UM OLHAR SOBRE A EJA 51 do campo intenciona ao provocar o debate e ao lutar por 1187 Políticas Públicas no tempo histórico que vivemos. Porque a 1188 construção da noção da igualdade tem importância histórica 1189 ímpar, visto termos convivido durante muito tempo na história 1190 da humanidade com a ideia das diferenças intrínsecas entre 1191 seres humanos – por exemplo, nos séculos em que imperava 1192 o regime da escravidão (MOLINA, 2012. p. 588). 1193 Na pauta do MEC no ano de 2006, traz o fortalecimento da 1194 Educação no Campo, com criação de projetos nacionais de educação, com 1195 os movimentos sociais e sindicatos do campo, e também com aprovação 1196 de um projeto para formação de profissionais que iriam atuar nessas 1197 escolas do campo, com direcionamento nas Diretrizes Operacionais 1198 para Educação Básica das Escolas do Campo, tendo a seguinte pauta em 1199 destaque conforme documento da CONTAG, 2006: 1200 1201 1. Garantir/ampliar os recursos orçamentários do Ministério da Educação 1202 para sistematização e publicação de experiências de Educação do campo, 1203 que contribuam para o fortalecimento da política e para capacitação dos 1204 educadores/as que atuam nas escolas do campo; 1205 2. Construir no site do MEC/SECAD um Banco de Experiências exi- 1206 tosas, avaliadas e certificadas pelo MEC e movimentos sindical e social, 1207 que sejam referenciais de políticas para a educação do campo, buscando 1208 fortalecer as organizações que as estão desenvolvendo,bem como subsidiar 1209 o poder público (União, Estados e Municípios) para a implementação de 1210 propostas pedagógicas e metodológicas de Educação do campo; 1211 3. Que o Ministério da Educação contribua para a criação e o forta- 1212 lecimento das Escolas Famílias Rurais - EFAs e Casas Família Rurais 1213 – CFRs, para que os alunos e alunas possam oferecer assistência/apoio 1214 técnico para os agricultores e agricultoras familiares e sejam absorvidos 1215 pela ATER oficial; 1216 4. Interiorização da universidade pública, com cursos voltados para a 1217 realidade rural, devendo ser priorizada a pedagogia da alternância no 1218 seu modelo de ensino; 1219 5. Junto ao MDA: MEC/MDA fortalecer o debate da Educação do 1220 campo nos territórios rurais, por meio dos Conselhos de Desenvolvimento 1221 territorial, entidades da sociedade civil, prefeituras municipais; 1222
52 Processos Políticos Educacionais 1223 6. Junto à Secretaria Nacional de Juventude: Ampliar a atuação do 1224 Programa Pro - Jovem para a área rural, com proposições que contemplem 1225 a especificidade e demandas dos jovens do campo – constituir ações para 1226 um “Pro - Jovem Rural”. 1227 1228 Nas políticas públicas o Estado reconhece a Educação no Campo, 1229 quando cria as Diretrizes Nacionais para Educação no Campo. 1230 Segundo Souza (2011), a luta por uma educação voltada para os 1231 camponeses surge juntamente com a luta pela terra, ações que foram 1232 empreendidas por meio de movimentos sociais. 1233 Para Fernandes (2006), a compreensão da origem do conceito de 1234 Educação do Campo dá-se por meio da compreensão da maneira pela 1235 qual essa educação nasceu, qual seja, das demandas dos movimentos 1236 camponeses em busca da construção de uma política educacional para os 1237 assentados da reforma agrária. Podemos resumir que a educação nasceu 1238 dos movimentos camponeses, em busca de melhorias, de mudanças da 1239 sua própria realidade do campo. 1240 Segundo Souza e Fernandes (2009), a educação “no campo” se 1241 relaciona à localização do ensino no campo. Com relação a “do campo”, 1242 ela é voltada para à educação típicas, oriundas, da cultura dos sujeitos do 1243 campo, onde se busca a valorização dessa identidade do homem camponês 1244 com suas ideias e práticas. 1245 Se a existência humana não é garantida pela natureza, não é 1246 uma dádiva natural, mas tem de ser produzida pelos próprios 1247 homens, sendo, pois, um produto do trabalho, isso significa 1248 que o homem não nasce homem. Ele forma-se homem. Ele 1249 não nasce sabendo produzir-se como homem. Ele necessita 1250 aprender a ser homem, precisa aprender a produzir sua própria 1251 existência (SAVIANI, 2007, p.154). 1252 A atenção à existência humana passa na educação pelo pensamento 1253 dos educadores sociais, que se encontram em diferentes ambientes, como 1254 rua, sistema prisional, educação no campo, alfabetização de adultos, entre 1255 outros.
UM OLHAR SOBRE A EJA 53 Estamos começando uma definição de educação popular e ela 1256 é um modo de conhecimento; ou seja, esse modo de conheci- 1257 mento tem como ponto de partida aquela prática política que 1258 mencionamos. Está aqui um ponto muito próprio à educação 1259 popular: o conhecimento do mundo é também feito através 1260 das práticas do mundo (FREIRE e NOGUEIRA,2002,p.20). 1261 Essa educação não é institucionalizada, pois sempre ocorre nos 1262 próprios grupos populares de acordo com suas realidades. Ela também 1263 defende uma escola pública, gratuita, laica e de qualidade para todos. 1264 Isto é parte do serviço histórico de, um dia, toda a educação realiza-se, 1265 em uma sociedade plenamente democrática, como Educação Popular 1266 (LUI apud, BRANDÃO, 2006, p.54). 1267 1268 Paulo Freire foi um dos primeiros a defender essa educação como 1269 prática libertadora, e assim, a Educação Popular ganha também o status 1270 de uma proposta pedagógica não apenas de uma teoria pedagógica. Nessa 1271 proposta pedagógica que implica uma concepção de educação, a configu- 1272 ração de finalidades educativas, cujo horizonte político é a libertação ou 1273 emancipação das maiorias de nossas populações, como conclui Carvalho 1274 (2004), ao analisar em sua tese os alcances da expressão. A educação popular é entendida do ponto de vista da sua prática 1275 discursiva na América Latina, e, em particular no Brasil, como 1276 uma prática discursiva engajada politicamente, comprometida 1277 com os segmentos sociais que sofrem diferentes processos de 1278 marginalização e diferentes formas de exclusão social. No dizer 1279 de seus representantes,“a educação popular surgiu inspirada no 1280 pensamento de Freire e outros,como uma educação com o povo, 1281 alternativa à educação oficial, muitas vezes alienante e opres- 1282 sora”, como uma educação que se propõe superar tradicionais 1283 dicotomias tais como “a distância entre conhecimento popular 1284 e/ou vulgar e conhecimento científico, entre trabalho manual e 1285 trabalho intelectual,entre o objetivo e o subjetivo,entre a prática e 1286 a teoria,entre o trabalho e a educação,a ciência e a vida” .É uma 1287 educação que “tem origem na tradição de rebeldia das camadas 1288 oprimidas da população que não se submetem a sua condição 1289 e reagem de diversas formas na busca de outras condições de 1290 vida e trabalho”. A educação popular “é uma perspectiva, uma 1291 metodologia,uma ferramenta de apreensão,compreensão,inter- 1292 pretação e intervenção propositiva,de produção e reinvenção de 1293 novas relações sociais e humanas (CARVALHO, 2004, p. 156). 1294
54 Processos Políticos Educacionais 1295 Hoje a educação popular passa a ser entendida como suporte 1296 para soberania popular, a justiça social e o respeito integral aos direitos 1297 humanos, com objetivos de concretização desses direitos para sociedade. 1298 A dimensão global da Educação Popular contribui ainda 1299 para que a compreensão geral do ser humano em torno de si 1300 como ser social seja menos monolítico e mais pluralista, seja 1301 menos unidirecionada e mais aberta à discussão democrática 1302 de pressuposição básica da existência. Esta vem sendo uma 1303 preocupação que me tem tomado todo, sempre – a de me 1304 entregar a uma prática educativa e a uma reflexão pedagógica, 1305 fundadas ambas no sonho por um mundo menos malvado, 1306 menos feio,menos autoritário,mais democrático,mais humano 1307 (FREIRE, 2001. p. 31). 1308 Movimentos sociais, sindicatos, sistemas públicos de educação, 1309 movimentos de alfabetização, onde encontra-se grupos, movimentos que 1310 resistem ao domínio do capitalismo,pode-se considerar Educação Popular. 1311 Para Freire (2002) a educação nunca é neutra, sempre vem com 1312 a política junta a ela. Na Pedagogia, segundo Freire, a conscientização é 1313 uma das fundamentais tarefas de uma educação realmente libertadora 1314 e por isso respeitadora do homem como pessoa (FREIRE, 2002, p. 45). 1315 Atualmente, para além da universalização da educação básica e 1316 ampliação dos movimentos sociais e culturais, ganha transcendência a 1317 necessidade do salto qualitativo exigido pela educação escolar, profissio- 1318 nal, especial e pela, mal, denominada educação social. Nesse momento, 1319 o processo de produção e reprodução dos conhecimentos pedagógicos, 1320 bem como as habilidades técnico-profissionais e sociais requerem uma 1321 ampla revisão no sentido de aprofundar a contribuição da Universidade, 1322 especialmente das Universidades Públicas à sociedade. Só assim, a socie- 1323 dade poderá participar da produção do novo horizonte ético, necessário ao 1324 século XXI e ao terceiro milênio, diante dos processos de mundialização 1325 societal, tanto nas relações interpessoais quanto nas econômicas, políticas, 1326 interculturais e pedagógicas que correm o risco de serem dominados pelas 1327 dinâmicas do mercado.
UM OLHAR SOBRE A EJA 55 No interior desses processos, a pesquisa científico-pedagógica 1328 dos fenômenos educacionais se torna imprescindível, não apenas no seu 1329 caráter comercial, mas especificamente social. 1330 A afirmação da produção científica na área da educação, a deno- 1331 minada pesquisa educacional, é relativamente recente. Vem se firmando, 1332 segundo Landsheere (1996), a partir da fundação, em 1903, da primeira 1333 Society of Educacional Research, por J. M. Rice, que publicou, apenas três 1334 anos depois do aparecimento dos Principels of Scientific Mangement de 1335 F. W. Taylor, seu Scientific Management in Education, em 1914. Num 1336 primeiro momento, tratava-se, como previram Buyse e Decroly, quando 1337 visitaram os Estados Unidos, em 1922, da “taylorização da instrução”, 1338 despontando como temas prediletos das pesquisas educacionais os rela- 1339 cionados com a organização do trabalho escolar. Por outro lado, a socie- 1340 dade industrial necessitava cada vez mais de trabalhadores instruídos. E 1341 os trabalhadores se deram conta de que a escolarização poderia ser um 1342 instrumento de sua emancipação. A partir dessas duas vertentes, luta-se 1343 e, em parte, consegue-se, a obrigatoriedade da escolarização para todos. 1344 Nessa direção, a expressão pesquisa educacional adquire um signi- 11334652 ficado mais amplo que a denominação inicial de pedagogia experimental, 1346 muito vinculada aos estudos empíricos e quantitativos. A tendência atual, 1347 contrariando a de mercantilização da pesquisa, é identificar toda pesquisa 1348 como sendo de caráter qualitativo, mesmo quando trabalha informações 1349 quantitativas. Seu objeto é compreender, interpretar e até explicar melhor 1350 o fenômeno educacional, suas implicações, alcances sociais e pessoais. 1351 Trata-se sempre, e em quaisquer aspectos, de interpretar, explicar, com- 1352 preender e interferir na práxis pedagógica escolar e social. 1353 De maneira simples, pode-se pensar que a pesquisa educacional 1354 tem como objeto produzir conhecimentos que serão integrados a um 1355 programa de ação educativa. Parece, pelo menos no terreno educacional, 1356 não ter sentido produzir saberes para compreensão, de um lado e de 1357 outro, saberes para decisão. Esses produtos e processos estão orientados 1358 para alcançar os objetivos mais amplos, incluídos nas metas da educa- 1359 ção, especificamente em sua finalidade: contribuir com os processos de 1360 humanização da humanidade (SOUZA, 2007). 1361
56 Processos Políticos Educacionais 1363 Nesse sentido, uma das principais particularidades que a Educação 1364 Popular se utiliza para o ensino é o saber de uma sociedade com cotidiano 1365 próprio, referenciado na sua realidade cultural. De acordo com Brandão 1366 (1986, p. 26), assim, toda ação pedagógica deve ser como uma ideia central 1367 de libertação, transformação, facilidades e de interesses para a população, 1368 buscando valorizar sempre o ser humano como um todo. 1369 Segundo Freire (1983, p. 35) um indivíduo que não tem consciên- 1370 cia dos seus direitos e deveres pode se tornar refém de uma sociedade 1371 exploradora, levando-o a acreditar que um ser alienado não procura um 1372 mundo autêntico. Isto provoca uma nostalgia: deseja outro país e lamenta 1373 ter nascido no seu.Tem vergonha de sua realidade. Por isso, a necessidade 1374 de sempre valorizar os costumes locais, a identidade do indivíduo, as 1375 diversidades culturais que no campo encontramos, muitas vezes diferentes 1376 da realidade urbana. A conscientização é uma das fundamentais tarefas 1377 de uma educação realmente libertadora e por isso respeitadora do homem 1378 como pessoa (FREIRE, 2002, p. 45). 1379 Com relação às políticas educacionais, Educação no Campo e 1380 Educação Popular,todas voltadas para a construção de saberes diversificados 1381 e respeitando os indivíduos e suas necessidades. É obrigação do Estado 1382 garantir educação de qualidade para todos,não limitando a localização,região, 1383 cultura e etc. As oportunidades de novos saberes e trocas de experiências 1384 são validades quando colocadas para realidade da sua própria sociedade. 1385 Em declaração na II Conferência Nacional de Educação do Campo 1386 (CONEC), tendo o lema “Educação do Campo: Direito Nosso, Dever 1387 do Estado”, garantindo uma política pública, foi exposto que: 1388 Somos representantes de Movimentos Sociais, Movimento 1389 Sindical e Organizações Sociais deTrabalhadores eTrabalhadoras 1390 do Campo e da Educação; das Universidades, ONGs e de 1391 Centros Familiares de Formação por Alternância; de secretarias 1392 estaduais e municipais de educação e de outros órgãos de gestão 1393 pública com atuação vinculada à educação e ao campo somos 1394 trabalhadoras/trabalhadores do campo,educadoras/educadores, 1395 educandas/educandos; de comunidades camponesas,ribeirinhas, 1396 pesqueiras e extrativistas, de assalariados, quilombolas e povos 1397 indígenas [...] Defendemos Políticas Públicas de educação 1398 articuladas ao conjunto de políticas que visem à garantia do
UM OLHAR SOBRE A EJA 57 conjunto dos direitos sociais e humanos do povo brasileiro que 1399 vive no e do campo.O direito à educação somente será garantido 1400 se articulado ao direito à terra, à permanência no campo, ao 1401 trabalho, às diferentes formas de produção e reprodução social 1402 da vida, à cultura, aos valores, às identidades e às diversidades. 1403 Defendemos que estes direitos sejam assumidos como dever 1404 do Estado (II CONEC, 2004, p. 3). 1405 Logo em seguida no ano de 2006, o MEC realizou o lançamento 1406 e escolarização para a população do campo, com direcionamentos reali- 1407 zados pelos movimentos sociais e sindicais do campo, com as Diretrizes 1408 Operacionais da Educação Básica das Escolas do Campo e formasse a 1409 educação no campo um direito universal para sociedade, no pensamento 1410 que todos tem os mesmos direitos e deveres em relação não só a educação, 1411 mas em outros contextos sociais, culturais e principalmente econômicos, 1412 com um olhar especial,voltado para os menos favorecidos,os trabalhadores 1413 rurais, que muito contribuem para que tenha-se nas casas os alimentos 1414 necessários com seus trabalhos árduos,mas tão esquecidos por um governo 1415 explorador de mão de obra barata. 1416 No sentido de querer um distanciamento dos problemas alheios 1417 expostos por eles e para dar a eles um mínimo de oportunidade, seria na 1418 educação como diz Paulo Freire: “E na inconclusão do ser, que se sabe 1419 com tal, que se funda a educação com processo permanente. Mulheres e 1420 homens se tornam educáveis na medida em que se reconheceram inaca- 1421 bados” (FREIRE, 2006, p.58). 1422 Como seres inacabados, mas com consciência que precisa-se de um 1423 mundo melhor e de novas oportunidades para alcançar os objetivos, tem- 1424 -se no aprender e ensinar as oportunidades que não podem ser negadas a 1425 nenhum indivíduo independente de sua classe social, sem discriminação 1426 em suas organizações, recorremos ao pensamento de Arroyo, quando fala: 1427 Parece-me que é urgente pesquisar as desigualdades históricas 1428 sofridas pelos povos do campo. Desigualdades econômicas, 1429 sociais e para nós desigualdades educativas, escolares. Sabemos 1430 como o pertencimento social,indígena,racial,do campo é deci- 1431 sivo nessas históricas desigualdades. Há uma dívida histórica, 1432 mas há também uma dívida de conhecimento dessa dívida 1433 histórica (ARROYO, 2006, p. 104). 1434
58 Processos Políticos Educacionais 1435 Com uma sociedade capitalista, que se acha a dona do poder, é 1436 claramente observado que muitas vezes a negação desse direito a aprender, 1437 é negado e restrito para muitos que vivem especialmente no campo. Nos 1438 quais os mesmos indivíduos são protagonistas de suas próprias identi- 1439 dades, ligadas aos seus ideais de vida, crenças e culturas que convivem e 1440 acreditam, que fazem parte da sua história. Para Charles Taylor (2000), 1441 a identidade é definida a partir de uma compreensão de quem somos, de 1442 nossas características definitórias fundamentais como seres humanos. A 1443 valorização de todos seus conhecimentos antes da escola deve ser levada 1444 em consideração e motivados para compartilhar em sala de aula, assim a 1445 relação ensino/aprendizagem acontecerá de forma mais natural e satis- 1446 fatória para todos.
CAPÍTULO 2 1447 1448 UM POUCO DO PROGRAMA CHAPÉU DE PALHA 1449 1450
1451
UM POUCO DO PROGRAMA CHAPÉU DE PALHA 61 Apresenta-se o Programa Chapéu de Palha do município de 1452 Ribeirão - PE e o contexto histórico de surgimento deste pro- 1453 grama no Estado de Pernambuco(PE). 1454 Com o objetivo de oferecer melhores condições de vida para os 1455 trabalhadores rurais, o Governo de Pernambuco na Gestão de Eduardo 1456 Campos retomou, em 2007, um projeto do ex-governador Miguel Arraes 1457 intitulado Programa Chapéu de Palha. O referido projeto foi implantado 1458 pela primeira vez na década de 1980, sendo considerado um marco nas 1459 políticas públicas de apoio aos trabalhadores rurais (MIRANDA, 1991). 1460 O Programa Chapéu de Palha, chega como alternativa de apoio 1461 aos trabalhadores rurais da cana-de-açúcar, frente aos desafios causados 1462 pelo desemprego em massa durante o período da entressafra. 1463 Colocando a educação como uma contribuição social intencional, 1464 isso porque de acordo com Vasconcelos (2004), a educação popular busca 1465 trabalhar os grupos envolvidos no processo e investigação, promovendo 1466 assim o crescimento da capacidade de análise crítica sobre a realidade e 1467 o aperfeiçoamento das estratégias de luta enfrentamento. 1468 Nada fácil a uma tradição pedagógica que ainda pensa os 1469 grupos populares e seus (suas) filhos (as) com inferiores, 1470 ignorantes, incultos, sem valores, com problemas morais e de 1471 aprendizagem a serem civilizados, moralizados. Quando essa 1472 visão ainda prevalece, a chegada das crianças e adolescentes, 1473 dos jovens e adultos nas escolas será vista com receio, os tratos 1474 serão pautados por preconceitos inferiorizantes (ARROYO, 1475 2014, p.15). 1476 É, portanto, a construção de estratégias que contribuam na forma- 1477 ção desse cidadão para uma participação social ativa e significante. Uma 1478 Política Pública de Assistência Social, primeiramente criada para os(as) 1479 trabalhadores(as) da zona canavieira e depois expandida para cursos de 1480 qualificação. 1481
62 Processos Políticos Educacionais 1482 Arroyo (2014) relata que primeiramente se “resgata” os indivíduos 1483 que se encontram em situações sociais desprivilegiadas para assim ocorrer 1484 uma educação social com oportunidade de nova vida. 1485 Tanto para Pedagogia escolar como para Educação Popular 1486 a questão primeira será a recuperação dos agentes da ação 1487 educativa infância, adolescência, juventude e vida adulta, tra- 1488 balhadores, classes, grupos sociais, étnicos, raciais e, sobretudo, 1489 a recuperação dos complexos e tensos processos em que estão 1490 imersos para sua sobrevivência e afirmação como humanos, 1491 como coletivos sem-terra, sem teto, sem saúde, sem escola, sem 1492 universidade, sem trabalho, sem espaços de um viver digno e 1493 justo (ARROYO, 2014, p.28). 1494 Algumas das dificuldades de operacionalização de desenvolvimento 1495 local estão relacionadas, muitas vezes, a uma cultura centralizadora, pater- 1496 nalista e clientelista, isto é, concentram o poder, com o intuito apenas 1497 de proporcionar o crescimento econômico e não o seu desenvolvimento 1498 (LEITÃO, 2008). 1499 A cana-de-açúcar (Saccharum Officinarum), planta pertencente à 1500 família das gramíneas e ao gênero Saccharaum, acompanha a história da 1501 humanidade desde os tempos mais remotos da história. 1502 O Brasil, dotado de clima tropical quente e úmido, e solo massapé, 1503 exatamente o que Portugal necessitava para a difusão desse cultivo, o qual 1504 devido ao valor que possuía no mercado do Velho Continente foi um dos 1505 grandes estimuladores do enriquecimento português. 1506 A primeira versão do programa ocorreu em 1988, com o então 1507 Governador do Estado de Pernambuco, Miguel Arraes de Alencar, e tinha 1508 como objetivo empregar os canavieiros em construção de pequenas obras 1509 públicas no período da entressafra e garantir com isso, recurso financeiro 1510 para o sustento da família durante o período de estiagem (Livreto Chapéu 1511 de Palha, 2007). 1512 Em 2007, o Governo do Estado de Pernambuco por meio de 1513 Eduardo Campos governador na época, retoma o Programa Chapéu de 1514 Palha do ex-governador Miguel Arraes, voltando a fazer parte da vida de 1515 milhares de agricultores(as) do interior do Estado e com o objetivo inicial 1516 de atender 20 mil famílias da zona canavieira desempregadas durante o
UM POUCO DO PROGRAMA CHAPÉU DE PALHA 63 período da entressafra da cana. Ainda em 2007, o programa passou por 1517 um avanço na forma de fazer política pública. O programa deixou de 1518 ser apenas um repassador de recursos e passou a cobrar a contrapartida 1519 do beneficiário, exigindo a participação do mesmo, ou de alguém da sua 1520 família, nas diversas oficinas e capacitações realizadas pelas Secretarias 1521 do Estado envolvidas. 1522 Com uma nova estratégia,torna-se lei (Lei Estadual nº13.244/2007) 1523 a contemplação de diversas políticas do Estado como: educação, cida- 1524 dania, habitação, mulher, agricultura, meio ambiente e saúde visando 1525 uma melhor qualidade de vida para os trabalhadores da cana-de-açúcar 1526 (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 2010). 1527 No ano de 2009 a ação do Governo de Pernambuco chegou até 1528 os trabalhadores rurais da fruticultura irrigada em sete municípios do 1529 Vale do São Francisco, Lei Estadual nº 13.766/2009. No ano de 2012, 1530 os contemplados foram pescadores artesanais, com o nome o Chapéu de 1531 Palha da Pesca Artesanal, Lei Estadual nº 14.492/2011. 1532 As três leis asseguram a atuação do Programa Chapéu de Palha, 1533 independentemente do governo que esteja na administração do Estado. 1534 O programa consiste na ajuda financeira e social para os(as) 1535 trabalhadores(as) desempregados(as) no período da entressafra da pro- 1536 dução de cana-de-açúcar, com obrigação de que participem de cursos de 1537 capacitação e qualificação profissional,e enquanto programa é considerado 1538 uma política de assistência social. 1539 Mas o que é a Política de Assistência Social? A Assistência Social é 1540 uma política pública, ou seja, um direito de todo cidadão que dela neces- 1541 sitar. Em setembro de 2004, foi aprovada na Reunião Descentralizada e 1542 Ampliada do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, a Política 1543 Nacional de Assistência Social – PNAS, como estabelece os princípios e 1544 diretrizes para a implementação do Sistema único de Assistência Social. 1545 A Norma Operacional Básica – NOBSUAS disciplina a operacionaliza- 1546 ção da gestão da Política de Assistência Social, conforme a Constituição 1547 Federal de 1988, a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, em 1993, 1548 e a legislação completa nos termos da Política Nacional de Assistência 1549 Social de 2004. 1550
64 Processos Políticos Educacionais 1551 Além do auxílio financeiro,o programa busca melhoria da qualidade 1552 de vida do(a) trabalhador(a) rural e da família, através da educação, por 1553 meio de cursos de capacitação e cursos profissionalizantes. Contemplando 1554 54 municípios do Estado de Pernambuco, Ribeirão é o 38º município 1555 contemplado com o programa. 1556 No município de Petrolina–PE por exemplo, temos a valorização 1557 dos trabalhadores no setor da fruticultura na região do Vale do São 1558 Francisco,motivada também pelo Programa Chapéu de Palha.A dinâmica 1559 do trabalho, verificada pós-consolidação da produção de frutas frescas 1560 no Vale do São Francisco sofre influência das culturas do agronegócio, 1561 nas quais o mercado de trabalho é ditado pela admissão e desligamento 1562 de trabalhadores safristas na produção de frutas (BEZERRA, 2012). 1563 Em 2010, o Programa investiu na zona canavieira 179% a mais em 1564 relação ao ano de 2007. Já para Região do São Francisco, foram atendi- 1565 dos 77% a mais de agricultores com relação ao ano de 2009, quando o 1566 programa iniciou na região. 1567 Em valores, isso significa que na zona canavieira o investimento 1568 foi de R$12,8 MILHOES PARA R$ 35 milhões, enquanto na região 1569 do São Francisco que era de R$ 5 milhões passou para R$ 11 milhões. 1570 Tem-se a seguir a evolução dos valores de bolsa recebidos pelos 1571 trabalhadores no Programa Chapéu de Palha, de 2007 até 2009.
UM POUCO DO PROGRAMA CHAPÉU DE PALHA 65 Figura 6: Dados de aumento de pagamento das bolsas do programa. 1572 1573 Fonte: Seplag, 2012. 1574 1575 O Programa Chapéu de Palha apresenta focos importantes, são 1576 eles: a geração e distribuição de renda, o reforço alimentar, capacitação 1577 e melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores rurais e suas famílias. 1578 Além do pagamento do benefício, também realiza as atividades 1579 educativas de reflorestamento e emissão de documentos. Dessa forma, o 1580 Programa Chapéu de Palha visa fortalecer o homem e mulher do campo 1581 e sua cidadania. A partir da alfabetização, com as aulas de reforço esco- 1582 lar para jovens e adultos, torna-se possível, nessas pessoas, o resgate das 1583 expectativas e esperanças que lhes foram negadas no passado. 1584 Segundo Monteiro (2012), o Programa Chapéu de Palha é uma 1585 estratégia de intervenção criada pelo governo do Estado de Pernambuco 1586 que tem como objetivo adotar medidas de combate aos efeitos do desem- 1587 prego em massa decorrente da entressafra da cana-de-açúcar, da fruta e 1588 na área da pesca possibilitando aos trabalhadores dessas culturas rurais e 1589
66 Processos Políticos Educacionais 1590 suas famílias ações de fortalecimento para o enfrentamento das causas, 1591 agravos e danos decorrentes desde período. 1592 E que coisa há na confusão deste mundo mais semelhante ao 1593 Inferno, que qualquer destes vossos engenhos e tanto mais, 1594 quanto de maior fábrica? Por isso foi tão bem recebida aquela 1595 breve e discreta definição de quem chamou a um engenho de 1596 açúcar doce inferno. E verdadeiramente quem vir na escuridão 1597 da noite aquelas fornalhas tremendas perpetuamente ardentes: 1598 as labaredas que estão saindo a borbotões de cada uma pelas 1599 duas bocas, ou ventas, por onde respiram o incêndio: os etíopes, 1600 ou ciclopes banhados em suor tão negros como robustos que 1601 subministram a grossa e dura matéria ao fogo, e os forcados 1602 com que revolvem e atiçam; as caldeiras ou lagos ferventes, 1603 com os tachões sempre batidos e rebatidos, já vomitando 1604 escumas, exalando nuvens de vapores mais de calor, que de 1605 fumo, e tornando-os a chover para outra vez os exalar: o ruído 1606 das rodas, das cadeias, da gente toda da cor da mesma noite, 1607 trabalhando vivamente, e gemendo tudo ao mesmo tempo sem 1608 momento de trégua, nem de descanso: quem vir enfim toda 1609 a máquina e aparato confuso e estrondoso daquela babilónia, 1610 não poderá duvidar, ainda que tenha visto etnas e vesúvios, que 1611 é uma semelhança de Inferno (Pe. Antônio Vieira. Sermões 1612 do rosário: sermão décimo quarto, 1633). 1613 O Pe. Antônio Vieira, faz um relato de como são as usinas de 1614 cana-de-açúcar, como se sentem os trabalhadores rurais nos seus verda- 1615 deiros campos de trabalho, demonstrando não ser um trabalho fácil, que 1616 demanda muita força braçal. Muitas pessoas desconhecem as fornalhas 1617 e altas temperaturas do lugar que é a fonte de empregos para os que 1618 precisam e de dinheiro para os donos. 1619 A seguir, na figura 7, tem-se o demonstrativo de beneficiários(as) 1620 no Programa Chapéu de Palha, no período de 2007 a 2009.
UM POUCO DO PROGRAMA CHAPÉU DE PALHA 67 Figura 7: Demonstrativo dos beneficiários no Programa Chapéu de Palha 1621 1622 Fonte: Seplag 1623 1624 Em novembro de 2011, o Programa Chapéu de Palha ganhou mais 1625 uma extensão,aumentando a possibilidades de novos horizontes.Além dos 1626 trabalhadores da cana-de-açúcar e dos produtores de fruticultura, trouxe 1627 para a participação no programa também os pescadores artesanais de 57 1628 municípios do estado de Pernambuco. Então de consolidou o Programa 1629 Chapéu de Palha da Pesca Artesanal, assegurado pela Lei estadual (Lei 1630 nº 14.492, de 29 de novembro de 2011). O cadastro dos beneficiários foi 1631 realizado em 91 polos e primeiramente foram destinados aos pescadores 1632 que vivem na região metropolitana do Recife e nas zonas da mata norte 1633 e sul. Nesta primeira etapa atingiu em maio de 2012 o número de 7 mil 1634 pescadores artesanais cadastrados (LOPES, 2011). 1635 1636 A figura 8, apresenta a representação gráfica do quantitativo de 1637 beneficiários dos Programas Chapéu de Palha, envolvendo os trabalha- 1638 dores da cana-de-açúcar, da fruticultura e da pesca. 1639
68 Processos Políticos Educacionais 1640 Figura 8: Representação Gráfica de Números de beneficiários de 2007 a 2017 1641 1642 Fonte: http://www.seplag.pe.gov.br/web/cp/chapeu-de-palha/presentacao.2017 1643 1644 2.1. A formação educacional do homem e mulher do campo no 1645 Brasil: quem é esse(a) estudante? 1646 1647 Desde a necessidade de tornar o ser humano sociável, a escola sur- 1648 giu como forma de selecionar e preparar os indivíduos para a sociedade. 1649 A educação no campo, chamada educação rural iniciou como ideal de 1650 manter esses indivíduos sempre ao olhar do patrão. 1651 Os ignorados, os de classes inferiores, os analfabetos, muitas vezes 1652 são considerados um peso social para educação. Mas com o surgimento 1653 de pensamentos pedagógicos, surgiu a preocupação de ordem social e 1654 econômica em alfabetizar esses indivíduos.Como diz Noêmia do Carvalho 1655 Garrido, da Associação Brasileira de Pedagogia Social: 1656 A educação de jovens e adultos é um dos campos de relevância 1657 da educação social. Encontramos, nesta modalidade de ensino, 1658 teorias que fundamentam a prática desenvolvida na educação de 1659 jovens e adultos, já que está se encontra num campo caracteri- 1660 zado dos excluídos socialmente (GARRIDO, 2011, p.13-14).
UM POUCO DO PROGRAMA CHAPÉU DE PALHA 69 Principalmente na Educação de Jovens e Adultos (EJA),Paulo Freire 1661 (2005) no livro “Educação como Prática da Liberdade”(p.112), relata sua 1662 preocupação: “Pensávamos numa alfabetização direta e realmente ligada 1663 à democratização. Numa alfabetização que, por isso mesmo, tivesse no 1664 homem, não esse processo cuja virtude única é ter mesmo paciência para 1665 suportar o abismo entre sua experiência existencial e o conteúdo que lhe 1666 oferecem para sua aprendizagem, mas o seu sujeito”. 1667 Numa breve retomada do histórico da EJA no Brasil, inicia-se com 1668 a vinda dos jesuítas e seu objetivo de converter os índios, implantando 1669 uma educação catequista com doutrina da Igreja Católica, podendo-se 1670 dizer assim que a educação EJA nasceu no Brasil/Colônia. Quando se 1671 falava em educação para a população “não-infantil”, faz-se referência à 1672 população adulta, que precisava ser catequizada para as causas da Igreja 1673 Católica (SOARES, 1996). 1674 Na mesma época os filhos de colonos e os mestiços tiveram suas 1675 primeiras aulas na ordenação Padre Manuel de Nóbrega. Período cha- 1676 mado de “pombalino”, quando os jesuítas foram expulsos do Brasil pelo 1677 Marquês de Pombal. 1678 No século XVIII, o ensino se torna responsabilidade do Estado. 1679 Mudanças ocorrem na época do Império,com aberturas de escolas noturnas 1680 para o ensino dos adultos, cursos de curta duração e de baixa qualidade. 1681 Na Constituição Imperial de 1824, criasse uma instrução de edu- 1682 cação primária e gratuita para todos os cidadãos. 1683 No ano de 1930 a educação básica de adultos começou a emergir 1684 realmente no Brasil. 1685 Educação de Jovens e Adultos viveu um processo de amadu- 1686 recimento que veio transformando a compreensão que dela 1687 tínhamos poucos anos atrás. A Educação de Jovens e Adultos 1688 é melhor percebida quando a situamos hoje como Educação 1689 Popular (GADOTTI; ROMÃO, 2005, p.15) 1690 No ano de 1950, foi realizada a Campanha Nacional e Erradicação 1691 do Analfabetismo, com uma nova fase para EJA. Paulo Freire lança então 1692 a proposta de uma alfabetização conscientizadora e dialógica para as 1693 classes oprimidas. 1694
70 Processos Políticos Educacionais 1695 Em 1963, Paulo Freire lança o Plano Nacional de Alfabetização, 1696 no qual a educação era voltada para o contexto social de cada indivíduo. 1697 Entretanto, com o golpe militar, Freire é exilado e suas ideias são colocadas 1698 como sendo contra o governo. 1699 Visto que hoje, tem-se, no Brasil, aproximadamente, o número 1700 de analfabetos de quando Paulo Freire partiu para o exílio em 1964, 1701 isso pode nos revelar que as marcas da negação dos direitos a milhões 1702 de pessoas continuam impregnadas na nossa sociedade, visto que essa 1703 modalidade não tem tido a mesma atenção de outras modalidades de 1704 ensino (GADOTTI, 2013, p.13). 1705 O governo militar lança o MOBRAL – Movimento Brasileiro de 1706 Alfabetização, a Fundação Educar e o Plano Nacional de Alfabetização 1707 e Cidadania, que logo depois foram extintos sem alcançarem suas metas. 1708 No ano de 1995,a EJA recebe um Programa Alfabetização Solidária, 1709 criado pelos estudiosos da época e que voltavam a responsabilidade para 1710 os órgãos públicos e privados. 1711 Em 2003, o MEC toma para si a prioridade da alfabetização de 1712 jovens e adultos. Com o programa Brasil Alfabetizado, por meio do qual o 1713 MEC contribuiria com os órgãos públicos Estatuais e Municipais, como 1714 também instituições de ensino superior e organizações sem fins lucrativos, 1715 para o desenvolvimento de ações pró-alfabetização (SOARES, 1996). 1716 Os trabalhadores rurais quando retornam aos estudos é para recuperar 1717 o tempo perdido,devendo ser considerados sujeitos socioculturais,cada um 1718 possuindo sua historicidade e que precisa ser respeitada em sala de aula. 1719 Colocar um aluno da EJA pra copiar e escrever não faz sentido se 1720 não tiver relação com seu convívio social, por isso deve-se levar isto em 1721 consideração. Afinal, conforme afirma Dayrell, cada um deles ao chegar 1722 à escola é fruto de um conjunto de experiências sociais vivenciadas nos 1723 mais diferentes espaços sociais (DAYRELL,1996, p.140). 1724 Na Instrução Normativa nº 02/2015, da Secretária de Educação do 1725 Estado, as diretrizes são fixadas e orientam procedimentos para a oferta 1726 do Ensino Fundamental e do Ensino Médio na modalidade de EJA, ao 1727 atendimento da Política Pública de Educação do Campo, nas escolas da 1728 rede estadual que atendem às populações do campo.
UM POUCO DO PROGRAMA CHAPÉU DE PALHA 71 Conforme a Instrução, em seu artigo Art. 1º, a Educação de Jovens 1729 e Adultos – EJA destinada às populações do campo tem como objetivos: 1730 1731 I – Garantir o acesso e permanência de jovens e adultos do campo 1732 na educação básica, com especial atenção às demandas diferenciadas entre 1733 as populações camponesas: 1734 a) Agricultores familiares; 1735 b) Extrativistas; 1736 c) Pescadores artesanais; 1737 d) Ribeirinhos; 1738 e) Assentados e acampados; 1739 f ) Trabalhadores assalariados rurais; 1740 g) Caiçaras; 1741 h) Indígenas; 1742 i) Quilombolas; 1743 j) E Outras populações. 1744 1745 II – Disponibilizar material adequado para estudantes residentes 1746 no campo, oriundos das demandas apresentadas, prioritariamente, pelos 1747 movimentos sociais. 1748 1749 O tema Educação de Jovens e Adultos sempre será índice de pes- 1750 quisas, tendo em vista que não existem muitas políticas públicas voltadas 1751 para essa modalidade, principalmente pelo enorme déficit na busca de 1752 escolaridades no âmbito popular mais carente ou socialmente discriminado, 1753 ou mesmo relacionados a evasão escolar, sendo esses alguns problemas 1754 encontrados nessa modalidade. 1755 A educação de adultos é o espaço da diversidade e de múltiplas 1756 vivencias, de relações intergeracionais, de diálogo entre saberes 1757 e culturas. Ao lado da diversidade está também a desigual- 1758 dade que atinge a todos, sobretudo num país injusto como o 1759 nosso: negros, brancos, indígenas, amarelos, mestiços, homens, 1760 mulheres, jovens, adultos, idosos, quilombolas, ribeirinhos, 1761 pescadores, agricultores, pantaneiros, camponeses, sem-terra, 1762 sem teto, sem emprego...das periferias urbanas e dos campos. 1763
72 Processos Políticos Educacionais 1764 A diversidade pode ser considerada como uma grande riqueza, 1765 mas a desigualdade social e econômica é a nossa pobreza maior. 1766 O mapa do analfabetismo é o mesmo mapa da pobreza, onde 1767 falta tudo, não só acesso à educação. Por isso, a luta pelo direito 1768 à educação não está separada da luta pelos demais direitos. E 1769 não basta oferecer condições de aprendizagem, transporte, 1770 locais adequados, materiais apropriados, muita convivência e 1771 também bolsas de estudo (GADOTTI, 2009, p. 26). 1772 Muitos desses indivíduos só frequentaram a escola na infância,e quando 1773 voltam existe o desejo de aprender a ler, escrever ou até calcular, e ser parte 1774 de uma sociedade alfabetizada. Mesmo com suas limitações e dificuldades, 1775 apresentam sonhos de se tornarem protagonistas de suas próprias histórias de 1776 vida e poder escrevê-las,repassar para filhos e netos que apesar do tempo,o ser 1777 humano continua um ser sociável podendo e devendo sempre buscar apren- 1778 der, além de partilhar suas experiências de vida, não só contar suas angústias. 1779 A educação não deve ser apenas um agencia, uma socialização 1780 de conhecimentos, mas deve contribuir para a formação de 1781 capacidades para atuar e pensar de forma criativa, inovadora, 1782 com liberdade. A escola deve ser o centro da visa social, e não 1783 um serviço administrativo,“odiada”por muitos de seus alunos, 1784 que se sentem livres apenas quando estão fora dela (GOHN, 1785 2005, p.109). 1786 Na ação educativa, esses estudantes, muitas vezes recuperam sua autoes- 1787 tima, suas concepções de vida e até mesmo suas participações no coletivo da 1788 sociedade, buscando liberdade, emancipação e principalmente a formação. 1789 O domínio do conhecimento é um requisito importante para a 1790 formação humana, para a construção da cidadania, para a vivência demo- 1791 crática e para a transformação da realidade, Magda Soares diz: 1792 Do ponto de vista social, o alfabetismo não apenas, nem 1793 essencialmente, é um estado ou condição pessoal; é sobretudo 1794 uma prática social: o alfabetismo é o que as pessoas fazem 1795 com as habilidades e conhecimentos de leitura e escrita, em 1796 determinado contexto, e é a relação estabelecida entre essas 1797 habilidades e conhecimentos e as necessidades, os valores e as 1798 práticas sociais (SOARES. 2013.p. 62).
UM POUCO DO PROGRAMA CHAPÉU DE PALHA 73 Segundo o Parecer CEB 11/2000, a Constituição Federal do Brasil 1799 incorporou como princípio que toda e qualquer educação visa o pleno 1800 desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e 1801 sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 2000, p.22). 1802 O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a 1803 garantia de: 1804 1805 I – Ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada inclusive 1806 sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiverem acesso na idade 1807 própria (CEB 11/2000:22). 1808 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), nº. 1809 9394/96,Art.37,garante que a educação de jovens e adultos será destinada 1810 àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino 1811 fundamental e médio na idade própria. 1812 § 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e 1813 adultos que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunida- 1814 des educacionais apropriadas consideradas as características do alunado, 1815 seus interesses condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames. 1816 § 2º O poder público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência 1817 do trabalhador na escola mediante ações integradas e complementares entre si. 1818 § 3º A educação de jovens e adultos deverá articular-se, preferen- 1819 cialmente, com a educação profissional, na forma de regulamento. 1820 Art.38.: Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, 1821 que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao 1822 prosseguimento de estudos em caráter regular. 1823 Sendo assim, todo jovem ou adulto que por algum motivo, situação 1824 adversa, não conseguira concluir seus estudos, seja em nível fundamental 1825 ou médio, terá garantido seu direito de dar continuidade aos seus estudos. 1826 A oferta destes cursos da Educação de Jovens e Adultos poderão ser por 1827 diversos sistemas educacionais, como por exemplo: 1828 a) Escolas públicas sejam elas estaduais ou municipais; 1829 b) Escolas privadas; 1830 c) Ong’s; 1831 d) Ambientes privados, com autorização prévia do MEC para que possa 1832 ser ministrado tal curso fora do ambiente escolar. 1833
74 Processos Políticos Educacionais 1834 Considerando que o Brasil tem uma enorme dívida com os jovens 1835 e adultos que não tiveram oportunidades de estudos na idade dita “apro- 1836 priada”(OLIVEIRA, 2009). Cabe dizer também que o verdadeiro desen- 1837 volvimento político, econômico e social do país não se dará sem a inclusão 1838 dessas pessoas e sem o reconhecimento dos seus direitos, entre eles uma 1839 educação de qualidade e que garanta a sua permanência e continuidade. 1840 Nessa visão, a educação é compreendida como um direito em si 1841 mesmo e um meio indispensável para o acesso a outros direitos (BRASIL, 1842 2006, p.18). 1843 O § 1º da LDB diz, que os sistemas de ensino assegurarão gratui- 1844 tamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na 1845 idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as 1846 características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, 1847 mediante cursos e exames. 1848 O direito à escola e ao conhecimento adquire dimensões novas 1849 mais radicais quando articulado ao direito à base material do 1850 viver,sobreviver.A escola adquire outras funções quando o direito 1851 ao tempo/espaço de escola se articula com o direito a tempos/ 1852 espaço de um justo e digno viver (ARROYO, 2014, p.81). 1853 Tem-se nessas pluralidades de direitos,talvez uma garantia do direito 1854 à educação dessa modalidade. Cujos alunos, jovens excluídos ou muitas 1855 vezes evadidos da escola, possam superar suas dificuldades e limitações 1856 de um conjunto de direitos que lhe foram negados. 1857 Desde que a EJA é EJA esses jovens e adultos são os mesmos: 1858 pobres, desempregados, na economia informal, negros, nos 1859 limites da sobrevivência. São jovens e adultos populares. Fazem 1860 parte dos mesmos coletivos sociais, raciais, étnicos, culturais. 1861 Tentar reconfigurar a EJA implica assumir essas identidades 1862 coletivas.Trata-se de trajetórias coletivas de negação de direitos, 1863 de exclusão e de marginalização; consequentemente,a EJA tem 1864 de se caracterizar como uma política afirmativa de direitos de 1865 coletivos sociais,historicamente negados (ARROYO,2006,p.44).
UM POUCO DO PROGRAMA CHAPÉU DE PALHA 75 Faz-se necessário que o Estado garanta para EJA, as oportunida- 1866 des que lhes foram negadas no passado, principalmente com esses que 1867 possuem o perfil de discriminados pela sociedade. 1868 1869 2.2.A relação professor(a) – aluno(a) na educação formal e não formal 1870 1871 Neste subtítulo, discute-se sobre a educação desenvolvida na escola, 1872 ou seja, a formal, e a educação que se desenvolve fora dela, denominada de 1873 educação não formal, mas com um olhar especial na relação professor(a) 1874 – aluno(a) no contexto escolar. 1875 Assim, ressalta-se que a educação formal realiza-se em espaços 1876 específicos, tendo conteúdos específicos e planejados com objetivos para 1877 uma formação cívica e moral do estudante, sendo o professor o agente 1878 transmissor contendo relação ativa e passiva com o próprio estudante 1879 no espaço escolar. 1880 Na educação formal, o tempo é estruturado com objetivos de uma 1881 estrutura curricular que varia de acordo com as instituições públicas e 1882 privadas, que são obrigatoriamente regulamentadas pelo Ministério da 1883 Educação (MEC). Mas quando se fala em educação formal é normal 1884 existir comparação com a educação não formal, e imaginar que, se uma 1885 acontece na escola a outra acontece fora dela. 1886 A educação não formal, é o que apreende-se com o mundo, com 1887 o que vive-se e com as experiências fora dos muros da escola. A educa- 1888 ção não formal, como afirma Gonh (2011, p. 14) não visa substituir ou 1889 competir com a educação formal. 1890 Um perfeito e grande exemplo dessa educação não formal são os 1891 movimentos sociais, chamados de ONGs (organizações não governa- 1892 mentais sem fins lucrativos), sendo provas vivas desses aprendizados extra 1893 escolar. Com tantas mudanças sociais, culturais e os avanços tecnológicos, 1894 as escolas não alcançam os conhecimentos que são descobertos e experi- 1895 mentados a cada minuto pela humanidade. 1896 O ponto positivo dessa educação não formal é a democracia par- 1897 ticipativa, na qual todos buscam um só objetivo para o bem comum e 1898 melhoria da sociedade, com o olhar para ética cidadã e consciência ativa 1899 de todos. Não que a escola na educação formal não trabalhe isso, mas que 1900
76 Processos Políticos Educacionais 1901 as aprendizagens construídas coletivamente no campo social, tornam-se 1902 vínculos de democracia. 1903 Os conteúdos dos currículos repassados nas escolas são fundamentais 1904 para o crescimento do conhecimento e desenvolvimento humano, porém 1905 com a globalização atual a escola não se torna mais o único processo de 1906 aprendizagem do aluno. A forma mecânica de livros, questões, provas e 1907 etc., tornaram-se desinteressantes para essa nova clientela, se assim pode- 1908 -se chamar os alunos. A escola precisa ser mais criativa e participativa no 1909 convívio social dos alunos. 1910 1911 A educação participa do processo de processo de produção de 1912 crenças e ideias, de qualificações e especialidades que envolvem as trocas 1913 de símbolos, bens e poderes que, em conjunto, constroem tipos de socie- 1914 dades. É esta a sua força (BRANDÃO, 1985, p.11). 1915 1916 Quando o mundo oferece interações coletivas, descobertas inova- 1917 doras, práticas ativas, e que ocorrem ser obrigatoriedades, muitas vezes 1918 no convívio familiar, na comunidade, nos grupos que participam, etc., 1919 com ou não intencionalidade. 1920 Pode-se confirmar isso a partir da afirmação de Brandão (1985) 1921 que, nas primeiras linhas de “O que é educação”, afirma que ninguém 1922 escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um 1923 modelo ou de muitos todos envolvem pedaços da vida com ela: para 1924 aprender, para ensinar, para aprender -e- ensinar. Para saber, para fazer, 1925 para ser ou para conviver, todos os dias mistura-se a vida com a educação 1926 (BRANDÃO,1985, p.7). 1927 As aprendizagens da educação formal acontecem nos espaços e 1928 ações da sociedade no seu cotidiano. No Brasil até algumas empresas já 1929 se familiarizaram com essa educação como o SENAC (Serviço Nacional 1930 do Comércio), SESC (Serviço Social do Comércio), SENAI (Serviço 1931 Social da Indústria), entre outras, tendo como alvos jovens, adolescentes 1932 e até adultos que fora de seu horário escolar, buscam novas condições de 1933 desenvolver novas experiências, habilidades extra- escolares, oportuni- 1934 dade de aprenderem uma profissão, voltadas para o mercado de trabalho 1935 ou até mesmo pela oportunidade de participar de algo que valoriza sua
UM POUCO DO PROGRAMA CHAPÉU DE PALHA 77 integridade como cidadão, e até mesmo na construção da cidadania dessas 1936 pessoas, que na sua maioria pertencem a classe socioeconômica carente. 1937 Esses projetos ocorrem em espaços urbanos e também rurais. A 1938 Educação não formal é uma possibilidade de produção de conhecimento 1939 em territórios fora das estruturas curriculares da educação formal (GOHN, 1940 2011, p.16). 1941 Na atual sociedade capitalista,existe uma “obrigação”a produzir mais 1942 que o necessário, com prazo curtíssimo de tempo, resultados esperados 1943 pelas metas e sem se importar com os interesses alheios. 1944 A sociedade capitalista, não se preocupa com valores e éticas 1945 da humanidade, só com os objetivos esperados e alcançados em que o 1946 homem não é uma essência abstrata agachada fora do mundo; o homem 1947 é o homem do mundo (MARX, 2010, p.15). 1948 Nesse contexto, entra como suporte a educação não formal, pen- 1949 sando no todo, seja social, econômico ou cultural. 1950 De acordo com a Superintendência do Desenvolvimento do 1951 Nordeste (SUDENE), os indicadores de eixo social são subsídios para 1952 planejamento público e formulação de novas políticas de governo, entre 1953 os temas de dimensão social tem-se: habitação, educação básica, saúde, 1954 acesso a serviços públicos, segurança, pobreza e desigualdade. 1955 No indicador econômico, tem-se a verdadeira realização do regional 1956 e pode-se assim, estimular suas atividades econômicas com parcerias de 1957 instituições públicas e privadas. Sendo os temas mais relevantes que a 1958 compõem são: PIB, emprego e rendimento, comercio exterior, infraes- 1959 trutura, ciência, tecnologia e inovação. 1960 No cultural, a promoção de atividades artísticas nas suas várias 1961 linguagens (literatura, música, dança, cinema, teatro e artes visuais), de 1962 forma transversal contribuindo para os eixos social e econômico. 1963 Pode-se afirmar,ainda,que a educação formal e educação não formal 1964 andam de mãos dadas, na construção de um conjunto de intencionali- 1965 dades nos processos de formação da humanidade e principalmente na 1966 formação dos cidadãos. Mas os educadores que se encontram nas escolas 1967 e nessas instituições precisam ter um olhar constante para mudanças e 1968 descobertas, junto com os educandos. 1969
78 Processos Políticos Educacionais 1970 Gadotti (2007, p.42) relata a preocupação de Paulo Freire quanto 1971 a formação do professor, afirmando que o professor precisa saber muitas 1972 coisas para ensinar, porém o mais importante não é o que é preciso saber, 1973 mas como devemos ensinar. O essencial é não matar a criança que existe 1974 ainda dentro de nós. Matá-la seria matar o aluno que está à nossa frente. 1975 O professor precisa ter um olhar de democratização cultural, valorizando 1976 tudo que o aluno traz para sala de aula e o que ele vive fora dela. 1977 Não ignorar ideias e concepções que surgem fora do âmbito escolar, 1978 mas sistematizar os pensamentos críticos e revolucionários, trazendo-os 1979 para as práticas em sala de aula, fazendo com que o aluno descubra as 1980 formas modernas de interpretar a realidade que vive. 1981 As mudanças trazem novas práticas e teorias pedagógicas,a liberdade 1982 de pensamento que foram conquistadas não podem regredir. 1983 A questão não está em que mais ditos ou mais excluídos sejam 1984 agraciados com a identidade que lhes dê direito a passar para 1985 o reino da liberdade e da participação. É necessário questionar 1986 por que condicionar liberdade, participação e cidadania a essa 1987 educação civilidade e a essa racionalidade (ARROYO,1991, 1988 p. 40). 1989 Na relação professor(a) – aluno(a), a necessidade de trocas de 1990 experiências, as múltiplas opiniões, tudo é válido quando o assunto é 1991 aprendizado. O professor precisa rever suas ações pedagógicas sempre que 1992 necessário, para motivar os alunos a participarem ativamente das aulas. 1993 O professor precisa ter a consciência que a democratização acontece 1994 em todas as disciplinas,e que possui em suas mãos indivíduos com problemas 1995 sociais, culturais e econômicos que muitas vezes só precisam ser ouvidos. 1996 Em síntese, não se trata de optar entre relações autoritárias 1997 ou democráticas no interior da sala de aula, mas de articular 1998 o trabalho desenvolvido nas escolas como processo de demo- 1999 cratização da sociedade. E a pratica pedagógica contribuiu 2000 de modo especifico, isto é, propriamente pedagógico, para a 2001 democratização da sociedade na medida em que se compreende 2002 como se coloca a questão da democracia relativamente à natu- 2003 reza própria do trabalho pedagógico (SAVIANI, 1994, p.89).
UM POUCO DO PROGRAMA CHAPÉU DE PALHA 79 Conclui-se, que a prática do professor, deve levar seus alunos à 2004 compreensão de que são agentes sociáveis podendo agir concretamente 2005 para mudanças necessárias na vida social, cultural e econômica, pelo bem 2006 global de todos. A escolarização e a alfabetização dos educandos da EJA, 2007 já fazem parte das formações específicas desses professores, segundo o 2008 Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024)6 ,sendo um dos objetivos 2009 para a Educação de Jovens e Adultos: 2010 Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 (quinze) 2011 anos ou mais para 93,5% (noventa e três inteiros e cinco déci- 2012 mos por cento) até 2015 e, até o final da vigência, erradicar 2013 o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% (cinquenta por 2014 cento) a taxa de analfabetismo funcional (BRASIL, 2014). 2015 Qualquer processo educativo com essa população terá de se fundar 2016 na consciência de suas realidades e não pode reduzir-se a um mero tra- 2017 balho de alfabetização, ou de simples suplementação, o que seria negar a 2018 existência daquele primeiro aspecto geral a que nos referimos. Ou seja, 2019 trata-se não apenas, de gerar uma capacidade mecânica de decodificação 2020 ou de expressão na linguagem escrita, mas, sim, de proporcionar, com a 2021 aquisição dos mecanismos da leitura e da escrita no código alfabético, 2022 o desenvolvimento das competências da compreensão, interpretação, 2023 explicação e intervenção das/nas realidades que educadores e educandos, 2024 além de estarem inseridos, são por elas responsáveis, sendo produtores e 2025 obtendo seus produtos. 2026 Estabelece-se, assim, um princípio pedagógico central. Princípio 2027 que o debate da intermulticulturalidade na educação vem a evidenciar 2028 com muita força, confirmando não apenas seu status de princípio, mas 2029 elevando-o à condição de uma prática pedagógica que queira ser coerente 2030 com a situação de diversidade cultural encontrada. 2031 Além disso, faz-se o destaque de uma das dimensões do processo 2032 educativo, enquanto fator de crescimento humano, que é a importância 2033 da formação tecnológica das pessoas. Atuar na formação da consciência 2034 6 Disponível em http://pne.mec.gov.br/18-planos-subnacionais-de-educacao/543-plano- 2035 2036 -nacional-de-educacao-lei-n-13-005-2014. Acesso em 25 dez.2019.
80 Processos Políticos Educacionais 2037 e da competência profissional para uma sociedade que se industrializa 2038 (FREIRE, 1998, p. 27), é um aspecto fundamental dessa teoria da edu- 2039 cação e proposta pedagógica. E o trabalho educativo, numa democracia, 2040 parece dever ser eminentemente um trabalho com e nunca um trabalho 2041 verticalmente sobre ou assistencialistamente para o homem (FREIRE, 2042 1998, p. 28). 2043 Em “Educação como prática da liberdade”, obra na qual sistema- 2044 tiza a sua experiência pernambucana e potiguar, inspirada nos primeiros 2045 rascunhos de suas teorias e propostas pedagógicas, Freire é enfático em 2046 relação ao fazer educativo, confirmando e ampliando o alcance de suas 2047 intuições pedagógicas e sociais, sem nenhum compromisso com quaisquer 2048 “desenvolvimentismos”. 2049 Ir ao encontro desse povo emerso nos centros urbanos e 2050 emergindo já nos rurais e ajudá-lo a inserir-se no processo 2051 criticamente. E esta passagem, absolutamente indispensável 2052 à humanização do homem brasileiro, não poderia ser feita 2053 nem pelo engodo, nem pelo medo, nem pela força. Mas, por 2054 uma educação que, por ser educação, haveria de ser corajosa, 2055 propondo ao povo a reflexão sobre si mesmo, sobre seu tempo, 2056 sobre suas responsabilidades, sobre seu papel no novo clima 2057 cultural da época de transição. Uma educação que lhe propi- 2058 ciasse a reflexão sobre seu próprio poder de refletir e que tivesse 2059 sua instrumentalidade, por isso mesmo, no desenvolvimento 2060 desse poder, na explicitação de suas potencialidades, de que 2061 decorreria sua capacidade de opção. Educação que levasse em 2062 consideração os vários graus de poder de captação do homem 2063 brasileiro da mais alta importância no sentido de sua humani- 2064 zação. Daí a preocupação que tivemos de analisar estes vários 2065 graus de compreensão da realidade em seu condicionamento 2066 histórico-cultural (FREIRE, 1967, p. 59). 2067 Ir ao encontro do povo, contribuir com a reflexão sobre si mesmo, 2068 seu tempo, suas responsabilidades, seu papel no novo clima cultural da 2069 época de transição no sentido de sua humanização. Freire (1967) identifica 2070 o final da década de 1950, início da década de 1960, como uma época 2071 de transição, um novo clima cultural, em que os trabalhadores(as) rurais, 2072 urbanos, formais e informais, adultos, jovens e adolescentes poderiam
UM POUCO DO PROGRAMA CHAPÉU DE PALHA 81 intervir para garantir uma direcionalidade nova. Para isso necessitariam se 2073 apropriar de seu tempo e seu espaço,bem como lutar por sua transformação. 2074 Percebe Freire, nesse contexto, a necessidade de uma educação 2075 corajosa que contribua com a transformação do povo e do homem do 2076 “povo” em sujeitos históricos, sujeitos de sua história, sujeitos da história. 2077 Essa afirmação do homem como sujeito, que só pode ser na medida em 2078 que, engajando-se na ação transformadora da realidade, opta e decide 2079 (FREIRE, 1975, p. 42-43). Opção e decisão por uma existência e um ser 2080 humano livres que superem as amarras de um regime político e social, 2081 engajando-os na luta por serem mais. É no compromisso, na sua atuação 2082 e na construção de seu saber sobre esse tempo e essa educação que vai se 2083 firmando o pensamento de Paulo Freire. 2084 É numa encruzilhada, pois, que começa a ser formulado e conso- 2085 lidado o pensamento de Paulo Freire, especialmente nas condições do 2086 Nordeste brasileiro do final dos anos 1950 e início dos 1960. Momento 2087 por ele qualificado como de trânsito, um novo clima cultural que nos 2088 poderia levar a uma democratização fundamental da qual uma exigência 2089 seria da cultura; ou, então, cair num grosseiro totalitarismo que impediria 2090 a renovação da sociedade brasileira. 2091 Nesse momento, Freire se apresenta como um defensor intransi- 2092 gente das possíveis construções democráticas e um crítico acirrado de 2093 quaisquer totalitarismo, independente dos rostos que viessem adquirir. 2094 Ainda que naquela época Paulo Freire não conhecesse Hannah Arendt, 2095 não será descabido estabelecer um parentesco entre os pensamentos de 2096 ambos, pois, segundo Starling (2000), Arendt apresenta, naquela ocasião, 2097 questões que inauguram um insistente debate sobre os riscos da barbárie 2098 refletidos no horizonte das sociedades democráticas contemporâneas. Um 2099 risco presente, por exemplo, na erosão das possibilidades de mediação 2100 política entre as esferas do social e do público; ou então, no deslocamento 2101 estranhamente silencioso de uma multidão de párias atravancando o 2102 caminho das grandes cidades: uma gente que, a rigor, não vem de parte 2103 alguma, ninguém os reivindica, não são ninguém, perderam, de alguma 2104 forma, nesse vaivém entre uma identidade coletiva de oprimidos e uma 2105 ausência de identidade, as qualidades que poderiam vinculá-los ao mundo 2106 de seus semelhantes. 2107
82 Processos Políticos Educacionais 2108 Pode-se aproximar essa descrição do contexto de surgimento do 2109 pensamento de Hannah Arendt ao contexto dos inícios dos trabalhos 2110 de Paulo Freire no Nordeste brasileiro, sendo interessante que, sem se 2111 conhecerem, Freire e Hannah assumem uma perspectiva similar. É pos- 2112 sível afirmar que Freire se coloca em posição próxima à perspectiva de 2113 Arendt ao propor uma educação que pudesse contribuir com a construção 2114 das bases democráticas da sociedade brasileira. Bases que contribuiriam 2115 para que essa superasse seu caráter reflexo e se tornasse uma sociedade 2116 reflexiva contra uma possível sociedade de massa ou a continuidade de 2117 uma sociedade reflexa. 2118 A influência de um bom educador faz parte da história do aluno 2119 da EJA. O professor precisa ter um olhar voltado para as experiências 2120 de vida dos alunos da EJA, pois os mesmo trazem na bagagem muitos 2121 conhecimentos e reflexos de mundo. 2122 A valorização dos conhecimentos prévios dos alunos, a sua 2123 “leitura de mundo”, dá o suporte para desenvolvimento da 2124 oralidade, base da aprendizagem da leitura e da escrita. É 2125 preciso dar voz aos jovens e adultos, resgatar suas histórias, 2126 seus “causos”, fazê-los interagir com os textos, levantando 2127 hipóteses, validando-as ou não, mesmo que a leitura inicial seja 2128 realizada pela voz do alfabetizador. É nessa interação entre os 2129 seus conhecimentos prévios e os conhecimentos presentes nos 2130 textos que os alfabetizandos vão construindo os seus possíveis 2131 sentidos (GADOTTI; ROMÃO, 2005, p. 85). 2132 A importância da formação continuada desse profissional é impor- 2133 tante, para que não trabalhem apenas atividades prontas, mas a relação 2134 com o outro, seus desejos, anseios, seus direitos e deveres, sua valorização 2135 como cidadão. 2136 2137 Por isso também o próprio método de alfabetização que Paulo 2138 Freire pensou funciona de tal sorte que realiza,dentro do círculo 2139 de cultura,prática do diálogo que o sonho do educador imagina 2140 um dia poder existir no círculo de cultura, entre os homens, aí 2141 sim, plenamente educadores e educandos de todas as coisas. 2142 Daí surge a própria ideia de conscientização, tão nuclear em
UM POUCO DO PROGRAMA CHAPÉU DE PALHA 83 Paulo Freire. Ela é um processo de transformação do modo de 2143 pensar. É o resultado nunca terminado do trabalho coletivo, 2144 através da prática política humanamente refletida da produção 2145 pessoal de uma nova lógica e de uma nova compreensão de 2146 mundo: crítica, criativa e comprometida [...] (BRANDÃO, 2147 2006, p. 108-109). 2148 Nos tempos de hoje, infelizmente não encontra-se, nas escolas, pro- 2149 fessores com formações específicas para lecionar aula na EJA. Como base 2150 tem-se a formação em Pedagogia,como prática humanizadora da educação, 2151 na qual a minoria dos profissionais possuem especialização em EJA. 2152 O Parecer CNE/CEB n°11/2000, destaca que o preparo de um 2153 docente voltado para a EJA deve incluir, além das exigências formativas 2154 para todo e qualquer professor,aquelas relativas à complexidade diferencial 2155 desta modalidade de ensino. 2156 Assim esse profissional do magistério deve estar preparado para 2157 interagir empaticamente com esta parcela de estudantes e de estabelecer 2158 o exercício do diálogo. Jamais ser um professor aligeirado ou motivado 2159 apenas pela boa vontade ou por um voluntarismo idealista, mas sim um 2160 docente que se nutra do gerRaESlEeRVAtDaOmPARbAéSmEPARdADaOsR especificidades que a habi- 22116718 litação como formação sistemática requer (BRASIL, 2000, p.56). 2162 Dos aspectos relevantes que o Parecer CNE/CEB nº 11/2000 2163 destaca está a necessidade da formação de professores para EJA: 2164 Com maior razão, pode-se dizer que o preparo de um docente 2165 voltado para a EJA deve incluir, além das exigências formativas 2166 para todo e qualquer professor, aquelas relativas à complexidade 2167 diferencial desta modalidade de ensino. Assim esse profissional 2168 do magistério deve estar preparado para interagir empaticamente 2169 com esta parcela de estudantes e de estabelecer o exercício do 2170 diálogo.Jamais um professor aligeirado ou motivado apenas pela 2171 boa vontade ou por um voluntariado idealista e sim um docente 2172 que se nutra do geral e também das especificidades que a habili- 2173 tação como formação sistemática requer (BRASIL,2000,p.56). 2174 Assim, o professor da EJA, precisa ter uma prática reflexiva e ativa 2175 de conscientização inovadora, e trazendo para seus estudantes as desco- 2176 bertas e a valorização do ser humano como um todo, os professores de 2177
84 Processos Políticos Educacionais 2179 EJA e muitos formadores de professores ainda não sabem e não veem 2180 acontecer, na prática, o que está previsto na resolução do CNE (2000): 2181 Art. 17 – A formação inicial e continuada de profissionais 2182 para a Educação de Jovens e Adultos terá como referência as 2183 diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental e 2184 para o ensino médio e as diretrizes curriculares nacionais para 2185 a formação de professores, apoiada em: 2186 I – Ambiente institucional com organização adequada à 2187 proposta pedagógica; 2188 II – Investigação dos problemas desta modalidade de educação, 2189 buscando oferecer soluções teoricamente fundamentadas e 2190 socialmente contextuadas; 2191 III – Desenvolvimento de práticas educativas que correlacio- 2192 nem teoria e prática; 2193 IV – Utilização de métodos e técnicas que contemplem 2194 códigos e linguagens apropriados às situações específicas de 2195 aprendizagem. 2196 Os programas da EJA necessitam ter ações alfabetizadoras e pro- 2197 fessores conscientes de que o ensino-aprendizagem deve estar voltados 2198 para os educandos, com técnicas inovadoras de trabalho em sala de aula, 2199 sendo realizadas de acordo com o perfil e os contextos específicos dos 2200 estudantes. 2201 A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade 2202 (SECAD), desenvolveu ações de educação do campo. 2203 A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e 2204 Diversidade (SECAD/MEC), para garantir o direito des- 2205 tes povos a uma educação adequada a suas características, 2206 necessidades e pluralidade (de gênero, étnico-racial, cultural, 2207 geracional, política, econômica, territorial e produtivas, entre 2208 outras), implementou o Programa Nacional de Educação de 2209 Jovens e Adultos para Agricultores/as Familiares integrada 2210 com Qualificação Social e Profissional, denominado Saberes 2211 da Terra (BRASIL, 2009, p. 5). 2212 Assim como em outras profissões, a formação continuada dos 2213 docentes faz-se necessária, tendo objetivo de uma melhoria na educação
UM POUCO DO PROGRAMA CHAPÉU DE PALHA 85 EJA, construindo um diferencial de aulas motivadoras e menos cansativas 2214 para os estudantes da EJA, devendo considerar todos os eixos sociais, 2215 econômicos e culturais. 2216 É importante observar que o Programa Chapéu de Palha, faz parte 2217 de uma realidade diferenciada que é composta por jovens e adultos, de 2218 acordo com o MEC. 2219 A Resolução nº48 do MEC/FNDE, que rege a EJA Campo, 2220 trata como beneficiários: Pessoas com 15 anos ou mais que não 2221 completaram o ensino fundamental ou médio, matriculadas 2222 em novas turmas de EJA e ainda não cadastradas no Censo 2223 escolar de 2012, sendo considerados prioritários: egressos do 2224 Programa Brasil Alfabetizado, populações do campo, comu- 2225 nidades quilombolas, povos indígenas e pessoas privadas de 2226 liberdade em estabelecimentos penais e em cumprimento de 2227 medidas socioeducativas (BRASIL, 2013. p. 4). 2228 Nesse contexto a EJA no Programa Chapéu de Palha, fortalece a 2229 educação do Campo, de acordo com a resolução exposta nos documentos 2230 do país,garantindo um desenvolvimento dessas turmas e seus movimentos, 2231 sendo um exemplo dessas políticas públicas voltadas aos menos favorecidos. 2232 De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância 2233 (UNICEF), das 3,7 milhões de crianças e adolescentes que estão fora 2234 da escola, a maior parte são da zona rural, sendo 1,5 milhão adolescentes 2235 entre 15 e 17 anos que deveriam estar no ensino médio (UNICEF, 2009). 2236 Além disso, as pessoas que vivem no campo têm em média 3,9 2237 anos de estudo a menos do que as que vivem na cidade. 2238 Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais 2239 Anísio Teixeira (INEP, 2009), 49% dos estudantes da 1ª à 4ª série do 2240 ensino fundamental na zona rural estão em atraso. Por outro lado, na área 2241 urbana a taxa de distorção idade-série é de 23,5%. 2242 Das escolas da área rural, 83% são multisseriadas ou mistas e 40% 2243 têm apenas uma sala de aula. Outra realidade da educação na área rural 2244 é o constante fechamento de escolas. Segundo o Censo Escolar, em 2245 Pernambuco, no ano de 2014, 4.084 escolas do campo foram fechadas. 2246
86 Processos Políticos Educacionais 2247 2248 Há necessidade de se estabelecer padrões de qualidade do 2249 ensino do ensino-aprendizagem, há necessidade de mensura- 2250 ção da eficiência dos sistemas educativos, mas, para se chegar 2251 a resultados concretos em educação, um grande conjunto de 2252 indicadores de qualidade deve ser levado em conta: a qualidade 2253 tem fatores extraescolares e intraescolares; é preciso também 2254 considerar outros critérios subjetivos, sempre deixados de 2255 lado, mas que podem ser dimensionados intencionalmente (GADOTTI, 2009, p.17). 2256 No ano de 2014,um estudo realizado pelo Departamento Intersindical 2257 de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE, 2014) retratou que 2258 a escolaridade de boa parte dos trabalhadores é baixa. Ou seja, 39,3% 2259 possuem nenhum ou,no máximo,três anos de estudo,somando 1,6 milhão 2260 de assalariados em situação de analfabetismo ou com baixa escolaridade. 2261 Não obstante, se considerar os trabalhadores informais, a parcela 2262 com até 3 anos de escolaridade sobe para 45,8% e, no conjunto dos traba- 2263 lhadores rurais, a maioria tem baixa escolaridade, em que 72,3% possuem 2264 até sete anos de estudo, fator que dificulta o processo de qualificação e 2265 a conquista de melhores postos de trabalho. Frigotto e Ciavatta fazem 2266 essa relação do trabalho na perspectiva da exploração. 2267 O trabalho nas sociedades de classes é dominantemente alie- 2268 nador e que degrada e mutila a vida humana, mas ainda assim 2269 não é pura negatividade pelo fato de que nenhuma relação de 2270 exploração até o presente conseguiu anular a capacidade humana 2271 de criar e de buscar a superação da exploração (FRIGOTTO; 2272 CIAVATTA, 2012. p. 755). 2273 Nesse ponto de vista, deve-se considerar a educação, como base 2274 fundamental para que o trabalhador rural tenha um modelo de qualifi- 2275 cação de acordo com sua realidade e que satisfaça o mercado de trabalho. 2276 O direito à educação sendo inalienável do homem e da mulher, deve ser 2277 garantido pelo próprio Estado. 2278 Para Freire (1989, p.31), o homem não é, pois, um homem para a 2279 adaptação. A educação não é um processo de adaptação do indivíduo à 2280 sociedade. O homem deve transformar a realidade. Com isso a educação 2281 deve ser um meio de busca para novas transformações.
CAPÍTULO 3 2282 2283 ETAPAS METODOLÓGICAS 2284 E RELATOS DOS(AS) 2285 2286 TRABALHADORES(AS) DO 2287 PROGRAMA CHAPÉU DE 2288 PALHA
2289
ETAPAS METODOLÓGICAS E RELATOS 89 Este capítulo tem como objetivo descrever as etapas metodológicas 2290 pela abordagem da pesquisa qualitativa e da pesquisa-ação,uma vez 2291 que o seu objeto de estudo possibilita a investigação da inserção 2292 do(a) trabalhador(a) da zona rural no contexto de escolarização mútua, 2293 suas características de vida escolar e de trabalho. Dessa forma, optou-se 2294 pelo método de estudo de caso, pelas estratégias da investigação-ação, na 2295 qual predominaram os resultados qualitativos, levando em conta a imersão 2296 no campo de pesquisa e a observação de comportamento espontâneos 2297 dos educandos e educadores. 2298 Gil (2002) aponta alguns propósitos dos estudos de caso: 1) explo- 2299 rar situações da vida real cujos limites não estão claramente definidos; 2) 2300 preservar o caráter unitário do objeto estudado; 3) descrever a situação 2301 do contexto em que está sendo feita uma determinada investigação; 4) 2302 formular hipóteses ou desenvolver teorias e 5) explicar as variáveis causais 2303 de determinado fenômeno em situações complexas que não permitam o 2304 uso de levantamentos e experimentos. 2305 Nessa perspectiva entende-se que o estudo de caso tem justificada 2306 a sua importância como método, por reunir informações numerosas e 2307 detalhadas que possibilitam apreender a totalidade de uma situação.Assim, 2308 a riqueza das informações detalhadas auxilia o pesquisador a um maior 2309 conhecimento e possível resolução de problemas relacionados ao assunto 2310 estudado. Dessa forma, o estudo de caso, como estratégia de pesquisa, 2311 compreende um método que abrange uma totalidade, tratando-se da 2312 lógica de planejamento, das técnicas de coleta de dados e das abordagens 2313 específicas à análise dos mesmos, não sendo apenas uma tática para a 2314 coleta de dados, nem meramente uma característica do planejamento 2315 em si, mas uma estratégia de pesquisa abrangente. 2316 Quanto mais aproximado do real, mais útil será o conhecimento 2317 para o processo de transformação social, superação das atuais relações 2318 sociais pela construção e consolidação de outras, num modo de produção 2319 diferente, tendo outra organização do poder político. Neste processo de 2320 transformação social, há lugar para as transformações de pequeno e médio 2321
90 Processos Políticos Educacionais 2322 alcance,entretanto,devem estar orientadas para a construção e consolidação 2323 da hegemonia perpassando o poder político, ressaltando a necessidade de 2324 se aprofundar na questão do controle desse poder e também no processo 2325 de formação e fortalecimento das novas relações sociais. 2326 É neste amplo processo, que vão sendo produzidos conhecimen- 2327 tos, saberes e valores que constituirão um conhecimento unificado, uma 2328 nova síntese cultural ou uma nova cultura popular, vinda de um processo 2329 permanente de humanização. A metodologia da pesquisa-ação se coloca 2330 em dois níveis: 2331 a) A metodologia com reflexão sobre os métodos e técnicas da pesquisa 2332 social para descobrir, criar e recriar as mais adequadas à produção deste 2333 conhecimento na reflexão de ações ou de busca de soluções para os pro- 2334 blemas da situação das camadas da classe popular; 2335 b) A metodologia como desenvolvimento de princípios orientadores da 2336 condução da pesquisa-ação. Estes princípios se constituem no modo de 2337 conduzir esta pesquisa. 2338 Neste sentido, trata-se de aspectos teórico-metodológicos da 2339 pesquisa-ação, que além do esboço de uma teoria da transformação social, 2340 implica-se em uma teoria do conhecimento, ou seja, em princípios epis- 2341 temológicos na distinção entre produção científica e filosófica ou ciência 2342 e saber. Estes princípios se constituirão nos critérios para a reflexão sobre 2343 os métodos e técnicas existentes e para a produção de outros. 2344 Deseja-se, pois, produzir um conhecimento que, numa concepção 2345 rigorosa e renovada, seja reconhecido como científico e como saber. 2346 Deve-se, no desenvolvimento da pesquisa, satisfazer algumas condições de 2347 realização da pesquisa e satisfazer também exigências dos conhecimentos 2348 científicos e filosóficos, como têm sido entendido até agora, não sendo 2349 necessariamente positivas, idealistas ou atendendo apenas a interesses da 2350 ideologia capitalista incrustados na ciência e na filosofia. 2351 Não pode-se submeter ao tecnocratismo nem ao academicismo, 2352 entretanto também não se pode submergir no populismo ingênuo ou no 2353 romantismo inocente. 2354
ETAPAS METODOLÓGICAS E RELATOS 91 Em vez de aceitar uma definição mais aberta de pesquisa-ação, 2355 tal como “identificação de estratégias de ação planejada que 2356 são implementadas e, a seguir, sistematicamente submetidas 2357 a observação, reflexão e mudança” (Grundy; Kemmis, 1982), 2358 passei a preferir uma definição mais estrita: “pesquisa-ação é 2359 uma forma de investigação-ação que utiliza técnicas de pes- 2360 quisa consagradas para informar a ação que se decide tomar 2361 para melhorar a prática”, e eu acrescentaria que as técnicas de 2362 pesquisa devem atender aos critérios comuns a outros tipos 2363 de pesquisa acadêmica (isto é, enfrentar a revisão pelos pares 2364 quanto a procedimentos, significância, originalidade, validade 2365 etc.).Isso posto,embora a pesquisa-ação tenda a ser pragmática, 2366 ela se distingue claramente da prática e, embora seja pesquisa, 2367 também se distingue claramente da pesquisa científica tradicio- 2368 nal, principalmente porque a pesquisa-ação ao mesmo tempo 2369 altera o que está sendo pesquisado e é limitada pelo contexto 2370 e pela ética da prática (TRIPP, 1986, p. 5). 2371 Um problema a ser melhor esclarecido e teorizado na pesquisa-ação 2372 é a questão do objeto de pesquisa e das relações entre os pesquisadores 2373 profissionais e populares. Em algumas falas de variados documentos 2374 dos pesquisadores, apresentam-se confusões que servem para alimentar 2375 discussões intermináveis. 2376 Confunde-se a necessária explicitação do objeto do conhecimento 2377 com um processo de pesquisa necessitando superar uma relação de 2378 sujeito/objeto com os pesquisadores profissionais e populares. São dois 2379 problemas distintos. 2380 O que é o pesquisado? Investiga-se a resposta adequada para deter- 2381 minado problema de compreensão, explicação e interpretação de uma 2382 situação específica sobre as relações dos seres humanos entre si e com a 2383 natureza, sendo esse o objeto de conhecimento, e não as pessoas em si. 2384 O objeto de pesquisa são as explicações já existentes para essa situa- 2385 ção tematizada que se revelam inadequadas ou insuficientes, na busca de 2386 outras explicações mais completas. As explicações pré-existentes servirão, 2387 pois, de matéria-prima para a construção da resposta que se busca. Essa 2388 nova explicação é o objeto do conhecimento. 2389 Tanto as explicações científicas quanto as populares circulantes 2390 entram na busca de uma explicação mais consistente, abrangente e que 2391 permita uma intervenção adequada no sentido de compreensão e de 2392
92 Processos Políticos Educacionais 2393 transformação da situação em estudo. Não são as pessoas que sofrem ou 2394 vivem a situação que são objetos de conhecimento, de pesquisa, mas, sua 2395 compreensão dessa situação, bem como a compreensão dos pesquisadores 2396 profissionais e dos livros científicos. 2397 Outra ponto é o tipo de relação que se estabelece entre os pesqui- 2398 sadores profissionais e populares com o conjunto de pessoas que sofrem 2399 a situação tematizada do objeto de pesquisa, podendo estes se fazerem 2400 também pesquisadores, superando seu estágio de simples informantes. 2401 Alguns, parecem, ainda não tratar essa questão adequadamente 2402 e pensar na possibilidade existencial de transformar a relação investi- 2403 gador – investigado em uma relação cordial, ou pensa que o objeto de 2404 conhecimento possa passar a ser sujeito de pesquisa. A relação sujeito x 2405 objeto de conhecimento não pode ser outra a não ser a relação entre um 2406 sujeito cognoscente e um objeto cognoscível. Uma relação dialética com 2407 as formulações explicativas desses diferentes sujeitos na busca de outras 2408 explicações. Muitos temem fazer essa afirmação pensando cair em algum 2409 tipo de positivismo. 2410 A relação entre investigador e investigado é uma relação reflexiva, 2411 analítica e de síntese. Uma relação compreensiva. Jamais poderá ser outra, 2412 ou diferente. 2413 Fals Borba (1989) denota tal perspectiva com muita clareza, visto 2414 que os sujeitos investigadores procedem de diferentes conformações e 2415 racionalidades de classe, pode se criar entre eles uma tensão. Como se 2416 observa, a resolução desta tensão se consegue com a manifestação de 2417 um respeito mútuo e compromisso compartilhado, mediante a prática 2418 coletiva de urna participação autêntica na busca de novos conhecimentos 2419 e experiências sinérgicas. 2420 Trata-se, pois, de transformar as relações entre pesquisadores de 2421 diferentes situações sociais e condições intelectuais, numa sociedade a qual 2422 todas as relações interpessoais são perpassadas pelas relações de exploração, 2423 opressão e subordinação. A necessidade de superar os problemas e limites 2424 dessas relações não pode ser confundida com a necessária relação entre 2425 pesquisador e pesquisado, entre sujeito cognoscente e objeto cognoscível, 2426 no processo investigativo.
ETAPAS METODOLÓGICAS E RELATOS 93 Tem-se, no entanto, que estar sempre alerta para o fato de que as 2427 explicações que o investigado possui serão sobre o objeto de pesquisa, 2428 que virá a ser confrontado com as próprias situações examinadas e os 2429 debates intelectuais, assim o investigador precisar “deixar de lado”naquele 2430 momento seus pré-conceitos. 2431 Os objetos de pesquisa são sempre concepções, visões de mundo, 2432 ideias, explicações para determinadas inter-relações e conhecimentos 2433 (científicos, populares, religiosos, artísticos, etc.) existentes previamente. 2434 Os investigados não são as camadas da classe trabalhadora nem os cien- 2435 tistas, mas suas concepções, seus conhecimentos, seus preconceitos, que 2436 necessitam ser superado numa síntese mais abrangente, consistente, e que 2437 permita a ação transformadora eficaz na direção dos interesses imediatos 2438 e históricos da maioria da população mundial. 2439 Objeto de conhecimento, como afirma Cardoso (1978, p.25), não é 2440 o mundo concreto, a realidade. Mas as representações sobre esse mundo, 2441 essa realidade, em suas diversas manifestações. É o conhecimento que 2442 coloca o mundo real como seu objeto, que desde então é uma formula- 2443 ção, uma construção, sendo a construção desse objeto do conhecimento, 2444 distinto do objeto real. A existência desta realidade concreta permanece 2445 uma questão em aberto, mas que não pode deixar de ser posta. 2446 Sendo objeto do conhecimento, as representações pré-existentes 2447 sobre a realidade natural e social, retratam que o contrário do conheci- 2448 mento popular não é o conhecimento científico, assim como o contrário 2449 do conhecimento científico não é o popular. Estes podem e têm sido 2450 complementares, superando-se mutuamente. O momento histórico, em 2451 que busca-se a garantia e avanço da democratização, é uma excelente 2452 oportunidade para isso. Pode-se interpretá-lo como sendo a oportunidade 2453 de superação de ambos em um novo conhecimento. Um saber não mais 2454 popular, não mais científico: um conhecimento holístico, capaz de servir 2455 de base a uma nova sociedade, a um novo homem e a uma nova mulher. 2456 Essa nova visão inclui a emergente visão sistêmica de vida, mente, 2457 consciência e evolução; a correspondente abordagem holística da saúde 2458 e da cura; a integração dos enfoques ocidental e oriental da psicologia e 2459 da psicoterapia; uma nova estrutura conceitual para a economia e a tec- 2460 nologia; e uma perspectiva ecológica e feminista, que é espiritual em sua 2461
94 Processos Políticos Educacionais 2462 natureza essencial e acarretará profundas mudanças em nossas estruturas 2463 e políticas (CAPRA, 1988, p.14). 2464 Os pesquisados são os conhecimentos científicos e populares existen- 2465 tes sobre uma determinada situação que se faz problema de investigação, 2466 sendo o objeto de conhecimento, para ser superado ou confirmado em um 2467 saber mais consistente, mais amplo e profundo, capaz de servir de base à 2468 destruição das relações sociais de exploração, dominação, subordinação. 2469 Em relação à pesquisa-ação, tem-se a perspectiva de que esta deve 2470 ser contínua e não repetida ou ocasional, afinal, segundo Tripp (1986, p. 2471 448),“não se pode repetidamente realizar a pesquisa-ação sobre a prática 2472 de alguém, mas deve-se regularmente trabalhar para melhorar um aspecto 2473 dela, de modo que seja mais frequente do que ocasional”. Facilitando, 2474 assim, a investigação com os(as) trabalhadores(as) da zona canavieira. 2475 A presente investigação entende a Pedagogia como uma ciência 2476 e um conjunto de práticas formuladas na interlocução com seus funda- 2477 mentos teóricos reelaborados e projetados. Entende-se a Pedagogia como 2478 ciência teórico-prática. É um discurso que emerge do não discursivo, 2479 tendo um retorno sobre o discursivo. É um saber, no sentido de Jean 2480 François Lyotard (1990), com interrelação entre cognição, ética, estética, 2481 política e técnica. Assume-se a compreensão da Pedagogia nos termos 2482 da formulação que faz Develay (2001). 2483 A reflexão epistemológica em relação às ciências da educação 2484 oscila entre uma epistemologia da ciência ocupada unicamente 2485 com a pesquisa da verdade e uma epistemologia da prática 2486 preocupada exclusivamente com a efetividade. Nos dois 2487 casos, essas epistemologias estão a serviço da emancipação 2488 das pessoas. (...). As ciências da educação se alimentariam 2489 assim das incertezas de suas certezas. Contrariamente a suas 2490 disciplinas irmãs (a psicologia da educação tem como disci- 2491 plina irmã a psicologia; a economia da educação, a economia 2492 geral...), cada uma delas tem o cuidado de participar em um 2493 empreendimento de dimensão educativa, pois tem a obrigação 2494 de velar, se isso for necessário e possível, pela transformação do 2495 existente realizando simultaneamente uma tríplice exigência: 2496 de racionalidade, de emancipação das pessoas e de factibilidade 2497 de seus projetos. Assim, parece-me, para clarear essas posições, 2498 conveniente falar de sociólogo, de filósofo, de historiador, de
ETAPAS METODOLÓGICAS E RELATOS 95 psicólogo em educação e não da educação. Esses últimos têm 2499 como instituição de pertença as disciplinas mães das quais 2500 são oriundos como acontece com os sociólogos, os filósofos, 2501 os historiadores, os psicólogos, os economistas do trabalho 2502 ou da saúde, por exemplo. Para essa posição, a epistemologia 2503 das ciências da educação resultaria de uma epistemologia das 2504 ciências e de uma epistemologia das práticas; e as diferentes 2505 disciplinas que as constituem, se elas se reduzirem a explicar 2506 e a compreender, deviam ter como pano de fundo o pro- 2507 jeto de transformar o existente segundo normas a explicitar 2508 (DEVELAY, 2001, p. 61; 62). 2509 Nessas perspectivas considera-se também a contribuição de Freire 2510 (1987),que fornece elementos para uma conceituação de Educação Popular 2511 e de Pedagogia, bem das condições de sua produção. 2512 Sendo a Pedagogia uma ciência, propõe concepções e orientações 2513 de formação humana do sujeito humano, inclusive com indicações de 2514 procedimentos para as atividades culturais, como a educação, inclusive 2515 a educação escolar, entre outras tantas possíveis atividades culturais de 2516 formação, sendo parte dessa compreensão de ciência que não se reduz a 2517 uma questão cognitiva. Pois, além de noções explicativas, interpretativas 2518 e compreensivas fornece noções, conceitos e categorias que contribuem 2519 para a realização da ação humana no mundo. 2520 A reflexão epistemológica em relação às ciências da educação oscila 2521 entre uma epistemologia da ciência ocupada unicamente com a pesquisa 2522 da verdade e uma prática preocupada exclusivamente com a efetividade, 2523 estando a serviço da emancipação das pessoas. 2524 Nesse sentido, compete às ciências da educação (a Sociologia da 2525 Educação, a História da Educação, a Filosofia da Educação, a Biologia da 2526 Educação, a Psicologia da Educação, a Política da Educação, por exem- 2527 plo) e, principalmente, à Pedagogia, como ciência de síntese, garantir as 2528 argumentações para que a educação não se desvie de seus horizontes, que 2529 é a transformação do existente na busca da humanização. O existente (as 2530 relações institucionalizadas dos seres humanos entre si e com a natureza) 2531 apresenta-se por meio de contradições,conflitos,ambiguidades e possibili- 2532 dades nas realidades naturais e culturais, a partir das quais ou nas quais se 2533 organizam e realizam os processos educativos. Esses processos educativos 2534 buscam garantir as exigências da racionalidade e do desenvolvimento 2535
96 Processos Políticos Educacionais 2536 das possibilidades e positividades do existente, isto é, a emancipação do 2537 sujeito humano e a realização de projetos pessoais e coletivos. 2538 As ciências “irmãs” das ciências da educação não têm obrigação de 2539 estudar essas exigências, se bem que atualmente algumas gnosiologias e até 2540 epistemologias afirmem que sim. Sem entrar nessa discussão no momento 2541 - é ou não é tarefa da sociologia, da filosofia, da economia analisar e propor 2542 exigências de transformação social? -, assume-se a distinção e proposição 2543 de Develay como da pesquisa que aqui apresenta-se em síntese. 2544 Assim, a pesquisa-ação escolhida como estratégia de pesquisa, 2545 requereu uma ação tanto na prática quanto na perspectiva teórica, com 2546 o envolvimento do pesquisador junto aos entrevistados/pesquisados, 2547 podendo analisar quais as contribuições do programa na inclusão edu- 2548 cacional desses indivíduos. 2549 Neste contexto, a abordagem da pesquisa qualitativa é justificada 2550 porque, segundo Minayo (2001, p. 22), “e preocupa, nas ciências sociais, 2551 com um nível de realidade que não pode ser quantificado. [...] ela trabalha 2552 com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e 2553 atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações [...]”. 2554 Utilizou-se como procedimento metodológico uma entrevista 2555 semiestruturada, que segundo Gil (1999, p. 21), desenvolve-se a partir de 2556 uma relação fixa de perguntas com alternativas de respostas previamente 2557 estabelecidas,aproximando-se dos questionários,aplicados por amostragem 2558 no grupo focal. No entanto, foi preciso que a pesquisadora, autora desse 2559 trabalho, não interferisse nas respostas do(a) entrevistado(a). 2560 A entrevista foi realizada com 2 (dois) docentes e 3 (três) discen- 2561 tes, os quais fazem parte do Programa Chapéu de Palha no município 2562 de Ribeirão, campo de pesquisa escolhido, e concordaram em participar 2563 da pesquisa, em horários previamente combinados individualmente, 2564 utilizando os seguintes instrumentos: questionários e gravador de áudio. 2565 Realizou-se com dois docentes devido ao fato das turmas formadas 2566 no município não chegarem a mais de três, com 25 (vinte e cinco) até 30 2567 (trinta) discentes, além de muitas vezes esses números serem reduzidos 2568 diante da frequência de participação dos alunos na sala de aula.
ETAPAS METODOLÓGICAS E RELATOS 97 A escolha do grupo participante da pesquisa de campo deu-se por 2569 caraterísticas importantes, destacadas no levantamento da realidade das 2570 turmas do Programa Chapéu de Palha, apresentadas mais adiante. 2571 Quanto as características do grupo pesquisado, obteve-se por um 2572 questionário,sem identificação dos(as) trabalhadores(as) rurais do Programa 2573 Chapéu de Palha, e preenchido durante as visitas no início da pesquisa. 2574 A argumentação conceitual,política e história,buscando arrematá-las 2575 na revisão dos conceitos do Programa Chapéu de Palha, organizando-se 2576 metodologicamente os dados adquiridos. 2577 Portanto, cabe ainda ressaltar a importância da metodologia de 2578 coleta de dados escolhida no sentido de possibilitar o conhecimento dos 2579 valores, dos costumes, das opiniões, das relações sociais e familiares viven- 2580 ciadas pelos informantes, pois como destaca Pereira de Queiroz: “Com as 2581 histórias de vida, busca-se atingir a coletividade de que seu informante 2582 faz parte e o encara, pois, como mero representante da mesma através do 2583 qual se revelam os traços desta”. 2584 O nível de participação dos membros dos grupos na educação não 2585 formal se encontra longe do esperado. Parecem ter jogado um papel muito 2586 pequeno no diagnóstico de necessidades, na administração dos programas, 2587 na preparação de materiais de ensino e capacitação, e na elaboração dos 2588 programas de ensino, a exemplo do Chapéu de Palha. No entanto, têm 2589 contribuído para iniciar programas, mobilizar alunos, selecionar locais 2590 e cursos e muitas vezes não há materiais adequados, professores(as) 2591 qualificados(as) e adoção de políticas amplas e flexíveis para a saúde e 2592 planejamento familiar.A participação do povo na organização e formulação 2593 de projetos, melhoramento dos métodos de capacitação e da inovação de 2594 materiais é quase inexistente. Segundo certas respostas institucionais, as 2595 políticas restritivas dos organismos financiadores, a falta de instalações 2596 para a capacitação e a escassez de materiais são as maiores limitações. 2597 Assim, ao mesmo tempo que identifica-se a existência efetiva de 2598 uma política voltada aos jovens e adultos, percebe-se, no entanto, por tudo 2599 que foi observado até aqui, que o panorama das atividades desenvolvidas 2600 no âmbito do Programa Chapéu de Palha, é muito rico porque descortina 2601 uma variedade enorme de concepções e de práticas,inclusive considerando 2602 a pesquisa-ação. Não há um único modelo, totalitário, que exclua todos 2603
98 Processos Políticos Educacionais 2604 os outros pesquisadores que não se incluam na receita. Isso permite um 2605 amplo e profundo debate não apenas político, mas, sobretudo, intelectual, 2606 epistemológico e investigativo. 2607 Embasando-se em pesquisadores consolidados, sem intenção de 2608 esgotar todo o acervo em relação à temática proposta e objeto desse 2609 estudo, durante o processo de qualificação desde o projeto até a defesa 2610 da dissertação, a partir da coleta de fontes e revisões bibliográficas, outras 2611 necessidades de referências autorais surgiram, surgindo, assim, o intuito, 2612 de delinear algumas contribuições e fontes. 2613 Um dos primeiros ângulos teóricos do qual se fez uso para com- 2614 preensão do objeto de estudo, a metodologia e a coleta de fontes é a 2615 categoria da história oral. 2616 Na pertinência da teoria marxista, principalmente devido aos seus 2617 firmes propósitos sociais e políticos e de possibilidade de transformação 2618 social, o socialista esclarece: 2619 Somente quando o homem tenha reconhecido e organizado 2620 suas “forces propres” como forças sociais e quando, portanto, 2621 já não separa de si a força social sob a forma de força política, 2622 somente então processa a emancipação humana (MARX, 2623 1975, p. 42). 2624 Em relação a Foucault, observa-se como será estabelecido o ciclo 2625 de interdições: 2626 Não te aproximes não toques, não consumas, não tenhas prazer, 2627 não fales, não apareças; em última instância não existirás, a não 2628 ser na sombra e no segredo. Tua existência só será mantida à 2629 custa de anulação (FOUCAULT, 1988, p. 81). 2630 No entendimento atribuído às relações de poder, até porque em 2631 um dos objetivos específicos, trata-se verificar o perfil dos estudantes do 2632 Programa Chapéu de Palha, nesse perfil, encontra-se imbuídas as relações 2633 de poder, entre os trabalhadores pesquisados e os seus patrões.
ETAPAS METODOLÓGICAS E RELATOS 99 3.1. E o que é a Investigação – Ação? 2634 2635 Neste momento precisa-se justificar que, antes de entrar em análises 2636 mais profundas, tente-se compor uma descrição, procure-se fazer uma 2637 breve caracterização do que é a investigação-ação. E, estranhamente, 2638 tem de se reconhecer que isto não é algo simples, uma vez que, sob esta 2639 designação, se acobertam (de forma mais ou menos aceitável) práticas 2640 significativamente diferentes, estruturadas em filosofias, por vezes, quase 2641 divergentes.Realmente,diferentes atuações reclamam este título,bastando- 2642 -lhes, para isso, que haja alguma proximidade entre situações de pesquisa 2643 e a da intervenção, como às vezes em trabalhos que se situam em quadros 2644 quase positivistas, por exemplo, de investigação aplicada. 2645 Para possibilitar o início desta abordagem cabe fornecer uma breve 2646 descrição da investigação-ação sem, contudo, deixar de salientar duas 2647 questões que se consideram importantes: 2648 • Em primeiro lugar que, o que é mais relevante, mais característico 2649 da investigação-ação são questões do foro epistemológico, muito mais do 2650 que simples articulações metodológicas entre teoria e prática; 2651 • Em segundo, que a definição de investigação-ação que se irá dar 2652 é simplesmente uma das possíveis. Mas (e não é por acaso), é também 2653 uma em que melhor enquadra o trabalho que se tem vindo a desenvolver 2654 em diferentes situações que implicam, simultaneamente, produção de 2655 conhecimento e intervenções no campo socioeducativo. 2656 Numa investigação-ação desenvolve-se um conjunto de práticas de 2657 pesquisa visando produzir um conhecimento, que se admite ser necessário, 2658 pois permitirá intervir melhor num problema que se pensa ser importante 2659 enfrentar. E esse conjunto de práticas usa sempre os resultados obtidos 2660 da análise do que acontece, em consequência da intervenção, para pro- 2661 duzir novo conhecimento (e assim sucessivamente). Desse modo, poderá 2662 dizer-se que a investigação-ação “privilegia a mudança, que cataliza como 2663 instrumento de pesquisa, bem como a atividade de pesquisa, que produz, 2664 como agente de mudança” (BATAILLE, 1981, p. 34). 2665 Pode então ser descrita como “um projeto social recoberto por um 2666 projeto científico”(POURTOIS,1981,p.41) sendo também “um processo 2667 que inclui o ator simultaneamente num projeto, portanto numa política, 2668
100 Processos Políticos Educacionais 2669 numa intencionalidade em contatos, papéis, expectativas e num processo 2670 de reflexão e de análise que classificamos de armada,quer dizer,que recorre 2671 a um aparelho de refinamento de dados”. (POURTOIS, 1981, pg. 43). 2672 Trata-se de uma forma diferente de trabalho científico tradicional 2673 (de uma nova metodologia para uns, de um novo paradigma para outros) 2674 extremamente transgressivo. Transgressivo por tudo o que já foi dito, e 2675 porque ousa introduzir a ação no âmbito das competências dos teóricos 2676 e porque, ao responder às necessidades dos práticos (que se confrontam, 2677 no terreno, com a urgência de resolver o problema) ousa propor-lhes que 2678 parem para refletir e produzir conhecimento, no meio da ação. 2679 Muito pragmaticamente Dubost (1983, p. 1) sugere alguns aspectos 2680 que se lhe apresentam como mais característicos da Investigação-ação e 2681 que seriam: “consistir numa ação deliberada, visando uma mudança no 2682 mundo real, empreendida num âmbito restrito, englobado num projeto 2683 mais geral, recorrendo a diferentes disciplinas para obter efeitos de 2684 conhecimento ou de sentido”. 2685 A estas características poderia acrescentar-se e que realiza um tra- 2686 balho simultâneo de pesquisa e ação conseguido através de uma sinergia 2687 dos seus saberes e competências dos atores sociais que o compõem. É, 2688 pois, uma “criação coletiva de inovação pedagógica e de aquisição de 2689 conhecimentos” (PERRENOUD, 1980, p. 47). “É esta criação coletiva 2690 de inovação e produção de conhecimento que confere à investigação-ação 2691 a sua especificidade” (BATAILLE, 1981, p. 30). 2692 Na Pesquisa-Ação os conhecimentos que interessam são os que 2693 podem servir de base à construção e consolidação de novas relações sociais 2694 em suas diferentes dimensões: econômicas, ideológicas e interpessoais, 2695 sociais, as quais são sempre de gênero, étnicas e geracionais num deter- 2696 minado meio ambiente. 2697 Essas diferentes variáveis se cruzam para configurar uma determinada 2698 situação social,um momento histórico específico que exige transformações. 2699 Pois as atuais relações sociais se caracterizam: 2700 a) Pela exploração no trabalho (expropriação da mais-valia); 2701 b.) Pela opressão (expropriação do poder, do saber e do lazer da 2702 maioria da população);
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