Plantação de oliveiras7 – 23/5/2007de Torremejia para Mérida: 16,4 = 214,7 km Angelo Stirma Com o objetivo de chegar bem cedo à Mérida, iniciamos 51a jornada antes das 6 horas e quando eram 11 horas jáestávamos na cidade. No caminho, encontramos um casal deitalianos, Sr. Rinaldo e esposa. Foi interessante porque deupara relembrarmos muito do que ouvíamos com nossas mães,e conseguimos nos comunicar perfeitamente com os italianos.Quando o Celso fez uma brincadeira que usamos no Brasil, emdizer que italiano é tutti “buona gente”, ma ladri, o italiano nãogostou, daí explicamos que é uma lenda antiga do Brasil, dachegada dos italianos, que, com muito trabalho, foram ficandobem de vida, e os nativos brasileiros faziam essa colocação pordespeito. A ponte romana, na entrada da cidade, é linda, com maisde dois mil anos, assim como muitas outras obras, algumas emruínas, porém tombadas como patrimônio da humanidade.Muito interessantes são o teatro e o anfiteatro romanos, que
Loucuras de um peregrino foram construídos em 57 a.C. O albergue da cidade também é muito bom, e a cidade muito acolhedora e bonita. Nesse dia, fizemos a primeira janta, tipo piquenique, compramos um pão bengala, azeitonas, queijo, vinho – esse não podia faltar –, e comemos sentados na grama perto do albergue. Pena que começou a chover, e isso abreviou nossa alimentação. Nossos amigos Rinaldo e esposa nos informaram de um caminho que tem na Itália, que sai do norte, rumo a Roma, e ficamos já meio motivados a fazê-lo, se Deus assim o permitir. Em Mérida, tem inúmeras obras do tempo do império romano, onde também, além do teatro e anfiteatro, destacam-se o Templo de Diana, a Muralha Romana (Alcazaba), o Aqueduto de Los Milagres, e outros. 52 Ponte milenar em Mérida
Jantar de peregrino. Angelo StirmaCaminhando com os italianos 53
Loucuras de um peregrino Na ponte milenar com os italianos 54 Ruínas do teatro romana
Ruinas do anfiteatro romana8 – 24/5/2007 de Mérida para Alcuéscar: 37,5 = 251,3km Angelo Stirma Esse dia, para mim foi talvez o mais difícil, além das dores 55nos pés, em razão da bota apertada – havia comprado somenteum número a mais, mas os pés incham muito, é necessário queo calçado seja dois números maior – estava muito desanimado eindisposto, por todo o caminho, fui me questionando, se valia apena fazer esse sacrifício, o que eu estava fazendo lá, etc. Mas, mesmo assim, segui em frente, já que, pelas outrasexperiências de caminho, sabia que esse tipo de dia é normal numacaminhada longa. Uma hora depois de iniciada a caminhada,passamos por uma represa da época romana, de antes de Cristo.Chegamos a Aljucén, às onze e meia, e resolvemos andar mais21 km, até Alcuéscar.
Loucuras de um peregrino Embora a desmotivação e dificuldade, o pueblo de Aljucén não apresentou nada que nos motivasse a ficar e, entre ficar ali e andar, achamos melhor seguir caminho. Por volta das 16 horas, entramos na cidade de Alcuéscar, que também é um pueblo pequeno, e o albergue fica num antigo convento, que depois foi transformado em hospital, e hoje, inclusive, ao lado, abriga uma casa de recuperação para doentes mentais. O albergue fica num lugar meio esquisito, no terceiro andar do antigo convento. Saímos para ver a cidade e caiu um toró de água; e uma dentista, vendo que estávamos nos molhando na marquise, convidou-nos para nos abrigar no consultório, delicadeza muito rara na Espanha. Compramos uns cacauetes (amendoim) e vinho, para ser nossa janta, e o hospitaleiro veio nos convocar para a cena, de forma enfática. O Celso foi, e eu resolvi não ir, porque já tinha comido muito amendoim. No outro dia, pela manhã, ele estava muito antipático, acredito que tenha ficado chateado por eu não ter ido jantar. Na realidade, houve um desentendimento, pois eu entendi que ele havia oferecido o jantar quando chegamos ao albergue, e que teríamos ficado de confirmar, mas ele entendeu que havíamos confirmado. 56
Estudando o roteiro! Angelo StirmaRestos de um aqueduto 57
Loucuras de um peregrino Caminhando... 58 Albergue
9 – 25/5/2007 de Alcuéscar para Cáceres: 39,8 = 288,8km Angelo Stirma O destino agora é Cáceres, embora um pouco puxado, mas 59vamos tentar chegar. Logo na saída, o caminho bastante sujo emolhado pela chuva, levamos um banho! O caminho está muitomal sinalizado nesse trecho, nós nos perdemos por quatro vezes.Quando fomos passar num riacho, o Celso, para não tirar a bota,resolveu passar rapidinho, pisou num buraco e caiu, mas nãohouve maiores problemas. Na chegada a Cáceres, também não havia nenhumasinalização e foi difícil achar o albergue, tivemos que atravessartoda a cidade, e como os pés doíam muito por causa do inchaço eda bota, foi muito difícil e complicado. O albergue estava lotadopor turistas que haviam ido para a Feira na cidade. Turistasque estavam de ônibus. Embora nossas reclamações de que osperegrinos deveriam ter prioridade, nada conseguimos e aindaficamos mais preocupados, pois a informação era de que nãohavia mais vagas nos hostales e hotéis da cidade. Andar até a próxima cidade não seria possível, eu nãoaguentaria. Resolvemos tentar encontrar um hostal. Tivemosque voltar ao centro da cidade, e para isso tem uma longa subida,que parece um calvário para quem já está cansado. Por sorte,achamos um bom hostal e depois que tomamos banho, fomosconhecer a cidade, que é muito bonita e atraente. À noite, fomos procurar um lugar para jantar, e ocorreuum fato interessante relacionado ao postre (sobremesa): o Celsopediu molocoton (pêssego), achando que seria daqueles de lata,e veio um natural, pequeno e verde. Mas, de um modo geral, foium dos melhores lugares em que comemos na Espanha.
Loucuras de um peregrino Contratempos da caminhanda 60
Centro de Cáceres Angelo Stirma Cáceres 61
Loucuras de um peregrino Cáceres 62 Centro de Cáceres
10 – 26/5/2007 de Cáceres para Embalse de Alcântara: 33,6 = 321,8km Angelo Stirma Na saída, encontramos um bar, entramos e tomamos 63um excelente café com churros (diferentes do Brasil, muitosaborosos). Nesse lugar, chegam as pessoas que passaram a noiteacordadas e vão comer para retomar as forças; e como era muitocedo ainda, estava cheio de gente, que estavam finalizando anoite. O caminho, no início, pra variar, era mal sinalizado.Andamos uma boa parte pela carreteira, sem acostamento eperigosa, com movimento intenso. Nosso objetivo era chegar à Embalse de Alcântara (33,6km).A aproximadamente doze quilômetros, depois de Cáceres, temum pequeno povoado chamado Casar de Cáceres, o qual, emborapequeno é muito organizado e bonito. Após comprarmos suco efrutas, recomeçamos a rota rumo ao nosso destino. O caminho é de média dificuldade, mas muito bonito nofinal; chegamos muito cansados. Na passagem pela ponte, quefica um pouco antes do albergue, ficamos um bom tempo vendouma enorme quantidade de peixes embaixo da ponte. Pelatransparência da água, dava para acompanhar perfeitamente amovimentação do cardume. Embalse é uma represa, e há somente um hotel no local,um albergue, um restaurante e muitas casas de veraneio. Oalbergue é um show, muito confortável e de ótima qualidade.A janta também foi muito boa, pedimos uma tortilha muitoboa, apimentada, mas de ótimo sabor.
Loucuras de um peregrino Caminho de média dificuldade 64 Tá difícil?
Lindo e confortável Albergue de Embalse Angelo StirmaVista para a represa 65
Loucuras de um peregrino 11 – 27/5/2007 de Embalse de Alcântara para Galisteo: 39,9 = 360,9km Novamente pensamos em andar até o próximo ponto de parada e verificar como estavam as forças para seguir caminho. Chegamos muito cedo em Grimaldo, um pueblo muito pequeno, e resolvemos encarar até Galisteo. O caminho é fácil, e chegamos, embora cansados, muito bem. O problema maior foi encontrar albergue, um estava fechado, e embora nossa insistente pesquisa não encontrasse o hospitaleiro para nos abrigar, perguntando, indicaram-nos outro, que era público; fomos até lá e não deu coragem; para chegar, já estava o carreiro cheio de dejetos humanos, e chegando perto era ainda pior, e não tinha ninguém. Decidimos então voltar ao centro e ficar em um hostal, também muito ruim, por sinal, porém barato. Galisteo é um pueblo pequeno, com 1.985 habitantes, no entanto, muito diferente dos demais, porque é cercado por uma grande muralha, que é percebida de longe. Foi construída sobre um monte, o que facilita a visão, para se proteger dos inimigos na época do império romano. 66
Peregrino sofre! Angelo Stirma 67
Loucuras de um peregrino Chegando a Galisteo 68 Muralha em Galisteo
12 – 28.05.2007 de Galisteo para Aldeanueva del Camino: Angelo Stirma 47,9 = 410,6km Iniciamos a caminhada às 7 horas, e foi difícil encontrar umlugar para tomar café, o que ocorreu somente em Carcaboso, a10 km. Neste pueblo, fomos a um bar, que era também albergue,para tomar café. Fomos atendidos por uma senhora, que falavamuito e demorou quase meia hora para servir o café. Depois ela queria nos ensinar o caminho, e aí eu olhavano nosso itinerário e mapas, e ela, muito irritada, disse que erapara eu ver depois e naquela hora era para prestar atenção noque ela falava. Passamos pelas ruínas de Cáparra, que são muitointeressantes. No caminho, passamos pelo meio de fazendasde gado, em certa altura, o Celso foi tocar um boi que estavano caminho, e ele nos encarou e veio; não tínhamos onde nosproteger, a sorte foi que ele, em certa altura, resolveu virar olado da corrida e correr junto com os outros. Mas o medo foigrande. Pernoitamos em um hostal a quatro quilômetros deCáparra, porque não teríamos condições de chegar a AldeanuevaDel Camino, pois estávamos muito cansados. 69
Loucuras de um peregrino Ruínas em Cáparra 70 Peregrino cansado não escolhe lugar para deitar
13 – 29/5/2007 de Aldeanueva del Camino para Banhos de Montemayor: Angelo Stirma 09,8 = 420,4km 71 Chegamos ao destino às 12:30 horas. O caminho estavamuito mal sinalizado e nos perdemos. Resolvemos ir pelo asfaltoaté encontrar o caminho novamente. Na Espanha, as autovias sãocercadas de telas, e ninguém pode entrar, não passa nem cachorro.Quando nos deparamos com essa via, no trevo, e vimos a placaque indicava para Banhos de Montemayor, não tivemos dúvidase pulamos a cerca. Estávamos andando no acostamento, muitodistraídos, pensando na vida, o Celso a uns cem metros na minhafrente, e aquele barulho intenso de carros, quando encostaramao meu lado dois policiais rodoviários em suas motos potentes, eforam logo xingando e dizendo “num puede andar nesta autovia”,e daí eu falei que estávamos perdidos e que não sabíamos disso.Como o Celso não percebeu e estava indo distraído, eles, parachamá-lo, ligaram a sirene e isso ocasionou o maior pulo que já vide um peregrino. O Celso achou que vinha um carro em cima dele e seassustou e deu um pulo. Toda vez que lembro, começo a rir;mas naquele momento o caso era sério e não dava para rir. Ospoliciais, então, quando o Celso chegou, falaram que tínhamosque retornar uns cinco quilômetros, para pegar a outra rodoviaque é permitida também a pedestres, e uma rodovia paralelaentre uma cidade e outra. Meio inconformados, voltamos, e quando eles desapa-receram, resolvemos de novo encurtar caminho e pulamos a tela(se eles vissem, estaríamos presos até hoje). Esse percurso foibastante difícil e cansativo, quase todo asfaltado, e no final temuma subida, embora não acentuada, mas longa. Na chegada deBanhos, o interessante é um pedaço da antiga calçada romana,que foi mantida intacta. O pueblo de Banhos é turístico, de águas termais. Temsetecentos habitantes fixos, mas os hotéis, todos lotados em
Loucuras de um peregrino razão do turismo. Procuramos albergue e fomos informados de que abria somente às 16 horas, e como os hostales eram muito caros, resolvemos almoçar e aguardar; o Celso tirou uma soneca sobre um banco na frente do ayuntamiento. Às 16 horas, fomos ao albergue, que é muito bom, tomamos um bom banho, depois saímos para comprar algo para comer, compramos azeitonas, cacauetes (amendoim), água, pão e vinho. No albergue, em um dos aposentos, havia dois beliches, quatro lugares; daí chegou uma turma de bicicleta, de origem italiana, e o hospitaleiro perguntou se dois deles poderiam ficar conosco. Concordamos, quando fomos dormir eles não haviam retornado. Daí pelas tantas, o Celso me acordou, dizendo “vamos, que tá na hora”, já havia ido ao banheiro, se arrumado etc., eu vi que era muito cedo e resolvi olhar no relógio, era uma e meia da manhã. O fato é que os italianos não estavam no quarto e daí ele pensou que eles já tinham saído, olhou no relógio de forma inversa e achou que eram seis e cinco. Pela manhã, o hospitaleiro deixara o café pronto, somente para esquentar no forno de micro-ondas, com pão para tostar e também galhetas (bolachas), tomamos um ótimo café. 72
Calçada romana - milenar Angelo StirmaBanhos de Montemayor 73
Loucuras de um peregrino Calçada romana construída há mais de 2.000 anos 74 Propriedades com cercas de pedras.
14 – 30/5/2007 de Banhos de Montemayor | Altitude 700 m para Angelo Stirma Fuenterroble de Salvatierra | altitude 951 m: 32,6 = 453 km 75 Após o excelente café da manhã no albergue, enfrentamosa saída íngreme, porém muito bonita, com trechos da calçadaromana. Ao alto, dá para avistar muito bem o Pueblo, que selocaliza num vale. Nesse dia, nossa disposição era muito boa, por termosdescansado bem, fomos andando com ânimo e conversando. Opercurso é gostoso para andar. Quando chegamos perto de uma casa, o Celso falou: “olha otamanho do cachorro!”. Não deu nem tempo para olhar direito,pois ele veio em nossa direção, furioso, e embora estivesse comfocinheira, assim mesmo veio pra cima e fui me defender com ocajado; dei um passo em falso, para trás, onde tinha uma pedrae laje e me desequilibrei, pois o peso da mochila contribuiu paraisso; caí feio, com o lado do quadril sobre a pedra, sentindo umador intensa. Achei que tinha quebrado alguma coisa, permaneci caído,o cachorro bufando ao redor e eu segurando ele com o cajado. Odono do cão chegou, conteve o animal e me ajudou a levantar.Como a dor era intensa, achei que seria o fim do caminho paramim. Nesse acidente, aconteceu um fato que demonstraclaramente os mistérios do caminho. Carregava, amarrada namochila, uma concha que havia comprado no início do caminho,em Sevilha. É uma tradição do peregrino e uma maneira deidentificação. Essa concha estava muito bem amarrada. Na queda,ela soltou-se totalmente da mochila, caindo uns dois metrosao lado, sem qualquer avaria, e com o barbante em que estavaamarrada na mochila, totalmente solto, sem qualquer nó. Ummistério realmente!
Loucuras de um peregrino Mas a força de vontade era maior que a dor, passei uma pomada de Diclofenaco gel e também tomei um anti- inflamatório. A duras penas consegui, mesmo com muita dor, chegar ao destino às 15 horas e estava um frio intenso. Eu lavei a roupa, mas ela não secou, e fiquei com mais peso para carregar no dia seguinte. O principal problema foi que havia lavado o agasalho e ele não secou, daí tive que passar frio. No albergue, havia um pessoal muito estranho, falavam sozinhos, com uma imagem assustadora (barbicha de bode), enfim, o que se pode chamar de esquisito. Fomos jantar e voltamos ao albergue, com frio, querendo entrar no saco de dormir, para esquentar e dormir. Nesse momento, chegou o hospitaleiro e disse que o padre estava atrasando a missa, estava só esperando por nós; não tivemos alternativa a não ser ir à missa. Mas valeu a pena, a missa foi muito boa, porque o padre (cura, em espanhol) disse coisas motivadoras e interessantes sobre peregrinação, citando o privilégio de estar em contato com a natureza, com o próprio espírito e o que isso representa para o ser humano. O pueblo de Fonterroble é muito pequeno e tem 283 habitantes, é aquele tipo de povoado que, com certeza, na hora em que morrerem os últimos velhos, deve desaparecer, como, aliás, muitos pelos quais passamos na Espanha. 76
Desequilibrei ao defender-me do cachorro Angelo StirmaJuntando a concha 77
Loucuras de um peregrino Fuenterroble de Salvatierra. 78
15 – 31/5/2007 de Fuenterroble de Salvatierra para Morille: 32,5 = Angelo Stirma 485,5km 79 Nos pueblos, normalmente os bares – lá, tudo se chamabar, não há lanchonetes –, abrem tarde, depois das nove horas.Como o peregrino tem que sair cedo para não enfrentar muitocalor, se não comprar comida no dia anterior, tem que andarsem café até o próximo pueblo, o que, às vezes, fica longe. Foi oque aconteceu, nesse dia só fomos tomar café em São Pedro deRosados a 28,2 km. Chegamos famintos e cansados, além disso,o caminho tem uma subida grande, onde há usinas eólicas emum lugar bem alto. Depois começam grandes retas, chegando a ser monótonoe chato para andar. Chegamos às 14:30 horas e ficamos noalbergue municipal, onde tem somente seis lugares e as camassão muito ruins e barulhentas. Jantamos em um bar, em que amulher era muito mal-humorada e não nos atendeu bem. Nesse dia, encontramos um peregrino que já havia feitoo caminho e se gabava de que o havia feito em 26 dias, o quenão acreditamos – chamava-se Augustinho, depois não oencontramos mais, é possível que ele andasse muito mesmo. Na peregrinação, é importante analisar muito bem ocaminho, onde pernoitar. Nossa estratégia, sempre que tiveruma cidade grande no caminho, é pernoitar a uma distânciamenor, para, no dia seguinte, chegar a essa cidade até o meio-diae poder conhecer melhor a cidade. Morille fica a somente 19,5km de Salamanca.
Loucuras de um peregrino Casal suíço fazendo o caminho de bicicleta 80 Usinas eólicas
16 – 1/6/2007 de Morille para Salamanca: 19,3 = 504,8km Angelo Stirma As camas do albergue eram muito ruins, – aquelas camas 81em que o sujeito deita e afunda – de molas e barulhentas(beliches). Não dormi direito, assim, não tinha outro jeito a nãoser sair cedo mesmo. Nosso destino era Salamanca e desejamoschegar cedo para aproveitar e conhecer bem a cidade que, juntocom Sevilha e Orense, são as principais da Via de La Plata. Caminho sem dificuldades e de fácil percurso. Chegamos às10:30 horas, e como o albergue estava fechado e só abriria ao meio-dia para receber as mochilas, e somente poderíamos usar às 16horas, fomos dar uma volta e achar um local para comer algumacoisa como café da manhã. Encontramos um bar que foi, talvez,o melhor atendimento que tivemos no caminho. Uma senhoramuito disposta nos atendeu, falei pra ela que queria um café comleite, porém com pouco leite e muito café, pedimos uns churros,que é quase como uma rosca de massa de pão, frita no azeite,estavam deliciosos, pagamos e fomos achar internet e conhecer ocentro. Almoçamos às 14:30 horas e daí rumamos para o albergue,tomamos banho e depois fomos novamente conhecer a cidade esuas enormes e inúmeras igrejas. Salamanca é uma cidade universitária com muitosestudantes jovens, o que é difícil encontrar em cidadesmenores da Espanha. Com aproximadamente 170 milhabitantes, é uma cidade bem estruturada, e a curiosidade éque, quando Napoleão invadiu a Espanha, a cidade ficou muitodebilitada, mas posteriormente a restauraram, conservandoas características romanas. O albergue é muito bom, e ohospitaleiro era um português da cidade do Porto. Compramosvinho, pão, azeitonas, jantamos no albergue mesmo, e depoisfomos ao merecido sono.
Loucuras de um peregrino Caminho entre Morille e Salamanca 82 Catedral de Salamanca
Angelo Stirma 83Centro de Salamanca
Loucuras de um peregrino84 Praça central de Salamanca
17 – 2/6/2007 de Salamanca para El Cubo Del Vino: 35,5 = 540,3km Angelo Stirma Na saída, lembramo-nos do atendimento do bar dos 85churros e fomos lá para ver se estava aberto, e por nossa sorteestava. A mulher que nos atendeu no dia anterior lembrou que ocafé era com pouco leite, uma atitude inesperada para o padrãode atendimento – frio – do espanhol. Serviu-nos um excelentecafé, comemos novamente os churros e saímos muito dispostosa chegar à terra de El Cubo Del Vino. Na saída, quando passávamos pela Plaza Maior,encontramos uns rapazes que estavam voltando da festa enos disseram que o caminho não era por ali, mas ao contrário,ou seja, tentando tirar uma de nossa cara. Não demos bola eandamos uns quinhentos metros, aí sim, encontramos umajovem, muito simpática que quis saber do caminho, de ondetínhamos começado e por fim desejando-nos “bom camino”. Uma parte do caminho é pela carreteira, é muito perigoso,embora plano e fácil; chegamos supercansados. Encontramos oAlbergue que fica na igreja, deixamos nossas mochilas e fomosalmoçar. Chegamos em cima da hora do fechamento, masainda conseguimos ser atendidos. Comemos uma excelentee visualmente bonita ensalada. Depois, fomos tomar banho edescansar, compramos algumas coisas na tienda e jantamos emum bosque perto da igreja, mas antes assistimos a uma missa. O albergue é muito pequeno, tendo somente cinco lugares,porém, bem acolhedor e limpo. Este pueblo, não sei comorecebeu o nome relacionado à terra do vinho, pois há poucasparreiras na região, e as que existem pelo caminho são de máqualidade.
Loucuras de um peregrino A famosa ensalada86
18 – 3/6/2007 de El Cubo Del Vino para Roales Del Pan: 38,4 = 578,7km Angelo Stirma Nosso destino é Zamorra, o caminho é tranquilo, não é 87difícil, chegamos às 12:30 horas, e logo na entrada já deu paraperceber que se trata de uma cidade muito interessante. Nachegada, já temos que passar por um rio grande, com pontetambém da época romana. A parte central da cidade, mais antiga,fica sobre o monte, e é muito bonita. A cidade não tem albergues, motivo pelo qual somenteconhecemos os pontos principais, tiramos fotos, e resolvemosseguir até o próximo pueblo, que conforme consta no roteiropossuía albergue público. Passamos na tienda e compramos refrigerantes, frutase bolachas e resolvemos comer sentados numa grama, depoisprocuramos a saída, faltava sinalização e partimos rumo aRoales Del Pan. Quando lá chegamos, procuramos pelo albergue, e, para nossasurpresa, a hospitaleira estava viajando – depois descobrimos quetinha ido para Barcelona –, e ninguém sabia com quem estava achave. O pueblo é muito pequeno, não possui hotel nem hostal. OCelso já foi arrumando um jeito de ir se espichando para dormirno banco da praça. Enquanto isso, fui tentar localizar o albergue. Fui perguntando até que encontrei. Quando cheguei,a sorte foi tanta, que a mulher da limpeza estava lá, pois eraum pavilhão onde também funcionava uma escola. E daí conteipra ela que não tínhamos onde dormir etc., e ela nos deixoupernoitar no Pavilhão. Fui chamar o Celso e ficamos muito satisfeitos em ter ondedormir, mas o banho teve que ser frio, porque os banheiros daescola não tinham água quente. Tivemos que improvisar umascamas, com tábuas de mesas, porém conseguimos descansarpara nova etapa no dia seguinte.
Loucuras de um peregrino Ponte romana – Zamorra 88 Zamorra
Janta de primeira! Angelo StirmaCamas confortáveis! 89
Loucuras de um peregrino 19 – 4/6/2007 de Roales Del Pan para Granja de Moreruela: 34,2 = 612,9km O caminho até Granja não oferece dificuldades, exceto pelo terreno em que, em partes, é ruim de andar, porque tem muita areia e pedras soltas. A cidade é muito pequena e não oferece nenhuma opção. Nessa cidade, temos que decidir se vamos via Astorga ou via Orense. Decidimos ir por Orense, embora muitos peregrinos nos informavam sobre as dificuldades da falta de sinalização que iríamos enfrentar. Porém, por Astorga, o problema é com os albergues, pois, nessa época, o caminho francês tem muitos peregrinos que lotam os albergues. Preferimos ir por Orense, até para conhecer uma nova parte da Espanha, pois de Astorga até Santiago, já havíamos conhecido no caminho anterior, em 2002. O albergue é muito bom, e ao lado tem um bosque, com mesas de concreto, onde fizemos nossas refeições, como sempre: azeitonas, pão, vinho e frutas. Havia alguns peregrinos no albergue, os quais não mais encontramos pelo caminho. Devem ter seguido por Astorga. 90
91 Angelo Stirma
Loucuras de um peregrino 20 – 5/6/2007 de Granja de Moreruela para Tábara: 25,5 = 638,3km Como decidimos ir via Orense, nós nos informamos sobre a saída correta junto ao proprietário da tienda. No entanto, ele nos orientou sobre um atalho que disse que reduziria uma volta de aproximadamente três quilômetros. Na saída, já nos perdemos e fomos pelo rumo, a sorte foi que o rumo estava certo, mas andamos pelo menos umas três horas sem saber se estávamos certos ou não, até que encontramos, perto da ponte, o caminho. Aliás, foi da ponte, uma das fotos mais bonitas que fizemos, pois o reflexo do Sol proporcionou uma imagem ímpar. Essa parte do caminho não é difícil, mas um pouco cansativa. Chegamos às 12 horas, procuramos pelo albergue municipal, que é muito bom, tomamos um bom banho e fomos almoçar. Foi um dia tranquilo, pois deu tempo para ir à biblioteca, colocar os e-mails em dia e incluir as fotos. Compramos alimentos na Tienda e jantamos no albergue mesmo. 92
93 Angelo Stirma
Loucuras de um peregrino 21 – 6/6/2007 de Tábara para Olleros de Tera: 36,3 = 674,6km Na saída de Tábara, o caminho é muito confuso e muito mal sinalizado. Novamente nos perdemos e andamos pelo rumo, durante um bom tempo, até que encontramos um pequeno pueblo e nos orientamos. No caminho tem uma cidade (pueblo) de Santa 94 Croya de Terá, que é muito bonita e organizada. Ao lado, também Santa Marta de Terá é do mesmo estilo. Como chegamos cedo, decidimos andar até Olleros de Terá. O caminho, a partir de Santa Croya muda totalmente. Agora sim, aparecem bonitas trilhas, ao lado do Rio Terá, dando-nos um ânimo redobrado para chegarmos a Santiago. Até o humor muda, pois começam bosques, matas e bonitas imagens do rio. Perto de Olleros, a partir de Calcadilha de Terá, inicia um sistema de irrigação espetacular, com as águas do Rio Terá,
mas que está praticamente abandonado. Quando perguntamos Angelo Stirmaaos moradores de Olleros, informaram-nos que não compensaplantar, porque El Govierno paga para eles ficarem sem fazernada. O detalhe é que nessa cidade só tem velhos, e os jovensque foram embora não voltarão mais. A tendência é acabar em10 a 15 anos. A certo ponto do caminho entre Santa Croya eOlleros, tem um balneário no Rio Terá, onde a população daregião passa os finais de semana. Aproveitamos e entramos naágua para refrescar os pés. Em Olleros, o albergue é numa escola, onde ficamossozinhos. Dentro da escola havia muitas garrafas pet com areia eoutros grãos. Não sabíamos para que serviriam. Quando chegouo final da tarde, começaram a aparecer umas idosas para pegar astais garrafinhas. Fomos ver, e eram os pesos para a ginástica. Nofinal da tarde, também apareceu um senhor de idade para baterpapo. O povo é muito carente de conversar com pessoas de fora,pois devem estar entediados. Nessa região do rio Terá, todos ospueblos de alguma forma têm a palavra terá no nome. 95
Loucuras de um peregrino96 Peregrino desanimado com o albergue
22 – 7/6/2007 de Olleros de Tera para Puebla de Sanabria: 56,2 = 720,8km Angelo Stirma Nosso destino inicial era Mombey. Chegamos muito cedo 97e como não havia nada de interessante no povoado, resolvemoscontinuar o caminho até San Salvador de Palazuelo, pois constano guia que tem albergue. Nossa surpresa foi que, quando láchegamos, fomos muito bem atendidos pela hospitaleira, masquando perguntamos onde era a tienda ou bar para comermos,ela nos informou que “non tiene”, ou seja, não havia nada paracomprar e para comer naquele pueblo, o albergue era novo. Como era muito cedo e não tínhamos o que comer e beber,não dava para ficar, pois teríamos que ficar sem comida até odia seguinte. Não tivemos alternativa a não ser seguir, emboraambos com muitas dores nos pés e pernas. O próximo pueblo ficava a seis quilômetros e não constava noguia se tinha albergue ou não. Novamente outra surpresa: quandochegamos, tinha bar, tienda, mas não tinha albergue. Paramos nobar para comer e para pedir informações, fomos atendidos comum mau humor danado, típico dos espanhóis, mas este estavaalém do costumeiro. Sorte que tinha outro bar, onde uma senhoramuito simpática nos atendeu e nos deu a informação, de que erasó em Puebla Sanábria que encontraríamos albergue. Ficamos indecisos, pois já havíamos andado quarentaquilômetros, e até Puebla eram mais 16 quilômetros. Daí, unsespanhóis que estavam no bar quase brigaram entre si paraquerer nos orientar como ir até Puebla. Meio a contragosto, nãotínhamos saída, eram quatro horas da tarde, ou tentaríamos iraté Puebla, ou teríamos que dormir ao relento. Analisamos que dormir ao relento, ali ou em qualquer outrolugar, seria a mesma coisa. Então, decidimos tentar. Comemosum excelente bocadilho com ovos, compramos chocolate e águae fomos em frente. Eu estava com a bota me machucando muito,tentei colocar as sandálias, mas daí a alguns quilômetros tive querecuar, pois começaram a doer os tendões. Nesses momentos é
Loucuras de um peregrino que as músicas do MP3 ajudam. Ao ritmo das canções, vamos sentindo menos e vamos em frente. Foi muito difícil, mas chegamos. Andamos 56 quilômetros nesse dia. O albergue fica num convento de freiras. As camas são muito ruins, daquelas antigas, de molas, quando a gente se mexe faz um barulho danado, mas tem bons chuveiros. A cidade de Puebla não é muito grande, localiza-se sobre um monte e ao lado de um rio. A Vista é muito bonita, é uma das mais bonitas do caminho. 98
99 Angelo Stirma
Loucuras de um peregrino 23 – 8/6/2007 de Puebla de Sanabria para Lubian: 29,4 = 760,2km Na saída, encontramos um casal de alemães, que depois fomos revendo praticamente até Santiago. Eles tinham muita dificuldade na comunicação. Ou andavam muito, ou pegavam ônibus de vez em quanto, pois, às vezes, chegávamos ao100 albergue e eles já estavam lá; e olha que é difícil encontrar quem ande no nosso ritmo. Nosso próximo destino era Lubian. Essa etapa é muito difícil, com subidas muito fortes, porém, é uma etapa muito bonita, com muitas trilhas pela mata e excelente vista. Foi uma das etapas de que mais gostei. Em Lubian, quando chegamos, o casal de alemães já estava lá. O albergue é bom, porém o pueblo é muito pequeno e não oferece nada. Conseguimos internet no ayuntamiento (prefeitura), onde quase tive que pescoçear uns moleques que estavam lá. Muito mal-
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