voltaria; somente agora se dava conta das consequências dos seus atos, levando para a cidade aquela pepita de ouro, incitando a cobiça do povo; não tivera ainda os pecados anteriores perdoados e já estava ajoelhado novamente em frente à cruz, rogando perdão pela ingenuidade de seus atos, oh! Maria Rita!, não queria nunca mais lembrar daquele nome, menos ainda daquele símbolo sexual, mas o seu coração lembrava; não queria orar por ela, mas os seus lábios oravam. “Puta” desvairada, pobretona, querendo se tornar rica as suas custas, à custa de seu cão; tinha uma única cama de solteira para os seus deleites, onde dormia, melhor, nunca dormia (dava), e mais alguns utensílios: penduricalhos, roupas espetaculosas, sapatos altos, e nada além, chegara à cidade passando de zona em zona, de mão em mão, ainda assim, pobre, acumulando, agora, a alcunha de ladra, roubara antes o seu coração, presentemente, queria o seu tesouro, para isso lhe roubar o cão, sabe-se lá quão pouco ganhara para praticar aquele delito, sem dúvida, precisava mesmo de orações, a tal sinistra; bem que o pároco tentara avisar, mas quem era o pároco para recriminá-la, falar de “moral”? (mesmo ele vivia de pedir perdão a Deus...); pensava, enquanto olhava o sinal da cruz cunhada na madeira ia imaginando a falação na cidade, o povo incrédulo, o banqueiro já se dizendo dono da pepita, o prefeito indignado, pois perderia a eleição, diabos de capiau, merecia mesmo as labaredas...
Contudo, se o trigueiro os levasse a mina de ouro, a cidade inteira se beneficiaria daquela riqueza, não, não podia permitir que isso acontecesse, na mente, uma única pergunta, quem convencera Maria Rita de ir ao rancho, se esmerar numa cena de gozo e, insuspeita, sair dali levando o seu cão trigueiro, ela mesma, não estava vindo à caça da mina, naquele cafundó dos infernos, onde Judas perdera as botas, somente fora paga para roubar-lhe o cão; naquelas alturas pusera a mão na bolada e metera o pé para longe daquela cidade, para continuar o seu ofício e por lá ficaria, até as tetas se despencarem ou mesmo criar barriga de não caber mais no velho vestido amarelo, e ninguém mais ia querer, e por fim, morrer na pobreza; tivera tudo nas mãos para mudar de vida (duas vezes seguidas – e em nenhum momento se fizera distinta, oh! Maria Rita!, agora, o riacho de antes não mais corria nos seus olhos; Deus, decerto, ouvira suas preces, se Deus o perdoaria ou não, isso não sabia, enquanto orava, mantinha o dedo no gatilho da arma, em alerta, seu cão, não estava mais ali, mas cansado, adormeceu, acordou com o uivo melodioso do cão, como notas musicais vibrando nos seus tímpanos, uma canção de ninar, já não estava sozinho, não podia ver o cão, mas sua alma caridosa, lhe vinha em socorro; algo de horrendo se aproximava de mansinho – um urro muito familiar – talvez fosse bravata da sua mente fantasiosa, ou quem sabe os gemidos delirantes de Maria Rita, quando faziam sexo, quem sabe Deus lhe falando aos ouvidos; nem uma coisa nem outra, era o mugido ofegante de uma
onça faminta, Deus seja louvado! Puxou o gatilho... bem que o olfato e a audição do cão, mesmo à distância, lhe avisara em tempo... Tremia dos pés à cabeça enquanto a felina se estrebuchava lá no chão – os olhos expirando o brilho da morte – o estampido da arma ainda zoando nos seus tímpanos, foi por um triz, pensou, sentindo mais a morte da onça do que quando atirara no sujeitinho, naquele dia fatídico, mas agora, já o tinha perdoado; naquela hora, era a onça ou ele – nenhum sentimento de raiva contra a felina – mas precisava sobreviver, senão quem corrigiria o mal que estava por cometer contra aquela natureza quase divina, o povo iria devastar a floresta inteira atrás do ouro, caso não encontrasse a tempo o trigueiro, que vinha atrás trazendo uma imensidão de gananciosos; antes de seguir cuidou de enterrar a onça, tendo o capricho de lhe cortar as patas, de caso pensado, sepultou-a longe da trilha modo o faro do cão não estragar seus planos, bastava que o trigueiro seguisse o faro de mabos (dele e das patas da onça). Conforme seus cálculos, os calhordas, logo passariam por ali, guiados pelo cão e pelo sentido do estampido da arma, dali em diante, cuidou de não mais engatilhar a arma de fogo, resolveria tudo no facão, oh! Maria Rita, naquela última noite de deleites ela dissera da enorme quantidade de aventureiros que chegavam à
cidade – todos despertados pela notícia do ouro – havia estranhos com pompa de ricaço, decerto, um daqueles teria oferecido boa grana pelo cão, precisando, no entanto que alguém engambelasse o capiau, oh! Maria Rita!, não podia esquecê-la, agora, menos pelos seus dotes femininos, a sensualidade a flor da pele, e aqueles seios pulcros e quentes, mas sim pela traição, decerto se entusiasmara diante da possibilidade de ter sua zona própria, uma casa com muitos quartos, já que a cidade ficaria abarrotada de garimpeiros, e onde garimpeiros guardam seu dinheiro, na zona, alguém lhe teria metido essa ideia na cabeça, podendo inclusive ser a gerente, com direito de cobrar por fora o aluguel da trepada, e melhor, não precisaria ir para cama com qualquer pé rapado, e assim, convencida, decidira ela mesma ir ao rancho e roubar o cão, o capiau, inocente, a receberia de braços abertos, oh Maria Rita, ainda que ganhasse todo o dinheiro do mundo, não compraria a própria felicidade, continuaria, se os planos de enriquecimento não dessem certo, a gozar de parceiro em parceiro, de zona em zona, até o fim dos tempos. Depois de muitas andanças, noites mal dormidas, dias sem se alimentar adequadamente, muitas vezes uma fruta, uma raiz, e ainda seguindo pela trilha que daria no lago dourado, optou por colocar em prática seu plano mais malicioso, maquiavélico, medonho, em vez de continuar na trilha que vinha, pegou o rumo oposto, aproveitando de uma réstia de sol que o ajudava a calcular se estava indo para
o sul, para o norte ou qualquer dos outros pontos cardeais, de forma o farejo do cão seguir segui-lo e não mais a trilha do ouro, para o cão, sabia tinha o remédio exato – as patas da onça e o odor do próprio dono, que o cão sabia de cor – assim, ia quebrando galhos que o impedia de seguir em frente ou remexia os húmus do chão, com a intenção de ludibriá-los, como se fosse aquele o verdadeiro caminho da mina; era, quando muito, o caminho do inferno, toda aquela corja, ambiciosa, acabaria nos cafundós da selva, não tendo eles a referência de mais nada, a não ser o cão que seguia o dono e quatro patas de onça, os abelhudos vinham andando a esmo, já contabilizando os ganhos; o cão, quando muito, o acompanharia – um, a alma do outro!
E aqueles muitos pretensos garimpeiros o seguiriam, sabe-se lá quantos homens e sues sonhos vinham naquela expedição, de certeza, muitos teriam deixado mulher, filhos, emprego, empresa, em busca do ouro, (os homens morrem de seus sonhos impossíveis!), já aprendera, naqueles poucos dias de sofrimento que a felicidade era como a luz do sol – luz muitas vezes efêmera que não brilha todos os dias – tal a vida naquela floresta o que uma mina de ouro mudaria da noite para o dia, a vida de muita gente, antes, viveriam a mais cruel das profissões, garimpar em milhões de metros quadrados um quinhãozinho de ouro, um seixo, uma esperança, agora, sabe-se lá onde andavam aquele povo, mas o que isso importava, também não mais importava o Maria Rita estaria fazendo, em qual cama, em qual metro quadrado de um quarto sujo, dando, a voluptuosidade plena se esfregando a um homem qualquer, em incontido frenesi, o que nem todos os homens que ali vinha, em busca do ouro, a satisfariam... O peito já lhe doendo, a cara, os braços marcados de mosquitos, os braços e pernas cortados de arranha-gatos, de espinhos, mas nenhuma ferida doía tanto quanto o seu íntimo – o preço de um sonho, nascido de uma única transa – numa dimensão maior dos anseios, quisera para si, simplesmente, uma companheira; mesmo que fosse ela uma “puta”, mas o que isso importava agora, ganhara, para si, uma fingida, o pároco (em nome de Deus) tentara avisá-lo, o cão também quisera avisá-lo naquela noite,
quando Maria Rita chegara ao rancho, as estrelas já deveriam saber, mas o coração fora mais forte; a sua frente, o relento, a umidade da selva, o descaminho íngreme, escarpado, pedregulhos, pontas de pau dilacerando sua vestimenta, sua carne, bichos carnívoros sempre na tocaia para saciarem a forme, animais peçonhentos por todos os lados, frio cruel, o medo de dormir e não mais acordar, via a todo momento o vulto de alguma onça, tinha muito a fazer antes que dormisse seu derradeiro sono, dormia, acordava ouvindo por perto urros de algum felino, oh. Maria Rita, o trigueiro, decerto o vingaria, sabido como era, já avaliara seus planos; na cidade, vivera as astucias dos felinos de lá, não havia mais lugar para si, o que importava se não sabia onde estava indo, de qualquer maneira, antes, onde ia parecia sempre perdido, tanto fazia se ali também fosse para os cafundós, no cume daquela selva, era mesmo isso que almejava levando aquela cambada de aventureiros consigo, tanto fazia se não visse mais a luz do sol, desde que provasse que não era tão capiau assim, seu coração talvez, levando toda aquela corja de espertalhões, interesseiros, consigo, para lugar nenhum. Agora, valia-se mais da força espiritual que vez em quando parecia lhe vir em socorro, a sua luz própria já tinha se exaurido, de modo não ser ofendido por uma cobra, uma aranha, e ver sua finalidade rendida diante dos perigos da floresta, logo, não estava mais sozinho, uma comunidade de pequenos seres caminhavam ao seu
lado, outras vezes pulando de galho em galho, arredando os arbustos modo lhes melhor passagem, a floresta o abraçava, agradecida, e todos seus guardiões estavam atentos, duendes, gnomos, seres fisicamente intocáveis mas perceptíveis, no resgate da floresta, dos minerais, dos animais, um exercito de espíritos perspicazes, quando já se sentia em frangalhos, a alma despedaçada, sem luz própria, a intuição lhe dizendo que seu plano daria certo; mais cedo ou mais tarde, sim, já estava dando... Os pretensos garimpeiros o seguiam cada vez mais aos confins da floresta, de onde, decerto, muitos deles jamais voltariam, bastava que cuidasse de não ficar muito longe do faro do cão, assim, caminhava devagar, logo, postou-se num ponto estratégico do trajeto e ficou lá de cima, olhando, esperando, dentro de algumas horas os aventureiros estariam mais perto – confiava piamente no instinto do cão – podia imaginar pessoas feridas, capengantes, famintas, doentes – tinham partido da cidade, cheias de sonhos, e não se deram conta que a selva tinha suas próprias defesas, artimanhas, aqueles seres espirituais cheios de artimanhas, decerto, já vinham lá atrás apagando seus rastros por onde haveriam de voltar novamente à cidade, depois de encherem suas bolsas de ouro, não, nunca deveriam ter saído da cidade, muito confiantes, risonhos, fazendo chacotas – imaginem, o capiau nos prestando um grande favor, encontrou uma mina de ouro, o chifrudo, e a puta, esperta, lhe roubou o cão de debaixo do nariz!, enquanto do seu profundo silêncio,
a selva, o capiau, em tempo, lhes preparava um colo de espinhos Na verdade, tinham certa razão, os cidadãos: “Chifrudo”! , fora mesmo muito inocente, achando que poderia constituir um lar com Maria Rita, a pureza do sentimento o tornara um sonhador, quanto às outras coisas que diziam dele, e delas riam a valer, naquela hora, que esperassem para ver, era só uma questão de tempo, conforme a experiência vivenciada na selva, sabia que nenhum ser humano sobreviveria ali por muito tempo, fechasse os olhos, num segundo, e já estaria morto, salvava-o, muitas vezes, a intervenção divina, agora, os espíritos benfeitores, e, naturalmente, a esperteza do cão; de toda maneira, ainda que fosse um pecador, alguma força soberana lhe vinha socorrer – acreditava! – fora isso, salvara-lhe a percepção e o manejo hábil da arma, nunca quisera matar, mas precisava; não queria estar ali, mas estava; não sonhara com nada daquilo, mas tivera a desventura da má escolha; quem não erra uma só vez na vida? Oh! Maria Rita!, lembrava os momentos no chuveiro quente da pensão, os dois se abraçando, e depois ele dentro dela, na ventura de um sentimento conciliador, o cheiro do sabonete, o gosto ácido daquela boca graciosa, mais tarde, ela o levando para a cama, onde adormecera feito um anjo, um arcanjo sonhador, reconciliando-se consigo
mesmo, com sua alma, com sua vida, era outro momento, do alto do penhasco espreitava a vinda dos garimpeiros, dali há pouco algum deles surgiria, tinha a certeza disso, e o mesmo olhava lá para cima, no penhasco, e desanimado, continuaria em frente, a ambição a todo custo; uma réstia de luz se infiltrando por entre as folhagens, alumiando os seus olhos, podia imaginar, lá longe, em algum lugar daquela montanha, o veio de ouro, o lago dourado, o céu na terra, para a maioria daqueles que vinham pelas incertezas da selva na intenção de descobrir uma mina, sabe-se lá a que custo voltaria de lá, tudo era uma incógnita, somente o trigueiro sabia, mas se cachorro falasse aquele ali nunca os levaria ao Jardim do Éden, o lugar não lhes pertencia, além de não serem merecedores de toda aquela fortuna, daquela paz natural, ninguém deles seria; dependesse do povo, da ganância, logo, logo, toda beleza dali se resumira em escombros; pensava, enquanto aguardava algum sinal, lá longe, que confirmasse a vinda dos gananciosos. Um e outro susto, animais incautos, quebrando galhos, correndo por ali, ou fossem espíritos travessos, o olhar distante para ver quem de longe vinha, e já suas vísceras padeciam a acidez da fome, quando longe viu o primeiro vulto; por certo, o cão vinha à dianteira, um pouco mais atrás, vinham outros e outros, o coração já lhe palpitou forte no peito, senão por causa deles seria em razão de sua mente endoidecida, na preocupação de encontrar os acessos mais difíceis de serem vencidos,
sabendo que o cão o encontraria, a consciência ainda o incomodando por tornar a pepita (somente a maior delas) conhecida do povo, as demais enterrara em algum lugar da selva, fato esse que, considerando a ambição do povo, causaria um gigantesco desastre ecológico àquelas paragens, estava agora se recuperando do erro cometido, salvando a natureza, a flora, a fauna, e tudo mais que havia por lá, riachos, flores, pássaros, morros, grotões, relvas, ervas medicinais, arbustos, arvores frondosas, madeira de lei, e todas as espécies nativas que dariam ao lugar uma importância imensurável, não, não era admissível toda aquela fortuna na mão de poucos, melhor seria que a selva serviço ao enriquecimento coletivo de todos os seres vivos e inertes do planeta Terra, que nem todo ouro do mundo compraria; sabia agora, aquela montanha tinha alma própria, conhecera de perto o vigor da vegetação que muitas vezes o amparara nas horas mais difíceis e que o alimentara em outras ocasiões, como se não o quisesse morto, não ainda, não naquele momento, ainda, se tinha fome, as plantas lhe davam de comer, os riachos lhe ofereciam água, as árvores, os arbustos, lhe ofereciam frutos, precisava, somente destingi-los modo não se intoxicar, para isso, mantenha a atenção redobrada sobre a hábito dos pássaros, comendo sempre, o que eles comiam... Naquele momento todas as almas boas do universo, do planeta Terra, da floresta, vinham ao seu socorro,
levadas a um único objetivo de ajudá-lo a resguardar os segredos da selva, tudo que nela havia de importância, que não devia pertencer jamais à apenas um grupo de pessoas, mas ao universo como um todo: terra, ar, mar, firmamento, seres animados ou não, do oxigênio à fotossíntese, aquela infinidade de árvores, das mais distintas envergaduras à simplicidade da relva, e já se lembrou do carvalho onde cunhara uma cruz, apenas uma singela cruz, como símbolo que o lembrasse Deus; pedia desculpas à árvore, por lhe ter ferido a casca; ainda que fosse apenas a casca Por entre a copa das árvores via ao longe a sinuosidade das montanhas ao abrigo de um sublime manto verde, não, não podia conceber aquela beleza toda devastada, nua, à sua frente, em razão de uma paixão e algumas pepitas de
ouro, aquela obra divina derrubada pela ambição, a maior das obras do divino, agora, levada a cabo por uma cobiça desmedida, enquanto pensava, vinha se aproximando a cambada que os seguia, que viessem, Oh! Maria Rita, difícil acreditar que todo aquele esplendor físico, em algum momento do passado, tivera em suas mãos, a sua deusa, sua lua, seus raios de sol, brilhando somente para si; não podia conceber a terra nua, suas entranhas revolvidas, cavoucadas, centímetro a centímetro e aquela imensidão verde revirada ao avesso, por conta da ganância dos homens e culpa de si mesmo. A consciência lhe doendo, a audácia de imaginar que Deus lhe confiava uma missão, uma vez que tivera a desventura de arrancar do ventre do santuário uma grande pepita de ouro e, descuidadamente, levou-a ao centro das atenções humanas, tinha agora a obrigação de redimir- se de um dos pecados capitais – a cobiça – representada também em todos aqueles homens que chegavam ávidos pelo ouro, pela fortuna que fatalmente os deixaria cegos, bastava que descobrissem a mina e ficariam cegos, cegos de todos os sentimentos do bem, desumanos até, o ouro era da natureza e lá deveria permanecer, raciocinava, mas aqueles homens não queriam saber disso, o cão vindo ali, no faro das patas da onça – a caminho de coisa nenhuma! – logo, tudo saía conforme seus planos maquiavélicos, assim, prosseguiu serra acima, oh Maria Rita, aquele esplendor de mulher, o corpo moreno de incomum rebolado, as
madames morrendo de inveja dela, os homens, cultivando os maiores desejos por ela, aqueles belos seios, olhos de uma tigresa, a tez macia exalando um irresistível cio, os lábios carnudos carregados de batom; quanto estúpido fui, sonhando demais... Não fora o único que tentara aliciar Maria Rita ao casamento, mas se vangloriara ter sido o mais convincente, e ela aceitara, sabe-se lá por que, talvez estivesse escrito nas estrelas, não, não se dera conta de que aquele sentimento pessoal e passageiro fosse apenas uma das artimanhas da paixão – coisas do coração! – esperasse uma semana ou mais e talvez sua vida não terminasse daquele jeito, tendo ainda de corrigir o próprio erro, levando Maria Rita ao extremo da ambição, pura imaginação, Maria Rita jamais acompanharia aquela comitiva, morreria, a lembrança dela simplesmente esplendorosa num vestido amarelo, jogando-se em seus braços, beijando sua boca, sonhara demais, Maria Rita não era mulher para se esposar, mais acima, no extremo da montanha, já lhe faltava o ar, imagina o que seria daqueles outros desacostumados da lida na selva, logo, via-se em vantagem, tendo ainda ao seu favor o fator da ajuda das criaturas travessas da natureza, duendes, gnomos e outros brincalhões defensores das selvas. Sabia, portando, que Deus não se faria presente naquele momento, pois nada fizera ainda para merecer o
perdão pelos erros cometidos entregando a floresta a bel prazer daqueles outros que vinham ali contando com a fortuna a qualquer custo, visto que, não se limitariam a retirar da terra apenas algumas pepitas de ouro, para o sustento próprio, cavoucariam centímetro a centímetro toda aquela montanha e extrairiam de lá até a última milionésima parte de um grãozinho reluzente, em seguida arrastariam dali com tratores toda e qualquer árvore existente, ateariam fogo nos arbustos menores deixando pelo caminho a cor cinzenta da morte,, indiferentes a todas e quaisquer semeadura que ali Deus perpetrara, para o bem deles mesmos, da humanidade, não, nenhum daqueles que vinham ali, estavam em comum acordo com o soberano, queriam que queriam o ouro, então, cabia- lhe agora, reverter esta situação, e se foi, mal podendo dar o passo seguinte e ainda assim, indo pelos pontos mais íngremes da montanha, decidido, os levaria o mais distante que sua condição física permitisse, passando sim pelas veredas mais arriscadas, pelas trevas, precipícios, enquanto o cão os vinha guiando – no seu faro, no faro das patas da onça – trazendo toda aquela colundria a caminho do nada, podia parecer vingança, mas não era, era fuga, fuga de si mesmo, fuga de Maria Rita, fuga de toda aquela hipocrisia, quiçá, a sua própria ressurreição – a obrigação de devolver à natureza o que era dela e já não raciocinava direito embora sentisse a natureza a seu favor, os gnomos, os duendes, indo em frente lhe mostrando a melhor saída.
Sim, Deus bem podia cuidar de tudo aquilo sozinho, sem ajuda de mais ninguém, porém, deixava a cargo a obrigação humana de descobrir seu próprio caminho (dava-se à ousadia de imaginar que estava ali para cumprir a tarefa que Deus lhe dera), logo, tentava, do fundo da alma entender a razão de todo aquele infortúnio, caía,
levantava, voltava a cair, a mente confusa, e já não se importava com mais nada, deixava-se levar, e já no topo da montanha olhou lá embaixo a vastidão do precipício, sim, a obra-prima de Deus – o artífice de tudo aquilo – o espigão da montanha, lugar onde sempre quisera chegar, ver, quem sabe tocar às nuvens, os céus, a lua, as estrelas, ou assistir no infinito o sol saindo das entranhas da terra ou fosse do mar, agora, pensava em Deus, quem sabe ainda o soberano o perdoasse, estava por devolver a natureza tudo aquilo que quase roubara dela, a mina de ouro, agora, enganando àqueles que vinham ali na ambição da riqueza a qualquer preço, Oh! Maria Rita!, o semblante dela já embaralhado no seu olhar, sim Maria Rita, melhor mesmo não ter vindo, Deus não aprovaria, pensava, quando o chão foi lhe faltando sob os pés, flutuava como num tapete mágico, levado pela comunidade dos espíritos protetores do ar, da terra, da água, do fogo, como as fadas, gnomos, duendes, Ondina, salamandras, tornando-o imortal e um ser superior, de modo salvar a natureza, aquela selva, o planeta Terra, dando aos homens uma lição de vida, ao lado o seu cão trigueiro igualmente flutuava, ora cão, ora onça, porém sem as patas, que lhe pareciam lhe sorrir... Oh! Maria Rita!, a malícia daquele sorriso, aqueles lábios carnudos carregados de batom ruge, o olhar de cio, assim, ternamente se esvaindo de suas lembranças, Maria Rita lhe estendendo a mão na intenção de resgatá-lo (como se pudesse!), não, não pode mais Maria Rita, aquela boca onde se mergulhava por inteiro, não, não pertenço mais a
esse mundo Maria Rita, enquanto, lá de baixo, os homens tentavam entender o que estava acontecendo, quem sabe um dia entenderão, quem sabe?, e seu corpo indo num voo mágico, sem volta, mas de algum lugar daquela majestosa e agradecida selva, vinha-lhe o brilho áureo de um santuário onde suas mãos, como dois fachos de luzes, abençoava a natureza, e ela correspondia – obrigada capiau!...
Este livro foi editorado com as fontes Minion pro e Birsh std. Publicado on-line.
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