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Revista Tertúlia Nº 4

Published by Papel da palavra, 2020-07-15 10:07:12

Description: Revista Tertúlia Nº 4

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ANO 3 | Nº 4 dez 2019 juntos sabemos mais nesta edição MEMÓRIA o passado é ponto de partida para novas histórias!

Nossa vida é baseada em recordações, não há futuro se não há um passado a ser lembrado. - Sarah Silva | Escola Major Veneziano

ditori l 2018 Caro/a leitor/a, chegamos a 4ª edição da Revista Tertúlia com muitas novidades CONSELHO EDITORIAL para contar. A primeira novidade diz respeito ao apoio financeiro. Quem nos acom- panha sabe que a Revista Tertúlia é um periódico do Projeto Desengaveta Meu Texto. ADAIL SOBRAL | FURG Este projeto atualmente tem sido realizado com apoio e financiamento da Fundação AMASILE COELHO L. C. SOUSA | UEPB Itaú Social em parceria com a Fundação Carlos Chagas, no âmbito do “Edital de Pes- ANA LÚCIA SOUSA NEVES | UEPB quisa Anos finais do ensino fundamental: adolescências, qualidade e equidade na ANA MARIA MACHADO | ABL escola pública”. Graças a robustez desse apoio crescemos e irradiamos nossas luzes ANA PAULA CAVALCANTI MUNIZ | SEECT BRUNO GAUDÊNCIO | ALCG para outros contextos (próximos e/ou distantes), alcançando um número maior de CARLOS ROBERTO | SEECT leitores. Assim, nossa segunda novidade diz respeito ao campo de abrangência. Hoje, DENISE LINO DE ARAÚJO | UFCG estamos presente na Secretaria de Educação do Estado da Paraíba, especificamente DIEGO SEVERO | SEECT na 3º Gerência Regional, situada na cidade de Campina Grande, abrangendo cinco EDILBERLANE DINIZ ABRANTES | SEECT escolas públicas localizadas na periferia da cidade, atendendo alunos entre 11 e 14 GUILHERME PANHO | UFPE anos de idade. Nossa terceira novidade diz respeito ao nosso público-alvo. Antes, ISABELLE DE ARAÚJO PIRES | SEECT JAIDETE DIAS DE SOUSA | SEECT acolhíamos alunos das diversas etapas da Educação Básica. Agora, devido ao edital JAIRO CÉSAR | SEECT de financiamento, abrangemos de modo mais específico os alunos dos anos finais do JOÃO WANDERLEY GERALDI | UNICAMP ensino fundamental (6º ao 9º anos). Isso nos aponta para um caminho com metas JOSÉ CRISTOVÃO ANDRADE | UEPB PROCULT mais claras e objetivas, quais sejam: propor soluções efetivas e eficazes para as difi- JOSÉ HELDER PINHEIRO | UFCG culdades de aprendizagens de leitura e escrita desses alunos. A escolha pelos anos JOSÉ HILTON SILVA DANTAS | SEECT finais é motivada pela falta de atenção das políticas públicas sobre essa etapa. JOSEMIR CAMILO | ALCG JURANI CLEMENTINO | ALCG Fora as novidades, consolidamos algumas escolhas. A primeira diz respeito ao LEONOR WERNECK DOS SANTOS | UFRJ tripé organizacional da Revista. Continuamos recebendo textos de alunos (especifi- LINAIARA SANTOS HERMÍNIO | SEECT camente dos anos finais), professores (de todas as áreas) e convidados (público em LUCIANO NASCIMENTO | EDUEPB geral, inclusive alunos de outras etapas escolares). A segunda diz respeito à temática. LUCIENE MARIA PATRIOTA | UFCG MAILSON FURTADO VIANA | CIA C. ARTE Continuamos trabalhando sob o guarda-chuva de uma temática central. Assim, a MANASSÉS MORAIS XAVIER | UFCG temática que norteia essa 4ª edição é “Memória: o passado é ponto de partida para MARCOS BAGNO | UNB novas histórias”. Por essa razão, o/a leitor/a encontrará diversos gêneros (crônica, MARIA APARECIDA VIDAL | SEECT memória literária, poema, depoimento...) que trazem a memória à tona. MARIA AUGUSTA REINALDO | UFCG MARIA HELENA MOURA NEVES | UNESP Por fim, não tenho dúvidas de que esta tem sido a melhor edição da Revista até MARIA VALÉRIA REZENDE | C. FEM. LITÉR. o momento. Graças ao esforço coletivo dos alunos, professores, diretores, coordena- MIRTES WALESKA SULPINO | ABES dores, secretários, instituições, colaboradores e toda a equipe editorial da Revista. MONIQUE ALVES VITORINO | IFPB Sinto que o/a leitor/a encontrará um pouco de si nas páginas que seguem. Afinal de PATRÍCIA SILVA ROSAS DE ARAÚJO | UFCG contas, quem não tem um passado para contar, para relembrar, para reviver ou até PATRÍCIO ALBUQUERQUE VIEIRA| IFPE PEDRO FARIAS FRANCELINO | UFPB mesmo para esquecer? Interaja conosco e compartilhe suas memórias. RENATA JUNQUEIRA DE SOUZA | UNESP SANDRA SUSANA | SEECT Patrícia Rosas TELMA GALDINO | SEECT VERA LÚCIA BATALHA | UNITAU Às reuniões informais e periódicas as quais se juntam pessoas com interesses comuns para debaterem, trocarem informações e opiniões ALUNOS CONVIDADOS dá-se-lhes o nome de TERTÚLIAS | Fonte: conceito.de ALESSANDRO CAMILO 3ª REGIÃO DE ENSINO ALUSKA DE SOUZA PEREIRA tertúlia | DEZEMBRO | 2019 CAMPINA GRANDE ANA CLÁUDIA DOS SANTOS CINTHIA CIBELY GOMES © Tertúlia é uma publicação periódica do Projeto Desengaveta Meu Texto: DUDA SOUZA Ações de incentivo à leitura, produção e circulação do texto do aluno e do MARIA EDUARDA SILVA professor. Desengavetamos textos, sonhos e oportunidades. MARY CORREIA Campina Grande. Paraíba. Brasil | desengavetameutexto.org COORDENAÇÃO ARTE, DIAGRAMAÇÃO E CONSULTORIA EDITORIAL CONSULTORIA CULTURAL DISTRIBUIÇÃO E USO LIVRES. PRODUÇÃO EDITORIAL E DIVULGAÇÃO E APOIO INSTITUCIONAL FOTOS DO ACERVO DESENGAVETA. LINALDO B. NASCIMENTO | EDITORIAL editoraleve.com eduepb.uepb.edu.br/ proreitorias.uepb.edu.br/procult/ Imagens © Envato Elements. PATRÍCIA S. ROSAS ARAÚJO | PEDAGÓGICA Administrado por © Editora Leve. © Revista Tértulia | Juntos sabemos mais! 1

SUMÁRIO 4 20 32 Memória Entrevista Comunidade Conto Crônica 8 Bruno Gaudêncio | O lugar da Poema memória é na escola | 32 Resenha Opinião 2 Mirtes Sulpino | Há um rio na minha infância | 33 Ernani Terra | Papicha | 35 Catharie B. de Souza | Memória: nossa maior inimiga ou nossa maior aliada | 36 22 Jurani Clementino | Memórias de um escritor | 36 Tiago Monteiro | No alpendre de nenzinha | 38 Mailson Furtado | à cidade | 39 Efigênio Moura | Do tempo de... | 39 Sammelly Xavier | Carta pessoal | 41 ... e mais Desengaveta 10 24 Cordel | 13 Especial Os números da dura realidade da educação Que cheiro sua avó tem? no Brasil | 16 Desengavetando as Receitas da Vovó | 27 14 Memórias da 28 Tertúlia | 42 Alunos ENTREVISTA Convidados Iêda Lima: Um olhar no retrovisor e outro na estrada | 43 tertúlia | DEZEMBRO | 2019 Escrever à mão faz bem para o cérebro | 47 17 Índice de autores | 47 Professores 30 Nº 4

CARTA DO LEITOR Da capa à revista! Há muitos anos, Olá Pessoal, tudo bem com vocês? em diferentes países, Gostaria de fazer um breve comentá- cidades e aldeias, mu- rio sobre a 3ª edição da Revista Tertúlia. Autodidata, fotógrafa artístico e lheres, homens, mas, sobretudo mulhe- Não quero falar de um texto específico, mas da edição em si. Percebi que cada comercial, Andrea Carolina Sanchez res, reuniam, geralmente em círculos, texto escrito carrega um pouco da histó- Gonzalez (1983), é natural de Bogotá e jovens e crianças para contar histórias. ria de seus escritores. Escritores jovens, atualmente reside em Cajicá – Colômbia. Histórias sobre suas tradições, sobre sua mas que souberam usar o papel e a caneta Desde 2010 desenvolve a fotografia cultura e antepassados. Muitas vezes, para revelar um pouco de si. Assim, en- de uma maneira diferen- contramos textos sobre amizade, sobre a essas histórias serviam para relação pai e filhos, sobre amores, sobre a fugir da fome, do frio, do medo vida cotidiana, sobre viagens e profissão. te, suas imagens se ca- o acesso ao livro e da falta de esperança. Quando racterizam por compo- e à biblioteca as mulheres negras vinham da Eu já escrevi para a Revista Tertúlia sições simples, de cores como aluna. Hoje, escrevo como convidada. únicas e incomuns no são a chave África, por exemplo, covarde- Isso porque terminei o ensino fundamental e agora curso o ensino médio. Tive a gran- pós-processamento de para o sucesso mente escravizadas ao lado de de alegria de ser escolhida como Jovem efeitos fotográficos. das demais seus filhos, eram transportadas Aprendiz do Banco do Brasil, graças as estratégias para em navios chamados de tumbei- ações do Projeto Desengaveta Meu Texto, Seus projetos tem e hoje transito entre o mundo das letras e como fio condutor, a ma- ros. Eram navios de médio porte, o mundo do trabalho administrativo. nipulação de cores, luz uma educação que tinham uma parte superior natural, efeitos digitais de qualidade e um porão, onde viajavam os Penso que os alunos que hoje escre- “pretos”. As condições eram as vem na Revista não podem se intimidar. e texturas, os mesmos Não podem deixar alguém calar a sua voz. Muito pelo contrário, devem acreditar no tem o propósito de transmitir novos piores. Pouco espaço, pouca água, pouca poder da mobilização artístico-literário significados estéticos aos objetos. comida e condições de higiene precárias. que seus textos podem causar. Pensan- Para suportar o insuportável, as mães do nisso, tenho três conselhos para os As fotografias com os ‘macaroons’ novos escritores: 1º) acreditem em seus (pequenos doces franceses), são de arrancavam de suas saias um pedaço de sonhos, lutem sempre pelo seu futuro. Ele composição simples, mas forte, pois tecido e com ele confeccionavam, com começa na ponta do lápis; 2º) nunca se sempre cativaram visualmente a fotó- nós, bonecas chamadas de abayomi, que prenda demais a opinião grafa pela sua delicadeza, coloração e significa encontro precioso. De posse dos outros, pois muitas formas geométricas. das bonecas, as crianças brincavam e pessoas não querem a sua felicidade; 3º) Ao bom gosto, o projeto com objetos sonhavam com comida, água, sua casa, escrevam com a retrô (faz menção a peças novas que seus pertences e, principalmente, liber- verdade do seu co- foram inspiradas em épocas passadas) dade. Como podemos ver, desde sempre, ração, ou melhor, com a verdade de e vintage (diz respeito a tudo que tenha a arte, notadamente a literatura, é um suas vidas. ao menos vinte anos, mas menos de instrumento de resistência e de espe- 100), a ideia da fotógrafa era recupe- rança para o povo. Quando ela chega às Acredito que nesta nova rar a simplicidade estética dos objetos salas de aula, a esperança abstrata, se edição encon- e transferi-la para uma imagem mais transforma em sonhos de carne e osso. A traremos mais colorida e viva, sem perder a nostalgia importância das políticas de leitura e es- escritores e suas histórias do passado. crita para sociedade é tão vital quanto as incríveis. Inluenciada pela arte infantil, seus políticas de educação. Aliás, o incentivo Boa lei- trabalhos apresentam a utilização de à leitura literária na escola e os projetos tura a to- dos! cores pasteis vivas e alegres. Entre elas, que visam acesso ao livro e à biblioteca a cor rosa, que ao longo do tempo tem são a chave para o sucesso das demais desenvolvido digitalmente matiz, tons estratégias para uma educação de qua- lidade. Quando leio a Revista Tertúlia e saturação dessa cor. Mantendo a tradição, a capa da não vejo páginas com textos escritos, Tertúlia remete ao passado, através de vejo a história que as velhas contadoras obras de arte ou ilustrações clássicas, transmitiam para salvaguarda das nossas e a contracapa apresenta uma imagem raízes culturais. Quando compreendo o real, com temas que abordam a atuali- arcabouço no qual ela está ancorada, vejo tertúlia | DEZEMBRO | 2019 dade ou futuro! o sonho e a esperança ganharem novos Por Guilherme Panho contornos. Antônio Candido já dizia que MESTRE EM ARTES VISUAIS a literatura é um direito humano. É como o pão, que não deve faltar na mesa. A luta Ana Carla por uma sociedade leitora é uma luta que Silva | Aluna deve ser de todas e todos que querem um desengaveta- dora e Jovem Aprendiz país mais justo, melhor e mais sensível. do Banco do Brasil Por uma Paraíba leitora! Jairo Cézar | Professor e Escritor 3

MEMÓRIA ALUNOS Chama-se relato de memórias ao gênero de literatura em que o narrador conta fatos da sua vida. É tipicamente um gênero do modo narrativo. - Wikipédia Memória tertúlia | DEZEMBRO | 2019 QUANDO OS ANJOS SE MACHUCAM candura, eu acreditei e voei para os seus braços. Quando Mary Correia descobri que o paraíso não passava de uma ilusão, cai no chão e me machuquei profundamente. Ainda hoje carrego Quero contar um pouco sobre a minha história. O recorte marcas dessa dor. que faço se passou no ano de 2010, quando eu ainda tinha 7 anos de idade. Nessa idade, eu já estudava na atual escola. Hoje, com dezesseis anos, me sinto livre para recomeçar a E mesmo pequena me incomodava com as críticas que as amar. Mas aquele garoto vive preso às suas próprias ilusões, pessoas faziam sobre o meu cabelo. Ele era volumoso e eu amargurando suas próprias escolhas erradas. Eu, porém, sigo gostava de usar uma tiara. Mas meus colegas ficavam zoando livre para abraçar o que a vida pode me oferecer de melhor. de mim. Já recebi até agressão física por causa disso. Mas Os anjos podem até se machucar, mas também sabem como poucos acreditavam no meu sofrimento. Nem as pessoas dar a volta por cima e voltar a voar. que eu amo me davam crédito. OS LUGARES POR ONDE PASSEI Todas aquelas agressões me entristeciam muito e me Luiza Lima Neves afastavam das pessoas. Passei a ficar quieta e não gostava de interagir com meus colegas. Com o passar do tempo, já Alguns lugares marcaram a minha vida. Eu tenho lem- na adolescência, percebi que aqueles mesmos garotos que branças de uma casa muito grande, com vários quartos. Eu antes me agrediram, passaram a se interessar por mim. gostava do cheiro que exalava das paredes e do conforto que a casa proporcionava. Mas eu também tinha medo dessa No entanto, um garoto me envolveu com suas palavras. casa, pois achava ela muito escura. Ele era muito esperto e sabia como me seduzir. Para me conquistar, ele me prometeu o paraíso. E como um anjo de 4

Eu também me recordo de uma escola onde estudei. A leitura ainda é o Eu sentia muito medo de estudar lá, pois todos diziam que melhor exercício aquela escola havia sido construída sobre um cemitério. para estimular Apesar disso, fiz várias amizades. a memória de um indivíduo. Lembro de outra casa onde moramos. Esta era pequena, Supera a mas tinha um quintal muito grande, onde eu costumava prática de correr com o meu cachorro. No quintal havia muitos pés de outras frutas: goiaba, acerola, banana, mamão... Nessa casa tive o atividades, primeiro contato com a internet. como xadrez e palavras-cruzadas, Atualmente, estou morando com a minha família! Com em muito. | IZQUIERDO | certeza, a casa mais especial de todas! GUIA DO ESTUDANTE ABRIL A escola onde estou neste exato momento escrevendo este texto é outro lugar que merece destaque na minha vida. Não pretendo sair daqui até terminar meu Ensino Médio. A escola não é perfeita, mas aqui aprendi coisas que vou levar para a vida toda, principalmente as amizades. VELHOS E NOVOS AMIGOS Leonardo Ernesto Eu morava no Rio de Janeiro e tinha muitos amigos por A LEMBRANÇA QUE NÃO DÓI tertúlia | DEZEMBRO | 2019 lá. Certo dia, a minha mãe quis vir morar na Paraíba. Ela Sara Brithian comprou as passagens e viajamos de avião para a Bahia, depois pegamos outro avião para Recife e, por fim, pegamos Certo dia, acordei bem cedo para ir à escola. No caminho, um carro com destino à Paraíba. Ao chegar aqui, reencontrei esbarrei num garoto e começamos a nos falar por um bom a felicidade. tempo. Minha mãe me matriculou e passei a estudar e a conhe- Depois de alguns meses, comecei a gostar dele e ele de cer vários amigos. Mas ainda guardo no peito a saudade da mim. Era um amor inocente, meu peito ardia de vontade de cidade que deixei para trás. estar com ele. Mas me senti insegura quando ele me pediu formalmente em namoro. A diferença de idade entre nós era Com o passar do tempo, me acostumei com a Paraíba e grande. Desde então, não nos víamos mais. hoje participo de um projeto chamado “Desengaveta meu Texto”. Sou muito feliz com essa nova escola que estou es- Fiquei triste. Senti a falta dele e a dor rasgava o meu tudando e com os novos amigos que conquistei. A mudança peito. Por muito tempo fui sendo consumida pela sauda- me tirou do convívio dos amigos que tanto estimava, mas de que aumentava a cada instante. Hoje, com o passar do também me deu a oportunidade de conhecer outros amigos tempo, a lembrança dele não me faz sofrer mais. Lembro, e assim ampliar meu ciclo de amizade. mas não sofro. PALAVRAS QUE NOS LEVANTAM A BICICLETA LARANJA Rayssa Ellen Miquéias Hemderson Quando eu tinha oito anos de idade, no finalzinho da Eu tinha apenas seis anos quando minha mãe comprou tarde, minha mãe mandou eu colocar comida para os pinti- uma bicicleta laranja para mim. Apesar de eu não saber nhos que viviam lá no quintal da minha casa. Sem perceber, andar, estava empolgado. Peguei a minha bicicleta e corri pisei em cima de um pintinho e ele morreu. Naquele instante para o meio da rua. Eu me lembro que caí várias vezes. De senti uma tristeza e comecei a chorar. Achei que minha mãe repente, apareceu um menino desconhecido e me ajudou. iria brigar comigo e me culpar. Mas ela foi compreensiva e Teve paciência comigo e com as minhas inúmeras quedas. disse: “Tudo bem, filha. Você não teve culpa”. Com aquelas Por causa da perseverança daquele desconhecido, até hoje eu palavras me senti encorajada. As palavras dela me trouxeram sei andar de bicicleta. É como dizem: “Quem aprende andar confiança. Eu podia seguir em paz. de bicicleta nunca esquece”. E eu também não me esqueci daquele garoto desconhecido. É isso. Algumas palavras podem nos levantar ou derrubar. Depende de quem fala e do momento que estamos passando. 5

MEMÓRIA ALUNOS O DIA EM QUE PULEI O MURO avó paterna. Nessa segunda casa, eu me sentia mais livre, Ana Beatriz Alves pois minha avó materna não era de me prender muito e eu ficava feliz em poder brincar na rua com meus amigos. Às Um dia saí de casa para ir ao mercado. Quando voltei, vezes, eu ficava triste quando minha avó reclamava comigo. minha mãe estava sentada na calçada me esperando. Foi aí Porém, eu sempre reconhecia meus erros. que vi o problema que tinha causado. Fechei o portão, mas esqueci a chave do cadeado dentro de casa. Depois de um tempo morando na casa da minha avó, reencontrei minha mãe e isso me fez tão feliz. Eu passei a Minha mãe estava muito brava. E eu tinha que resolver morar com ela. E até hoje partilhamos o mesmo teto. O amor aquela situação. Então, não tive escolha. Pulei o muro da de uma mãe muda tudo. Acredito que devemos dar valor minha casa. Não foi nada fácil, mas foi melhor pular o muro às pessoas que temos por perto porque tudo passa rápido do que levar uns puxões de orelha da minha mãe. demais, inclusive as pessoas que amamos. O AMOR DE MÃE MUDA TUDO CASA ANTIGA Cinthia Cibely Beatriz Nicolly Quando pequena, morei em vários lugares. O primeiro Na minha antiga casa, onde eu cresci, deixei muitas lem- lugar que gostaria de falar é a casa da minha avó paterna. Lá branças felizes e tristes. Deixei grandes amigos, familiares. eu me sentia bem acolhida e muito amada pela minha tia. Eu Porém, o destino quis que eu me mudasse. E eu fiquei confusa, gostava de chama-la de mãe, porque ela fazia muito bem esse com medo e insegura com a mudança de casa. Não sabia o papel na minha vida durante o tempo em que eu morei com ela. Mas, mesmo me sentindo feliz lá, às vezes eu me sentia que a nova casa me reservaria. sozinha porque não podia sair e brincar com meus amigos na Na verdade, ainda não sei o que o futuro me reserva. rua. Apesar disso, era um lugar bom e ainda hoje me faz falta. Mas sei que neste novo lar já fiz muitas amizades que não Passou-se um tempo e eu passei a morar com minha vão terminar tão cedo. avó materna. Não era muito longe da casa da minha avó paterna, assim eu mantinha contato com minha tia e minha tertúlia | DEZEMBRO | 2019 6

7 tertúlia | DEZEMBRO | 2019

CONTO ALUNOS Conto Curta narrativa fantasiosa, em prosa, com um só conflito e ação e poucos personagens. - Aurélio O NAVIO MAL-ASSOMBRADO foram resgatados. Mas ninguém reconheciam mais aqueles Marcos André Melo marujos. Eram homens ou fantasmas? tertúlia | DEZEMBRO | 2019 Diz a lenda que existia um navio amaldiçoado ancorado O CORONEL no porto da velha cidade “Fantasmal”. O tal navio era as- Katielle Cosme sombrado e cheio de armadilhas. Porém, alguns marujos não davam bola para o falatório do povo e corajosamente Quando eu era criança, gostava de escutar meu avô contar moravam no navio abandonado. No entanto, certo dia, histórias da sua época. Era fascinante ouvir aquelas histórias de suspense, aventuras e intrigas. Dentre as muitas histórias conta- muitas coisas estranhas começaram a acontecer. O marujo das, uma ficou na minha memória. Era a história do coronel. Este era muito violento e costumava beber. Ele também costumava que assumia o posto de capitão havia sumido e ninguém agredir sua esposa e seu filho. E isso se repetiu por muitos anos. dava notícias dele. Depois de várias buscas, o encontraram. Certo dia, o coronel chegou bêbado em casa e seguiu o ritual Ele estava assustado e contou para todos que fantasmas o de espancar sua esposa e filho. Mas sua maldade foi além. O tinham levado a um lugar tenebroso, lugar muito assustador. homem amarrou esposa e filho e os jogou no porão da casa. Na Enquanto ele falava, os canhões do navio começaram a atirar manhã seguinte, depois que se recuperou da ressaca, foi até o sem que ninguém os disparassem. Todos se assustaram e porão reparar a maldade que fez. No entanto, não encontrou ninguém. O coronel ficou com medo de ser responsabilizado começaram a acreditar na lenda do navio mal-assombra- pelo sumiço da família e não acionou a polícia. No entanto, do e passaram a dar crédito às palavras do capitão. Foi a maior correria. Todos queriam descer do navio. Mas este zarpou e ficou à deriva em alto mar por dois anos. Até que 8

Era uma vez na FLIBO todos os dias ele ficava na porta de casa na esperança de existia um cemitério. Reza a lenda que os mortos que não reencontrar os dois. A espera foi em vão. O coronel envelhe- terminaram de ler algum livro, eles devem procurar uma ceu e nunca mais viu sua família. Teve que conviver com o biblioteca para continuar a leitura. remorso e a incerteza de não saber o que aconteceu. “Será que eles fugiram? Será que eles morreram?” – pensava o E o bibliotecário me perguntou se eu acreditava naquela coronel. Mas até hoje nada se sabe. lenda. Eu prontamente respondi: O HOMEM DA BIBLIOTECA - Claro que não! Quem já viu um morto ler?! Victoria Emanuelly E saindo de lá apressada, me decide a nunca mais deixar uma leitura pendente. Quando eu mudei de bairro, a primeira coisa que fiz foi circular pelas ruas para conhecer o lugar. Andei bastante. O BANHO Conheci os supermercados, os campinhos de futebol, as Katia Melissa praças, os monumentos históricos. Mas o que me chamou a atenção mesmo, foi uma biblioteca. Ela era linda e acon- Um simples banho de chuveiro pode mudar a vida de chegante. Tinha uma quantidade impressionante de livros. alguém? Sim, mudou a minha vida. Tudo aconteceu num dia comum. Eu estava escutando música e tomado banho no ba- Entrei, passeei entre as estantes a procura de um livro nheiro da minha casa. A música estava um pouco alta, mas deu legal. Puxei um livro, puxei outro e de repente dei de cara com para escutar um barulho vindo da sala. O barulho não me inco- um homem do outro lado da estante me observando. Ele era modou e continuei. Alguns minutos depois, o barulho voltou e estranho. Seu olhar era assustador. Tinha um rosto pálido. então resolvi baixar o som da música. Escutei passos e vozes. Achei que era minha avó falando ao celular e fiquei tranquila. Eu soltei o livro na estante e saí correndo para casa. Ao sair do banheiro, não reconheci a minha casa. Estava tudo No dia seguinte, antes de sair de casa, olhei pela janela revirado. Os móveis derrubados e muitos objetos estavam que- para ver como estava o tempo. E qual foi a minha surpresa? brados. Passei por entre os objetos no chão até a cozinha e gri- Do outro lado da rua estava aquele homem me olhando fixa- tei desesperadamente quando vi minha vó estendida no chão. mente. Fechei rapidamente a janela e resolvi não sair de casa. Ela estava morta. Ao que parece, ela resistiu e lutou até o fim. Passados dois dias, fui à biblioteca novamente. Queria Até hoje segue-se a investigação policial para descobrir quem saber se aquele homem existia mesmo ou se era fruto da cometeu aquele crime bárbaro. Apenas eu e minha avó moráva- minha imaginação. Quando entrei na biblioteca, perguntei mos naquela casa. Quem seria capaz de cometer tal maldade? ao bibliotecário se ali teria entrado alguém com as caracte- Não sei, mas o que posso dizer é que de algum modo aquele rísticas daquele homem misterioso. banho salvou a minha vida. O bibliotecário disse que nunca viu aquele homem por ali. E contou também que antigamente no terreno da biblioteca BIBLIOGAVETA ZÉ LAUTENTINO tertúlia | DEZEMBRO | 2019 9

CRÔNICA ALUNOS Crônica Histórias reais que expõe os fatos em narração simples e segundo a ordem em que eles vão acontecendo | Aurélio SE ESSA RUA FOSSE MINHA, EU MANDAVA CALÇAR NUMA MONTANHA RUSSA Wanderson Santos Anna Madelyne tertúlia | DEZEMBRO | 2019Eu moro no Sítio Luna, cidade de Queimadas. Minha ruaMinha vida é igual uma montanha russa; cheia de altos e é animada e iluminada, mas é ruim andar na rua quando baixos. Eu morava no bairro do Tambor, cidade de Campina Grande. Lá eu nasci e me criei. Sinto saudades de lá, dos meus está chovendo. Para ser sincero, ninguém sai de casa quando amigos, da escola, dos meus parentes, e principalmente do meu pai. chove, por causa da lama. E se alguém inventa de sair de casa, o pé afunda no lamaçal. Vários carros já ficaram atolados. Onde eu moro agora, no bairro Ligeiro, cidade de Quei- Inclusive o carro coletor de lixo da prefeitura. Para conseguir madas, eu não tenho muitos amigos. Além disso, desde desatolar esse carro foi um sufoco. Também já presenciei quando cheguei aqui, várias coisas me aconteceram, tanto várias quedas de pessoas tentando atravessar a rua. coisas boas, quanto coisas ruins. Mas eu ainda não me sinto a vontade para comentar sobre isso. Se essa rua fosse minha, eu mandava calçar. Para que em dias chuvosos, a gente pudesse passar. 10

Apesar das subidas e descidas dessa montanha russa que amiga que queria abortar o bebê, pois o pai era um homem é a nossa própria vida, aprendi que devemos amar hoje e casado e não tinha intenções de assumir a criança. não guardar nossa felicidade para amanhã. A amiga da mulher a aconselhou a abortar o bebê, pois Hoje, o Ligeiro já faz parte da minha vida. É mais um caso a gravidez fosse adiante, isso poderia “deformar” o capítulo da minha história. corpo dela. A amiga ainda endossou que uma gravidez iria atrapalhar as baladas e festas. “Tire logo esse filho antes que A RUA SILVA JARDIM você comece a engordar”, disse a amiga para aquela mulher. Joana Darc Rodrigues Eu fiquei chocado com aquela conversa. Fui para casa O lugar aonde moro não é bem uma rua, mas um beco. Faz e orei a Deus pedindo socorro para aquela mulher. Pedi a muito tempo que moro lá e eu gosto muito. Existem algumas Deus para que aquela mulher mudasse de ideia e seguisse vantagens em morar num beco. Você conhece todo mundo e em frente com a gravidez. Era um filho. Era uma vida. todos acabam sendo seus vizinhos. Na hora do aperto, todo mundo se ajuda. No entanto, morar num beco, também é Meses depois, Deus me deu a oportunidade de me reen- um desafio, pois sofremos muito preconceito. Muitos nos contrar com aquela mulher. Eu não poderia esquecer aquele julgam como pessoas perigosas. O preconceito nos rotula e rosto. Eu fiquei muito surpreso quando vi em seus braços nos leva a ficar à margem da sociedade. uma menina recém-nascida. Naquela mesma hora agradeci a Deus e fiquei feliz por Ele ter escutado a minha oração. Eu espero que todos que moram na Rua Silva Jardim Embora jovem, fiz uma oração sincera. Por alguém que tenham orgulho de morar lá, assim como eu tenho. O lugar sequer conhecia. onde a gente mora não define quem somos. Somos gente. E isso está acima de qualquer coisa, de qualquer preconceito. A NOITE DE SÃO JOÃO Gerlane Negreiros Sousa O BAIRRO DO JOSÉ PINHEIRO Eu lembro de uma noite especial que passei na casa da tertúlia | DEZEMBRO | 2019 Aluska de Souza minha avó. Era uma noite de São João. Nada aconteceu de extraordinário. Apenas uma família reunida conversando e Eu moro em Campina Grande, no bairro de José Pinheiro. partilhando conversas, tempo e amizade. A fogueira estava Nesse bairro eu tenho vários amigos. Aqui você encontra mui- acesa e nela nós nos aconchegávamos para contar e ouvir tos comércios (feira, farmácia, supermercado, frigorífico etc.) e histórias. E as melhores histórias eram sobre os nossos lugares para visitar (praças, igrejas, quadras etc.). Sei que existe antepassados. Entre uma conversa e outra minha avó trazia muitos boatos negativos sobre o meu bairro. Mas amo morar aquelas comidas de milho gostosas que só ela sabia fazer: aqui. Se é o meu bairro, tenho que valorizar e ter estima por ele. canjica, pamonha, cocada. Assim, entre um bate-papo e uma saborosa comilança, a noite parecia não acabar. A RUA ONDE EU MORO Kaue Karlier Simplício COMUNIDADE DO MASSAPÊ Ivone de Oliveira A rua onde eu moro se chama Rua Castro Alves. Já houve muitas confusões nesta rua, muitos conflitos e muitos bri- Eu moro no Massapê há14 anos. Nessa comunidade temos gas. Mas no final tudo acaba bem. Quando eu era criança eu poucos moradores. O lugar é muito verde, tem vários pés de brincava demais com meus amigos, mas agora eu só vivo em árvores e alguns pés de frutas. casa jogando no celular ou fico trabalhando. O lugar não é tão agitado, é um lugar calmo, afastado dos Quando é dia de festa junina, Copa do Mundo ou véspera de mercados, da padaria, da igreja. Quando a gente precisa ir Ano Novo, todos os vizinhos se unem para protagonizar uma nesses lugares, usamos a moto, pois ficam distantes. Po- grande festa. Eles pintam o calçamento da rua, colocam ban- rém, sempre damos um jeitinho para enfrentar os nossos deiras, acendem fogueiras, ligam o som e escutam músicas até desafios diários. tarde. Nesse momento, todos se confraternizam nas calçadas. O SÍTIO FAZENDA VELHA Apesar das confusões que aparecem, minha rua é ótima! Ana Karolyna UMA ORAÇÃO POR ELA Minha vida sempre foi muito agitada. Sempre mudei Matheus A. Oliveira bastante, e passei por várias aventuras. Atualmente, moro em Campina, no Sitio Fazenda Velha. Certo dia, eu estava caminhando perto do Açude Velho (cartão postal da cidade de Campina Grande) quando, sem Estudo no Tertuliano e lá tenho vários amigos que ani- querer, escutei uma conversa entre duas mulheres. Uma mam bastante meu dia. Nós damos várias risadas juntos, e mulher muito bonita estava grávida e comentava com a sua brincamos bastante. 11

CRÔNICA ALUNOS No meu colégio tem professores legais e capacitados a AS FACILIDADES E DIFICULDADES DO MEU BAIRRO nos ensinar o que aprenderam. Gosto muito deles. Silvia Sousa Barbosa O lugar onde eu vivo é muito tranquilo. Moro com meus pais e O lugar onde eu moro não tinha espaço para diversão. minha irmã, todas as pessoas se falam e convivem normalmente. Mas a prefeitura construiu uma praça de entretenimento, onde podemos brincar, nos reunir com os amigos e lanchar. Lá tem um campo onde vejo meus amigos jogando futebol, No meu bairro também tem várias opções de lanchonetes, às vezes jogo com eles, mas sempre acabo perdendo. Tem inclusive, com delivery, o que facilita nossas vidas e nos chácaras com piscinas para irmos nos finais de semana. Lá dá comodidade. tem vários projetos legais das igrejas, eu participo de alguns, faço aula de violão; etc. Apesar disso, o bairro merece mais atenção das políti- cas públicas. A minha rua, por exemplo, quando chove, fica O que não gosto é que alguns vizinhos ligam o som muito alagada. O bairro todo sofre com a falta de infraestrutura. alto e maltratam os seus animais, as vezes até choro com isso. Eu gosto de morar no meu bairro e sei que ele pode ser bem melhor, basta incluí-lo na rota de desenvolvimento da cidade. DESPEDIDA E RECOMEÇO Larissa Kelly A maior parte da minha infância eu morei em Campina O SÍTIO FLORESTA Grande. Lá eu gostava de brincar com as minhas amigas de Camila Mayara esconde-esconde, baleada e várias outras brincadeiras. Eu O lugar onde vivo se chama Sitio Floresta. Muitas pessoas também gostava de ficar conversando com as minhas amigas não gostam de morar num sítio, porque acham que nada de sobre o que a gente pretendia ser no futuro. interessante acontece. Sei que não existe muito movimento nas ruas, como na cidade. Também não temos muitos vizinhos Em um certo dia, tive que me despedir das minhas ami- por perto. Mas é maravilhoso admirar a beleza dos campos, dos animais e o verde das plantas. Sem falar da tranquilidade. gas, pois eu e minha mãe iríamos nos mudar para o Ligeiro, Ainda é possível dormir com a porta aberta. Não importa o e elas ficaram muito tristes, mas elas entenderam o motivo que dizem, eu amo o lugar onde moro. pelo qual eu tinha que me mudar. Quando eu vim morar aqui no Ligeiro, demorou um tempo para eu me acostumar e fazer novas amizades. Josivaldo | 9º ano Bairro do Jeremias, visto da janela da sala de aula da escola Poetisa Vicentina. tertúlia | DEZEMBRO | 2019 12

OS MEUS AVÓS Allane Vitória No tempo dos meus avós E o meu vovô Joaquim A minha vovó materna Não tinha um celular Gostava de ajudar Não cheguei a conhecer Tinham muitas brincadeiras O seu pai era marchante Pois Jesus levou pro céu Para se aproveitar No sítio ia trabalhar Antes mesmo de lhe ver Eles brincavam um tempo Com histórias na fogueira Nome Maria do Céu Para depois estudar. Que a noite ia contar. Deus esteja com você. A minha vozinha Ana Quando meu vovô cresceu E assim eu vou terminando Filha de agricultor Duas vezes se casou E vou logo agradecendo O seu pai cantava muito E cuidou só dos seus filhos Ao Senhor papai do céu Pois tinha voz de cantor Porque viúvo ficou E o que estou aprendendo Ela também é cantora Ele tem cento e um anos Agradeço a Jaidete Pois esse dom adotou. Pense num homem que lutou. O cordel que tô fazendo. Quando ela era pequena Já o meu vovô paterno Gostava de trabalhar Não sei como explicar Ajudava sua mãe Pois eu não o conheci Nas cacimbas pra lavar Eu nem sei o que falar E ela nunca esquecia Só conheço ele por foto Da hora de estudar. E se chama Ademar. BTCIÍOBTNLUHILOEOGÇSAANVOAEUTSTANRSOOSSSAS tertúlia | DEZEMBRO | 2019 13

POEMA ALUNOS Poema Poesia é a “Arte de criar imagens, de sugerir emoções por meio de uma linguagem em que se combinam sons, ritmos e significados” Poema é a obra em verso ou não em que há poesia. | Aurélio tertúlia | DEZEMBRO | 2019 AS LÁGRIMAS A lidar com isso tudo O amor é fogo e também é paixão Mary Correia Mas só o que resta é o vazio, No amor tem tristeza O vazio dentro da alma E também solidão. As lágrimas... Que carrega nossas lágrimas. Curam, limpam, saram No amor tem amizade Um coração ferido. O AMOR E também compaixão Elas ensinam, restauram e alimentam . David Henrique de Souza Um amor de verdade Às lágrimas caem, Não causa ilusão. molham e desfaz a tristeza da alma. O amor é diversidade Ele é união e respeito POLÍTICA DO AMOR MOMENTOS INESQUECÍVEIS No amor tem carinho Duda Souza Rayssa Hellen E também tem defeito. Foi aqui onde começou Tantos momentos O amor é confuso O amor e a tristeza Que se aproximam dos sentimentos, E nele tem surpresa Foi a vida que nos apressou Sentimos raiva, sentimos magoa. No amor tem ciúmes Me encantei com tua beleza. Esses sentimentos causam danos E também tem pureza. Teu olhar tão belo Muitas vezes tentamos Teu sorriso encantado compreender e aprender O meu amor eu não cancelo 14

E nem consigo ser despertado. NÃO DUVIDE DO MEU AMOR EU DECIDI VIAJAR tertúlia | DEZEMBRO | 2019 Mas te digo meu amor Dayana Marques Leonardo Ernesto Se você se arrepender Dessa falta de calor O amor é uma rosa Hoje decidi viajar Eu não irei te repreender. Que voa sem parar Pela Europa, África e Ásia Porque sinto tua falta E ninguém saberá Ou qualquer outro lugar. Pois da política do amor Onde ela irá pousar. Vou e volto em minutos A tristeza está em alta Mas do tempo de fazer Mas te dou muito valor. Não duvide de mim Tudo e mais um pouco Que eu não duvido de você Somente em algum segundo. LIBERTAÇÃO E me ame pela eternidade A passagem é de graça Duda Souza Que eu também amarei você. E o trânsito eu escolho De moto, avião ou bike Vim aqui contar um relato Duvide da luz dos anjos E até mesmo de Ferrari. Algo registrado na história De que eu tenho calor Tenho direito a levar acompanhante Que não é mito, mas é fato Duvide até da verdade A gente rir, se diverte e aprende E está sempre na memória Mas confia no meu amor. Com certeza é o mais importante. Mas essa viagem é bem diferente Vim aqui falar de um povo escravo Amor é dado de graça Posso até dá-la como presente Povo humilde e sofrido Que é feito com o tempo Dá pra levar muita gente Desejoso de um mundo novo Na praia, na praça Acolhidos na nossa mente. Mas tão longe de concluído Com o passar do tempo. SEMEANDO O BEM Esse povo é o povo escravo AH, O AMOR Duda Souza Que aqui chegou no navio negreiro Sara Brithian Tão valente e tão bravo Use seu gesto do bem E repleto de guerreiro O amor é uma chama Procure exemplo tomar Um sentimento incondicional Que o homem como ninguém Homem branco escravizou Ele é uma atração Deixou seu gesto de amar. Mas uma luz raiou no céu E também muito especial Dentro do seu coração Essa luz que os libertou O amor é amizade Na maior singularidade Foi a princesa Isabel! Uma essência de verdade No seu ato e expressão É também carinho Ele deixou muita bondade. MINHA FAMÍLIA E transmite felicidade. Deus se preocupa com o pobre DAYANA MARQUES O amor é união, como também é paixão Mesmo quando ele erra Ele é denominador do coração. Ele que faz cair água Na família tem muita gente Na sequidão dessa terra. E todos são inteligentes NOSSA RELAÇÃO Teu amor me faz crescer Sabem contar de um a nove Dayana Marques Ele que me levanta do chão Mas não sabem fazer uma estrofe. A todo tempo vem me proteger Será que foi assim Mesmo quando não há solução. A minha família é uma alegria Ou foi tudo ilusão? E também a força da minha energia. Mas foi o fim VIAJE NESSA AVENTURA Dessa triste relação. Duda Souza & Dayana Marques Minha família está de luto Nosso amor foi ligeiro Por causa de um triste absurdo Passou em um segundo Viajando na leitura A minha irmã morreu Foi num beijo passageiro Sem nenhuma intenção Mas ela só adormeceu Que arrancou o meu mundo. Só querendo alegria E agora ela vive no Reino do céu. Sei que já se esqueceu Na palma da nossa mão. Foi rápido pra você Estávamos sonhando acordadas Mesmo assim seguimos em frente Você nem sofreu. Com muita imaginação De cabeça erguida e valente. Porque doe em mim Não querendo ser despertadas Mesmoquenãotenhasidocomoqueríamos E não em você Para não fugir a emoção. Vamos honrar e falar bonito Mas tudo bem, foi o fim. O livro é um amigo O nome que Deus deixou escrito. Que aquece o coração 15

POEMA ALUNOS Com ele não tem inimigo Mas nós não podemos desistir Do nosso caminho e seguir. Mas tem muita diversão. Lá em cima temos um Deus Quando viajamos na leitura A nos guardar para sempre Não tem briga nem confusão Como também nos apoiar Mas tem muita ternura Tenha fé – siga em frente. Que bate em nosso coração. AMOR DE CRIANÇA SEMPRE FELIZ DECLAMAÇÃO DE POEMAS NO NOSSA SENHORA APARECIDA Dayana Marques Gilvan Maciel Júnior Sempre acordo com o dia Sempre feliz no lugar onde eu vivo Prestando muita atenção Sem perigo o mundo é lindo Naquela alegre melodia Quando amanhece Daquela única canção. O sol nasce mais brilhante A canção que fala do amor Do que uma lâmpada Que você fez pra mim Vou ser feliz logo de manhã Ela faz sentir o teu calor Nessa rotina cansativa Mesmo nesse triste fim. Com medo de apanhar da vida Foi um amor de criança Todo dia quando eu passava no parque Como eu te falei no altar Via crianças brincando alegremente Quando você me deu aliança Sem maldade Eu só queria namorar. Onde o mundo é mais feliz Sem precisar de destruição e perdição AS CONFUSÕES DO AMOR Esse é o lugar onde eu vivo David Henrique. (8º ano A) Sempre feliz e brilhante O amor é diversidade Ele é união e respeito No amor tem carinho E também tem defeito. O amor é confuso E nele tem surpresa No amor tem ciúmes E também tem beleza. O amor é formoso E também é paixão No amor tem tristeza E também solidão. No amor tem amizade E também compaixão Um amor de verdade Não causa confusão. MOMENTOS Leonardo Ernesto tertúlia | DEZEMBRO | 2019 Devemos aproveitar a vida Infográfico: Compactor E não deixar de viver aventuras bonitas. Amigos precisamos para nos apoiar DESENGAVETAMOS SOLUÇÕES! Quando triste ficarmos E nada nos alegrar. Podemos cair, mas temos que levantar Porque temos um grande caminho a trilhar. Tristezas vem para nos destruir 16

RESENHA ALUNOS Resenha Um tipo de texto, breve, usado para descrever e analisar uma produção ou acontecimento. - Wikipédia CAVERNA DO DRAGÃO Na outra dimensão, que mais parecia um mundo sombrio, tertúlia | DEZEMBRO | 2019 Gabriel Alves eles encontraram um velho chamado Mestre dos Magos. Este Eu ainda era pequeno quando passava o desenho a Ca- verna do Dragão. Passava na Globo no Programa Xou da se dizia ser o guia deles. Mas o Mestre dos Magos aparecia e Xuxa. A história mostra 6 jovens que foram brincar num parque de diversão da sua cidade. Chegando lá, entraram sumia de repente. Na verdade, acho que ele mentia o tempo numa montanha russa chamada “Caverna do Dragão”. A princípio, a montanha russa parecia normal, assustadora todo, pois nunca levou os meninos para casa. Só aparecia como qualquer montanha russa deve ser. Mas de repente, para dá lições, conselhos. Mas não passava disso. esses jovens são transportados para outra dimensão. Eram: Hank, Eric, Diana, Sheila, Presto e Bobby. No novo mundo, cada um dos jovens recebeu um po- der para enfrentar o inimigo chamado Vingador. Hank, por exemplo, recebeu um arco e flecha; Sheila recebeu o manto da invisibilidade; Diana recebeu um bastão; Presto recebeu um chapéu mágico; Bobby recebeu uma arma antiga feita de madeira; Erick recebeu um escudo de proteção. 17

RESENHA ALUNOS Os jovens não queriam ficar no mundo estranho. Eles sempre lutaram para voltar para casa. A cada episódio eu ficava ansioso para ver o desfecho da história. Será que é agora que os meninos voltam para casa? Que nada! Eles nunca voltaram. Apesar de não acontecer o retorno dos meninos para casa, sou muito fã desse desenho. Eu assistia todo dia. Se você tiver curiosidade para conhecer um pouco mais, pode baixar da internet. Não passa mais na TV. Todo mundo pode assistir. Mas você não pode ter medo, pois às vezes aparece umas cenas sinistras. A MULHER MARAVILHA Camila Ingrid tertúlia | DEZEMBRO | 2019 O REI LEÃO A mulher Maravilha é uma personagem forte, destemida, Flávia Ludmylla guerreia e corajosa. Me identifiquei com ela logo que assisti ao desenho. Diria que a Mulher Maravilha é o destaque principal O Rei Leão é o meu filme favorito. Não sei ao certo da Liga da Justiça porque ela quebra as impossibilidades e quantas vezes eu já o vi. Ele me faz lembrar agora da minha regras impostas por essa sociedade comandada por homens. infância, quando eu pulava as partes tristes para não chorar. Imagina só, uma mulher com super poderes? Sim, ela tem super poderes, é linda, decidida e pode salvar o mundo. Esse filme retrata o verdadeiro valor da amizade, amor, relacionamentos familiares e a importância do passado em Seus braceletes ao serem tocados soltam rajadas de po- nossas vidas. Por exemplo, tem uma frase que me marca der capazes de derrubar qualquer um, além de ter o poder muito e que vou levar comigo para sempre: “O passado pode da telepatia e o laço da verdade que força a pessoa a falar a doer, mas você pode viver com ele ou aprender com ele”. verdade revelando seus pensamentos ocultos e mentirosos. Esse filme também me influenciou a decidir sobre o Nós meninas devemos nos sensibilizar e nos inspirar em que eu quero ser profissionalmente. O fato de o filme falar mulheres fortes que conhecemos. Pode ser nossa mãe, nossa de animais que vivem na savana me despertou o sonho de avó, nossa irmã, nossa amiga, pode ser na Mulher Maravilha. ser veterinária. Eu só tenho que agradecer ao filme o Rei Uma mulher forte não é realmente inspirador? Leão por ter me tocado tanto ao ponto de me influenciar a tomar uma decisão tão importante. Ser mulher maravilha é torna-se protagonista da sua própria história. É envolver-se, desdobrar-se. É sair da tela de Ah, não posso me esquecer das músicas que embalam sua TV e ir para o mundo real. É não hesitar em transcender, o filme. São maravilhosas: “O ciclo da vida”; “Hakuna na em desfrutar e viver. Matata”, “Quem dorme é o leão”, dentre outras. Vão lá no Youtube e confiram todas. Você vai se emocionar novamente. Eu super indico o desenho e também o filme Mulher Maravilha para todos os públicos, especialmente para as Por fim, recomendo que assistam ao filme. Deixem a meninas. Se inspirem! Sejam fortes! criança que existe dentro de você despertar. Não é apenas um filme animado, mas que traz à tona tantos ensinamentos. BEN 10 O filme é indicado para criança, jovens e adultos. Fabiano da Silva Quando pequeno eu assistia o desenho Ben 10. O dese- nho conta a história do menino Benjamin (Ben). Ele estava viajando de férias com o seu avô Max e sua prima Gwen quando achou um relógio numa floresta. Esse relógio não era normal. Ele transformava Ben em 10 diferentes espécies de alienígenas. Cada um com um poder diferente. Ben luta contra o crime e contra outros alienígenas do mal. Eu amava esse desenho, assistia todo sábado. Não perdi nenhum episó- dio. Eu até fiz uma festa de aniversário temática. Tinha tudo dele. Roupa, bonecos. E meu quarto também era temático. 18

Oficina Era uma vez na Biblioteca Manoel Monteiro Na televisão a gente Queria que as crianças as- BOB ESPONJA quase não encontra mais sistissem esse desenho. É muito Allane Vitória desenhos. Tem muitos legal. A gente pode encontrar na programas para as donas internet. Na televisão a gente Desde de criança gosto muito de assistir desenhos. Sem- de casa, muito jornal. Os quase não encontra mais de- pre acordava 8:30 da manhã para acompanhar o desenho desenhos são poucos. senhos. Tem muitos programas Bob Esponja que passava no Programa Bom dia e Companhia, para as donas de casa, muito no SBT. O desenho narra as aventuras de Bob Esponja, uma esponja do mar que vive em um abacaxi no fundo do mar jornal. Os desenhos são poucos. com um caracol de estimação, Gary, que mia como um gato. Mas quem tiver interesse, assiste o Ben 10. É muito bom! Seu melhor amigo é Patrick, uma estrela do mar que vive OS URSINHOS CARINHOSOS debaixo de uma pedra. Patrick geralmente é preguiçoso, vive assistindo TV ou fazendo nada. Lula Molusco é vizinho de Bob Esponja e seu “colega” de trabalho no restaurante Ana Marques O desenho dos Ursinhos Carinhosos era o meu desenho Siri Cascudo. Ele é um polvo arrogante e mal-humorado preferido. Passava que não gosta de seus vizinhos (especialmente Bob Espon- na década de 90, no ja). Ele gosta de tocar clarinete e pinta autorretratos, mas odeia SBT. Mesmo sendo seu emprego no Siri Cascudo. adulta eu assistia Sandy Bochechas é uma esqui- e passei a fabricar la muito amiga de Bob Esponja. peças de gesso Ela é cientista e especialista em para vender e ga- karatê. Seu Sirigueijo é um ava- nhar uma grana. rento caranguejo obcecado por Me lembro dos ur- dinheiro. É o proprietário do Siri sinhos: Carinhosa, Cascudo, chefe de Bob Esponja e Feliz, Ternura, Fiel, Campeão. Lula Molusco. Os principais vilões que apa- No desenho a recem no desenho são Plankton família de ursinhos e Karen, que são rivais comer- tinham que enfren- ciais de Seu Sirigueijo. Plankton tar o vilão “Coração e Karen possuem um fracassado Gelado” e seus aju- VÓVO ANA DESENGAVETANDO JUNTO COM ALLANE restaurante, chamado Balde de dantes “Malvado” e Lixo localizado em frente ao Siri “Laurinha”, além de outros vilões perversos. Eles queriam acabar com o amor e com os bons sentimentos das pessoas. Cascudo. Plankton passa a maior parte de seu tempo pla- Os ursinhos agiam como verdadeiros defensores da justiça, nejando roubar a fórmula secreta do popular hambúrguer protegendo a humanidade dos maus sentimentos: inveja, de siri (exclusivo do Siri Cascudo) para obter sucesso e empobrecer Sirigueijo. ódio, desespero, egoísmo. Eu gostava tanto de Bob Esponja que assistia os mesmos Eu amava assistir ao desenho porque os ursinhos eram episódios várias vezes. Meu irmão implicava comigo porque unidos e conseguiam reverter todo o mal que aparecia. eu não me cansava de assistir. Nossa vida é assim também. A gente só consegue vencer as Eu sempre tentei imitar a risada do Bob Esponja, mas dificuldades se estivermos unidos. Sozinho fica mais difícil nunca consegui. Estou tentando até hoje. de ganhar a luta do dia a dia. Temos que preservar a união em qualquer lugar que A gente só consegue vencer convivemos. O desenho dos Ursinhos Carinhosos pode as dificuldades se estivermos parecer bobo, coisa de criança. Mas nessas unidos. Sozinho fica mais historinhas aparentemente bobas, estão difícil de ganhar a luta do dia tertúlia | DEZEMBRO | 2019 escondidas grandes lições. a dia. Temos que preservar a união em qualquer lugar que Eu recomendo o desenho para crianças convivemos. e adultos. Todos podem aprender. Hoje o desenho não passa mais na TV. Mas você pode assistir pelo celular, no canal do You- tube. Tem muitos episódios por lá. Aposto que você vai gostar. Fica a dica. 19

ENTREVISTA ALUNOS Entrevista Uma Entrevista é uma conversa ou diálogo entre duas pessoas denominadas entrevistador (quem entrevista) e entrevistado (que responde as perguntas). O objetivo principal é extrair informações e declarações para esclarecer determinado assunto. - educamaisbrasil tertúlia | DEZEMBRO | 2019AS MÃES ERAM COSTUREIRAS O meu bairro era muito animado. Existiam muitas folias Giselly Camila Amaral e Maria Eduarda Silva de rua, principalmente no carnaval. A gente não podia escutar um batuque que já corríamos atrás dos bois carnavalescos. Na minha época, as brincadeiras não vinham prontas Hoje, a insegurança não permite a nossa diversão na rua. numa caixinha, feito um presente que se compra numa loja. Nós é que inventámos as brincadeiras ou aprendíamos dos NO TEMPO DA CASA DE CIPÓ E BARRO nossos pais que iam passando de geração para geração. Thays Luana Tavares e Vitória Hellen Brincávamos de esconde-esconde, toca-toca, boneca Na época em que nossas casas eram feitas de cipó e barro, de pano. A boneca de pano nós mesmas que fazíamos com éramos mais felizes. Isso porque nossas famílias se reuniam lençóis e cordão. Também passávamos a tarde toda procu- em torno da conversa. Eu me lembro das maravilhosas rando tampinhas de garrafas para fazer um jogo de xadrez. histórias de terror que minha mãe nos contava. Sentíamos medo, mas sempre queríamos ouvir mais e mais histórias. Se tinha uma coisa que nos deixava ansiosos, era o dia de festa (São João, Natal). A gente ficava tão ansioso que Nossos brinquedos eram fabricados por nós, como bo- se arrumava logo cedo com a roupa que nossas próprias necas de pano, corda e panelinha feita de barro. Aos fins de mães faziam em casa. Na minha época, quase todas as mães semana, minha família costumava ir ao sítio e a igreja. Esses eram costureiras. Elas mesmas faziam nossas roupas. Não passeios eram quase sagrados. comprávamos na loja, pois éramos de família humilde. Ge- ralmente, quem tinha mais dinheiro costumava comprar Estou com 70 anos e ainda me lembro com saudades das roupa nas lojas. aventuras com meus amigos. Nós gostávamos subir nos pés de umbu e jabuticabas para comer as frutas 20

Textos baseados em entrevistas realizadas com moradores antigos do bairro do Jeremias MÃOS CALEJADAS RESGATANDO AS MEMÓRIAS DA INFÂNCIA João Victor, Rodrigo Silva e Pedro Henrique Alessandro Camilo, Daniel Alves, Davi Alves e Pedro Willi Eu nasci em Pernambuco e com 7 anos me mudei com meus pais para Campina Grande. Meus pais trabalhavam Eu tenho 57 anos e moro no Jeremias há cerca de 50 anos. muito. Saíam às 4 horas da manhã para cuidar da roça. Eu Antigamente, não existia escola no nosso bairro, não existia só passei 5 anos na escola, depois comecei a costurar roupa praça e o bairro não era tão violento como hoje, com tantos para ajudar a minha família. Meus irmãos também foram assaltos e mortes. Na minha época, a vizinhança era unida para a roça. e as pessoas eram mais próximas umas das outras. Com 20 anos me casei. E com meu marido tive 15 filhos. Quando eu era criança, costumava ver a minha mãe cos- Meu marido passava dias fora de casa. Quando vinha, me dava turando. Eu sempre ficava curiosa para descobrir quem seria pouquíssimo dinheiro para ajudar no sustento dos filhos. a mulher que encomendou tal vestido. A nossa imaginação ia Então eu precisava trabalhar muito fazendo costura para longe. Atualmente, a gente vai numa loja e compra qualquer fora a fim de comprar alimento e ter o básico para sobreviver. roupa. Não temos tempo ou paciência de esperar a roupar ficar pronta pelas mãos de uma costureira. É por isso que a Quando eu não aguentava mais trabalhar, com as mãos profissão quase desapareceu no bairro. calejadas, pedi ajuda a meus pais. Eles me acolheram e cheguei a dormir várias vezes na casa deles. Também me lembro como era bom brincar. Nos dias de chuva, costumávamos brincar dentro de casa, fazendo Muitos dos meus filhos só estudaram até o 5ª ano, e de- comidinha de mentirinha e embalando bonecas de pano. Já pois começaram a trabalhar para ajudar a sustentar a casa nos dias de sol, a gente brincava de baleada, barra bandeira, e os irmãos mais novos. O sustento da nossa casa é muito pega-pega, pique esconde e muitas outras brincadeiras. importante. E até prioritário. Me parece que as crianças de hoje brincam muito pouco. Quase não vemos crianças nas ruas. tertúlia | DEZEMBRO | 2019 21

ENTREVISTA ALUNOS Artigo de Um tipo de texto dissertativo- opinião argumentativo onde o autor apresenta seu ponto de vista sobre determinado tema - portugues.com.br FUTEBOL TAMBÉM É COISA DE MENINA NADA FOI FÁCIL Maria Luísa da Silva Quezia Adelino tertúlia | DEZEMBRO | 2019Eu gosto muito de jogar futebol. Quando eu crescer,O lugar onde vivo é muito especial. Tenho gratidão para quero ser igual à Marta, a melhor jogadora de futebol femi- ter um teto para morar, e por ter pessoas que amo e com nino. Jogar futebol não é só correr atrás da bola. Para mim, as quais posso contar sempre que precisar. Eu me sinto a futebol é paixão. Por isso, não se pode jogar apenas com os pessoa mais feliz do mundo por ter a minha família do meu pés, é preciso jogar com o coração, com a vontade e, acima lado e por saber que eu nunca vou estar mal acompanha- de tudo, jogar com a verdade da alma. Muitas pessoas ainda da. Tenho pessoas ao meu lado que não só fazem de mim acham que futebol é coisa só de menino. As meninas que uma adolescente grata, mas uma adolescente realizada. Sei jogam ainda sofrem preconceito e bullying, principalmente que passamos por muitos problemas para chegarmos onde na escola. Mas não me importo com as críticas. Eu sei do chegamos. O que tivemos que passar e superar não foi fácil, que sou capaz e vou continuar de cabeça erguida. Não me mas sei que nada disso é em vão. importo com opiniões inúteis, que não acrescentam nada à minha vida. FAKE NEWS Maria Aparecida Vidal de Siqueira A ENGRENAGEM DA VIDA Aline Nafitally Santos A notícia falsa, a tal da “fake news”, vem causando pre- juízo à imagem das pessoas, principalmente entre os jovens Foi despedido do trabalho? Terminou uma relação? Dei- que não sabem lidar com a quantidade de informação que xou a casa dos pais? A amizade que parecia sólida desapa- circula nas redes sociais. Uma pessoa ouve uma informação, receu sem explicações? Tudo bem. É preciso saber quando não verifica se essa informação é verdadeira e logo sai espa- uma etapa da nossa vida chega ao fim. Se insistirmos em lhando, sem pensar nas consequências que tal informação permanecer numa determinada etapa mais do que o neces- pode trazer para outras pessoas. sário, perderemos a alegria e o sentido das outras etapas que ainda estão a nossa frente. É preciso saber fechar ciclos, As fakes news não se consertam facilmente e os preju- portas, capítulos. Sei que não é simples. Mas é salutar. E dicados talvez nunca se recuperem, por isso, é importante também urgente. A gente precisa prosseguir. Seja com o não espalhar nenhuma informação que prejudique a imagem “sim” ou com o “não” que a vida nos dá. Talvez lá na frente a de outra pessoa. gente entenda a engrenagem da vida. Por ora, só enxergamos o que nos convém. 22

A VIDA NÃO ESTÁ NO FIM O ESQUECIMENTO DA MEMÓRIA Aissa Vitória Mendonça Sarah Rosas Silva Você acha que a vida está te levando para um buraco sem Será que conseguimos viver sem lembranças? Outro dia me peguei pensando nessa questão. Imagina viver dia após saída? Então quero conversar um pouco sobre depressão dia sem lembrar das coisas e das pessoas que estão ao seu redor. Olhar para as pessoas e achá-las estranhas. Ou pior, e ansiedade. Sei que algumas pessoas desistiram de viver você se sentir estranho a tudo e a todos. porque acharam que estavam so- Sabe o Alzheimer, aquela doença progressiva que destrói a memória e outras funções mentais importantes? Para mim, A depressão não é zinhas. Mas não estamos sozinhos. é a doença mais terrível que existe. Ela nos machuca ferindo tão clara e às vezes Olhe a sua volta. Várias pessoas to- o que temos de mais importante: nossas recordações. Ela se esconde atrás de cam a nossa vida. Muitas pessoas rompe com o nosso passado criando um abismo entre o uma tristeza. De um querem o nosso bem. Nenhum, ontem e o hoje. nenhum ser humano está sozinho. Quem somos nós sem as nossas recordações? Como olhar querer ficar quieto.. Nossa vida é interessante, não im- para frente sem o apoio do passado? Nossa vida é baseada em recordações, não há futuro se não há um passado a ser porta o que aconteça. lembrado. Eu sei que “certas” memórias queremos esquecer, O mês de setembro traz uma campanha de prevenção ao queremos deixá-las guardadas num baú fechado sem chave. suicídio. É o “Setembro Amarelo”. É um mês propício para Entretanto, as lembranças ruins também fazem parte da nossa história. Somos feitos de alegrias e tristezas, paixões e a gente conversar mais. Observar mais. A depressão não é decepções, presenças e ausências. Nenhum sentimento anula o outro. Tudo molda nosso “eu”. Tudo é válido. Cada memória tão clara e às vezes se esconde atrás de uma tristeza. De um nos constitui. É como se fosse o DNA da nossa história querer ficar quieto. Minha dica é para você conversar. Seja presencialmente, seja virtualmente, seja através de um desabafo num papel. Você já tentou escrever para você mesmo? É uma experiência maravilhosa. Tente! Só não se cale. desengavetameutexto.org tertúlia | DEZEMBRO | 2019 23

spEeScPi ElCIAL FONTE sua Que avócheiro tem? PRatroíscaias tertúlia | DEZEMBRO | 2019Sabonete e café moído um perfume agradável. A história conta que esse sabonete data de 1950 e atualmente ainda se mantém no mercado. Conhecer nossos avós é um privilégio. Eu só tive a opor- Quando passo nas prateleiras e vejo esse sabonete, penso: Lá tunidade de conhecer minhas avós. Dona Eulina (avó está o cheirinho da minha vó Eulina. O cheiro traz saudade! paterna) e dona Rita (avó materna). Eu me encontrei pouquíssimas vezes com vó Eulina. Ela morava numa cidade Sobre a minha avó Rita, tenho muitas lembranças, pois muito distante da minha. A lembrança que tenho dela é de morei com ela alguns anos. Ela era afável, carinhosa e sem- uma senhora séria, semblante preocupado e de pouco afago pre acompanhada pelos netos. Sua casa cheirava a rosas, a com os netos. Mas ela sempre sorria quando a gente chegava manga e a café. Este era o cheiro mais forte de que tenho em sua casa. E ninguém saía de lá sem um presentinho. Ou lembranças. Todas as manhãs acordávamos com o cheirinho melhor, ela sempre nos dava o mesmo presente: um sabo- de café bailando no ar. Era o café sendo moído e pisado no nete “Alma de Flores”. Era um sabonete caro, luxuoso e de pilão. Essa lembrança me afeta muito. Foi numa manhã fria, 24

TEMÁTICA | No tempo dos meus avós silenciosa e com cheiro de café que vi minha vó pela última Arnica e floral vez. Mesmo criança, eu tentei fazer uma oração desesperada: Meu Deus, por favor, não deixe a minha avó morrer. Eu preciso Conheci vó Carminha a muitos anos. Ela sempre gostou muito dela. Mas a minha oração não atravessou o teto e minha de ser avó. No total, são 16 netos e dois bisnetos. E olha vó Rita se foi, assim como o meu gosto pelo café. que ela só tem 58 anos de idade. Eu pensei que ela já estava satisfeita com seus 11 netos e não fizesse questão por Se vó Eulina e vó Rita tivessem esperado um pouco mais mais um. No entanto, foi aí que conheci a força motriz de pelo futuro, talvez eu tivesse alguma foto delas para mostrar uma avó. Isso aconteceu há quatro anos, quando um médico a vocês. Mas a pressa pelo descanso foi mais forte. disse que eu não podia ter filhos (devido a um problema de saúde). Ao invés de me consolar, dizendo “tudo bem, minha Cheirinho de bebê e pomada filha, você supera isso”, ela olhou para o desatino daquele médico e disse: “O senhor ainda vai ver os filhos da minha Em 2009 conheci uma senhora muito simpática e firme. filha”. Com aquelas palavras, ela determinou que viria mais Com palavras poucas, mas com poder de decisão. Eu netos pela frente. E acertou no plural. Nasceram gêmeos. me senti à vontade ao conversar com ela. Conversamos Os primeiros gêmeos da família. Nunca voltei para aquele sobre casamento, sobre a engrenagem da vida, sobre filhos médico para mostrar que aquela avó sabia mais do que ele. e outras coisinhas que só nós duas sabemos. E por mim ele nunca saberá. Prefiro dar ibope às palavras desta avó, que sabe sofrer a perca de alguns netos, que sabe Hoje ela está com 88 anos. Tem alzheimer, parkinson, brigar pelos netos que já nasceram e que sabe profetizar dores nas pernas. Mesmo assim, ela continua sendo a refe- pelos netos que nascerão. rência da sua casa. Para ela se voltam os olhares, os cuidados e toda a atenção. E como seu coração foi grande, acolhendo ACERVO PESSOAL a todos a sua volta, hoje é grande o número de mãos que se prestam para ajudá-la. São as mãos das filhas, dos filhos, das irmãs, das cuidadoras. Graças a essas mãos maravilhosas seu cheirinho é de um bêbe que acada de tomar banho. Um cheirinho também de pomada. Pomada esta que sara seus constantes arranhões e embebe sua pele frágil, sensível a qualquer toque. Hoje, ela não me reconhece. Não reconhece seus netos. E isso parece triste. Às vezes, decepcionante. Mas o mais importante é sabermos quem ela é. O que ela significa para nós. Para mim, dona Dalva é uma das mulheres mais impor- tantes da minha vida. Ela me deu um esposo e juntos demos a ela uma casal de gêmeos. FOTO: EVANISE KARLA Hoje, suas debilidades e seu cansaço lhe dão um cheiri- tertúlia | DEZEMBRO | 2019 nho de arnica. E os netos fazem questão de massagear suas dores. Mas seu cheiro também é de floral que exala das suas muitas roupas. Sim, ela adora ganhar roupa nova, perfumes e cremes. Atualmente, vó Carminha divide seu tempo com a Bonitona da Carminha, seu personagem digital influencer. Duas figuras fantásticas numa única pessoa. Um equilíbrio perfeito entre leveza, alegria e dores silenciosas. O cheirinho de Dona Dalva me diz que devemos ser O scahuediraodter!az leve como uma criança e adulto o necessário para passar 25 pomada onde dói.

speci l Avós, uma doura dos avós e bisavós no convívio experiência contemporânea familiar fizeram com que o tema do en- velhecimento entrasse na agenda de Durante as oficinas de escrita mi- diferentes campos: como na política, com nistradas por nós nas escolas, a implementação de leis assistenciais; na eu perguntei, informalmente, a economia, com a descoberta do idoso vários alunos como era a relação deles consumidor e de uma série de produtos com seus avós. A grande destinados à chamada ter- maioria dos alunos com ceira idade; na saúde, com quem conversei diz ter Sabemos que a pouco aproximação com literatura reflete a busca por melhor qualida- de de vida na velhice; e na os avós paternos; outros os costumes de um educação, com o advento da disseram que só che- povo, seus saberes, Gerontologia Educacional garam a conhecer seus suas verdades, avós por foto; muitos não seus medos, suas e dos novos processos de formação direcionados aos sabiam o segundo nome crenças. Desse modo, que trabalham com idosos. de seus avós e outros os sugerimos o trabalho conheciam apenas pelo da temática sobre os Avós, uma hiporístico afetivo “avó avós na sala de aula experiência literária ou avô”. a partir de diversas Além disso, escuta- obras literárias. Estas Sabemos que a litera- mos muitos relatos de nos dão as sutilezas tura reflete os costumes conflitos envolvendo necessárias para se de um povo, seus saberes, avós, netos, pais. Uma abordar questões aluna do 6º ano nos deu sensíveis, como suas verdades, seus medos, o seguinte relato: “minhã a que estamos suas crenças. Desse modo, mãe brigou com o meu abordando. sugerimos o trabalho da pai e meu pai me fez mal, temática sobre os avós na sala de aula a partir de di- por isso eu fui morar com a minha avó”. versas obras literárias. Estas nos dão as O relato dessa aluna nos parece singular, sutilezas necessárias para se abordar no entanto, escutando vários alunos, per- questões sensíveis, como a que estamos cebemos que o conflito familiar entre os abordando. Avisamos ao leitor que as pais é um dos principais problemas que sugestões aqui não esgotam a totali- motivam os avós a criarem seus netos. dade de obras existente no mercado, Essa convivência na maioria das vezes é mas servem de caminho para uma busca salutar e traz segurança para as crianças, mais atenta. Compartilhe também conos- outras vezes gera incerteza e medo. co suas sugestões. Escreva-nos! Segundo Ramos a (2015), a relação a RAMOS, Anne Carolina. Os Avós na Literatura Infantil: entre avós e netos é uma experiência perspectivas gerontológicas e educacionais. In: Educação contemporânea. Isso porque a expec- tativa média de vida não permitia que & Realidade, Porto Alegre, v. 40, n. 1, p. 191-225, jan./mar. muitos avós vissem os seus netos nas- 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/edreal/ cerem e crescerem. No início do século v40n1/2175-6236-edreal-40-01-00191.pdf tertúlia | DEZEMBRO | 2019 XX, por exemplo, tal índice era de apenas 33,7 anos, o que limitava consideravel- mente o convívio entre três gerações. Hoje, segundo a autora, esse percentual subiu para 25%, criando um número expressivo de famílias multigeracionais. Segundo dados do censo de 2010, em apenas cem anos, a expectativa de vida do brasileiro dobrou, passando, para 73,4 anos. Concordamos com Ramos (op. cit.) quando diz que a presença mais dura- 26

DESENGAVETANDO asRECEITAS VOVÓda receitas da vovó na ponta do lápis DernseaeotsinsdrRsgaaoaedvcvlaioeevdvitrtaoóaonsdo ORELHA DE VÓ INGREDIENTES: COMO SERVIR? tertúlia | DEZEMBRO | 2019 - 2 xícaras de farinha de trigo sem fermento. Faça um cafezinho bem quentinho para acompa- - 1 xícara de açucar. nhar o bolinho. Chame os filhos, os netos e sentem - 3 ovos. todos ao redor da mesa. Vão conversando sobre a - 1 xícara de (chá) de leite. vida e saboreando o delicioso bolinho orelha de vó. - 1 banana. “E na sua casa, ou na sua região, como se chama e MODO DE FAZER: como se faz esse bolinho que parece uma panqueca 1. Unte tudo e bata no liquidificador ou bate frita? Escreva para nós!” tudo numa panela. 2. Em seguida, coloque óleo de soja em uma Uma delícia da vó Carminha, panela de teflon para não grudar e frite a massa desengavetada pela aluna Sarah Silva. até o ponto de comer. 27

ALUNOS CONVIDADOS tertúlia | DEZEMBRO | 2019NO RITMO DO PANDEIRO MINHA CAMPINA GRANDE Matusalem Lima, Melquíades Vieira Cristiane Barbosa De engraxate a tocador no Cassino Eldorado Moro na cidade de Campina Grande, onde recebemos mui- Jackson do Pandeiro foi o cara recomendado tos turistas, pessoas de outros lugares vem para conhecer os Para animar as noites dos anos dourados pontos turísticos que mais chamam atenção. Nasci e me criei Logo que o pandeiro lhe foi apresentado. nessa cidade maravilhosa. Toda minha família mora perto de Nasceu em Alagoa Grande, mas amava outro lugar mim, é uma alegria enorme ter amigos e familiares por perto. “Quem vai a Campina Grande pede pra ficar” É a melhor cidade para festejar Sem falar da escola onde encontro meus amigos e os E os grandes talentos se expressar. professores que nos ensinam o que é necessário para o nosso Seus ritmos surgiram de improvisações futuro. Tenho muito orgulho de morar nessa cidade linda, Emplacou sucessos que duram gerações onde quero viver o resto da minha vida e ensinar ao meu O Forró no Limoeiro é uma de suas grandes gravações. filho as coisas boas que aprendi nessa cidade maravilhosa. Dono de recurso vocal único e dom verdadeiro Dominou todos os estilos num som brasileiro LÁGRIMAS Conquistou o mundo inteiro no ritmo do pandeiro. Vitória Maria de França A VIDA Lágrimas são apenas gotas de água Vitória Maria de França Que desce dos nossos olhos e caem no chão É apenas mais uma forma de demonstrar A vida em si é muito engraçada Nossos sentimentos e nossas emoções Ela é muito difícil de se compreender Como algo tão insignificante Um dia choramos, no outro sorrimos Pode dizer tanto de nós assim? Mas vale a pena nela viver! Pois é isso que as lágrimas fazem Elas dizem se estamos tristes ou felizes! Cada dia possui suas vitórias e derrotas Há lágrima que são de alegria Em meio as tempestades e bonanças Mas também há lágrimas que são de solidão Em meio a lutas e tormentos Há lágrimas que são de agonia Lições preciosas adquirimos E há lágrimas que vem do perdão! Em todos os instantes e momentos. Não importa se caiu apenas uma lágrima Sempre teremos altos e baixos Ou se com ela veio uma inundação Sempre teremos alegria e decepção O que importa é que dentro dela havia uma frase Pois a vida simplesmente se apresenta Que talvez ninguém consiga a interpretação. Como um ladrão em ação. Somos pegos de surpresa Não importa como está o coração A vida é quem decide O que vai deixar em nossas mãos. 28

VAMOS DESENGAVETAR? Nasce uma biblioteca Desengavetar cordéis O que vamos desengavetar? Que nos fazem declamar Desengavetar os textos Desengavetar leituras Que nos fazem viajar Que nos fazem pensar Desengavetar os livros Desengavetar os sonhos Que nos fazem questionar De leitores a se multiplicar Prfª Jaidete Dias de Sousa BIBLIOTECAS As gavetas onde moram os livros Bibliogaveta Manoel Monteiro | Escola José Pinheiro Bibliogaveta Zé da Luz | Escola Nossa Sª Aparecida Bibliogaveta Zé Laurentino | Escola Major Veneziano Bibliogaveta Ariano Suassuna | Escola Zuleide Porto tertúlia | DEZEMBRO | 2019 29

DESENGAVETADORES PROFESSORES Na construção de nosso conhecimento, os livros são os tijolos e os profes- sores são os pedreiros. | Jonathan Fonseca Fogo SEMENTES DA POESIAtertúlia | DEZEMBRO | 2019Desbravando caminhos mil; Não há mais valorização SANDRA SUSANA Formando um Brasil varonil A nossa boneca de pano Uma Nação poderosa Dorme em muitos guarda-roupas Na sombra de um cajueiro Onde conhecimento vira prosa Porque a nova geração Escrevi minha primeira poesia De tudo se debate, discute Quer um tablet ou celular Inspirei-me no sabor das frutas Ensinando a todos igualmente Como forma de animação. E no vento que em mim batia. O professor é um crente Foi um momento de grande emoção Que o conhecimento transforma FINGIMENTO POÉTICO Quando vi as palavras contemplarem Ele não conhece outra Fórmula Carlos Roberto Pois ali havia um pássaro a me olhar Que não seja, hoje, informação Que exibia beleza e também a cantarolar. Para construir toda uma nação O fingimento persegue o homem de Logo veio um lindo entardecer Com democracia, critica e reflexão tal maneira que, Me torna um poeta E um caju em mim caiu Isso só se faz pela Educação. num mundo de caduco de mulheres Naquele momento eu sentia com pernas de cores variadas: “quan- Que o poder das palavras amadurecia. BONECA DE PANO tas pernas, meu Deus” de repente As horas foram se passando Sandra Susana percebe-se o quanto na vida, nada une E o meu dom aprimorando as pernas se sua “alma é pequena”. Naquele momento éramos ‘eus’ Ela era o sonho da época Porque não possui o mesmo espírito O dom da poesia foi deixado por Deus. Boneca de Pano de aventura que um IVANHOÉ e não és Brinquedo sapeca. um desbravador como um HERÓI PELA PRÓPRIA NATUREZA Brinquei muito na infância Vasco da Gama? E muito menos, Carlos Roberto Com amigos da escola Por que não consegues ter Não tinha discriminação tantos nomes O aluno é Rio transformado; Fosse moça ou menino como uma pessoa como Pessoa. O professor, sua nascente; Estava feita a diversão. Veja só se a história é boa, O menino se formou em Ente; Hoje ela está esquecida posso até contar, Dando orgulho a parentes, 30

Professores do Projeto Desengaveta Meu texto Mas quão bobo sou na minha inocente visão, fingida, Humana e denotativamente falando é impossível que tertúlia | DEZEMBRO | 2019 De um homem em busca de sombra, e água fresca. eu tenha vivido no tempo de meus avós, mas em minha Para ancorar os pesares da minha tumultuada vida. memória e no âmago de meu imaginário, o tempo deles vive Sempre estar em conflito, com a espiritualidade do pecado. correndo solto como as pipas levadas pelo vento e que meu Pode uma coisa assim surgi dentro de um ser? avô, quando menino, corria atrás. Ser contemporâneo como se barroco fosse? Como é incrível o meu coração ele não é sensível como pensava. O AMOR DE UMA VIDA INTEIRA Está sempre se aventurando na virtualidade de paixões Linaiara Santos Melo que ele vai querer, ou não assumir; que aventureiro! Acredito que todos tenham iniciado a leitura dessa O que resta? crônica pensando que vou contar a história de uma paixão Dizer a quem se ama, que ama. que tive por um rapaz. Sinto em dizer que não é sobre esse E ainda, tipo de amor que irei falar. Afirmar que não mais a deseja. Resta mais algo a esse fingidor? Vou expressar um sentimento que parece ter vindo Sim, comigo de outras vidas, pois o senti, dentro de mim, todas Finalizar tal desabafo fingindo as vezes que via ou pensava nessa pessoa. Que nada é tão medíocre que não tenha valor. Valor literário, cientifico, talvez poético. Desde pequena ia para casa da minha vó materna e Seja realista e não finja. ficava horas, pertinho dela, muitas vezes, sem dizer uma Pois, só aos poetas cabe tal habilidade. única palavra, mas só o fato de a sentir, perto de mim, me fazia bem. LEMBRANÇAS DOS MEUS AVÓS... Edilberlane Diniz Abrantes Ferreira Todos os sábados, a tarde eu ia ficar com ela e ficava observando-a fazer bolo, cuidar da casa... Éramos só eu Dentre as coisas, neste mundo, que passeiam pelo rol e ela, mas nos entendíamos até pelo olhar. das “relativas” é a mudança, pois “quase” tudo nesta vida, muda. O filósofo Heráclito disse que “quando alguém entra Sentia-me tão bem, que todos os meus aniversários, eu num rio, no momento seguinte, nem a pessoa é a mesma queria passar com ela. Que todas as tardes de sábado eu fa- nem o próprio rio”, assim também são as Eras... zia questão de ficar ao lado dela. Nós riamos, chorávamos, relembrávamos 1000 vezes os mesmos acontecimentos. Quantas vezes na vida já não escutamos alguém suspirar, Erámos como velhas amigas. dizendo: “Como era diferente no tempo de meus avós... ou no tempo de meus pais... ou no meu tempo!” Quantas lem- E foi assim até o último dia da vida dela. Ela se foi no branças vivem no coração dos homens! dia 06 de dezembro de 2003, nove dias depois do meu aniversário. E foi nesse dia que ela se despediu de mim. Identifico-me com alguns versos do poeta romântico Casimiro de Abreu, quando diz: “Ai que saudades que tenho Arrumei-me toda e fui correndo comemorar esse dia da aurora da minha vida...” E atrevo-me a parafraseá-lo: “Ai com ela. Como ela estava adoentada, esperei que ela que saudade que tenho do tempo dos meus avós!” Um tempo estivesse no quarto, mas para minha surpresa, estava no que aprendi a construir em minha imaginação, alimentada terraço sentada, sozinha. Olhei pela grade e a vi logo me por tapiocas de coco, café quentinho, bolo de milho, cocadas emocionei. Era tudo que eu queria de presente, vê-la bem. de leite... Nos relatos de minha avó paterna. Ela ficou muito feliz em me ver, mas não lembrou que Nossos avós deixam marcas em nós, que no momento era o meu aniversário, pois estava bem debilitada para em que estão sendo feitas, por vezes não entendemos, mas lembrar de alguma coisa. Quando ficou sabendo tratou que o tempo lapida e mostra a bela joia que se torna! São logo de pedir a minha tia para comprar uma pizza para ensinamentos, que por mais que a sociedade mude, conti- comemorarmos. nuam servindo-nos, fazendo parte de nós. Ensinamentos como: “Respeite os outros, menina!”; “Não faça aos outros o Eu nem imaginava que aquela seria a nossa despedida. que você não quer que façam a você!”; “Fale pouco e escute Quando a pizza chegou, ela pediu-me desculpas e disse mais”; “Saiba entrar e sair de qualquer lugar”; “Seja hones- que não conseguia mais ficar sentada e que queria dei- ta, mesmo que seja só você”! “Não mexa no que não é seu”, tar-se. Minha tia levou-a até o quarto. Ao chegar à porta, dentre tantas coisas que aprendi com minha avó e que me minha vó parou, olhou-me e disse: Lina, você mora aqui serão úteis por toda a vida. (apontou pra o coração dela). No sábado seguinte, nos encontramos pela última vez. Mas, desta vez não havia mais vida nela e a minha tinha perdido o brilho. Restou-me apenas a saudade e o amor que sempre viverá em nós. 31

DESENGAVETADORES COMUNIDADE O lugar datertúlia | DEZEMBRO | 2019 dos meus avôs na minha vida, relatei braço quebrado no seu último natal. Ele memória que não lembrava o destino daquele é na escola havia caído de um pé de bananeira); ou brinquedo, mas contei uma história da BRUNO GAUDÊNCIO choravam como um das meninas mais tí- roupa que eu usava. Era vermelha, com midas apresentou sua foto de aniversario Professor, escritor, jornalista e historiador de quinze anos a turma, lembrando-se desenhos de um urso de cor branca. do sorriso da sua mãe, recém-falecida. Amemória não é privilégio dos Todos os meus alunos ficaram atentos. velhos. Não é símbolo máximo Era evidentemente uma história banal, Foi quando cheguei ao último aluno, justamente aquele o menino que havia daqueles que por longos anos como seria, aparentemente, a história respondido que sua infância não era acumularam experiências. A memória nada demais. Ele estava com a sua foto é o signo da vida. É território de todos. de todos da sala. Mas percebi que eles na mão. Levantou e mostrou para toda Sangue pulsando a existência. Outro dia alcançaram minha emoção a falar dos questionei a um aluno sobre o que ele meus avôs, de como aqueles objetos e a turma. Era a imagem de um homem lembrava da sua infância? Ele ficou sem vestuários engatilharam sentimentos magro de bigode pretos, com três crian- graça e respondeu depois de alguns se- ças entre cinco e dez anos. Era seu pai, gundos que sua infância não era nada que guardo até hoje como lembranças. demais ou era igual a qualquer um. Na Em seguida continuei a dinâmica. exatamente na escola onde nos encon- hora tive uma ideia: “Queridos, tenho um exercício para vocês para a próxi- Uma das alunas mostrou sua foto no trávamos. A imagem remetia ao dia em ma aula: tragam uma fotografia de suas dia do seu aniversário de sete anos. Foi que a casa onde moravam fora destruída respectivas infâncias”. Dos vinte e oito sua primeira e única festa de aniver- por uma cheia e a escola abrigou sua alunos, apenas dois ou três não trou- sario até aquele momento. Seus pais família. Ele, seu pai (já falecido), sua mãe xeram. Observei logo na entrada que o não possuíam condições de fazer uma e seus dois irmãos mais velhos ficaram grande comemoração, mas naquele ano desabrigados. Perguntei a ele porque mesmo aluno que respondera que sua escolheu exatamente aquela foto. Ele infância não tinha sido “nada demais” seus pais prepararam no clube do bairro respondeu: “Acho que não fui certo em estava empolgado vendo as fotos dos uma festa. Ela nunca esqueceria aquela dizer que minha infância era nada de colegas e suspirou fundo quando me data, mesmo passado quase dez anos. mais, iguais às outras. A minha infân- viu entrando na sala. cia foi um pouco triste, perdi meu pai Relatou com minúcias os convidados, cedo, perdi minha casa, mas fui acolhido Comecei minha dinâmica mostrando os presentes, o sabor do bolo. No final aqui de diversas maneiras. Morei aqui a minha foto de infância. Trouxe uma das apenas desejei que ela guardasse para nas férias de janeiro de 2005, estudo poucas que possuo deste período. Eu, sempre aquela foto como o melhor de aqui desde que me tenho como gente.” sua infância. Vi de relance uma pequena Emocionado, todos ficaram silenciados em um velocípede laranja, sorrindo no lágrima no canto dos seus olhos verdes. e imóveis quando ele voltou para sua terraço da casa dos meus avôs, em Caba- cadeira. Fiquei quieto, observando seus ceiras, Paraíba. Comentei a importância E fui continuando a dinâmica, pas- amigos o cumprimentarem quase todos sando de adolescente para adolescente, 32 emocionados. A memória não é privi- percebendo como cada um deles estava légio dos velhos. A memória é signo da interessado em saber cada vez mais so- bre a memória das infâncias um dos ou- vida. É território de todos. O lugar da tros. Estavam ao mesmo tempo agitados e atentos; riam com a foto que remetia a memória é na escola. algo engraçado (quando, por exemplo, um aluno mostrou uma imagem com o

Professores | Historiadores | Escritores | Poetas | Etc Há um rio na minha tanta vida escorrendo para o mar. Era assim de domingo a tertúlia | DEZEMBRO | 2019 infância | Crônica domingo. Dias santos e feriados também. Hoje, o que desce no rio são dejetos de uma cidade que cresceu esquecendo MIRTES WALESKA SULPINO sua infância. Há lama. Lixo. Morte. Mas lá no fundo, bem embaixo da terra e nas minhas lembranças, ainda há um rio, Presidente a ABES (Associação Boqueirãonense de escritores) que vez ou outra teima em me visitar. Sempre que visito minha infância, sinto o cheiro da água Os brinquedos nas do rio Paraíba. Sinto a água fria banhando meus pés, prateleiras | Depoimento sinto as pedrinhas e seixos em seu leito, escuto o canto das roupas nas pedras, no batuque das lavadeiras, como PAULA SALVARANI quem entoa um lamento. Tomar banho de rio era o mesmo que tomar banho no chuveiro, para mim e a gurizada que Bacharel em Direito e mãe da Lara morava por aquelas bandas. Todos os dias, o banho de rio era sagrado, era como se limpássemos as impurezas e nos Aqui em casa não existem brinquedos espalhados pela renovássemos, igual a água corrente que percorre uma casa, aliás, eles nunca saíram das prateleiras onde longa distância e descansa no mar. Saia de casa por volta de estão guardados. Aqui não há gritos de euforia na dez horas da manhã, chinelinha havaiana azul e branca, um hora de brincar. Não há mundo mágico da infância, aquelas pente, uma toalha e um creme para desembaraçar o cabelo. histórias tão cheias de imaginações. Não sei se a Lara prefere Na metade do caminho, avistávamos aquele mundo de água. brincar de bonecas ou se prefere jogar bola. Se prefere as Desse ponto em diante, já apostávamos corrida para ver princesas ou o Mundo-Bita. Talvez as duas coisas?! Não sei. quem chegava primeiro. Suas águas cortavam a estrada de Sabe aquela vozinha tão doce chamando mamãe, mamãe, mil chão onde improvisaram uma pinguela, espécie de ponte que vezes mamãe? Eu nunca ouvi. Sabe por que estou escrevendo não era feita com paus, mas com um grande cano de ferro, esse texto agora? Porque ontem me deparei com uma cena formando um labirinto por onde a água escoava e de onde que me deixou pensativa: uma mulher puxando os cabelos dávamos “os flecheiros” na linguagem da infância. do seu próprio filho. E sabe qual o motivo? A criança correu e se empolgou no corredor do supermercado. Eu não estou Atravessar aquele labirinto era uma aventura. Dava um julgando a atitude daquela mãe. Sei que as crianças correm frio danado na barriga. Segundos de clausura e escuridão até e se empolgam quando estão fora de casa. Mas para mim, a outra margem, de água clarinha, aspirando um ar puro que seria uma grande realização se a minha filha pudesse brincar limpava os pulmões. Era tanta água, tanta gente. Meninos onde ela se sentisse à vontade, mesmo se esse espaço fosse e meninas brincando. Anáguas, vestidos, todos estendidos num supermercado. Seria maravilhoso ter vários brinquedos sobre a pedra para “alvejar”. Lavadeiras ganhando o susten- espalhados pela casa, isso seria um sinal de que alguma crian- to em tempos difíceis. Pescadores de camarão e peixe. Era ça estava brincando. Também seria maravilhoso se a minha pequena Lara pudesse me chamar de mamãe e não quisesse os braços de ninguém mais, apenas o meu colo. Queria que ela fosse meu “chicletinho”, sempre grudadinha em mim. Mas, infelizmente, minha Larinha, desde os primeiros dias de vida, teve que ficar “sozinha”, num bercinho da UTI, e eu não pude fazer nada para me aproximar dela. Tinha que ficar ali, olhando de longe. Se eu pudesse dar um conselho para uma mãe, tão cansada da maternidade real, diria: Deixe as crianças serem crianças, não tente transformá-las em pequenos robôs. Tenha calma! Vai passar! Elas crescem tão rápido! Criança feliz grita, corre, não para. Parece que tem formiguinhas nas fraldinhas. Querem explorar tudo a sua volta. E isso exige paciência da nossa parte. É preciso ensinar mil vezes. É preciso não sair do seu autocontrole, contar até 10, beijar mais, abraçar mais e parar para ouvir suas incríveis historinhas quantas vezes forem necessárias. Tudo isso molda as memórias e recordações de uma infância feliz. Sei que a maternidade para algumas mulheres é triste, dolorosa e talvez cansativa. Entretanto, é preciso mudar a di- reção do nosso olhar e começar a louvar a Deus pela saúde dos filhos. Claro que educar não é nada fácil. É preciso pulso firme. Mas é preciso, acima de qualquer coisa, educar com amor. 33

DESENGAVETADORES COMUNIDADE tertúlia | DEZEMBRO | 2019Mistério profundo, a separada dos homens e do menor que estava condenado barriga de Luzinete | Romance por morte, que devia ser levado para Papacaça. Nunca mais Luzinete, a feia, deu sua luz à cadeia. JOSEMIR CAMILO Mas ela, quando desceu pra Itamaracá, foi prenha, viu? O Presidente da Academia de Letras de Campina Grande velho soldado, colega dos tempos de Vicente insinuava alguma coisa. Eita! Foi mesmo? Perguntou o filho de Vicente. Estranho Acadeia tinha um capítulo à parte: dona Luzinete, a que malefício sem autoria, então. O também militar reformado, matou o filho, criancinha, anjinho, sem batismo, que filho do tomador de conta da velha cadeia de 1924, porque era não queria o filho daquele cabra safado. Especulava-se o que o soldado Vicente era: tomador de conta, não percebeu a maneira do assassinato e rumores apontavam que ela, no a fina ironia do nonagenário. Não era simples cabo de guarda entardecer, fingiu lavar umas roupinhas do anjinho, ou o e que era mesmo, em quase todas as noites, tirando guarda próprio, encheu a bacia e fingiu jogar a água suja da bacia dos camaradas que queriam farrar na Barra. Além de passar no rio, ali, no canal de Goiana, mesmo, com criança e tudo. boa parte do dia consertando sapatos em sua banquinha no Não parecia triste, nem arrependida. Calada, a princípio, grande salão de tarimba do destacamento. A insinuação estava foi-se soltando e chegou a gaitadas. Cozinhava bem, e paga, lançada. A inveja agora corria solta. para quem estivesse de guarda. E foi quando cozinhava para as praças de guarda, que foi obrigada a deixar a panela no O dono da cadeia, era dono da cidade. Camaradas tinham fogão de barro e correr, como mandou Vicente, quando a inveja, raiva, mas adoravam ter tantos dias de folga, pagando briga na cela grande começou. Vá e se tranque! Só saia se eu Vicente, para fazer o trabalho deles. E Vicente tomava conta mandar! Assim fez, ainda bem que a panela não queimou. do único cinema, à noite; tomava conta do campo de futebol, Vicente, à boca miúda, só a chamava de a condenada, com quando havia jogo; era chamado pelo dono da usina, nos raiva; falava com ela para pouca coisa, nenhuma, e sempre dias de pagamentos dos funcionários e era chamado, com sério, e ela, respeitosa, sim senhor. Pra ela, ele não era de exclusividade, pelo juiz de Direito, Dr. Charles, para conduzir puxar conversa, não. Cara enfarruscada. presos em dias de julgamento. Já com a família de quatro filhos, casamento esfriado, muitas noites na cadeia, Vicente Apesar de feiosa, com não dava tropeço. gorduras mal distribuídas no corpo e no rosto, cabelo curto, Pois foi, coronel! Luzinete já desceu prenha! Agora quem parecido cortado à faca ou à foi, quem num foi! Sabe-se Deus! tesoura, às cegas, era a única mulher a passar todos os dias A RUA DA SAUDADE e quase todo tempo à vista dos presos. Até soldado se interes- Ádamis Oliveira sava, discretamente, por ela. Até o filho caçula de Vicente Poeta sentia alguma coisa estranha quando a via, passando de sua Toda vez que eu virava àquela esquina cela para a área aberta, onde Vendo a placa que nomeava a rua, deu para cozinhar para o cabo Eu lembrava que nela a casa sua da guarda. Com aquele vestido Adornava, tão bela, minha rotina. meio curto, que deve ter sido da juventude dela, antes de emprenhar, agora meio gorda, deixava aqui e acolá aparecer Mas à casa eu era indiferente. algum ‘toicinho’ de perna, ou de barriga, na descostura ou Na verdade, o que sempre reparava rasgo da roupa. Os dentes, pretos de fumo. Feiosinha. Mas Era a dama que na casa morava devia ser o delírio dos mais de 20 presos dos três salões E em meus dias, por dias, foi presente. conjugados, da ala da frente, sendo que a grade da sala do meio dava de frente com a cela de Luzinete. Sua cela era Entretanto, por lá, não mais a vi. pequena, de uma porta só, e de madeira, de mais de um Se mudou! Hoje cedo eu descobri metro de largura, a porta, com uma portinhola com ferrolho, Me afogando de infelicidade. que era fechada à noite, pelo cabo da guarda. Era o último e o único, àquela hora, que podia lançar um olhar sobre Por saber que ela ali não mais verei, Luzinete, deitada na tarimba de madeira, talvez com coxas Outra placa na rua eu coloquei ricas em celulite à amostra, ou bunda pra cima, coberta com Pra chamá-la de “Rua da Saudade”. algum trapo de pano, ou deitada na rede, provocando sol- dado. Quando o teto das três salas conjugadas caiu naquela chuvarada de 57, veio uma força tática da penitenciária de Itamaracá e levou todos os presos. Luzinete foi num carro, 34

Professores | Historiadores | Escritores | Poetas | Etc Papicha | Resenha O DIÁRIO DE ANNE FRANK: um livro ERNANI TERRA marcante | Resenha Escritor, pesquisador SAMARA ROSAS SILVA Entrou em circui- Esse livro conta a história da adolescente Anne Frank, to comercial em que viveu durante a Segunda Guerra Mundial, junta- pouquíssimas mente com sua família e outras pessoas, num anexo, salas (assisti no Espa- presa, escondida. ço Itaú de cinema - in- teira a 38 pilas, meia “A boa Anne, portanto, não aparece quando tem gente, a 19), Papicha, filme até hoje nunca se mostrou, nem uma só vez, mas é a que pré-selecionado arge- predomina quase sempre quando estamos a sós. Sei exata- lino ao Oscar de me- mente como desejaria ser, como sou, aliás... lá no íntimo.” lhor filme internacio- nal. Anteriormente, O que eu posso dizer é que me identifico com ela. Uma fora exibido na 43a. menina silenciosa e às vezes sufocada entre quatro paredes. Mostra de Cinema. Muitas vezes me sinto sozinha, apesar da companhia das Baseado em fato real pessoas. Parece até que escrevi algumas páginas do diário. ocorrido em Argel na década de 1990, Enfim, todo o livro me fez pensar muito, mas as últimas o filme tem como páginas foram fundamentais para conhecer a verdadeira personagem central Anne. Ela dizia que existiam duas Annes em uma só. Uma Nedjma, uma estu- que as pessoas conheciam apenas como “Anne” e outra que dante universitária, a não era tão agradável. Apesar dessa dualidade, ela desejava Papicha, interpretada ser uma pessoa melhor, sentia que havia a primavera dentro pela lindíssima Lyna dela, que precisava florescer. Não só fisicamente ela estava Khoudri, apaixonada presa, sua alma estava aprisionada, ansiava pela liberdade. por moda e possuidora de enorme habilidade para desenhar Liberdade de corpo, liberdade de mente, liberdade de alma. vestidos. Papicha organiza um desfile de moda em que pre- tende apresentar suas criações. O desfile é um ato político O Diário de Anne Frank mudou a maneira de eu enxergar em que a jovem estudante universitária mobiliza colegas e a mim mesma e também o mundo. Recomendo que você não pelo qual se insurge contra o machismo e a religiosidade apenas leia, mas tente se imaginar no lugar da Anne. Tente de um governo que pretende transformar o país em estado sentir cada sentimento que ela viveu. Ler é isso: criar laços islâmico, em que à mulher só cabe procriar e servir seu ho- e sentimentos. mem. Se os valores arcaicos são uma forma de controlar os corpos das mulheres, o vestir-se sensualmente é a forma que CACTOS tertúlia | DEZEMBRO | 2019 Papicha encontra para manifestar sua rejeição aos valores do conservadorismo islâmico. Papicha veste-se como uma cibele laurentino jovem ocidental: usa jeans, mostra as pernas, não usa o véu islâmico. Além disso, pinta-se, passa batom, fuma cigarros, Poetisa ouve e dança rock e reage à pressão e à campanha para que as mulheres usem o hijab, a vestimenta feminina típica do Encontramos cactos no caminho, Islã. A manifestação pública da sensualidade é sua arma. Uma Encontramos, pedras, espinhos, jovem e corajosa revolucionária. numa sociedade ultracon- Entre os cactos, flores, servadora que vive uma guerra civil. Com sua habilidade de Encontramos água, desenhar modelos de roupas, organiza um desfile de moda Beleza, amor em que suas colegas usam modelos de hijabs por ela criados Natureza. que revelam a beleza e a sensualidade da mulher islâmica, o Você que tanto fez, que -evidentemente- será alvo de reações violentas não só Mágoas, magias, oferendas. por parte de homens, mas também por parte de mulheres Encontrei uma flor. conservadoras. Não tenho dúvidas em afirmar que Papicha No coração, é um dos melhores filmes deste ano. Que nesses tempos de Uma pérola, talvez. conservadorismo damaresiano, a jovem Papicha nos sirva Não tive tempo. de exemplo de resistência. Sua missão acabou. Você se foi. E eu fiquei Contando o cheio que senti. 35

DESENGAVETADORES COMUNIDADE JURANI, MAILSON E O LIVRO NO MAAP Memória: Nossa maior inimiga ou Memórias de nossa maior um escritor | Resenha aliada? | Poesia JURANI CLEMENTINO CATHARIE B. DE SOUZA Poeta, escritor, membro da Academia de Letras de Campina Grande Poetisa Olivro “A Cidade” do poeta, odontólogo, ator e escritor cearense Maílson Quando eu amo, quero lembrar, Furtado, escolhido como o livro do ano e vencedor do maior prêmio de Quando me separo, quero esquecer, literatura do país, o Jabuti, tem o cheiro e o gosto do sertão. Ao ler você Quando venço, quero lembrar, revive muitas memórias afetivas. Esta semana eu tirei um tempinho para conhecer Quando perco, quero esquecer, a obra que foi gentilmente autografada pelo autor durante seu lançamento aqui Quando me divirto, quero lembrar, em Campina Grande. Depois que li, fechei os olhos e fiquei imaginando. Quando tenho raiva, quero esquecer. Memoria inimiga! Ora, a cidade de Maílson pode ser a minha cidade, a sua cidade, a cidade de Quero esquecer e você não deixa... todos nós. Pois nela existe o cheiro, o sabor a dinâmica que toda pequena cidade Aquele coração partido, possui. É uma cidade de gente, com casinhas deselegantes de concreto, ruas ainda Aquela promessa quebrada, não batizadas, praças e igrejas. É uma pequena cidade sertaneja banhada por um Aquela vitória perdida, rio que sempre deságua no mar. Uma cidade com meninos correndo pelas ruas Aquele tempo sem dinheiro, desniveladas com seus paralelepípedos desiguais. Cidade da feira semanal, das O aperto financeiro, missas e dos cultos. Cidade de ruas com pessoas conversando todo fim de tarde Aquela magoa guardada, nas calçadas. Cidade de noites ora movimentadas, ora solitárias e desertas. Te faz minha inimiga, Pois tudo que eu queria, É o tipo de cidade que habita e pulsa dentro da gente. Porque trata-se se Era não lembrar de nada. memória, de história de saudades no plural. Saudades do dia de finados que ía- Memoria amiga! mos visitar os ausentes para sentir um pouco de suas presenças. O livro trata de Amo você... questões do presente, passado e futuro e, acredito que, praticamente todo mundo Guarda as recordações que me faz viver, conhece, conheceu ou conhecerás uma cidade como esta desenhada em versos E qual seria o sentido sem ter você? por Maílson. Basta observar com um olhar curioso para perceber que presente, Pergunta a Alzheimer... passado e futuro coexistem. Que te mata aos pouquinhos, E faz você perder, Tudo que aprendemos, A certeza do que somos... Memória amiga! Não importa vencer, Não importa perder, Não importa chorar. Nem sorrir, nem sofrer, Importa só lembrar Que tudo faz parte da vida, E se não lembrasse... Não teria sentido amar, Muito menos viver. a cidade de Maílson pode sertertúlia | DEZEMBRO | 2019 a minha cidade, a sua cidade, 36 a cidade de todos nós

Professores | Historiadores | Escritores | Poetas | Etc O ponto de O QUE SINTO POR VOCÊ partida | Artigo de opinião Elisabeth Garcia de Araújo EMÍLIA GUERRA Auxiliar de Serviços Gerais, poetisa Escritora, poetisa Quando contemplo o mar e os Oagora documenta o ontem, em todas as reminiscên- Grãos de areia da praia, lembro cias acomodadas na memória pertinente no ponto de Da intensidade do que sinto por você partida para todos os manifestos; para vivermos no amparo e busca para novas histórias. Feiticeira | Poema No anseio de investidas do sonho da Esperança do coti- SIMONE PEDERSEN diano desafiador, no reflexo do que somos, fomos e queremos ser nessa trilha de nossa identidade. Isto em resgate de Escritora nossa feitura de pensar, agir e até intuir nosso acaso e caso construtores de nossa própria história, sendo esta conci- Não espere de mim liada com o meio que nos cerca e provoca. Nosso caminhar Atitudes razoáveis, permanentemente em construção. Palavras sob medida, Ou sonhos de andorinha. O Ponto de partida, na referida construção (peculiar e Vivo dançando entre a única), tendo como marco central a formatação e realidade Imagem e o perfume, total de nós mesmos. O comando dele originário se adensa Sem forma definida... no meio da convivência com tudo e todos, gerando e fazendo Fotografia sem objeto, contribuir à arte que brota na nossa memória: atos, ações, Sentimento sem lei. lições, vigência de afetos, desafetos e coisas colhidas na Procuro transcender a filosofia, linha do tempo. Rir apenas das feridas Continuar sem despedidas. Fato é que ninguém se iguala a ninguém: somos indivi- Pois nasci na Idade Média, duais e pessoas independentes umas das outras, no desafio Fui criança há duzentos anos do bem e do mal, fazendo nossas escolhas peculiares, bem E só envelheço no terceiro milênio. como na acolhida de pessoas-gente e/ou histórias neces- Como as bruxas e as fadas, sárias de resgate. A matemática não se aplica À minha alma dançarina. Vale salientar que somos uma soma, pois nossa história acumula todo o nosso passado repassado na divisão de nossos DOCE MEL valores, ou seja, em partilha das ações por nós praticadas como exemplo. Erivan Dantas Da Silva Somos Subtração, quando ofertamos uma divisão de Vigilante, poeta história nefasta, deixando de multiplicar o bem e a ternura. Quantas vezes eu derramei lágrimas ao vento Dentro da minha poética digo: “Somos muitos e somos Que caíram em forma de chuva e banharam as flores todos, o remanso da PAZ, que começa em nós, atirando a Pelas flores passaram as abelhas primeira flor”. Todos podemos ser agentes transformado- Que produziram o mais doce mel res, mediante o aprendizado a nós ofertado, nesta travessia Que hoje experimento na tua boca. desafiadora, a afim de construirmos novas histórias com terna motivação. Assim, somos pessoas melhores, conforme tertúlia | DEZEMBRO | 2019 afirma Paulo Freire: “Aprender e aprender”. Como podemos aprender sem oferta de aprendizagem? Precisamos conhecer nossa história, através do aprendizado sobre nós mesmos, na motivação de virmos a considerar nossos atos anteriores e o transportarmos para no nosso agora; e fazermo-nos sempre na arte do SER. 37

DESENGAVETADORES COMUNIDADE FOTO DO ACERVO DO AUTOR: O ALPENDRE DE NENZINHA No alpendre de Nenzinha|Poesia TIAGO MONTEIRO Um rádio AM velhinho Hoje só resta a saudade Era ligado à tardinha Do meu vô e de vozinha, Escritor, poeta Enquanto vó preparava Personagens da história Pro jantar, uma galinha, Dos meus primos e da minha, Cortinado bem florido Fogo de lenha abrasado Depois que Deus os levou, Porteava a camarinha, E a gente bem informado Ninguém mais se encontrou Um pote desses de barro No alpendre de Nenzinha. No alpendre de Nenzinha. Bem no canto da cozinha, tertúlia | DEZEMBRO | 2019 As regras, vó quem ditava Vô chegava das caçadas Quando a gente se encontrava Trazendo nhambu e rolinha, No alpendre de Nenzinha. Despejava o resto d’água Que sobrara na quartinha, O almoço era composto Pra poder tratar a caça, De feijão, arroz, farinha, Depois comer com cachaça Na mistura, quase sempre, No alpendre de Nenzinha. Uma carne bem sequinha, Não se tinha muito luxo, Mas a gente enchia o bucho No alpendre de Nenzinha. 38

Professores | Historiadores | Escritores | Poetas | Etc a estrada de ferro me rasga e rasgou a expectativa de tantos por oitenta anos a cada semana rasgou terra Do tempo de... rasgou ruas cortou o rio EFIGÊNIO MOURA sem pedido sem licença Escritor, jornalista, membro da Academia de Letras de Campina Grande sem pena atropelou mato Quando eu penso em escrever alguma coisa, a saudade é a primeira a se amostrar na fila dos desejos e sai cotovelando quem se apresenta bicho primeiro, e lógico, saudade anda empareado com memória. gente de saudade Todos os meus livros são assim: ando eu no oco do mundo, em riba dum na partida jegue e nos caçuás, lembranças de mói, as vezes eu até invento algumas. de vontade de partir Eita Gota!, meu primeiro livro fala de uma viagem que eu nunca fiz foi mas que morro de saudade dela, das estradas, das cidades, das ruas, das vem conversas, das situações. vai trem Contar pabulagem é típico do homem sertanejo, então saudade do que é sério é trem nunca aconteceu é o tema principal em qualquer roda de conversa. Certa é forte vez, me contou professor Adelmo lá de Teixeira , que havia um mentiroso como tantas marias em sua cidade que quando houve uma chuva de trovões e raios na serra, no outro dia de manhã encontraram enganchado numa aroeira velha um é trem que por birra saco branco e enorme mas quieto, rasgaram o saco com uma peixeira de é sério doze polegadas e o que tinha dentro dele? Um trovão ficou preso. é bruto não nega A contação força a memória de algo que nunca aconteceu mas que a (herdei isso dele) gente comprime os olhos para ter a certeza se aconteceu de verdade, pra ver o tamanho do trovão, do rasgo do saco e até do cabo da faca peixeira. ligou meu sangue ao siará foi por onde meu vovô construiu No meu livro Ciço de Luzia, há uma saudade em que eu tocava nela, um pedaço de fortaleza que alisava ela e até beliscava ela, de acordo com a situação. As férias de por onde vovô viu minha infância, o romance amolecido, acontecido ou não. ghiggia calar o maracanã em cinquenta por onde estações inventaram A estória que nunca aconteceu dentro de um mundo que era de verdade. lugares sem nome e sem nome eu nasci Saudosismo é o começo da ideia de muitos escritores, quiçá de todos. tal maria levou o ouro branco de meu pai aos ingleses levou um pedaço de mim e quando criança me levava a perguntar onde se escondia depois de passar perto da casa de tia geni junto de sua fumaça tertúlia | DEZEMBRO | 2019 longe do silêncio longe dos pássaros hoje sei que namorava as carnaúbas e xiquexiques na estrada comprida rumo à capital MAILSON FURTADO à cidade | Livro do ano | 39

DESENGAVETADORES COMUNIDADE tertúlia | DEZEMBRO | 2019O ROSTO DO MEU PAI ou Meu pai, que eu iria conhecer, era uma novidade para mim. o dia em que conheci Sabia que tinha um monte de tias e tios. Avós. Que eu nem o Rei do Baião | Crônica sabia de onde vinham, nem por quê os pedia a benção. Até que um dia, minha mãe, numa parada de ônibus, me contou... MIRTES WALESKA SULPINO Lembro a rua, o que tinha ao redor, uma parada de ônibus Eu tinha entre 9 e 10 anos, finalzinho dos anos 1980, amarela, com o número da linha que passava ali, de vermelho. quando numa noite de São João fui conhecer o meu Lembro até a cor da casa em frente a parada. Azul. pai. Isso mesmo, conhecer. Deixa eu explicar: quando ele e minha mãe se separaram eu nem dava por gente ainda, Só não lembro o que eu disse ou qual foi a minha reação. nem tinha aprendido a falar direito. Eu acho. Talvez esse “não lembrar” foi justamente o silêncio do mo- mento; da situação embaraçosa. Houve toda uma preparação nesse dia. Vestido tipo jar- dineira, vermelho com algumas bolinhas brancas. Recomen- Chegamos na casa da minha avó, um monte de gente na frente. dações. Sapato vermelho novo, estilo boneca ou Dorothy do Todos me olhavam e eu de cabeça baixa, só via o brilho dos meus Mágico de Oz. Pulseiras que mal deixavam eu baixar o braço. sapatos vermelhos, ou quem sabe era o reflexo do meu rosto. Tudo novo e brilhante para a novidade que se abria para mim. A casa da minha avó não era tão grande. A porta de entra- Morávamos em uma ci- da já dava na calçada, tinha uma sala cheia de quadros nas dade próxima a cidade paredes. Um retrato grande do Papa João Paulo II, minha avó do “Maior São João era devota. Lembro que andei muito da entrada da casa até do Mundo”. Isso a cozinha, onde meu pai se encontrava. Mais uma vez, todas mesmo, Campi- aquelas falas, todas aquelas risadas e abraços se misturavam na Grande. Minha aos quadros e a imagem do Papal sorrindo para mim. mãe iria aproveitar para, após a visita Não lembro minha reação, nem a dele. ao meu pai, ir para Lembro que ele era alto, pois me colocou no seu colo e o Parque do Povo, fiquei bem perto do céu. Ou assim eu me senti. um lugar onde é Minha mãe tinha feito toda uma programação para realizada até hoje que eu passasse o final de semana com ele, meu pai. a tradicional Nada disso aconteceu. festa junina. Chorei muito. Não queria ficar ali. Não queria ficar com Ela iria com os ele, com o meu pai. Não o conhecia. primos, cariocas, Parti com minha mãe e seus primos para o Parque do para a “Noite de Povo. Não sei o que meu pai sentiu. Mas eu lembro o que eu São João”, dia 24 sentia naquele momento. Estranhamento. de junho, mais pre- Era noite de São João. Estava frio. Entramos no carro, cisamente. todos em silêncio. Nessa hora eu vi um balão no céu e sorri. Fomos num Não lembro o rosto do meu pai, talvez o brilho do meu sapato Fiat 147, todos es- vermelho tenha ofuscado o momento. Mas me recordo que tavam eufóricos, nesse mesmo dia, no Parque do Povo, numa noite de São conversando, rin- João, conheci e abracei o rei do baião. Seu Luiz Gonzaga. do, roupas novas, perfumes se mistu- Infância | TIAGO MONTEIRO rando, loção de barbear. Inventei de mexer num velho armário Eu e meu sapato vermelho de bico Que guardei velhas fotos do passado, fino em silêncio. Um frio na bar- E num quadro bastante empoeirado, Recordei meu primeiro aniversário. riga e um olhar distante. Aquela conversa toda, aquela fita to- O meu pai preparou todo o cenário cando o sucesso mais recen- Que mamãe decidira com cuidado, te de Alcimar Monteiro, “Ela Com recurso bastante limitado, Pois meu pai nunca teve um bom salário. nem olhou pra mim”, iam se misturando aos pingos da Uma casa humilde, mas que tinha chuva fina que escorriam O feijão, o arroz e a farinha, pelo vidro do carro e em- Mas não tinha espaço pra tristeza. baçavam toda a paisagem. A infância eu vivi como Deus quis, Com papai e mamãe eu fui feliz, 40 E o amor superou toda pobreza.

Professores | Historiadores | Escritores | Poetas | Etc CARTA PESSOAL sempre me mostrou o grande caráter Poderão dizer que a louca agora sou eu... Escrever para alguém que já SAMMELLY XAVIER que tem; e pelas pessoas que parecem saiu deste mundo; mesmo assim, sei não entender minha falta de traumas. que está lendo tudo que eu escrevo. Escritora Ao começar com esta carta tive dois Uma coisa que me deixava com raiva objetivos: O primeiro era homenageá-lo. Pai, hoje tenho uma difícil missão: eram os comentários dos colegas esco- O segundo diz respeito à frase que li no transformar este aglomerado de senti- lares, quando eu passava e ouvia “Essa cartaz deste concurso: “Já imaginou o mentos em uma carta para o senhor. Ela menina é filha de um doido”. Eu tinha mundo todo lendo sua redação?” deve falar de saudade, sabe, pai? Lembrei vontade de responder: “Meu pai não é que a língua portuguesa tem em seu doido, é esquizofrênico, uma doença ge- Pensei: “Isso é bom! Poderei final- contexto uma única e imperativa palavra nética. Louco é um cara saudável que não mente expressar o que sinto, e o que para falar desse sentimento: SAUDADE. realmente sinto é que nunca me senti se merece, se maltrata, se humilha”. Na a criança sem pai, traumatizada, pro- Imagine se não fôssemos brasilei- blemática”. Tento passar com isso que ros? Como expressaria este meu sen- verdade, nunca respondi nada. (Não ria devemos sempre sorrir para a vida, já timento? Pensando nisso, procurei no que ela não dá mais do que precisamos, dicionário o significado - Saudade s.f. de mim, viu?). Eu não sabia pronunciar nem menos do que merecemos. (Do lat. solitas, solitatis, solidão, soleda- direito a palavra esquizofrênico (tinha de) - 1. Recordação suave e melancólica uns 7 anos), e para não me atrapalhar, Obrigado, pai! Pelas lições de vida de pessoa ausente ou coisa distante que saía andando fingindo que não ouvia. que me deu através do que minha mãe se deseja voltar a ver ou possuir, - 2. conta do senhor. É um grande exemplo, Nostalgia, - 3. Pesar, mais pela ausência Sabe outra coisa muito engraçada? e, por mais que eu escreva, uma vida de alguém que nos é querido. O modo como as pessoas falavam do não cabe em palavras. senhor. As frases sempre começavam Das três, gostei mais da última, po- com “apesar de tudo, ele era...”, apesar Enfim, acabo de deduzir meu con- rém, não concordei inteiramente com de tudo o quê, meu Deus? ceito de saudade, bem diferente do que nenhuma. O senhor acha possível sentir o dicionário trouxe: Saudade (s. s. g. - saudade de algo que nunca se teve? Pois Diziam para eu não ter traumas; ao substantivo sem gênero.) - 1. Ansiedade é isso que acontece comigo. Sinto sauda- mesmo tempo que informavam ótimos calma pelo dia do reencontro que com de das conversas que não tivemos, das psicólogos infantis para “mainha”. Eu certeza acontecerá. permissões que nunca pedi, dos olhares pensava: “Mente de adulto não entende que nunca trocamos, dos filmes a que realmente nada de mente de criança” ... Querido pai, até lá!!! De sua conti- nunca assistimos, das atividades de casa nuação terrestre. que o senhor poderia ter me ensinado, Sabe por que eu era tranquila, pai? de atrapalhar seu sono à noite por estar INSONE tertúlia | DEZEMBRO | 2019 com medo de um pesadelo, do seu colo Porque tive uma mãe maravilhosa que que poderia ter me acalentado enquanto me falava do senhor apenas como era. Isabelle de Araújo Pires eu chorava, do seu abraço que poderia Graças a ela sempre encarei a vida de ter me envolvido quando eu estava feliz. frente. Não tinha um pai alcoólatra, Professora, escritora drogado, ladrão ou que traíra minha Sinto saudades das trocas de so- Sobre o chão débil nhos, até dos possíveis “sermões” eu mãe. Apenas tinha um pai doente, preso Senta sinto saudade, acredita? sua carne desfalida em seu inconsciente, alguém que Leito febril Sabemos que não houve culpado na tinha muitas virtudes. Por isso fico fe- Que abriga o flagelo insano nossa separação, certo? Uma doença liz quando falam que nos parecemos. da desafeição não é o motivo de alegria, também não Nos vimos poucas vezes, não foi? Para As mãos deve ser alicerce para lágrimas e dores. ser exata, quatro. Espero que o senhor que elevam inópias urgentes Os médicos disseram que a doença se Não colhem manifesta com grandes emoções, e foi entenda. Eu não me sentia bem naquele o amor devido. no casamento com minha mãe que ela hospital (muito sofrimento...), e em ou- Foi-se o dia. surgiu. Passaram-se 14 anos até que qua- tro lugar não poderíamos nos ver. Toda Dorme o menino. se “milagrosamente” eu nasci. Disseram Sem sonho, que o senhor teria uma probabilidade noite eu orava pelo senhor, algumas sem alegria de melhorar ou de piorar; “mainha” me Até a sombra falou que durante um ano tudo ficou vezes pensando nessa saudade. furtou-lhe a companhia. bem, porém depois o senhor ficou mais agressivo e teve que ir morar no hospital. Saudade tranquila que não me ar- Fui crescendo e ouvindo falar do senhor ranca turbilhões de lágrimas ou arre- de duas formas: por minha mãe que pendimentos. O que sinto está liberto de imposições sociais. Transcende a matéria, acho que é saudade espiritual. O poeta Caetano Veloso disse que “de perto ninguém é normal”. Compreendo que a doença cerebral o impedia de lidar com algumas coisas, porém seu espírito é esvoaçante. Hoje acredito que está muito melhor do que quando carregava um corpo. 41

MEMÓRIAS DA TERTÚLIA tertúlia | DEZEMBRO | 2019 O MEDO DO CEMITÉRIO Seu Clodomiro se assustou, mas ao OS LADRÕES E O RETRATO chegar em casa, por curiosidade, resol- DE PADRE CÍCERO Numa segunda-feira, dia 14 de março, veu ler a carta. Nela estava escrito um de 2005, às 22:00, Daniel voltava do tra- poema de amor muito estranho: Espertus e Xutabalde eram dois ladrões balho. Acontece que no caminho de casa amigos que resolveram deixar a vida de ficava o cemitério das Almas Pendentes Ele não entendeu o poema e levou malandragem que durou 10 anos e devolver e ele morria de medo de passar por lá. a carta até a sua amiga que mexe com todos os bens roubados. Eles fizeram uma coisas obscuras, a Trevina. lista dos bens roubados: 8 cuecas sujas, 18 Antes da rua do cemitério, Daniel viu um anéis de prata, um retrato de padre Cícero, burro amarrado numa árvore e pensou: Trevina leu a carta e disse: — Realmente, existe um feitiço nes- uma boneca descabelada, 3 potes de biscoi- — Vou subir nesse burro para passar ta carta e quem encomendou foi sua to, 1 cabide de roupa, 1 ímã de geladeira, bem rápido, mas também vou fechar ex-mulher. Ela esta o amaldiçoando 3 vitrolas quebradas, 7 óculos sem perna, meus olhos para não ver nada. porque você a trocou por outra mu- 33 dentaduras faltando dentes, 4 penicos lher mais jovem. usados, 11 pentes sujos e muito mais. Daniel montou no burro, fechou os E tem mais, todo aquele que ler a olhos e seguiu em frente. Mas no meio do carta morrerá. Só tinha um problema, eles não lembra- caminho, bem em frente ao cemitério, o Seu Clodomiro saiu de lá aterrorizado burro empacou. Daniel achou que tinha e sem saber o que fazer. Já era noite e vam mais de quem eram aqueles bens. Daí atravessado a rua e abriu os olhos. Deu chovia muito. Saiu no carro em alta velo- eles foram numa loja de achados e perdidos de cara com uma alma penada. De tanto cidade. No caminho, atropelou e matou e deixaram tudo lá, afirmando que encon- medo ele não pensou em outra coisa. um pedestre que saía de uma farmácia. traram os objetos perdidos na rua. Botou o burro nas costas e saiu correndo. Ele saiu do carro para ver quem era. Correu tanto, correu tanto que ficou com Para sua surpresa, o corpo que estava Porém, quando eles estavam saindo da loja, as pernas bambas. Nunca mais Daniel no chão era do carteiro Ziro. uma das vítimas os reconheceram e gritou: passou por ali. Nem ele, nem o burro. Perturbado, ele sai descontrolado e acaba capotando o carro. Não consegue- — Ei, foram vocês que roubaram minha Jaciely Vitória | Tertúlia Nº 1 resistir aos ferimentos e morre no local. cueca suja na noite de São João, não foi? A chuva não dava trégua e com sua A CARTA ENFEITIÇADA força trouxe muitos prejuízos. Um vi- Espertus e Xutabalde ficaram envergonha- zinho liga desesperado para o Corpo dos e saíram de lá correndo. Mas estavam com O carteiro Ziro tocou a campainha da de Bombeiros porque sua vizinha es- a consciência pesada e queriam se confessar. casa de seu Clodomiro para lhe entregar tava soterrada nos escombros de sua uma carta misteriosa. A carta estava casa de acabara de cair. Quando os No dia seguinte, eles foram procurar o suja de sangue e com fios de cabelo. bombeiros chegaram, não havia mais padre da cidade para se confessar. O que eles O carteiro desconfiou do conteúdo da nada a fazer. Apenas recolher o corpo não lembravam é que tinham roubado o pró- carta e resolveu, antes de seu Clodomiro sem vida. Era Trevina. prio padre. Então, muito bravo o padre falou: abrir a porta, abrir a carta para saber seu conteúdo. Quando seu Clodomiro E assim seguiu a sina daquela carta en- — Cadê o meu retrato de Padre Cícero que abriu a porta viu o carteiro caído no feitiçada. Todos que lessem iriam morrer. vocês roubaram? Eu só perdoo vocês se me chão com a carta na mão suja de sangue. Ainda bem que você não leu. devolverem o meu padrinho Padre Cícero. Agoniado, ele pegou a carta e chutou Texto: Jaime Henrique Santos Como os ladrões não tinham mais o retrato para longe. Em seguida chamou a ambu- Ilustrações: Amanda Ester de Padre Cícero, pois haviam deixados na loja lância do SAMU para socorrer o carteiro. Tertúlia Nº 1 dos achados e perdidos, ficaram imensamen- te envergonhados diante do servo de Deus. No dia seguinte, Ziro teve alta do hos- pital e seu Clodomiro foi buscá-lo. No O padre ficou muito triste quando soube caminho, o carteiro contou que havia um que não teria mais o retrato de volta. E feitiço terrível na carta, como se fosse bastante irritado deu a seguinte penitência trabalho encomendado. Ele não queria aos ladrões: ler a carta, mas uma voz dizia repetida- mente: “abra e leia, abra e leia, abra e leia. — A partir deste ano, durante 10 anos, vocês irão em romaria visitar a estátua do Padre Cícero no Juazeiro do Norte (CE). Vão fazer orações e ajudar as pessoas. Só assim terão os seus pecados perdoados. Os ladrões responderam: — Sim, senhor! E assim aconteceu. Todos os anos lá estavam Espertus e Xutabalde na romaria de Padre Cí- cero. Parecia que eles haviam mudado de vida. Texto: Jaime Henrique Santos Ilustrações: Jayane Trajano da Silva Tertúlia Nº 1 42

ntrevist Vintage 1950s | Jill W | Pixabay Um olhar no retrovisor e outro na estrada TERTÚLIA ENTREVISTA A ESCRITORA IÊDA LIMA Que raízes constituíram a história Portugal. Hoje, a nossa árvore genealógica voltando somente depois da Lei da Anistia. tertúlia | DEZEMBRO | 2019 de Iêda Lima? carinhosamente chamada de “PÉ DE LIMA” Durante o exílio, escolhi fazer graduação contém 172 pessoas. em Economia de Transportes, profissão Sou paraibana de Campina Grande e nas- à qual me dediquei até me aposentar. Em ci três anos depois do fim da II Guerra O passado chega até nós por meio das paralelo, escolhi ser mãe de três filhos, que Mundial. Sou a filha mais velha de Otá- escolhas feitas. Que escolhas foram me deram seis lindos netos. Agora, posso vio e Luzia, ambos paraibanos, nascidos feitas por você para chegar até aqui? voltar a escrever e seguir questionando. em sítios localizados em terras que hoje pertencem aos municípios de Olivedos e O meu perfil rebelde, questionador e des- Que fato/situação da sua história você Guarabira. Por isto mesmo, carrego em bravador, herdado da minha mãe, e a curio- gostaria de reviver e/ou esquecer? minhas memórias uma mistura de tri- sidade intelectual, o espírito conciliador e a bos indígenas Potiguares e Tarairus (uma dificuldade de dizer não, herdados do meu Essa pergunta me fez lembrar aquela mú- ramificação dos Tapuias), Portugueses e pai, definiram as minhas escolhas na vida sica “Ser Feliz”, da banda “Caraivana”. Se Holandeses. Os Potiguares, que habita- pessoal e profissional. Quando criança, eu eu pudesse escolher onde nascer, a que vam as margens do rio Mamanguape e me dediquei de corpo e alma aos estudos, família pertencer, conhecer os amigos, da Serra da Capoaba, ofereceram grande mesmo tendo que ajudar nas tarefas de os amores, faria de novo. Mas, vou tentar resistência a colonizadores franceses e casa. Adorava ler, escrever e cantar no coral pinçar algo. Eu gostaria de reviver o tempo portugueses, por volta do século XVI, por da escola. Ainda adolescente, decidi traba- da educação infantil e da primeira fase do mais de 15 anos. Já os Tarairus, fixados no lhar durante o dia e estudar à noite, para ensino fundamental no Externato São José, cariri paraibano, resistiram à colonização ajudar na renda familiar. Quando atingi a destinado a alunos de famílias pobres, até final do século XVII, quando ainda maioridade, migrei para Recife, em bus- que funcionou no Instituto São Vicente de eram considerados selvagens, indolentes ca de trabalho melhor remunerado, para Paulo. Eu adorava comer a merenda (em e hostis. Sobre a origem portuguesa da pagar a Universidade. Comecei a cursar geral sopa de fubá); brincar debaixo da minha linhagem, há indícios que a origem História, mas tive que interromper por- gameleira; fazer a voz soprano no Coral do sobrenome LIMA, presente nos nomes que fui perseguida pela Ditadura Militar “Canarinhos de Campina Grande”, regido do meu pai e minha mãe, desde solteiros, que havia se instalado em 1964. Escolhi pela também soprano Luiza Erundina, que seria proveniente de Lima, na Galiza, em preservar a minha vida, saindo do país, depois veio a ser prefeita de São Paulo; 43

ntrevist tertúlia | DEZEMBRO | 2019cantar o Hino Nacional na hora da entradaAinda me lembro da frase que ela usava,os quais guardava certos julgamentos e para a sala de aula; coroar Nossa Senhora quando baixava a nota de quem trazia o crenças. Doloroso porque descobri que no mês de maio, por ter notas boas; fazer pano sujo, ou esquecia o material, sem- os fatos mais traumáticos haviam ficado redações, leitura silenciosa e em voz alta pre buscando nos orientar para a vida. O tão escondidos no meu baú de memórias, e interpretar textos; e voltar à tarde para segundo professor inesquecível foi o de que somente pude resgatá-los com a ajuda fazer trabalhos manuais no Artesanato da Português. Sua didática e sua paixão pela de terceiros. escola. O que eu gostaria de esquecer? Do disciplina eram um estímulo para prestar Já no livro Ruído do Silêncio, a história foi dia em que descobri que alguns dos meus atenção às aulas e fazer as tarefas de casa, desenvolvida a partir de um relato de uma alunos não conseguiam acompanhar as em geral uma redação. Foi inesquecível amiga que havia passado pela experiência aulas porque sentiam fome, após fazer o dia em que ele me entregou uma das de abuso sexual, quando criança, cometida uma visita às casas deles. minhas tantas redações, com a nota 10 pelo seu avô. Foi um processo em que eu escrita em cima e disse: “Você ainda será assumi a dor do outro, para criar uma As histórias do tempo de escola fazem escritora!”. Saudades desses professores! história em que a personagem conversava parte da nossa memória. Existe algum com sua “consciência emocional”. Fiquei fato interessante que você pode nos Geralmente, costumamos registrar as feliz por fazer essa denúncia em forma de contar do tempo da escola? histórias vividas em arquivos, em foto- ficção e chamar a atenção da sociedade, grafias,sentimentos,cartas,diáriospes- para algo que é muito mais comum do Muito difícil extrair um fato dentre tantos soais, registros de viagem. De que modo que se imagina. outros interessantes que vivenciei. Mas costuma guardar suas lembranças? há um muito especial que foi quando Saudade é uma palavra que nos eu me submeti ao exame de Admissão O meu baú de memórias é o lugar mais remete ao passado. Quais são as no Colégio Diocesano Pio XI, que ficava importante onde guardo minhas histórias. suas saudades? na Av. Getúlio Vargas. Eu estava naquele Vez em quando eu peço ajuda a algum momento me submetendo a dois desa- irmão mais novo ou amigos contempo- Sentir saudade de uma pessoa, de um fios. O primeiro, obter média suficiente râneos daquele fato, para encontrá-lo no lugar ou de um animal de estimação re- para ser admitida para o ginásio (5º ao meio da bagunça de tantas lembranças mete a uma lembrança que gostaria de 9º ano); o segundo era conquistar nota guardadas. Em geral tenho tido sucesso ser revivida. Ou seja, é uma necessidade que me desse o direito de ter uma Bolsa e fico muito feliz. O outro meio preferido de reconexão com o que lhe deixou feliz, de Estudos, pois meus pais não podiam para registrar minhas histórias vividas energizado, seguro, motivado, grato e ple- pagar a mensalidade de um colégio par- são as fotografias. Costumava reservar no. São tantas pessoas e momentos que ticular. A notícia de que havia conseguido uns dias das minhas férias para atualizar me fizeram sentir assim, que eu estaria ganhar a Bolsa foi muito importante pra meus álbuns de fotografias impressas. sendo injusta com a vida que ganhei de mim, pois aquela vitória havia sido con- Com a fotografia digital, precisei ter mais presente, ao falar das minhas saudades! quistada dia a dia, quando ainda estudava disciplina para tomar cuidado em identi- Mas há uma que é a maior de todas: a sau- no Externato São José. Os fundamentos ficar as datas e nomear os arquivos de tal dade do meu pai. Ele deixou este mundo de Matemática, Português, Ciências, His- modo a não perder a referência de tempo com apenas 58 anos de idade, em 1983. tória e Artes, que eu havia procurado e local das fotos. Guardo também comigo Ele não teve a oportunidade de saber que aprender, com muita determinação, agora alguns documentos pessoais, objetos ou seus filhos geraram 47 netos e 44 bisnetos. me davam a oportunidade de continuar peças de roupas de grande valor afetivo, Muitos destes, por sua vez, não tiveram a crescendo. Foi o começo do grande salto que meus pais ou meus filhos usaram em chance do contato com seu avô e aprender de qualidade que dei na minha vida. momentos marcantes para minha vida. com ele o que é respeitar o outro, saber ouvir, ter paciência para ensinar e querer Na sua história escolar, qual foi aque- Como escritora, publicou dois livros aprender sempre mais. le/a seu/sua professor/a inesque- sobre memórias, uma autobiografia cível? O que tinha de marcante nas e outro de uma personagem fictícia. Iêda Lima é natural de Campina Grande aulas dele/dela? Como foi esta experiência de traduzir (1948), já residiu em Recife, Santiago memórias em livro? de Chile, Dresden/Alemanha, Fortaleza, Foram dois os professores que mais mar- Brasília e Campinas e hoje mora sem São caram a minha história escolar, ambos no Foram duas experiências bem diferentes. A Paulo. Mãe de três filhos e avó de seis Colégio Diocesano Pio XI. O primeiro, a primeira, com a autobiografia Um olhar no netos, ela é autora dos livros de memórias minha professora de trabalhos manuais. retrovisor e outro na estrada, por meio do “Um olhar no retrovisor e outro na estra- Habilidosa, exigente e muito carinhosa, ela qual eu repassei 50 anos de vida, desde os da” e “Ruído do Silêncio”. nos ensinou vários pontos de bordados e 16 anos. Foi um processo ao mesmo tempo Atualmente dedica-se ao de costura à mão. Mais que isto, ela nos libertador e doloroso. Libertador porque que mais gosta: escrever. ensinou a cuidar da higiene das nossas eu estava trazendo à tona e requalifican- @iedalimaescritora mãos e do pano que usávamos para bordar. do fatos que eu tinha vivenciado e sobre 44

EM PARCERIA COM A EDUEPB Juntos tertúlia | DEZEMBRO | 2019 sabemos mais Editora da Universidade Estadual da Paraíba MAIS DE 5 MILHÕES DE DOWNLOADS EM EBOOKS 45

ANA PAULA ESCOLA POETISA VICENTINA EDILBERLANE DINIZ JAIDETE DIAS SANDRA SUSANA CARLOS ROBERTO ESCOLA ESCOLA JOSÉ ZULEIDE ESCOLA PORTO NOSSA Sª PINHEIRO APARECIDA MARIA APARECIDA DIEGO SEVERO TELMA GALDINO ESCOLA LINAIARA SANTOS 3ª REGIÃO DE ENSINO MAJOR CAMPINA GRANDE VENEZIANO tertúlia | DEZEMBRO | 2019 46 anexo

Escrever utor s tertúlia | DEZEMBRO | 2019 à mão faz bem para Aissa Vitória Mendonça | Major veneziano Anexo..............................23 o cérebro! Davi Alves e Pedro Willi | Poetisa Vicentina..............................................21 Aline Nafitally Santos | Major Veneziano Anexo...................................22 As comunicações di- Allane Vitória | José Pinheiro............................................................................. 13 gitais reduziram sig- Aluska de Souza | José Pinheiro........................................................................11 nificativamente a es- Ana Beatriz Alves | Major Veneziano Anexo.............................................6 crita à mão, que deu lugar à Ana Karolyna | Tertuliano Maciel.....................................................................11 utilização de teclados e telas Anna Madelyne | Tertuliano Maciel...............................................................10 táteis. Não faz muito tempo, Beatriz Nicolly | Major Veneziano Anexo.....................................................6 a atividade da caligrafia des- Camila Ingrid | José Pinheiro..............................................................................12 pertava o exercício de regiões cerebrais fundamentais para o Cinthia Cibely | Major Veneziano Anexo.......................................................6 desenvolvimento das crianças e da boa saúde dos adultos. O ato Dayana Marques | Nossa Sª Aparecida..................................................... 15 estimula as áreas cognitiva, motora e visual, além de um conjunto David Henrique de Souza| Nossa Sª Aparecida..................................... 14 de redes neuronais. Ao abandonarmos esse hábito, há a diminuição Fabiano da Silva | José Pinheiro....................................................................... 18 de algumas dessas atividades cerebrais. Flávia Ludmylla | José Pinheiro ...................................................................... 18 Gabriel Alves | José Pinheiro...............................................................................17 No caso das crianças, a escrita à mão é importante para o de- Gerlane Negreiros Sousa | Padre Inácio (Flibo).......................................11 senvolvimento da motricidade fina, a coordenação entre o olho e a Gilvan Maciel Júnior | Tertuliano Maciel...................................................... 15 mão, o controle da motricidade geral e o movimento de pinça das Giselly Camila Amaral e Maria Eduarda Silva | Poetisa Vic...........20 mãos, segundo a neurologista espanhola Marta Ochoa, do Hospi- Ivone de Oliveira | Tertuliano Maciel...............................................................11 tal HM, em Madri, na Espanha. A atividade é também importante Joana Darc Rodrigues | José Pinheiro............................................................11 para os adultos, ao fomentar a memória prospectiva e estimular João Victor, Rodrigo Silva e Pedro Henrique | Poetisa Vic................21 áreas relacionadas ao olfato e ao tato. Além disso, escrever à mão Katia Melissa | Padre Inácio (Flibo)...................................................................9 também reflete no lado psicológico das pessoas. Katielle Cosme | Padre Inácio (Flibo)...............................................................8 Kaue Karlier Simplício | José Pinheiro............................................................11 De acordo com um estudo da Universidade de Indiana, a mera Larissa Kelly | Tertuliano Maciel.......................................................................12 ação de escrever à mão desencadeia um tipo de criatividade que Leonardo Ernesto | Nossa Sª Aparecida.....................................................5 não é facilmente alcançada de outras maneiras, pois os movimen- Luiza Lima Neves | Nossa Sª Aparecida......................................................4 tos sequenciais da mão ao escrever ativariam regiões do cérebro Marcos André Melo | Major Veneziano Anexo.........................................8 responsáveis pelas ideias, linguagem e memória. Maria Luísa da Silva | Major Veneziano Anexo.....................................22 Mary Correia | Nossa Sª Aparecida................................................................4 Escrever uma carta, por exemplo, também funciona como um Matheus A. Oliveira | Zuleide Porto.................................................................11 catalizador das emoções, desenvolve a criatividade e auxilia na Miquéias Hemderson | Nossa Sª Aparecida.............................................5 organização das ideias, de acordo com a psicóloga Silvia Cintrano, Quezia Adelino | Major Veneziano Anexo.................................................22 do Instituto Centta, em Madri. Além disso, a escrita à mão ativa Rayssa Ellen | Nossa Sª Aparecida.................................................................5 a memória e ajuda a focar o pensamento. Ao contrário, o uso da Sara Brithian | Nossa Sª Aparecida................................................................5 tecnologia substituiu o uso de algumas atividades cognitivas, mo- Sarah Rosas Silva | Major Veneziano.........................................................23 toras e visuais, que acabaram prejudicadas pelo desuso. Silvia Sousa Barbosa | Tertuliano Maciel....................................................12 Thays Luana Tavares e Vitória Hellen | Poetisa Vicentina..............20 Mas isso não quer dizer que escrever em dispositivos eletrônicos Victoria Emanuelly | Padre Inácio (Flibo).....................................................9 seja prejudicial. Cintrano argumenta que tudo o que ajuda a expres- Wanderson Santos | José Pinheiro...............................................................10 sar e ordenar ideias tem um benefício. Mas ela salienta que digitar em um teclado não tem o mesmo impacto que a escrita à mão. PROFESSORES DESENGAVETADORES Fonte: ABC e Forbes 1. Ana Paula Cavalcante | Poetisa Vicentina 2. Carlos Roberto | Nossa Sª Aparecida OFICINA ERA UMA VEZ NA FLIBO 3. Diego Severo | Marjor Veneziano Anexo 4. Edilberlane Diniz | José Pinheiro 5. Jaidete Dias de Sousa | José Pinheiro 6.Linaiara Santos | Tertuliano Maciel | Major veneziano 7. Maria Aparecida Vidal | Zuleide Porto 8. Sandra Susana Santos | Nossa Sª Aparecida 9. Telma Galdino | Major Veneziano Anexo 47

Figos /desengavetameutexto Sylvia Plath (1932 - 1963) © Desengaveta meu texto “Vi minha vida se desenrolar diante Ações de incentivo à leitura, de mim como uma figueira de um conto produção e circulação do que havia lido. Da ponta de cada ramo, texto do aluno e do professor. um gordo figo roxo acenava e me seduzia Desengavetamos textos, com um futuro maravilhoso. sonhos e oportunidades. Campina Grande. Paraíba. Brasil Um figo significava um marido e um lar feliz com filhos, outro era uma poetisa Coordenação: Patrícia Rosas famosa, outro uma professora, outro era Esther Greenwood, a surpreendente +55 (83) 98854.5881 editora, outro era a Europa, a África e a [email protected] América do Sul, outro Constantin e Só- tertúlia | DEZEMBRO | 2019crates e Átila, um bando de amantes com nomes esquisitos e profissões originais, juntosoutro ainda era uma campeã olímpica, e acima de todos esses figos havia muitos sabemmosais!outros que eu não conseguia entender. Vi-me sentada sob essa figueira, mor- rendo de fome, só porque não conseguia decidir qual figo escolheria. Queria-os todos, e escolher um significava perder o resto. Incapaz de me decidir, os figos começavam a murchar e apodrecer, e um a um caiam no chão a meus pés.” 48


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