .CNrVeévadeiltseoen: SAtoinmnaiaP. eQdruosiolombo Lagoinha de Lourenço Lourenço Quilombo Itambé. Bolo de cará, feito por Vanilde O. Valentim Cima. 23/07/2016. Quilombo Itambé. Bolo de cará, Quilombo Itambé. Bolo de cará, feito por Vanilde O. Valentim. Quilombo Lagoinha feito por Vanilde O. Valentim. Cima. 23/07/2016. Quilombo Lagoinha de Cima. 23/07/2016. Quilombo Itambé. Bolo de cará, feito por Vanilde O. Valentim. Quilombo Lagoinha de Cima. 23/07/2016. Plantação de mandioca. Pingador. Quilombo Morro do Cambambi. 03/11/2018. Crédito Sonia Lourenço Fogão da cozinha de Vanilde O. Valentim. Quilombo Lagoinha de Cima, 2016. Cozinha de dona Chica. Quilombo Itambé. Ossos de boi ao sol, usado para preparar geléia de mocotó. Carne com mandioca e salada. Almoço na casa de dona Anacleta Crisóstomo. Varginha. 08/07/2018. Quilombo Morro do Cambambi Fogão da cozinha de Vanilde O. Valentim. Quil

Fogão da cozinha de Vanilde O. Valentim. Quilombo Lagoinha de Cima, 2016. Cozinha de dona Chica. Quilombo Itambé Ossos de boi ao sol, usado para preparar geléia de mocotó. Carne com mandioca e salada. Almoço na casa de dona Anacleta Crisóstomo. Varginha. 08/07/2018. Quilombo Morro do Cambambi O quilombo na cidade O quilombo na cidade

espacial e do “território existencial” (GUATTARI, 2008). Qualquer motivo é suficiente para agendar um novo encontro, pode ser um batizado, um aniversário e as festas de santo, para quem é católico. As irmãs Manoelina da Silva Fernandes, Clarice Alves da Silva Pedroso e Maria da Silva Alves se dizem evangélicas, mas não deixaram de praticar os encontros regados de comida abundante e risos provocados com as narrativas de causos e aventuras da infância no quilombo. Comida de santo é comida de gente! A devoção aos santos – São Benedito, São José, São João, Santo Antônio, Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora da Guia – cultuados o ano inteiro tem as festas com o momento ritual mais importante ao mobilizar mais de 300 pessoas que chegam de outras localidades e municípios para apreciar a festa, pagar promessas, visitar as irmandades de santo, reencontrar os parentes e participar do ritual que amalgama comensalidade, devoção, parentesco, dádivas e dívidas, reatualizando a territorialidade e a cosmologia. O contexto etnográfico aponta uma relação possível entre a territorialidade e os santos por meio da rede de irmandades de parentes e irmandades de santo. A terra aparece evocada na relação entre terras de santo e terras de uso comum. A primeira noção se refere à cosmologia, que inclui as festas de santo, a noção de irmandade religiosa e irmandade de parentes, a segunda se refere à perspectiva histórica do grupo da ocupação da terra de uso comum e à noção de irmandade de santos. No quilombo Morro do Cambambi, a territorialidade é definida pela vinculação das irmandades com São Benedito, São José, São João, Santo Antônio, Nossa Senhora Aparecida e Nossa Senhora da Guia. No encontro com Joana Cezina de Oliveira Martinho (dona Tuta), no dia 4 de agosto de 2018, em Pingador, ela relatou sobre a festa que promove todos os anos. Tuta: “A festa aqui é o seguinte, ela tem vinte anos de tradição e eu faço essa festa a um pedido de meu pai, que aqui no Pingador tinha festa de Santana e de outros santos, aí por fim todo mundo isolou. Aí meu pai foi e falou assim: “Tuta, aqui nós vivemos muito sofridos porque esquecemos da nossa religião”. Então, ele fazia fogueira de São João e mandou eu fazer fogueira de São Pedro, aí todo ano nós fazíamos, reuníamos o povo. Aí ele foi, me chamou e falou assim pra mim: “Este ano você vai marcar uma festa porque eu já estou perto de partir e eu quero deixar isso, minha filha, você e Gilberto (seu esposo), enquanto vocês aguentarem, vocês vão fazer!” Eu falei pra ele: “Pai, eu não posso, eu não aguento!” Ele falou: “Aguenta, minha filha, nós temos amigos!” Aí na reunião da fogueira de São João ele chamou as Sonia Regina Lourenço | Abenizia Auxiliadora Barros 37

pessoas pra fogueira de São Pedro na minha casa né! Lá reuniram o pessoal, umas doze pessoas, aí ficou: rei, que dá uma vaca, a rainha, que ajuda fazer o doce, o capitão do mastro, o alferes de bandeira, juiz e juíza. Aí faz a festa de dois santos, que é São Pedro e Nossa Senhora Aparecida, porque aí ajuda você! Assim, ficou doze festeiros. Aí, traz o boi que a gente já mata aqui mesmo, aproveita os miúdos e já faz um sarapatel! Faz um afogadão para comer durante a noite! De manhã faz um escaldado, alguma coisa de quebra- torto, né! Depois temos o almoço, que é o churrasco, de tarde, às três horas, tem a costela que é pra merendar! Pra mim, o que importa é que eu estou cumprindo um pedido do meu pai, e é um evento que vem os parentes, vem gente de todo lado, vem meus alunos, que às vezes tem muitos anos que eu não vejo e que às vezes vem, então isso é muito importante pra mim e a gente recebe a bênção também!” Festas de santo A cozinha quilombola abriga o fogão a lenha feito de barro, a pia, os armários para a louça e panelas, os potes e moringas de água, e em algumas delas, a cozinha se torna uma extensão que abriga outro fogão de barro e tacho de cobre para a produção de rapadura, farinha, queijos e doces. A cozinha inclui o girau para destrinchar o porco após o abate, um grande fogão de barro para aquecer grandes panelas de água para a preparação da banha de porco ou para a preparação do cardápio das festas de santo: sarapatel, afogadão (cozido de carne bovina com mandioca e muitos temperos), arroz e farofa de banana-da-terra com toucinho. O churrasco de chão é preparado no dia seguinte pelos homens. No período da manhã que antecede as festas de santo, enquanto um grupo de mulheres e jovens se encontram no ritmo dos preparativos para a festa, os homens preparam o corte da carne bovina, dividindo o quarto traseiro e o quarto dianteiro para o assado, os miúdos para o sarapatel e a cabeça cozida e assada, apreciada como uma iguaria pelos adultos. O corte, a divisão e a distribuição da carne são feitas pelos homens. Eles são os responsáveis pelo assado dos cortes principais que serão distribuídos no segundo dia da festa e pelo preparo da cabeça do boi que assa discretamente, separada do churrasco de chão, em outro fogo próximo da cozinha. Se o assado é uma atribuição dos homens, as mulheres, por sua vez, preparam todos os pratos principais dos dois dias de festa: o sarapatel, o cozido de mandioca e carne bovina chamado de afogadão, o escaldado, o arroz e as saladas. O escaldado é o segundo prato servido nas festas de santo, que consiste em um cozido de galinha caipira bem temperado com alho, cebola, pimentões, tomate, pimenta-do-reino, farinha de mandioca ou farinha de milho e ovos. Após a farinha de mandioca alcançar a 38 Etnografia, fotografia e momórias quilombolas

consistência cremosa, acrescenta-se os ovos cozidos inteiros e o cheiro verde, em seguida, os anfitriões servem os convidados. Na residência de Dona Maria Salomé, de 83 anos, da comunidade Cachoeira Bom Jardim, em 22 de maio de 2018, ela explicou que a pessoa festeira herda os assentamentos dos santos dos pais, avós ou tias colaterais. O dono do assentamento do santo tem seus amigos festeiros que atuam como Rei, Rainha, Alferes e Capitão do Mastro, rezadora ou rezador e Capelão, compondo 12 festeiros – os tocadores e cantadores. Salomé herdou a festa do Divino Espírito Santo de seus pais, “Os santos, há mais de 100 anos, eram da minha avó, eles moravam em Três Barras, lá perto do córrego do quilombo. Quando papai morreu, mamãe morreu, mudamos para cá” (Dona Maria Salomé da Silva) . Ao ser interpelada pela pesquisadora, dona Salomé faz um relato do tempo que as festas eram mais abundantes e das práticas do muxirum (mutirão). Salomé: “Eu nasci e criei na roça, eu sei contar a vida da roça! O muxirum era pra reunir aquele pessoal pra derrubar ou então roçar, ou carpir. Pra plantar a roça, eu fiz muita farinha, muitas vezes levantava uma hora da madrugada pra bem cedo torrar! Plantava milho, arroz, feijão, cana, tudo que a gente ocupa a gente plantava, quiabo, batata, cará, abóbora, melão, o que nós fazíamos... Moía muita cana, fazia muita farinha, hoje que eu não aguento fazer mais nada, vendia tudo por aqui mesmo, às vezes fazia só pra despesa. O arroz, o feijão e o milho, tinha vez que levava pra Cuiabá e tinha vez que não dava, porque nós não tocava roça grande, era um pedação pra num ficar capoeira né, era um meio alqueire abaixo, uma coisa que a gente aguentava lutar pra não ficar com capoeira! ficar com capoeira!” Antero: “A senhora chegou de ir em Cuiabá a pé? Com tropa?” Salomé: “Eu fui muitas vezes, montada a cavalo, de a pé quem que aguenta ?!Teco, oito dias, era cinco dia pra ir e vim né? Assim mesmo, saindo madrugada, quase meia noite! Nós pousávamos na estrada, parava num lugar de ponto de pouso e armava uma corda dum pau no outro (risos), nós usávamos só a farofa né, a matula, levava caldeirão, arroz, o café e o açúcar! Oh, tempo bom! Esse aqui é meu conhecido há muito tempo, Teco, Tico, Jovito, Durvalino, tudo é meu conhecido de muito tempo, nós festávamos na casa dele lá, eles festavam na nossa! Ainda tem os festeiros assentados. O festeiro é a pessoa que tem assento o nome dos festeiros pra fazer a festa, é o adjutório da festa!” Antero: “É o rei, a rainha, o capitão do mastro, o alferes de bandeira, aí você arruma doze festeiros, aqui a senhora tinha senhor divino?” Salomé: “Tinha... Esse quebrou! Aí me deram esse outro! Agora dia vinte ou vinte e dois de maio é a reza dele, todo ano nós rezamos no dia, Dante que tira esse ano! É só mesmo a reza, acabou, tomou café, pronto! Era uma festa Sonia Regina Lourenço | Abenizia Auxiliadora Barros 39

boa, duas noites, oh, festa boa! Pesquisadora: “E quem que pode continuar a fazer a festa? Se a senhora não fizer mais, passa pra quem?” Salomé: “Não vai, né! Porque o festeiro já é assentado! Que é pro festeiro fazer. É muitos anos, do tempo de minha mãe, de meu pai! Eu nem não tinha nascido, parece que eles tinham dois ou três filhos, tem mais de oitenta anos, já vai pra cem, eles moravam ali no Três Barra ali pra lá de Pontinho, lá que eles começaram a festa, daí pra cá toda vida, lá pro monjolo lá perto do JJ, lá todo ano fazia a festa, aí que veio aqui pra cachoeira, aí aqui na cachoeira que não teve mais! Aí papai morreu, mamãe morreu e eu segui fazendo até lá no Zé Gaudêncio, sua mãe era festeira lá, aí mudamos pra cá, aqui foi uns sete anos, aí parou, assim... não sei porque que parou! tinha nada de venda não, e o que sobrava era um pouquinho pra cada um! Na hora da (palavra inaudível) do altar é que descia o mastro, aí assentava outro festeiro, descia o mastro, encostava e ele apodrecia lá! Festa de ano é bonita demais! [...]. A terra era boa! Meu Deus do céu! Tudo que se planta fica bom! Agora não planto mais, não aguento nem conversar! Nas festas eu fazia licor de leite, de folha de lima! Oh! Tempo bom!” Pesquisadora: “E para comer nas festas, fazia o quê?” Salomé: “Matava duas reis, panelão de mandioca com carne, panelão de frango frito, tinha linguiça! Frango e leitoa era pro leilão. O povo catava as prendas tudo, e o pau comendo! E o povo dançava, era na sanfona, naquele tempo era sanfona, com tocador bom, jantava, rezava, levantava o mastro e aí era o povo arrematando prenda, comendo e os outros dançando e ia até o sol raiar, tinha vez que não descia o mastro no mesmo dia e ele oito dias de pé, aí não era outra festa, mais o povo vinha e bebia bastante! Festa de ano, o que ele ganha, tudo é dado, tem o botequim que se quer tomar cerveja vai lá e compra, mais o que o santo ganhou pra festa, tudo é dado!” Plantas e benzeções Os medicamentos preparados pelas benzedeiras e raizeiras são feitos de plantas colhidas nas matas e florestas do cerrado e outras colhidas nos quintais e hortas repletos de plantas para fins medicinais e culinários. O saber exigido para preparar os remédios (frios ou quentes) exige a responsabilidade de como fazer. No trabalho de campo, foi possível identificar aproximadamente oitenta e dois (82) nomes de plantas. As espécies encontradas foram agrupadas de acordo com a categoria de uso: comestível (33 espécies), medicinal (45 espécies) e ornamental (4 espécies). O número ainda poderá aumentar na continuidade do trabalho de campo. São espécies identificadas, conhecidas, 40 Etnografia, fotografia e momórias quilombolas

Fogão de barro e panela feitos por Josefa Sabino dias, salão de entrada com o oratório dos santos, localidade Biquinha, território reivindicado pela comunidade quilombola Morro Festas de Santo dSooCnaiamRb.aLmobuir.eCnFçréeod,si1tto0a/si0m6da/ge20eSm18a: nto Festas de Santo Fogão de barro e panela feitos por Josefa Sabino dias, salão de entrada com o oratório Festas de Santodos santos, localidade Biquinha, território reivindicado pela comunidade quilombola Morro do Cambambi. Crédito imagem: Sonia R. Lourenço, 10/06/2018 Festas de Santo Festa de Santo Antonio e São João. Festeira dona Antonia Oliveira da Silva (Timbe). ÁguaFria. 16/06/2018. Quilombo Morro do Cambambi Festa de Santo Antonio e São João. Festeira dona Antonia Oliveira da Silva (Timbe). Água-Fria.16/06/2018. Quilombo Morro do Cambambi Festa de Santo Antonio e São João. Festeira dona Antonia Oliveira da Silva (Timbe). Água-Fria.16/06/2018. Quilombo Morro do Cambambi Dona Elza Bomdespacho e Festa de Santo Antonio e São João. Festeira dona Antonia Oliveira da Silva (T filhas comandam a cozinha. Elza Água-Fria.16/06/2018. Quilombo Morro do Cambambi assumiu a promessa de ser a Dona Elza Bomdespacho e filhas comandam a cozinha. Elza assumiu a promessa de ser responsável pela cozinha após o a responsável pela cozinha após o falecimento de seu esposo Nilo Bomdespacho, festeiro e doador de carnes paras festas de Santos Antônio. 16/06/2018 falecimento de seu esposo Nilo Dona Elza Bomdespacho e filhas comandam a cozinha. Elza assumiu a promessa de ser Bomdespacho, festeiro e doador a responsável pela cozinha após o falecimento de seu esposo Nilo Bomdespacho, de carnes paras festas de Santos festeiro e doador de carnes paras festas de Santos Antônio. 16/06/2018 Antônio. 16/06/2018 Residência de dona Josefa Dona Elza Bomdespacho e filhas comandam a cozinha. Elza assumiu a prome Sabino dias, salão de entrada a responsável pela cozinha após o falecimento de seu esposo Nilo Bomdespa festeiro e doador de carnes paras festas de Santos Antônio. 16/06/2018 com o oratório dos santos, localidade Biquinha, território reivindicado pela comunidade quilombola Morro do Cambambi. Crédito imagem: Sonia R. Lourenço, 10/06/2018 Residência de dona Josefa Sabino dia

Roças, plantas e remédios nos quilombos Roças, plantas e remédios nos quilombos Altar de santos, casa de Sofia. Roças, pRloaçnatsa,spelarnetmaséediroesmnéodsioqsuniloosmqbuoilsombos Campestre. Morro do Cambambi 15/04/2018 São Benedito – Comunidade Cachoeira Rica Altar de santos, casa de Sofia. Campestre. Morro do Cambambi 15/04/2018 mento Da Matta mostra a coleta de Buriti ao lado do forno de barro Dona Erenir Nascimento Da Matta mostra a coleta de Buriti ao lado produção de rapadura. A foto abaixo apresenta a reutilização de do forno de barro de torrar farinha ara cultivar plantas comestíveis (temperes e chás) - Comunidade e produção de rapadura. A foto São Benedito - Comunidade Cachoeira Ricade novembPcdDraieonornrtgoiaandrdhEreoaroerr.d2nfDeai0rramiN1tnaãah8:osa3cpeimdapererannocotdouvuleDtçimãvaoabMrrdoaeptdlrtaaeanpm2taa0dos1usc8troraam. Aaescftooívtleoetiaasb(dtaeeixmBouparePcdDiptraierieonerasnrtgsoeoieaanlnrcadhErthdoaaroáoerras.dn)dfrDeao-ierCraufmiNoottniarmlãahni:zosuaoa3cnçpdeiiãmddeaopearebdrdaannoeercotdrouovuleDtçimãvaoabMrDdpacrdbhoelaaeapáattndclratsiaxtaaea:)naopr3–m2straiaa0nCdcdosp1hoeuoscr8otmermonrasdamoeu.eevsnAaneetimtsídcfmvatooaeãívbtaldioeoserertoipe(aastPaudeb(drittmeanaieeligixp2mzcBao0aeuupdç1rlareteoã8ipisvtrro.rieaeeasrsoeelncathdaáoas)dro-eCufoo Dona ErDeonniraNEarescniimr NenastcoimDaenMtoatDta MmaotsttaramaocsotrlaetaacdoeleBtaurditei Bauorliatidaoodlaodfoordnoofdoernboadrreobarro de torradrefatorirnrahrafearpinrhoadueçpãroodeuçrãaopaddeurraap.aAduforato. Aabfoatioxoabapairxeoseanptraesaernetautailirzeauçtãiloizdaçeão de carrinhocadrerinmhãoodpeamraãocupltairvaarcupltliavnatrasplcaonmtaessctoívmeiess(ttíevemisp(etreems peecrheásse) c-hCáosm) -uCnoidmaudneidade PingadoPri.nDgadtao:r.3Ddaetan:o3vedme nborovedmeb2r0o1d8e 2018 Pequena plantação de laranja e banana roça de Rufina – Localidade Horta Residência de Agripino e Feliciana Luisa da Silva. Água-Fria. Quilombo MCaomrrpoesdtore – Quilombo Morro do Cambambi. Data: 15/04/2018 CambamSbãi.o1B5/e0n4e/2d0it1o8 - Comunidade Cachoeira Rica Pequena plantação de laranja e banana roça de Rufina – Localidade Campestre – Quilombo Morro do Cambambi. Data: 15/04/2018 o de laranja e banana roça de Rufina – Localidade CPaemqupeensatprelan–tação de laranja e banana roça de Rufina – Localidade Cam Quilombo Morro do Cambambi. Data: 15/04/2018 o Cambambi. Data: 15/04/2018 Horta Residência de Agripino e FAenltiecrioanPaereLiuraisNaadscaimSielvntao. mÁogsutraa-Fria. Qu P24it/a1n1g/a2.0R1CHe8asoimrdtêbanaRcmeiasbidid.eê1n5Vc/aQPi0eanu4qiidllu/odee2men0QPbAa1Oeougpq8ilMrlluiaoivenpmoentribaanriroçoopaãdMloaeoVnodtCarFearaleoçlemaãldnriobcaotadniiCaCmemjaaanlbmaem.air.bQbaDLbanauuamjnaatiiambasleno:ia.abb1mDda5riao.n/bat0aç1aoa4nS:5/a1diL2/l5erva00o/a1Rg0ç48.ua4o//fd2iiÁ2nne00agh1R1u–8au8afLido-nFecaar–iCliadLi.omacdQaaeluQFHa1iCdis5eouaall/odmrrii0lctaomea4ipmamC/eRbn2aasbae0omtsors1LepdMi8Mduee–êisosotmnarrrcerarodi–anoaddddoSioeoiCclAvaaag.m.r0iÁbp2gai/n1umo2ab-/e2Fi.0ri1a6. Antero Pereira Nascimento mostra as ramas de mandiocHa. 0o2/r1t2/a201R6 esidência de Agripino e Feliciana Luisa da Silva. Água-Fria. Quilo Cambambi. 15/04/2018 Antero Pereira Nascimento mostra as ramas de mandioca. 02/12/2016 Pitanga. Residência de Vanilde Oliveira Valentim. Quilombo Lagoinha 24/11/2018Antero Pereira Nascimento mostra as ramas de mandioca. 02/12/2016 Pitanga. Residência de Vanilde Oliveira Valentim. Quilombo o mostra as ramas de mandiocAan.te0ro2/P1e2re/i2ra0N1a6scimento mostra as ramas de mandioca. 02/12/2016 Pitanga. Residência de Vanilde Oliveira Valentim. Quilombo LagoinhaLadgeoiCnihma ade Cima 24/11/2018 Cajueiro. P2i4n/g1a1d/o2r0.1Q8uilombo morro do Cambambi. 2018 Cajueiro. Pingador. Quilombo morro do Cambambi. 2018 Pitanga. Residência de Vanilde Oliveira Valentim. Quilombo Lagoinha de 24/11/2018

Cajueiro. Pingador. Quilombo morro do Cambambi. 2018 Vanilde O. Valentim, quilombo Lagoinha de Cima com a colheita de cará (2016) Vanilde O. Valentim, quilombo Lagoinha de Cima com a colheita de cará (2016) Jardim de Vanilde O. Valentim, quilombo Lagoinha de Cima, e jardim de Maria Afifia (Fifa), Quilombo Morro do Cambambi. 02/12/2016 Jardim de Vanilde O. Valentim, quilombo Lagoinha de Cima, e jardim de Maria Afifia (Fifa), JQaurdiliommdbeoVManoilrdreoOd.oVCalaemntbimam, qbuii.lo0m2/b1o2L/a2g0o1in6ha de Cima, e jardim de Maria Afifia (Fifa), Quilombo Morro do Cambambi. 02/12/2016 Jardim de Vanilde O. Valentim, quilombo Lagoin (Fifa), Quilombo Morro do Cambambi. 02/12/20 Jardim de Vanilde O. Valentim, quilombo Lagoinha de Cima, e jardim de Maria Afifia (Fifa), Quilombo Morro do Cambambi. 02/12/2016 Jardim de Vanilde O. Valentim, quilombo Lagoinha de Cima, e jardim de Maria Afifia (Fifa), QuiloJmarbdoimModreroVdaoniCldaemOba.mVablie. 0n2ti/m12,/q2u0i1lo6mbo Lagoinha de Cima, e jardim de Maria Afif (Fifa), Quilombo Morro do Cambambi. 02/12/2016 Augusta corta um pedaço de sabão-da-costa produzido por ela. João Carro. Quilombo Morro do Cambambi. 08/09/2018. Crédito. Marina Castro. Augusta corta um pedaço de sabão-da-costa produzido Morro do Cambambi. 08/09/2018. Crédito. Marina Cas Augusta corta um pedaço de sabão-da-costa produzido p Morro do Cambambi. 08/09/2018. Crédito. Marina Castr Augusta corta um pedaço de sabão-da-costa prod

Criação de animais Criação de galinha solta e produção de ovos. Tapera da antiga cozinha de dona Benedita Firmina da Cruz - Localidade Cachoeira Bom Jardim. 11/08/2018 Criação de galinha solta e produção de ovos. Tapera da antiga cozinha de dona Benedita Firmina da Cruz – Localidade Cachoeira Bom Jardim. 11/08/2018 Criação de Galinha d’Angola – Residência de Alcione Souza Neves CCorirarçeCãraoia. çCdãaeomGdepaegliasnltihnraeh.adQs`ouAltinalogemoplbraood-uMRçãeoosrirddoeêdonvocoiCsa.adTCmaerpiabAeçarlãacmoidodbaneia.eGn1atS5ilogi/nau0hcz4aoa/dz2iN`n0Ahe1nav8gedoselaedo-AnRnaesaidPêendciraodseoeCCAaaAlcmmnioabpneaePmsSetodrbeuriz..oaQ1sNo5ue/iC0vloe4oms/r2erbe0Aoa1n.8Ma Poerdrorodsoo Benedita Firmina da Cruz - Localidade CachoeCiroarBreoam. CJamrdpimes.t1re1./0Q8u/i2lo0m18bo Morro do Cambambi. 15/04/2018 Criação de suínos de dona Rufina – Localidade Campestre – Quilombo Morro do Cambambi. Data: 15/04/2018 Fidélis da Conceição e sua mãe Melícia Alves da Conceição. Pingador. Quilombo Morro do Cambambi. CCarimaçCbãraoiamçdãbeoi.sdDueíaGntFaoiadlési:nlis1dhd5aaeC/dod0n`co4eAiçn/nã2oage0oRslu1aau8mf-ãienRMeaeslíi–cdiaêLAnloveccsidFadaioadldCéiCodelainsmcaACCedbdiarçalcaãimeaComio.oçPbbCnnãiniac.oeagemamiddSçobãoerop.iu.QseezuDuiaslsíoauntmNtaorabmeeos:vMã1d–eeo5ersMr/Qod0eeou4líAcn/iinl2aaoa0ARm1lPvu8eefbsidndoraaoMCs–oonLocorecirçaoãloid.daPoidnegaCdoarm. Qpueilsotmrebo–MQourriolombo Morro do do Cambambi. Correa. Campestre. Quilombo Morro do Cambambi. 15/04/2018 Faço mocotó, sarapatel, frito as tripas” (dona Chica, 03/10/2015).1 Criação de suínos de dona Rufina – Localidade Campestre – Quilombo Morro do Cambambi. Data: 15/04/2018 Dona Durvalina Rodrigues Rondon, do quilombo Itambé, tomou o nome do falecido Tecnologia e técnica quilomboesposo, Francisco Rodrigues Rondon, como seu apelido. É dela a prática de nomear as vacas de leite com nomes herdados de sua mãe e de sua avó: Rapadura, Neguinha, Café, Bolachinha, Estrela, Beleza, Delícia e Bonita (nome herdado de sua mãe). Se nascer bezerro “macho” ela não dá um nome porque, segundo ela “o que é de comer, eu não tenho dó não. Faço mocotó, sarapatel, frito as tripas” (dona Chica, 03/10/2015). Tecnologia e técnica quilombola Melícia Alves da Conceição. Pingador. Quilombo Morro do Cambambi. Forno de barro e triturador manual de milh Comunidade Cachoeira Bom Jardim. Quilombo M Melícia Alves da Conceição. Pingador. 1 Dona Durvalina Rodrigues Rondon, Quilombo Morro do Cambambi. do quilombo Itambé, tomou o nome do falecido esposo, Francisco Rodrigues Rondon, 1 Dona Durvalina Rodrigues Rondon, do quilombo Itambé, tomou o nome do falecidoceosmpoossoe,uFraapnecliisdcoo. É dela a prática Rodrigues Rondon, como seu apelido. É dela a prática de nomear as vacas dedFloeegiãntoeoamcleoenmhaarcnaassoamdveaedcsoansa Sdoefial.eCiatmepecsotrme; forn herdados de sua mãe e de sua avó: Rapadura, Neguinha, Café, Bolachinha, EstrenQloaumi,loBmeesbloehMzeaor,rdrDoaddeoolíCscaiamdebamsubai. mãe e de e Bonita (nome herdado de sua mãe). Se nascer bezerro “macho” ela não dá suuma anvoóm: Reappoardquurea,, Neguinha, Café, Bolachinha, Estrela, Beleza, Delícia segundo ela “o que é de comer, eu não tenho dó não. e Bonita (nome herdado de sua mãe). Se nascer bezerro “macho” ela não dá um nome porque, segundo ela “o que é de comer, eu não tenho dó não.

Melícia Alves da Conceição. Pingador. Quilombo Morro do Cambambi. MFoegãloícaialenAhlavceassa ddeadConoanSocfeiai.çCãamo.pePstirneg; faordnoo re.tacho QQuuiilolommbobMoorMro doorCraomdbaombCi.ambambi. Me Qu Ralador, formão e martelo e mesa em fabricação. Residência de dona Anacleta Crisóstomo, Varginha, Quilombo Morro do Cambambi. 13/10/2018. Ralador., Formão e martelo e mesa em fabricação. Residência de dona Anacleta TecnoTleocgnioaleogtéiacneictéacqnuicilaomqubiloolma bolaCrisóstomo , Varginha, Quilombo Morro do Cambambi. 13/10/2018. Melícia Alves da Conceição. Pingador. Quilombo Morro do Cambambi. TeTcenconlogloiagiea teétcéncicnaicqauqiluoimlobmoblaola Forno de barro e triturador manual Ralador., Formão e martelo e mesa em fabricação. Residência de dona Anac de milho, arroz, etc. Quintal Crisóstomo , Varginha, Quilombo Morro do Cambambi. 13/10/2018. da residência de Maria Elenir Beltrão. Comunidade Cachoeira Bom Jardim. Quilombo Morro do Cambambi. 11/08/2018 Forno deFobranrroo dee tbriatrurroadeortrmituarnaudaolr dme amnuilahlo,dearrmozil,hoe,tca.rrQouz,inteatlc.dQa urinestaidlêdnaciaredseid ComunidaCdoemCuacnhidoaedireaCBaocmhoJeairdaimBo.mQuJailrodmimbo. QMRuaoillroarmodbodor.M,CaoFmrorbromadmãoboCi.ae1m1mb/0aa8mr/t2be0il.o1181e/0m8e/2s0a1e8 FornFoorndoe dbearrboarerotreitutrraitduorradmoranmualnudael dmeiClhmroi,silhóaosr,rtooazmr,roeozt,c,.eVQtcau.ringQtiuanlinhtdaaal, QrdeausidirleêosnmicdiêabnocdieaMdMoear ComCuonmiduandiedaCdaechCoaecihroaeRBiarolaamdBoJoarm.r,dFJiamorr.dmQimãuo.ileQommuiablorotmeMlbooerMmroeodsrarooeCmdaomfaCbbaramimcabbçaãi.mo1.b1Ri/e.0s1i81d/ê/20n08c1i/a82d0e18dona Anaclet Crisóstomo , Varginha, Quilombo Morro do Cambambi. 13/10/2018. ooPznin,cgeaeiçdtãoco.r. PQinugiandtaorl. da residência de Maria Elenir Beltrão. dmdoooabnCCCci.eoaainmçmcãbeobia.çaFPmãmoionbg.gbiãPa.oiidn.oag1ral.1edno/h0r.a8c/a2s0a1d8e dona drrooCdaomCSbaoamfmiabb.aiC.mabmi.pestre; forno e tacho de dona Joana Cezina de Oliveira Martinho (Tuta). Pingador. Quilombo Morro do CamFobgamãobia. leFnohgaãcoaasalednehdaocnaasaSodfeiad.oCnaamSpoefisat.reC;afmorpneosteret;afcohronodeedtoacnhaoJodaendaoCneaziJnoaandaeCOelzivineair QuilomFobgoãFQMougaoiãllrooermnoahlbdaeonchaMCasaaocmadrrseboaadddmoeonbdaCio.SanomafiabS.oaCfmiam.bCip.aemstpres; tfroer;nfoorentoacehtoacdheoddoendaoJonanJaoaCneaziCneazdineaOdleiveOilriaveMira QuilQomuibloomMborMroodrrooCdaomCbaammbbai.mbi. cho de dona Joana Cezina de Oliveira Martinho (Tuta). Pingador.

Fogão a Fleonghãaocaalseandhea dcoasnaadSeofdiao.nCaaSmopfieas.tCream; fpoernstore;tfaocrhnoo deetadcohnoadJoeadnoanCaeJzoinanaadCeeOzilnivaeidrea MOlaivretinrahoM(aTruttinah).oP QuilombQouMilomrrobodoMCoarmrobdaomCbai.mbambi. Dona Erenir Nascimento Da Matta e Argemiro de Lima – Comunidade Pingador. Quilombo isóstomo. Varginha. Quilombo Morro do Cambambroern; ofoerntaocehotadcehdoodnea dJooannaaJCoeazninaaCdeeziOnlaivdeieraOMlivaertirinahMo a(Trutitnah).oP(inTguatdao).r.Pingador. Morro do Cambambi, 2018 êdnocniaa dAenadcolneataAnacleta Engenho elétrico (moedor) para 138/1. 0/2018. EngenhoEnceagléentnarihcdooe ea(mlçéútorceiacdoroer()mTproiateurdaraodcr)aonrpadaerdaecaçnúacad elétrico.elgértãroicso.elétrico Arte cerâmica de Anacleta Crisóstomo. Varginha. Quilombo Morro d ArteAcrteeArârcmteericâcamerdiâcemaAidnceacAdlentaAacnClearticsalóeCsttaroisCmórsiost.óoVsmtaorogm.inVoha. arVg.aiQnrguhianlo.hmQa.ubQoilouMmilobrmorobModoMrCrooarmrdobodaCmoabCmia.bmabmabm Engenho elétrico (moedorA)rptearcaecraânma icdae daeçúAcanraecleTtriatuCraridsoórstdoemgorã.oVsarginha. Quilombo Morro do Camb elétricEon.genho elétrico (moedor) para cana de açúcar e Triturador de grãos elétrico. erâmica de Anacleta Crisóstomo. Varginha. Quilombo Morro do Cambambi. ha. Quilombo Morro do Cambambi. Arte cerâmica de Anacleta Crisóstomo. Varginha. Quilombo Morro do Cambambi Forno, potes, panela, copos e moringas. 08/07/2018 Forno, potes, panela, copos e moringas. 08/07/2018 Forno, potes, panela, copos e moringas. 08/07/2018 /p2Fo0to1e8rsnF, pooa,rnnFpeoolar,t,necposoop,,otppesaosen,tmeepolsaar,in,npcegaaolsanp.,e0oc8lsao/0,ep7com/o2sp0o1eor8isnmgeoamrsi.no0gr8ian/s0g.7a0/s82./0001878//0270/128018

Forno de barro e tacho; Colher de pau – torrar de farinha Forno de barro e tacho; Colher de pau - torrar de farinha ManFooerlnoPrdeetibnahFraorronoeolhtdaaecphbaoarr;arCooaelhtpearrcehdnoes;apCaoduleh-etmrodrarenapdr aidouec-afator-irnrChaarasdae dfaerindhoana Sofia. Campestre. Quilombo Morro do CamMbaamnobei l PreMtiannhoaeloPlhraetipnahraa oalhparepnasra daepmreannsadiodcea m- aCnadsiaocade- dCoansa Sdoefiad.onCaamSopfeiast.reC.amQpueilsotmreb.oQMuiloormrobodoMorro do FoCranmobadmebbi CaarmrFoboaremntboai dcheob;aCrroolheetradcheop;aCuo-lhteorrrdaerpdaeuf-atroinrhraar de farinha Manoel PretiMnhanaooelhPareptainrhaa aolphraenpsaaradae pmreansdaiodcae -maCnadsaiocdae- dCoansaa Sdoefiad.onCaamSopfeias.trCea. mQpueislotrme.boQuMilo Cambambi Cambambi Manoel Pretinho olha para a Habitações prensa de mandioca – Casa de Habitações dona Sofia. Campestre. Quilombo Morro do Cambambi Gamela – recipiente para fornecer água para os animais de criação es GaGmaemlael-Garae-mcreiepcliaiepn-ietrentcpeipapireaanrftaoerfopnraenrcaeecrfeoárrngáeugcaueparapáraagruoaasopasanarianmiomasisaaidnseidmecarcisariçdaãeçoãc.ori.ação. Gamela - recipiente para fornecer água para os anima Habitações – Casa deGtaaipma, ela - recipiente para fornecer água para os animais de quilombo Lagoinha de Cima Casa de tCaaipsaa, dqueiltoamipbao,LqaugoilionmhabdoeLCaimgoainha de Cima Casa de adobe e cadeira, antiga Casa de residência de Agostinho Rondon memoria (in memoriam). Avó de Sabino Rodrigues, filho de Durvalina Rodrigues Rondon CasaCasdae daedoabdeobe ceadceaidrae,iraa,ntaignatigaresriedsêidnêcinaciadedeAgAogsotisnthinohoRoRnodnodnon(in(in memmoermiaomri)a.mA)v.óAdveó SdaebSinaboinRoodRroigduriegsu,efsil,hfoilhdoedDeuDrvuarvlianlainRaoRdordigruigeuseRsoRnodnodno.n.

Casa dCeastaaipdaeC, qtaausiiaploadm,ebqotuaLiilapogamo,ibnqohuaiLldaoegmoCbiinmohaLaadgeoiCnimhaade Cima Cas Casa deCaasdaobdee eadcmoabde dCeatsaaipdae, qtauiiploam, qbuoilLoamgobionhLaagdoeinChima ade Cima memoriame).mAovóriadme )S.aAbvinó Casa de adobe e cadeira, antiga residência de Agostinho Rond memoriam). Avó de Sabino Rodrigues, filho de Durvalina Rodrigues Rond Cozinha, forno de barro, moedor e arame para cerca. Casa de Anacleta Crisóstomo. Varginha. 08/07/2018. Quilombo Morro do Cambambi. Casa de adobe e cadeira, antiga residência de Agostinho RRoonndCdoaosnna. d(eintaipa, quilombo Itambé memoriam). Avó de Sabino Rodrigues, filho de Durvalina Rodrigues oinrhnCaoo,dzfioenrhbnaaor,rdfooe,rbmnaoorerdode,ombr aeoreardorao,mrmeeoaperadaromarceeepracararaa.mCcaesrapcad.reaCAacnseaarccdlaee.tAaCnaCasracislóedtseatoACmnrioas.cólVsetatoramgiCnorh.isaVó.as0rtg8oi/nm0h7oa/.2V008a1/r8g0. i7Qn/uh2ia0lo.1m088.b/Qo0u7il/o2m01b8o. Quilombo rCraoMmdboarCrmoabmdi.boaCmabmi.bambi. Cozinha, forno de barro, moedor e arame para cerca. Casa de Anacleta Crisóstomo. Varginha. 08/07/2018. Quilombo Morro CdozCinahmab, afomrbnio. de barro, moedor e arame para cerca. Casa de Anacleta CrisóstCoamsoa.dVeatragiipnah,aq.u0il8o/m0b7o/2I0ta1m8b. éQuilom e Casa de madeira, quilombo Morro do Cambambi. Pingador Casa de madeira, quilombo Pingado Casa de taipa, quilombo Itambé ha. 08/07/2018. Quilombo Antero Pereira mostra as bases de madeira utilizadas para fazer rapadura; Tacho de cobre, ralado e socador de pilão; Cachimbo e lampião de querosene de dona Antero PereiraAmntoesrtoraPaesrebiraasemsodsetrma aadsebiraaseustidliezamdasdepiCarraaasufatailzdiezeardrmaspaapddauerariarf.aa;z,Teqarcurhaiolpodamdeubcrooab.;rPeTi,anrcgahalJMoaaddadroodreiraiemcoSs.boaQrcleaou,dmirlooaérml.addCbeooapceiMlhãsooer;craiCordaadocBhrooidmmebpoileãola; mCap de querosene de qduoenraoMseanreiadeSadlomnaéM. CaarciahoSeairloamBoé.mCaJacrhdoimeir.aQBuoilmomJabrodMimo.rQrouidloomCbaomMbaomrrboi.dC2o2aC/m0a5mb/ab2m0am1b8ib. i2. 22/0/055/2/2001188. . das para fazer rapadura.; Tacho de cobre, ralado e socador de pilão; Cachimbo e lampião Juvenita DiaJ Bom Jardim. Quilombo Morro do Cambambi. 22/05/2018. 05/11/2016. Q0


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